PÓLOS DE ECONOMIA DO PATRIMÓNIO: UMA ESTRATÉGIA DE
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PÓLOS DE ECONOMIA DO PATRIMÓNIO: UMA ESTRATÉGIA DE
VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 PÓLOS DE ECONOMIA DO PATRIMÓNIO: UMA ESTRATÉGIA DE VALORIZAÇÃO TERRITORIAL Regina SALVADOR [email protected] José LÚCIO [email protected] André FERNANDES [email protected] e-GEO Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa Resumo O objectivo principal da presente comunicação é avaliar o potencial de uma nova dinâmica na construção civil (que atravessa uma prolongada crise traduzida na diminuição das taxas de crescimento sectorial), assente no investimento em Pólos de Economia do Património. Esta estratégia tem conhecido um sucesso assinalável em vários Estados-Membros, permitindo a qualificação patrimonial através do recurso a saberes, métodos, instrumentos e técnicas tradicionais. A valorização dos recursos patrimoniais tem ainda efeitos de arrastamento em sectores como o turismo, produções tradicionais de qualidade elevada, artesanato, outros saberes tradicionais, empregos ligados à melhoria do ambiente e da qualidade de vida. Esta aposta permitirá rentabilizar investimentos significativos realizados em igrejas, casas senhoriais ou monumentos públicos. A comunicação apresentará propostas para a promoção e desenvolvimento da estratégia de valorização do património e aproveitamento da capacidade instalada ao nível da construção civil. Palavras-chave: Património; construção civil; marketing territorial; clusters culturais. 1 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 1. Introdução O sector da construção civil representa um peso significativo na economia portuguesa (8,9% do emprego, em 2004), em particular nas regiões do interior. Esta especificidade da estrutura produtiva nacional resulta de um longo período de investimentos públicos, com início aproximado em 1986, pautado por elevados apoios dos Fundos Estruturais na construção de infra-estruturas e equipamentos, bem como do importante fluxo de capitais privados para a construção civil devido à carência de habitação, nalgumas parcelas do território, à data da adesão da então CEE. Assiste-se hoje ao culminar do ciclo das grandes obras, sendo esta evolução indissociável de dois factores: a) O território nacional apresenta uma razoável dotação em infra-estruturas e equipamentos públicos. Neste sentido, considera-se que a resposta às necessidades futuras jogar-se-á, essencialmente, no campo da sua manutenção e não das novas construções. b) Portugal detém uma das mais altas taxas de habitação própria (superior a 75%) da União Europeia, consequência directa dos grandes investimentos no sector da construção. Desta forma, colocam-se algumas questões sobre a sustentabilidade futura do sector. Em particular, os aspectos sociais não devem ser esquecidos, sobretudo tendo em conta que a mão-de-obra da construção civil é maioritariamente masculina e jovem. Esta comunicação tem como principal objectivo avaliar o potencial de uma nova dinâmica, assente no investimento em Pólos de Economia do Património (PEP). Esta estratégia tem conhecido um sucesso assinalável em vários Estados-Membros (e.g. França, Reino Unido, Espanha, Itália), permitindo a qualificação patrimonial através do recurso a saberes, métodos, instrumentos e técnicas tradicionais. Por outro lado, a valorização de recursos patrimoniais tem ainda efeitos de arrastamento em sectores como o turismo, produções tradicionais de qualidade, artesanato ou outros saberes tradicionais em empregos ligados à melhoria da qualidade de vida. Em nossa opinião, esta 2 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 aposta permitirá rentabilizar investimentos significativos realizados em igrejas, conventos, casas senhoriais ou monumentos públicos. Para garantir a rentabilização destes investimentos será necessário promover uma campanha internacional de marketing territorial (com publicitação a nível mundial), cuja estratégia de comunicação deverá enfocar as vantagens associadas à aquisição/aluguer de uma “casa portuguesa”. Apresenta-se ainda uma primeira selecção de possíveis “casos de estudo”, onde estas políticas poderão ser aplicadas com maior sucesso (e.g. Ponte da Barca, Amarante, Marco de Canavezes, Lagos, Tavira). São também avançadas propostas para a promoção e desenvolvimento destas estratégias. 2. Pólos de Economia do Património e Reestruturação Territorial A valorização dos recursos patrimoniais tem efeitos de arrastamento em sectores tão distintos como o turismo, a construção, os produtos tradicionais de elevada qualidade, o artesanato e outros saberes tradicionais ou em empregos ligados à melhoria do ambiente e qualidade de vida. A aposta em Pólos de Economia do Património permite rentabilizar investimentos (em igrejas, palácios ou monumentos públicos), ao mesmo tempo que gera economias de aglomeração num processo semelhante ao dos mecanismos associados à formação de clusters. Estas políticas têm vindo a ser seguidas no Reino Unido (designadamente com os “Cultural Quarters”), em França (“Ocres, Argiles et Pierre”, em Luberon) ou em Espanha (escolasateliers). Nestes casos, o conceito de património é entendido num sentido lato, incluindo: − Monumentos, achados arqueológicos; − Casas tradicionais e património rural genuíno; − Actividades tradicionais (lendas e narrativas, tradições, artesanato); − História (eventos históricos, memória de personalidades); 3 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 − Identidade etnológica, saber-fazer tradicional, tradições; − Materiais específicos utilizados no passado ou mesmo no presente. Desta forma, o potencial de desenvolvimento poderá ter por base a dinamização de fileiras sectoriais que recuperem saberes-fazer tradicionais e singulares, a reabilitação patrimonial ou até o desenvolvimento de actividades culturais e pedagógicas orientadas tanto para residentes como para visitantes. Importa, contudo, que estas iniciativas se pautem por uma organização coerente, articulando-se com concelhos limítrofes. Figura 1. Pólo de Economia do Património - Património monumental clássico Pólo de Economia do Património - Património artesanal - Património industrial - Identidade, saber-fazer, tradições - Valorização recursos - Arqueologia - Monumentos - Memória colectiva Cultura Visão contemporânea integrada de valorização do património Turismo Monumentos Públicos, Igrejas, Conventos e outros edifícios patrimoniais Valorização dos recursos patrimoniais Dinamização de: - Sectores complementares como Melhoria do Ambiente Conservação e Restauro - Reabilitação de monumentos Cultura, Turismo, Construção, - Reabilitação de centros históricos (de Produtos de Qualidade, Artesanato, Arte e Saber Fazer Tradicional - Cursos de História da Arte, História/Paisagem acordo com fachadas e cores) Exemplos Réseau de Villes et Pays d’Art et d’Histoire (França) Ateliers-Escolas (Espanha) Reabilitação artesanal em Veneza, Toscania e Ilha Elba Fonte: VIRASSAMY, 2002 (adapt.) O enfoque na qualificação de sítios históricos (como, por exemplo, uma casa outrora habitada por um escritor famoso) não significa que se ignore outros pontos de interesse. Trata-se de gerar sinergias no sentido de construir projectos territoriais integrados, promovendo a criação de redes de pólos com capacidade de atracção e favorecendo a cooperação entre agentes 4 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 locais – tanto do sector público como privado. Por outro lado, é necessário adoptar uma visão contemporânea, alargada e integrada, orientada para projectos que operem uma ruptura com um discurso nostálgico sobre o património. Acresce que a criação e desenvolvimento de Pólos de Economia do Património possibilita a valorização do território através de diferentes processos: − Devido à necessidade de recuperação e/ou melhoramento de importantes valores patrimoniais (casas senhoriais, monumentos, capelas, igrejas, jardins), existirá um fenómeno de up-grading na actividade da construção civil que passará da simples construção de casas particulares para trabalhos complexos de reparação e restauro. Deste processo irá resultar uma maior especialização no emprego, não apenas na construção civil, mas também noutros sectores pertencentes ao mega-cluster habitação (revestimentos, tijolos, cerâmica, pinturas, louças). − Por outro lado, os clusters de indústrias culturais e criativas serão promovidos em função da necessidade de pesquisa no âmbito da arquitectura tradicional, materiais, artesanato, artes, botânica, paisagens. 3. O Sector da Construção Civil em Portugal A tradicional classificação do sector da construção1 como “motor da economia” portuguesa coloca em evidência o peso que o mesmo assume no investimento e na estrutura produtiva nacional. De facto, no ano de 2004, este sector representou 53% do investimento2 total da economia portuguesa e 6,4% do Valor Acrescentado Bruto (VAB), enquanto que o seu peso no emprego total se cifrava em 8,9% (aproximadamente 450 mil empregos). Contudo, importa salientar que a importância não negligenciável do carácter informal de muitas das actividades (em especial, no caso de pequenas obras ou reparações) e a forte incorporação de 1 Considera-se a Secção F – “Construção” da CAE (Classificação das Actividades Económicas) Rev. 2.1 (inclui os seguintes grupos de actividades: preparação dos locais de construção; construção de edifícios (no todo ou em parte), engenharia civil; instalações especiais; actividades de acabamento; aluguer de equipamento de construção e de demolição com operador). 2 Formação Bruta de Capital Fixo. 5 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 mão-de-obra imigrante3 - muitas vezes com condições contratuais precárias - traduzem-se na subavaliação do contributo socio-económico real do sector. Apesar dos baixos custos, o sector da construção atravessa, desde 2001, uma crise que se segue a um período de forte expansão entre 1996 e 2001. De acordo com a FEPICOP4, o prolongamento e profundidade desta crise confere-lhe características particulares que a diferenciam dos anteriores “ciclos recessivos” (2007:9). Perante este quadro de esgotamento do modelo de crescimento baseado em investimento público em infra-estruturas e equipamentos e na modernização do parque habitacional, importa identificar as unidades territoriais cuja dependência socio-económica do sector da construção justifica e possibilita a aposta na dinamização de uma estratégia assente em Pólos de Economia do Património. Para tal, começou-se por analisar dois indicadores: − Peso do emprego na construção no emprego total (Figura 2); − Peso do volume de negócios da construção no volume de negócios total5 (Figura 3). Tendo por base a análise dos resultados obtidos, estabeleceu-se como critério de selecção dos municípios o limiar mínimo de 25% em ambos os indicadores. Apreende-se, assim, com facilidade, o grau de dependência dos diferentes municípios em relação ao sector da construção na dupla asserção social (importância relativa do emprego) e económica (importância relativa no volume de negócios). A aplicação estatística destes critérios permitiu a identificação de 18 concelhos (Tabela I e Figura 4), cuja distribuição territorial (NUT II) é a seguinte: • Região Norte – 10 concelhos (Ponte da Barca, Terras de Bouro, Amarante, Marco de Canavezes, Cinfães, Mesão Frio, Baião, Tabuaço, Alfândega da Fé, Freixo de Espada à Cinta); 3 Estima-se que, em 2001, o contributo dos imigrantes para o VAB do sector da construção civil tenha ascendido a 15% (CARNEIRO, 2004). 4 FEPICOP – Federação Portuguesa da Indústria da Construção e Obras Públicas. 5 Considera-se o volume de negócios das “sociedades”. 6 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 • Região Centro – 4 concelhos (Penacova, Miranda do Corvo, Penamacor, Sardoal); • Região de Lisboa e Vale do Tejo – 1 concelho (Sesimbra); • Alentejo – 1 concelho (Alvito); • Algarve – 2 concelhos (Lagos e Tavira). Tabela I. Peso do emprego e do volume de negócios da construção civil6, por municípios, 2003 CONCELHOS Ponte da Barca Terras de Bouro Amarante Marco de Canavezes Cinfães Mesão Frio Baião Tabuaço Alfândega da Fé Freixo de Espada à Cinta Penacova Miranda do Corvo Penamacor Sardoal Sesimbra Alvito Lagos Tavira Percentagem do emprego na construção civil 34,2 47,6 40,6 39,1 66,1 29,6 57,7 38,6 36,5 43,0 37,0 35,4 35,6 29,5 35,4 31,6 27,3 32,4 Percentagem do Volume de Negócios da construção civil 30,0 41,0 34,4 25,4 50,9 35,1 50,5 46,1 34,2 38,7 28,7 38,5 27,8 33,8 39,0 34,1 29,9 38,3 Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Anuários Estatísticos Regionais, 2004 6 Consideram-se os dados das “sociedades”. 7 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 Figura 2. Pessoal ao Serviço nas Sociedades do Sector da Construção (% Total de Pessoal ao Serviço nas Sociedades), 2003 ´ Atlantic Ocean S P A I N Persons Employed in Construction Companies (%) < 15 15,0 - 24,9 25,0 - 34,9 35,0 - 44,9 45,0 - 54,9 55,0 - 66,1 Information unavailable NUT III 0 50 100 Km Fonte Estatística: Instituto Nacional de Estatística, Anuários Estatísticos Regionais, 2004 Fonte Cartográfica: Elaboração própria, 2007 8 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 Figura 3. Volume de Negócios das Sociedades do Sector da Construção (% Total de Volume de Negócios das Sociedades), 2003 ´ Atlantic Ocean S P A I N Turnovers of Construction Companies (%) < 15,0 15,0 - 24,9 25,0 - 34,9 35,0 - 44,9 45,0 - 50,9 Information unavailable NUT III 0 50 100 Km Fonte Estatística: Instituto Nacional de Estatística, Anuários Estatísticos Regionais, 2004 Fonte Cartográfica: Elaboração própria, 2007 9 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 Figura 4. Concelhos Seleccionados ´ 1 2 1 9 3 Atlantic Ocean 6 4 8 5 Selected Municipalities 10 7 11 1 Ponte da Barca 13 2 Terras de Bouro 1 12 3 Amarante S P 4 Marco de Canavezes 14 A 5 Cinfães I 6 Mesão Frio N 7 Baião 8 Tabuaço 9 Alfândega da Fé 10 Freixo de Espada à Cinta 11 Penacova 15 12 Miranda do Corvo 16 13 Penamacor 14 Sardoal 15 Sesimbra 16 Alvito 17 Lagos 18 Tavira NUT III 17 18 0 50 100 Km 10 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 4. Concelhos: uma agregação baseada nos recursos patrimoniais Nesta 2.ªfase da análise passamos a seleccionar os concelhos que se destacam pelos seus recursos patrimoniais, condição “sine qua non” para poderemser objecto de uma estratégia tipo “Pólo de Economia do Património”. Para tal, baseamo-nos nas “Listas Oficiais” de património classificado do Ministério da Cultura, por distrito e concelho. Estas listas, actualizadas em permanência, incluem tipologias tão diversificadas como edifícios, monumentos religiosos ou infra-estruturas com valor histórico. Comecemos por contabilizar o número de referências de património nas Listas Oficiais de Património: seleccionaram-se os três concelhos, em cada distrito, com maior número de referências patrimoniais7 (Tabela II). Com a aplicação deste critério chegamos a uma lista de 58 concelhos. De modo a reduzir este número e a torná-lo mais operacional, definiu-se como segundo critério de selecção, a existência de mais de 20 referências patrimoniais nas referidas listas (Tabela III). Com a aplicação deste segundo critério obteve-se uma lista de 35 concelhos. 7 A maioria das 18 cidades capitais de distrito não foram incluídas, pois pretendeu-se identificar concelhos com estrutura produtiva pouco diversificada. 11 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 Tabela II. Os 3 concelhos com maior n.º de referências patrimoniais Distritos Aveiro Concelhos Arouca, Oliveira de Azeméis, Santa Maria da Feira Alvito, Ferreira do Alentejo, Moura Barcelos, Guimarães, Vila Nova de Famalicão, Vila Verde (1) Miranda do Douro, Mirandela, Torre de Moncorvo Covilhã, Fundão, Idanha-a-Nova Figueira da Foz, Montemor-o-Velho, Oliveira do Hospital Estremoz, Montemor-o-Novo, Reguengos de Monsaraz Lagos, Silves, Tavira Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel, Sabugal, Vila Nova de Foz Côa (1) Alcobaça, Peniche, Batalha, Pombal (1) Cascais, Loures, Sintra Castelo de Vide, Elvas, Nisa Amarante, Marco de Canaveses, Penafiel, Vila do Conde (1) Abrantes, Mação, Tomar Alcácer do Sal, Almada, Seixal Arcos de Valdevez, Caminha, Ponte de Lima Chaves, Régua, Sabrosa Lamego, Mangualde, Tondela Beja Braga Bragança Castelo Branco Coimbra Évora Faro Guarda Leiria Lisboa Portalegre Porto Santarém Setúbal Viana do Castelo Vila Real Viseu (1) Terceira posição no ranking ex aequo Fonte: IPPAR, 2005 Tabela III. Concelhos com mais de 20 referências patrimoniais Distritos Aveiro Beja Braga Bragança Castelo Branco Coimbra Évora Faro Guarda Leiria Lisboa Portalegre Porto Santarém Setúbal Viana do Castelo Vila Real Viseu Concelhos ----Barcelos, Guimarães Torre de Moncorvo Covilhã, Fundão, Idanha-a-Nova Figueira da Foz, Montemor-o-Velho, Oliveira do Hospital Estremoz, Montemor-o-Novo Silves, Tavira Pinhel, Vila Nova de Foz Côa Alcobaça Cascais, Loures, Sintra Castelo de Vide, Elvas Amarante, Marco de Canaveses, Penafiel, Vila do Conde (1) Abrantes, Tomar --Arcos de Valdevez, Caminha, Ponte de Lima Chaves, Régua, Sabrosa Lamego, Mangualde (1) Terceira posição no ranking ex aequo Source: IPPAR, 2005 12 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 Finalmente, como terceiro critério, adicionaram-se à lista alguns concelhos com elementos patrimoniais excepcionais, mesmo no caso de não cumprirem os dois critérios inicialmente delineados. Os resultados finais obtidos constam da Tabela IV. Tabela IV. Selecção baseada nos três critérios em conjunto Distritos Aveiro Beja Braga Bragança Castelo Branco Coimbra Évora Faro Guarda Leiria Lisboa Portalegre Porto Santarém Setúbal Viana do Castelo Vila Real Viseu Concelhos Arouca Moura Barcelos, Guimarães Miranda do Douro, Torre de Moncorvo Covilhã, Fundão, Idanha-a-Nova Figueira da Foz, Montemor-o-Velho, Oliveira do Hospital Estremoz, Montemor-o-Novo, Vila Viçosa Lagos, Silves, Tavira Almeida, Pinhel, Vila Nova de Foz Côa Alcobaça, Batalha, Óbidos Cascais, Loures, Sintra Castelo de Vide, Elvas Amarante, Marco de Canaveses, Penafiel, Vila do Conde (1) Abrantes, Tomar Alcácer do Sal, Santiago do Cacém Arcos de Valdevez, Caminha, Melgaço, Ponte de Lima, Ponte da Barca Alijó, Chaves, Régua, Sabrosa Lamego, Mangualde, Satão, Sernancelhe (1) Terceira posição no ranking ex aequo Source: IPPAR, 2005 Como se pode constatar, a lista final inclui 50 concelhos, número pouco operacional. Procedeu-se então ao cruzamento destes dados com os resultantes da análise do sector da construção. Tal como já foi referido, procuramos identificar um conjunto de concelhos que apresentasse cumulativamente as duas características seguintes: 1) Um sector da construção com forte peso socio-económico; 2) Elevada riqueza patrimonial. Da análise cruzada de todos os indicadores referidos, resulta a eleição de 5 concelhos, a saber: Ponte da Barca, Amarante, Marco de Canaveses, Lagos e Tavira. 13 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 Contudo, importa referir que outros concelhos apresentam também fortes potencialidades para desenvolver este tipo de estratégia, podendo pois ter sido incluídos nesta lista. Passamos agora a apresentar um conjunto de exemplos e medidas que, à escala local, promovem a referida requalificação da construção civil. 5. Construção de uma estratégia 5.1. Fundamentos teóricos de uma estratégia – o caso dos “Cultural Quarters” no Reino Unido Conforme referimos no capítulo de abertura da presente comunicação, a estratégia para a promoção e valorização cultural de áreas geograficamente delimitadas (“bairros/neighborhoods”) tem conhecido um desenvolvimento importante noutros países europeus. Neste contexto, merece destaque a experiência britânica dos designados “Cultural Quarters”, que tem vindo a ser parte integrante de iniciativas de desenvolvimento local, com en foque no sector da Cultura. Para Bell/Jayne (2004:25) uma « accepted definition of a cultural quarter is that it is a geographical area of a large town or city which acts as a focus for cultural and artistic activities through the presence of a group of buildings devoted to housing a range of such activities, and purpose designed or adapted spaces to create a sense of identity, providing an environment to facilitate and encourage the provision of cultural and artistic services and activities». Deste modo, os sectores associado à gestão, valorização e promoção cultural passam a ser perspectivados como uma mais valia de natureza territorial. No âmbito da presente comunicação, defende-se que ao valor simbólico e de representação das realizações culturais, se deve também associar um quadro de natureza geográfica, isto é, uma unidade de referenciação espacial que, por questões associadas à gestão/promoção, pode ser definida como bairro. Assim, podemos afirmar que um «cultural quarter represents the coherence and convergence of the arts and heritage in culture and culture as a manifestation of society. Cultural quarters provide a context for the use of planning and development powers to preserve and encourage 14 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 cultural production and consumption. Up to the present time, cultural quarters have invariably developed from an existing embryonic cultural presence, as a result of a public sector initiative. Cultural quarters are often part of a larger strategy integrating cultural and economic development, usually linked to the regeneration of a selected urban area. A cultural quarter is a complex cluster of activities - networks embedded in a particular place» (Roodhouse, 2007: 43) Da definição anterior decorre a constatação de que um “Cultural Quarter” não deve ser entendido apenas como uma mera iniciativa de promoção e/ou valorização cultural mas como um eixo crucial de uma mais abrangente estratégia de desenvolvimento local. É pois lícito afirmar que as iniciativas ligadas aos Pólos de Economia do Património, pelas conexões que oferecem com outros sectores da vida económica e social, propiciam efeitos multiplicadores, que garantem a equilibrada auto-sustentação dos projectos. Num quadro de recursos financeiros escassos pensamos ser crucial identificar esta característica dos PEP: existem condições para o sucesso financeiro de uma estratégia baseada na valorização dos recursos patrimoniais. No caso português, o interesse destas iniciativas é ainda reforçado pelo interesse cultural dos imóveis (civis, religiosos, militares, industriais). Algumas estruturas que cessaram a sua utilização inicial (exemplo: imóveis destinados a fins industriais ou militares) constituem um capital físico que importa recuperar, de acordo com uma visão moderna de Património. Existe pois aqui uma importante área de actuação dos poderes públicos. Conforme refere John Montgomery, citado por Roodhouse, «the use of planning and development powers to both preserve and encourage both cultural production and consumption. Moreover, cultural quarters are often seen as part of a larger strategy integrating cultural and economic development. This is usually linked to the redevelopment or regeneration of a selected in an urban area, in which mixed-use urban development is to be in courage to, and the public realm is to be reconfigured. In other words cultural quarters tend to combine strategies for greater consumption of the arts and culture with cultural production and urban place making» (Montgomery: 2003, cit. Roodhouse, 2007: 45). À política urbana local deve também estar associada um programa de reforço qualitativo e quantitativo nos domínios dos equipamentos e infraestruturas, de modo a que o novo conjunto 15 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 urbano resultante constitua uma referência de qualidade, passível de promoção em outros territórios. Assim, dois domínios também devem ser incluídos na estratégia dos pólos de economia do património: o Marketing Territorial (ou, mais exactamente, Marketing Urbano) e a Oferta de Actividades Culturais, Lúdicas, Artísticas e, até, Científicas. Em conclusão, os Pólos de Economia do Património oferecem importantes vantagens entre as quais se deve destacar a valorização da Cidade, a recuperação patrimonial, a promoção (via Marketing Urbano) de territórios e a diversificação da Oferta Cultural. Os Pólos de Economia do Património são «designed to make the city more liveable, these encompass aesthetic improvements of soft infrastructure, ranging from the building of squares, the provision of benches and fountains to the greening of streets and improved public spaces, the establishment of late night shopping and ‘happy hours‘, and cultural events and festivals. Augmenting this has been the support and promotion of creative and cultural industries such as advertising, architecture, visual and performing arts, crafts, design, film, music, performing arts, publishing, media and new media. With buildings and facilities such as museums, art galleries and arts centres, theatres convention and exhibition centres, as well as a supporting cast of restaurants, cafe bars, delicatessens, fashion boutiques, and other cultural facilities – the buzz of ‘creativity, innovation and entrepreneurialism’ brought about by the clustering of these activities in certain areas of the city centre is seen as crucial to contributing to the competitiveness of cities» (Florida, 2004:48). Não só os sectores abrangidos são factores críticos de sucesso, como também a mobilização das administrações locais e a participação dos actores privados é crucial. No ponto seguinte, passamos a propor possíveis vias de concretização de uma estratégia de Pólos de Economia do Património. 5.2. Eixos e Práticas Passamos a apresentar um conjunto de exemplos e boas práticas para a materialização dos Pólos de Economia de Património: 16 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 − Tirar partido das cidades (ex. Lagos) que já hoje possuem Gabinetes Técnicos para os Centros Históricos. Neste caso particular, implementaram-se algumas medidas relevantes, como é o caso do Programa COR, no âmbito do qual se recuperaram várias fachadas de edifícios, mantendo o estilo e cores tradicionais. As Ruas da Barroca e Afonso de Almeida são dois bons exemplos de eixos urbanos que beneficiam deste processo de renovação, nos quais a paleta tradicional de cores foi recriada. − Tirar partido das cidades ou vilas onde existam algumas estruturas de ensino, informal ou formal, relacionadas com actividades tradicionais na construção civil. Por exemplo, em Sintra, um número significativo de jovens tem recebido formação profissional no domínio dos trabalhos em pedra. − Tirar partido das cidades com processos de renovação urbana significativos: Tavira, através do Programa URBCOM, concluiu a renovação urbana da Rua da Liberdade. − Aproveitar os Programas POLIS. Por exemplo, os POLIS Santarém, Guarda e Castelo Branco visam a criação de novas dinâmicas nos centros históricos. Assim, o POLIS Guarda inclui a preparação de um plano de pormenor, que estuda a renovação dos bairros históricos da cidade. − Tirar partido de iniciativas de Marketing Territorial. Em Abrantes, por exemplo, está em preparação uma estratégia de marketing territorial que visa aumentar a visibilidade das actividades culturais no centro histórico da cidade. 17 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 Figura 5. Ideias para a Estratégia Bairros Históricos Estruturas de ensino formal/ informal Novas tendências Processos de renovação urbana Nove Ideias de procura Elementos industriais tradicionais Programas POLIS Marketing territorial Técnicas tradicionais de construção Valores arquitectónicos − Tirar partido de uma nova procura por habitações localizadas em bairros históricos. Em muitos concelhos da região do Pinhal (por exemplo, em Pombal), habitações tradicionais localizadas em bairros históricos têm vindo a ser adquiridas e renovadas pelas classes média e alta. Geralmente, estes processos de renovação adoptam soluções de construção tradicionais. − Tirar partido da procura por habitações tradicionais com origem nos países do Norte da Europa: famílias das classes média e alta do Norte da Europa procuram uma segunda habitação no Sudoeste Europeu. Este dado pode ser um elemento importante para a emergência de uma nova dinâmica no sector da construção. − Tirar partido da diversidade e relevância dos valores arquitectónicos. É, em particular, o caso das igrejas no Alentejo, dos conventos em Tarouca ou de casas senhoriais em Ponte de Lima. − Tirar partido dos processos de renovação urbana com elementos industriais tradicionais como moinhos de vento, moinhos de maré e antigas fábricas, como por exemplo em Palmela, Odemira ou Alcanena. 18 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 − Promover acções de formação profissional que criem competências nas técnicas de construção tradicional como o adobe, muito utilizado no Alentejo. Um bom exemplo é a Associação MARCA ADL, localizada em Montemor-o-Novo, que é responsável pela oferta de cursos no domínio das técnicas de construção tradicional. Para a viabilidade da estratégia apresentada, considera-se determinante o aprofundamento da análise de um conjunto de casos de estudo (nomeadamente os cinco concelhos anteriormente mencionados). Neste sentido, espera-se apresentar, num futuro próximo, um conjunto de estratégias de promoção do desenvolvimento local ancoradas em recursos patrimoniais e construção civil. 6. Marketing Territorial e Segundas Residências Por forma a rentabilizar o esforço de investimento que a criação de Pólos de Economia do Património representa – quer devido aos investimentos necessários, quer às acções de formação e reconversão profissional exigidas – torna-se necessária a realização de um Plano de Marketing Territorial, a desenvolver a nível internacional. A apetência por uma “casa portuguesa” – uma segunda residência, à semelhança do que existe, por exemplo, nos EUA e em Espanha – pode mesmo ser uma das vias para a ultrapassagem da actual crise da economia portuguesa. Ingleses, irlandeses e espanhóis (por ordem decrescente) são já os principais compradores de casas portuguesas, com a Alemanha, países nórdicos, Bélgica e Holanda a despontarem. Com efeito, o mercado de segundas residências promete disparar em Portugal. Estão previstos 61 novos “resorts”, num total de 13.500 milhões de euros de investimento8. O turismo residencial (ou segundas residências para estrangeiros do Norte da Europa) aparece aqui em destaque. A associação ao golfe surge como uma quase constante. Outro estudo sobre imobiliário turístico em Portugal, realizado pela consultora Aguirre Newman, estima haver actualmente em Portugal 925 mil habitações de segunda residência e 8 Fonte: Relatório da consultora “ILM-TRH”, “International Tourism Advisers” (2007). 19 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 50 mil proprietários estrangeiros, concluindo existir “um considerável potencial latente para a expansão deste mercado”9. Em Espanha, por exemplo, existem 3,3 milhões de segundas residências, das quais 1,5 milhões de proprietários estrangeiros. E Portugal tem a vantagem da segurança. No entanto, para viabilizar a constituição de Pólos de Economia do Património seria importante não embarcar em ondas especulativas (à semelhança do que se passa em Espanha) e apostar no longo prazo. A recuperação do património (em especial o destinado a segundas residências) permitirá certamente um desenvolvimento turístico mais sustentável do que a adesão, pura e simples, a “novas modas” (golfe, resorts) que, como todas as outras, passarão. Acresce que uma política de encaminhamento para a recuperação arquitectónica e não para a construção de raiz, teria efeitos de arrastamento nas economias locais – e no emprego – muito mais significativas. A recuperação de muitos dos centros históricos das cidades portuguesas permitiria a instalação de todo um conjunto de actividades culturais e/ou comerciais (ateliers, galerias de arte, oficinas de artesanato, livrarias, encadernadores, salas de espectáculos, estúdios de fotografia), numa lógica de “cidade criativa” (ou “cluster criativo”). A cidade criativa é um espaço de interdependências diferenciadas onde a criatividade é colocada ao serviço da inovação técnica, artística, novas formas de comércio e novas indústrias. Como afirma Florida (2004), estimular a criatividade em cada ser humano é o grande desafio do nosso tempo para garantir o crescimento económico. E, para tal, ainda segundo Florida, tudo roda à volta dos três T’s: Tecnologia, Talento e Tolerância. A tecnologia desempenha um papel fundamental no crescimento económico: este é, antes de mais, consequência do capital humano, ou seja, das actividades criativas. Ora, as cidades são verdadeiros “caldeirões” de criatividade, de inovação e de estímulo da competitividade. O talento, aferido pelas ocupações criativas, integra as pessoas com base nas suas tarefas e não apenas no seu nível educativo. O terceiro T, a tolerância, facilita a mobilização e atrai a tecnologia e o talento para uma determinada localização. 9 Fonte: Relatório da consultora “Aguirre Newman”, citado no “Expresso” de 16 de Junho de 2007. 20 VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007 Referências Bibliográficas BELL, D., JAYNE, M. (2004) – City of Quarters, Urban Villages in the Contemporary City, Ashgate, Aldershot. BROOKS, A. C., KUSNER, R. J. (2001) – Cultural Districts and Urban Developments, International Journal of Arts Management (volume 3, number 2). CARNEIRO, Roberto (Coord.) (2004) – Viagens de Ulisses – Efeitos da Emigração na Economia Portuguesa, Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, Lisboa. 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