A MUDANÇA DE ESTADO EM PORTUGUÊS E EM

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A MUDANÇA DE ESTADO EM PORTUGUÊS E EM
Revista dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras – UFF
www.revistaicarahy.uff.br
Edição Especial/ 2012
ISSN: 2176-3798
A MUDANÇA DE ESTADO EM PORTUGUÊS E EM ESPANHOL: UMA
PESQUISA DIACRÔNICA
Magda Batista de Sant’Anna∗
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar o uso das construções de
mudança de estado entre os séculos XV e XIX no espanhol e no português. O trabalho
analisa a representação dessas construções e visa a explicar o percurso das construções
de mudança de estado em ambas as línguas.
PALAVRAS-CHAVE: mudança de estado; construções predicativas; construções verbais.
ABSTRACT: This research work presents the change of state verbs between the
fifteenth and nineteenth centuries in Spanish and Portuguese. This study examines the
representation and the use of these constructions and explains the course of the change
of state verbs in these languages.
KEYWORDS: change of state; predicative constructions; verbal constructions.
1 – A mudança de estado
Porroche (1998:127) relata que as mudanças podem ocorrer para expressar duas
aquisições: do estado ou da propriedade. Em relação à mudança de propriedade em
língua espanhola, esta se manifesta quando o ser que aparece no enunciado é
modificado na sua essência. Este acontecimento se dá através de um verbo derivado de
substantivo ou de adjetivo, ou ainda, de uma construção predicativa composta pelos
verbos: volverse, hacerse (usados em maior proporção) convertirse en, tornarse e
trocarse en (usados em menor proporção) acrescidos de um adjetivo ou substantivo, no
espanhol. As construções de mudança de propriedade e de estado diferem porque os
estados se desenvolvem em um período transitório, enquanto as propriedades

Mestranda da Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense e
bolsista da agência CAPES.
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demonstram uma alteração da essência do ser, diferenciando-o dos outros seres da sua
mesma espécie devido a essa característica.
Na língua portuguesa, contamos com o verbo “virar” para denotar a ideia de
mudança de propriedade, assim como os verbos “tornar-se” acrescido de substantivo e
“converter-se” acrescido de substantivo. Estes últimos são usados em situações mais
específicas com o uso marcado. Dessa forma, em português tendemos a utilizar um
único verbo (“virar”) para representar o que em espanhol se estabelece por dois verbos:
hacerse e volverse. Para especificar melhor o uso dos verbos que expressam mudança
de propriedade em espanhol, preparamos a tabela a seguir:
Tabela 1: Propriedades semânticas dos verbos copulativos em espanhol (mudança de propriedade)
(Baseada em Porroche, 1998: 127-142)
Verbos
Mudança e
Propriedad
Voluntarie
Situações
propriedade
e e mudança
dade e esforço
marcadas
volverse
hacerse
convertirse
Sim
Não
Sim
gradual
não
sim
sim
não
sim
não
não
não
sim
en
tornarse
trocarse en
Sim
Sim
não
não
não
não
sim
sim
No entanto, nosso estudo não se prenderá às explicações referentes à mudança de
propriedade. Este trabalho pretende abordar as inúmeras questões que concernem
apenas às mudanças de estado em português e espanhol que inclui não só os verbos
léxicos de mudança de estado (ME), como também as construções predicativas.
2 – As construções de mudança de estado predicativas e verbais no espanhol
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Para expressar a ME em espanhol, contamos com as construções predicativas que
são formadas por um verbo classificado como de cópula ou pseudo-cópula e um
sintagma adjetival. Porroche (1998:128) apresenta os verbos de ME como copulativos e
por isso os engloba em uma categoria mais ampla, já que, para a gramática tradicional,
os verbos copulativos típicos são ser, estar e parecer que se caracterizam por fazerem a
ligação entre o sujeito (sintagma nominal) ao seu predicativo (sintagma adjetival).
Vemos a categorização de Demonte & Masullo (1999: 2461-2524) como a mais
apropriada para designar os verbos que expressam ME. Estes teóricos atribuem aos
verbos quedar(se) e ponerse a nomenclatura de pseudo-cópulas, pois entendem que não
se comportam como os verbos copulativos autênticos (ser, estar e permanecer), visto
que o particípio destes verbos pode ser substituído por “lo” sem alterar o sentido do
enunciado:
(1a) Permanece cerrada.
(1b) Lo permanece.
Diferentemente dos verbos copulativos, as pseudo-cópulas não podem substituir o
seu predicativo (sintagma adjetival) pelo pronome “lo”. Tal fato tornaria o enunciado
agramatical, como em (2b):
(2a) Se quedó triste por tres días.
(2b) * Se lo quedó por tres días.
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Além disso, o conteúdo semântico das pseudo-cópulas possui valor aspectual que
denota a ME e podem ser substituídas por um verbo léxico que denote ME sem perder a
noção de mudança.
Outra observação importante, esta de Porroche (1998:127), é que em espanhol
não há um verbo que seja equivalente ao verbo devenir do francês e ao diventare do
italiano para expressar a mudança. A mesma autora acrescenta que o espanhol dispõe de
diferentes procedimentos, sejam eles: léxicos, morfológicos ou sintáticos, para
determinar a noção de mudança. Bermejo Calleja (1990:48) salienta que, quando não se
utiliza o pronome “se”, o predicativo (sintagma adjetival ao qual a pseudo-cópula está
interligada) se referirá ao complemento direto, conforme encontramos nos exemplos a
seguir retirados da autora citada acima:
(3a) Ellos se pusieron muy contentos de vernos.
(3b) Nuestra visita los puso muy contentos.
Como já mencionamos anteriormente, nosso trabalho se restringe às construções
de mudança de estado (CME), mais especificamente, à construção predicativa com a
pseudo-cópula quedar(se) no caso do espanhol. Entretanto, achamos necessário
explicitar os aspectos gramaticais que opõem as construções com quedar(se) e ponerse.
Ambas as construções possuem valor incoativo, ou seja, retratam o início da ME, porém
as construções com ponerse são pontuais e carecem de caráter durativo, ao contrário de
quedar(se), que detém o caráter de permanência na ME (permansivo). A seguir,
apresentamos uma tabela para melhor expor esses dados:
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Tabela 2: Propriedades semânticas dos verbos copulativos em espanhol (mudança de estado) (Porroche,
1998 e Correa, 2007).
Pseudo-có
Mud
pulas
Valor
ança e
incoativo
estado
Sim
Sim
Ponerse
quedar(se
Cará
sim
sim
ter
Caráte
r pontual
permansivo
não
sim
sim
não
)
Quanto às CME verbais, estas são mais frequentes no espanhol e a diferença entre
estas e as construções predicativas (ou passivas adjetivais) não se dão somente por
questões estilísticas ou sintáticas. Correa (2009: 125) ressalta que a preferência pelas
construções verbais de ME que podem ser lidas como um tipo de construção média (este
termo
remete-se
à
voz
média
latina)
ocorre
devido
a
“implicaturas
semântico-aspectuais” que são compreendidas através da tabela a seguir:
Tabela 3: Mudança de estado e aspecto (Correa, 2009: 126).
Construções de
Mudança de Estado
quedar(se) + adjetivo
ponerse + adjetivo
construção
média
Valor exclusivamente
incoativo
não
sim
sim
Valor incoativo e
durativo
sim
não
não
(verbal)
Ao analisar a tabela, podemos observar que tanto a construção copulativa com
ponerse como a construção verbal possuem as mesmas características: representam o
início da mudança de estado, mas somente quedar(se) possui o caráter durativo. Este
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motivo explica a preferência da pseudo-cópula com quedar(se) para expressar a ME,
como afirma Porroche (1998:132), essa construção copulativa é muito frequente no
espanhol e seu uso só não é maior que o dos verbos copulativos ser e estar. Dessa
maneira, entendemos que a construção predicativa quedar(se) + adjetivo tem um uso
particular, pois marca o valor incoativo e também denota o aspecto durativo.
As características aspectuais desta pseudo-cópula diferem tanto da construção
verbal quanto da outra construção predicativa (ponerse + adjetivo). Por outro lado,
sabemos que o uso das construções verbais para expressar ME em espanhol é
imensamente superior ao uso da construção com quedar(se), de acordo com a
quantificação relatada em Correa (2007: 66). No próximo tópico, trataremos das CME
na língua portuguesa e apresentaremos algumas comparações com o espanhol.
3 – As construções de mudança de estado predicativas e verbais no português
No português, assim como na língua espanhola, são encontrados dois tipos de
construções para expressar ME: a predicativa e a verbal. A construção predicativa típica
do português brasileiro contemporâneo é a pseudo-cópula “ficar” acrescida de um
sintagma adjetival (particípio ou adjetivo) que exerce a função de núcleo do predicado.
O português conta com algumas construções que expressam ME, mas a construção com
o verbo “ficar” é preponderante, diferentemente do espanhol, que conta com duas
construções para denotar ME : ponerse e quedar(se).
Correa (2007: 40) destaca que são poucas as construções predicativas (“ficar” +
particípio) no português brasileiro (doravante PB) que apresentam o valor incoativo.
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Segundo o autor, as construções desse tipo no PB detêm um caráter permansivo e
demonstram uma grande permanência em determinado estado físico. Nos exemplos (4a)
e (4b), ambos retirados de Correa (2007: 40), comprovamos o valor permansivo de
“ficar” acompanhado de particípio:
(4a) *Ela ficou caída quando escorregou.
(4b) Ela ficou caída esperando socorro.
No entanto, ainda que em pequena quantidade, existem construções predicativas
com o verbo “ficar” que possuem o valor incoativo. Em contraposição ao espanhol, as
construções predicativas no PB apresentam dois aspectos gramaticais diferentes:
incoativo e permansivo. Correa (2007: 41) explica que o aspecto permansivo não denota
mudança, porém é possível obter na mesma construção uma mudança de estado (valor
incoativo) e uma permanência no estado3. Dessa forma, concordamos com Garcia
(2000: 6) que identifica dois verbos “ficar”:
Os verbos ficar também satisfazem todos os critérios de classificação dos verbos
designativos: não aceitam passiva, podem ter inúmeros tipos de sujeito, têm colocação
ampla, aceitam duas ou mais predicações, não admitem sinônimos e têm um caráter
aspectual marcado. A diferença entre eles reside justamente no seu caráter aspectual, pois
enquanto o verbo ficar1 tem caráter aspectual imperfectivo (juntamente com as fases
retrospectiva e prospectiva), o verbo ficar2 tem caráter aspectual ingressivo (indica que
uma situação que não existia passa a existir). (grifos do autor)
Garcia (2000: 6) apresenta “ficar” como dois verbos diferentes, devido às
características já evidenciadas em Correa (2007: 38-45), ou seja, “ficar” não só denota
mudança de estado, mas também se destaca pelo seu valor continuativo. O primeiro
3
O uso do verbo “ficar” contendo estes dois valores (incoativo e permansivo) em português é
habitual, mas no espanhol este uso somente pode ser marcado com o verbo quedar(se) que não possui o
valor continuativo na mesma proporção do verbo da língua portuguesa.
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autor também o considera um verbo designativo para não denominá-lo verbo de ligação,
visto que apresenta características que destoam dos demais verbos copulativos. Garcia
(2000: 6) acrescenta que os verbos “ficar” podem possuir um valor incoativo ou
ingressivo, mas também um valor imperfectivo, dependendo da situação estabelecida.
A pseudo-cópula “ficar” pode vir acompanhada de um sintagma preposicional que
seria o núcleo do predicado como em (5a). Nesse tipo de construção, elementos podem
ser acrescidos ao sintagma preposicional que serão analisados como mudança de estado,
no exemplo (5b), ou receberão o aspecto gramatical permansivo, na sentença (5c). Há
ainda um tipo de construção que retém os valores: incoativo e permansivo
simultaneamente, tal situação ocorre em (6a). Observemos os exemplos:
(5a) Ele ficou com sono.
(5b) Ele ficou com sono, ao ouvir a canção de ninar.
(5c) Ele ficou com sono, mas teve que estudar a noite toda.
(6a) Ao ver o assalto, a menina ficou com medo por cinco horas.
Assim como no espanhol, a expressão da ME no português brasileiro pode ser
representada por meio de construções verbais. Segundo Correa (2007: 45-48), estas
construções podem apresentar um pronome clítico, mais comum nas CME psicológico,
ou ainda não utilizá-lo, o que acontece com a maioria das CME físico, o que pode ser
observado, respectivamente, nos exemplos (7a) e (7b), abaixo:
(7a) Ela se esqueceu de fazer a tarefa.
(7b) Ela esqueceu de fazer a tarefa.
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Ao analisar as características gramaticais relacionadas ao aspecto das construções
verbais no PB, vemos que elas se diferenciam da construção com o verbo “ficar”, que
em alguns casos denota permanência, pois sempre possuem o caráter incoativo. As
construções verbais no PB mostram um evento pontual, assim como a construção
predicativa com ponerse em espanhol. Assim, complementos que atribuem um caráter
durativo ao enunciado só serão aceitos se a leitura do evento for iterativa, ou seja, o
evento será composto por vários eventos repetidos que expressam início de ME, o que
não quer dizer que há duração:
(8a) A criança se apavorou quando começou o tiroteio.
(8b) A criança se apavorou com os disparos durante toda a noite.
Com objetivo de conhecer melhor as diferenças entre as CME em português e em
espanhol, produzimos um quadro comparativo que abrange todas as considerações que
fizemos sobre o assunto anteriormente. A tabela mostra que a pseudo-cópula “ficar”
abrange todas as possibilidades aspectuais e se assemelha à construção com quedar(se)
porque são as únicas que podem manifestar início de mudança e duração. Por esse
motivo há tantas complicações no uso da pseudo-cópula quedar(se) por aprendizes
brasileiros, pois esta é a que mais se aproxima da construção mais frequente no PB
contemporâneo:
Tabela 4: Construções de mudança de estado e aspecto veiculado (Correa 2009:126)
Construções de mudança de estado
“Ficar” + adjetivo (PB)
Construção verbal (PB)
Valor
incoativo
sim
sim
Valores incoativo e
permansivo
sim
não
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Quedar(se) + adjetivo (E)
Ponerse + adjetivo (E)
Construção verbal (E)
não
sim
sim
sim
não
não
Fanjul (2002 apud CORREA, 2009: 117), sob a perspectiva da Análise do
Discurso, ao trabalhar com o conceito foulcautiano de formações discursivas, afirma
que a discursividade brasileira apresenta uma tendência em considerar eventos no
presente como resultados já alcançados e que isso é demarcado na discursividade do PB.
Na comparação efetuada pelo autor, os argentinos, por sua vez, interpretam os mesmos
fatos como processos. Esta análise de Fanjul (2002 apud CORREA, 2009: 117)
justificaria a preferência no espanhol pelas construções médias devido ao fato de que,
em espanhol, há uma tendência a considerar tais eventos no seu aspecto processual que
é marcada sintaticamente pela construção verbal.
Nesse primeiro momento, procuramos explicar brevemente os fatores que
diferenciam as CME no espanhol e no português para, a partir disso, começar a traçar os
possíveis caminhos que estas construções percorreram durante todo o período histórico
que nos dispusemos a comentar. Portanto, no próximo tópico, iremos expor algumas
considerações importantes a respeito das CME nas duas línguas pesquisadas durante os
séculos XV e XIX.
4 – A análise diacrônica da mudança de estado
Ao analisar os verbos “ficar” e quedar(se) que muitas vezes servem de
tradução um para o outro no português e espanhol, vemos que possuem em sua
semântica um desenvolvimento completamente diferente. Entretanto, ambos os
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verbos têm a sua primeira entrada nos dicionários com o sentido de “permanecer”,
como mostra Andrade (2002: 11-18). Provavelmente, essa falsa tradução seja um
dos motivos para tantos problemas nos estudos dos verbos de mudança de estado
em espanhol, mesmo porque o verbo “ficar” é o que possui uma variedade maior
de definições.
Além disso, as CME em espanhol podem ser realizadas por duas
pseudo-cópulas de mudança de estado (ponerse e quedar(se)), quando em
português a construção predicativa com “ficar” é a única existente. As construções
predicativas em espanhol são utilizadas minoritariamente: a quantificação efetuada
em Correa (2007: 88) acusou somente 11% das CME nessa língua como
copulativas, ou seja, as construções verbais predominam (88%) e observamos que
o espanhol moderno manteve essa característica já proveniente do espanhol arcaico
(século XV) e moderno (séculos XVI – XIX).
Lathrop (2009: 281-282) indica que a situação da sintaxe medieval era muito
complexa e que havia uma preferência pelo uso da passiva (que devemos entender como
a passiva analítica), na Idade Média, de frequência superior à dos tempos modernos:
“suele señalarse que la Edad Media es más propensa a la utilización de la pasiva que
el español moderno”. Correa (2009: 123-124) nos mostra uma profunda ligação entre o
uso das passivas e as CME, ao descrever que, com relação à mudança de estado, o PB
prefere as passivas adjetivais, enquanto o espanhol elege os verbos lexicais. O mesmo
ocorre com as passivas, onde, em termos de frequência, o PB opta pelas passivas
sintáticas e o espanhol prefere as passivas pronominais.
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O uso da passiva e também das construções predicativas para expressar ME
aumentaram durante o período renascentista na Espanha e em Portugal (durante os
séculos XV, XVI até meados do século XVII). As construções passivas com os núcleos
nominais passaram a ser usadas com mais frequência e também podemos ver um
aumento considerável no uso das CME no espanhol durante esse período através da
figura 1, feita a partir da nossa pesquisa com base nos dados do Corpus del Español:
Figura 1: Frequência de construções [quedar(se) +adjetivo] no espanhol entre os séculos XV e XIX.
A figura 1 apresenta o comportamento linguístico da pseudo-cópula com o
verbo quedar(se) entre os séculos XV e XIX, período analisado na nossa pesquisa.
Observamos um abrupto aumento no uso desta construção nos séculos XV e XVI,
muito possivelmente devido ao escasso número de obras do século XV no corpus
utilizado, no século XV, foram encontradas 14 entradas e, no século XVI, 377
entradas.
O gráfico mostra o maior número de ocorrências no período que compõe o
Século de Ouro espanhol, entre os séculos XVI e XVII. Este último apresentou
200 ocorrências, mais especificamente entre os anos 1580 e 1640. Nos séculos
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seguintes,
vemos
uma
grande
diminuição
no
uso
da
pseudo-cópula,
principalmente no século XVIII que apresentou um número de 77 ocorrências,
inferior ao século XIX que obteve 191 ocorrências, este aumento se deve, muito
provavelmente, ao extenso número de obras publicadas no corpus no último
século de análise.
Tessyer (2004: 88) aponta que durante dois séculos e meio (metade do século XV
ao fim do século XVII) o espanhol influenciou muito a língua portuguesa. Todos os
portugueses cultos tinham o espanhol como segunda língua e os nobres portugueses
sempre procuravam casar-se com as princesas espanholas, o que levou a influência
castelhana até os altos postos da nobreza. Foi entre os anos de 1580 e 1640, o chamado
Século de Ouro da literatura espanhola, que o português se assemelhou mais ao
espanhol.
O Século de Ouro foi o auge da literatura espanhola na Idade Média, muitos
escritores espanhóis ficaram conhecidos em todo o mundo devido às obras teatrais, à
poesia e aos primeiros esboços do romance moderno. Além disso, as conquistas da
Espanha nesse período marcado pelo fim do Renascimento e início do Barroco (são
elas: os novos territórios da América, a expulsão dos árabes e unificação das terras
espanholas e de sua coroa) popularizaram a cultura espanhola por toda a Europa. Este
período perdurou até o fim do Barroco. Dessa forma, o aumento do número das passivas
analíticas comentado anteriormente e, em consequência, nas CME, ocorreu também na
língua portuguesa.
Para poder analisar as CME durante o período medieval e clássico, tanto em
português como em espanhol, efetuamos uma pesquisa em dois corpora disponíveis
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pela internet. Os dados em espanhol provêm do Corpus del Español e os dados do
português foram retirados do Corpus do Português, ambos elaborados pelo professor
Mark Davies (Bigham Youg University, Utah, EUA). Procuramos observar as CME
tanto com construções verbais com a formação semelhante às construções médias
latinas, como com os verbos “ficar” e quedar(se) que aparecem em construções de
cópula.
Tabela 5: Construções de mudança de estado no português e no espanhol
Construções
predicativas em espanhol
Construções
médias em espanhol
Construções
predicativas em
Admirarse
Alegrarse
Aterrarse
Calmarse
Hartarse
Entristecerse
Espantarse
português
Ficar admirado
Ficar alegre
Ficar aflito
Ficar calmo
Ficar farto
Ficar triste
Ficar espantado
espantado
Quedar(se)
Maravillarse
Ficar
maravillado
Quedar(se)
Satisfacerse
satisfecho
Quedar(se)tranquilo
Tranquilizarse
Quedar(se) admirado
Quedar(se) alegre
Quedar(se) aterrado
Quedar(se) calmo
Quedar(se) harto
Quedar(se) triste
Quedar(se)
maravilhado
Ficar satisfeito
Ficar tranquilo
Construções
médias em
português
Admirar-se
Alegrar-se
Afligir-se
Acalmar-se
Fartar-se
Entristecer-se
Espantar-se
Maravilhar-se
Satisfazer-se
Tranquilizar-se
Para realizar nossa pesquisa, selecionamos dez CME com o verbo quedar(se) e o
verbo “ficar” que detinham a maior frequência em português e espanhol e as dez
construções verbais referentes a estas construções copulativas. Nossa análise foi feita
através do Corpus del Español e do Corpus do Português fazendo o uso dos mesmos
gêneros em ambas as línguas.
Tabela 6: CME no espanhol entre os séculos XV e XIX
Quedar(se) + adjetivo
Ocorrên
Construções
Ocorrências
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Quedar(se) admirado
Quedar(se) alegre
Quedar(se) aterrado
Quedar(se) calmo
Quedar(se) harto
Quedar(se) triste
Quedar(se) espantado
Quedar(se) maravillado
Quedar(se) satisfecho
Quedar(se)tranquilo
cias
163
8
20
3
32
55
88
34
380
40
verbais correspondentes
Admirarse
Alegrarse
Aterrarse
Calmarse
Hartarse
Entristecerse
Espantarse
Maravillarse
Satisfacerse
Tranquilizarse
676
1049
33
83
292
172
665
663
445
58
O resultado obtido no Corpus del Español traz um número bem alto de
ocorrências: 4939, o percentual de construções de cópula é 20% (823) e o de
construções verbais chega aos 80% (4116 ocorrências). O resultado dessa pesquisa
reitera que o espanhol sempre preferiu as construções médias, sejas por questões
discursivas, seja por maior facilidade em produzir uma única construção verbal do que
unir um sintagma verbal (quedar(se) e ponerse) a um sintagma adjetival para denominar
um evento.
Tabela 7: CME no português entre os séculos XV e XIX
Ficar + adjetivo
Ficar admirado
Ficar alegre
Ficar aflito
Ficar calmo
Ficar cansado
Ficar triste
Ficar espantado
Ficar maravilhado
Ficar satisfeito
Ficar tranquilo
Ocorrências
53
13
7
1
5
79
64
20
86
5
Construções
verbais
Admirar-se
Alegrar-se
Afligir-se
Acalmar-se
Cansar-se
Entristecer-se
Espantar-se
Maravilhar-se
Satisfazer-se
Tranqüilizar-se
Ocorrências
208
232
43
20
112
34
182
99
117
1
Na língua portuguesa, o número de ocorrências é muito inferior ao encontrado na
língua espanhola, isto se dá porque o Corpus do Português apresenta um número
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inferior de construções em 40% ao Corpus del Español. Tal episódio pode ser
esclarecido também porque muitos escritores portugueses preferiam escrever em língua
espanhola, língua de prestígio entre os séculos XV e XVII (cf.: Tessyer, 2004: 88). O
número de ocorrências de CME encontradas é 1381, no entanto, as construções
predicativas resultam em uma porcentagem superior ao espanhol em 7%, totalizando
24% (333 ocorrências), e as construções verbais são 1048 (76%).
Optamos por uma pesquisa histórica para estudar as CME e observamos que o
número de construções copulativas em espanhol era superior do que temos atualmente,
ainda que a preferência sempre tenha sido pelas construções verbais. Também
observamos, nesta análise preliminar, que o português sofreu influência do espanhol e
somente a partir do século XVIII encontramos um número mais expressivo de
construções copulativas para expressar mudança de estado.
5 – Bibliografia
ANDRADE, Otávio Góes de. Matizes do verbo português ficar e seus
equivalentes em espanhol. Londrina: Editora da UEL, 2002.
BERMEJO CALLEJA, F. Verbos de cambio o devenir en español. ASELE. Actas
II, 1990. p. 47-60.
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