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01_011000 Uma Introdu..o.pmd
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Este estudo relaciona os Cartemas, produção artística de Aloísio Magalhães, com a hipermídia,
e, inspirado no modus operandi de Aloísio, levanta possibilidades de criação de obras digitais,
que subvertem a sua proposta original, atualizando-as a partir das potencialidades do meio eletrônico.
Os Cartemas representam o intercâmbio entre arte e design; neles observam-se, também, procedimentos
formais como espelhamento, rotação e modulação, comuns nos trabalhos de Aloísio nessas duas áreas.
Para tratar dessas relações, fez-se necessário dissertar sobre Aloísio Magalhães, biografia e obra;
sobre o Cartema, características e sintaxe; sobre a apropriação, instância primeira na feitura dos
Cartemas, por fazer uso de cartões- postais como matéria-prima; e, ainda, sobre a hipermídia, definições,
interface, manipulação de dados numéricos e o conceito de tempo real. Esse último, nesta pesquisa,
mostrou-se como o grande paradigma da mídia digital, da Internet e da net art, contexto em que
se insere o site 011000, peça digital decorrente deste estudo.
O cartão-postal, segundo Boris Kossoy, é um objeto que sempre propiciou a possibilidade imaginária
de viajar para qualquer parte do mundo sem sair de casa. No site 011000, o cartão-postal é associado
às possibilidades que a mídia digital e a Internet oferecem, de conhecer um local em tempo real
por imagens, sonoridades ou textos, através de webcams, rádios e jornais on-line respectivamente.
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011000 é uma obra de net art cujas composições renovam-se constantemente
por se darem em tempo real. Além disso, a obra somente se realiza mediante a ação do interator.
This study establishes a relationship between Cartemas, an artistic production by Aloísio Magalhães,
and hypermedia, and, inspired in Aloísio’s modus operandi, it raises opportunities for the creation
of digital works, which surpass his original proposal, updating them through the possibilities
of electronic medium.
Cartemas represent the exchange between art and design. Formal procedures such as mirroring,
rotation and modulation, common in Aloísio’s work in these two areas, can also be observed
in Cartemas.
To deal with these relationships, it became essential to talk about Aloísio Magalhães, his biography
and work; about Cartemas, their characteristics and syntax; about appropriation, first action
in the making of Cartemas, for having used postcards as raw material; and, still, about hypermedia,
definitions, interface, numeric data manipulation and the concept of real time. The last one features
in this research as the great paradigm of digital media, Internet and net arts, context in which
is included the site 011000, a digital piece resulting from this study.
The postcard, according to Boris Kossoy, is an object that has always fostered the imaginary
opportunity of travelling anywhere in the world without leaving home. On site 011000, the postcard
is associated to the possibilities offered by digital media and the Internet, of getting to visit a place
in real time via images, sounds or texts, through webcams, online radio and news.
011000 is a net art work on which compositions are continuously updated as they happen
in real time. Furthermore, the work only happens through the interactor’s action.
9
* (Cartema is a neologism representing collage graphical experiments using postcards)
011000 Uma Introdução .............................................................................. 12
Uma Biografia
A Construção do Homem ................................................................................ 18
O Designer ...................................................................................................... 30
Considerações sobre a Obra e o Legado ......................................................... 50
O Cartema
Uma História e uma Leitura ............................................................................ 62
Apropriação ..................................................................................................... 76
Hipermídia
Características da Linguagem Hipermidiática .................................................. 84
Imagens, Textos e Sons Eletrônicos ................................................................. 88
Perspectiva do espaço x Perspectiva do tempo real ......................................... 92
Mídia Arte ....................................................................................................... 96
Experimentações
011000 Cartemas Digitais ............................................................................. 106
Considerações finais
Possibilidades Criativas entre os Cartemas e a Hipermídia ............................ 118
www.etceterart.net/011000
Uma Peça Digital ............................................................................................ 122
1
Bibliografia ............................................................................................................ 136
12
Aloísio Magalhães foi, numa ordem cronológica e simplificada, artista, designer e mentor da política cultural
do Brasil. Entretanto, sob um olhar mais atento, torna-se difícil precisar com clareza os limites dessas três atividades
em sua trajetória. Isso porque era da natureza de Aloísio Magalhães lançar um múltiplo olhar sobre os assuntos
e nunca se fixar em um único ponto de reflexão.
Foi incansável na busca por um modo de existir somando todas as experiências no que acreditava ser um “processo
aberto e flexível, de constante realimentação”.1 Como conseqüência natural dessa particularidade, Aloísio transitava
livre, com segurança, pelos diversos territórios criativos.
Aloísio Magalhães afirmava que “uma cultura é avaliada no tempo e se insere no processo histórico
não só pela diversidade dos elementos que a constituem, ou pela qualidade das representações que dela emergem,
mas sobretudo por sua continuidade.”2 Essa continuidade que comporta modificações e alterações é o que garante
a sua sobrevivência. Do mesmo modo, Aloísio construiu o seu percurso sem relegar o passado, entendeu a realidade
visando garantir uma ação futura consistente.
Aloísio é reconhecidamente um dos personagens principais da história do design e da cultura brasileira.
1
MAGALHÃES, Aloísio.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 11.
2
Ibid.
Foi também um grande artista e aí encontra-se a sua qualidade primordial: a valorização da visualidade.
tenha acontecido no campo do design, “era o pintor, o que trabalha, com as mãos, o designer também,
13
Em todas as suas atividades Aloísio alinhava-se com essa particularidade. Embora o seu maior reconhecimento
que movia a outra ponta do nervo que termina no cérebro.”3 Mesmo quando atuou na esfera pública,
era um artista também, o homem de visão abrangente, inconformado com a precariedade com que se tratavam
as questões culturais do país.
Quando escolheu trilhar o caminho do design e afirmou que não acreditava mais na arte como produção individual,
Aloísio queria dar à sua obra a dimensão perdida pela pintura da época e, em favor da humanidade, o seu maior
legado: a sensibilização da coletividade. Este é o aspecto de sua obra sobre o qual norteou-se este trabalho:
o entrelaçamento da arte com o design e o uso da tecnologia como elemento constitutivo de poéticas visuais.
3
4
O Cartema, a obra mais original de Aloísio Magalhães, representa o intercâmbio entre estes dois campos, arte e
CLÁUDIO, José.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 38.
design. Gerou grande interesse à época de sua criação. A utilização do cartão-postal como unidade de composição
da obra de arte estava conceitualmente inserida no contexto artístico da época que já, desde os anos 60,
“Webcam é uma câmera de vídeo
acoplada a um computador ligado
na internet. O micro usa essa câmera
para tirar fotos em um determinado
intervalo de tempo e carrega essas
imagens para um site para que elas
sejam vistas por qualquer internauta.
Algumas webcams atualizam as
imagens a cada segundo. Outras
câmeras, a cada minuto. Há as em
tempo real. Essa frequência depende
da velocidade de conexão.”
ZILVETI, Marijô (22/05/04)
Preço acessível faz webcam
se popularizar entre internautas
http://www.netmarkt.com.br/
noticia2003/668.html
Jornal on-line: a presença de
trabalho jornalístico em sites da
internet atualizados constantemente.
Rádio on-line: rádio executada em
tempo real enquanto o computador
estiver conectado a um outro
computador ou rede.
14
5
trazia objetos do cotidiano para dentro do discurso artístico.
A imagem produzida pela fotografia redimensionou o conceito do espaço e, através da imagem fotográfica
impressa no cartão-postal, o espaço veio ao encontro do observador, transformando o cartão-postal numa janela
de acesso a vários mundos. O cartão-postal é inserido no jogo de composição do Cartema.
Nele, o recorte de realidade só existe quando se percebe o módulo-base da composição no todo do Cartema.
Essa realidade forma outras realidades abstratas num puro jogo de imagens.
Rudolf Arheim aponta que toda experiência visual está inserida num contexto de espaço e tempo.
Seguindo esse preceito, este estudo propõe continuar o jogo de imagens utilizando, não mais o cartão-postal,
mas o que elegeu-se como seu correspondente no ambiente digital, os três módulos-base: imagens de webcams4,
jornais e rádios on-line5. Eles entrarão no jogo de composição em que, ora as imagens das webcams
serão manipuladas, coladas, ora as letras dos jornais serão espelhadas, rotacionadas, sobrepostas,
formando composições inspiradas nos Cartemas de Aloísio Magalhães.
Esta pesquisa inspirou-se também numa frase de Aloíso que diz: “no processo de evolução de uma cultura,
nada existe propriamente de ‘novo’. O ‘novo’ é apenas uma forma transformada do passado,
enriquecida na continuidade do processo, ou novamente revelada, de um repertório latente.
Na verdade, os elementos são sempre os mesmos: apenas a visão pode ser enriquecida por novas incidências
de luz nas diversas faces do mesmo cristal.”6 Esta pesquisa evolui segundo as ações de Aloísio Magalhães:
parte de um dado do passado, um elemento rico e estabelecido, compreende o contexto atual da produção
em arte e design, e propõe um novo olhar sobre a matéria criativa.
O primeiro capítulo, uma biografia de Aloísio Magalhães, conta a formação e o processo transitório
do artista plástico, em designer e, posteriormente, mentor cultural, relacionando a sua produção
e delineando o intercambiamento das áreas em que atuou de modo emblemático.
O segundo capítulo apresenta uma sintaxe do Cartema e uma análise de três obras a partir do Sistema de Leitura
Visual da Forma de Gomes Filho. Em seguida, aborda-se o tema da apropriação na arte
como um dos motes conceituais que permeiam esta pesquisa, tanto pela utilização dos cartões-postais
por Aloísio Magalhães, na feitura dos Cartemas, como pela apropriação de webcams, jornais e rádios on-line
na peça digital que faz parte deste trabalho.
O terceiro capítulo insere questões sobre hipermídia, dentro do que a própria transposição dos princípios formais
do Cartema, para o ambiente hipermidiático, inspirou a pesquisa, ou seja, interface, manipulação de dados
numéricos, tempo real, mídia arte. Esse capítulo inicia-se com uma breve definição das características da hipermídia,
sua evolução desde as primeiras noções de hipertexto até as questões de interface. Trata-se também dos conceitos
das imagens, sons e textos baseados em códigos binários, e, portanto, passíveis de total interação,
e as mudanças ocorridas no contexto dos meios pré-informáticos à era pós-fotográfica.
É também importante conceituar o tempo real, que no processo de pesquisa se mostrou como o grande paradigma
perspectivas da tecnologia eletrônica, e, por fim, realizou uma abordagem de obras de mídia arte para ilustrar
6
MAGALHÃES, Aloísio.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 11.
15
da mídia digital e da Internet. Para isso, fez-se um contraponto da relação espaço e tempo dentro das novas
os tipos de pesquisas que se tornaram possíveis graças à relação híbrida entre arte e tecnologia,
e como a arte faz uso dos meios para transgredi-lo e transformá-lo numa ferramenta criativa.
No decorrer do processo de pesquisa, surgiu a oportunidade de ver, na prática, durante um workshop
no evento Faces do Design, ocorrido em outubro de 2003, ministrado pelo grupo, como seria a transposição
dos princípios formais do Cartema para o ambiente digital, substituindo o cartão-postal por imagens de webcams
capturadas no fluxo da rede, gerando Cartemas digitais. Essa importante experiência é relatada no capítulo 4,
Experimentações, e deu à equipe elementos substanciais para a continuidade do projeto. Por fim, o quinto capítulo
apresenta as considerações e avaliações do grupo, a partir das relações estabelecidas entre o Cartema
e o ambiente hipermidiático.
Toda a pesquisa foi o respaldo teórico necessário para a elaboração e produção da peça digital que acompanha
esta monografia. A peça é uma experiência estética interativa que faz uso da apropriação de imagens de webcams,
sons e textos de jornais e rádios on-line, e as suas potencialidades transgressivas na criação de composições
16
artísticas, interativas e em constante metamorfose.
18
A Construção do Homem
Aloísio Magalhães nasceu no Recife, em 5 de novembro de 1927. Sua família descende de imigrantes portugueses
que se instalaram no sertão de Pernambuco ainda no século XVIII. Cresceu rodeado de figuras importantes,
políticos e intelectuais da época. Era sobrinho de Agamenon Magalhães, eleito duas vezes deputado federal,
ministro do presidente Getúlio Vargas, governador do Estado de Pernambuco e um dos fundadores do Partido Social
Democrático (PSD) no estado. Foi com ele que Aloísio aprendeu a arte da conciliação.
Do pai, Ageu Magalhães, professor e médico respeitado, influente na sociedade pernambucana, herdou a racionalidade
intelectual. Sua mãe, Dona Henriqueta ensinou-lhe o convívio e “a prática social, os hábitos refinados, o prazer pelos
sabores”1 e, principalmente, o valor e o atendimento aos sentidos. Assim, em uma família de vida social intensa, por
onde transitavam pessoas ilustres como o sociólogo Gilberto Freire e o poeta pernambucano Ascenso Ferreira, e onde
se destacava a sobriedade, a tradição
Aloísio Magalhães aos 8 anos de idade.
e a constituição sertaneja abastada, sempre próxima do exercício do poder político, cresceu e se desenvolveu
o menino Aloísio.
Desde cedo Aloísio Magalhães revelou-se inclinado para as artes. Em 1946, quando ingressou na Faculdade
1
LEITE, João de Souza.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 26.
2
MELO, José Laurênio de.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 29.
de Direito do Recife, àquela época reduto de formação humanista e sinônimo de projeção política e intelectual,
logo juntou-se ao grupo de Teatro do Estudante de Pernambuco, o TEP, um movimento que foi responsável pela
renovação da vida cultural e das artes cênicas no nordeste. Ele incumbiu-se da direção
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“já era apontado como uma das melhores promessas da nova geração de artistas plásticos de Pernambuco.”2 Aloísio
Aloísio encena,
no quintal de sua casa,
a peça de Garcia Lorca,
Os Amores
de Dom Perlimplim
com Beliza em seu Jardim,
em 1947.
do Departamento de Bonecos e assumiu o cargo de cenógrafo oficial do grupo.
Mais tarde, em 1950, ano em que terminou o curso de direito, Aloísio participou
de outra atividade do TEP: a edição de livros cujos autores, José Laurênio de
Melo, Gastão de Holanda e Hermilo Borba Filho, eram, além de integrantes
do grupo, os mentores intelectuais daquele movimento.
Durante o período de sua formação na Faculdade de Direito, a produção artística
de Aloísio Magalhães foi grande, tendo participado de pequenas exposições,
individuais e coletivas, ao lado de talentos promissores como Reynaldo Fonseca
e Francisco Brennand. Mas pouco foi preservado de sua obra desse período.
Com o fim do curso e a dispersão do TEP, Aloísio inicia uma nova fase.
Em 1951, recebeu uma bolsa do governo francês e foi estudar museologia
no Museu do Louvre, em Paris. Passou a freqüentar, também, o Atelier 17,
famoso centro europeu de gravura, dirigido por Stanley William Hayter,
apontado por críticos como um dos responsáveis pela “reabilitação das técnicas
de gravura no século 20”.3 Juan Miró, Hans Arp e Yves Tanguy figuram entre
os freqüentadores do atelier nesse período. Ao retornar ao Recife, em 1953,
Aloísio logo fez uma exposição de suas pinturas e em seguida participou da
2ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo. Tem início uma seqüência de
exposições em Salvador e no Rio de Janeiro.
O grupo do Teatro de Estudantes de Pernambuco, na Faculdade de Direito:
Aloísio à esquerda, com Ariano Suassuna, Gastão de Holanda, Hermilo Borba Filho,
Joel Pontes, Fernando da Rocha Cavalcanti e José Laurênio de Melo.
Em 1954, Aloísio Magalhães participou da fundação d’O Gráfico Amador
no Recife, um atelier/ editora em conjunto com Gastão de Holanda,
José Laurênio de Melo, esses dois membros do antigo TEP,
LEITE, João de Souza.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 35.
e Orlando da Costa Ferreira.
20
3
Muitos outros intelectuais da época participaram das ações d’O Gráfico Amador. O designer Guilherme Cunha Lima,
professor da Esdi - Escola Superior de Desenho Industrial, e estudioso sobre o assunto, atribui a’O Gráfico Amador
a origem da moderna tipografia brasileira e aponta o fato de que nesse movimento Aloísio Magalhães já dava sinais
claros de sua veia projetual.
Símbolo
d’O Gráfico Amador.
N’O Gráfico Amador, Aloísio empregou todo o seu conhecimento, as diversas técnicas de gravura aprendidas
na Europa e explorou sua visualidade em trabalhos gráficos de repercussão internacional.
A finalidade do grupo era editar, exclusivamente, os textos literários dos seus participantes,
mas acabaram publicando obras de outros autores. A situação real era que em Pernambuco não havia editoras
e editar livros em São Paulo ou Rio de Janeiro demandava tempo e muito dinheiro, a solução foi, eles mesmos,
editarem suas próprias obras.
O poeta João Cabral de Melo Neto, primo de Aloísio Magalhães, já havia realizado esse tipo de trabalho
quando morava em Barcelona, por ocasião de suas atividades diplomáticas como cônsul do Brasil. Ele editou
e publicou sozinho, diversos livros seus e de outros autores brasileiros. Sua experiência como tipógrafo
foi de grande importância para as atividades iniciais do grupo. Durante 8 anos O Gráfico Amador editou,
primorosamente, “vinte e sete livros, três volantes, dois boletins e um programa de teatro”.4
O Gráfico Amador foi um movimento que entrelaçou a “literatura com as artes plásticas e com o design”5;
expressava os sentimentos vigentes na época. Aqueles eram tempos de mudança no panorama político-econômico
brasileiro, e havia um movimento generalizado que visava colocar o Brasil definitivamente no mundo moderno.
Aloísio em seu atelier no Recife.
O pensamento e a ação d’O Gráfico Amador refletiam os anseios de uma transformação cultural maior
4
LIMA, Guilherme Cunha.
O gráfico amador: as origens
da moderna tipografia brasileira,
p. 113.
5
Ibid., p. 18.
21
e mais profunda.
22
Improvisação Gráfica.
Folhas soltas, encadernadas
em pasta de tecido,
impressas em diferentes técnicas.
Aniki Bobó.
Design de Aloísio Magalhães
e texto de João Cabral de Melo Neto.
Impresso em tipografia e clichê
de barbante.
23
Os desenhos foram feitos antes do
texto. Por essa razão, consta no
colofão ”ilustrado com texto de
João Cabral”
Paralelamente as atividades n’O Gráfico Amador, Aloísio continua sua produção artística. Participa da 3ª Bienal
Internacional de Artes de São Paulo e do Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Em 1956, realiza outra exposição individual no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Nesse mesmo ano, consegue,
novamente, bolsa para estudar fora do país; dessa vez, nos Estados Unidos. Ele realiza diversas exposições
no território americano: a primeira foi em Washington, na Pan-American Union. Em seguida, expõe na Roland de Aenlle
Gallery, galeria interessada pela arte moderna latino-americana, em Nova York. Em 1957, o Museum of Modern Art
(MoMA) em Nova York adquire um dos seus quadros, Paisagem, para o seu acervo permanente.
Foi a partir dessa viagem aos Estados Unidos que Aloísio Magalhães, no processo particular de continuidade,
conduziu sua transformação de artista para designer. O contato com Eugene Feldman, artista gráfico,
diretor do Departamento de Design Tipográfico da Philadelphia Museum School of Art e diretor da The Falcon Press,
uma gráfica comercial que funcionava como laboratório gráfico à noite, foi fator decisivo nessa transformação.
O pensamento peculiar de Aloísio sobre arte e design lhe valeu um convite para dar aulas em um curso de design
no Philadelphia Museum School of Art. Esse fato aproximou-o ainda mais do trabalho gráfico de Eugene Feldman.
Aquele era o “momento de consolidação da cultura da identidade corporativa, (…) Aloísio não poderia deixar de ter
contato e de refletir sobre as idéias do design racionalista.”6 Diante desse quadro de profundas mudanças, Aloísio adere
à linguagem formal do estilo internacional e o design se revela para ele como “a integração das possibilidades do
artista ao cenário da contemporaneidade.”7
MELO, Chico Homem de.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 152.
7
LEITE, João de Souza.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 83.
8
Ibid.
Aloísio Magalhães e Eugene Feldman
no ambiente de trabalho da The Falcon Press.
24
6
As novas tecnologias de impressão revelaram-se para Aloísio como a possibilidade de geração
de uma nova experiência visual. Com elas, descobre uma outra organização do tempo na produção da sua obra.
É o deslocamento do pintor rumo a um novo enfoque do seu objeto de criação artística8
que se constitui em uma atitude projetual. Da parceria com Eugene Feldman surgiram duas publicações notáveis
do design editorial: Doorway to Portuguese e Doorway to Brasília.
25
Doorway to Portuguese
Concepção e design de Aloísio Magalhães
e Eugene Feldman, impressão em offset.
The Falcon Press, Filadélfia, 1957.
26
Doorway to Brasília
Concepção e design de Aloísio Magalhães e Eugene Feldman, impressão em offset. The Falcon Press, Filadélfia, 1957.
Após a experiência na The Falcon Press e com o fim d‘O Gráfico Amador, em 1961, em plena crise institucional do país
com a renúncia de Jânio Quadros à presidência da República, Aloísio Magalhães inicia sua atividade como designer
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e transfere-se definitivamente para o Rio de Janeiro.
A primeira formação do seu escritório foi com Artur Lício Pontual, arquiteto recifense, e Luiz Fernando Noronha;
chamava-se Magalhães + Noronha + Pontual, MNP, e atendia a uma demanda variada de projetos de arquitetura,
exposições, símbolos, logotipos, etc.
Em 1962, a MNP passou a se chamar AM PVDI - Aloísio Magalhães Programação Visual e Desenho Industrial
(o termo design não era utilizado na época). Agora com um só líder e totalmente voltado para a realização de projetos
de design, em poucos anos a AM PVDI tornou-se o mais importante escritório de design do país. Nesse período, Aloísio
ainda pintava. Em 1961 realiza o que se considera sua última exposição individual como pintor e participa também
28
da 6ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo. A partir daí, dedica-se integralmente ao design.
Gilvan Samico no escritório.
Calendário Shell, projetado em 1960.
29
No sentido horário:
Eleonore Koch, (?), Aloísio Magalhães,
Luiz Fernando Noronha, Gilvan Samico
e Artur Lúcio Pontual à mesa, para o almoço.
Entrando na cozinha, a cozinheira Carmélia.
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O Designer
No decorrer dos anos, a movimentação no escritório de Aloísio Magalhães foi intensa. Por lá passaram muitos artistas
como o cineasta Fernando Cony Campos, o gravador Gilvan Samico, o artista plástico e artista gráfico Gustavo Goebel
Weyne, o designer e professor Orlando Luiz de Souza Costa, o designer Rogério Duarte, entre outros, e muito foi feito.
A seguir, um resumo da intensa produção da AM PVDI, cujo valor é de suma importância na formação da história
do design no Brasil.
Em 1964, Aloísio ganha o concurso para a criação do símbolo do 4º Centenário da Cidade do Rio de Janeiro.
Esse é o seu primeiro trabalho como designer que teve enorme repercussão. O símbolo foi “espontaneamente
reproduzido pela população nos contextos mais variados da cidade.”9 Max Bense, filósofo alemão, estudioso
dos fenômenos estéticos e semiológicos, e também professor, nos primeiros anos da Esdi - Escola Superior
de Desenho Industrial, publicou um extenso estudo sobre esse acontecimento em seu livro Brasilianische Intelligenz.
Em seguida, a AM PVDI desenvolve o símbolo para a Fundação Bienal de São Paulo, Banco Aliança, Light S.A.,
Vale do Rio Doce e muitos outros. Em 1966, ganha o importante concurso para desenhar o novo padrão monetário
Acima:
Aloísio trabalhando no escritório MNP.
Capa do livro do teórico Max Bense
sobre a estética no Brasil
do Brasil. A partir daí, por seu excelente trabalho, Aloísio torna-se consultor da Casa da Moeda e do Banco Central
do Brasil. Em 1968, participa da 1ª Bienal Internacional de Desenho Industrial, instalada no Museu de Arte Moderna –
Em 1970, outro grande feito: a PVDI desenvolve o “primeiro grande projeto de design institucional no país para a
PETROBRAS.”10 A complexidade do projeto abrange, desde a criação do símbolo, a elaboração de todas as embalagens
9
LEITE, João de Souza.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 274.
10
31
MAM do Rio de Janeiro.
Ibid.
Símbolo do 4º Centenário
da Cidade do Rio de Janeiro.
32
Exemplos da apropriação popular
desse símbolo.
Kei Engenharia
Programa de identidade visual COMGAS.
Universidade de Brasília
Banco Moreira Salles,
atual Unibanco
Construtora Cimbra
Símbolo Itaipu.
33
Embalagem desenvolvida para a
Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar.
dos produtos, até os elementos de identificação dos postos de distribuição
e os seus equipamentos próprios, como a bomba de gasolina. A PVDI construiu
um extenso e rico portfolio de projetos de design. Além de toda essa produção,
Aloísio Magalhães também envolvia-se cada vez mais com questões específicas
do ensino de design no país.
Em 1962, participou, como professor, de um curso de experimentação tipográfica
no MAM do Rio de Janeiro, juntamente com Alexandre Wollner.11 Era intenção
da direção do MAM-RJ, na pessoa de Carmem Portinho, instalar uma escola
com cursos de desenho industrial, fotografia e gráfica. Apesar de defender
a implantação do curso, seguindo os moldes internacionais da Escola de Ulm,
Aloísio alertava para a necessidade de fundamentar e estabelecer diretrizes
próprias em função das características particulares da indústria brasileira.
Projeto de identidade visual PETROBRAS.
A Esdi foi oficializada pelo Ministério da Educação e Cultura em 1962, mas só
iniciou suas atividades a partir de 1963. Além de Aloísio Magalhães, participaram
da sua implantação nomes importantes da época como Alexandre Wollner,
Karl Heinz Bergmiller, Flávio de Aquino, o secretário da Educação Flexa Ribeiro
e muitos outros.
A Esdi é um capítulo à parte da história do design no Brasil, mas vale salientar
que a sua estrutura, embora baseada na escola de Ulm, que por sua vez
baseava-se no modelo da Bauhaus, foi respaldada pelas aspirações da época,
11
Cf. LEITE, João de Souza.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 273.
moderna, engrossando “o caldo do que era então chamado de vocação construtiva
LESSA, Washington Dias.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 147.
brasileira,”12 cujo conceito de reconstrução do país, através de princípios racionais
vividos na Alemanha no período pós-guerra, corroborava com o desejo
34
12
que estavam fortemente vinculadas ao movimento concretista e à arquitetura
de construção da modernidade13 tão almejada.
Aloísio inicialmente se divide entre os trabalhos em seu escritório e as aulas na Esdi. Com o passar dos anos,
a escola distancia-se dos primeiros ideais e em 1968 interrompe as aulas iniciando “um processo de redefinição
de suas direções e inserção na sociedade.”14 É feita uma nova proposta curricular mais adequada à realidade brasileira.
O Brasil vive, para o desespero de alguns, o modo tropicalista, a antropofagia. A 1ª Bienal de Desenho Industrial
do Brasil, da qual Aloísio participou, esforça-se em expor a consciência de ser designer no Brasil. Mas o “refluxo cultural
e político pós-AI 5 esvazia esta discussão; permanece, no seu vácuo, o referencial ulmaniano como substância
técnica.”15 O início da década de 70 marca um recuo na ideologia desenvolvimentista, na qual a ampliação do consumo
pela população era a redenção. A indústria volta-se à exportação e as referências conceituais do design perdem a força.
É nesse contexto político e econômico, e ainda gozando do grande prestígio do projeto das cédulas brasileiras,
que Aloísio desenvolve o projeto da PETROBRAS.
Aloísio retorna ao campo editorial quando publica, em 1971, mais um livro experimental: 1/8/16, A Informação
13
Cf. LESSA, Washington Dias.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 147.
14
Ibid., p.148.
15
LESSA, Washington Dias.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 148.
16
ESCOREL, Ana Luiza.
O efeito multiplicador do design,
p. 115.
17
CLÁUDIO, José.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 38.
35
Esquartejada, em que utiliza-se de folhas impressas de outdoor, fragmentando-as, para dar uma nova escala de leitura
à imagem. É interessante observar que, mesmo influenciado pelos movimentos construtivistas, de linguagem
geométrica e pelos rigores técnicos exigidos pela profissão, os trabalhos em design de Aloísio Magalhães “exalavam
o frescor gráfico típico de quem não desprezava as livres associações da forma e de seus imperativos plásticos.”16
As palavras do pintor e amigo José Cláudio reforçam essa afirmação: “Em primeiro lugar é preciso resgatar
o Aloísio pintor antes que generalize ainda mais a concepção de que não o era, deixou de ser, ou isso era coisa
de pouca importância na sua vida – quando de fato o ser pintor era nele a espinha dorsal e até, aumentando a imagem
se quisermos, os pés e as mãos, o coração e a cabeça.”17 Aloísio Magalhães ampliou a concepção do gráfico.
Uniu arte e design sem resistir às possibilidades de ter no design gráfico, a construção de uma nova linguagem,
uma nova forma de expressão; essa nova expressão surge sob a forma de Cartema. A palavra Cartema foi criada
por Antônio Houaiss para designar o que até então não existia em termos de arte: imagens multiplicadas
a partir de cartões-postais.
36
Cartema. Sem título, s.d.
Cartema. Sem título, s.d.
37
Cartema. Série Brasileira, 1972.
38
Cartema. Sem título, s.d. Museu de Arte Moderna de São Paulo.
39
Cartema. Sem título, s.d.
40
Cartema. Sem título, s.d.
Cartema. Sem título, s.d.
41
Cartema. Sem título, s.d. Museu de Arte Moderna de São Paulo.
42
Cartemas. Série Preto e branco, s. d.
43
44
Cartemas. Série Preto e branco, s. d.
45
A primeira exposição dos Cartemas aconteceu em 1972, no MAM do Rio de Janeiro. A exposição também foi montada,
naquele mesmo ano, em Recife, no Museu do Açúcar e em Belo Horizonte, na Reitoria da Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG.
As exposições se seguiram pelo Brasil e pelo exterior. Os Cartemas tiveram grande repercussão, sendo notícia
e assunto em diversos jornais e revistas de circulação nacional e internacional. Era um trabalho inusitado
que criava texturas visuais de grande beleza e impacto a partir de um objeto banalizado, o cartão-postal.
Sem parar de produzir em seu escritório, 1974 é o ano em que Aloísio desenvolve sistemas de identidade visual
para grandes empresas nacionais, privadas e estatais como Banco Central do Brasil, Caixa Econômica Federal,
Furnas Centrais Elétricas, Banco Nacional, Companhia de Gás de São Paulo, Companhia Souza Cruz, entre outras.
Mesmo com o sucesso da AM PVDI, das exposições freqüentes, das novas incursões no campo editorial,
desta vez com A Topografic Analysis of Printed Surface, Aloísio Magalhães encontrava-se descontente com a situação
da cultura no país, com o descaso com que essa questão, para ele vital, era tratada. O seu ofício de designer,
através das intensas pesquisas que realizava, o envolvimento natural com as manifestações do seu povo,
colocaram-no em contato maior com essa realidade. Assim, o cidadão-designer, determinado a “devolver à nação
os privilégios, que tinha recebido”18 e mobilizado “por um elenco de questões que vão do processo de desenvolvimento
econômico em curso no Brasil à preservação dos valores da formação cultural do país, passando pelo papel
do desenho industrial na definição de uma fisionomia própria dos produtos brasileiros,”19 idealiza e implanta, em 1975,
19
20
FALCÃO, Joaquim.
E triunfo? : as questões dos bens
culturais do Brasil, p. 18.
após uma série de encontros, o Centro Nacional de Referência Cultural - CNRC, uma instituição dedicada
à documentação e análise da cultura brasileira, em conjunto com o ministro da Indústria e do Comércio, Severo Gomes
e com o embaixador e secretário da Educação do Distrito Federal, Wladimir Murtinho. Essa foi a primeira incursão
MELO, José Laurênio de.
E triunfo? : as questões dos bens
culturais do Brasil, p. 37.
de Aloísio no campo político e sua última “e definitiva intervenção no cotidiano da vida brasileira.”20
LEITE, João de Souza.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 275.
Os anos seguintes caracterizaram-se por uma seqüência de fatos e iniciativas, tanto do poder público, quanto da
população, em favor da cultura brasileira. Em 1976, o Centro Nacional de Referência Cultural é definitivamente
46
18
implantado com 4 programas de estudo básicos: o mapeamento da atividade artesanal, levantamentos sócio-culturais,
história da ciência e da tecnologia no Brasil e o levantamento de documentação sobre o Brasil.21
Em 1978, os trabalhos do CNRC se expandem e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq e o Banco do Brasil aderem ao projeto. Em 1979, Aloísio Magalhães é nomeado diretor-geral do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, pelo então ministro da Educação e Cultura, Eduardo Portela.
Meses depois, promove a fusão dos três organismos ligados ao governo federal: O CNRC, o Programa de Cidades
Históricas - PCH e o IPHAN.
Com a fusão desses três órgãos, a conseqüência “da intensa atividade de convencimento político”22 é a transformação,
em 1980, do IPHAN em Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN, agora um órgão normativo,
através de decreto do presidente João Figueiredo. É criada a Fundação Nacional Pró-Memória como órgão operacional.
Aloísio Magalhães é o secretário da SPHAN e o presidente da Pró-Memória, acumulando “a responsabilidade,
em nível federal, pela preservação do acervo cultural e natural do país.”23 Nesse ano, a proposta de inclusão da cidade
de Ouro Preto na lista do Patrimônio Mundial da Unesco é bem sucedida.
Em abril de 1981, o novo ministro da Educação e Cultura, Rubem Ludwig, cria através de uma portaria, a Secretaria
da Cultura que reúne as subsecretarias do Pró-Memória e SPHAN, além de outros órgãos, e nomeia Aloísio para o cargo
21
Cf. MELO, José Laurênio de.
E triunfo? : as questões dos bens
culturais do Brasil, p. 38.
22
LEITE, João de Souza.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 275.
23
MELO, José Laurênio de.
E triunfo? : as questões dos bens
culturais do Brasil, p. 40.
24
FALCÃO, Joaquim.
E triunfo? : as questões dos bens
culturais do Brasil, p. 24.
de secretário, equivalente hoje ao cargo de ministro da Cultura. Mesmo antes dessa nomeação, Aloísio já viajava
pelo país em uma série de conferências, debates, simpósios e seminários nos quais defendia o resgate da cultura
brasileira, colocando o assunto em pauta na imprensa nacional. Essa foi a estratégia político-administrativa
que encontrou para viabilizar seus projetos e conciliar “tanta abrangência conceitual com tanta exigüidade institucional
e orçamentária”24, conscientizar e envolver os representantes dos diversos setores da nação na preservação
e valorização da cultura.
O apoio dos meios de comunicação foi indispensável na realização dos seus propósitos. São dessa época o arremate
47
dos autos da Inconfidência Mineira, no leilão da Sotheby’s, em Londres, o resgate de partituras de música barroca
brasileira no Uruguai e a inclusão das ruínas de São Miguel das Missões (RS) na lista da Unesco.
A ação de Aloísio Magalhães na política cultural do país teve efeito arrebatador. Nunca, na história do país,
houve tamanha “inovação conceitual, reformulação administrativa, acréscimo orçamentário e implementação
de projetos como o que se verificou na gestão de Aloísio (1979-1982).”25
No ano de 1982, Aloísio se preparava para defender a inscrição do centro histórico de Olinda na lista do Patrimônio
Mundial da Unesco. Elaborou um conjunto de gravuras em preto e branco, numa visão muito particular da cidade,
que o ajudaria a defender sua idéia. Em junho desse ano, viajou para Veneza como representante do ministro
da Cultura, Rubem Ludwig, com fins de participar de reuniões de órgãos internacionais de cultura.
A ida de Aloísio Magalhães, enquanto secretário da Cultura, teve um significado histórico muito importante.
Tratava-se de um encontro de ministros das culturas dos países latinos e, portanto, era dever do ministro Ruben Ludwig
comparecer ao evento. Mas o país passava por grandes mudanças políticas: abria-se a democratização depois
de tenebrosos anos de ditadura. A presença de Aloísio Magalhães, nesse encontro, significava dizer claramente
que o país estava passando das mãos militares para as mãos dos civis. Aloísio estava consciente do seu papel
na história.
Na sessão de abertura, Aloísio fez um pronunciamento veemente e apaixonado sobre as questões prementes
Resgate de litografias comerciais
de Juiz de Fora, Minas Gerais.
Tecnologia associada à vida econômica
e cultural brasileira.
da nossa sociedade, opondo-se aos que tratavam a cultura exclusivamente por sua vertente culta26 e por isso foi eleito
presidente do encontro. Ao retomar os trabalhos, logo após o almoço, sentiu-se mal e foi internado numa clínica
onde veio a sofrer duas hemorragias cerebrais. Transferido para o Centro de Reanimação do Hospital Civil de Pádua,
25
FALCÃO, Joaquim.
E triunfo? : as questões dos bens
culturais do Brasil, p. 17.
26
Cf. LEITE, João de Souza.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 275.
48
Aloísio Magalhães falece no dia 13 de junho, aos 55 anos incompletos.
49
Algumas litografias da série produzida por Aloísio,
com a qual pretendia apresentar Olinda
ao Conselho do Patrinônio Mundial da UNESCO
50
Considerações sobre a Obra
e o Legado
Para se entender a dimensão da influência de Aloísio Magalhães na história do design e, porque não dizer,
na história visual do Brasil, segue uma reflexão sobre alguns pontos importantes de sua produção.
A obra de Aloísio Magalhães sempre esteve impregnada do princípio de espelhamento. “Sua pintura – toda sua arte –
nasceu da visão do casario da rua da Aurora, ou de Santo Antônio, ou do cais do Apolo do velho Recife se mexendo
nas águas do Capibaribe. O leito e o bojo do rio foram sua lição de desenho, de pintura e de cartema”.27 Essa é uma
declaração de cunho poético, mas que carrega uma sentença. Mesmo quando o seu anseio de pesquisa e o profundo
sentimento de coletividade e contemporaneidade levaram-no para as artes gráficas, ou para o campo da comunicação,
com níveis de complexidade cada vez maiores, revelando o “difícil problema que é a massificação da criatividade
através de elementos de informação elaborados em valores formais”28, Aloísio Magalhães é o artista-comunicador
de imagens refletidas.
Aquarela sobre papel velin
de Aloísio Magalhães.
Quando Aloísio despontou no campo das artes, na década de 50, o Brasil vivia o ápice do construtivismo. As Bienais
de Arte de São Paulo tiveram papel importante na disseminação desse movimento. A poesia concreta causava espanto
na literatura nacional e misturava-se com as artes visuais, transformando palavra e imagem em um só corpo.
Artistas dessa geração como Alexandre Wollner e Geraldo de Barros, entre outros, utilizavam largamente procedimentos
27
VALADARES, Clarival do Prado.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 74.
28
Ibid., p. 75.
de espelhamento e de repetição em suas obras. Aloísio estudava em Paris nos primeiros anos da década,
do movimento construtivista, com um desenho mais gestual e orgânico do que geométrico. Seu trabalho n’O Gráfico
51
e freqüentava o Atelier 17 juntamente com Miró. Com sua arte abstrata, Aloísio integrava a corrente expressiva
Amador e, posteriormente, com Eugene Feldman, reflete essa vertente: são experiências gráficas muito distantes
dos rigores geométricos; sua pintura transborda imagens refletidas, manchas de cor espelhadas por toda a tela,
o claro e o escuro construindo um discurso visual de grande expressividade.
No entanto, quando Aloísio direciona o seu fazer artístico para o campo do design, a partir de 1960, sua linguagem
volta-se para o léxico do grupo construtivista, ou seja, para a geometria, o racionalismo, tornando-se a base
de referência que norteou o moderno design gráfico brasileiro até a década de 80: uma linguagem internacional,
oriunda das fontes construtivas européias.29
Nos muitos sinais projetados por Aloísio em seu escritório, durante as décadas de 60 e 70, os procedimentos formais,
ou constitutivos da imagem, mais freqüentes e de resultados mais requintados, segundo análise do designer
Símbolo do 4º Centenário da Cidade
do Rio de Janeiro.
Chico Homem de Melo, são três: o espelhamento, a rotação do círculo tripartido e a sugestão de tridimensionalidade.
Para esta pesquisa interessa especificamente o procedimento de espelhamento, com o qual os Cartemas
foram construídos. O terceiro procedimento, o da tridimensionalidade, revela o caráter investigativo do artista
que antevê as mudanças da linguagem vigente, a partir do uso das novas tecnologias.
Em sua análise, Chico Homem de Melo afirma que os projetos que mais trouxeram visibilidade para Aloísio,
tanto no âmbito nacional quanto internacional, foram respectivamente o sinal do 4º Centenário do Rio de Janeiro,
produzido em 1964, e o projeto do redesenho das cédulas do cruzeiro em 1979. Nesses dois projetos, o princípio
do espelhamento está presente em sua formatação. No primeiro exemplo, o espelhamento do numeral quatro
gera uma cruz de malta portuguesa e simbolicamente resgata a imagem da bandeira dos fundadores da cidade.
Cédula de mil cruzeiros. A versão original
foi desenvolvida pela equipe de Aloísio e o
detalhamento foi conduzido pela equipe
da Casa da Moeda do Brasil.
No segundo exemplo, Aloísio radicaliza o conceito de espelhamento retirando o “pé e a cabeça” da cédula,
eliminando assim um problema do cotidiano com as notas anteriores. Desse modo, a cédula passou a ser lida
em qualquer posição, rápida e confortavelmente. Outros sinais foram desenvolvidos tomando o espelhamento
como princípio formal, como será colocado no capítulo “O Cartema”.
MELO, Chico Homem de.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 153.
Os estudos resultantes da construção desses sinais, a pesquisa visual constante, o domínio do princípio formal
52
29
e a proximidade com as possibilidades gráficas resultantes desse procedimento, além de grande dose de criatividade,
embasaram Aloísio Magalhães na criação de sua obra mais original, os Cartemas, que são imagens formadas pela
rotação e repetição de um mesmo módulo-base, assim como no símbolo do 4º Centenário, gerando uma nova imagem,
uma outra paisagem visual.
O procedimento formal da tridimensionalidade aparece, ainda segundo análise de Chico Homem de Melo, nos trabalhos
[1]
de Aloísio Magalhães produzidos por volta da década de 70, embora desde a década de 60 ele já houvesse utilizado
esse recurso nos símbolos do Banco Mercantil de Pernambuco [1] e do Banco Comercial Brasul [2].
A atração de Aloísio pela tridimensionalidade revela-se, de modo decisivo, nos projetos dos sinais do Banespa, em 1969,
o do Sesquicentenário da Independência, em 1971 [3] e o do Banco Central do Brasil, em 1975 [4]. Essa atração
estende-se também ao seu trabalho artístico numa série de litogravuras posteriores aos Cartemas.
[2]
Chico Homem de Melo relata que “ao longo da década de 1970, a televisão passa a exercer influência crescente
no cenário cultural do país.”30 As redes de televisão começam a constituir-se em cadeias em todo território nacional e,
aliado a esse crescimento, ocorrem mudanças irreversíveis na cultura visual. A televisão passa a ser o campo
[3]
da tridimensionalidade, da exploração do tempo e do movimento. Entretanto, só após a grande revolução
do computador e da Internet é que a TV dissemina-se como recurso de uma linguagem gráfica e artística.
Esse fato revela que, ao explorar o recurso da tridimensionalidade em seus projetos, tanto de design quanto artísticos,
Aloísio demonstrava, mais uma vez, a sua capacidade de antever e preparar o futuro. Ele antecipou, em 20 anos,
o recurso gráfico que só passou a ser explorado a partir da década de 80. Esse caráter antecipativo remete
às possibilidades de construção de uma nova visualidade, vislumbrada na elaboração desta pesquisa. A antecipação
[4]
em Aloísio se dava quando ele se propunha a investigar, dentro dos campos criativos, novos caminhos expressivos.
A proposta deste trabalho e da peça digital decorrente dele alinha-se com esse processo criativo.
30
53
A influência de Aloísio como designer e artista, ou melhor, como homem de aguçada sensibilidade, transcendeu
MELO, Chico Homem de.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 155.
“a maestria de seus sinais. Para uns, sua importância maior residiria na sistematização rigorosa dos procedimentos
de emissão de mensagens visuais pelas empresas.”31 Sob esse aspecto, a sua obra tem o mérito de ter guiado
as gerações seguintes rumo à construção de uma expressão visual particular do design brasileiro,
imprimindo um caráter universal, buscando sempre os valores locais.
Na arte, a contribuição de Aloísio Magalhães foi a de revelar o caráter unificador, aglutinador da mesma
diante do fenômeno de massificação, sem perda da expressividade. Os Cartemas revelam isso.
Inicialmente na utilização do cartão-postal, um produto da sociedade de consumo, transfigurado na composição
31
MELO, Chico Homem de.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 156.
32
HOUAISS, Antônio.
A herança do olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 68.
54
da obra e, por fim, no jogo calidoscópico de imagens que não se esgotam, “prenhes de seu valor próprio.”32
55
Cartema. Série brasileira, 1972.
56
Cartema. Série barroca, 1973. Coleção Solange Magalhães.
57
Cartema. Sem título, s.d. Museu de Arte Moderna de São Paulo.
58
Cartema. Sem título, s.d.
Cartema. Série brasileira, 1972.
59
Cartema. Série preto e branco, 1977. Coleção Solange Magalhães.
60
Cartemas. Série preto e branco, s.d.
61
62
Uma História e uma Leitura
O Cartema é o “termo final de um processo de montagem”1. É uma série de cartões-postais fixados num suporte rígido
1
HOUAISS, Antônio.
A Herança do Olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 69.
2
Cartema: radical cart- (de cartãopostal) + -ema ‘unidade mínima
estrutural’; palavra criada,
em 1974, por Antônio Houaiss
(1915-1999), para designar
a criação artística de Aloísio
Magalhães (1927-1983).
Dicionário Eletrônico Houaiss
da Língua Portuguesa, 2001.
3
Cf. MAGALHÃES, Aloísio.
Jornal da Tarde. São Paulo.
19/3/1973 apud catálogo.
4
Cf. VASQUEZ, Pedro.
Cartão-postal: Contexto. 2003.
5
BELCHIOR, Elisyo O.
História do cartão-postal.
6
KOSSOY, Boris.
Realidades e ficções
na trama fotográfica, p. 63.
7
BERGER, Paulo.
História do cartão-postal ilustrado.
por meio de colagem e após um estudo prévio de combinações. O cartão-postal é a unidade mínima estrutural
do Cartema, o módulo-base a partir do qual organiza-se a composição. Cartema2 foi o nome dado por Antônio Houaiss
a esse segmento da obra de Aloísio Magalhães.
O cartão-postal, meio de correspondência de uso cômodo e fácil, comum em todo mundo e, no dizer de Aloisio
Magalhães, “tão importante que ficou banal”3, já era usado na China, desde século X, no envio de congratulações.
Entre os ocidentais essa prática é mais recente. Sabe-se do uso de cartões na região do Alto Reno, Europa central,
a partir de 14504. Porém, somente nas últimas décadas do século XIX esse meio de comunicação tornou-se comum.
Era um novo sistema, simples e de baixo custo, para as correspondências abertas5.
O desenvolvimento dos processos de impressão, ocorrido no final do século XIX e início do século XX,
possibilitou a difusão e a massificação de mensagens visuais. Pela primeira vez na história, a imagem é “multiplicada
para o consumo da massa.”6 Gravuras e, sobretudo imagens produzidas por meio fotográfico, passaram a ser
veiculadas nos cartões-postais. No final da primeira década do século XX, toda a produção de cartões-postais
trazia uma face totalmente ocupada pela imagem7. O cartão-postal, originalmente um simples meio de correspondência
de correspondência, passou a ser, também, um meio de entretenimento e objeto de coleção.
63
escrita, ganha edições sofisticadas com a incorporação da imagem e tem seu uso redefinido. Além de ser um meio
A imagem produzida pela fotografia redimensionou o conceito de espaço. Através da imagem fotográfica impressa
no cartão-postal, o espaço veio ao encontro do observador, do destinatário. Além de veículo da narrativa escrita,
o cartão-postal passa a transmitir narrativas visuais, transforma-se numa janela de acesso a vários mundos.
O cartão-postal deu materialidade a representações de outras realidades que antes eram transmitidas oralmente,
escritas, ou através de ilustração. Em todo o mundo, milhões de cartões-postais passaram a circular com informações
visuais, oferecendo ao seu destinatário aspectos das mais variadas culturas. Ao incorporar cartões-postais
em seu discurso artístico, Aloísio revelou outras possibilidades de olhar e usar o cartão-postal.
A intenção de pesquisar formalmente as possibilidades criativas decorrentes do uso de cartões-postais como
matéria artística surgiu enquanto Aloísio Magalhães, autor do então padrão monetário nacional, acompanhava
os testes de impressão das novas notas de cruzeiro, em 1970, na Holanda8. Ao observar esses testes, percebeu,
na configuração formada pela repetição das notas, um tema potencialmente rico a ser desenvolvido. [1]
O Cartema, de feitura simples e grande efeito visual, é fruto de alguns procedimentos formais como repetição, rotação
e espelhamento da imagem, muito utilizados por Aloísio Magalhães em seus projetos, principalmente os de imagem
corporativa, nas décadas de 60 e 70, como mostram as figuras [2] a [5].Observando-os , é fácil perceber que o mesmo
[1] Cédula de Um Cruzeiro, 1968.
Nessa ocasião,
Aloísio Magalhães era consultor
da Casa da Moeda e do
Banco Central do Brasil.
Leite, João de Souza.
A Herança do Olhar: o design
de Aloísio Magalhães, p. 274.
64
8
espírito construtor dos Cartemas já era manifesto em sua produção de design.
[2] Light, 1966.
[3] Centro Educacional Xerox, 1971.
[4] 3º Centenário da Arquidiocese
do Rio de Janeiro, 1976.
[5] Banco Boa Vista, 1976.
Sobre isso, a professora Ísis Braga comenta: “Ele já estivera pesquisando
formas que se estruturavam em repetições, ritmos, imagens espelhadas em
todos os sentidos, como na criação do símbolo do quarto centenário da
cidade do Rio de Janeiro.”9
Ambos os procedimentos formais utilizados nessa construção
concorreram na amplificação do conteúdo de significações desse símbolo.
Aqui destaca-se, em especial, o espelhamento, numa abordagem
feita por Chico Homem de Melo10:
“O símbolo do 4º Centenário (...) é o exemplo mais acabado desse recurso:
o designer espelha o numeral 4 em relação aos eixos vertical e horizontal,
gerando uma cruz de malta portuguesa rotacionada em 45°.
Na comemoração dos 400 anos da cidade, Aloísio resgata a imagem
estampada na bandeira de seus fundadores.”
Figura [6] Símbolo do 4º Centenário
da Cidade do Rio de Janeiro, 1964.
O próprio Aloísio refere-se a esse símbolo como uma solução “dinâmica
9
e rica em sugestões, de significação latente11” e, noutro momento,
“sendo um sinal claro e legível, estará potencialmente apto a impregnar-se,
BRAGA, Isis Fernandes. Designe, Rio de Janeiro, 3: 57-62, out. 2001, p. 58.
10
MELO, Chico Homem de.
A Herança do Olhar: o design de Aloisio Magalhães, p. 150.
11
MAGALHÃES, Aloísio.
A Herança do Olhar: o design de Aloisio Magalhães, p. 172.
12
Catálogo da exposição:
Aloísio Magalhães e o desenho industrial no Brasil, MASP, 1983.
13
Segundo Wucius Wong: “Se as unidades de forma, no processo de serem
organizadas em um desenho, são agrupadas a fim de se tornar uma forma
maior, a qual é então utilizada em repetição, chamamos estas formas novas,
maiores, de ‘superunidades de forma’.”
WONG, Wucius. Princípios de forma e desenho, p. 53.
através do uso, da significação que representa.”12
como módulo gerador. Ele foi, através do espelhamento, multiplicado
para compor a superunidade13, o próprio símbolo. Além disso, a imagem
ganhou mais significado com a estilização da cruz de malta portuguesa.
Num procedimento análogo, Aloísio realizou os Cartemas.
65
É importante notar que a construção desse símbolo pressupõe o numeral 4
A construção do Cartema é feita da repetição do módulo-base, o cartão-postal. Todos os seus elementos visuais são
igualmente repetidos. A mera repetição do módulo-base poderia resultar em composições demasiadamente monótonas;
no entanto, a associação de módulos-base rotacionados acrescenta-lhes ritmo e movimento.
No Cartema, o recurso de espelhamento tem seu correspondente na rotação. A partir dela os cartões-postais
são justapostos14, agrupando áreas de valores visuais equivalentes. Desse processo originam-se novas unidades formais
que no todo resultam numa nova imagem, diferente daquela contida no cartão-postal. Nisso, o módulo-base
não se perde, uma vez que pode ainda ser identificado, mas tem seu caráter individual completamente desfeito:
ele é o gerador da estrutura que possibilita novas visualizações.
Sendo o Cartema organizado a partir do recurso da repetição, há nele uma estrutura formal subjacente que orienta
e dá o sentido de regularidade própria a sua construção. Segundo Wucius Wong, nesse “tipo de estrutura, a área toda
do desenho (ou uma porção dele) é dividida em subdivisões estruturais de exatamente mesmo formato e tamanho,
sem deixar lacunas espaciais estranhas entre elas. A estrutura de repetição é a mais simples de todas as estruturas.
É particularmente útil na construção de padrões para recobrir toda uma superfície.”15
15
16
“A justaposição exprime a
interação de estímulos visuais,
colocando, como faz, duas
sugestões lado a lado e ativando
a comparação das relações que
se estabelecem entre elas.”
DONDIS, Donis A.
Sintaxe da linguagem visual, p. 156.
Apesar de o texto se referir ao
desenho, é adequado incluí-lo
neste ponto da análise.
WONG, Wucius.
Princípios de forma e desenho, p. 61.
Cartão-postal a partir de
imagem de Nova York,
do fotógrafo americano
Paul Strand, 1915.
A estrutura de repetição estabelece uma malha básica de linhas conceituais, invisíveis, horizontais e verticais, que
dão suporte ao posicionamento e ao deslizamento do módulo-base. No Cartema, as linhas que formam a malha básica
são as mesmas que definem as margens dos cartões-postais.
Continuando essa análise, apresentam-se a seguir três Cartemas com os seus respectivos módulos-base, malhas básicas
e gráficos que mostram o posicionamento e a rotação dos módulos que os compõem. Como os cartões-postais
não têm nominação própria, e os Cartemas foram nominados genericamente por séries, por exemplo
a Série Preto e Branco, achou-se por bem nominá-los, neste trabalho, a título de facilitar as suas retomadas no texto.
Assim, no módulo-base Um16 [7], a imagem apresenta-se em plano geral. Nessa perspectiva, a distância entre
o observador e a cena é bastante acentuada, logo, detalhes não são percebidos nesse enquadramento.
66
14
Sendo uma imagem em preto e branco, a percepção da forma se dá
fundamentalmente por intermédio da gradação tonal, do jogo claro-escuro.
É o contraste intenso que permite perceber as figuras humanas na parte
inferior da imagem.
O tema do cartão-postal em questão é o fragmento de uma rua em declive
com pessoas transitando. Nota-se, pelas sombras projetadas dessas pessoas,
que o sol está próximo à linha do horizonte. Essas sombras formam uma
textura de linhas inclinadas que se contrapõem aos elementos verticais
dessa composição.
Nessa imagem, destacam-se cinco unidades formais: a edificação ao fundo,
os elementos retangulares cinza-escuros da edificação, as pessoas,
as sombras e o próprio pavimento. Essas poucas unidades, por estarem
formalmente bem organizadas e bem definidas, facilitam a leitura do objeto.
Há, portanto, uma alta pregnância da forma17.
Seu movimento decorre do deslizamento vertical do módulo-base
e da alternância entre linhas de postais não rotacionados e rotacionados,
conforme observa-se na malha básica e no diagrama de posicionamento,
figuras [9] e [10], respectivamente.
Diferente do módulo-base Um, a imagem gerada no Cartema Um possui
um acentuado grau de complexidade. A justaposição dos postais originou
novas unidades formais que, mesmo repetidas, convidam o observador a
percorrê-las.
17
Lei básica da Percepção Visual da Gestalt, “uma boa pregnância pressupõe
que a organização formal do objeto, no sentido psicológico, tenderá a ser
sempre a melhor possível do ponto de vista estrutural. Assim, para efeito
deste sistema, pode-se afirmar e estabelecer o seguinte critério de qualificação
ou julgamento organizacional da forma:
1) Quanto melhor for a organização visual da forma do objeto [equilíbrio,
clareza e harmonia], em termos de facilidade de compreensão e rapidez
de leitura ou interpretação, maior será o seu grau de pregnância.
2) Naturalmente, quanto pior ou mais confusa for a organização visual
da forma do objeto, menor será o seu grau de pregnância.”
GOMES FILHO, João. Gestalt do objeto. p. 37.
18
Cartema. Série Preto e Branco, 1974.
67
Da multiplicação do módulo-base Um resulta o Cartema Um18 [8].
[8] Cartema Um.
[7] módulo-base Um
[9] Cartema Um, malha básica
[10] Cartema Um, diagrama de posicionamento
Reconhecem-se essas unidades formais surgidas no Cartema Um por proximidade e semelhança, como apontado
por Gomes Filho19:
“Elementos ópticos próximos uns dos outros tendem a ser vistos juntos e, por conseguinte, a constituírem um todo
ou unidades dentro de um todo. (...) Em condições iguais, os estímulos mais semelhantes entre si, seja por forma, cor,
tamanho, peso, direção, e outros, terão maior tendência a serem agrupados, a constituírem partes ou unidades.
Em condições iguais os estímulos originados por semelhança e em maior proximidade terão também maior tendência
a serem agrupados, a constituírem unidades.”
Assim, destacam-se no Cartema Um as seguintes unidades formais:
- a textura de fundo formada pela repetição das imagens da edificação. Essa textura quadrangular pode, ainda,
ser subdividida em outras unidades formais: ora as várias faixas transversais, ora as várias colunas, de acordo com
as junções ópticas que se venha a fazer. Tanto faixas quanto colunas podem ser tomadas como unidades formais
isoladas. Desse modo, destaca-se o efeito calidoscópio comum aos Cartemas;
19
GOMES FILHO, João.
Gestalt do objeto. p. 34-35.
20
“A harmonia por ordem
acontece quando se produz
concordâncias e uniformidades
entre as unidades que compõem
as partes do objeto ou o próprio
objeto como um todo.”
GOMES FILHO, João.
Gestalt do objeto. p. 52.
“A obtenção de harmonia
por regularidade consiste
basicamente em favorecer a
uniformidade de elementos no
desenvolvimento de uma ordem
tal em que não se permitam
irregularidades, desvios ou
desalinhos”.
Ibid., p. 53.
68
21
- os retângulos cinza-escuros da edificação;
- por fim, as faixas de fundo branco que cortam transversalmente o Cartema, formadas pelas imagens das pessoas,
de suas sombras e do pavimento.
Observa-se, nessa análise, que as cinco unidades formais, destacadas no módulo-base Um, foram reduzidas a três
no Cartema Um. As faixas de fundo branco, citadas acima, formaram-se por imagens que antes, no módulo-base,
constituíam unidades formais isoladas.
A textura de fundo dá ao Cartema Um o sentido de harmonia por ordem20 e por regularidade21, uma vez que
suas unidades apresentam um padrão uniforme, sem conflitos formais entre os seus elementos.
Porém, esse sentido de ordem e regularidade é rompido, em parte, pelas faixas de fundo branco.
Apesar de serem, obviamente, uma repetição do módulo-base, seus elementos desordenados se confrontam
com a ordenação e a regularidade presentes na textura de fundo. No Cartema Um, a mera repetição do módulo-base
não assegura uniformidade à composição.
A tensão dirigida, ou sensação de movimento, é potencializada no Cartema Um. Observa-se que as linhas oblíquas
no módulo-base Um caracterizam a composição. Mas, a multiplicação do cartão-postal revela a direção oblíqua
como o recurso compositivo mais evidente. Apesar de as linhas verticais ficarem também evidenciadas,
devido ao contraste tonal, as faixas transversais se sobressaem. Do contraste entre as linhas verticais
e as oblíquas decorre o forte dinamismo dessa composição.
O Cartema Um apresenta unidades formais bem definidas e organizadas, mas exige uma leitura atenta,
devido à complexidade da imagem originada. Sendo assim, considera-se bom, nesse Cartema, o índice de pregnância
da forma.
69
A seguir, apresenta-se a análise do segundo Cartema.
O módulo-base Dois [11]; tem como tema é um trem inserido numa paisagem montanhosa. Esse trem,
pelo enquadramento fotográfico, parece seguir de encontro ao observador. Isso dá à cena uma certa dramaticidade,
que é acentuada pelas rochas situadas à esquerda, no primeiro plano da imagem. Os tons frios em volta do trem
destacam as listras amarelas e o vermelho, sua cor predominante.
No módulo-base Dois, isolam-se cinco unidades formais: as rochas, os trilhos, o trem, o terreno montanhoso e o céu.
Por essas unidades serem facilmente percebidas e a compreensão da imagem ser imediata, nota-se a alta pregnância
da forma.
O Cartema Dois22 [12], derivado desse módulo-base, apresenta uma configuração decorrente do deslizamento
e da rotação do módulo-base, conforme mostram as figuras [13] e [14], respectivamente. Esses posicionamentos
determinaram, também, as unidades formais contidas nesse Cartema.
No Cartema Dois cada unidade formal surgiu da associação, por proximidade e semelhança, das mesmas unidades
já reconhecidas no módulo-base Dois, exceto o trem que, pelo afastamento de outras unidades pares,
permaneceu constituindo unidades isoladas, como no módulo-base Dois. Essas unidades formais são:
- as faixas transversais formadas pela junção das rochas;
- as faixas horizontais formadas pelos segmentos de céu;
- as faixas horizontais formadas pelos segmentos dos terrenos montanhosos;
- os elementos formados pelas junções de trilhos e,
- por fim, cada um dos trens.
Observa-se, no Cartema Dois, como as linhas oblíquas proporcionam dinamismo à composição. A série de faixas
23
Cartema. Sem título, s.d.
Museu de Arte Moderna
de São Paulo.
transversais é a mais evidente e, ao se confrontar com a série de faixas horizontais ao fundo, retira-lhe o caráter
estático. A tensão no Cartema Dois provém da obliqüidade presente nas imagens dos trens em perspectiva.
Essas linhas são o “impulso principal no sentido da percepção de profundidade”23 e, quando combinadas às linhas
ARNHEIM, Rudolf.
Arte e percepção visual, p. 418.
das imagens rotacionadas, criam a sensação de movimento de vaivém.
70
22
[12] Cartema Dois.
[11] módulo-base Dois
[14] Cartema Dois, diagrama de posicionamento
71
[13] Cartema Dois, malha básica
Percebe-se, na repetição de todas as unidades formais do Cartema Dois, o sentido de harmonia por ordem
e regularidade. Destacam-se os pontos formados pela imagem do trem. Neles, observa-se o contraste de movimento.
Essa organização visual deriva do alinhamento perfeito entre os trens direcionados para a direita e os direcionados
para a esquerda.
A complexidade das relações descritas acima evidencia a sofisticada organização formal do Cartema Dois.
Apesar de demandar mais tempo de leitura que seu módulo-base, o Cartema Dois possui, também, um bom nível
de pregnância da forma.
Por fim, analisa-se o Cartema Três24 [15]. Diferente de toda sua produção, Aloísio Magalhães utilizou 3 cartões-postais
na composição deste Cartema, sendo um deles, o módulo-base Três A [16], recortado no sentido da altura e da largura
e multiplicado. Esses postais são registros fotográficos de imagens sacras do barroco mineiro. Como tal, apresentam
uma profusão de unidades formais, uso de volutas e simetrias, conforme nota-se nos módulos-base Três B e Três C,
figuras [17] e [18], respectivamente.
No módulo-base Três A vê-se um anjo de altar. O forte contraste claro-escuro oculta algumas áreas dessa imagem,
dificultando sua identificação total, no entanto, a uniformidade do fundo revela a silhueta da imagem, auxiliando
em sua leitura. A pregnância formal da composição é média, em função dessas áreas de difícil reconhecimento.
No módulo-base Três B, há um altar ricamente ornado com a imagem de uma santa ao centro.
No todo, é uma imagem complexa, de leitura demorada, pois possui várias unidades formais, contudo,
o uso da simetria facilita a leitura. A pouca tensão dessa imagem deve-se à escolha do enquadramento fotográfico.
Nessa escolha, as linhas oblíquas da perspectiva convergem para o centro do quadro, reforçando a simetria e,
conseqüentemente, diminuindo o caráter dinâmico. A leitura visual do módulo-base Três B é clara, apesar do tempo
exigido em sua apreensão. Sendo assim, considera-se média a pregnância da forma nessa imagem.
No módulo-base Três C, vê-se a reprodução da pintura do teto de uma igreja. Como na análise anterior,
essa imagem possui, também, várias unidades formais, uso de volutas e simetrias. Trata-se de um painel com diversas
cenas, necessitando de muito tempo de leitura; conseqüentemente, apresenta um índice médio de pregnância da forma.
A profusão de unidades formais apontada nos módulos-base, especificamente nos módulos-base Três B e Três C,
cria, no Cartema Três, campos de texturas que podem ser considerados constitutivos de unidades formais.
A seguir destacam-se as unidades formais surgidas no Cartema Três:
- o fundo azul do módulo-base Três A que compõe a primeira cercania desse Cartema;
- cada fragmento da imagem do anjo – destacam-se, ainda, outros elementos dessa imagem, por exemplo,
Cartema. Série barroca, 1974.
72
24
[15] Cartema Três.
as manchas castanhas formadas pelos cabelos dos anjos;
- todos os entornos dos altares da segunda cercania, compostos,
grosso modo, por linhas retas e semicírculos, formam uma unidade visual;
- cada textura formada pela junção do fundo de dois altares;
- cada imagem formada pela junção de duas santas;
- o fundo azulado da imagem central do Cartema;
- cada elemento elíptico sobre esse fundo azulado – destacam-se, ainda,
outros elementos dessa imagem, por exemplo, os vários pontos formados
[16] módulo-base Três A
pela imagem da santa.
Na montagem do Cartema Três foram organizados e combinados
3 módulos-base distintos. Verifica-se na malha básica e no gráfico,
figuras [19] e [20] respectivamente, que esses módulos não foram
deslizados, apenas rotacionados. A dinâmica visual dessa composição
advém da configuração própria dos cartões-postais, da posição escolhida
para cada um e dos agrupamentos de postais eleitos nessa montagem.
[17] módulo-base Três B
As imagens surgidas das junções de módulos similares, por proximidade
e semelhança, formam agrupamentos, que segregam-se dos demais
agrupamentos formados por outros módulos.
de vários módulos-base, mas, sobretudo, pelo uso de um módulo-base
fragmentado25. Isso inclui a noção de subtração na formação de imagens
nesse Cartema. A geração de novas unidades formais se dá a partir
de um fragmento, de um submódulo-base, no qual não se tem a
possibilidade de visualizar a imagem inteira.
25
“A fragmentação é uma técnica
de organização formal que geralmente
está associada à decomposição
dos elementos ou de unidades
em peças separadas que se relacionam
entre si, porém, conservando
seu caráter individual.”
GOMES FILHO, João.
Gestalt do objeto, p. 93.
[18] módulo-base Três C
73
O Cartema Três se distingue dos demais aqui apresentados, pelo uso
[19] Cartema Três, malha básica.
[20] Cartema Três, diagrama de posicionamento
Nota-se isso nos fragmentos dispostos nas laterais do Cartema; eles foram despossuídos de referências que
identificariam o seu recorte original.
O uso de diferentes módulos-base aumentou a complexidade de leitura visual do Cartema Três, contudo, a organização
simétrica e a disposição regular e ordenada dos módulos facilitam a apreensão da imagem. Considera-se, portanto,
média a pregnância da forma desse Cartema. Conclui-se, com a análise desses Cartemas, que existem algumas
características comuns a esse tipo de montagem:
O Cartema é construído sobre uma estrutura de repetição, possui uma malha básica que dá ordem e predetermina
relações de formas na sua composição. A estrutura de repetição possibilita, também, composições com ritmos,
que são gerados pela alternância de direção, pelo deslizamento ou pela simples justaposição dos módulos-base.
Em sua composição, o Cartema se caracteriza pela seqüencialidade e redundância de elementos iguais. Esses elementos
são organizados de modo contínuo, segundo a malha básica própria a cada construção. A malha assegura o sentido
de harmonia por ordem e regularidade no todo ou em parte da composição. Sendo o Cartema uma associação
de módulos repetidos, é caracterizado, também, pela profusão de unidades formais que, não raro, geram imagens
complexas e, nesse sentido, necessita em sua leitura, de um maior tempo de observação.
A repetição de unidades formais e o contraste estabelecido entre módulos rotacionados e não rotacionados
produz um efeito ambíguo comum aos Cartemas: o olhar tende a fazer múltiplas associações por semelhança
e proximidade entre essas unidades, que geram a sensação de permanente movimento.
Por fim, o efeito mais surpreendente do Cartema é o surgimento de novas unidades formais, por proximidade e
semelhança, nas quais se estabelece um jogo de efeitos ópticos tridimensionais que transfigura a representação do real
74
– módulo-base, em abstração – o Cartema.
Finaliza-se esta análise com as palavras de Antônio Houaiss: “O Cartema não se esgota, porém numa Gestalt;
é que as células retomam sua significação visual própria, num jogo calidoscópico em vaivém de parte e todo,
75
ambas prenhes de seu valor próprio, com um terceiro, que é o Cartema em si, esse jogo mesmo concretizado.”
76
Apropriação
Nos Cartemas, o cartão-postal é retirado do cotidiano, apossado pelo artista, e tem seu uso subvertido pelo fazer
artístico. Apesar de ainda poder ser reconhecido como tal, torna-se unidade de composição daquela obra de arte.
Segundo Claudia Marinho, “a obra que se faz de fragmentos do real, torna evidente a noção de apropriação/
deslocamento, pois o objeto, mesmo passando a pertencer a um outro sistema de significação, o da obra de arte,
preserva marcas, que indicam a sua origem.”26
A ação do artista sobre o objeto apossado redimensiona seu significado. O cartão-postal, antes fechado
ao entendimento de correspondência postal, consagrado, evidentemente, pela forma e pelo uso,
quando inserido no sistema da obra de arte, tem seu campo interpretativo ampliado. Seu significado é posto
para além do cartão-postal e, paradoxalmente, é interpretado como algo inédito.
Nesse sentido, o Cartema “nos remete a um conceito de criação como a transformação de um discurso unívoco
e fechado (o objeto manufaturado) em um outro aberto e multidirecional, aquele que caracteriza o objeto artístico.”27
Ainda segundo Claudia Marinho, o procedimento de apropriação na arte pode ser compreendido como decorrente
26
MARINHO, Claudia Teixeira.
Procedimentos de apropriação na
arte, p. 27, 28.
Essa mudança é evidenciada nos papiers collés de Picasso, que possibilitaram o entendimento de outros mecanismos
27
Ibid., p. 34.
de inserção do objeto no sistema da obra de arte, por exemplo os ready-made de Marcel Duchamp.
28
Ibid., p. 55.
de uma mudança no estatuto da arte, ocorrida no início do século XX, “que passa a se apresentar como possível
77
de acolher outras realidades, onde o universo cotidiano torna-se também uma possibilidade.”28
Marcel Duchamp. Roda de bicicleta, 1913.
78
Pablo Picasso Guitarra, jornal, vidro e garrafa, 1913.
A apropriação torna-se, então, o procedimento criativo predominante da arte
contemporânea. No Brasil, segundo Guilherme Bueno, os artistas passam a
se interessar por esse procedimento nos anos 60, inspirados na produção
de Marcel Duchamp e na Pop Art americana.29
Neste estudo faz-se uma análise entre a apropriação segundo a iniciativa
de Aloísio Magalhães com os cartões-postais, e a peça em hipermídia deste
trabaho que, por sua vez, apropria-se de webcams, rádios e jornais on-line
para criar uma obra interativa em tempo real. Para isso, partiu-se de um texto
de George P. Landow30 que relaciona, de modo muito interessante, a hipermídia
e a apropriação. Tomando pelo viés do hipertexto e da colagem, ele aproxima
as características dessas linguagens e faz uma ponte entre elas, legitimando,
portanto, a hipótese das conexões entre os Cartemas e a linguagem hipermidiática.
Landow define essa nova tecnologia da informação como textos compostos
por blocos de palavras, imagens estáticas ou em movimento e sons, lincados
eletronicamente por múltiplos caminhos, elos ou trilhas numa rede infinita.
A lincagem cria novos tipos de conectividades e opções para o leitor.
A colagem, segundo descrição da Britannica on-line, é a técnica artística de
aplicação em tela, de materiais manufaturados, impressos ou “encontrados”,
Andy Warhol. Marilyn Azul,1962.
como jornais, tecidos, etc., freqüentemente combinados com a pintura.
No século XIX, papiers collés foi criado a partir de papéis picados que,
colados juntos, formavam composições decorativas. Por volta de 1912-13,
29
BUENO, Guilherme.
Dispositivo emblemático.
30
LANDOW, George P.
Hypertext as Collage-Writing,
p.150, 170.
Pablo Picasso e Georges Braque ampliaram essa técnica, combinando fragmentos
de papel, madeira, linóleo e jornal, com pintura a óleo sobre tela, para criar
79
composições abstratas interessantes.
O desenvolvimento da colagem de Picasso e Braque contribuiu enormemente para a
transição do Cubismo analítico para o sintético.
De acordo com H. W .Janson, em The history of world art, Picasso e Braque passaram do
pincel e da pintura para “conteúdos de lata de lixo” porque a colagem permitiu que eles
explorassem a representação e a significação, o que para a era digital equivaleria ao real e
ao virtual.
As relações que se podem fazer entre o hipertexto e a apropriação não param no Cubismo;
os ready-mades de Marcel Duchamp, criados a partir de 1913, são o que poderia se chamar
a legítima arte da apropriação, pois ele retirava um objeto do cotidiano, do seu contexto
original, para trazê-lo, sem nenhuma ou quase nenhuma intervenção, para o contexto
da arte.
Dessa forma, questionava o que o filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940)
escreveu em A Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica sobre a autenticidade
e a existência única da obra de arte que desaparecem com a sua reprodução técnica,
processo que se caracteriza no século XIX pós-revolução industrial, e se acelera no século XX.
Já nos anos 50/60, a Pop Art, com Andy Warhol e David Hockney, também fez
da apropriação seu mote principal; mas aqui era a sociedade de consumo que estava
Sherrie Levine. Depois de van Gogh: 3, 1993.
na berlinda: embalagens, propagandas e filmes eram a matéria-prima das obras de arte.
Na década de 80, Sherrie Levine leva ao limite a questão da apropriação quando fotografa
fotografias e obras de outros artistas sem fazer qualquer interferência nas mesmas,
apenas assinando como autora dessas “novas” obras, diferentemente de Duchamp
80
que se apropriava de objetos industriais.
Marcel Duchamp. Fonte, 1917.
81
Sherrie Levine. Fonte (depois de Marcel Duchamp), 1991.
O hipertexto compartilha muitas características com esses trabalhos citados, pois todos tratam de justaposição,
apropriação, combinação, indeterminação de limites, bordas e fronteiras.
Dessa maneira, copiar, se apropriar, combina com o ambiente eletrônico, um ambiente cujo texto pode ser reproduzido,
reconfigurado e movimentado com pouco esforço. Até o mais rudimentar hipertexto revela suas qualidades de colagem,
permitindo que se façam conexões entre textos e textos, e textos e imagens tão facilmente. O efeito de lincagem produz
inevitavelmente a justaposição, a combinação, o agrupamento de diferentes textos, imagens e sons, assim como
qualquer sistema hipertextual que possua múltiplas janelas produz o efeito de colagem.
Textos, imagens e sons digitais são infinitamente adaptáveis a diferentes necessidades e usos; por serem constituídos
de código, outros códigos podem procurá-los, rearranjá-los, manipulá-los. Dados digitais estão sempre abertos,
ilimitados, indeterminados, inacabados, capazes de infinitas extensões; eles podem ser replicados facilmente
sem distorção ou perda do código original. Todas essas qualidades do digital permitem que diferentes dados
se conectem, possibilitando a hipertextualidade.
A conexão entre a virtualidade do hipertexto e a apropriação torna-se clara quando se revê a história da colagem
e da apropriação, e a importância dos artistas que fizeram dessas técnicas parte de seu processo de criação
de obras de arte.
Com o advento das tecnologias digitais e do ciberespaço, a apropriação tornou-se fato comum; a facilidade e
a velocidade de acesso e distribuição de imagens, textos e sons, corroborou para que as pessoas tivessem a sensação
de liberdade de trânsito de informação. As leis de direitos autorais, apesar de toda sua eloqüência, não dão conta
de todas as possibilidades de apropriação, principalmente no que tange à arte de apropriação e, cada vez mais,
os artistas investem nessa linha de pesquisa, mostrando inquietação com relação ao passado, ao futuro e,
82
em especial, ao presente.
83
Andy Warhol. 100 latas de sopa Campbell,1962.
84
Características da Linguagem
Hipermidiática
“A Hipermídia, é constituída a partir de hiperconexões estabelecidas entre diferentes elementos,
e assim constrói um espaço essencialmente relacional, ou seja, definido a partir das relações entre os objetos
que o compõem.”1
Segundo Arlindo Machado, podemos fazer uma relação entre a hipermídia e o pensamento humano,
pois as pessoas pensam com todas as formas perceptivas e com todos os códigos significantes: palavras, imagens,
ruídos, música. A hipermídia possibilita fundir num único meio todos os outros meios e invocar todos os sentidos;
é um conjunto integrado de meios de expressão com textos, imagens, sons, gestos, toques, unidos sem hierarquias.2
O pensamento é um grande hipertexto de conexões e sinapses dos códigos desses meios.
Na hipermídia a dinâmica está baseada na combinatória: as palavras, as imagens e os sons estão associados
por links, ou seja, estão imersos num processo não linear, múltiplo, diferentemente da narrativa clássica,
que é linear e fixa. Esse sistema possibilita ao interator diferentes percursos de leitura; ele adota uma postura
mais ativa, estabelecendo relações próprias numa gama de possibilidades.
1
FRAGOSO, Sueli.
Realidade Virtual e Hipermídia somar ou subtrair?
2
MACHADO, Arlindo.
O quarto iconoclasmo e outros
ensaios hereges, p. 107,108.
O hipertexto está inserido no contexto da hipermídia e foi do raciocínio hipertextual que toda a linguagem
Vannevar Bush, diretor do Ministério de Desenvolvimento e Pesquisa Científica dos Estados Unidos,
escreve o artigo “As we may think”, Como nós pensamos, no qual ele desenvolve a idéia de uma máquina,
85
hipermidiática se deu. O nome hipertexto foi cunhado por Ted Nelson em 1965, mas, antes disso, em 1945,
o Memex, que funcionaria como o pensamento, ou seja, de forma não linear, que salta de uma coisa para outra,
ora imagem, ora som, ora texto ou ainda tudo isto simultaneamente: já era a idéia do hipertexto.
“O hipertexto é uma rede multidimensional ou um labirinto em que cada ponto ou nó pode ser potencialmente
ligado a qualquer outro nó.”3 O hipertexto são textos, sons e imagens estruturados em rede, constituído de nós
(os elementos de informação, parágrafos, páginas, imagens, seqüências musicais, etc.) e de ligações entre esses nós
(referências, notas, indicadores, “botões” que efetuam a passagem de um nó a outro) para uma navegação rápida
e “intuitiva”. É um texto móvel que gira, dobra-se e desdobra-se à vontade diante do leitor.4
A internet é o sistema geral de todos os hipertextos existentes, e ela acontece no chamado ciberespaço,
que é “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias
dos computadores.”5 A característica do ciberespaço é a codificação digital que dá o caráter fluido à informação,
podendo ser tratada em tempo real, hipertextual e interativo. É um espaço democrático de troca de informações,
sem hierarquias e sem burocracias.
Para Steven Johnson, a ágora do século XX pode se deslocar para o ciberespaço.6 A ágora grega era um espaço
público onde predominava a cultura oral, cujo conhecimento era patrimônio coletivo. O ciberespaço tem uma
característica muito similar, pois é um espaço coletivo de dados onde a cultura pode ser amplamente difundida
sem necessidade de intermediação institucional.
3
ECO, Umberto.
Muito além da Internet, p. 7.
Doug Engelbart foi o primeiro a imaginar uma máquina como um ambiente, um espaço a ser explorado,
LEVY, Pierre.
O que é o virtual, p. 44.
um espaço-informação em que as coisas aconteciam a partir da manipulação direta, baseado em mapeamento
5
IDEM, Cibercultura, p. 92.
iriam revolucionar o modo como se imagina a informação. Mas as janelas do SRI (Stanford Research Institute)
6
JOHNSON, Steven.
Cultura da interface, p. 20.
eram desajeitadas e bidimensionais. Não se sobrepunham.
7
Ibid., p. 17, 35.
Engelbart e Sutherland haviam dotado o computador digital de espaço; mas as janelas sobreponíveis que Alan Kay,
de bits, mouses e janelas.7 Desde a sua empolgante primeira demonstração em 1968, ficara claro que as janelas
86
4
pesquisador da Xerox PARC, criou em 1972, lhe deram profundidade, sugeriam uma abordagem
mais tridimensional, um espaço-tela em que era possível entrar. Uma interface baseada em janelas
permite fazer múltiplas tarefas. O espaço da tela ganhou níveis de profundidade, ficou múltiplo.
As janelas são projetadas para serem maleáveis, mutáveis.8
Com a invenção das janelas sobreponíveis foi possível experimentar, pela primeira vez, as possibilidades
dos espaços simultâneos, de ver dois documentos ao mesmo tempo, e ainda ziguezaguear entre eles
com um único clique no mouse.
A interface é a mediadora entre usuário e computador, ela é constituída de softwares que dão forma
a essa interação. É ela que dá acesso ao universo paralelo de zeros e uns. Interface é a zona entre o meio
e a mensagem.9 As pesquisas sobre as interfaces de navegação tendem a transformar o ciberespaço
em um único mundo virtual, infinitamente variado e perpetuamente mutante.10
8
JOHNSON, Steven.
Cultura da interface, p. 39, 60, 64.
9
Ibid., p. 23.
87
10
LEVY, Pierre.
Cibercultura, p. 107.
88
Imagens, Textos
e Sons Eletrônicos
Toda a tecnologia empregada nas pesquisas que determinaram as características do hipertexto, da hipermídia
e suas ramificações está baseada nos códigos binários de zeros e uns e de como as suas combinatórias
geram informação. Digitalizar uma informação consiste em traduzi-la em números. Quase todas as informações
podem ser codificadas dessa forma. Tanto imagens como textos e sons podem ser digitalizados.
O conceito de imagem, texto e som gerados no computador é completamente diferente do que era nos meios
tradicionais. O computador opera com números, não com imagens; é a representação plástica de expressões
matemáticas. O número traduz cada ponto do objeto em sinal binário. Para este estudo, som e texto serão tratados
como imagem, pois as características que valem para um valerão para todos, já que são informações digitais.
“Da mesma forma que a fotografia, no século passado deslocou a pintura e a obrigou a encontrar seus ‘limites
de linguagem’, a era pós-fotográfica eletrônica já está reformulando as imagens da arte, cinema, fotografia
e televisão.”11
Arlindo Machado explica que no universo do computador, o que as pessoas chamam de “imagem” são apenas
11
PLAZA, Julio e
TAVARES, Mônica.
Processos Criativos com os meios
eletrônicos: poéticas digitais,
p. 24, 25.
89
matrizes matemáticas. Colocadas em relação a um sistema de coordenadas x, y, e z, esses valores numéricos
podem ser totalmente alterados através de operações matemáticas e podem gerar imagens diferentes
entre uma atualização e outra. Essas imagens são manipuláveis ad infinitum. A atualização de uma imagem
não esgota as possibilidades de visualizá-la. Ela devolve o visível ao seu estado de pura possibilidade combinatória.
“Philippe Quéau sugere que se deva considerar a imagem em computador como uma meta-imagem,
ou seja, a atualização provisória de um campo de possibilidades, portanto, algo necessariamente parcial,
metonímia de um universo plástico potencial que ela não pode jamais exibir no seu todo.”12
A imagem numérica, agora, tem comportamento, é um processo, imagem-acontecimento.
O acontecimento, nesse caso, é a metamorfose, a transformação, a invenção. É a movimentação transformativa
no tempo e por existir apenas no tempo, a imagem eletrônica é pura duração, é a duração do processo.
Importa menos sua atualização e mais suas potencialidades.
A imagem eletrônica rompe com a aura da obra acabada, fechada, que se finda nela mesma.
Ela não é mais a sombra do objeto; ganhou vida própria, podendo mostrar realidades desconhecidas,
mundos improváveis. Agora, as imagens são inteligentes e transformam-se, mudam e interagem entre si
e com seus interatores. Não são mais imagens para se contemplar e admirar passivamente,
são objetos de manipulação, são pura performance.
As imagens sintéticas são exemplos do simulacro segundo o conceito praticado por Gilles Deleuze,
no qual a imagem é uma potência positiva, que nega tanto o original quanto a cópia13, passando a ser uma nova
categoria da criação que está para além da representação. Elas são manipuláveis e criam contextos de interação
12
QUÉAU, 1986 apud MACHADO.
MACHADO, Arlindo.
A máquina e imaginário,
p. 130, 131.
e geração de sentidos a partir dessa interação.
13
MACHADO, Arlindo.
A máquina e imaginário, p. 128.
preenchimento. É na experiência interativa e progressiva que ele se constitui como espaço.14
14
QUÉAU, Philippe.
O tempo do virtual, p. 94.
Julio Plaza afirma que nos meios pré-informáticos como gravura, fotografia, cinema, o suporte e a mensagem
PLAZA, Julio.
As imagens de terceira geração,
tecno-poéticas, p. 75.
O meio já não é a mensagem, pois não existe mais meio, somente trânsito de informações entre interfaces,
se confundem. Nas novas tecnologias de comunicação, a noção de suporte se subordina à interface.15
conceitos e modelos como meras matrizes numéricas.
90
15
Segundo Philippe Quéau, o espaço da imagem virtual não está dado a priori como em Kant, à espera de um
A grande mudança está na interação/tempo real. A imagem numérica responde a qualquer intervenção
ao mesmo tempo em que é gerada. É o fim da imagem-relação, da imagem-meio, da imagem-mídia;
é uma imagem em eterna metamorfose.16
Essas imagens se constituem num tempo potencial, ou seja, um tempo múltiplo e indeterminado,
o que Bérgson chamou de múltiplos tempos privados, que variam de momento para momento do indivíduo,
de um indivíduo para outro, de acordo com a personalidade, e entre diferentes grupos de organização social.17
Hoje, mais do que nunca, essas multiplicidades, tanto de tempo, personalidade dos indivíduos, como de sociedades,
músicas, idiomas, etc. são os dados que constituem e enriquecem a troca veloz de informação
e comunicação no ciberespaço.
PLAZA, Julio e
TAVARES, Mônica.
Processos criativos com os meios
eletrônicos: poéticas digitais,
p. 254.
17
KERN, Stephen.
The culture of time and space
1880-1918, p. 33.
91
16
92
Perspectiva do Espaço x
Perspectiva do Tempo Real
Para tratar de ciberespaço, espaços simultâneos, tempo real, é preciso contextualizar os conceitos de tempo
e espaço, e esclarecer as mudanças ocorridas com o advento das tecnologias digitais.
As questões sobre representação no espaço e no tempo, bem como a relação entre esses termos
remontam às discussões problematizadas, no mínimo, desde o século XVIII.
A imagem, presente desde os primórdios do ser humano no mundo, estabelece uma relação importante com esses
conceitos, pois, segundo Arnheim, toda experiência visual é inserida num contexto de espaço e tempo.18
Até o surgimento das imagens eletrônicas, as imagens eram inscrições que ocupavam um espaço físico,
tinham um suporte material estático e sua função e objetivo era a permanência no tempo.
Na história dos suportes – pintura rupestre, pedra gravada, afresco, pintura sobre tela, fotografia sobre papel –
constata-se a preocupação com a sua durabilidade e permanência, pois a materialidade do suporte se confundia
com a da própria imagem. Essa imagem trazia consigo a aura do único, de totalidade absoluta.
As criações iconográficas estavam baseadas no modelo da natureza; eram registros documentais
ou representações de um real que se queria preservar. A arte era um meio para esse fim.
18
ARNHEIM, Rudolf.
Arte e percepção visual;
uma psicologia da visão criadora,
p. 41.
19
Ibid., p. 270, 271.
Dentro da história da imagem como imitação do mundo, a perspectiva central foi o modo mais realístico de
verdades que gerou o desejo de encontrar uma base objetiva para a representação dos objetos visuais.19
93
representar o espaço óptico, foi a pura evidência da experiência visual, de padrões científicos de exatidão e
A descoberta da perspectiva linear marcou um estágio importante com seu ponto de vista único e monocular,
pautando-se por uma nova gramática da visão. A perspectiva central garante a construção de um espaço racional,
infinito, constante e homogêneo, e determina uma representação estável, que confere unidade e homogeneidade
ao mundo.
As raízes teóricas do ilusionismo pictórico são da perspectiva renascentista. Foi Alberti, sintonizado com as idéias
científicas de seu tempo, quem sugeriu a idéia de considerar uma pintura como uma janela através da qual
se contempla o mundo visível.20 A perspectiva, durante quatro séculos, trouxe maneiras novas de ver o mundo
e atitudes novas diante dele.
Os sistemas digitais fazem um contraponto em relação à perspectiva do espaço do Renascimento,
voltado à cópia das aparências, com seu ponto de vista único. Agora, o ponto de vista é móvel e mutante,
trazendo uma nova mudança na percepção do mundo.
Para Paul Virilio, estamos vendo surgir a perspectiva do tempo real, na qual prevalece o imediatismo,
e o tempo real prevalece sobre o espaço e a superfície. Ele diz que o grande evento que aparece no século XXI
em conexão com a velocidade absoluta, é a invenção da perspectiva do tempo real, que irá suplantar
a perspectiva do espaço real, inventado pelos artistas italianos do Quattrocento. O tempo real, a instantaneidade,
agora prevalecem sobre o espaço e a superfície. Tudo agora acontece sob a perspectiva do tempo real:
21
22
daqui em diante o ser humano viverá num “sistema de tempo único”. A globalização e a virtualização
GOMBRICH, E. H.
Arte e ilusão:
um estudo da psicologia da
representação pictórica, p. 262.
estão inaugurando o tempo global. Existe, ainda, o tempo global que pertence à multimídia, ao ciberespaço,
que está dominando o tempo local das cidades.21
VIRILIO, Paul.
Speed and Information:
Cyberspace Alarm!
Couchot também coloca como especificidade das tecnologias numéricas a sua capacidade de funcionar nesta nova
modalidade temporal, o tempo real. Ele diz que o tempo real muda os mecanismos do tratamento e da circulação
COUCHOT, Edmond.
O tempo real nos dispositivos
artísticos, p. 101, 105.
das informações, e sua característica é a conexão interativa entre homem e computador.22 O tempo real coloca
a pessoa de frente para um outro lugar, uma outra realidade que é simultânea à realidade palpável.
94
20
É um espaço cujo fluxo contínuo de dados rompe as fronteiras territoriais e as hierarquias sociais.
No contexto da dicotomia entre a perspectiva do espaço e a perspectiva do tempo real, pode-se concluir que hoje
o “sujeito perde em centralidade o que ele ganha em ubiqüidade”,23 pois o ciberespaço não está submetido às leis
da física, e, portanto, ele extrapola qualquer regra já consumada. Suas conexões são infinitas
e crescem exponencialmente com milhares de novas páginas sendo lincadas diariamente.
Paul Virilio sintetiza a história das imagens em três momentos: a era da Lógica Formal da imagem ligada à pintura,
à gravura e à arquitetura no século XVIII e associada à representação da realidade, a era da Lógica Dialética,
da fotografia e do cinematógrafo no século XIX, associada à representação da atualidade, e a era Paradoxal
deste tempo, da imagem como substituição do real, que se inicia com a videografia, a holografia e a infografia.24
MACHADO, Arlindo.
A máquina e imaginário, p. 136.
24
MACIEL, Kátia.
A última imagem, p. 253, 257.
95
23
96
Mídia Arte
Agora este tempo é o das tecnologias digitais. Os artistas, sempre conectados com a sua época,
não poderiam deixar as novas possibilidades técnicas passarem desapercebidas e logo de início viram
as potencialidades criativas que se descortinavam com o computador. “A arte existe para nos suspender do hábito,
da rotina, dos códigos estabelecidos, das suas gramáticas, fazendo-nos sentir que ainda somos livres para adotar,
mas igualmente livre para transformá-los, ultrapassá-los, reinventá-los.”25
Na era das novas tecnologias, o processo criativo e os modos de produção na arte são questionados,
e, nesse contexto, coloca-se em cheque a própria noção de obra de arte acabada e original.
Essas mudanças afetam tanto o processo de criação como também o nível de recepção das obras:
na criação de uma obra interagem a percepção do observador e a do criador.26
25
OLIVEIRA, Ana Claudia M. A. de.
Arte e tecnologia,
uma nova relação?, p. 225.
26
Ibid., p. 223.
27
BARDONNÈCHE, Dominique de.
Espécies de espaços, p. 195.
28
PLAZA, Julio e
TAVARES, Mônica.
Processos Criativos com os meios
eletrônicos: poéticas digitais,
p. 199.
A arte, agora, ganha o espaço sem espaço, o espaço nômade, o espaço lúdico das redes.27 “A imagem, e, sem
dúvida, a arte toda, não é mais o lugar da metáfora, mas da metamorfose que leva a um comportamento ativo
e interrogativo, móvel e modelável, interativo, de natureza que convida ao jogo, à manipulação, à transformação,
ao ensaio e à mudança, à experimentação e à invenção de outras regras estéticas.”28
As obras de arte digital, principalmente a web art, não têm como característica a questão da permanência
no tempo; elas pulsam no ciberespaço, são mutantes, tornando-se sempre múltiplas, com diversas possibilidades
97
de leituras e de sentidos. Um quadro, objeto de conservação, é, ao mesmo tempo, a obra em si e o arquivo da obra.
Mas a obra-acontecimento, a obra-processo, a obra interativa, a obra metamórfica, conectada, atravessada,
indefinidamente co-construída da cibercultura dificilmente pode ser gravada enquanto tal.29 Para Arlindo Machado,
a “obra” agora se realiza exclusivamente no ato de leitura e em cada um desses atos ela assume uma forma
diferente. Cada leitura é, num certo sentido, a primeira e a última.30
Segundo Philippe Quéau, a maior qualidade da imagem de síntese é a sua capacidade de autonomia,
e os artistas farão uso dessa autonomia como novo meio de expressão, tirando partido da sua vida artificial
para criar obras em constante gênese, processos quase-vivos, modificando-se, sem cessar, eles mesmos,
em função do contexto.31
Quando se propõe um trabalho digital de interatividade, ora manipulação de imagem, som e texto,
ora construção de sentidos, coloca-se a obra como um fluxo de conexão e desconexão de atualizações provisórias,
trabalhos cujas imagens são peças de uma composição potencial que só será atualizada mediante a ação
de um interator. É o artista transgredindo o meio computacional para algo que não foi previamente pensado.
São exemplos dessa transgressão trabalhos como Timescape e !C!, de Reinald Drouhin ou Riot e P-soup,
de Mark Napier, que podem ser atualizados em tempo real e simultâneo, ou One none and a hundred thounsand,
de Katia Maciel, cd-rom que propõe um cinema interativo, ou, ainda, trabalhos de vida artificial como do japonês
Ishihama Yoshiaki, no qual as imagens, criaturas em Java, adquirem vida própria a partir de um modelo
de comportamento programado no computador.
LEVY, Pierre.
Cibercultura, p. 148.
39
MACHADO, Arlindo.
A máquina e imaginário, p. 180.
31
QUÉAU, Philippe.
O tempo do virtual, p. 95.
98
29
99
Ishihama Yoshiaki Japão Boids
Timescape, do francês Reinald Drouhin, é uma ferramenta de busca que procura figuras na internet
24 horas por dia. “Timescape” apresenta um relance, em tempo real, desses mecanismos de busca
Reinald Drouhim França Timescape
enquanto eles acontecem.32
FILE Festival Internacional
de Linguagem Eletrônica.
100
32
101
Reinald Drouhim França !C!
!C!, do francês Reinald Drouhin, é um mosaico de webcams, quase todas funcionando em tempo real.
Riot, do americano Mark Napier, leva ao limite a experiência de estar em rede porque mescla o conteúdo que
se estiver acessando ao que está sendo consultado por outros internautas. Caso ninguém esteja utilizando o Riot,
o programa se encarrega de embaralhar o código do site que estiver aberto, transformando o conteúdo existente
em algo imprevisível, mas sempre preservando os links, criando um processo irônico que implode
Mark Napier França Riot
os limites territoriais dos domínios pela reciclagem da interface.33
33
102
BEIGUELMAN, Giselle.
Browser.art.
P-soup, também de Mark Napier, é um aplicativo java multi-usuário, em que o interator escolhe formas e cores
103
Mark Napier França P_soup
para criar pinturas em movimento, simultaneamente a outros usuários que estiverem conectados.
One none and a hundred thounsand, da brasileira Katia Maciel, é um “cinema interativo que pode ser uma maneira
de estender a experiência cinematográfica para o campo da arte eletrônica. A idéia é disponibilizar as conhecidas
operações para produção de filmes, como a edição ou a criação de diálogos, à participação do espectador.
Cabe ao participante a escolha de dois rostos para formar um casal, a fim de criar uma relação amorosa entre eles,
por meio dos diálogos ditos em campo e contra-campo. As frases pronunciadas pelos rostos são sempre clichês,
Katia Maciel Brasil One none and a hundred thousand
mas na interface um cliché após o outro pode trazer algo de novo.”34
FILE Festival Internacional
de Linguagem Eletrônica.
104
34
Todas as técnicas de simulação de imagens que o computador propicia são, para a arte digital, uma maneira de
explorar possibilidades de transgressão de movimento, de forma, cujas particularidades seriam impossíveis de fato.
Por exemplo, o trabalho Interactive zôo, do artista Frederic Durier, é uma série de experiências interativas e
dinâmicas que oferecem uma narrativa nova não linear. Cada módulo apresenta um animal dotado de
Frederic Durier França Interactive ZOO
comportamento e sonoridade inusitados.34
Todas essas obras têm como características inerentes à sua performance a imprevisibilidade e a multiplicidade. Nos
trabalhos de realidade virtual, mundos improváveis são construídos, e pode-se interagir passando para mundos
34
FILE Festival Internacional
de Linguagem Eletrônica.
35
MACHADO, Arlindo.
A máquina e imaginário, p. 167.
dentro de mundos numa viagem de pura imersão. “As máquinas contemporâneas parecem fadadas a realizar e
difundir amplamente o projeto construtivo das vanguardas históricas, esse sonho de poder concretizar um dia a
105
representação do movimento, do virtual, do simultâneo, do instantâneo e do eternamente mutante”.
35
106
011000 Cartemas Digitais
Em outubro de 2003 houve a oportunidade de se realizar o workshop Cartemas do designer Aloísio Magalhães
no contexto digital, no evento Faces do Design, no Centro de Design e de Moda Anhembi Morumbi.
A pesquisa ainda estava no estágio inicial e o objetivo com o workshop era proporcionar uma oportunidade
de investigação criativa baseada nos Cartemas de Aloisio Magalhães, relacionando o fazer artístico desse artista
e suas possíveis leituras digitais. A proposta foi adotar o processo utilizado por Aloísio na feitura dos Cartemas,
ou seja, cortar, colar, rotacionar e repetir os módulos a partir de uma imagem, utilizando-se dos softwares
e de suas ferramentas para criar novas composições. Naquela ocasião, observou-se o grau de interesse
que a proposta causou aos alunos e também o nível de interatividade que ela estimulou.
Apresentou-se os Cartemas de Aloísio Magalhães, cujo trabalho não era conhecido por todos, e, em seguida,
sugeriu-se alguns endereços eletrônicos de webcams para que as pessoas criassem, a partir daquelas imagens,
composições inspiradas nos Cartemas. A proposta era livre, elas podiam usar quantas imagens quisessem,
do tamanho, forma, cor que desejassem; podiam fazer tudo digital ou imprimir e criar manualmente.
A primeira reação dos participantes foi a surpresa e a curiosidade pelas webcams: a possibilidade de ver vários lugares
do mundo simultaneamente e em tempo real, com as diferenças de fuso-horário. Num local era noite, no outro era dia;
um país marcava a mesma data que o Brasil, outro, naquele mesmo instante, vivia o dia anterior e outro, ainda,
107
o posterior. Também chamou a atenção as diferenças de arquitetura, o movimento nas ruas.
Logo eles começaram a manipular as imagens. Todos preferiram fazê-lo digitalmente: recortaram, colaram,
repetiram, espelharam, rotacionaram, justaposicionaram, sobrepuseram, alguns utilizaram apenas uma imagem,
outros mais de uma, e logo foram surgindo efeitos interessantíssimos. Imagens que num primeiro momento
não eram sugestivas adquiriram força e se mostraram extremamente férteis esteticamente.
As ferramentas de edição de imagem digital ampliaram as possibilidades criativas e expressivas já encontradas
no Cartema, uma vez que o cartão-postal impresso, material, dos Cartemas originais não permitiam manipulações
como tranparência, espelhamento, distorção da imagem.
O resultado foi gratificante, pois verificou-se, na prática, que esta pesquisa realmente fazia sentido,
era passível de realização e causaria interesse nas pessoas. Foi fascinante ver o processo de cada um,
ver o devir transformativo de cada imagem. As composições ficaram belíssimas e os alunos saíram satisfeitos
com a experiência.
Diante desse quadro positivo, a medida que aprofundou-se, nesta pesquisa, aspectos da personalidade e da obra
de Aloísio Magalhães, surgiram vários questionamentos. Como, Aloísio, se posicionaria frente ao contexto digital
e todas as suas conseqüências? Será que se dedicaria a essas novas possibilidades de criação, do mesmo modo,
como se dedicou, quando conheceu a pesquisa visual de Eugene Feldman e o processo de impressão offset,
mudando o rumo da própria obra?
Todas as imagens dos trabalhos realizados no workshop foram cedidas para fazer parte desta pesquisa.
Nas páginas que se seguem são mostrados os resultados, primeiro as imagens iniciais das webcams utilizadas e,
108
depois, a composição obtida a partir delas.
109
Gisela Belluzzo de Campos Artista plástica e professora de design.
110
Erich Pereira Medeiros Design Digital
111
Erich Pereira Medeiros Design Digital
112
Renata Sabariego Design Digital
113
Renata Sabariego Design Digital
114
Cintia Martins Design Digital
115
Cintia Martins Design Digital
116
Rafael Ribeiro da Costa Design Digital
117
Matina Firmo Moreira Design Digital
118
Possibilidades Criativas
entre os Cartemas
e a Hipermídia
Aloísio Magalhães, reconhecidamente um dos personagens principais da história do design brasileiro,
deixou uma obra expressiva, extremamente particular, coerente e atual. Foi também um grande artista
e aí encontra-se sua qualidade primordial: a valorização da visualidade. Essa característica permeava
todas as suas ações na arte, no design e na gestão cultural.
O Cartema é fruto da sensibilidade e maturidade visual de Aloísio. Nessa obra, verificam-se procedimentos formais
comuns à sua produção artística e de design. Curiosamente, durante uma atividade própria do design,
Aloísio vislumbrou composições a partir da apropriação de imagens impressas em série.
O uso do cartão-postal como unidade de composição do Cartema estava inserido no contexto artístico brasileiro
da época que, desde os anos 60, trazia objetos do cotidiano para dentro do discurso artístico. A fotografia, neste caso
a impressa no cartão-postal, redimensionou o conceito de espaço. Através dela,o espaço veio ao encontro
do observador, do destinatário. Nesse sentido, o cartão-postal, ao longo da sua evolução, converteu-se numa forma
de viagem.
Ao apropriar-se do cartão-postal, Aloísio Magalhães apresentou uma nova forma de olhar e usar as imagens impressas
nele. As composições inusitadas surgidas nos Cartemas deram um novo sentido a essas imagens.
Com o advento da Internet, a viagem imaginária dos cartões-postais tornou-se mais realística e dinâmica, pois,
119
com um único click no mouse, salta-se de um lado para outro do mundo em segundos.
Esta pesquisa faz uma associação do cartão-postal com webcams, rádios e jornais on-line, possibilidades que a mídia
digital e a Internet oferecem de conhecer um lugar em tempo real. Assim como Aloísio apropriou-se dos cartões-postais
como matéria artística, este trabalho apropria-se dos dados disponíveis na rede mundial de computadores para gerar
composições que dialogam com o seu meio. Essas composições estão em constante metamorfose, pois,
além de os dados serem mutantes, a obra somente acontece a partir de uma interação: é o interator quem determina
o sentido da obra.
A simultaneidade proporcionada pela interface do computador produz relações riquíssimas, impensáveis
na época de Aloísio. Combinatórias de sons, imagens e textos de diversas localidades, estabelecem múltiplas leituras,
numa ciberviagem potencial. Cada uma dessas mídias sugere um caminho inspirado nos Cartemas.
A repetição, o recorte, a sobreposição, o espelhamento, a simultaneidade, o jogo calidoscópico são palavras-chave
120
na elaboração da peça digital, conseqüência deste estudo.
121
Imagem produzida no site 011000 no espaço de criação zero1três, capturada e manipulada em programa de edição de imagem.
122
Uma Peça Digital
A peça digital deste trabalho foi elaborada paralelamente à pesquisa. No decorrer desse processo, foi depurada
conforme constatações feitas no workshop “Cartemas do designer Aloísio Magalhães no contexto digital”,
ocorrido no evento Faces do Design, depois na análise de obras de web art e, sobretudo, a partir da pesquisa teórica
que deu o repertório conceitual para sustentar o projeto.
No primeiro experimento percebeu-se que a simples transposição dos Cartemas para o ambiente digital
era um jogo interessante de construção de imagens. Com base nesse resultado, foi possível delimitar o caminho
para transgredir a proposta original de Aloísio Magalhães e trazer algo novo, dentro do que a hipermídia possibilita
como ferramenta artística.
Estabeleceu-se, assim, uma relação entre os cartões-postais e as webcams, que foi expandida para outras maneiras
de perceber um lugar, como, por exemplo, nos jornais e rádios on-line, através de suas grafias, notícias, dialetos,
músicas e sonoridades.
As webcams são aparelhos que captam e transmitem imagens de locais públicos ou privados. Uma vez disponibilizadas
na Internet, são passíveis de apropriação e manipulação. Cada quadro de imagem que uma webcam gera, é único,
está em contínua renovação. Portanto, as composições geradas a partir desse quadro serão sempre diferentes.
123
Os jornais e rádios on-line são uma adaptação da leitura do cartão-postal. Eles também representam um lugar.
Através das rádios ouvem-se o idioma, a música e, se compreensível, as notícias. Nos jornais, além do idioma
e suas diferentes grafias, existem as imagens fotográficas de um fato, uma personalidade ou um produto anunciado.
Chamam a atenção as diferenças de interface entre eles que, numa gama de combinações, geram estruturas inovadoras.
No ambiente digital surge uma nova configuração de tempo e espaço. O tempo nos cartões-postais é um fragmento
do passado. No ambiente digital das webcams, jornais e rádios on-line, o tempo insere-se na perspectiva do tempo real,
na qual prevalece o imediatismo e a simultaneidade. Isso constitui o fator de renovação dos Cartemas.
A peça digital 011000 (www.etceterart.net/011000), um site de net art, é composta de seis espaços: home page,
conceito, dois ambientes interativos de criação, galeria, créditos e links. A linguagem visual escolhida para a interface
do site 011000 utiliza elementos tipográficos, numa referência à produção editorial de Aloísio Magalhães
n´O Gráfico Amador. Os títulos e botões do site foram impressos em tipografia e depois digitalizados e manipulados.
As imperfeições ocasionais do processo de impressão manual fazem parte da composição: são elementos
que relacionam o mecânico e o digital, assim como as instabilidades do ambiente digital também estarão presentes
na peça, nas possíveis falhas do sistema de atualização das webcams, jornais e rádios on-line. Outras referências
à obra de Aloísio permeiam a peça, tais como espelhamento, rotação e modulação.
Optou-se por uma navegação intuitiva, na qual o interator vai descobrindo os espaços de informação e criação.
Esses espaços estão interconectados por um menu fixo. Os espaços de criação, denominados zero1mil e zero2mil
utilizam webcams e jornais on-line, respectivamente, para a geração de novas imagens. As rádios on-line podem ser
acessadas no espaço de criação zero1um onde será possível, simultaneamente, conhecer lugares distintos.
O espaço zero1mil oferece 3 possibilidades de manipulação de webcams: zero1um, zero1dois e zero1três.
Nesses espaços, 5 webcams diferentes são baixadas em tempo real.
124
Zero1um apresenta inicialmente uma composição de webcams próxima ao Cartema. Ao clicar nas webcams,
aciona-se um sorteio randômico de posições que gera novas composições. Os módulos da composição podem ser
arrastados por toda a tela, desconstruindo a composição original.
Zero1dois é um pincel imagético que, ao ser arrastado pelo mouse, multiplica a imagem por ele carregada.
O programa registra o movimento feito pelo interator, que pode criar camadas de imagens a partir das webcams
disponibilizadas.
Zero1três apresenta, inicialmente, uma composição próxima ao Cartema, porém com módulos transparentes
e sobrepostos. Entretanto, os cliques sobre as webcams, além sorteá-las, deformam infinitamente os módulos
da composição. Esses também são “arrastáveis” por toda a interface. Nesse espaço criativo, há, ainda, um botão
que troca, randomicamente, a cor do background, oferecendo mais um recurso compositivo.
Nesses espaços criativos é possível apagar a composição para reiniciá-la. Todas as composições são feitas pelo interator
a partir da escolha da imagem. Ele, se quiser, poderá salvar a sua composição na galeria do site, denominada On picture.
Apenas a posição das webcams será registrada, pois as imagens continuarão sendo carregadas em tempo real,
ou seja, a própria composição será atualizada a cada visita à galeria. Através do botão webcam, em On picture,
o interator pode visualizar, uma a uma, as webcams disponibilizadas nos espaços de criação.
Os espaços de criação seguintes utilizam jornais on-line de diversas nacionalidades e denominam-se zero2um
e zero2dois.
No zero2um,logotipos de jornais on-line estão lincados ao seu respectivo endereço eletrônico, e, ao selecioná-los,
os jornais são atualizados em janelas de tamanhos variados, sobrepostas e “arrastáveis”, possibilitando combinatórias
diferentes de escritas e imagens.
125
Zero2dois oferece previamente uma composição de 4 janelas, nas quais 2 jornais são atualizados de modo usual
e espelhado. A interação se dá através de barras de rolagem, com elas o interator cria composições combinando
textos e imagens.
Por fim, o espaço para créditos apresenta os autores de 011000 e permite a correspondência com os mesmos
e também com instituições culturais, cujo acervo possui Cartemas de Aloísio Magalhães.
A seguir, imagens colhidas do site:
Home
Conceito
Zero1mil : zero1três
126
Zero1mil
On Picture
Webcams
Zero1mil : zero1três
127
Créditos
128
129
130
131
132
133
134
135
136
1. ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual; uma psicologia da visão criadora. 7ª ed.
Trad. Ivone Terezinha de Faria. São Paulo: Pioneira, 1992.
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5. BERGER, Paulo. (5/2/2004) História do cartão-postal ilustrado.
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6. BRAGA, Isis Fernandes. Aloísio Magalhães: cartemando. Designe, Rio de Janeiro, 3: 57-62, out. 2001.
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A Herança do Olhar: o design de Aloisio Magalhães. Rio de Janeiro: Artviva, 2003.
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