empregando o corde para análise histórica de indoamericanismos

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empregando o corde para análise histórica de indoamericanismos
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Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 3 • Número 9 • março 2013
Edição Especial • Homenageada
PROFESSORA DOUTORA MARIA LUIZA BRAGA
EMPREGANDO O CORDE PARA ANÁLISE HISTÓRICA DE
INDOAMERICANISMOS LÉXICOS1
Manuela Arcos Machado (IC – UFRGS)2
[email protected]
Félix Valentín Bugueño Miranda (UFRGS)
[email protected]
RESUMO: O Corpus Diacrónico del Español (CORDE) da Real Academia Espanhola consiste em um
banco de dados que registra, através de textos, o léxico presente nos primeiros registros da língua até o
ano de 1975. Ao longo de séculos, o espanhol recebeu uma considerável quantidade de palavras oriundas
das línguas indígenas da América Latina. Essas contribuições, por sua vez, sofreram profundas mudanças
tanto no plano do significante quanto no plano do significado. Este trabalho tem como objetivo avaliar se
o Corpus histórico da Academia consegue cumprir com seu objetivo de traçar, através de seus registros, a
origem e tradição de palavras, neste caso, mais especificamente, de palavras provenientes das línguas
indígenas americanas.
PALAVRAS-CHAVE: CORDE; Indo americanismos; Etimologia-história da palavra.
1
INTRODUÇÃO
Nos estudos da linguagem, a área que se dedica à evolução do léxico de uma
língua denomina-se etimologia. Pode-se dizer que o estudo etimológico se apresenta em
três partes: descobrir a origem das palavras, datar quando as palavras foram
incorporadas a determinada língua, e avaliar suas mudanças de forma e de significado
(BUGUEÑO, 2004).
Em 1994, a Real Academia Espanhola começou a desenhar o Corpus
Diacrónico del Español (CORDE), um banco de dados que registra, através de textos, o
léxico presente desde primeiros registros da língua até o ano de 1975. Segundo a própria
Academia (CORDE, http://www.rae.es), o corpus possui, entre outros, o objetivo de
1
Trabalho apresentado em forma de comunicação no II Congresso de Iniciação Científica e Pós
Graduação da Unisinos, realizado de 3 a 5 de setembro de 2012.
2
Aluna de graduação do curso de Licenciatura em Letras (Português-Espanhol e respectivas Literaturas)
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), orientada pelo Prof. Dr. Félix Bugueño
Miranda (UFRGS).
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servir como base para o estudo histórico da língua espanhola através do conhecimento
da origem e da evolução histórica do conjunto total de termos que a constituem.
Para compreender a história do léxico de língua espanhola, é chave conhecer a
sua evolução a partir do século XVI, momento em que a língua toma sua fisionomia
própria (BUGUEÑO, 2000). Para tanto, somam-se aos estudos conceitos gerais sobre
etimologia (BUGUEÑO, 1995), (BUGUEÑO, 2004) e empréstimos linguísticos
(ZIMMERMANN, 1994), no âmbito do contato e contribuição entre línguas.
O presente estudo analisará o corpus diacrônico da Real Academia Espanhola, a
fim de constatar se o mesmo permite a articulação apropriada das informações
necessárias à etimologia de forma a compreender historicamente o léxico da língua,
tomando como objeto de estudo palavras do espanhol de origem indígena.
2
PRINCÍPIOS BÁSICOS DA INVESTIGAÇÃO ETIMOLÓGICA.
Para o estudo etimológico das palavras, consideram-se duas doutrinas de estudo:
a etimologia-origem e a etimologia-história da palavra (cf. BUGUEÑO, 1995 p.84). A
etimologia-origem contempla unicamente o plano do significante, e ocupa-se em
descobrir o étimo da palavra em estudo, ou seja, o seu significante na língua de origem
(BUGUEÑO, 2004). O verbete abaixo representa a primeira.
higo. (Del lat. fícus)
DRAE (2001, s.v.).
Para o DRAE (2001), no caso de higo, o seu étimo é fícus, do latim. Já a
etimologia-história da palavra, mais completa, ocupa-se tanto do plano do significado
quanto do significante, como demonstra o exemplo.
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emuntorio glándulas de los sobacos, ingles y de detrás de las orejas. Lat. tardío
emunctorium receptáculo en que se deposita el esperma de los candelabros. Prim. doc:
1391 – 1419; 1591.
Bugueño (1993, s.v.)
Quanto ao significante do exemplo acima, tem-se a informação de que
emuntorio provém de emunctorium, do latim. Já para o significado, tem-se a relação
entre o significado de emuntorio (forma hispânica), com o significado em latim de
emunctorium (forma origem). A forma origem dá nome ao pequeno recipiente de
candelabros em que se depositava a cera derretida das velas. Já a forma hispânica, dá
nome a glândulas do corpo humano, que são responsáveis por gerar e logo secretar
substâncias. Portanto a relação entre os significados é que ambos nomeiam depósitos de
secreções.
Assim se estabelece a principal diferença entre ambas as concepções: enquanto
uma detém-se no significante da língua de origem (étimo), a outra estabelece, também, a
relação dos significados entre étimo e forma derivada.
3
METODOLOGIA DA ETIMOLOGIA–HISTÓRIA DA PALAVRA.
A etimologia–história da palavra consiste em três diferentes tipos de
informações necessárias para um estudo etimológico eficiente e completo (Wiegand
(1989, apud BUGUEÑO (2004, p.177)). A primeira informação trata da data da
primeira documentação da palavra. A segunda, estuda o étimo da palavra e seu
significado. A terceira, por fim, ocupa-se das datas das primeiras documentações dos
possíveis derivados e possíveis novos significados da palavra em questão. Essas três
informações, quando contempladas, conferem ao estudo etimológico um comentário
crítico válido (c.f. BUGUEÑO, 2004, p.177).
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4
A REAL ACADEMIA ESPANHOLA E O CORPUS DIACRÔNICO DO
ESPANHOL (CORDE)
Ao longo de anos, a Real Academia Espanhola vem sendo a principal instituição
que orienta as questões linguísticas do espanhol. Sendo assim, a Academia criou dois
corpora para registrar a forma em que palavras da língua são usadas, os seus
significados e os seus contextos de uso. São eles o Corpus de Referência do Espanhol
Atual (CREA) e o Corpus Diacrônico do Espanhol (CORDE). O primeiro registra o
léxico do espanhol fazendo um recorte cronológico desde o ano de 1975 até a
atualidade. Já o segundo, registra o léxico que abarca desde os primórdios da língua até
o ano de 1974.
O CORDE começou a ser desenhado em 1994, e atualmente consta com mais de
250 milhões de registros. Ao apresentá-lo em sua página on-line, a própria Academia
confere ao corpus determinadas funções. Dentre elas, a de utilizá-lo sistematicamente
para: 1) documentar palavras e qualificá-las como antiquadas ou em desuso; 2) para
saber a origem de alguns termos e sua tradição na língua; 3) para registrar as primeiras
aparições das palavras, e 4) para servir como material básico para a confecção do seu
Nuevo Diccionário Histórico3. Ainda, a Academia afirma que o CORDE deve servir
como material obrigatório para qualquer estudo diacrônico da língua espanhola.
4.1
Funcionamento do CORDE
A versão do Corpus Diacrónico del Español (CORDE) é on-line. Ao acessar o
endereço http://corpus.rae.es/cordenet.html o sistema do corpus será aberto, com
lacunas para que o usuário preencha com a palavra a ser pesquisada. São
disponibilizados filtros opcionais à pesquisa (autor, obra, cronologia, temática, meio de
publicação e local de publicação), como demonstra a imagem abaixo.
3
http://www.rae.es/rae/gestores/gespub000019.nsf/voTodosporId/B4E26FC2520104D8C125716400455C
06?OpenDocument&i=1
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(Figura 1)
Ao pesquisar uma palavra, sem atender às lacunas opcionais, a Academia
oferece o número total de ocorrências da palavra e em quantos registros está presente
(Figura 2).
(Figura 2)
Para fins de exemplo do funcionamento do corpus, pesquisou-se a palavra
sábana.
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sábana. (Del lat. sabăna, pl. n. de sabănum).
1. f. Cada una de las dos piezas de lienzo, algodón, u otro tejido, de tamaño suficiente
para cubrir la cama y colocar el cuerpo entre ambas. 2. f. sabanilla (de altar). 3. f. Manto
que usaban los hebreos y otros pueblos de Oriente.
DRAE (2001, s.v.).
Ao recuperar as ocorrências, abre-se uma lista com os alinhamentos da palavra,
isto é, com os fragmentos dos registros em que ela aparece e sua respectiva data de
publicação. Também é oferecido na pesquisa o número de telas que os documentos
ocupam no sistema, no caso do exemplo abaixo, 33 páginas de registros com uma média
de 25 alinhamentos por página (Figura 3).
(Figura 3)
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Ao modificar o filtro da pesquisa para “ano” 4, é possível organizar as
ocorrências de forma cronologicamente crescente. A fim de obter uma pesquisa mais
organizada, é possível filtrar as ocorrências apenas por seus documentos, e de forma
resumida (figura 4). O resultado será uma tabela que agrupa de forma cronologicamente
crescente os documentos onde a palavra está presente.
(Figura 4)
Portanto, tais procedimentos possibilitam uma pesquisa mais organizada no que
diz respeito à cronologia, uma vez que os alinhamentos se agrupam em documentos, e
estes, por sua vez, se organizam pela sua cronologia. (figura 5). O resultado vem em
forma de tabela, onde também constam outras informações como o número de
ocorrências da palavra em cada documento, e também a classificação de autor e tema.
4
Filtro disponível através do caminho clasificación>año>recuperar, como ilustra a figura 4.
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(Figura 5)
A última observação a ser feita sobre o funcionamento do corpus histórico é
sobre a opção “estatística” oferecida pelo corpus no início da pesquisa (figura 2). A
estatística da palavra pesquisada se apresenta com a seguinte tabela:
(Figura 6)
Constituem a estatística três critérios de informação: ano, país e temática. Os
três tipos de informações organizam-se de forma decrescente no que diz respeito às
ocorrências da palavra. Na primeira coluna, a primeira linha consta como 1966, ano em
que a palavra sábana apresenta maior número de registros no corpus. Já a segunda
coluna corresponde a um critério diatópico e informa o país que possui mais ocorrências
da palavra.5 Por fim, a terceira e última coluna trata dos gêneros em que a palavra se
insere, e em quais deles há maior número de ocorrências. Considerando a descrição feita
à estática do corpus, é possível observar que os critérios utilizados são apenas
5
No entanto, é necessário observar que a Real Academia Espanhola divide os documentos do CORDE
em 50% para aqueles oriundos da Espanha, e os outros 50% para os da América Espanhola. Assim, na
grande maioria das vezes a maior quantidade de ocorrências de uma palavra, segundo o corpus, será
localizada na Espanha.
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numéricos, e que por vezes não são de fato eficientes para traçar um estudo diacrônico
da língua.
A análise que se fará a seguir utiliza as ferramentas do corpus diacrônico, a fim
de traçar um estudo etimológico de palavras oriundas do contato do espanhol com
línguas indígenas. Como observação final, se avaliará se o corpus funciona como
ferramenta eficiente para tal tipo de estudo diacrônico.
5
AS LÍNGUAS INDÍGENAS EM CONTATO COM O ESPANHOL DO
SÉCULO XVI.
A vinda dos espanhóis à América com o objetivo de conquistar e cristianizar as
terras do novo continente confrontou-se com a grande diversidade de línguas indígenas
então existentes. No processo de colonização, essa diversidade tornou-se um obstáculo.
Para superá-lo, os monges espanhóis adotaram línguas gerais (c.f Moreno de Alba,
1993, p.34), de forma a aprendê-las e difundi-las entre os próprios nativos. No México,
a língua adotada foi o náhuatl, que teve maior difusão com os espanhóis se comparada
ao alcance que teve no auge do Império Asteca. O mesmo processo se deu na região sul
do continente, com o Quéchua, que inclusive tomou o lugar do Aimará na região andina
(Chile, Peru, Bolívia e Argentina). Ainda, como línguas gerais estiveram na Colômbia o
chibcha, e no Paraguai, Brasil e região do Rio da Prata o tupi-guarani.
A língua trazida pelos conquistadores é um espanhol consolidado enquanto
língua nacional, que durante o século XVI, sofreu modificações que lhe conferiram uma
fisionomia própria (BUGUEÑO, 2000). Tais modificações se devem em especial a três
fatores: o final do processo de Reconquista com a tomada de Granada e a retirada dos
muçulmanos; a influência do Renascimento, que ressuscita a tradição clássica, inclusive
no plano lexical das novas ciências, e por fim, a descoberta do continente americano (c.f
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Bugueño, 2000, p.85-86). Dessa forma, a língua espanhola estabelece suas principais
fontes de contribuição lexical: o árabe, o latim, e as línguas indígenas6.
4.1
Contribuição das línguas indígenas para o espanhol
Segundo Zimmermann (1994, p.8), no campo da linguística hispânica há uma
espécie de polêmica quando o assunto é o grau de influência que as línguas ameríndias
exercem sobre o espanhol. Entretanto, é importante ressaltar que a contribuição de
línguas ameríndias ao espanhol se dá no nível léxico (c.f Moreno de Alba, 1993, p.56),
uma vez que o léxico constitui o plano da estrutura linguística mais propensa a
modificações e, logo, contribuições. É possível compreender essa contribuição lexical
através de Lüdke (2003), que descreve o espanhol do século XVI em três variedades de
arquitetura da língua: as terciárias, as secundárias e as contatais.
A variedade terciária existe em forma de registros escritos, entre eles registros da
linguagem literária. Até meados do século XVI, a distância entre a variedade terciária
elaborada na América e a literatura elaborada por autores na Península, se expressava
através das diferenças léxicas (Lüdke, 2003, p.2133), uma vez que os registros oriundos
da América eram escritos para leitores peninsulares.
A variedade secundária não é documentada. Trata-se dos dialetos da América
que derivavam dos dialetos peninsulares. Esses dialetos não estão documentados, pois
correspondem às variedades de uso diário que permitiam o intercambio lingüístico
imediato entre os espanhóis e os indígenas.
Por fim, as variedades contatais tratam do contato “forçado” entre as línguas.
Esse contato ocorria com aqueles que falavam a língua do outro enquanto durava a
convivência ao vivo entre espanhóis e indígenas. Por exemplo, as mulheres indígenas
dos espanhóis e os caciques devem ter aprendido a língua da península, bem como os
franciscanos aprenderam as línguas da América ao ensinar espanhol para crianças
6
O espanhol recebe influências também do grego, e posteriormente de outras línguas como o italiano e
francês.
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indígenas (idem, p.2135). Portanto, parte da fisionomia léxica da língua espanhola se
deve às variedades terciária e contatais.
6
ANÁLISE
Ao fazer um estudo diacrônico do léxico da língua espanhola, é imprescindível o
estudo do contato entre o espanhol e as línguas ameríndias. Portanto, para fins de
análise, se utilizará um corpus de indo americanismos léxicos oriundos da língua
Náhuatl, responsável por importantes contribuições para o espanhol. Compõem o
corpus analisado 17 empréstimos. Para efeitos de exemplo, neste trabalho serão
analisados dois empréstimos: chamaco e chicle. Suas respectivas mudanças serão
traçadas com base à doutrina da etimologia-história da palavra, já comentada, que exige
três informações: 1) Data da primeira documentação da palavra; 2) o étimo da palavra e
seu significado, e 3) Data dos possíveis novos significados assim como dos possíveis
derivados. Para tanto, foram utilizados dois dicionários: o Diccionario de la Real
Academia Española (DRAE, 2001), e o Diccionario del Español de América (Mo,
1996). Também o Corpus Diacrónico del Español (CORDE) a fim de observar o
comportamento dessas palavras ao longo do tempo. Dessa forma, procura-se: 1)
observar as mudanças entre étimo e forma hispânica no plano do significante, através
das informações oferecidas pelos dicionários, 2) observar as mudanças entre étimo e
forma hispânica no plano do significado, e 3) traçar cronologicamente as mudanças nos
planos do significante e significado através das cronologias oferecidas pelo CORDE. As
tabelas abaixo ilustram a análise.
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(Tabela 1)
Na análise da palavra chamaco, pôde-se observar claramente a mudança entre
significante do étimo e significante da forma hispânica a partir do étimo oferecido pelo
dicionário de americanismos (Mo,1996). O mesmo ocorre no plano do significado. O
étimo chamahua significa o “início do amadurecimento do milho”. A forma hispânica
chamaco siginifica “menino, rapaz”, ou seja, fase da vida em que o indivíduo masculino
começa a amadurecer. Portanto, analisando significado de étimo e de forma hispânica, é
possível visualizar a evolução do significado. Entretanto, ao tentar traçar a história
dessas evoluções o CORDE não oferece registros satisfatórios. Primeiramente, o étimo
não aparece registrado, e a forma hispânica aparece registrada apenas a partir de 1916,
momento muito posterior ao contato entre as línguas indígenas e o espanhol ibérico.
Embora seja possível observar empiricamente as mudanças nos planos do significante e
significado a partir das informações oferecidas pelos dicionários, traçar tais mudanças
através do tempo por meio dos registros do corpus histórico da Academia, não é
completamente possível.
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(Tabela 2)
A mesma situação ocorre com a palavra chicle. Segundo o DRAE (2001), o
étimo de chicle é tzcilti, do Náhuatl. Tanto no plano do significante quanto no plano do
significado é possível estabelecer as mudanças de étimo para forma hispânica. Ao longo
da utilização do empréstimo tziclti, estabeleceram-se as mudanças de escrita e pronúncia
(plano do significante) demonstradas na tabela acima. Já o significado manteve-se para
o que atualmente chama-se de chicle “goma de mascar aromatizada”. Entretanto, ao
procurar traçar essas mudanças cronologicamente, o CORDE não oferece informações
suficientes. Embora o étimo tziclti apareça registrado no corpus, a cronologia de
registros oferecida não possui valia para traçar o comportamento do étimo ao longo de
sua utilização por falantes da língua espanhola, uma vez que a primeira documentação
oferecida é de 1576 e a segunda, de 1963. Há, portanto, um vazio de 387 anos entre os
registros, o que impossibilita visualizar em que momento e circunstância a forma
hispânica chicle é incorporada à língua espanhola.
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CORDE E CREA
O objetivo do CORDE consiste em registrar o léxico desde sua aparição até o
ano de 1974, enquanto o CREA registra o léxico a partir de 1975 até a atualidade.
Considerando que ambos os corpora tem a finalidade de traçar a história do léxico da
língua, nos casos observados anteriormente não foi possível utilizá-los como
ferramentas que se complementam, uma vez que o corpus histórico nem sempre
ofereceu informações suficientes. Entretanto, o sucesso nessa complementação pode ser
exemplificado através da palavra guanaco, de origem indo americana, com a qual foi
possível traçar sua diacronia e sincronia através dos corpora.
Guanaco 1. m. Mamífero rumiante de unos trece decímetros de altura hasta la
cruz, y poco más de longitud desde el pecho hasta el extremo de la grupa.
2. m. Am. Persona tonta, simple.
DRAE, 2001.
A tabela abaixo demonstra como CORDE e CREA se complementam para traçar
a história desse vocábulo.
(Tabela 3)
O CORDE registra a aparição da palavra na língua, em 1534, e também sua
evolução, uma vez que ela aparece registrada em todos os séculos, até 1974 (em função
do corte cronológico do corpus histórico). O CREA, por sua vez, também registra a
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palavra satisfatoriamente: há registros em todas as décadas desde 1975. Uma vez que a
palavra guanaco não caiu em desuso (não possui nenhuma marcação cronológica no
DRAE (2001)), os corpora registram e, por conseguinte, permitem traçar a sua história
na língua.
8
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreender o contato entre as línguas indígenas e o espanhol constitui parte
essencial de um estudo histórico da língua espanhola. Embora a premissa básica do
CORDE seja traçar a história do léxico do espanhol, através da análise feita ao
vocabulário do espanhol de origem ameríndia, concluiu-se que a utilidade do corpus é
parcial para satisfazer as informações necessárias ao estudo da etimologia-história da
palavra, uma vez que as informações oferecidas pelo corpus na maioria das vezes não se
integram. Quanto ao funcionamento do corpus, não foi possível encontrar uma real
utilidade para todos os mecanismos oferecidos, considerando que algumas informações
não se baseiam em critérios lingüísticos e sim numéricos. Isso pode ser visto através de
como o corpus foi compilado em termos diatópicos (50% para América e 50% para toda
a Espanha), o que impossibilita refletir uma realidade léxica fiel da língua espanhola.
Por fim, foi possível constatar que, muitas vezes, os corpora diacrônico e sincrônico da
Real Academia Espanhola não permitem um trabalho concomitante para traçar o
comportamento do léxico ao longo de sua existência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Recebido Para Publicação em 19 de fevereiro de 2013.
Aprovado Para Publicação em 11 de março de 2013.
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