dissertao final 2
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dissertao final 2
Fundação Educacional de Divinópolis – FUNEDI Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais A VIVÊNCIA DE MULHERES PORTADORAS DE LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO, EM DIVINÓPOLIS - MG, 2010. Fernando Felix Ranuzzi DIVINÓPOLIS 2010 Fernando Félix Ranuzzi A VIVÊNCIA DE MULHERES PORTADORAS DE LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO, EM DIVINÓPOLIS - MG, 2010. Dissertação apresentada ao curso de Mestrado da FUNEDI-UEMG, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais. Área de concentração: Estudos Contemporâneos Linha de pesquisa: Saúde Coletiva Orientador: Prof. Dr. Gil Sevalho DIVINÓPOLIS 2010 R184v Ranuzzi, Fernando Felix A vivência de mulheres portadoras de lúpus eritematoso sistêmico. [manuscrito] / Fernando Felix Ranuzzi. - 2010. 55 f., enc. Orientador : Gil Sevalho Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia : f. 04-19 1. Lúpus Eritematoso Sistêmico. 2. Doença auto-imune. 3. Pesquisa qualitativa. 4. História oral-Temática. 5. Entrevista. I. Sevalho, Gil. II. Universidade do Estado de Minas. Fundação Educacional de Divinópolis. III. Título. CDD: 616.77 Universidade do Estado de Minas Gerais Fundação Educacional de Divinópolis Programa de Pós Graduação Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais: Saúde Coletiva Autorização para a reprodução e divulgação científica da dissertação Dissertação intitulada “A vivência de mulheres portadoras de lúpus eritematoso sistêmico”, de autoria do mestrando Fernando Félix Ranuzzi, aprovado pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG. ___________________________ Fernando Félix Ranuzzi Divinópolis, 10 de outubro de 2010. EPÍGRAFE O que conta não é o crítico, aquele que diz em que ponto o forte tropeça ou em que aspecto alguém poderia ter feito melhor. O crédito pertence ao homem que de fato ocupa a arena. [...] Que, na melhor das hipóteses, no final conhece o triunfo da grande conquista, e na pior, se fracassar, ao menos fracassou por ter ousado muito. De forma que seu lugar jamais será entre as almas tímidas e inexpressivas que não conhecem nem a vitória, nem a derrota. Theodore Roosevelt DEDICATÓRIA Este estudo eu dedico a todas as mulheres portadoras de Lúpus Eritematoso Sistêmico, mulheres que trazem em seus corpos marcas de um castigo brutal causada por essa doença. Dedico esse estudo a essas incansáveis mulheres cuja beleza externa é violentada por tantas agressões imposta por essa enfermidade, porém a beleza interna se renova a cada dia, dando ânimo e esperança para continuar vivendo. Em especial dedico este estudo há seis mulheres, corajosas, ousadas, sofridas, porém sonhadoras, que abriram as portas de suas casas e também seus corações, afim, de relatar suas experiências vividas como portadoras de LES, fazendo emergir do mais íntimo de suas almas, lembranças tristes, dolorosas, momentos de angústia com a intenção nobre de nos auxiliar da melhor maneira possível para enriquecer esse estudo, pois só assim foi possível a realização do mesmo. Sejam felizes e que vocês possam viver dias agradáveis. AGRADECIMENTOS Agradeço ao Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, digno de toda honra, glória e majestade, Aquele cujo nome está acima de todo nome, Jesus Cristo meu Senhor, por mais uma vez me surpreender com seu amor e misericórdia, renovando minha mente e coração e direcionando-me a águas tranqüilas e pastos verdejantes, verdadeiramente tu és meu Senhor e Rei. Agradeço a minha querida família, família abençoada, cheia da graça e do favor de Deus, o louvo por ter colocado em minha vida a Graziela, esposa querida, equilibrada, sensata, mãe dedicada e mulher sábia, já seria o bastante para mim, mas ela presenteou-me com a Victória minha primeira filha, tão linda, delicada, de expressão doce e suave, deu-me também o Enzo que é minha cara, tem minhas manias, expressões, é ousado, inteligente e soluça quando sorri, como eu, recentemente chegou o Benício meu terceiro filho, tem sido uma das minhas inspirações para que eu continue trabalhando, me aperfeiçoando e buscando sempre o melhor, ele é lindo de viver, é só alegria, a propósito, também soluça quando sorri. Amo de todo coração minha família, reconheço o sacrifício deles em momentos difíceis, sinto o amor deles por mim e isso é muito bom. Amarei sempre vocês. Agradeço ao meu orientador, o professor Gil Sevalho, figura ímpar e de notável competência e experiência, vida rica em histórias para contar, agradeço pela sua disposição e compreensão frente a mais um desafio, valeu Gil, sucesso. RESUMO: O Lúpus Eritematoso Sistêmico é uma doença inflamatória crônica que causa principalmente lesões na pele, dor e inchaço nas articulações, mas pode também causar inflamação em diversos outros órgãos como os rins, membranas que recobrem o pulmão, vasos sanguíneos, sistema nervoso e alterações nas células sanguíneas. Pode acometer indivíduos de qualquer idade, mas afeta mais frequentemente mulheres jovens. Caracteriza-se pela presença de alterações imunológicas, com anticorpos dirigidos contra os constituintes da própria célula. Por isso é considerado o exemplo de doença auto-imune. É uma doença de evolução crônica com períodos de atividade e outros de silêncio. O estudo teve como objetivo principal conhecer as experiências de mulheres adultas, em idade reprodutiva, portadoras de Lúpus Eritematoso Sistêmico, através da coleta de depoimentos das entrevistadas (sujeito) da pesquisa e posteriormente analisar e interpretar o conteúdo das entrevistas segundo a análise de conteúdo de Bardin (1994). Foi utilizado uma metodologia qualitativa, visto que contemplou plenamente este tipo de pesquisa e o que se propôs alcançar. O emprego da história oral temática permitiu a obtenção de depoimentos significativos. Os resultados mostraram mudanças importantes na vida das entrevistadas, vida afetiva, relacionamento íntimo, vida profissional, medo da dependência, sofrimento com a dor física e grande incerteza quanto ao futuro. A abordagem dos profissionais de saúde nem sempre se mostrou adequada à complexidade de uma doença que afeta o universo de sentimentos e costumes de mulheres jovens. Palavra chave: Lúpus Eritematoso Sistêmico, mulheres, história oral. ABSTRACT: Systemic Lupus Erythematosus is a chronic inflammatory disease that mainly causes skin lesions, pain and swelling in the joints but can also cause inflammation in various organs such as kidneys, the membranes covering the lungs, blood vessels, nervous system and changes in cells blood. It can affect people of any age but most often affects young women. It is characterized by the presence of immunological changes with antibodies directed against the cell's own constituents. Therefore it is considered an example of autoimmune disease. It is a chronic disease and with other periods of activity and silence. The study aimed at knowing the experiences of adult women of reproductive age suffering from SLE, by collecting testimonies of the interviewees (subject) of the survey and then analyze and interpret the content of the interviews according to content analysis Bardin (1994). We used a qualitative methodology, as fully contemplated this type of research and it has set itself. The use of oral history interviews provided evidence of significant. The results showed significant changes in the interviewees, emotional, intimate relationship, life, fear of dependency, suffering with physical pain and great uncertainty about the future.The approach of health professionals was not always adequate to the complexity of a disease that affects the world of feelings and habits of young women. Key-Word: Systemic lupus erythematosus, women, oral history. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Cronograma ............................................................................................ 57 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................ 11 2. OBJETIVOS .................................................................................................... 15 2.1 Objetivo Geral ................................................................................................ 15 2.2 Objetivos Específicos.................................................................................... 15 3. REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................. 16 4. METODOLOGIA.............................................................................................. 31 4.1 Método e Pesquisa Qualitativa ..................................................................... 31 4.2 A Pesquisa Será Realizada no Campo da História Oral Temática............. 36 4.3 Critérios de Seleção dos Participantes........................................................ 40 4.4 Amostragem ................................................................................................... 39 4.5 Coleta de Dados............................................................................................. 39 4.6 A Entrevista .................................................................................................... 40 4.7 O Diário de Campo......................................................................................... 43 4.8 Local Onde Serão Realizadas as Entrevistas.............................................. 44 4.9 Análise das Entrevistas................................................................................. 45 4.10 Triangulação ................................................................................................... 49 4.11 Critérios Éticos............................................................................................... 50 5. RESULTADOS E DISCUSSÂO ...................................................................... 52 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................65 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 67 8. APÊNDICES .................................................................................................... 72 11 1. INTRODUÇÃO Doenças auto-imunes são aquelas que ocorrem quando a ação do sistema imunológico volta-se contra os componentes do próprio indivíduo. Nesse caso ocorre ativação de células de defesa que atacam e destroem órgãos alvos. O sistema de defesa do organismo (sistema imunológico) deixa de reconhecer estruturas próprias como tal, e em vez de combater apenas agentes estranhos, como vírus, bactérias ou células tumorais, passa a atacar células ou tecidos saudáveis do organismo (BENSELER et al., 2007). A incidência desse tipo de doença tem aumentado significativamente, duplicou nos últimos 40 anos e só nos EUA 50 milhões de pessoas por ano são diagnosticadas com uma doença desse tipo. Em todo o mundo, médicos e pesquisadores presumem que as doenças auto-imunes cheguem a atingir de 15% a 20% da população, e as maiores vítimas são mulheres. Estes são dados fornecidos pelo último encontro organizado pelo Núcleo de Estudos de Doenças Auto-Imunes (NEDAI) da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, que ocorreu no ano de 2006, na cidade do Porto, com a presença de autoridades européias sobre o assunto (NEDAI, 2006). Existem na atualidade várias doenças auto-imunes, porém aproximadamente 30 tipos de doenças auto-imunes estão entre as mais conhecidas e que já se conhece o suficiente para tratá-las, algumas delas são: doença de grave, esclerose múltipla, myasthenia, anemia hemolítica auto-imune, púrpura trombocitopênica, diabetes mellitus tipo I, atrite reumatóide, síndrome de sjogren e uma das mais conhecidas é o lúpus eritematoso sistêmico (LES), que será alvo de nossa atenção e pesquisa. Para sabermos mais sobre essa enfermidade nada melhor que analisar essa patologia não do ponto de vista clínico, laboratorial, patológico e funcional da doença, mas do ponto de vista do enfermo, daquele que vivencia no próprio corpo o mal, buscando de alguma maneira enxergar a dificuldade, tristeza, dor, angústia, o isolamento social que atinge essas pessoas, a partir de seus próprios relatos. Sato (1999) esclarece que o lúpus eritematoso é uma doença descrita por Hipócrates em 400 a. C, como lesões erosivas no rosto que denominou Herpes Esthimeonos. Em 1851, um médico francês chamado Pierre Cazenave, observou várias pessoas com tais lesões que cobriam as bochechas e a pele do nariz e 12 comparou-as à mordida de um lobo, dando o nome a essa enfermidade de lúpus eritematoso (lúpus referente a lobo, eritematoso a cor vermelha). Por volta de 1895, o médico canadense Willian Osler, relatou o acometimento de vários órgãos pela doença que passou a chamar de lúpus eritematoso sistêmico (LES). Segundo Miguel Filho (1992), as primeiras descrições das manifestações neurológicas e psiquiátricas associadas ao LES foram registradas a partir de 1945. O LES é uma representação de um mecanismo patogênico comum decorrente de diferentes fatores genéticos e ambientais. Trata-se de síndrome de natureza auto-imune caracterizada por processo inflamatório sistêmico, como pele, articulações, rins, cérebro e coração, sendo sua evolução marcada por quadro clínico crônico com remissões e exacerbações (SELLA et al., 1999). Segundo Costallat e cols. (2002), as manifestações clínicas são extremamente diversificadas, e a evolução não é igual em todos os casos, porém, se não tratada, é na maioria das vezes uma patologia progressiva e com alto índice de mortalidade. O American College of Rheumatology, estabeleceu onze critérios que podem definir o quadro do Lúpus. Dessa forma, um indivíduo pode apresentar o Lúpus Eritematoso Sistêmico quando, pelo menos, quatro dos critérios seguintes a seguir estiverem presentes: eritema malar, lesão discóide, fotossensibilidade, úlceras oro/nasais, artrite, serosite, comprometimento renal, alterações neurológicas, alterações hematológicas, alterações imunológicas e anticorpos antinucleares (GOMES et al, 2004). A sintomatologia do Lúpus é muito diversificada, compreendendo dores nas articulações, febre alta, tendinite, artrite, fadiga extrema ou prolongada, mal estar, falta de apetite, emagrecimento, inflamações cultâneas, anemia, dor no tórax ao inspirar profundamente causado pela pleurite, erupções no nariz e no malar, queda de cabelo, fenômeno de Raynoud, convulsões, irritabilidade, enxaqueca, depressão, choro fácil, psicose, miosite e ulcerações no nariz e na língua, podendose observar eritema e ceratose na mucosa bucal, sendo estas importantes para o diagnóstico da referida patologia (AFFELDT et al., 2006). Para Schultz e cols. (2002), em conseqüência dos problemas que podem ser provocados por essa doença ocorre uma limitação funcional na performance do indivíduo, havendo restrição e ou inaptidão para realizar atividades consideradas normais para o indivíduo. Geralmente, o tratamento destinado a esses pacientes não possui uma abordagem integral, sendo esta realizada de forma dissociada, não 13 considerando o aspecto incapacitante e psico-social da enfermidade. A terapêutica, muitas vezes, consta de internação hospitalar, aumentando os custos do tratamento, uma vez que estas doenças têm um caráter crônico-evolutico. Nos Estados Unidos estimou-se uma freqüência de um caso para cada dois mil habitantes. No Brasil, numa população de 150 milhões de habitantes calcula-se no mínimo 15.000 e no máximo 75.000 doentes com lúpus. Para Bezerra (2004), apesar de não se conhecerem todos os fatores desencadeantes da doença, a constatação do aumento de casos de LES e de outras doenças imunológicas pode ser decorrente da evolução de exames laboratoriais que contribuíram para melhorar a capacidade de diagnóstico. A relevância desse estudo, da escolha do tema e da proposta metodológica, consiste em procurarmos compreender como vive o doente de lúpus, quais os seus temores, seus anseios, suas reais necessidades; ouvi-lo, tendo sensibilidade, para interpretar cada palavra, cada gesto, expressão, cada olhar. Tentar, enfim, trabalhar essas informações e, como profissionais de saúde, ajudá-lo. Saúde coletiva é uma expressão que designa o campo de conhecimentos e de práticas de saúde como fenômeno social e, portanto, de interesse público. A crítica aos sucessivos movimentos de reforma em saúde, originárias da Europa e dos Estados Unidos, como os da saúde pública, medicina preventiva, medicina de família, atenção primária à saúde, delineou progressivamente o objeto de investigação e práticas em saúde coletiva, que compreende as seguintes esferas: o estado de saúde da população, isto é, condições de saúde de grupos populacionais específicos e tendências gerais do ponto de vista epidemiológico, demográfico, sócio-econômico e cultural; o serviço de saúde, abrangendo o estudo do processo de trabalho em saúde, investigações sobre a organização social dos serviços, formulação e implementação de políticas de saúde, bem como a avaliação de planos, programas e tecnologia utilizada na atenção à saúde; o saber sobre a saúde, incluindo investigações históricas, sociológicas e antropológicas sobre a produção de conhecimentos deste campo e sobre as relações entre o saber científico e as concepções e práticas populares de saúde, influenciadas pelas tradições, crenças e cultura (PAIM, 2005). Vivemos hoje no Brasil um processo de revisão crítica das tendências tomadas pelas práticas de saúde que, embora ampla e multifacetada, circula em torno de questões comuns, como: a recusa da visão segmentada, que não enxerga a totalidade do paciente e seu contexto; a abordagem excessivamente centrada na 14 doença, não no doente; a pobreza da interação médico-paciente e o fraco compromisso com o bem-estar do paciente (DESLANDES, 2006). A saúde coletiva propõe um novo modo de organização do processo de trabalho em saúde que enfatiza a promoção da saúde, a prevenção de riscos e agravos, a reorientação da assistência a doentes e a melhoria da qualidade de vida, privilegiando mudanças nos modo de vida e nas relações entre os sujeitos sociais envolvidos no cuidado à saúde da população (PAIM, 2005). Sabemos que falar sobre saúde não equivale a falar sobre não-doença, e que falar sobre doença não equivale a falar sobre não-saúde, e saúde e doença não são situações polares. Temos consciência que a cada ano novos problemas de ordem física, mental e social acometem a população mundial e, neste contexto, algo que tem preocupado as autoridades de saúde e já se transformou em problema de saúde pública são as doenças auto-imunes (PAIM, 2005). O interesse em pesquisar sobre o Lúpus nasceu da inquietação do próprio pesquisador, por ser Biomédico atuante na área de análises clínicas e professor de imunologia, demonstrou fascínio por essa doença que possui momentos de exacerbação e outros de silêncio. Este estudo teve a intenção de contribuir de alguma maneira com informações sobre a complexidade dessa doença pouco conhecida e que infelizmente não tem cura, principalmente trazendo esclarecimentos para portadores de Lúpus Eritematoso Sistêmico e também para outros pesquisadores que porventura se interessem em trabalhar com mulheres portadoras de LES. 15 2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral Conhecer e interpretar as experiências de mulheres adultas, em idade reprodutiva, portadoras de lúpus eritematoso sistêmico (LES) residentes em Divinópolis-MG. 2.2 Objetivos Específicos - Colher os depoimentos das participantes (sujeitos) da pesquisa. - Analisar e interpretar o conteúdo das entrevistas. 16 3. REFERENCIAL TEÓRICO As doenças auto-imunes representam a terceira causa entre todas as consultas médicas, provocando mais incapacidade que as doenças cardíacas e o câncer. Suas conseqüências provocam um importante impacto médico, social e econômico, decorrentes da significante freqüência na população, do afastamento do trabalho e do gasto das entidades públicas e privadas. Os indivíduos que sofrem destas enfermidades são afetados no que diz respeito a sua produtividade e no convívio social, em decorrência da incapacidade física-funcional ocasionada. A artrite Reumatóide, Espondilite Anquilosante e o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) estão entre os tipos que causam maior restrição funcional (SCHULTZ et al., 2002). O LES é uma doença inflamatória crônica que causa principalmente lesões na pele, dor e inchaço nas articulações, mas pode também causar inflamação em diversos outros órgãos como os rins, membranas que recobrem o pulmão (pleuras), vasos sanguíneos, sistema nervoso e alterações nas células sanguíneas. Pode acometer indivíduos de qualquer idade, mas afeta mais frequentemente mulheres jovens. Caracteriza-se pela presença de alterações imunológicas, com anticorpos dirigidos contra os constituintes da própria célula. Por isso é considerado o exemplo de doença auto-imune. É uma doença de evolução crônica com períodos de atividade e outros de silêncio (GUARIZE, 2004). Existem três tipos de lúpus: o cutâneo, também chamado discóide, em que o paciente apresenta apenas lesões de pele; o sistêmico, em que pode haver comprometimento de outros órgãos além da pele, como o coração, pulmão, juntas, sangue e o sistema renal; e o Lúpus induzido por drogas que ocorre como conseqüência do uso de certas drogas ou medicamentos. Deve-se observar, porém, que nem todos pacientes com LES apresentam alterações cutâneas (COSTALLAT, 2002). O sistema imunológico, também conhecido como sistema imunitário, compreende todos os mecanismos pelos quais um organismo multicelular se defende de invasores externos, como bactérias, vírus, células tumorais ou partículas diversas. Existem dois tipos de mecanismos de defesa: os inatos ou não específicos, como a proteção da pele, a acidez gástrica, as células fagocitárias ou a secreção de lágrimas; e o sistema imunitário adaptativo, como a ação direccionada dos linfócitos e a sua produção de anticorpos específicos. 17 Nas pessoas com lúpus existe um descontrole do sistema imune, os plasmócitos (linfócitos B) começam a produzir anticorpos contra as células ou proteínas existentes no próprio indivíduo, causando inflamação em diversos órgãos. Acredita-se que algum fator modifica o reconhecimento como próprio e não próprio por parte do sistema imune, passando a não mais reconhecer somente o que é estranho e a agir contra as estruturas próprias. Segundo Sato (2004), a maioria dos auto-anticorpos no Lúpus é dirigido contra as proteínas existentes no núcleo das células (anticorpos antinucleares) e esses não conseguem penetrar em uma célula íntegra. Porém, constantemente há em nosso corpo células morrendo e sendo substituídas por outras. Dessa forma, essas proteínas que se encontravam dentro das células podem ser encontradas na corrente sanguínea. O encontro do anticorpo com o antígeno (liberado pela célula que morreu) pode ocorrer na corrente sanguínea e se depositar em diversos locais. Quando ocorre a reação do anticorpo com o antígeno há a ativação de diversas substâncias presentes no sangue, o que acaba por causar a inflamação local, causando artrite. Não é a toa que as doenças auto-imunes tanto assustam. De início, o paciente tem dificuldade para compreender que, além de vítima, é "autor" desse mecanismo de agressão. Já os médicos também não compreendem totalmente porque as células de defesa do corpo perdem o controle, ou seja, quais as causas das doenças auto-imunes. Existe, no entanto, tratamentos que têm dado esperança aos pacientes. Ainda não se conhecem exatamente as causas do lúpus. Sabe-se que há uma predisposição genética, isto é, alguns indivíduos têm genes que facilitam o desenvolvimento de enfermidades chamadas auto-imunes, nelas incluindo o LES. O sistema imunológico fica desequilibrado e começa a produzir anticorpos contra células e elementos do próprio organismo (SATO, 2004). Além da predisposição genética, inúmeros outros fatores podem contribuir para o aparecimento da doença, como a radiação ultra violeta, infecções, o uso de alguns medicamentos como a hidralazina, hidrazida e a procainamida, hormônios femininos, e até mesmo estresse emocional. Cada um desses fatores isoladamente não causa o LES, mas parece que a combinação deles em indivíduos geneticamente predispostos pode causar o desequilíbrio imunológico que favorece o aparecimento da doença (SATO, 2004). 18 É fato que hoje em dia sabe-se muito mais sobre auto-imunidade e doença auto-imune do que há 15 ou 20 anos atrás, e também é fato que há muito mais pessoas acometidas por esse tipo de doença atualmente. Existem algumas hipóteses a respeito do surgimento dessas doenças no indivíduo. É difícil que sejam explicadas apenas por um fator. A hipótese higiênica baseia-se em dados epidemiológicos que provam que, nos locais onde as infecções tendem a diminuir, as doenças auto-imunes tendem a aumentar, como, por exemplo, no mundo ocidental, como se as infecções oferecessem um papel protetor em relação às doenças auto-imunes. A teoria infecciosa defende que há alguma auto-imunidade que é induzida por infecções e estas podem ter um papel relevante no despertar de doenças auto-imunes. Aparentemente essas hipóteses são contraditórias, mas há explicações que permitem compatibilizá-las, porém não há artigo científico sobre essas hipóteses mencionadas para que pudesse ser mais detalhadamente explicada. Sabe-se que para desenvolver uma doença auto-imune são necessárias três condições: a primeira é ter predisposição genética para a doença; outro requisito é o problema ser desencadeado por um fator do ambiente externo, como exposição ao sol no caso do lúpus ou situação estressante na psoríase; e a terceira é o desequilíbrio das células do sistema imunológico (NEDAI, 2006). O catalão Ricard Cervera realizou estudo epidemiológico sobre lúpus que abrangeu mais de 1000 doentes. Os dados dos primeiros dez anos já estão publicados e permitem perceber as características do lúpus no território europeu. Em seu trabalho foram observados vários fatores que nos ajudam a compreender um pouco mais sobre a enfermidade. O LES pode aparecer na infância como depois dos 80 anos, mas aparece principalmente entre os 11 e os 40 anos e é dez vezes mais frequente nas mulheres. Na infância há mais nefropatia, nos velhos é comum estar associado à síndrome de Sica, que é uma doença auto-imune e inflamatória crônica na qual as glândulas salivares e lacrimais são submetidos a progressiva destruição por linfócitos e células plasmáticas, resultando em diminuição da produção de saliva e lágrimas (VERONESI, 1996). Estes são alguns fatos que contribuem para nos direcionar em busca de um melhor entendimento a respeito de como nos portar frente ao desafio de tratar o indivíduo acometido (NEDAI, 2006). Zonana-nacach et al (1996) realizaram uma investigação para avaliar os fatores de risco associados ao lúpus eritematoso sistêmico na população mexicana. A metodologia utilizada foi a de estudo de caso-controle, realizado no Departamento de Reumatologia, Hospital de Especialidades Médicas Centro Nacional Siglo XXI do 19 Instituto de Segurança Social mexicana, Cidade do México. Foram estudados 130 pacientes (casos) com quatro ou mais critérios para a classificação do lúpus eritematoso sistêmico (LES) com a progressão da doença inferior a cinco anos. Os controles foram pacientes hospitalizados por doenças agudas não-auto-imune. Eram pareados por idade e diferenças de sexo e foram avaliados através de entrevista direta e aplicação de um questionário estruturado. Estudaram-se fatores de risco como história familiar genética (do LES e doença do tecido conjuntivo), demográficos (raça, local de residência, escolaridade, renda mensal), hormonais (contraceptivos orais, reposição hormonal), ambientais ( produtos de cabelo, sala de estar com os cães, as infecções, alergias). A análise estatística multivariada demonstrou associação com história familiar de LES e outros, como o uso de contraceptivos orais por mais de um ano, amigdalites e medicamentos. Não houve associação com fatores sócio-econômicos, uso de produtos de cabelo, asma ou alergias. Os autores concluíram que fatores genéticos, tais como história familiar, herdada de lúpus e doenças do tecido conjuntivo em parentes de primeiro grau têm importância no desenvolvimento do LES. Outros fatores de risco como o uso de drogas, o uso de contraceptivos orais, a faringite de repetição, possivelmente pode interagir em hospedeiros geneticamente suscetíveis para o desenvolvimento da doença. No Brasil foram estudados retrospectivamente 290 pacientes com lúpus eritematoso cutâneo crônico no período de 1982 a 1996, na Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo (FREITAS, 2003). A média de idade da instalação da doença foi de 32,3 anos, houve predomínio do sexo feminino em relação ao masculino (3,4:1), a maior parte dos pacientes teve lesões localizadas no segmento cefálico (58,3%). Quanto às variedades clínicas, houve predomínio da placa discóide típica em 90,4% dos casos, seguida das variantes verrucosa ou hipertrófica (7,9%), lúpus eritematoso pérnio (1,4%), e túmida (0,3%). Lesões em mucosas ou epitélios de transição ocorreram em 27,2% dos pacientes. Lúpus eritematoso cutâneo crônico é doença mais comum em mulher adulta, sendo a placa discóide típica a lesão mais comum. Lesões mucosas ocorreram em aproximadamente um quarto dos casos. Batista (1998) realizou um estudo sobre LES apresentando as características clínico-epidemiológicas de 151 pacientes acompanhados em uma clínica privada de Recife/PE no período de 1963 a 1997. A investigação teve como objetivo descrever e comparar as características clínicas e epidemiológicas de 151 20 pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) acompanhados nos períodos de 1963 a 1981 e de 1982 a 1997. Todos os pacientes preenchiam pelo menos 4 dos 11 critérios de classificação para LES do Colégio Americano de Reumatologia (ACR) de 1982. Foi realizada análise retrospectiva das características clínicas, laboratoriais e epidemiológicas dos casos. Trinta e dois pacientes iniciaram o acompanhamento no período de 1963 a 1981 (grupo I) e 119 pacientes, no período de 1982 a 1997 (grupo II). Dos 151 pacientes, 91,4% eram do gênero feminino e 94,7% eram brancos. A média de idade no início do acompanhamento foi de 30 anos (9-55 anos). As manifestações clínicas mais freqüentes foram as osteoarticulares (94,7%) e cutâneas (91,4%). O grupo I apresentou maior freqüência de sintomas cardíacos, síndrome nefrótica, hipoalbuminemia, hipergamaglobulinemia, cilindros granulosos no sedimento urinário e células LE; enquanto o grupo II apresentou maior freqüência de manifestações cutâneas e osteoarticulares. Das 55 gestações observadas, 70,9% transcorreram sem complicações obstétricas. A freqüência destas complicações foi maior nas gestantes do grupo I. Observou-se aumento da sobrevida dos pacientes ao longo dos anos, com percentual de óbito de 46,9% no grupo I e 10,1% no grupo II. Esta diferença significante permaneceu mesmo após o controle por tempo de doença. Concluiu-se que, no período de 1982 a 1997, os pacientes evoluíram com quadro clínico menos grave da doença, além de apresentarem menor mortalidade. Esta melhora na morbi-mortalidade pode estar relacionada com diagnóstico mais precoce e melhora na qualidade assistencial destes pacientes. Vilar e cols. (2000), realizaram estudo com o objetivo de verificar a incidência de Lúpus Eritematoso Sistêmico na cidade de Natal, RN – Brasil. Foram incluídos somente pacientes residentes em Natal, com idade maior ou igual 15 anos, abordados entre 1/1/2000 e 31/12/2000. Foram utilizadas quatro fontes para identificação de pacientes, o hospital universitário; postos de saúde de hospitais da rede pública; especialistas (reumatologistas, dermatologistas, nefrologistas e hematologistas) em clínicas e hospitais privados e resultados positivos de FAN (maior igual 1:80) que é um teste laboratorial específico para identificar atividade lúpica de três principais laboratórios da cidade. Médicos foram informados, por cartas, dos procedimentos para notificação. Dados do Censo 2000 foram utilizados para o cálculo das taxas de incidência. Foram identificados 43 novos casos de LES, com uma incidência calculada de 8,7 por 100.000/ano, 38 mulheres 14,1:100.000/ano e 5 homens 2,2 por 100.000/ano. A média de idade dos pacientes foi de 31,8 anos, sendo de 31,4 21 nas mulheres e de 35 anos nos homens. A mediana de duração da doença (tempo entre a primeira manifestação clínica de LES e o diagnóstico) foi de 10 meses. Concluiu-se que a incidência de LES em Natal parece ser maior que a relatada em outras regiões do mundo. Para se ter uma idéia, na Suécia são quatro casos para cada 100 mil habitantes, no Reino Unido esse número é ainda menor, apenas 3,7 por 100 mil habitantes, fatores étnicos e ambientais, como maior exposição à radiação ultravioleta, o que é característico daquela região na maioria dos meses do ano, parecem contribuir para essas diferenças observadas neste estudo. Pereira (2006) realizou pesquisa, com o título História Familiar de Doenças Auto-Imunes em Doentes com Síndrome do Antifosfolipídio Primário (SAFP), também conhecido como síndrome de Hughes, etiologia pouco conhecida e provavelmente ligada a fatores de predisposição genética e ambiental. Realizado na Unidade de Imunologia Clínica (UIC) no Centro Hospitalar do Porto (CHP), sediada no Hospital de Santo Antônio (HSA), em Portugal. Um grupo controle foi aleatoriamente selecionado, constituído por 40 doadores de sangue do Serviço de Hematologia Clínica do CHP, no HSA em que o único critério de exclusão para o grupo controle foi o diagnóstico de uma doença auto-imune no participante. Foi determinada a frequência de ocorrência familiar de doenças auto-imunes e eventos tromboembólicos em doentes com SAFP acompanhados na Unidade de Imunologia Clínica do Hospital de Santo Antônio. Foram entrevistados 26 doentes com SAFP inscritos na base de dados da UIC e os 40 doadores de sangue do grupo controle. Dos 26 doentes participantes no estudo, 19 (73,1%) tinham, pelo menos, um familiar diagnosticado com uma doença auto-imune, enquanto no grupo de controle, apenas seis (15%) participantes tinham familiares com esse diagnóstico. A doença auto-imune mais frequente nesses familiares foi artrite reumatóide, com oito (30,8%) dos doentes relatando história familiar da doença. Quanto a eventos tromboembólicos, 21 (80,8%) dos doentes participantes e 21 (52,5%) do grupo controle afirmaram história familiar, 9 (34,6%) doentes participantes e 4 (10%) do grupo controle relataram familiares com abortamentos recorrentes. Demonstrou-se uma agregação familiar de doenças auto-imunes, eventos tromboembólicos e abortamentos recorrentes, superior à da população do grupo controle estudada. Em estudo realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Alagoas, com o objetivo de identificar as representações da dor nos discursos de sujeitos portadores artrite reumatóide, Pimentel et al (2005) entrevistaram 15 22 participantes do grupo “Desenhando a Vida”, grupo aberto desenvolvido no Hospital, por meio de abordagem semidirigida e anotações durante a ocorrência dos encontros do grupo. O critério de escolha da amostragem foi a freqüência ao grupo. A amostra consta de pessoas do sexo feminino, prioritariamente, e pessoas do sexo masculino. Os pacientes portadores de artrite reumatóide têm a liberdade de freqüentar as reuniões, ocorridas uma vez por mês, como parte do atendimento ambulatorial. As entrevistas foram analisadas qualitativamente a partir de categorias estabelecidas com base no objetivo do estudo e no conteúdo das respostas. No grupo, o espaço para a fala é livre. As entrevistas e as tarefas realizadas no grupo tiveram a colaboração de estudantes de Psicologia, devidamente supervisionados. O grupo “Desenhando a Vida” conta com a colaboração da médica reumatologista, sempre presente às reuniões. Nas linhas e entrelinhas do discurso observaram-se sonhos e projetos a serem vividos. O corpo, em seu estatuto psicanalítico, é palco de toda a história do sujeito que, ali, na instituição hospitalar, expressa sua dor para um outro que acredita poder decifrar seu sofrimento. Ouvindo o dito e o não-dito, foram levantadas questões importantes a respeito do modo como os portadores de artrite reumatóide falam da dor crônica que lhes pertence e que marca suas identidades. A análise das entrevistas e das anotações advindas do grupo enfatiza a particularidade de cada sujeito sem esquecer que este se encontra remetido a uma cultura feita de palavras. A palavra estende para o corpo o que se passa no psiquismo. É o “misterioso salto da mente para o corpo” de que falava, desde os seus primórdios, a psicanálise. Os resultados foram analisados individualmente na tentativa de organizar as verbalizações produzidas pelos sujeitos na situação de entrevista e na sua expressão dentro do grupo “Desenhando a Vida”. As categorias organizaram-se a partir do próprio conteúdo coletado e foram assim dispostas: “O sujeito e a doença”, “A dor como ameaça ao Eu”, “Desafio diário” e “Limitações no corpo”. A dor é um evento inerente à condição humana. A doença é uma inscrição pessoal. O paciente reumático deseja além da exposição do corpo para os exames, ser ouvido na sua história do adoecer. No discurso desses sujeitos aparece algo muito mais profundo do que as marcas próprias da doença: as defesas contra o aniquilamento. A situação de doença gera tensões psicológicas e desequilíbrios, no sujeito e na família (BERNIK, 1981). Guimarães et al. (2008) realizaram pesquisa qualitativa entrevistando 19 pacientes atendidos em um hospital-escola do interior do Estado de São Paulo, Brasil. O objetivo foi avaliar a qualidade de vida de pacientes com doenças auto- 23 imunes (DAI) submetidos ao Transplante de Medula Óssea (TMO), em dois momentos distintos: na admissão do paciente e por ocasião da alta hospitalar (30 dias após o transplante). Foram selecionados pacientes atendidos na unidade de TMO do hospital. Os critérios de inclusão eram ter diagnóstico de DAI; possuir idade mínima de 18 anos; estar em atendimento no ambulatório pré e pós - TMO da UTMO no período delimitado pela avaliação; apresentar condições e disponibilidade para colaborar voluntariamente com a pesquisa e estar preservado do ponto de vista das habilidades cognitivas e de outras funções psíquicas básicas. Para a coleta de dados utilizou-se roteiro de entrevista semi-estruturada, elaborado a partir da experiência prática dos autores, com a finalidade de caracterizar os sujeitos quanto à idade, estado civil, escolaridade, ocupação e tempo de diagnóstico e identificar as mudanças físicas, corporais, bem como as mudanças nos relacionamentos sociais após o surgimento de uma doença auto-imune em suas vidas. As entrevistas foram áudio gravadas mediante consentimento. A opção metodológica desse estudo procurou integrar as vantagens do método quantitativo com as do qualitativo. Essa integração se deu através da triangulação dos dados, ou seja, buscou-se articular teorias e técnicas, bem como estabelecer ligações entre os dados obtidos por meio dos instrumentos utilizados. Pode-se concluir que o TMO, ao ser aplicado como técnica terapêutica para o tratamento das enfermidades auto-imunes, contribuiu após a saída da enfermaria, para uma percepção de melhora na capacidade para realizar as atividades do dia-a-dia. Os pacientes sentiram-se mais animados com a possibilidade de reorganizarem sua vida profissional, retomarem seus planos futuros e reviverem seus sonhos há tempos interrompidos pela doença (GUIMARÃES et al., 2008). Araújo e Yépez (2007), com o objetivo de conhecer e compreender os sentidos atribuídos acerca do adoecer, as expressões e sentido do Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) realizaram um estudo qualitativo no Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, instituição escolhida para a realização da coleta de dados, pois é referência no estado no diagnóstico e tratamento do LES. A estratégia utilizada neste estudo foi a entrevista em profundidade, considerada como um processo de comunicação que ocorre entre dois atores sociais (pesquisador e participante). O critério para seleção dos participantes foi ser portador de LES, estar em atendimento ambulatorial, ser do sexo feminino (por ser a maior incidência), residir na cidade de Natal e ter disposição 24 para participar da pesquisa. Foram abordadas questões sobre o que prejudica e o que ajuda no controle da doença, a convivência com o LES, mudanças e limitações decorrentes do Lúpus Eritematoso Sistêmico, a doença e os projetos de vida, ou seja, as perspectivas futuras. Os livros e artigos científicos, em sua maioria, transmitem apenas o quadro clínico da doença, sem mencionar a pessoa portadora, enquanto que o diálogo com as participantes possibilitou uma maior compreensão acerca do que é ser portadora de LES. Assim, foi possível conhecer a visão de cada mulher enquanto pessoa que sofre, chora, tem frustrações e perdas advindas desse adoecer. O sentido atribuído pela maioria das participantes ao LES é de que a doença é algo ruim, horrível, que apareceu do nada e que a qualquer hora pode se manifestar com novas exacerbações. No entanto, apesar dessa visão negativa e das mudanças impostas pela mesma, a maioria consegue estabelecer uma boa convivência com a doença, aceitando-a e tentando criar alternativas para preservar sua identidade social, sem, contudo, negligenciar os cuidados necessários para mantê-la relativamente sob controle. Igualmente observa-se que, apesar das mudanças advindas do adoecer, algumas participantes não se detiveram nas perdas, preferindo focalizar a atenção no potencial que permanece. Assim, uma delas criou alternativas de trabalho com maior flexibilidade nos horários e a outra buscou estratégias que preservassem alguns programas de lazer, considerando o melhor horário para realizá-los. Contudo, as duas pessoas que se mostram emocionalmente mais afetadas pela doença continuam insistindo na possibilidade da cura, o que provavelmente as impede de vislumbrar outras possibilidades. A convivência com a doença não impede que as participantes mais jovens criem expectativas quanto ao seu futuro, seja com o desejo de constituir uma família ou com a realização de uma carreira profissional. Enquanto aquelas que já passaram por essa fase da vida esperam poder manter a doença sob controle para acabar de criar seus filhos e vê-los formados (ARAÚJO e YÉPEZ, 2007). Observa-se que a doença repercute na vida das pessoas, especialmente quando forçadas a se afastar das atividades profissionais e/ou ocupacionais. Esse afastamento do trabalho repercute diretamente na situação econômica, em um contexto de limitações, afetando a única garantia de sobrevivência e sendo uma fonte de estresse e preocupação adicional para algumas participantes (ARAÚJO e YÉPEZ, 2007). Dessa forma, a aposentadoria fornecida pelo Instituto Nacional de Serviço Social (INSS) constitui um apoio relevante, que deveria ser adquirido sem 25 tanta burocracia. As narrativas das participantes revelam que os variados sintomas físicos e suas conseqüências são os que causam mais sofrimento. No entanto, após o estabelecimento da doença, os aspectos psicossociais passaram a ser tão importantes quanto os biológicos no tratamento dos sintomas e no relativo controle da doença. Assim, constata-se a necessidade de uma abordagem interdisciplinar que contemple a permanente interdependência entre as dimensões biológica, psicológica e social, visto que a sintomatologia produz múltiplas implicações que precisam ser consideradas. Acredita-se, ainda, que o acompanhamento psicoterápico e/ou disponibilidade de grupos de apoio para portadores dessa doença seria relevante, pois permitiria a troca de suas experiências ao compartilharem suas angústias, temores e estratégias para ultrapassar as dificuldades impostas pela doença. (ARAÚJO e YÉPEZ, 2007). Turato e Mattje (2008) realizaram uma pesquisa partindo da hipótese de que a vivência com LES, devido ser a doença um evento fortemente perturbador da personalidade, esteja funcionalmente associada a mecanismos psicossociais de adaptação muito importantes da pessoa afetada. Nesta perspectiva, a pesquisa escolheu estudar vivências de pacientes ambulatoriais com lúpus, nos termos dos significados que eles atribuíam a diversos fenômenos associados a seu processo de adoecer e a mecanismos de adaptação comumente utilizados, a fim de identificar e interpretar aqueles significados de um ponto de vista psicológico. Os casos estudados foram de um serviço ambulatorial de dermatologia do Hospital Geral da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, centro-oeste do Brasil. Os critérios de inclusão para a seleção foram estabelecidos nestes termos: ter o diagnóstico de LES, confirmado pela respectiva equipe médica e ter seu conhecimento, no mínimo, há um ano; demonstrar condições clínicas, emocionais e intelectuais para ser submetido a uma entrevista de pesquisa clínico-psicológica; e consentir livremente em participar dessa pesquisa após a explicação de sua finalidade, assinando o respectivo termo de consentimento livre e esclarecido. A delimitação do objeto conduziu aos autores a investigar a perspectiva dos pacientes com lúpus sobre a importância e gravidade de seu problema crônico de saúde, em função dos recursos psicológicos que marcam suas linhas biográficas. Deste modo, preservou-se a estratégia êmica: o respeito à noção da “perspective”, isto é, a faculdade de ver todos os dados relevantes numa relação significativa (TURATO; MATTJE, 2008). 26 Como explicam Turato e Mattje (2008), o instrumento da coleta de dados foi a chamada entrevista semi-dirigida de questões abertas, uma modalidade apropriada para assegurar uma profundidade em tocar o problema com os entrevistados. Todas as entrevistas foram gravadas em fita cassete para posterior transcrição. Para se ter uma amostragem adequada, não se procurou uma representatividade estatística com relação ao universo dos sujeitos afetados por este transtorno (como se fosse um estudo randômico), mas buscou-se intencionalmente os pacientes que possuíam uma vivência que permitisse a perícia para se fazer a reformulação, a deflexão, a complementação e/ou a clarificação de premissas. Perseguindo estas regras metodológicas, foram estudadas cinco pessoas, em profundidade, durante o primeiro semestre de 1998. Este número correspondeu ao conhecido ponto de saturação, isto é, ao momento em que a amostra foi fechada porque os discursos se tornavam repetitivos. Percebida como uma doença multifacetada e devido a ser um transtorno médico sem uma clara delimitação no imaginário popular, o LES é representado psicologicamente com alguma dificuldade pelos pacientes. Com suas tão variáveis e amplas manifestações, os significados do lúpus também variam e, freqüente e erroneamente, estes podem ser confundidos com os significados de outros transtornos de saúde. Seu caráter indiscriminante, afetando vários órgãos, pode deixar as pessoas doentes, pelo menos inicialmente, confusas. As reações dos pacientes incluem a tentativa de identificar e reconstruir suas relações com as próprias forças, mas nem sempre com sucesso. As oscilações da doença interferem com a adesão ao tratamento e com as prescrições médicas que podem simbolizar dúvidas. Por outro lado, estas características permitem um mecanismo mais efetivo de negação do que aqueles relacionados a uma doença aguda, por exemplo. Reconhecer uma identidade do lúpus pode gastar muito tempo, levando a uma autoconsciência tardia sobre sua importância para decidir a preservar uma boa saúde. Os conflitos interpessoais e familiares dos pacientes com lúpus parecem estar associados com a idéia de que a família e os amigos não compreendem a natureza da doença e as causas potenciais da fatiga e de outras indisposições (TURATO e MATTJE, 2008). Os autores reconhecem que a auto-estima pobre pode simbolicamente representar a realidade existencial de ser doente, assim como um sinal factual de depressão clínica. A insatisfação consigo mesma que é mantida com a doença, acompanhada por perda de interesse nas coisas e mesmo fantasias de 27 morte, pode ser investigada como um problema desencadeado pela vivência crônica com o lúpus a fim de se estabelecer um tratamento adequado. Um outro trabalho que também contribuiu para enriquecer o estudo sobre a vivência de mulheres portadoras de lúpus foi proposto e realizado por Maria Rosa Spinelli (2002) cujo objetivo foi a observação e entrevista de uma paciente com LES em processo psicoterapêutico. A idéia era verificar se havia um possível estado de dependência emocional e se existia relação deste fenômeno com atividade lúpica. Foi observado que a necessidade de dependência é um fenômeno constante no paciente com LES. Essa dependência pode ser observada através de estados de depressão nas atividades lúpicas enquanto o indivíduo busca seu self. À medida que o self é desenvolvido, existe uma dissolução da relação transferencial, o que diminui a necessidade de dependência do indivíduo para com as pessoas. O estudo de Spinelli (2002) aconteceu no setting terapêutico, o consultório particular da terapeuta. A pesquisadora, no estudo como terapeuta, foi considerada um instrumento-chave para as observações, atuações e anotações do processo terapêutico. A pesquisa foi realizada com a autorização da paciente. Esse caso específico foi selecionado entre outros oito que estavam em acompanhamento psicológico nessa ocasião, no consultório. Foi escolhido por suas características serem mais favoráveis ao estudo do problema da dependência afetiva e que facilitavam mais o controle das interferências orgânicas, comum do LES. O método escolhido foi o qualitativo levando em conta sua flexibilidade e a necessidade de variações de técnicas e recursos para entendimento das manifestações inconscientes, além das condições anti-sociais do sujeito. Segundo Martins (1989), a pesquisa qualitativa busca uma compreensão particular daquilo que estuda. Ela não se preocupa com generalizações, princípios e leis. A generalização é abandonada e o foco da sua atenção é centralizada no específico, no particular, no individual, almejando sempre a compreensão e não a explicação dos fenômenos estudados. Essa mudança do que é considerado primordial na pesquisa qualitativa conduz ao uso e ao desenvolvimento de uma variedade de recursos e de técnicas, ao mesmo tempo em que, muitas vezes, deixa de lado questões lógicas e metodológicas próprias da tradicional pesquisa quantitativa. A pesquisa qualitativa busca diversificar as fontes de informações, o que no estudo de Spinelli (2002) resultou em anotações de relatos de ocorrências durante as sessões terapêuticas; anotações de observações colhidas nos 28 atendimentos semanais (161 sessões) ou esporádicas de emergência num total de 36 sessões; seis cenas feitas na caixa de areia através da técnica de sandplay; fotos de seis bandejas contendo as cenas da técnica sandplay. A paciente estudada procurou ajuda pela primeira vez quando tinha 32 anos, após ter interrompido um tratamento psicanalítico ortodoxo de três anos. Era solteira, e estava em pleno período de fertilidade. Veio com queixa inicial de depressão leve e cansada de ter dores. Quatro meses depois, declarou que tinha recebido um diagnóstico de LES aos seus 12 anos, informação omitida na entrevista inicial com a própria paciente, mas confirmado o diagnóstico na entrevista com sua mãe cinco meses depois. No caso da paciente em questão foi verificado que apesar do conhecimento total da doença ela se recusava a submeter-se a exames clínicos e se automedicava regularmente. Parecia que possuía uma informação inconsciente de que a causa de seu LES era de uma característica mais emocional do que fisiológica. Essa posição da paciente levou a autora da pesquisa a rever os estudos da psiconeuroimunologia, que preconizam a existência de um descontrole do sistema imunológico no caso do LES. Se o sistema imune pode agir como mediador nas relações do indivíduo consigo próprio e com o meio externo, se as percepções dos estímulos ambientais ou conflitos de inter-relação alteram tal sistema, poderíamos concluir que no caso da paciente pôde-se perceber uma estreita associação do psíquico com o sistema endócrino, o que provoca as manifestações de descontrole do sistema imune. O desenvolvimento do indivíduo depende da continência recebida pelo ambiente que pode ter uma continuidade saudável. Poderia se pensar na possibilidade das células do sistema imune terem uma relação direta com o processo da emoção e que quando existe uma deficiência provocada por uma fixação no desenvolvimento psicológico do indivíduo, as células não conseguem identificar o sistema orgânico cronologicamente desenvolvido com o emocional fixado em fase anterior (SPINELLI, 2002). Segundo Spinelli (2002), o sentimento de rejeição citado por Silber (1984) é notado na paciente e ocorre muitas vezes com a necessidade de individualização em busca do self. Miguel Filho (1992), quando analisa alterações cognitivas leves no LES, descreve que o déficit cognitivo poderia ser uma manifestação predominante de um episódio da doença lúpica do SNC. Nesse caso deve-se considerar a tensão provocada pelas dores que são decorrentes no LES. Schubert (1999), pesquisando as questões psicossociais e suas relações com o estresse que poderiam 29 desencadear atividades de LES, sugere intervenções de psicoterapia o mais cedo possível para prevenir exacerbações severas do LES. Podemos considerar que a ansiedade intolerável que antecede a crise de LES também pode ter como desencadeador os impactos ambientais. A paciente estudada por Spinelli (2002) desejava intensamente a dependência, acreditando que era necessária para continuar viva. Sua condição social e seus aspectos de saúde mental faziam-na sentir tal dependência como algo insuportável, o desejo de dependência se transformava em uma manifestação de raiva contra as pessoas das quais dependia e assim mostrava que havia uma necessidade de desenvolvimento emocional para sair dessa situação patológica. Usava de atitudes punitivas contra as pessoas, com as quais mantinha dependência e se auto punia por tais atitudes. O uso de tanta defesa no aspecto emocional e no sistema imunológico sugere que existe um registro inconsciente que denuncia a fixação no desenvolvimento do indivíduo no período pré-verbal, afirma Spinelli (2002). Foi observada a resistência à aceitação da doença e, ao mesmo tempo, um estado regressivo emocional que era constantemente reforçado pelos sintomas da doença. Através de ganhos secundários da doença manifesta, a paciente conseguia a atenção tão desejada e logo em seguida desqualificava a aceitação dessa atenção por perceber uma atuação mesmo num plano inconsciente. A fixação estabelecida em algum ponto de seu desenvolvimento emocional, provavelmente na fase préverbal, não teria tido progresso se permanecesse nas técnicas interpretativas de cunho puramente verbal. A coesão de idéias também é uma forma defensiva. Bittencourt e Cols. (2008) realizaram um trabalho cujo título foi a Assistência à Paciente com Lúpus Eritematoso Sistêmico utilizando a CIPE (classificação internacional das práticas da enfermagem). O estudo foi estruturado na abordagem estudo de caso, que se trata de um tipo de pesquisa qualitativa, cujo objeto é uma unidade, que pode ser o indivíduo, que se analisa de maneira detalhada e profunda. Foi desenvolvido com a participação de uma mulher portadora de Lúpus Eritematoso Sistêmico internada na clínica médica do hospital universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba. Para a coleta de dados utilizou-se um instrumento contemplando as necessidades biológicas, psicossociais e psicoespirituais baseadas na Teoria de Horta. Os resultados obtidos demonstraram que a assistência de enfermagem a uma paciente portadora de Lúpus Eritematoso Sistêmico foi direcionada para prevenção de complicações decorrentes da doença e para a promoção da melhoria da qualidade de vida. A 30 paciente demonstrou uma boa apreensão no que se refere às intervenções de enfermagem estabelecidas e verbalizou seus sentimentos. Acredita-se que um fato importante para o alcance de bons resultados foi o relacionamento empático entre o ser que cuida e o ser que é cuidado, visto que promoveu uma relação de respeito mútuo e de confiança. Todos esses trabalhos possibilitaram uma melhor compreensão sobre o lúpus eritematoso sistêmico e principalmente sobre como os indivíduos acometidos vivem e se sentem em relação a essa doença, mostrou-nos a complexidade do ser humano e que o sucesso dos tratamentos passa por conhecer o paciente, entendêlo na sua complexidade e ouvi-lo, apenas ouvi-lo. 31 4. METODOLOGIA 4.1 Método e Pesquisa Qualitativa O interesse em conhecer a problemática humana necessita de uma forma de fazê-lo, ou seja, um método. Esse mesmo método determinaria a melhor forma para se atingir o objetivo estudado. O método seria amparado por uma filosofia ou corpo de conhecimento que garantiriam a ele e ao produto final de sua procura um “rigor cientifico”, proporcionando assim uma maior consistência ou confiabilidade aos resultados finais (GASKELL, 2003). A palavra método deriva do latim tardio methodus, do grego methodos, de meta e hodós, ‘via, caminho’, ou seja, a ordem que se segue na investigação da verdade, no estudo de uma ciência ou para alcançar um fim determinado (CUNHA, 1996). Lakatos e Marconi (2001) definem método como um conjunto de atividades sistemáticas e racionais que favorecem o alcance de objetivos, traçando o caminho a ser trilhado, detectando possíveis erros e auxiliando na tomada de decisões do pesquisador. O método científico é o modo pelo qual os estudiosos constroem o conhecimento no campo da ciência e, apesar de fisiologicamente único para todos os saberes, pode ser dividido em métodos particularizados, como dedutivos e indutivos, quantitativos ou qualitativos, sintéticos ou analíticos ou outros, conforme as linhas e as correntes significativas dos pesquisadores que partem em busca do conhecimento para entender um objetivo de interesse (TURATO, 2000). Polit e Hungler (1995) afirmam que é por meio dos métodos científicos que os pesquisadores lutam para a solução de problemas, para dar sentido à experiência humana, para compreender as regularidades dos fenômenos e para prever circunstâncias futuras. As pesquisas qualitativas passam a ser mais valorizadas quando a realidade estudada é entendida como fenômeno cultural, histórico e dinâmico, experienciado e descrito por um pesquisador a partir de seu ato de observar. Segundo Spink (1997), numa pesquisa qualitativa, outros processos passam a ser privilegiados; passa-se a enfatizar a especificidade da situação de pesquisa, isto é, a 32 descrição detalhada e rigorosa do contexto da pesquisa, do caminho percorrido pelo pesquisador e de como procedeu em sua interpretação, permitindo uma visão caleidoscópica do fenômeno estudado. Entender o LES como experiência cultural vivenciada no universo feminino é uma das intenções centrais desta pesquisa e é conseqüente, portanto, a escolha de uma metodologia qualitativa para a investigação realizada. São diversas as formas de avançar no conhecimento de um fenômeno: pela sua descrição, pela medição, pela busca de nexo causal entre seus condicionantes, pela análise de contexto, pela distinção entre formas manifesta e essência, pela indicação das funções de seus componentes, pela visão de sua estrutura, pela comparação de estados alterados de sua essência, dentre outras. Diferentes maneiras de conceber e lidar com o mundo geram formas distintas de perceber e interpretar significados e sentidos do objeto pesquisado que não se opõem nem se contradizem. Para uma ciência voltada para as necessidades contemporâneas, Santos (1996) sugere ser fundamental a superação das rupturas epistemológicas realizadas pelas ciências modernas – entre o conhecimento e o senso comum, entre as ciências naturais e as ciências humanas, entre sujeito e objeto. Santos (1989) propôs um modelo de aplicação do conhecimento cientifico que denomina de ‘aplicação edificante’ e, dentre algumas de suas características, ressaltamos as seguintes: (1) o conhecimento científico deve voltar-se para uma situação concreta onde “quem aplica está existencial, ética e socialmente comprometido com o impacto da aplicação”; (2) a aplicação decorrente do conhecimento científico deve procurar novas alternativas de realidade e, para isso, as formas institucionalizadas devem ser questionadas, pois tende a promover violência em vez de argumentação, o silenciamento em vez de comunicação, o estranhamento em vez de solidariedade; (3) a aplicação dos conhecimentos tem de ser contextualizada tanto pelos meios como pelos fins, daí decorrendo que o cientista deve falar como cientista e cidadão, simultaneamente, no mesmo discurso. A pesquisa social, e também a sua aplicação na área de saúde, tem sido marcada fortemente por estudos que valorizam o emprego de métodos quantitativos para descrever e explicar fenômenos. Segundo Neves (1996), a pesquisa qualitativa tem se afirmado como outra forma de abordagem e promissora possibilidade de investigação, surgida no âmbito da antropologia e da sociologia. 33 Enquanto estudos quantitativos geralmente procuram seguir com rigor um plano previamente estabelecido (baseado em hipóteses claramente indicadas e variáveis que são objeto de definição operacional), a pesquisa qualitativa costuma ser direcionada ao longo de seu desenvolvimento. Além disso, não busca enumerar ou medir eventos e, geralmente, não emprega instrumental estatístico para a análise de dados, seu foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada pelos métodos quantitativos. Dela faz parte a obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação objeto de estudo. Nas pesquisas qualitativas é freqüente que o pesquisador procure entender os fenômenos segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada e, a partir daí situe sua interpretação dos fenômenos estudados (NEVES, 1996). Brito e Leonardos (2001) nos chamam a atenção para a rápida disseminação das pesquisas qualitativas dentro de um campo dominado por uma outra maneira de fazer ciência, o que provoca um confronto entre paradigmas quando os adeptos do paradigma empírico/positivista hegemônico afirmam que as pesquisas qualitativas, realizadas sob a égide do que se convencionou chamar paradigma subjetivista/construtivista/interpretativo, não passam de uma versão mais leve e menos fidedigna da qual são feitos os bons estudos quantitativos. A metodologia qualitativa de pesquisa considera a ciência como uma construção da subjetividade humana, em uma forma particular e dentro de um determinado sistema teórico. Para Brito e Leonardos (2001) a pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais exige um acesso particularmente direto ao pensamento e à ação dos atores sociais. É neste sentido que os princípios teóricos dessa metodologia percebem o conhecimento como construção. É por uma produção cientifica que se pode avaliar a posição que um pesquisador adota com os objetos/sujeitos da pesquisa, no que se refere à produção do conhecimento. Gaskell (2003) nos relata que a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão; ou seja, o que nós estamos interessados em descobrir é a variedade de pontos de vista sobre o assunto em questão e especificamente o que fundamenta e justifica estes diferentes pontos de vista. Para ter segurança de que toda a gama de pontos de vista foi explorada o pesquisador não necessitará entrevistar um número exaustivo de diferentes membros do meio social, o objetivo da pesquisa qualitativa é apresentar um espectro dos pontos de vista. 34 O interesse do pesquisador qualitativo é verificar como o problema se manifesta no cotidiano. A análise de dados segue o processo indutivo. Os pesquisadores não se preocupam em buscar evidências e comprovar as hipóteses. O fato, entretanto, de não existirem hipóteses ou questões a priori não implica a inexistência de um quadro teórico (SOMCHINDA; FERNANDES, 2003). Diante desta realidade e na perspectiva de rigor no método preconiza-se na pesquisa qualitativa a necessidade de o pesquisador ter consciência crítica sobre a possibilidade de interferências que possam comprometer a qualidade dos dados, em razão de sua subjetividade e do caráter do fenômeno investigativo. Isto exige que o pesquisador construa estratégias que impeçam, na medida do possível, o viés de sua participação na situação investigada, seja no momento da coleta, do registro ou da análise e discussão dos dados. Com isso, o método qualitativo de pesquisa valoriza o processo de produção de conhecimento tanto quanto seus resultados. Segundo Turato (2005), os pesquisadores qualitativistas procuram entender o processo pelos quais as pessoas constroem significados e os descrevem. Depreende-se que o pesquisador qualitativista não quer explicar as ocorrências com as pessoas, individual ou coletivamente, listando e mensurando seus comportamentos ou correlacionando quantitativamente eventos de suas vidas. Ele pretende conhecer a fundo suas vivências e que representações essas pessoas têm de suas experiências de vida. O que se prescreve, neste contexto, é que sejamos coerentes, como pesquisadores, cientistas e cidadãos, e que busquemos, sem preconceitos, a abordagem mais adequada para a situação que se está querendo investigar. Essa atitude, no âmbito da qualidade de vida e promoção da saúde, passa a ser uma questão ética. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento chave. A presença do pesquisador no ambiente onde se desenvolve a pesquisa é de extrema importância, na medida em que o fenômeno estudado só é compreendido de maneira abrangente se observado no contexto onde ocorre, visto que o mesmo sofre a ação direta desse ambiente. O pesquisador qualitativo cria deliberadamente espaços para o aparecimento de conteúdos e aspectos não previstos inicialmente (ANDERSON, 2000). No ambiente natural, dentro do método qualitativo de pesquisa, o pesquisador não coleta dados somente, mas serve como ‘instrumento’ através do qual os dados são coletados (REW et al, 1995). 35 O pesquisador qualitativo tenta analisar os dados em toda sua riqueza, respeitando, no possível, a forma de registro ou transcrição. Na abordagem investigativa de âmbito qualitativo nada é trivial, toda manifestação tem potencial para fornecer pistas importantes na construção e compreensão do fenômeno estudado. Como afirma Triviños (1987), as descrições dos fenômenos estão impregnadas de significado que o ambiente lhe imprime produtos de uma visão subjetiva. Desta forma, a interpretação dos resultados tem como base a percepção de um fenômeno num contexto. As informações incluem entrevistas, notas de campo, fotografias, produções pessoais. A preocupação com o processo é maior do que com o produto. O pesquisador tem como interesse principal estudar um problema e verificar como ele se mostra nas atividades, procedimentos e nas interações cotidianas. A ênfase sobre como os indivíduos criam seu modo de vida, suas relações cotidianas, sobre como percebem as mudanças ou manutenção de determinados costumes ou crenças tem especial atenção do pesquisador qualitativo. O enfoque dos dados pesquisados deve sempre demonstrar a perspectiva dos significados atribuídos pelos participantes. A maneira como os informantes vivenciam e informam uma situação experienciada é importante e singular para cada indivíduo. O significado ou sentido que elas dão aos fenômenos vivenciados é foco da pesquisa qualitativa. Segundo o enfoque fenomenológico, os significados que os sujeitos atribuem aos fenômenos dependem essencialmente dos pressupostos culturais próprios do meio que nutre sua existência (TRIVIÑOS, 1987). Ao considerar os diferentes modos de perceber determinada situação apresentada pela população estudada, os estudos qualitativos permitem iluminar o dinamismo interno desta situação, geralmente inacessível ao observador externo (LUDKE; ANDRÉ, 1986). Na investigação apresentada aqui, a opção por um método quantitativo não atenderia especificamente aos objetivos propostos, pois, compreender quais significados atribuídos pelos indivíduos entrevistados, mulheres adultas, à sua vivência particular enquanto portadores de LES foi o principal objetivo. 36 4.2 Campo de Pesquisa: História Oral Temática A pesquisa será realizada no campo da história oral temática, seu emprego é neste estudo sobre mulheres portadoras de LES uma questão de coerência, já que o interesse do trabalho, seu objetivo principal, não é apenas obter informações superficiais, não é quantificar números de doentes, fazer um levantamento de qual seria a incidência da enfermidade em uma cidade ou região, mas sim ouvir e interpretar experiências de vida. Quando aliamos pesquisa qualitativa com história oral, temos uma grande chance de realizar um trabalho mais profundo, que consiga fazer emergir do mais íntimo do indivíduo revelações substanciais e significativas para uma autêntica contribuição para a pesquisa, e isso a pesquisa quantitativa não tem o alcance de realizar. A história oral desenvolveu-se inicialmente após a II Guerra Mundial, tendo como grande marco a criação do primeiro projeto formal de história oral, na Universidade de Columbia, Nova York (GRELE, 2001). Deve-se registrar que esse desenvolvimento deu-se através da combinação dos avanços tecnológicos, entre eles o gravador e a necessidade de se conhecer as experiências vividas por excombatentes, familiares e vítimas da guerra, através dos relatos orais. “De início a história oral combinou três funções complementares: registrar relatos, divulgar experiências relevantes e estabelecer vínculos com o imediato urbano, promovendo assim um incentivo à história local e imediata” (MEIHY, 1998). Para Joutard (2001), a primeira geração de historiadores orais surgiu nos Estados Unidos, nos anos 1950, com o propósito de reunir material para historiadores futuros. Tendo ainda como característica privilegiar as ciências políticas e se ocupar da história dos que ele denomina de “notáveis”. Na Itália a pesquisa oral foi utilizada para reconstituir a cultura popular, e no México os arquivos orais registravam as memórias e recordações dos chefes da revolução mexicana, sendo estes considerados por Joutard como a segunda geração dos historiadores orais. Esta segunda geração foi marcada por uma nova concepção da oralidade, reportando-se aos relatos orais das minorias étnicas, dos iletrados, dos marginalizados entre outros. É uma história vista como alternativa a todas as construções historiográficas baseadas no escrito. Desenvolveu-se à margem da Academia, baseando-se implicitamente na idéia de que se chega à “verdade do povo” graças ao “testemunho oral” (JOUTARD, 2001). 37 Um dos aspectos indicativos do desenvolvimento dessa nova história oral foi a adesão de vários estudiosos, entre eles Paul Thompson na Inglaterra, Mercedes Vilanova na Espanha e Danièle Hanet na França, podendo-se afirmar que foi a partir do XIV Congresso Internacional de Ciências Históricas de San Francisco, em 1975 e do primeiro Colóquio Internacional de História oral realizado em Bolonha, que se concretizou o marco fundamental da terceira geração de historiadores orais. No Equador, Bolívia e Nicarágua foram realizadas pesquisas orais sobre o mundo camponês, em Costa Rica a Escola de Planejamento e Promoção Social da Universidade Nacional em 1983, lançou um projeto com o objetivo de tentar escrever a história do país através da narrativa do povo (FERREIRA; FERNANDES; ALBERTI, 2000). No Brasil, em 25 de junho de 1973, foi criado o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), que buscava através dos relatos orais “pensar e entender melhor o Brasil, daquele período” (CAMARGO, 1999). Cabe pontuar que a história oral no Brasil assim como no restante da América Latina, principalmente nos países que viveram governos ditatoriais, teve sua incorporação associada ao processo de redemocratização, o que diferencia o papel da história oral latino-americana da européia ou norte-americana. Outra diferença entre a história oral brasileira e a “história oral primeiro mundista” é o fato de não podermos utilizar os mesmos critérios analíticos usados pelos autores estrangeiros para estudar, por exemplo, a escravidão, a miscigenação, os grupos marginalizados e excluídos (MEIHY, 2000). Este fato em momento algum invalidou a troca de experiências acadêmicas, o próprio CPDOC-FGV no momento de maior atividade do seu Programa de História Oral trouxe para o Brasil dois especialistas norte-americanos que apesar de não mostrarem uma preocupação maior com as questões metodológicas tinham grande experiência com o uso do gravador e as questões mais técnicas da entrevista (CAMARGO, 1999). A fundação da Associação Brasileira de História Oral (ABHO), em 1994, durante o Segundo Encontro Nacional de História Oral no CPDOC-FGV congregou historiadores orais de diferentes Estados, o que fortaleceu as trocas de experiências entre os mesmos. Essa comunhão de pesquisadores possibilitou a realização de outros eventos no país, fato que culminou com a escolha do Brasil para sediar o X Congresso Internacional de História Oral em 1998, no Rio de Janeiro, incentivando a 38 criação de uma revista semestral e de núcleos de estudos de história oral em diferentes instituições (CAMARGO; D’ARAÚJO, 1999). Segundo José Carlos Sebe Bom Meihy (1996), há três modalidades da História Oral. A História Oral de vida, caracterizada pelos estudos biográficos, centrados nos acontecimentos relacionados à vida de um indivíduo, suas experiências, identidade e memória individual; a Tradição Oral, caracterizada pelos estudos relacionados ao conhecimento histórico transmitidos oralmente ao longo tempo pelo saber não sistematizado, pelos costumes transmitidos de geração a geração e a História Oral Temática, caracterizada pelos estudos temáticos, centrados em acontecimentos relacionados às experiências, memórias e identidade de grupo/coletividades sociais. Esta última é onde o modelo metodológico escolhido para a execução desta pesquisa. 4.3 Critérios de Seleção dos Participantes Quanto ao critério de inclusão, as pessoas que se enquadram no perfil da pesquisa são: mulheres portadoras de LES, de classes sociais diversas, com idade de 18 a 40 anos, residentes em Divinópolis. As entrevistadas foram selecionadas a partir de sua identificação pelo pesquisador, que é profissional da área de saúde atuando em Divinópolis. Em relação ao critério de seleção quanto ao sexo, deve ser considerado que a incidência da enfermidade é significativamente maior em mulheres, na proporção 8 a 9 para cada homem, e isso ocorre geralmente entre a segunda e quarta década de vida (GUARIZE, 2004). A seleção da faixa etária deu-se por fatores epidemiológicos que envolvem a perspectiva de gravidez, mas também porque mulheres nesta idade estabelecem relações afetivas que se revestem de maior complexidade. Para Azevedo (1994), a gestação pode piorar o prognóstico ao longo prazo das mulheres lúpicas que já tenham comprometimento da função renal. Releve-se também a questão da natureza feminina; a mulher por natureza é doce, delicada, e também extremamente preocupada com o corpo e a estética, com o seu bem estar físico, emocional e dá importância significativa para a aparência exterior, física, ou seja, aquilo que os outros enxergam. Sabemos que a doença causa danos 39 à aparência e isso afeta de maneira importante a auto-estima do portador de Lúpus, principalmente da mulher. Do grupo de mulheres entrevistadas três foram identificadas por indicação de terceiros, profissionais de saúde atuantes em Divinópolis, entre participantes de um grupo de pacientes de Lúpus que se reunia na cidade e foi extinto aproximadamente no ano de 2005. As outras três entrevistadas, o pesquisador teve acesso a partir da sua própria prática profissional. A partir da sétima entrevistada as respostas começaram não mais acrescentar informações significativas ao trabalho. 4.4 Amostragem O número de participantes foi definido por meio do método de saturação. Amostragem por saturação é uma ferramenta conceitual frequentemente empregada nos relatórios de investigações qualitativas em diferentes áreas do campo da saúde, entre outras. É usado para estabelecer ou fechar o tamanho final de uma amostra em estudo, interrompendo a captação de novos componentes (TURATO, 2003). O fechamento amostral por saturação teórica é operacionalmente definido como a suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados. Noutras palavras, as informações fornecidas pelos novos participantes da pesquisa pouco acrescentariam ao material já obtido, não mais contribuindo significativamente para o aperfeiçoamento da reflexão teórica fundamental nos dados que estão sendo coletados. 4.5 Coleta de Dados Como todo processo de trabalho, a produção de dados empíricos na pesquisa também coloca um ardil: encontrar a melhor construção operatória pela qual, a partir das hipóteses científicas, evidenciam-se provas, ou seja, respostas produzidas pelo pesquisador, com base em métodos, técnicas e instrumentos de 40 investigação. A prova, pois, o pesquisador capta do real, não só por razões de técnica, mas por ter sido capaz de, ao eleger e exercitar técnicas em seu trabalho de campo, fazer renascer o objeto de seu estudo (TURATO, 2003). A tarefa de coletar e analisar os dados na pesquisa qualitativa é extremamente trabalhosa e tradicionalmente individual. Muita energia faz-se necessária para tornar os dados sistematicamente comparáveis. Alem disso, costumam ser grandes as exigências de tempo necessário para registrar os dados, organizá-los, codificá-los e fazer a análise. Essa é uma etapa de fundamental importância na realização da pesquisa, pois depende muito de uma boa metodologia e de muita sensibilidade do pesquisador a fim de obter informações fidedignas e interpretá-las conforme sua metodologia proposta e conforme seu prévio conhecimento a respeito da problematização da pesquisa. Todas as informações obtidas durante as entrevistas foram gravadas e transcritas em sua íntegra. O pesquisador utilizou como instrumento de trabalho um gravador para armazenar todas as informações possíveis mencionadas no local da entrevista. Em uma pesquisa como esta, que busca as experiências de mulheres portadoras de LES, envolvendo a experiência do enfrentamento da doença e suas conseqüências, a observação atenta das reações e a criteriosa interpretação dos discursos são atitudes fundamentais para o pesquisador apreender a riqueza do material coletado, no sentido de contribuir para o melhor entendimento do problema. 4.6 A Entrevista A palavra é o fenômeno ideológico por excelência; é o modo mais puro e sensível de relação social. Palavra é arena onde se confrontam interesses contraditórios, veiculando e sofrendo os efeitos das lutas das classes, servindo ao mesmo tempo como instrumento e como material (MINAYO, 2004). Para Lakatos e Marcondes (2001) a entrevista é o encontro entre duas pessoas com o objetivo de que sejam obtidas informações a respeito de determinado assunto, sendo procedimento instrumental utilizado para coleta de dados na investigação social. 41 Definição parecida é produzida por Polgar e Thomas (1991), que consideram a entrevista uma conversação entre entrevistado e entrevistador com a finalidade de obter determinadas informações. Bleger (1995) ratifica estes conceitos e acrescenta que um aspecto fundamental da entrevista consiste na relação humana, na qual um dos integrantes deve procurar saber o que está acontecendo e deve atuar segundo esse conhecimento. O autor classifica a entrevista como um encontro interpessoal pré-estabelecido e assimétrico, em que existem processos alternantes e, às vezes, antagônicos de transferência. Levando-se em consideração seu amplo sentido de comunicação verbal e seu sentido restrito de coleta de dados sobre determinado tema cientifico, a entrevista é a técnica mais usada nos trabalhos de campo (MINAYO, 1996). Nas ciências sociais empíricas, a entrevista qualitativa é uma metodologia de coleta de dados amplamente empregada. Pode fornecer uma descrição detalhada de um meio social especifico, sendo empregada como uma base para construir um referencial para pesquisas e prover dados para testar expectativas e hipóteses desenvolvidas. A compreensão em maior profundidade oferecida pela entrevista qualitativa pode fornecer informação contextual valiosa para ajudar a explicar achados específicos (GASKELL, 2003). A boa condução de uma entrevista exige habilidade. Existem vários estilos de entrevistas que vão desde uma conversa amigável e informal até a mais formal e controlada por perguntas, e, assim, o bom entrevistador acaba desenvolvendo vários métodos que, para ele, produzem resultados satisfatórios, harmonizando-se com sua personalidade. Para isso o entrevistador tem que apresentar algumas qualidades primordiais: interesse e respeito pelas pessoas a quem se dirige, flexibilidade nas reações em relação aos entrevistados, capacidade de demonstrar compreensão e simpatia pela opinião dos entrevistados e, acima de tudo, disposição para ficar calado e escutar (THOMPSON, 2002). Portanto, quem não consegue permanecer calado nem resistir á tentação de discordar do entrevistado, irá com certeza obter informações que não serão úteis para a pesquisa. Toda pesquisa com entrevista é um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em que as palavras são o meio principal de troca (GASKELL, 2003). É importante que se obtenha o mais rápido possível um conhecimento do modelo prático e da terminologia usada nas entrevistas. Deve-se ter atenção e 42 cuidado na preparação das perguntas, perguntar da melhor maneira possível é de grande importância para o bom andamento e sucesso da entrevista. Particularmente nesta pesquisa a entrevista é utilizada como uma forma de entender temas relacionados à experiência de vida sob a perspectiva do próprio sujeito portador de LES. Na entrevista semi-estruturada o investigador tem uma lista de questões ou tópicos a serem cobertos, pelo que foi elaborado um roteiro guia específico, com orientações para o pesquisador sobre os caminhos que serão necessários percorrer. O roteiro guia permitie ao pesquisador lançar olhares sobre determinados aspectos da vida cotidiana do entrevistado, com o fim de descortinar territórios de sua vida até então inesplorados e com sabedoria interpretar informações dadas no momento da entrevista, sem influenciar, constranger, ou subjulgar. Este poderá ser um ponto a seu favor, desde que se tenha um bom conhecimento a respeito do que foi proposto no objetivo. A entrevista em si, no entanto, permite uma relativa flexibilidade. As questões podem não seguir exatamente a ordem prevista no roteiro guia e podem, inclusive, ser colocadas outras que não fazem parte do roteiro prévio, em função do decorrer da entrevista; mas, em geral, a entrevista deve seguir o que está planejado (MANZINI, 2003). As entrevistas semi-estruturadas permitem que o entrevistado tenha alguma liberdade para desenvolver as respostas segundo a direção que considere adequada, explorando, de uma forma flexível e aprofundada, os aspectos que considere mais relevantes. Entre as principais vantagens das entrevistas semiestruturadas, contam-se as seguintes: a possibilidade de acesso a uma grande riqueza informativa (contextualizada e através das palavras dos atores e das suas perspectivas); a possibilidade do investigador esclarecer alguns aspectos no seguimento da entrevista, o que a entrevista mais estruturada ou questionário não permitem; é geradora, na fase inicial de qualquer estudo, de pontos de vista, orientações e hipóteses para o aprofundamento da investigação, a definição de novas estratégias e a seleção de outros instrumentos. Estas propriedades adéquam-se ao objetivo desta investigação, considerando a complexidade que envolve a experiência do LES. Na verdade, os pesquisadores da história oral não procuram uma “entrevista”, mas uma “conversa” informal onde a “pessoa” ou o “narrador” é convidado a falar sobre determinado assunto que é de interesse de ambos, entrevistador e entrevistado (MANZINI, 2003). 43 O pesquisador de história oral tem que ter grande habilidade e um entrevistado bem selecionado para que possa adquirir um bom material, permanecendo calmo e sem pressa para proporcionar ao entrevistado todo o tempo que necessitar para que ele possa ir em qualquer direção, deixando que a entrevista, ou melhor, que a conversa flua naturalmente. O pesquisador deve tentar não controlar a entrevista, procurando tão somente orientar a direção da “conversa” para que não se perca o objetivo principal, fazendo o menor número de perguntas possível. Segundo Paul Thompson (2002), essas poucas perguntas que seriam realizadas baseiam-se em longas experiências associadas a uma idéia clara obtida antecipadamente sobre o que cada um dos entrevistados pode relatar. As duas entrevistas iniciais serviram como piloto para alguma adequação posterior do roteiro. A “entrevista piloto” é de grande relevância, pois significa um momento em que o instrumento de coleta de dados, a operação da entrevista, a forma de abordagem e a habilidade do pesquisador, bem como a produção dos resultados são testados, e quando necessário, reformulados e adequados. No início das entrevistas foram colhidos dados sócio demográficos das participantes como idade, estado civil, escolaridade, ocupação, se tem filhos e se moram com eles ou não etc. A pergunta central, questão disparadora, é: O que mudou em sua vida após o diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico? Desde a resposta o pesquisador procurará ouvir e sentir o curso da experiência das participantes na vida pessoal e social, familiar e profissional. Buscar suas expectativas e esperanças. A íntegra do roteiro da entrevista é apresentada no APÊNDICE I. 4.7 O Diário de Campo Foi também utilizado um diário de campo que nos possibilita registrar fenômenos ocorridos no contexto da entrevista que não podem ser gravados. É também no diário de campo que o pesquisador registra, para posterior aproveitamento, suas impressões no decorrer da investigação. O diário de campo permite-nos fazer comparações, cruzar elementos que nos forneçam respostas a muitas dúvidas, revelando-nos aspectos que desconhecia-mos e confirmando outros. É um instrumento complexo que permite o 44 detalhamento das informações, observações e reflexões surgidas no decorrer da investigação ou momento observado (LOPES, 1993). É como um diário de bordo onde se anotam, dia a dia, com estilo telegráfico, os eventos da observação e progressão da pesquisa (BEAUR; WEBER, 1998). Segundo Polit e Hungler (1995) as anotações do diário de campo incluem a dimensão de cunho mais interpretativo das informações, considerando que durante a observação de um fato o pesquisador já poderia registrar algumas análises sobre o acontecimento, o diário de campo é o relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiência e pensa no decurso da coleta de dados. Existem momentos do diálogo, detalhes que o gravador jamais poderá registrar, como um olhar, um semblante de incômodo ou preocupação, um ar de serenidade e contentamento, um gesto de nervosismo ou até mesmo o rolar de uma só lágrima. Além do que, a descrição da experiência, do percurso, do pesquisador deve ser acompanhada. O diário de campo é um poderoso aliado para o pesquisador qualitativista, pois é uma ferramenta descritiva, reflexiva e ao mesmo tempo sistemática, que trará significativas contribuições para a construção desta pesquisa. 4.8 Local Onde Foram Realizadas as Entrevistas A opção pela realização das entrevistas no domicílio das participantes certamente as deixaram mais à vontade, o que contribuiu para a riqueza dos depoimentos sobre suas vivências enquanto portadoras de LES, tal como foi realizado nesta pesquisa. As situações nas quais se verificam os contatos entre pesquisador e sujeitos da pesquisa configuram-se como parte integrante do material de análise. Registrar o modo como são estabelecidos esses contatos, a forma como o entrevistador é recebido pelo entrevistado, o grau de disponibilidade para a concessão do depoimento, o local em que é concedido (casa, escritório, espaço público etc.), a postura adotada durante a coleta do depoimento, gestos, sinais corporais e/ou mudanças de tom de voz etc., tudo fornece elementos significativos para a leitura/interpretação posterior, bem como para a compreensão do universo investigado (GOLD, 1958). 45 Entrevistas realizadas em locais de trabalho, por exemplo, geralmente trazem problemas difíceis de solucionar: situações externas freqüentemente as interrompem (um telefonema “importante”, uma decisão “urgente”, a secretária, recados etc.), fazendo com que o entrevistado perca o “fio da meada” e se veja obrigado a retomar a narrativa de um outro ponto, ou até mesmo a desistir de vez daquele assunto. Pessoas conversando e transitando por salas contíguas, telefones tocando, a agenda aberta sobre a mesa a lembrar outros compromissos, enfim, a presença marcante dos sinais que caracterizam ambientes designados como “de trabalho” costumam aguçar a ansiedade com relação ao tempo de duração do depoimento, interrompendo o livre fluxo de idéias e precipitando a interrupção do depoimento. Em geral esse tipo de entrevista flui muito mais tranqüilamente quando realizada na residência da pessoa entrevistada. Em ambiente doméstico, privado, parece haver mais liberdade para expressão das idéias e menos preocupação com o tempo. Por essa razão, essas entrevistas costumam ser mais longas e, de modo geral, mais densas e produtivas. Vale a pena sugerir, quando da solicitação da entrevista, que o depoimento seja colhido na residência de quem vai concedê-lo (PEARSALL, 1965). 4.9 Análise das Entrevistas Todo material coletado será analisado e interpretado segundo a análise de conteúdo de Laurence Bardin (1994). A análise de conteúdo é um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis, em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a “discursos” (conteúdos e continentes) extremamente diversificados. Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os dois pólos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atração pelo escondido, o latente, o não-aparente, o potencial de inédito (do não dito), retido por qualquer mensagem. Tarefa paciente de “desocultação”, responde a esta atitude de voyeur de que o analista não ousa confessar e justifica a sua preocupação, honesta, de rigor científico. Analisar mensagens por esta dupla leitura, onde uma segunda leitura se substitui à leitura 46 “normal” do leigo, é ser agente duplo, detetive, espião. O maior interesse deste instrumento polimorfo e polifuncional que é a análise de conteúdo, residem para além das suas funções heurísticas e verificativas, no constrangimento por ela imposto de alongar o tempo de latência entre as intuições ou hipóteses de partida e as interpretações definitivas. Ao desempenharem o papel de “técnicas de ruptura” face à intuição aleatória e fácil, os processos de análise de conteúdo obrigam à observação de um intervalo de tempo entre o estímulo-mensagem e a reação interpretativa (BARDIN, 1994). A composição da análise de conteúdo abrange três fases: a fase de préanálise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. Na pré-análise organiza-se o material que constitui o CORPUS da pesquisa. Na exploração do material há três etapas: a escolha das unidades de contagem, a seleção das regras de contagem e a escolha de categorias. O tratamento dos resultados compreende a inferência e a interpretação. A pré-análise é o momento de organizar o material, de escolher os documentos a serem analisados, formular hipóteses ou questões norteadoras, elaborar indicadores que fundamentem a interpretação final. Inicia-se o trabalho escolhendo os documentos a serem analisados. No caso de entrevistas, elas serão transcritas e a sua reunião constituirá o CORPUS da pesquisa. O primeiro contato com os documentos constitui o que Bardin (1979:96) chama de “leitura flutuante”. É a leitura em que surgem hipóteses ou questões norteadoras, em função de teorias conhecidas. Através da leitura flutuante, surgem as primeiras hipóteses e objetivos do trabalho. Após a leitura flutuante, devem-se escolher índices, que surgirão das questões norteadoras ou das hipóteses, e organizá-los em indicadores. Os temas que se repetem com muita freqüência podem ser índices. A preparação do material se faz pela “edição” das entrevistas transcritas, dos artigos recortados, das questões anotadas em fichas. A organização do material se realiza em colunas, com vazios à esquerda e à direita, para anotar e marcar semelhanças e contrastes. Pode usar lápis colorido, para sublinhar as semelhanças com a mesma cor. Naturalmente, estes procedimentos dependem dos interesses do pesquisador e dos objetivos que o levam a realizar a pesquisa. A exploração do material é a etapa mais longa e cansativa. É a realização das decisões tomadas na pré-análise. É o momento da codificação em que os dados 47 brutos são transformados de forma organizada e são agregadas em unidades que permitem uma descrição das características pertinentes do conteúdo (BARDIN, 1979). A codificação compreende a escolha de unidades de registro (recorte); a seleção de regras de contagem (enumeração) e a escolha de categorias (classificação e agregação). Unidade de registro é a unidade de significação a codificar. Pode ser o tema, palavra ou frase. Recorta-se o texto em função da unidade de registro. Tema é a afirmação de um assunto. Como unidade de registro, é a unidade que se liberta naturalmente do texto analisado. Todas as palavras podem ser levadas em consideração como unidades de registro. Serão palavraschave; palavras-tema; palavras plenas ou vazias; categorias de palavras: substantivos, adjetivos, verbos etc. Um acontecimento pode ser tomado como unidade de registro. Para estabelecer as unidades de registro é preciso, às vezes, fazer referência ao contexto da unidade que se quer registrar. O contexto serve, então, para compreender a unidade de registro. Por exemplo, as palavras liberdade e democracia têm necessidade de serem contextualizadas, pois o seu verdadeiro sentido pode variar segundo diferentes mensagens políticas a que se referem (BARDIN, 1979). A maioria dos procedimentos de análise qualitativa organiza-se em torno de categorias. A categoria é uma forma geral de conceito, uma forma de pensamento. As categorias são reflexos da realidade, sendo sínteses, em determinado momento, do saber. Por isso, se modificam constantemente, assim como a realidade. Na análise de conteúdo, as categorias são rubricas ou classes que reúnem um grupo de elementos (unidades de registro) em razão de características comuns. Para escolher categorias pode haver vários critérios: pode ser semântico (temas) - por exemplo, todos os temas que significam “introversão”, na análise da personalidade, são agrupados nesta categoria e os que significam o contrário, caem na categoria “extroversão”; pode ser sintático - por exemplo, agrupar verbos, adjetivos, pronomes etc.; pode ser léxico – juntar pelo sentido das palavras - por exemplo, agrupar os sinônimos, os antônimos etc.; pode ser expressivo - por exemplo, agrupar as perturbações da linguagem, da escrita, etc. 48 A categorização permite reunir maior número de informações à custa de uma esquematização e assim correlacionar classes de acontecimentos para ordenálos. A categorização, enfim, nos dá acesso a um mundo mais simples, mais previsível e possível de ser explicado. Na atividade de agrupar elementos comuns, estabelecendo categorias, seguem-se duas etapas: o inventário – isolando os elementos comuns; a classificação – repartindo os elementos e impondo certa organização à mensagem. Para serem consideradas boas, as categorias devem possuir certas qualidades: exclusão mútua – cada elemento só pode existir em uma categoria; homogeneidade – para definir uma categoria, é preciso haver só uma dimensão na análise, se existem diferentes níveis de análise, eles devem ser separados em diferentes categorias; pertinência – as categorias devem dizer respeito às intenções do investigador, aos objetivos da pesquisa às questões norteadoras, às características da mensagem etc.; objetividade e fidelidade – se as categorias forem bem definidas, se os índices e indicadores que determinam a entrada de um elemento numa categoria forem bem claros, não haverá distorção devido à subjetividade dos analistas e assim, com diferentes pesquisadores, o resultado será o mesmo; produtividade – as categorias serão produtivas se os resultados forem férteis em inferências, em hipóteses novas. O tratamento dos resultados, movimento posterior à categorização, compreende a inferência e a interpretação. A inferência na análise de conteúdo se orienta por diversos pólos de atenção, que são os pólos de atração da comunicação. Numa comunicação há sempre o emissor e o receptor, os pólos de inferência propriamente ditos, além da mensagem e o seu suporte, ou canal. O emissor é o produtor da mensagem. É um indivíduo ou um grupo de indivíduos. A mensagem que ele emite o representa. Assim, o estudo da mensagem pode fornecer dados sobre o público a que ela se destina. A mensagem é o ponto de partida de qualquer análise. Na análise da mensagem é possível estudar o continente ou o conteúdo, ou os significantes ou significados, ou o código ou a significação. O código pode ser um indicador capaz de revelar realidades subjacentes, no dizer de Bardin (1979). A significação fornecida pela mensagem pode ser motivo da análise de conteúdo. A interpretação, por sua vez, diz respeito aos conceitos e proposições que sensibilizam o pesquisador, dando-lhe um sentido de referência geral. Produzem imagem significativa. 49 Os conceitos derivam naturalmente da cultura estudada e da linguagem dos informantes, e não de definição científica. Ao se descobrir um tema nos dados é preciso comparar os enunciados e ações entre si, para ver se existe um conceito que os unifique. Quando se encontram temas diferentes, é necessário achar semelhanças que possa haver entre eles. A proposição é um enunciado geral baseado nos dados. Enquanto os conceitos podem ou não ajustar-se, as proposições são verdadeiras ou erradas, mesmo que o pesquisador possa ou não ter condições de demonstrá-lo. Durante a interpretação dos dados é preciso voltar atentamente aos marcos teóricos pertinentes à investigação, pois eles dão o embasamento e as perspectivas significativas para o estudo. A relação entre os dados obtidos e a fundamentação teórica é que dará sentido à interpretação. As interpretações a que levam as inferências serão sempre no sentido de buscar o que se esconde sob a aparente realidade, o que significa verdadeiramente o discurso enunciado, o que querem dizer, em profundidade, certas afirmações, aparentemente superficiais. A análise de conteúdo busca chegar além da superfície, da aparência, da simplicidade dos fatos, para alcançar o âmago das coisas, a sua real profundidade e é, neste sentido, que dá suporte à busca da experiência de vida das participantes nesta pesquisa, em sua relação com o LES. 4.10 Triangulação A triangulação de métodos ou dados permite a checagem mútua e a complementação das informações a partir da combinação dos dados de diversas fontes e procedimentos ou métodos e confere rigor à pesquisa qualitativa. Vários autores como Denzin (1979), Jick (1979), Samaja (1992) e Minayo (1993) estudaram tecnicamente a triangulação metodológica, mostrando que seus princípios ecoam no interior de uma larga tradição das ciências sociais, seja por motivos práticos de validade ou por razões epistemológicas. Samaja (1992) demonstra que a integração acontece por razões práticas, sobretudo quando se trata de processar e analisar dados produzidos por vários instrumentos, na perspectiva de diversas disciplinas. Mas ela acontece também, diz o autor, por motivos epistemológicos, na medida em que se tenta superar as dicotomias entre quantitativo versus qualitativo; entre enfoque disciplinar versus 50 interdisciplinar, entre outros. Samaja vai mais além, quando afirma que o processo de investigação, de uma forma explícita ou implícita, sempre utiliza conceitos e noções de várias áreas do conhecimento. Jick (1979) encontra um valor universal na triangulação metodológica, ao constatar que cada método, por si só, não possui elementos mínimos para responder às questões que uma investigação específica suscita. Denzin (1979), por sua vez, enfatiza a contribuição metodológica como instrumento de iluminação da realidade sob vários ângulos. Mostra que essa prática propicia maior claridade teórica e permite aprofundar a discussão interdisciplinar de forma interativa e intersubjetiva. Portanto, utilizar este mecanismo chamado de triangulação, nos permite empregar métodos diferentes de coleta de dados e comparar os resultados, obtendo resultados mais fiéis (GLAZIER, 1992). No contexto desta pesquisa, acentua-se novamente a complexidade do tema, pois a experiência das entrevistadas portadoras de LES envolve múltiplos sentidos e significados que deverão ser apreendidos pelo pesquisador, o que deverá ser melhor realizado a partir da triangulação entre observação, diário de campo e entrevista. 4.11 Critérios Éticos Toda e qualquer pesquisa envolvendo seres humanos exige criterioso esclarecimento para os participantes envolvidos, principalmente em se tratando de entrevistas. Em relação ao caráter ético, foi utilizado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), um documento que informa para o entrevistado o caráter da entrevista, que tipo de questões serão abordadas, os objetivos e intenções do estudo, esclarecendo também sobre os cuidados e providências quanto à garantia do sigilo em relação à identificação dos participantes. É ainda facultado ao participante retirar seu consentimento a qualquer momento, caso desista da sua participação na pesquisa (MEDEIROS , 2007). Esta pesquisa seguiu, portanto, as determinações da Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece no Brasil os critérios éticos para realização de pesquisas envolvendo seres humanos. 51 No caso presente as exigências dizem respeito á utilização do TCLE na abordagem das mulheres portadoras de LES selecionadas para o estudo. O TCLE é elaborado em duas vias, sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou por seu representante legal e uma arquivada pelo pesquisador. A íntegra do TCLE utilizado nesta pesquisa pode ser vista no APÊNDICE II. A pesquisa teve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Educacional de Divinópolis – FUNEDI em 31 de Agosto de 2010. 52 5. RESULTADOS E DISCUSSÂO As seis entrevistadas possuem uma média de idade de 39 anos, variando de 23 a 49 anos. Quatro entrevistadas são casadas. Todas elas continuam realizando consultas periódicas e tomam medicamentos constantemente. As entrevistas foram realizadas no período de agosto a outubro do ano de 2010. Todas as entrevistas foram realizadas nas residências das entrevistadas, com o intuito de minimizar o constrangimento que poderia ocorrer e possibilitando uma sensação de proteção, aconchego em um ambiente familiar, proporcionando segurança e tranqüilidade. Os depoimentos foram áudio gravados, com o consentimento das entrevistadas e o tempo médio de duração das entrevistas foi de 56 minutos, dando toda liberdade às entrevistadas para que elas pudessem interromper a entrevista a qualquer momento, afim de que tudo ocorresse de maneira mais natural possível. A primeira questão a ser tratada foi saber como era a vida das entrevistadas antes do diagnóstico de lúpus; isso em relação ao convívio familiar, vida afetiva, vida sexual, carreira profissional, vida social. E1 “Tinha uma vida normal, trabalhava, tinha minha família, me divertia, tudo normal.” E2 “Levava uma vida tranqüila, sossegada, tinha meu trabalho que eu gostava muito, namorava, era uma vida normal.” E3 “Minha vida era ótima, fazia tudo que tinha vontade, comia de tudo, ia quase todo fim de semana para o clube, era muito boa mesmo.” E4 “Era uma vida normal, tinha muitos planos, ter minha família, filhos, as vezes viajava, tinha amigas, namorava era tudo normal”. E5 “tinha uma vida muito difícil, meu marido bebia muito, a gente brigava muito, mas tirando isso eu acho que era tudo normal.” E6 “Era uma beleza, podia fazer o que eu quisesse, viajava ia para os barzinhos, passeava, era ótima.” 53 Todas as seis entrevistadas afirmaram ter uma vida comum, como qualquer outra mulher, apesar da E5 relatar que possuía uma vida difícil demais, porém suas dificuldades não estavam relacionadas naquele momento com doença de Lúpus e sim com questões de relacionamento com seu cônjuge. Enfatizaram que suas vidas eram como a de todas as pessoas com as quais elas conviviam. A segunda questão levantada foi sobre a mudança na vida das entrevistadas após o diagnóstico de lúpus. As entrevistadas foram contundentes na resposta a essa questão, dizendo que suas vidas mudaram significativamente, como mostram os trechos de depoimentos apresentados a seguir. E1 “Minha vida virou de pernas pro ar. (...)Minha vida mudou tanto que comecei a viver sem saber o que ia acontecer no dia de amanhã.” E2 “Sentia tantas dores que muitas vezes pedi a Deus para morrer rápido.” E3 “Muita coisa mudou, já tinha mudado porque eu estava doente e não sabia o que eu tinha.” E4 “Mudou tudo, tudo, muitas coisas que eu queria fazer eu não podia mais, o médico falou que essa doença era muito brava.” E5 “Não muita coisa, eu já tava tomando remédio, mais era remédio pra doença errada, eu já tava doente.” E6 “Quase morri de tristeza porque eu conhecia essa doença e eu nunca fiz extravagância, passei a ter outra vida.” Foi observado que cinco das seis entrevistadas teve sua vida modificada por completo, seu cotidiano sofreu alterações consideráveis e significativas. Segundo Araújo e Traverso-yépez (2007) o sentido atribuído pelos doentes ao lúpus é de algo ruim, horrível, que apareceu do nada e podem a qualquer momento surgir novas exacerbações. As narrativas das participantes 54 revelam que os variados sintomas físicos e suas conseqüências são os que causam mais sofrimento. Outra questão que está diretamente relacionada à anterior relacionou-se ao sentimento das entrevistadas ao saber do diagnóstico. Percebeu-se que o conhecimento da enfermidade causou extremo pânico e descontrole: E1 “Meu mundo acabou.” E2 “Fiquei em pânico, muito abalada.” E3 “Eu não entendia muito bem, não sabia o que era, só fiquei preocupada porque ouvi o médico conversando com outro médico falando que minha doença já estava avançada e a cara que ele fez quando mostrei pra ele as feridas nas minhas costas e pescoço.” E4 “Fiquei muito assustada porque nunca tinha ouvido falar dessa doença, parecia que a médica estava escondendo alguma coisa de mim, depois fiquei sabendo que era doença do lobo, que era grave.” E5 “Eu não entendia muito bem essa doença, depois me falaram que era muito perigosa e que parava os rins, então fiquei com muito medo.” E6 “Fiquei desesperada, foi difícil aceitar aquilo, até hoje eu não acredito que isso aconteceu comigo.” Tais expressões ilustram a aflição das entrevistadas ao saber do diagnóstico. Foi observado em relação aos sentimentos no momento do diagnóstico que quatro das seis entrevistadas usam expressões fortes para demonstrar o que sentiram. A preocupação, o medo, o sentimento de pânico se instalou no momento em que souberam do diagnóstico. Mesmo já estando sofrendo agruras em seu próprio corpo, ficar sabendo do nome da doença fez com que o medo, o terror em relação a tudo que estavam vivendo se ampliasse. Saber da doença fez a situação 55 parecer pior do que já era, mesmo que naquele momento, com diagnóstico e tratamento corretos, a doença poderia ser tratada de maneira mais eficaz, porém o saber “daquele nome” foi na verdade um choque, algo negativo para as entrevistadas. A relação médico-paciente em um momento tão difícil, como o de saber do diagnóstico de uma doença incurável, é extremamente significativa para o paciente. Neste aspecto, o estudo mostrou a existência de certas dificuldades devido a uma falta de clareza da parte dos médicos e omissão de informações relevantes, trazendo insegurança e incerteza para as entrevistadas. Bittencourt (2008), em um trabalho sobre a assistência a paciente com lúpus eritematoso sistêmico, mostra que a apreensão e a resistência iniciais da paciente foram terapeuticamente abordadas no contexto de uma boa relação médico-paciente. Acredita a autora que, neste sentido, um fator importante para o alcance de bons resultados foi o relacionamento empático entre o ser que cuida e aquele que é cuidado, na promoção de uma relação de respeito mútuo e de confiança. Em nossa pesquisa houve uma série de desencontros entre os profissionais de saúde e as entrevistadas, falta de informações e amedrontamento ligados ao tipo de abordagem da parte dos médicos. A primeira entrevistada recebeu o diagnóstico de lúpus no momento em que estava grávida de mais ou menos dois meses, quando o médico de uma maneira direta demais, segundo ela, mostrou a gravidade da doença e sugeriu que abortasse: E1 “O médico me disse que era preciso abortar devido à gravidade da doença, pois era arriscado demais para mim, e falou para mim que começasse o aborto que ele terminaria.” A segunda entrevistada casou-se grávida de cinco meses. Dois dias após o seu casamento estava internada devido a dores fortíssimas e foi constatado pela ultra-sonografia que seu bebê estava sem batimentos cardíacos. Ficou internada para a retirada da criança, mas os médicos não quiseram fazer uma cesariana, deram-lhe medicamentos para que pudesse expulsar a criança. A entrevistada começou a ter hemorragia e foram lhe administradas drogas mais fortes para induzir a expulsão do feto. 56 E2 “Foi um dos piores momentos da minha vida, por tantas dores que estava sentindo e por ter perdido meu filho.” Depois de um tempo a entrevistada engravidou novamente e voltou a ter dores. Ela procurou, então, um dermatologista que constatou que estava com Lúpus. Os médicos foram bastante diretos e sugeriram a interrupção da gravidez que já estava no quarto mês. E2 “Eu não podia aceitar aquilo, chorei tanto naquele momento, e tive que tomar uma decisão muito difícil, porque os médicos falaram que eu precisaria começar o tratamento imediatamente, pois o meu quadro não era bom, e as drogas que seriam usadas eram fortíssimas que poderiam prejudicar a criança.” A entrevistada continuou a gestação e com quase 28 semanas sua pressão arterial chegou a 24/14 dando início a uma crise de pré-eclâmpsia, pelo que foi internada às pressas com deficiência no seu sistema renal. Sua filha nasceu com 800 gramas e ficou 62 dias internada no centro de terapia intensiva. E2 “Graças a Deus não fiz o aborto que os médicos sugeriram, sei que foi muito arriscado para mim, sei que minha filha quase morreu e que antes de um ano de vida já precisou fazer uma cirurgia para retirada de alguns cistos e que hoje ela ainda toma alguns remédios, mas eu tenho certeza que eu fiz a escolha certa.” Problemas graves enfrentados durante a gestação, tal como relatados pelas entrevistadas, como dores incessantes, iminência de interrupção gestacional e aborto, fazem parte do curso da doença. Batista (1997) em um estudo realizado com 151 pacientes durante o período de 1963 a 1997, quando ocorreram 55 gestações, constatou que 29,1% apresentaram complicações obstétricas. È fundamental que tais ocorrências sejam abordadas em clima de confiança e proximidade entre médico e paciente. E3 “Ele não conversou muito comigo, vi a cara dele de espanto quando mostrei pra ele minhas feridas, aí eu percebi que era sério mesmo. 57 E4 “O médico quase não falou comigo, me explicou tão mal que parecia que estava escondendo alguma coisa”. E5 “Ele me falou mais ou menos o que era, mas fiquei sabendo mais da boca das outras pessoas”. E6 “Ele só me falou que era uma doença que não tinha cura e que causava muitas dores, fui saber direito pelas outras pessoas e nos livros”. Em relação às mudanças ocorridas na vida das entrevistadas, foi possível perceber como o cotidiano das mulheres participantes da pesquisa sofreu alterações significativas. Em se tratando da vida profissional as entrevistadas tiveram problemas, pois a incapacidade física em vários momentos não lhes permitia o cumprimento da jornada de trabalho exigida pelas empresas. Atingiu-as, por isso, um sentimento de frustração e tristeza que pode ser percebido nos depoimentos. E2 “Eu era disputada pelas fábricas aqui da cidade, quando vi estava em casa fazendo pequenos trabalhos.” E1 “Tinha uma vida profissional, mas comecei a faltar muito devido a tantas dores que tinha e eles falaram que não podiam me pagar para ficar parada, aí fui trabalhar em casa.” E3 “Nesta época eu não trabalhava, meus planos foram por água a baixo porque queria trabalhar em uma grande empresa e isso não aconteceu, não tive uma vida profissional, é frustrante”. E4 “Continuei trabalhando até onde consegui porque precisava do dinheiro, mas essa doença não deixa você fazer muita coisa, comecei sair mais cedo, as vezes não ia porque sentia muitas dores, aí ficou um clima ruim demais, aí eu pedi conta”. 58 E5 “Eu trabalhava em casa fazendo tiras de sandália, mesmo doente com meu corpo ruim tive que continuar trabalhando porque meu marido deixava faltar as coisas dentro de casa. E6 “Continuei trabalhando e quando eu tinha as crises da doença eu passava muito mal, vomitava muito, aí tinha que sair do trabalho, tive três serviços diferentes”. Araújo e Traverso-yépez (2007) observam que a doença repercute na vida das pessoas, especialmente quando forçadas a se afastar das atividades profissionais e/ou ocupacionais. Esse afastamento do trabalho repercute diretamente na situação econômica, em um contexto de limitações, afetando a única garantia de sobrevivência e sendo uma fonte de estresse e preocupação adicional para algumas participantes. Houve, portanto, uma interrupção abrupta da carreira profissional dessas mulheres, retirando-as daquele contexto profissional, que é também socialmente relevante, conduzindo-as ao isolamento e, quando muito, a uma atividade informal dentro de suas casas. Questão também significante foi a imposição da discriminação, da falta de convívio com pessoas que para elas era importante. Também as marcas acentuadas da doença deixadas em seus corpos contribuíram significativamente para o isolamento social das entrevistadas. Turato e Mattje (2006) ressaltam que os conflitos interpessoais e familiares dos pacientes com lúpus parecem estar associados com a idéia de que a família e os amigos não compreendem a natureza da doença e as causas potenciais da fadiga e de outras indisposições. Reconhecem os autores que uma auto estima pobre pode simbolicamente representar a realidade existencial de ser doente, assim como um sinal factual de depressão clínica, levando o portador de lúpus a isolar-se ainda mais. Segundo Silber (1984), a discriminação e o sentimento de rejeição podem levar ao agravamento da doença. A vida social das entrevistadas foi severamente prejudicada e, neste sentido, dois fatores mostraram-se de extrema relevância em relação ao convívio com outras pessoas. Deve ser considerada a questão da discriminação e sua íntima relação com a estética, que, por sua vez, liga-se à vaidade, beleza física, forma do corpo, cabelos, pele etc., fatores de extrema relevância no universo feminino. As 59 entrevistadas aqui consideradas relataram que foram discriminadas por vizinhos, supostos amigos e até mesmo pessoas da família, como tios, tias e primos. E2 “Meu cabelo começou a cair, comecei a ficar careca, então as pessoas falavam que eu estava com Aids, foi muito triste.” E1 “Fiquei sem um fio de cabelo na cabeça, comecei a usar lenço, meu corpo e meu rosto estavam todo manchado e com feridas, as pessoas me olhavam com medo de pegar aquilo.” E3 “Comecei a evitar as pessoas porque elas me olhavam diferente, porque eu estava toda marcada com machucados então parei de ir nesses lugares onde tinha muitas pessoas, fui discriminada por gente da minha família, é muito triste”. E4 “Eu fazia curso técnico nessa época, tive que parar porque passei por um período de muitas dores, aí parei de sair de casa e acabei perdendo meu namorado porque já não fazia o que ele queria, não tinha condições físicas pra isso (entendeu né?), meu cabelo começou a cair e meu rosto estava com marca de asa de borboleta”. E5 “Meu marido era um trem fora da linha, bebia muito, a gente não saía pra lugar nenhum e depois da doença então... só ia na casa da minha mãe e na igreja, eu não vivia só sofria”. E6 “No início fui discriminada até pela minha mãe porque não conseguia ajudar ela a arrumar a casa, ela falava que eu era malandra, minhas amigas e minhas primas se afastaram, as pessoas que me conheciam, quando eu passava na rua eles cochichavam de mim, fiquei com depressão porque não podia fazer nada que eu fazia antes”. A discriminação está diretamente associada ao tipo de lesão causada pelo lúpus, a falta de informação das pessoas sobre a doença, o medo de contrair algo desconhecido. Em relação à estética, a todo momento mesmo sem perceber, fazemos julgamentos sobre várias questões, sobre o que enxergamos, sejam objetos, pessoas, até mesmo paisagens, e são critérios sempre subjetivos que nos 60 orientam. Critérios de julgamento de beleza são construções sociais que variam no tempo. A história nos mostrou que durante muitos séculos a beleza foi um conceito intrínsicamente ligado à geometria, ou seja, a forma perfeita, mas a questão da beleza estética vai muito além de formas e curvas, ela vem ao encontro de uma necessidade de auto-afirmação da mulher, a uma auto estima elevada, ou seja, à confiança necessária para se viver em uma sociedade que prega a beleza a todo custo, que diz que ser belo já não seria vaidade e sim uma necessidade, em que a aparência física é levada em conta não apenas no terreno do amor e do sexo, mas em todos os relacionamentos pessoais. A transformação física imposta pelo Lúpus às nossas entrevistadas pode ser considerada em sua gravidade e no impacto causado sobre as subjetividades. E1 “Fiquei dois anos sem sair de casa, só saía para ir ao médico.” E2 “Todos se afastaram, hoje meus amigos não são nenhum daquele tempo.” E3 “Você é julgada e apontada pelas pessoas sem elas saberem o que você tem”. E4 “Eu fiquei tão triste por tudo isso que queria morrer”. E5 “Não importava o que estava acontecendo, meu marido não me ajudava em nada”. E6 “Eu coloquei a culpa em todo mundo até em Deus, eu não podia fazer nada que fazia antes”. Doenças que expressam sua agressividade deixando marcas externas no corpo do indivíduo acometido, levam frequentemente ao afastamento social. Neste contexto, o apoio de pessoas próximas foi de extrema importância para as entrevistadas, e elas relataram que não saberiam o que fazer se não fosse o acolhimento de determinadas pessoas. E1“Minha família me apoiou totalmente, mesmo meu relacionamento com meu marido ter esfriado por causa da doença, ele sempre me apoiou”. 61 E2 “Meus pais me acolheram, minhas irmãs mais velhas mais ainda, cuidaram muito bem de mim, não sei o que seria sem eles”. E3 “No início eu brigava muito com meu marido porque ele só me via reclamando de dores e ele já tava com saco cheio de reclamação, mas depois que ele ficou sabendo que era essa doença, aí ele me ajudou bastante, estava sempre ao meu lado, eu acho que ele pensou que eu ia morrer, acho que ele ficou com medo”. E4 “Tive apoio da minha família e das minhas tias por parte de mãe, elas me abraçavam e falavam que ia ficar tudo bem”. E5 “Só tive apoio da minha irmã, só”. E6 “Minha família me apoiou, principalmente meu pai, parece que ele entendia que eu não estava bem”. Spinelli (2002) acompanhou uma paciente com LES em processo psicoterapêutico. A idéia era verificar se havia um possível estado de dependência emocional e se existia relação deste fenômeno com atividade lúpica. A autora constatou uma intensa dependência da paciente em relação a outras pessoas, acreditando até mesmo que, a companhia destas, era necessária para que continuasse viva. No que diz respeito aos problemas de saúde relacionados ao lúpus foi perguntado às entrevistadas o que mais causava preocupação. As respostas seguiram um padrão semelhante, as entrevistadas relataram enorme aflição em relação às dores físicas e as transformações do corpo associadas à exclusão do convívio social, o que consideraram terrível e não mais gostariam de vivenciar isso em qualquer circunstância. O medo da enfermidade parece estar intimamente relacionado à dor que causa, visto que o lúpus é uma doenças autoimune agressiva que acomete o indivíduo de forma generalizada. Mello Filho et al (1992) mostram, a partir de sua pesquisa, como o relato da dor é significativo, tal como foi percebido no momento das entrevistas. Também Pimentel (2005), por meio da abordagem semidirigida, constatou a importância que todos os participantes atribuem à dor, ao sofrimento e às limitações do corpo. 62 E1 “Sofrer dores eu não queria nunca mais, mas sei que isso é impossível, mas o que realmente não quero é ir pra cima de uma cama e ficar dependendo de outras pessoas, isso eu não quero, prefiro morrer”. E2 “Tenho medo dos meus rins pararem de funcionar e ter que fazer hemodiálise, o médico falou que meus rins estão como um coador cheio de furos, e só de saber que posso voltar a sentir aquelas dores terríveis... também não quero ficar dependendo de outras pessoas”. E3 “Não quero passar pelo que passei no início da doença, sofri muito com tantas dores, meu corpo ficou todo estranho e feio, não quero sentir aquelas dores nunca mais, não quero que meu corpo fique daquele jeito nunca mais’. E4 “Essa doença é esquisita, um dia você está boa, outro dia você está acabada, os dias em que a doença ataca, eu penso que vou morrer e eu não quero morrer agora, tem tantas coisas que eu quero fazer”. E5 “Tenho medo de não conseguir fazer mais nada de não conseguir nem arrumar minha casa porque a dor é demais e não posso depender do meu marido porque ele não faz nada”. E6 “Não quero ter que sofrer, já senti tantas dores por causa desta doença que nem acredito, só de saber que não tem cura e vou ter que conviver com essa doença pro resto da minha vida isso acaba comigo”. O medo das dores físicas e seus estigmas, aliado à possibilidade de uma relação de dependência para continuarem a viver, superou até mesmo o medo de morrer, relatado pelas entrevistadas E1, E2 e E5 que diz que prefere a morte a ser condenada a ficar em cima de uma cama dependendo de outras pessoas. Quanto à vida futura, as entrevistadas mostraram imensa vontade de buscar a felicidade, criar seus filhos, aproveitar a vida. Mas há também a demonstração da intensidade do seu sofrimento imposto pela doença e da incerteza provocada em relação ao futuro. E1 “Quero ser feliz, ver meus filhos crescerem, não ser discriminada, viver a vida...”, porém conclui dizendo “mas sei que vou morrer pelo lúpus.” 63 E2 “Quero ser feliz, o amor do meu marido voltou pra mim, criar minha filhinha, espero que achem a cura para o lúpus ou se Deus me chamar...” E3 “Gostaria que tudo fosse diferente, como antes de ficar doente, minha vida era um sonho, mas isso não vai acontecer, então eu quero aproveitar o tempo que me resta pra ser feliz, só isso”. E4 “Eu preciso de um milagre na minha vida, meu grande sonho não se realizou que era ser mãe, hoje já não sou uma mocinha e estou ainda na casa de meus pais, e não vejo uma vida muito fácil no futuro, gostaria muito de ter minha própria família”. E5 “Não sei, estou muito cansada, cansada mesmo, queria que tudo isso acabasse, eu acho que vou precisar morrer pra descansar”. E6 “Eu queria poder levar uma vida normal novamente, ser feliz, fazer as coisas simples que todo mundo faz, nem isso eu posso, não sei o que vai acontecer daqui pra frente”. As entrevistadas querem ser felizes, fazer as coisas simples que todo mundo faz, mas há um receio por parte das entrevistadas, na verdade um medo, uma dúvida sinistra se isso será possível, se o tempo vai estar a favor delas ou não. Se há otimismo e esperança, há incerteza também. O otimismo exige aquilo que Lasch (1983) chama “crença em progresso”. Tudo vai melhorar, afinal de contas elas querem viver, ser felizes, porém a esperança compreende todas as vantagens psicológicas do otimismo, mas tem raízes mais profundas. Quando se nutre uma esperança, acredita-se que algo ou alguém está trabalhando a seu favor para remir todas as coisas; independente do que aconteça, a esperança não impede de prever o pior e o pior é aquilo para o que o esperançoso está preparado; a esperança grita dentro de você que o melhor ainda está por vir. Percebe-se que quatro das entrevistadas possui certo otimismo, mas não foi percebido uma esperança verdadeira por parte do pesquisador. Guimarães (2008), em um estudo realizado com 19 pacientes atendidos em um hospital escola no interior de São Paulo relatou que quando tratados 64 adequadamente os pacientes apresentavam-se otimistas com a possibilidade de reorganizarem suas vidas e retomarem seus planos futuros. 65 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo mostrou a importância de se fazer uma pesquisa como essa, obter informações sobre como vivem mulheres jovens portadoras de LES. Os depoimentos foram reveladores no que diz respeito à experiência vivida pelas mulheres participantes do estudo. Procuramos ouvir com sensibilidade, para interpretar cada palavra, gesto, expressão, cada olhar. Buscamos trabalhar as informações de modo a possibilitar o aprimoramento de nosso trabalho como profissional de saúde. As questões abordadas relacionavam-se ao cotidiano das mulheres e os resultados revelaram o sofrimento causado pela doença. A experiência de vida de nossas colaboradoras apresentou mudanças dramáticas ao nível de vida afetiva e profissional. A importância da dor e a ansiedade relacionada ao comprometimento físico são aspectos marcantes das experiências relatadas. Ressalte-se que aspectos singulares do universo feminino, como a beleza estética e a maternidade, podem ser abalados com a evolução da doença. A organização da vida a partir da eclosão da doença, desde o conhecimento do diagnóstico, foi difícil e isso significou limitações de ordem física, psíquica e social. Foram comprometidas suas vidas afetivas, o convívio social foi dificultado ou interrompido devido às imposições da doença, também pela discriminação sofrida no âmbito da própria família e do círculo de amizades, o que fez com que as entrevistadas refugiassem-se ainda mais em sua intimidade. Seus sonhos e desejos foram, por vezes, comprometidos. A iminência de a qualquer momento exacerbações da doença poderem levar à dependência de outras pessoas para a realização das tarefas cotidianas e mesmo para a sobrevivência material traz incerteza às entrevistadas, embora a força de vontade e a busca da felicidade também componham o seu futuro, como mostrou a pesquisa. A abordagem destas pacientes deve ser cuidadosa e criteriosa, embora a pesquisa tenha mostrado que nem sempre houve sensibilidade por parte de médicos e profissionais de saúde em relação à especificidade da doença, tanto mais porque esta atinge mulheres jovens e pode ter impacto importante sobre a auto estima. Os profissionais de saúde que tratam desse tipo de doença ou de qualquer doença auto-imune necessita entender não somente da clínica, ou seja, dos sintomas da doença, esses profissionais precisam enxergar não só a doença, mas sim o doente, ficou claro a necessidade de uma melhora significativa no atendimento e cuidado 66 com pacientes de lúpus eritematoso sistêmico. Deve ser enfatizado quanto a isso que o comprometimento do ânimo das pacientes pode repercutir no esforço terapêutico e, portanto, na evolução da doença. Os profissionais de saúde envolvidos no cuidado para com as pacientes de lúpus precisam enxergá-las em toda a sua complexidade. Esse estudo possibilitou também ao pesquisador conhecer a abordagem da pesquisa qualitativa, analisar com rigor todas as informações obtidas e compreender a intensidade e a riqueza das pessoas com que teve contato. Abriu-se a possibilidade para que o pesquisador, enquanto profissional biomédico e professor de disciplinas da área de saúde, percebesse novas dimensões e aspectos novos de sua própria vida. (Ouvir as participantes da pesquisa me fez ouvir mais a mim mesmo.) Esta constatação, que partiu da aproximação e da busca de entendimento dos processos investigados, enriqueceu significativamente as ações e pensamentos do pesquisador. 67 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFFELDT, Ângela Beatriz et al. Aplicação do processo de enfermagem ao cliente com diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico. In: XIV Congresso de Iniciação Científica e VII Encontro de Pós-Graduação, 2006, Pelotas – UFPEL. ANDERSON, A. - Una introducción a la investigación cualitativa. 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APÊNDICE A - Roteiro de Questões a Serem Abordadas Durante a Entrevista 1- Idade, estado civil, escolaridade, ocupação (se trabalha fora ou não ), tem filhos, mora com eles? 2- O que mudou em sua vida após o diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico? 3- Em qual época (mês/ano) você soube que era portadora de tal enfermidade? 4- O que você sentiu quando soube do diagnóstico? 5- Como era sua vida antes de saber que tinha essa doença? Em relação ao seu convívio com sua família, vida afetiva, relacionamento com filhos, vida sexual. Em relação à sua vida profissional, lazer, convívio social, enfim, seu cotidiano, como tudo isso era anteriormente? 6- O que mudou em tudo isso, em todas essas coisas, depois do diagnóstico? - vida familiar: pensou em separação, teve apoio do marido e filhos, houve um distanciamento dos familiares, você procurou se afastar por algum motivo, sua vida afetiva foi abalada, sua vida sexual sofreu alguma interferência devido ao Lúpus. - vida profissional: pensou em mudar de trabalho, a doença a prejudicou no desempenho profissional, houve rumores de que poderia ser demitida, você foi discriminada. - vida social: houve um distanciamento de seus amigos, você parou de freqüentar lugares públicos como teatros, cinemas, igreja e festas. 7 – Dos problemas de saúde relacionados à doença, o que mais lhe preocupa? Por que? 8 - Como você enxerga sua vida no futuro? Quais suas expectativas? 76 APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (Em duas vias, sendo uma para o sujeito da pesquisa) A pesquisa em questão objetiva conhecer a experiência de vida de mulheres adultas portadoras de Lúpus Eritematoso Sistêmico. A entrevista refere-se às mudanças ocorridas a partir do momento em que o diagnóstico foi conhecido. Eu, ________________________________________________________________, do sexo__________________________________,de _____________anos de idade, residente à ____________________________________________________________, declaro ter sido informado e estar devidamente esclarecido sobre os objetivos e intenções deste estudo, sobre as técnicas (procedimentos) a que estarei sendo submetido, sobre os riscos, desconfortos e constrangimentos que poderão ocorrer. Recebi garantias de total sigilo e de obter esclarecimentos sempre que o desejar. Sei que minha participação está isenta de despesas. Concordo em participar voluntariamente deste estudo e sei que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem nenhum prejuízo. _____________________________________________________________________ Assinatura do sujeito de pesquisa ______/______/_______ _____________________________________________________________________ Assinatura da testemunha ______/______/______ Pesquisador responsável Eu, __________________________________________________________________, responsável pelo projeto _________________________________________________ declaro que obtive espontaneamente o consentimento deste sujeito de pesquisa (ou do seu representante legal) para realizar este estudo. Assinatura_____________________________________ _______/______/_____