Revista Volume 04 Número 01
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Revista Volume 04 Número 01
O PAPEL TRANSFORMADOR DA UNIVERSIDADE PRIVADA NO DESENVOLVIMENTO SOCIAL: As possibilidades de inclusão e suas estratégias de desenvolvimento Ana Paula Morgado Carneiro * José Antônio Gameiro Salles** RESUMO As mudanças trazidas pelo século XX impactaram as atividade racional, científica, tecnológica e administrativa. O trabalho e a educação é profundamente afetado. Uma das transformações mais importantes ligadas à revolução industrial se refere à realidade do tempo de trabalho, pela divisão do tempo em horas e dias "úteis" e perfis pré definidos de profissionais para o mercado que as camadas mais inferiores tem dificuldade de alcançar. Este artigo tem como proposta discutir O “novo” papel transformador das Universidades privadas no contexto atual de Educação propondo sugestões e foi gerado através de pesquisas e entrevistas numa turma de Administração recém chegada numa universidade privada levantando suas expectativas e pontos de vista de mundo. * Prof.ª Universitária da UNISUAM, Especialista em Eng. Econômica UFRJ e MBA Qualidade Total UFF Administração de Empresas na UFRRJ. [email protected] ** Coordenador e Professor do Curso Politécnico da UNISUAM, Mestre em Informática - NCE / UFRJ [email protected] PALAVRAS CHAVES: Educação superior, Papel social da escola, Globalização e mudanças no mundo, Perfil Mercado de trabalho. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 1-8, jan./fev./mar. 2003 Ana Paula Morgado Carneiro - José Antônio Gameiro Salles INTRODUÇÃO O final do século XX, como o fim do século anterior, é marcado por impasses e perplexidades. A tônica das reflexões gira em torno da mudança em todos os níveis sociais. A sociedade parece viver, em escala global e mais do que nunca, uma série de profundas e inéditas transformações. Cabe a reflexão, no entanto, de que a destruição do passado, isto é, a destruição dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas, tem sido uma característica neste final de século XX. Assim sendo, as transformações operadas durante este século podem ser melhor compreendidas numa visão histórica, comparando-se qualitativamente a sociedade do seu início com a da última década. Nessa visão, três aspectos fundamentais podem ser ressaltados. Primeiro, o mundo deixou de ser eurocêntrico. A Europa, paulatinamente, deixa seu papel central do final do século XIX: a população declina, a produção mingua, os centros industriais se mudam para outro lugar. Os Estados Unidos passam a ser a grande economia propulsora da produção e do consumo em massa. O segundo aspecto importante é a mundialização, o processo que paulatinamente foi transformando o mundo na unidade básica de operações, suplantando a era das economias nacionais. A característica fundamental deste final de século XX é a tensão entre a aceleração desse processo e a incapacidade das instituições e dos indivíduos em geral de se adaptarem a ele. O terceiro aspecto fundamental é a desintegração dos padrões de relacionamento social humano, e com ela a quebra do elo entre gerações. Daí a ruptura entre passado e presente dando a dimensão da escala de mudança global. O conceito de mudança é central ao entendimento da evolução que a sociedade, em geral, e as organizações, em particular, estão passando nessa segunda metade do século. Este conceito tem sido usado e abusado nos diversos meios de comunicação, bem como na extensa bibliografia atual sobre organizações. Do ponto de vista da percepção do cidadão comum, este final de século pertence ao movimento, pertence à mudança. Tanto em extensão, quanto em intensidade, as transformações envolvidas na modernidade são mais profundas do que a maioria das mudanças características dos períodos anteriores. É importante perceber que tanto a percepção de aceleração, quanto de descontinuidade, advém do descolamento das relações sociais, isto é, a extração das relações sociais dos contextos locais de interação e sua reestruturação em outras escalas de espaço-tempo.. O trabalho e a educação é profundamente afetado. Uma das transformações mais importantes ligadas à revolução industrial se refere à realidade do tempo de trabalho, pela divisão do tempo em horas e dias "úteis", em contraposição a uma visão cíclica do tempo na tradição. Nos sistemas industrializados ocidentais, o quadro temporal do trabalho nas empresas está no centro das questões econômicas, culturais e tecnológicas, numa tendência à flexibilização e à redução do A situação atual dessas questões é fruto de uma tendência, iniciada na década de 70 com a crise do petróleo, de novas relações entre a organização e o meio externo, e de mundialização da economia e dos mercados surge a necessidade urgente da formação superior considerando pré-requisito para inserção no novo modelo de mercado de trabalho, que podemos constatar através das estatísticas de indivíduos matriculados em universidades públicas e privadas e do surgimento da “Era do conhecimento”. Matriculados em Graduação 1981 1994 1999 1.386.792 1.661.034 2.377.715 Fonte : MEC/INEP/SEEC Crescimento Percentual de 1981 a 1994 e 1994 a 1999 Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 1-8, jan./fev./mar. 2003 2 Ana Paula Morgado Carneiro - José Antônio Gameiro Salles 1981 - 1994 1994 - 1999 19,78% 43,17% Fonte : MEC/INEP/SEEC “Diante da mudança (do mundo) algo que não se mudou o suficiente deve ser transformado : A EDUCAÇÃO”. (BARNSART,1995). A educação é afetada, na medida em que passa a ser cada vez mais direcionada para a descoberta, ao invés de apenas no sentido tradicional da instrução. Para as organizações empresariais isso é uma necessidade hoje. O homem global, munido de uma instrução abrangente e flexível, que lhe conferisse mobilidade social e organizacional, sempre foi uma utopia. Hoje está se tornando uma realidade, através das novas tecnologias de educação continuada e na ênfase crescente no trabalho intelectual. Onde começamos a discutir nosso primeiro ponto essencial do artigo que é o perfil desejado de profissionais capazes de produzir conhecimento e boa capacidade de aprendizagem e como desenvolver estas habilidades com uma educação massificada. DADOS GERAIS Os indivíduos em busca a formação superior muitas vezes não tiveram oportunidade/condições de ingressar na anteriormente na universidade e hoje com a “necessidade” buscam o vestibular. Há uma ampliação do número de vagas mas não teriam efeito se não houvesse demanda. Podemos entender a educação como um fenômeno social, como parte das condições sócio político econômico pelas demais manifestações sociais. Em nossa sociedade a educação possui um espaço especializado, a escola, que não é e não pode ser entendida como uma instituição auto-suficiente e independente. (SALVIANI, 1985) Ingressados no vestibular - Universidades publicas e privadas 1981 1994 1999 378.828 463.240 750.168 Fonte : MEC/INEP/SEEC Constatamos que ao ingressar na universidade o aluno tem inúmeras dificuldades no acompanhamento das disciplina, já que sabemos estatisticamente que dentre os alunos da 4ª serie 52% não dominam habilidades elementares de Matemática, dados do INEP em 2001 estes dados comprovam também a tendência de evasão, comprovadas na estatística: Ingressos e Concluintes (ano anterior) 1994 Ingressos Privado 303.454 Concluintes Privado 155.387 Ingressos Público Federal 76.130 Concluintes público Federal 41.420 1999 539.662 195.401 98.916 52.787 Fonte : MEC/INEP/SEEC Vemos claramente um aumento de 77,84% de ingressos entre 1994 e 1999 na universidades privadas enquanto da universidade pública o aumento foi de 29,93% porém o numero de concluintes diminui a longo do tempo, pelo despreparo do universitário que Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 1-8, jan./fev./mar. 2003 3 Ana Paula Morgado Carneiro - José Antônio Gameiro Salles acabam por abandonar o curso antes do término.(evasão). PERFIL DOS ALUNOS Numa pesquisa realizada numa Universidade Particular no curso superior de Administração Noturno , curso Seqüencial (Politécnico) isto é, educação seqüencial tivemos os seguintes dados para serem analisados: (Total : 23 alunos) Setenta e dois porcento dos alunos NÃO trabalham na área. Escolheram o curso por que já perderam muito tempo e precisam de um diploma rápido e alem disso somente gostariam de estudar o que interessa correspondendo a 71% dos entrevistados. Ao ingressar na universidade 92% não freqüentavam nenhuma biblioteca ou raramente iriam a uma antes da aprovação do vestibular. Os entrevistados consideram gostar de ler, porém durante 01 ano antes de entrar na universidade 60% não havia lido nenhum livro/revista na sua área e 25% somente 1 livro. Quando são perguntados há quanto tempo parou de estudar, temos 60% da turma com + de 10 anos sem estudar sendo que destes 60%, 35% estão entre 15 e 20 anos sem estudar, e 20% entre 6 e 9 anos. Logo somente 20% (7 alunos tem até 5 anos sem estudar) Oitenta porcento da turma consideram muito difícil e dependem de muita adaptação voltar a estudar. Organizam seu tempo para estudo somente no final de semana, pois trabalham, embora que 29% da turma informa que estuda somente na véspera de prova. Sessenta porcento trabalham há mais de 10 anos provavelmente quando pararam de estudar. Noventa e quatro porcento acreditam que terão um colocação melhor após a universidade, 91% acreditam que isto se dará quase imediatamente ou em até 5 anos. Consideram 95% que tiveram sorte ou estudaram pouco para o vestibular. Somente 42% tem pretensão de fazer pós-graduação embora muitos condicionam a questão do emprego/salário para continuação dos estudos. Além desses dados podem ser destacados ainda: • 77% não fala nenhuma língua. • 69% nunca teve nenhuma experiência no exterior. • 69% são funcionários de empresa privada. • 86% gostam de atividade de pesquisa e não gostariam de realizar prova. • 69% tem idade acima de 30 anos. Sendo que 9% acima de 40 anos • Até 25 anos, temos somente 17% (6 alunos no universo de 35) • 77% estudaram em colégio público (Somente 8 alunos estudaram em colégio particular porem estes hoje tem + 10 anos sem estudar) • 80% consideram o ritmo da universidade “puxado” para acompanhar (28 alunos na sala) • Menos de 20% marcaram como hobbie nas horas vagas ler. • 65% dos alunos tem renda familiar entre 3 e 8 salários mínimos e chegam a investir de 15 a 30% com a mensalidade da universidade. • 71% dos alunos gostariam de Ter feito outras graduações como odontologia, direito, engenharia mas por falta de tempo/dinheiro e a idade avançada acreditam ser melhor estar no curso escolhido. ANÁLISE DO PERFIL DO ALUNO E DIFICULDADES CULTURAIS Verificamos que a busca pelos cursos superiores em Administração esta atrelado a um “mito” de ascensão social dado pelo uso do computador e os cargos de gerencia, nas camadas mais inferiores, acreditando estar se projetando de alguma forma com a utilização do mesmo criando modelos associados a poder, riqueza e sucesso. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 1-8, jan./fev./mar. 2003 4 Ana Paula Morgado Carneiro - José Antônio Gameiro Salles Vimos que 94% dos estudantes entrevistados acreditam que terão um colocação melhor após a universidade, 91% acredita que isto se dará quase imediatamente ou em até 5 anos. É uma realidade que estes universitários buscam uma melhor colocação portanto a orientação para o mercado é preciso e urgente. O fato de 72% não trabalharem na área não os permite uma visão real da área em si e ter consciência do perfil desejado para inclusão no mercado. Este mesmo mercado que busca profissionais com capacidade de aprender, isto é aprender a perceber ou a reinterpretar uma situação, aprender como aplicar esta percepção para a formulação de uma política e especificação de uma ação (NONATA,1995) isto baseiase em conceitos e não em formulas que muitas vezes estes estudantes buscam, alem de muita leitura, hábito que eles não tem, pois durante 01 ano antes de entrar na universidade 60% não havia lido nenhum livro na sua área e 25% somente 1 livro, visto também que 57% acreditam não conhecer bem a área. Caracterizam-se um perfil não explorador de conhecimento e de difícil adaptação para o desenvolvimento do profissional que produz conhecimento e tem capacidade de aprendizado. Esta difícil adaptação vem sendo mostrada em 80% da turma que considera o ritmo da universidade “puxado” para acompanhar e em outra pergunta confirmam (80%) que consideram muito difícil e dependem de muita adaptação para voltar a estudar. Noventa e cinco porcento acreditam tiveram sorte e não estudaram para o vestibular. Criando um problema comparado ao “Comportamento fossilizado” da rápida e fácil formação” (VIGOTSKI,1998) pois sem a cultura do estudo e o habito da leitura os alunos tem a ilusão de que entrar na universidade é algo “fácil” como estar lá, e ao longo do caminho tem grande resistência na sua adaptação e finda no grande numero de evasões, principalmente quando a própria universidade passa por reestruturações e busca melhoria na sua imagem e no comprometimento com a qualidade uma postura que contrapõe com as expectativas dos alunos. Apesar do aumento do número de estudantes na graduação no Brasil, não vimos influencia direta na melhoria na qualidade do ensino público básico pois 60% da turma não estudam há mais de 10 anos justifica-se o menor nível de exigência na seleção. Já foi dito que a escola básica não tem como função formar o trabalhador específico, mas contribuir com conhecimentos básicos para formação do cidadão que será também um trabalhador. É preciso lembrar, entretanto que, no mundo de hoje, mesmo não trabalhando em setores que lidem diretamente com a tecnologia, a maioria das pessoas vai necessitar da capacidade de comunicar-se de solucionar abstratamente problemas concretos, de processar informações e raciocínio matemática, o que só a boa escola básica assegura. (ROMÃO,1994) Setenta e sete porcento não fala nenhuma língua e 69% nunca teve nenhuma experiência no exterior o que hoje para o mercado é quase que uma exigência, o mesmo com relação a pós graduação onde somente 42% pensam em cursa-la porem condicionam a questão do emprego/salário. Pontos necessários para profissionais que pretendem melhor colocação. Segundo a pesquisa do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE) publicada no Jornal O GLOBO, o perfil do profissional que interessa ao mercado de trabalho de hoje contem habilidades como capacidade analítica, conclusões de atuar em equipe e em varias áreas, cultura generalista, língua estrangeira e atualização constante. (Caderno Boa Chance, p.1) Sessenta e cinco porcento dos alunos tem renda familiar entre 3 e 8 salários mínimos e chegam a investir de 15 a 30% com a mensalidade da universidade, o que compromete na compra de livros ou em cursos de extensão paralelos a Universidade que enriqueçam seu conhecimento. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 1-8, jan./fev./mar. 2003 5 Ana Paula Morgado Carneiro - José Antônio Gameiro Salles ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO A Universidade privada hoje no Brasil deverá contar com uma nova formato de cursos e nova forma de trabalhar objetivando agregar ao diploma do formando ele tenha conhecimento, habilidade e competências desenvolvidas para se inserir no mercado de trabalho que é seu objetivo fim ao iniciar uma graduação minimizando suas deficiências. A universidade mantendo seu vestibular da mesma forma hoje, ela dá a chance aos alunos de colégio público (77% da turma) a ingressar numa universidade, com curso noturno o que muitas vezes não é possível na universidade pública pois 60% precisou trabalhar após o termino do 2º grau, porem para otimizar o desenvolvimento e adaptação à universidade estamos propondo novos conceitos e praticas para suprir estas deficiências, Algumas das medidas propostas para a redução da evasão das universidades privadas : • Carga horária progressiva nos cursos de graduação noturna, • Ênfase em pesquisa em grupo ou individual, priorizando a apresentação e o debate do assunto em substituição da prova convencional, • Reciclar os alunos com disciplinas básicas relativas ao curso, como Português, matemática (2º grau) antes de matemática financeira, inglês, Redação para o auxilio da elaboração das pesquisas, entre outras referentes ao curso, • Introduzir o hábito da leitura através de pesquisa e trabalhos em grupos, • Explorar o relato e troca de experiência entre os alunos dado que muitos já tem + de 10 anos de experiência, • Incentivar a pós graduação ou o ensino continuado através de descontos e bolsas para exalunos, • Criar cursos de línguas e informática em horários vagos ou sábados a preços acessíveis, • Manter cursos de extensão a preços acessíveis para enriquecimento da formação. CONCLUSÃO Baseado no painel mostrado acima tentamos discutir o panorama da Educação nas Universidades particulares e o novo papel da universidade que deve integrar e transformar. Esta escola, chamada transformadora, tem consciência de seu papel político e por isso compromete-se com a luta contra as desigualdades sociais, procurando garantir ás classes sociais populares a aquisição de conhecimento e competências que as instrumentalizem para atuar na transformação da sociedade. (SOARES,1992; VEIGA,1995) Centrado no tripé: necessidade da formação (diploma), deficiências do aluno/ evasão e o novo papel da universidade privada buscamos alternativas de ações que minimizem estes efeitos. Quanto as ações propostas acima temos que coloca-las em discussão e promover debates sobre as propostas introduzindo um espaço transformador dentro da Universidade privada. Principais pontos argumentados: • • A utilização de carga horária progressiva, pois baseado no público que ingressará comumente na universidade uma carga horária menor no primeiro período fariam com que o processo de adaptação do aluno seja minimizado e as formas e horários de estudo definidos para sua interação na universidade. O segundo período teria uma carga horária um pouco maior e assim sucessivamente. A ênfase na pesquisa contribui no sentido de auxiliar os alunos na construção do conhecimento, no exercício da aprendizagem e na exploração e nos relatos de experiência Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 1-8, jan./fev./mar. 2003 6 Ana Paula Morgado Carneiro - José Antônio Gameiro Salles • • e em desenvolvimento de habilidades de apresentação, introduzir o hábito de leitura e incentivar o debate dos assuntos criando um ambiente de aprendizado. Introduzir no conteúdo do curso disciplinas que visam reciclar os alunos com disciplinas básicas relativas ao curso, como Português, matemática (2º grau) antes de matemática financeira, inglês, Redação para o auxilio da elaboração das pesquisas, entre outras referentes ao curso. Incentivar a pós graduação ou o ensino continuado (curso de extensão) através de descontos e bolsas para ex-alunos para enriquecimento da formação, criando cursos de línguas e informática em horários vagos ou sábados a preços acessíveis, valorizando seus currículos e realizando seu papel de construção do conhecimento auxiliando na inserção do mercado de trabalho minimizando as deficiências apresentadas ao longo do período e igualando as condições. Algumas das ações propostas já são realizadas na universidade privada, mas não como disciplina eletiva mas como extensão opcional para o aluno, que sem consciência mercado real entre outros pontos já discutidos não se dispõe em cursa-las. A obrigatoriedade tanto das disciplinas básicas, embora o ajuste seja no inicio da formação, temos um GAP para ajustar que não pode ser deixado para trás e estas disciplinas estariam obrigatórias no seu currículo. Quanto a evasão, ele se dá, na maioria das vezes pelas dificuldades encontradas do que pela desistência propriamente dita ou o simples ato de desistir, os casos acompanhados em outra experiência se dão por alunos que repetidas vezes não são aprovados em alguma disciplina por dificuldades em matemática e portanto gera a evasão. A conclusão deste trabalho nos leva a crer que deve haver um comprometimento e honestidade com o objeto de estudo (aluno) que deposita suas esperanças em seu curso em busca de uma ascensão, geralmente de baixa renda e sem muita cultura e leitura ainda acredita no “poder” do diploma. O Comprometimento permeia a questão da empregabilidade e sua preparação durante os anos que ele está na instituição, não como garantia de emprego mas como garantia de formação adequada ao perfil do mercado e com o ato de minimizar suas deficiências ao longo dos anos. Garantindo a universidade o papel realmente transformador que a escola merece ter, que hoje em dia muitas vezes realiza somente a “venda” do diploma através do pagamento de matriculas e presença em sala de aula, aumentando o numero de desempregados de nível superior, desvalorizando as classes e fazendo todo um povo desacreditar na educação como fator primordial de todo nosso desenvolvimento. BIBLIOGRAFIA VEIGA, Ilma P.A. Escola Fundamental e currículo. - CARDOSO, Maria Helena F. (orgs). Escola Fundamental: Curriculo e ensino. 2ª Ed. Campinas: Papirus, p. 77-95,1995 ROMAO, Jose Eustaquio. O ensino municipalizdo e a sociedade tecnologica: Novo desafio da tecnologia educacional. Tecnologia educacional. 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O propósito deste artigo é analisar a percepção dos alunos sobre alguns atributos dos serviços oferecidos pela instituição de ensino superior em que os mesmos estudam. Neste estudo de caso verificou-se a preocupação da instituição pesquisada em utilizar mecanismos efetivos para medir o grau de satisfação de seus alunos, ainda que os resultados obtidos estejam longe de serem considerados como ideais. Palavras-chave: Qualidade em serviços, satisfação dos clientes, competitividade. Abstract The customer orientation is not a recent philosophy in marketing. However, some economic sectors are not sensitive to such tends yet, mainly in Brazil. Nowadays, the quality-marketing integration has become concrete in Customer Satisfaction Measurement Models, scarcely used in Brazil. The purpose of this paper is to analyze the perception of students about some attributes of the services offered by the institution that they are studying. In this case study was verified the concern of the institution researched in practicing effective mechanisms for mensuration of the level of its students' satisfaction, even so the obtained results are far away from they be considered as ideals. * Doutorando em Engenharia de Produção pela UNIMEP; mestre em Engenharia de Produção pela Universidade do Minho, Bra-ga, Portugal; administrador de empresas; professor da UNISA. [email protected] ** Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção – FEMP – UNIMEP campus Santa Bar-bara d´Oeste. [email protected] *** Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção - FEMP – UNIMEP campus Santa Bar-bara d´Oeste. [email protected] Key Words: Quality service, customer satisfaction, competitiveness. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 9-18, jan./fev./mar. 2003 Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio Pires 1. INTRODUÇÃO Sabe-se que o segredo do marketing de serviços é a qualidade. O cliente sempre avalia o serviço pelo desempenho daquele que oferece ou realiza tal serviço. A percepção do desempenho varia conforme os atributos do referido serviço, e dela depende a competitividade das organizações. De acordo com Tachizawa & Andrade (1999), o surgimento de uma nova forma de competição é a característica atual do ambiente global, não apenas em função dos concorrentes conhecidos nos mercados tradicionais, mas também a partir da desintegração de barreiras de acesso a mercados anteriormente isolados e protegidos. Atualmente, a competição surge de qualquer lugar, significando que as organizações, entre elas as Instituições de Ensino Superior (IES), não podem mais se sentir excessivamente confiantes com as participações conquistadas no mercado. A discussão sobre os caminhos a serem seguidos pelo ensino superior no Brasil tornou-se uma constante no meio acadêmico e para a sociedade como um todo. A introdução de novos modelos, como, por exemplo, o ensino à distância, gera a necessidade de uma nova visão, calcada na qualidade do ensino e do seu produto, o aluno formado ou serviços prestados à comunidade Assim, torna-se necessária à busca constante e permanente da melhoria da qualidade do processo de ensinoaprendizagem, de forma a atrair e reter alunos, evitando problemas econômicos e financeiros decorrentes de um alto índice de evasão escolar. Para ser bem sucedida, uma instituição educacional deve lidar eficazmente com seus públicos e alunos, procurando gerar um alto nível de satisfação. Segundo Kotler & Fox (1994), a maioria das instituições de ensino não corresponde às expectativas, por não estarem preocupadas com assuntos relativos à satisfação de seus consumidores, principalmente seus alunos. O trabalho de pesquisa realizado pode ser considerado como relevante pelo fato de que a instituição pesquisada não realizou nenhuma avaliação com estas características, desde que o curso de graduação em Administração foi autorizado em 1985. Por este motivo, torna-se necessário este tipo de estudo já que o mesmo poderá auxiliar a IES na identificação de uma grande parte dos problemas advindos do seu funcionamento. Nesse estudo de caso pretendeuse verificar o nível de satisfação dos alunos regularmente matriculados no curso de Administração de uma Instituição de Ensino Superior (IES) privada, partindo-se da premissa básica de que é menos provável que alunos satisfeitos abandonem o curso, desconsiderandose o aspecto financeiro nessa avaliação. Espera-se também que a IES pesquisada consiga, com os subsídios fornecidos, aprimorar a qualidade do serviço prestado aos seus clientes, alunos e comunidade, obtendo com isto, um melhor posicionamento no seu segmento de atuação, a educação superior. Complementarmente, coloca-se à disposição da IES, a ferramenta de avaliação desenvolvida, que conforme Isquierdo & Tirasos (1994) ao ser introduzida e utilizada, mostra-se necessária para revelar o clima e as condições organizacionais vigentes. 2. REFERENCIAL TEÓRICO Segundo Behara & Gundersen (2001), as teorias, conceitos e modelos adotadas pelas empresas prestadoras de serviços nas iniciativas de gestão da qualidade, têm por base as idéias originais de Deming, Juran e outros especialistas em qualidade. Ainda segundo os mesmos autores, alguns estudos foram desenvolvidos em contextos específicos do setor de serviços, como em hospitais, educação e hotéis. A importância deste setor na economia assume um papel relevante na atualidade, o que pode ser verificado através dos dados fornecidos por Miguel (2001) sobre um censo realizado nos EUA, indicando o mesmo que de cada 100 (cem) pessoas, 75 (setenta e cinco) estão empregadas em organizações de serviços. Garvin (1987) propõe oito dimensões críticas ou categorias de qualidade que podem servir como um modelo para análise estratégica: desempenho (performance), características 10 Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 9-18, jan./fev./mar. 2003 Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio Pires (features), confiabilidade (reliability), durabilidade (durability), conformidade (conformance), serviço (serviceability), estética (aesthetics) e qualidade percebida (perceived quality). Algumas delas reforçam-se mutuamente, outras não. Um produto ou serviço pode destacar-se numa das dimensões de qualidade e ser insuficiente em outra. Uma melhoria alcançada numa das dimensões pode significar aumento em outra. Ainda segundo o autor, este é o desafio do gerenciamento estratégico da qualidade, a seleção adequada das dimensões para aumento da competitividade. Uma revisão bibliográfica mais detalhada sobre qualidade em serviços permite verificar que a grande maioria dos autores referencia-se fortemente nos trabalhos de Leonard L. Berry, A. Parasuraman e Valerie A. Zeithaml. O modelo SERVQUAL proposto em Parasuraman, Zeithaml & Berry (1988), mede as expectativas e percepções dos clientes por um serviço de qualidade. A diferença entre a percepção e a expectativa da qualidade do serviço fornece uma pontuação, numa escala Likert de sete pontos, de dez fatores ou dimensões genéricas, que contribuem para o nível da qualidade do serviço que uma empresa oferece a seus clientes. As dimensões propostas são: tangibilidade, confiabilidade, receptividade, competência, cortesia, credibilidade, segurança, acesso, comunicação e compreensão a respeito do cliente. Gupta & Chen (1995) utilizaram este modelo para coletar dados de três tipos de serviços distintos e analisar o desempenho apresentado pelas empresas pesquisadas. Os clientes (ou consumidores) avaliam a qualidade do serviço comparando o que desejam ou esperam com aquilo que obtêm. Portanto, é importante que a organização saiba não só administrar as expectativas de seus clientes em relação aos serviços oferecidos, mas também superar tais expectativas. Existe uma diferença entre aquilo que os clientes acreditam que ocorrerá quando se deparam com o serviço (previsões) e aquilo que desejam que ocorra (desejos). Um estudo de Berry & Parasuraman (1992) analisa os dois níveis de expectativa dos clientes: um desejado e outro adequado. O nível de serviço desejado é um misto do que o cliente acredita que pode ser com o que deveria ser. Existe uma zona de tolerância entre os dois níveis, constituindo o âmbito do desempenho do serviço que o cliente considera satisfatório. Um desempenho abaixo da zona de tolerância gera frustração no cliente e reduz a sua lealdade. Acima da zona de tolerância, o desempenho causará uma surpresa agradável aos clientes, reforçando sua lealdade. Assegurar que as promessas de serviço feitas pela organização reflitam a realidade, significa que as mesmas somente serão cumpridas se estiverem completamente dentro do controle da administração ou gerência da organização. Para isto, é necessário o desenvolvimento de mecanismos de monitoramento e controle das necessidades e desejos dos clientes. 3. METODOLOGIA DA PESQUISA Utilizou-se uma pesquisa exploratória, pois de acordo com Gil (1991) este tipo de pesquisa visa proporcionar maior familiaridade com o problema, possibilitando o aprimoramento de idéias ou a descoberta de fatos novos, no caso em questão, a identificação do grau de satisfação dos alunos com a instituição em que estudam. Foi conduzida através de um estudo de caso único, de maneira que fosse possível um amplo e detalhado conhecimento da mesma. Segundo Yin (2001), “o estudo de caso deve ser a estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos contemporâneos, quando não se pode manipular comportamentos relevantes”. Nesse sentido, o estudo de caso não representa uma “amostragem”, e o objetivo do pesquisador é expandir e generalizar teorias, é fazer uma análise “generalizante” e não “particularizante” (Lipset, Trow & Coleman apud Yin, 2001). Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 9-18, jan./fev./mar. 2003 11 Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio Pires Para mensuração da satisfação, foi desenvolvido um instrumento de coleta de dados de questões fechadas e com respostas formando escalas, na qual o respondente (aluno) mostrou a intensidade do seu grau de satisfação e de concordância com o desempenho do curso. Foi escolhida a escala Likert de diferencial semântico, com o seguinte grau de intensidade: 1muito insatisfeito, 2-insatisfeito, 3-indiferente, 4-satisfeito e 5-muito satisfeito. As questões foram elaboradas tendo como referência o Manual de Avaliação do Curso de Administração, publicado pelo MEC/INEP (2002) e utilizado como referência nos processos de avaliação das condições de ensino das instituições de educação superior no Brasil. Foram construídos dois blocos de questões, a saber: • • Bloco I – Avaliação do curso e da infraestrutura de apoio (atividades didáticopedagógicas, biblioteca, laboratórios de apoio e secretaria), perfazendo um total de 33 (trinta e três) questões; Bloco II – Corpo docente e coordenação do curso, perfazendo um total de 18 (dezoito) questões. O questionário elaborado foi aplicado durante o mês de maio de 2002 nas turmas dos 1°, 2 , 3° e 4° anos. Foram distribuídos exemplares do mesmo para todo o corpo discente presente na data agendada para a aplicação, sendo informado que o preenchimento e a devolução não eram obrigatórios, bem como a identificação pessoal no documento. Tal procedimento objetivou buscar a participação e contribuição espontânea dos alunos, o que foi conseguido satisfatoriamente, pois dos 253 (duzentos e cinqüenta e três) alunos elegíveis matriculados no ano de 2002, houve uma participação voluntária de 103 (cento e três) alunos, segundo a distribuição apresentada na tabela 1. ° Tabela 1 – Participação dos alunos respondentes na pesquisa ALUNOS MATRICULADOS NA ALUNOS PARTICIPAÇÃO GRADUAÇÃO EM 2002 RESPONDENTES NA AVALIAÇÃO 61 31 51% 1a SÉRIE 77 20 26% 2a SÉRIE 54 30 56% 3a SÉRIE 61 22 36% 4a SÉRIE TOTAL 253 103 41% Apesar da não existência de um outro referencial para comparação, por ser a mesma, a primeira pesquisa realizada na IES, pode-se considerar como satisfatória a participação do corpo discente. A expectativa é de que, com a sistematização da avaliação e a implementação das ações decorrentes da mesma, exista um maior interesse por parte do corpo discente em participar mais efetivamente do processo avaliatório. 4. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA IES PESQUISADA A IES pesquisada, doravante denominada Faculdade Beta, está localizada na região sul do município de São Paulo, próxima a dois grandes centros empresariais do bairro de Santo Amaro. Teve o curso de graduação em Administração autorizado em 1985 e reconhecido pelo Ministério de Educação em 1989, com a formatura da primeira turma de alunos. Funciona o mesmo em regime seriado anual e com processo seletivo único, aberto nos meses de novembro, dezembro e janeiro.Tem 305 (trezentos e cinco) alunos matriculados no ano de 2002, sendo 253 (duzentos e cinqüenta e três) na graduação e 52 (cinqüenta e dois) Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 9-18, jan./fev./mar. 2003 12 Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio Pires alunos em cursos de pós-graduação. Possui outros campi, sendo dois no estado de São Paulo e um no estado do Paraná. Como uma grande parte das IES privadas no estado de São Paulo, a Faculdade Beta vem apresentando uma queda contínua no número de candidatos inscritos no seu processo seletivo para o curso de graduação e no de alunos matriculados para o início do ano letivo, como pode ser verificado nas relações candidato/vaga e matriculado/vaga dos últimos 6 (seis) anos, apresentada na tabela 2. Tabela 2 – Dados do processo seletivo e de matrícula – Faculdade Beta CANDIDATOS VAGAS N° DE RELAÇÃO VESTIBULAR OFERECIDAS MATRÍCULAS (1/2) (1) (2) (3) 142 140 97 1,01 147 140 111 1,05 147 140 110 1,05 123 140 107 0,88 160 140 121 1,14 155 120 104 1,29 ANO 2001 2000 1999 1998 1997 1996 RELAÇÃO (3/2) 0,69 0,79 0,79 0,76 0,86 0,74 Ao comparar-se os dados da tabela 2 com os obtidos junto ao Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo – SEMESP (2002), verifica-se que a relação candidato/vaga está muito aquém da média do setor privado, que é de 1,92 candidatos/vaga. O quadro é agravado quando se verifica que, dos candidatos participantes do processo seletivo em 2001, matricularam-se somente cerca de 70%, índice este que se repete também nos demais anos. Com relação ao índice de inadimplência, indicador que mostra o percentual de alunos que não cumprem em dia as suas obrigações financeiras, obteve-se os seguintes resultados nos últimos 5 (cinco) anos: 2001 = 11%, 2000 = 13%, 1999 = 15%, 1998 = 18% e 1997 = 17%. Não foi possível uma comparação oficial com outras IES, pois segundo posicionamento do SEMESP, este dado não é disponibilizado pelos associados, que o consideram sigiloso. No entanto, sabe-se informalmente que este índice oscila entre 20% e 25% para uma grande parte das IES privadas em São Paulo. Observa-se então, que a inadimplência, o grande pavor das instituições, encontra-se dentro da normalidade na Faculdade Beta, fato este assim considerado pela direção da IES. Outra informação relevante, que pode subsidiar uma análise mais apurada quanto ao desempenho do curso de Administração da Faculdade Beta, diz respeito à evasão de alunos, que é mostrada na tabela 3 para os últimos 5 (cinco) anos. Tabela 3 – Evasão de alunos por série – Faculdade Beta Ano 1997 1998 1999 2000 2001 1° 100 93 7% 107 76 29% 110 91 17% 104 81 22% 97 84 13% 2° 64 61 5% 85 70 18% 68 60 12% 83 74 11% 65 65 0% 3° 56 56 0% 57 51 11% 68 63 7% 68 68 0% 65 62 5% 4° 57 57 0% 54 54 0% 52 50 4% 71 70 1% 56 56 0% Total 277 267 4% 303 251 17% 298 264 12% 326 293 10% 283 267 6% I F V I F V I F V I F V I F V Legenda: I = Início do período letivo F = Fim do período letivo V = Variação percentual Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 9-18, jan./fev./mar. 2003 13 Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio Pires Verifica-se que no ano de 2001, houve uma evasão de 13% dos alunos do 1° ano, percentual este obtido entre os 97 (noventa e sete) alunos que se matricularam no início do período letivo e os 84 (oitenta e quatro) que efetivamente concluíram, com ou sem aprovação, as disciplinas previstas para o 1° ano. Os dados da tabela 3 mostram que a evasão é maior no 1° ano do curso, o que confirma a importância da Faculdade Beta conhecer melhor as necessidades dos seus alunos ingressantes. 5. ANÁLISE DOS RESULTADOS São apresentados neste tópico os resultados da pesquisa através de tabelas, para cada um dos blocos identificados anteriormente. De um modo geral, as questões respondidas nos blocos I e II foram analisadas segundo uma escala de 5 (cinco) pontos em que o valor 1 (muito insatisfeito) expressa a reprovação extrema, enquanto o valor 5 (muito satisfeito) significa a máxima aprovação do item de avaliação ou atributo pelo aluno. Os questionários preenchidos foram analisados, e as questões submetidas a uma análise descritiva. As tabelas construídas apresentam médias das variáveis estudadas, estratificadas pelos grupos de interesse, ou seja, atividades didático-pedagógicas, biblioteca, laboratórios de apoio, secretaria, corpo docente e coordenação do curso. Utilizou-se a média aritmética de dados agrupados como medida de posição para análise do questionário, tendo em vista que as notas atribuídas pelos alunos foram agrupadas numa distribuição de freqüência e ponderadas pelas respectivas freqüências absolutas, adequadas para este tipo de análise segundo Martins & Donaire (1979). 5.1. Bloco I – Avaliação do curso e da infraestrutura de apoio Os alunos responderam neste bloco, sobre os aspectos relacionados com as atividades didático-pedagógicas, biblioteca, laboratórios de apoio e secretaria. Os resultados obtidos são apresentados nas tabelas 4, 5, 6 e 7. Tabela 4 – Atividades didático-pedagógicas ITEM DE AVALIAÇÃO O currículo do curso atende o perfil profissional esperado no projeto pedagógico O curso prepara para o efetivo exercício da profissão O curso é atrativo, no sentido de oferecer integração profissional com a sociedade. Oferece estágio curricular, como complementação da formação acadêmica Oferece participação em atividades de pesquisa e iniciação científica Existe oportunidade de participação em atividades de extensão Oferece oportunidade para atividade de monitoria em disciplinas O curso conta com facilidades de espaço físico para atividades acadêmicas O curso conta com salas de aula adequadas para o ensino superior As instalações são mantidas em condições de limpeza e manutenção adequadas MÉDIA DO GRUPO MÉDIA 3,48 3,32 3,44 3,51 3,02 2,97 2,87 3,37 3,43 3,85 3,33 O grau médio de satisfação das questões relacionadas às atividades didáticopedagógicas indica que os alunos não reconhecem como um diferencial de atratividade do curso os aspectos relacionados ao projeto pedagógico e as formas que a IES possui para aumentar a participação do corpo discente no curso, tais como atividades de extensão, Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 9-18, jan./fev./mar. 2003 14 Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio Pires iniciação científica e monitoria. Por outro lado, as condições de manutenção e limpeza das instalações foram consideradas como satisfatórias. Tabela 5 – Biblioteca ITEM DE AVALIAÇÃO A biblioteca conta com acervo atualizado Existe disponibilidade dos títulos indicados na bibliografia básica O número de exemplares dos títulos é suficiente Os títulos de periódicos existentes são suficientes Apresenta acervo de fitas de vídeo e CD ROM O acesso à Internet é fácil e sempre que necessito O horário de funcionamento é adequado O espaço físico para estudo é adequado Existe um bom atendimento (agilidade e eficiência) pelos funcionários MÉDIA DO GRUPO MÉDIA 3,47 3,63 2,54 3,16 2,81 3,91 3,75 3,67 3,45 3,45 O grau de satisfação médio deste grupo foi influenciado negativamente pelo número insuficiente de livros, fitas de vídeo e CD ROM. Num curso como o de Administração, a disponibilidade dos livros da bibliografia básica é fundamental para que se possa exigir e cobrar um bom desempenho dos alunos, sendo este um dos itens de maior peso na avaliação das condições de ensino realizada pelo Ministério da Educação. Tabela 6 – Laboratórios de apoio ITEM DE AVALIAÇÃO A qualidade dos equipamentos e serviços é compatível com as minhas necessidades A quantidade de equipamentos é suficiente Existe disponibilidade de equipamentos para uso sempre que necessário Os equipamentos existentes têm qualidade O acesso à Internet é adequado O espaço físico disponível é condizente com as necessidades do curso O horário de funcionamento é adequado Existe um bom atendimento por parte dos funcionários MÉDIA DO GRUPO MÉDIA 3,47 3,31 3,55 3,06 3,40 3,33 3,54 4,12 3,47 O destaque neste grupo foi a satisfação demonstrada pelo atendimento dos funcionários no laboratório de apoio, especificamente o de informática. Entretanto, deve a IES preocupar-se em melhorar a qualidade dos equipamentos existentes, pois existe uma tendência de tornarem-se inadequados, segundo avaliação dos alunos. Tabela 7 – Secretaria ITEM DE AVALIAÇÃO As informações fornecidas são precisas e atualizadas Existe agilidade no atendimento Os prazos previstos são cumpridos O local de atendimento é adequado O horário de funcionamento é o ideal É bom o atendimento dos funcionários MÉDIA DO GRUPO MÉDIA 3,52 3,59 3,66 3,86 3,46 3,94 3,67 Neste grupo, é importante ressaltar que o bom atendimento dos funcionários da secretaria e a adequação do local para atendimento podem ser considerados como muito próximos da satisfação. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 9-18, jan./fev./mar. 2003 15 Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio Pires A análise geral do bloco I – avaliação do curso e da infraestrutura de apoio, mostra que a Faculdade Beta deve aprimorar seus mecanismos de integração dos alunos com as atividades extra-classe, mesmo considerando um resultado geral próximo do satisfatório. A implementação de um programa para aquisição de livros, fitas de vídeo e CD ROM é primordial, pois os alunos identificaram que o acervo atual está próximo de ser considerado como insuficiente, podendo comprometer a qualidade do curso. Deve-se salientar que em todos os tópicos pesquisados, destacou-se o item referente ao atendimento dos funcionários, com um grau de satisfação acima da média dos demais. Como uma visão geral deste bloco, conclui-se que as condições atuais oferecidas pela Faculdade Beta são adequadas às expectativas do seu corpo discente, porém cabendo sempre ações para melhoria estrutural do curso. 5.2. Bloco II – Avaliação do desempenho docente Os alunos responderam neste bloco, sobre os aspectos relacionados com o desempenho da coordenação do curso e do corpo docente. Os resultados obtidos são apresentados, respectivamente, nas tabelas 8 e 9. Tabela 8 – Coordenação do curso ITEM DE AVALIAÇÃO Atende as demandas dos alunos sempre que solicitado Participa ativamente na condução do curso, orientando docentes e discentes Promove a integração entre docentes e discentes Tem disponibilidade de horário para atendimento MÉDIA DO GRUPO MÉDIA 3,27 3,17 3,12 3,00 3,14 Na análise deste grupo, verifica-se que o desempenho da coordenação apresenta-se aquém do mínimo necessário, segundo o julgamento do corpo discente. De uma maneira geral, os alunos avaliaram que a presença do coordenador não está agregando valor ao curso. Tabela 9 – Corpo docente ITEM DE AVALIAÇÃO Apresenta o plano de ensino a ser seguido na disciplina Esclarece sobre os objetivos a serem alcançados na disciplina Desenvolve as atividades da disciplina conforme previsto no plano de ensino Promove o relacionamento da disciplina com as demais do curso Expressa com clareza o conteúdo que desenvolve Utiliza bibliografia diversificada, incentivando uma maior freqüência à biblioteca Utiliza recursos didáticos diferenciados (aulas expositivas, seminários, etc) Adota atividades práticas que contribuem significativamente para a aprendizagem Deixa claro quais são os critérios de avaliação para a disciplina Discute o resultado da avaliação e orienta na recuperação dos conteúdos deficientes Tem comportamento ético em relação aos demais docentes, aos alunos e a IES Está motivado para o ensino da disciplina É pontual, no início e no término das aulas Exige pontualidade dos alunos MÉDIA DO GRUPO MÉDIA 3,13 3,29 3,17 3,23 3,15 3,39 3,68 3,19 2,70 2,83 3,84 3,36 3,55 3,42 3,28 Alguns dos itens avaliados relativos ao corpo docente apresentam um resultado preocupante, principalmente aqueles relacionados ao sistema de avaliação das disciplinas. Para os alunos, os critérios utilizados para avaliação dos conteúdos ministrados não são colocados claramente pelos docentes, o que certamente deve ocasionar freqüentes Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 9-18, jan./fev./mar. 2003 16 Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio Pires reclamações sobre notas ou conceitos. Da mesma forma, ficou caracterizado que é falho o processo de recuperação das deficiências apresentadas pelos alunos. A análise geral do bloco II – avaliação do desempenho docente, permite a verificação de alguns pontos preocupantes e críticos. A coordenação do curso, de uma maneira geral, está longe de ser adequada às necessidades dos alunos, principalmente pela sua ausência no dia a dia do curso, caracterizada pela falta de horário disponível para atendimento, conforme identificado pelos alunos. Pode-se observar, com maior gravidade, que o processo de avaliação utilizado pela Faculdade Beta necessita de uma reavaliação urgente, pois com certeza, deve ocasionar desmotivação durante todo o curso. Segundo informações obtidas junto à coordenação, foi introduzido um processo de avaliação contínua, que eliminou a sistemática das provas dissertativas tradicionais. Na percepção dos alunos, os docentes encontram dificuldades na operacionalização do novo modelo, o que foi confirmado nas notas atribuídas aos itens que tratavam do sistema de avaliação. Devem ser introduzidas ações específicas de treinamento para os docentes, quanto à nova sistemática adotada. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir desta avaliação piloto, torna-se possível para a Faculdade Beta desenvolver um programa contínuo de avaliação institucional, com a intenção de melhorar o processo educacional, a satisfação dos seus alunos e a qualidade profissional e pessoal do seu egresso. O volume de dados obtidos nesta pesquisa inicial possibilita que a IES consiga aprimorar imediatamente alguns itens considerados como críticos, pois aponta claramente algumas prioridades que devem ser equacionadas pelo seu corpo diretivo. Alguns dos itens do bloco I – atividades didático-pedagógicas avaliados como críticos, já estavam com ações de melhoria em andamento, antes mesmo da conclusão desta pesquisa, como por exemplo a aquisição de um maior número de exemplares dos livros indicados na bibliografia básica das disciplinas e também de fitas de vídeo específicas para o curso. Segundo a direção da Faculdade Beta, objetivando sanar alguns dos itens mais críticos no bloco II – avaliação do desempenho docente, estão previstas algumas medidas para o ano de 2003, como o aumento da dedicação do coordenador ao curso, representando efetivamente que ele terá para coordenação 20 (vinte) horas aula semanais, ao invés das 10 (dez) horas aula atuais. Outro ponto relevante identificado, diz respeito ao sistema de avaliação utilizado, que é insatisfatório segundo os aluno, e que deve ser objeto de discussão nas próximas reuniões do colegiado do curso. Finalizando, o presente texto teve como objetivo apresentar um estudo de caso sobre a satisfação de alunos numa instituição de ensino superior. Apesar da sua importância central, a mesma não é simples de ser mensurada, considerando-se que alunos diferem em termos de quais características da IES estão relacionadas a sua satisfação, e quanto cada uma delas eles sentem que é essencial. O fato é que levantamentos periódicos, pelos menos semestrais, deverão ser praticados de forma a ter-se um diagnóstico mais preciso da situação. As questões desenvolvidas neste estudo devem ser replicadas para outras instituições a fim de que ajustes sejam feitos e, que as mesmas possam originar um modelo avaliativo da satisfação de alunos em instituições de ensino superior, possibilitando um monitoramento adequado das mesmas, na busca pela qualidade do ensino superior no Brasil. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 9-18, jan./fev./mar. 2003 17 Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio Pires REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. BEHARA, R. S., GUNDERSEN, D. E. Analysis of quality management practices in services. International Journal of Quality & Reliability, v.18, n.6, p.584-603, 2001. BERRY, L. L., PARASURAMAN, A. Serviços de marketing: competindo através da qualidade. São Paulo: Maltese-Norma, 1992. GARVIN, D. Competing on the eight dimensions of quality. Harvard Business Review, p.101-109, nov./dec. 1987. 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Assim, foi analisada a correlação entre várias competências para se estabelecer àquelas que mais influenciam os dirigentes, empregados e consumidores. Foram também, identificadas as competências emergentes que deverião ser essenciais para o segmento, no futuro. A amostra foi de 39 dirigentes, 129 empregados e 279 consumidores. Foram usadas estatísticas descritivas, análise de variáveis, comparação entre as médias e análises qualitativas. Nós identificamos 35 competências relevantes para descrever a qualidade dos serviços e 14 competências emergentes. O estudo revelou a necessidade de novos investimentos para capacitar o capital humano nas funções dos supermercados tendo um guia de produtos e serviços, para atender melhor os clientes. No final, são feitas recomendações para novas pesquisas acadêmicas e organizacionais. Palavras-chaves: Competências essenciais, conhecimento e Habilidades. ABSTRACT This article has an objective to identify based on perception of managers, employees and customers which competencies are relevant to achieve competitiveness that should be inserted in the supermarket field in the city of Manaus. So, was tried to analyze the correlation with several competencies, likewise to establish variables that perform bigger influence on managers, employees and customers’ perceptions. It was also, to identify emergent competencies that will be essential to the segment, in the future. The sample was taken from thirty-one managers, one hundred and twenty-nine employees and two hundred and seventy-eight supermarket customers. It as used the descriptive analysis, variables analysis, comparison analysis between averages and qualitative data analysis. It was identified thirty-five relevant competencies to give a quality service and fourteen emergent competencies. The study revealed the necessity of new investments to improve the human capital in the supermarket employees will be a product and service guide, going to play a role nearest the client. In the end, are made recommendations to do new researches on academic areas and organizational. Key-words: Core competencies, know-ledge, abilit y. * Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas – CIESA ** UFSC e Universidade de Passo Fundo Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto 1. Introdução A evolução tecnológica e o movimento de fusões e aquisições observadas nos últimos tempos introduziram novos conceitos e mudaram comportamento nos mais variados setores da economia. No setor supermercadista não foi diferente, prova maior é o processo constante pelo qual o segmento vem passando no Brasil e no resto do mundo. Os modelos estratégicos multiplicaram-se nos últimos anos, Prahalad e Hamel (1990) argumentam que em vez de concentrar nas condições do setor, os estrategistas deveriam concentrar-se nas competências essenciais de suas empresas e utilizar as habilidades, os processos e as tecnologias para criar vantagem competitiva sustentável em sua cadeia de valor. Desenvolvendo e mantendo as competências essenciais é a maneira pela qual os dirigentes conseguirão sustentar as vantagens competitivas de suas organizações. A arquitetura estratégica possibilita aos gestores a identificação das atuais competências essenciais e daquelas que necessitam de desenvolvimento. As competências essenciais se situam no cerne do processo de alavancagem e de criação de novas oportunidades de negócios. Com efeito, as perspectivas gerenciais das organizações, inseridas neste setor, tem sido de adaptar-se aos novos cenários, para acompanhar as transformações ocorridas no ambiente, ou seja, implementar ações que se coadunem às novas realidades. Significativas mudanças nas estratégias dessas organizações vem acontecendo, vez que são vistas como questão crucial para a sobrevivência organizacional. Os supermercados no Brasil cresceram em importância na distribuição de produtos nos últimos anos. Contudo, a margem de lucro sobre as vendas é relativamente baixa e tem sido cada vez mais pressionada por uma crescente concorrência. Nunca o setor supermercadista brasileiro passou por transformações tão intensas e radicais quanto nos últimos cinco anos, com direções, amplitudes e conseqüências que ainda vem sendo sentidas enormemente pelos empresários do setor. O impacto na gestão dos negócios dos supermercados teve origem no ingresso das multinacionais que sacudiram o mercado brasileiro, na revolução de métodos e conceitos operacionais e no surgimento de novas e revolucionárias tecnologias. No entanto, a mais importante mudança ocorrida foi no perfil do consumidor brasileiro, que passou a ser mais exigente, questionador e nada fiel. O presente estudo pretende então, determinar as competências essenciais do setor supermercadista na cidade de Manaus, para a busca da competitividade. Portanto, estudar a percepção de gestores, funcionários e clientes acerca das competências essenciais relevantes para o atingimento da competitividade empresarial, é o maior desfio que este estudo propõese a pesquisar. 2. Competências organizacionais Desenvolver as competências essenciais pode proporcionar à organização um diferencial competitivo, possibilitando o surgimento de novas oportunidades no mundo dos negócios. As organizações que implementam suas estratégias com base nas competências essenciais ou capacidades únicas pode iniciar o seu processo estratégico reconhecendo suas capacidades e competências críticas a partir de uma perspectiva interna dos processos de negócio, considerando a expectativa dos clientes, selecionando segmentos de mercado e consumidores, nas quais as competências podem oferecer maior valor agregado. Os artigos de Prahalad e Hamel (1990) sobre as core competences da empresa despertaram interesses nos meios acadêmicos e empresariais do mundo inteiro. Todo e qualquer empresário busca as famosas vantagens competitivas que o posicione a frente de Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 20 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto seus rivais e sejam difíceis ou até mesmo impossível de se imitar..., o processo requer uma nova maneira de pensar, um certo “desaprendizado” e uma readaptação por parte dos dirigentes da organização, Prahalad (1997). As competências organizacionais estão formadas pelo conjunto de conhecimentos, habilidades, tecnologias e comportamentos que uma organização possui e consegue manifestar de forma integrada na sua atuação, causando impacto no seu desempenho e contribuindo para os resultados. Prahalad e Hamel apud Brandão (1999) trabalham o conceito no âmbito organizacional, referindo-se à competência como um conjunto de conhecimentos, habilidades, tecnologias, sistemas físicos, gerenciais e valores que geram um diferencial competitivo para a organização. Para esses autores, competências essenciais nas empresas são aquelas que atribuem vantagem competitiva, criam valor percebido pelos clientes e são difíceis de ser imitadas pela concorrência. Zarifian (1999), compartilhando o pensamento de outros autores, sustenta que não se deve desprezar a dimensão de equipe no processo produtivo. Le Boterf (1999) argumenta que a competência conjunta de uma equipe de trabalho é uma propriedade que emerge da articulação e da sinergia entre as competências individuais de seus membros. Durand (1999) também adverte neste sentido ao citar que crenças e valores compartilhados no âmbito do grupo influenciam a conduta e a performance de seus integrantes. Nisembaum (2000) classifica as competências organizacionais em: Competências Básicas – são os pré-requisitos que a empresa precisa ter para administrar com eficácia o negócio. Significam as condições necessárias, porém insuficientes, para que a organização atinja liderança e vantagem competitiva no mercado; Competências Essenciais – são aquelas que possui valor percebido pelo cliente, não podem ser facilmente imitada pelos concorrentes e contribui para a capacidade de expansão da organização. O objetivo, maior, de identificar as competências essenciais na organização é por possibilitar o direcionamento do foco para aquelas situadas no centro, contribuindo, sobremaneira, para o sucesso empresarial de longo prazo. A grande vantagem de se trabalhar o conceito de competências é que ele permite direcionar a atenção, concentrar forças no que é fundamental para que a organização consiga os seus objetivos operacionais e estratégicos. Quadro 2.1 – Algumas empresas nacionais e multinacionais e suas competências. Ticket Restaurante A gestão de relacionamento com o mercado; TAM A gestão de serviço e sua capacidade de renovar-se e estabelecer alianças estratégicas; FIAT Gestão da inovação ou seja a capacidade de antecipar as necessidades de mercado e inovar com produtos; Sony A miniaturização, harmonizando múltiplas tecnologias; AT & T A gestão em redes; Apple A amistosidade com o usuário; Matsushita A fabricação em grandes volumes, a Organização é notável na fabricação dos produtos; Canon A miniaturização e a mecatrônica. A Canon sabe criar e fabricar bem pequenos dispositivos eletromecânicos complexos; Honda A competência em motores. Os múltiplos negócios da organização dependem de sua competência em motores. Fonte: Pesquisa do Autor (2000). Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 21 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto Cabe destaque às empresas nacionais e multinacionais cujas as competências tem valor percebido pelo cliente, contribui a diferenciação entre concorrentes e aumenta a capacidade de expansão, conforme demonstra o Quadro 2.1. Para melhor visualização, a Figura 2.1 ilustra um exemplo de alavancagem das competências essenciais na Honda. Na visão de Liam Fahey et al. (2000) “a chave para o entendimento do significado de competência é que, embora incorpore um componente tecnológico, ela também envolve o processo de governança no âmbito da organização ( a qualidade dos relacionamentos entre as funções dentro de uma unidade de negócios ou entre as unidades de negócios de uma empresa de muitos negócios), e o aprendizado coletivo entre os níveis, funções e unidades de negócios. É possível formular o conceito de competência da seguinte forma: “Competência = ( Tecnologia X Processo de Governança X Aprendizado Coletivo)”. As competências essenciais envolvem a incorporação criativa de múltiplas tecnologias, o conhecimento das preferências do cliente, as tendências de mercado e a capacidade para gerir todas essas variáveis de forma harmoniosa. Figura 2.1 – Alavancagem das competências essenciais. HONDA Motores de Popa Motocultivadores Motor Cortadores de Removedores de Neve Motocicletas Veículos para Neve Automóveis Fonte: Liam Fahey et al. (2000) 3. Um estudo do setor supermercadista: aspectos metodológicos Com base nas proposições de Vergara (1998), esta pesquisa é classificada sob dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios de investigação. Outra classificação utilizada, é quanto a natureza das variáveis estudadas, postulada por Kirk e Miller apud Mattar (1996). No que tange aos fins, a pesquisa é considerada exploratória, descritiva e aplicada. Exploratória porque não há registros de conhecimentos sobre as competências essenciais no setor supermercadista de Manaus. Apesar das freqüentes pesquisas realizadas pelo setor, nenhuma levou em consideração a identificação das competências essenciais na busca da competitividade. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 22 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto Considera-se descritiva, à medida que alcança a obtenção e exposição de dados representativos de determinada situação ou fenômeno. A pesquisa, neste caso, descreve as percepções de gestores, funcionários e clientes dos supermercados da cidade de Manaus, referentes as competências essenciais para o atingimento da competitividade. Classifica-se, também, como aplicada, por seu caráter prático e pela necessidade de resolver problemas reais, podendo auxiliar as empresas do segmento em processos de recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento e, desempenho das diversas áreas. Quanto aos meios de investigação, esta pesquisa é bibliográfica e de campo. Bibliográfica por incorporar uma revisão de literatura sobre o tema, isto é , a coleta e análise de dados para subsidiar teoricamente, este trabalho, foram feitas através de livros, artigos científicos, revistas especializadas, teses, dissertações, anais de congressos e periódicos. A presente pesquisa é também de campo uma vez que se realizou uma investigação empírica junto a gestores, funcionários e clientes dos supermercados, para obter dados sobre os aspectos perceptíveis a respeito das competências essenciais na busca da competitividade. Por fim, quanto à natureza das variáveis esta pesquisa classifica-se como quali-quantitativa. Quantitativa pela coleta de dados junto a um número significativo de pessoas, através de questionários estruturados e escalas de avaliação. Qualitativa pois foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com gestores, funcionários e clientes dos supermercados, onde os entrevistados tiveram a oportunidade de expor suas idéias, pensamentos, descrições de situações e comportamentos. Para a realização deste trabalho, a população investigada restringiu-se a gestores, funcionários e clientes. Considerando as dificuldades de abordagens a gestores e funcionários do setor supermercadista, adotou-se para esses segmentos o critério de acessibilidade, Mattar (1999). Com base no exposto, a população de gestores e funcionários foi identificada pelo critério de acessibilidade e disponibilidade do setor, trabalhando com margem zero de erros, configurouse em: 31 gestores e 129 funcionários. Para cálculo da amostra de clientes, empregou-se a seguinte fórmula: n = (N x no) / (N + no), considerando uma população de 450.000 e um erro de 6%, resultando numa amostra de 278 clientes. 4. Levantamentos preliminares Como não há conhecimento acumulado e sistematizado acerca das competências essenciais no setor supermercadista, decidiu-se pela construção de questionários para medir a percepção de gestores, funcionários e clientes do setor a respeito das competências relevantes na busca da competitividade do setor. Para a elaboração desses questionários realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre a trajetória e as principais tendências do setor supermercadista, bem como estudos sobre a identificação das competências essenciais para outros setores e finalidades específicas. Foram utilizadas bibliotecas públicas e privadas, no país e no exterior com auxílio da Internet e de bases de dados científicas, como a COMUT do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT. Além disso, o pesquisador optou por realizar uma pesquisa preliminar na qual entrevistou especialistas do setor notadamente das entidades de classe e do escritório de representação da Revista SuperHiper na cidade do Rio de Janeiro, para colher subsídios para a construção dos questionários. Essa investigação teve como objetivo principal identificar, num primeiro momento, as competências relevantes ao atingimento da competitividade no setor supermercadista. Nessa pesquisa preliminar, foram, também, realizadas 25 entrevistas semi-estruturadas e individuais, para coleta de dados junto a funcionários de diversos níveis hierárquicos dos Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 23 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto supermercados em Manaus. Foram entrevistados diretores, superintendentes, gerentes, supervisores, caixas e atendentes, identificados por critérios de acessibilidade. Nesta etapa, considerou-se desnecessário a participação de clientes, uma vez que os dados coletados nessa pesquisa preliminar seriam submetidos posteriormente a eles, tanto nas entrevistas de validação semântica dos questionários, quanto na aplicação dos questionários em campo. As entrevistas a funcionários foram realizadas em janeiro de 2001, com duração média de 20 minutos cada. De acordo com o que preceituam Richardson et al. (1999), as respostas foram analisadas, visando descrever de forma clara, sistemática e quantitativa as competências apontadas pelos entrevistados como relevantes ao atingimento da competitividade bem como aquelas cuja relevância foi considerada emergente. Richardson et al. (1999), observam que nas investigações dessa natureza o número de menções realizadas a respeito de determinado item é um indicativo da sua importância. Na abordagem conhecimentos emergentes, o item “conhecer as rotinas do setor” foi mencionado por 64% dos entrevistados, na abordagem habilidades emergentes o item “ser capaz de manter o equilíbrio emocional” representou 72% e na abordagem atitudes emergentes o item “demonstrar tranqüilidade nos serviços” obteve 20% de indicação pelos entrevistados. Fundamentado na pesquisa bibliográfica e nas entrevistas, foi possível identificar 14 competências que possuem relevância emergente. O Quadro 4.1 descreve essas competências em termos de conhecimentos, habilidades e atitudes, assim como a freqüência que foram mencionadas nas entrevistas. Além das 14 competências emergentes, foram identificadas 35 competências consideradas relevantes a competitividade do setor, as quais fundamentaram a construção dos questionários. Quadro 4.1 – Matriz de competências emergentes para os gestores e funcionários do setor supermercadista de Manaus (resultado do levantamento preliminar de dados). CONHECIMENTOS EMERGENTES 1. Conhecer as rotinas do setor 2. Conhecer princípios de economia 3. Conhecer tecnologia do setor 4. Conhecer técnicas de marketing 5. Conhecer métodos avançados comercialização de HABILIDADES EMERGENTES 6. 7. 8. 9. 10. 11. Ser capaz de manter equilíbrio emocional Saber conquistar o cliente Saber fazer negócios inteligentes Saber ser observador Ser capaz de identificar riscos no negócio Saber trabalhar em grupo ATITUDES EMERGENTES 12. Demonstrar tranqüilidade nos serviços 13. Demonstrar interesse em crescer profissionalmente 14. Demonstrar empatia ao cliente Fonte: Revisão de literatura e conteúdo das entrevistas (2001). FREQÜÊNCIA ABSOLUTA 16 13 06 05 04 FREQÜÊNCIA RELATIVA 64,00% 52,00% 24,00% 20,00% 16,00% FREQÜÊNCIA ABSOLUTA 18 17 07 07 06 05 FREQÜÊNCIA ABSOLUTA 05 FREQÜÊNCIA RELATIVA 72,00% 68,00% 28,00% 28,00% 24,00% 20,00% FREQÜÊNCIA RELATIVA 20,00% 04 16,00% 03 12,00% O Quadro 4.2 apresenta a descrição das 35 competências, onde foram observadas as recomendações de Mattar (1996), Viegas (1999) e Richardson et al. (1999), quanto a não utilização de frases longas ou com múltiplas idéias, bem como de expressões técnicas, Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 24 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto ambíguas e negativas. Tais recomendações permitem, ao respondente, maior clareza e objetividade quanto à compreensão das expressões utilizadas no instrumento de pesquisa. Baseando-se na hipótese de que o maior número de menções realizadas em torno de uma competência é um indicativo do elevado grau de importância, ressalta-se que, na categoria conhecimentos o item “conhecer produtos e serviços do supermercado” foi mencionado por 60% dos entrevistados, na abordagem habilidades 76% dos entrevistados fizeram menção à capacidade de “utilizar uma forma de comunicação que o cliente entenda”, enquanto que na abordagem atitudes o item “demonstrar elevada produtividade” foi citado por 40% dos entrevistados. Quadro 4.2 – Competências relevantes à competitividade do setor supermercadista de Manaus. Freqüência Absoluta 1. Conhecer produtos e serviços do supermercado. 15 2. Conhecer gostos e preferências do cliente. 14 3. Conhecer princípios de qualidade em serviços. 13 4. Conhecer técnicas modernas de vendas para o setor 12 5. Conhecer princípios de recursos humanos. 09 6. Conhecer as rotinas e processos relativos a sua tarefa. 07 7. Conhecer os fornecedores. 06 8. Conhecer informática. 04 9. Conhecer o mercado do setor. 03 10. Conhecer ferramentas que possibilitem uma melhor 02 11. Conhecer a conjuntura econômica, política e sócio-cultural do país. 02 Freqüência HABILIDADES Absoluta 12. Utilizar uma forma de comunicação que o cliente entenda. 19 13. Ser capaz de identificar as características e expectativas do cliente em 12 relação ao supermercado. 14 Ser capaz de solucionar problemas inéditos. 12 15. Ser capaz de resolver de forma rápida problemas e dúvidas dos clientes. 09 16. Ser capaz de manter boas relações com clientes e colegas. 08 17. Saber fazer negócios competitivos. 07 18. Saber fazer uso de ferramentas tecnológicas. 06 19. Saber conquistar a simpatia e apreço dos clientes. 06 20. Identificar oportunidades de negócios a partir de tendências do setor. 05 21. Ser capaz de produzir soluções criativas e inovadoras. 05 22. Ser capaz de estruturar produtos e serviços para atender as necessidades 04 dos clientes. 23. Saber aonde encontrar as informações necessárias para o seu trabalho. 03 24. Saber fazer gerenciamento de recursos humanos. 03 25. Ser capaz de estimular e promover o trabalho em equipe. 02 26. Saber argumentar de forma convincente sobre situações de trabalho. 02 Freqüência ATITUDES Absoluta 27. Demonstrar elevada produtividade. 10 28. Demonstrar cortesia e educação para com os clientes e colegas. 09 29. Demonstrar satisfação e interesse em atender o cliente. 07 30. Reconhecer a importância do cliente para o supermercado. 06 31. Manifestar interesse em aprender continuamente. 04 32. Demonstrar ser proativo. 03 33. Demonstrar humildade. 03 34. Ser ético em relação aos clientes. 02 35. Manifestar interesse em ações comunitárias proposta pela empresa. 02 Fonte: Revisão de literatura e conteúdo das entrevistas (2001). CONHECIMENTOS Freqüência Relativa 60,00% 56,00% 52,00% 48,00% 36,00% 28,00% 24,00% 16,00% 12,00% 08,00% 08,00% Freqüência Relativa 76,00% 48,00% 48,00% 36,00% 32,00% 28,00% 24,00% 24,00% 20,00% 20,00% 16,00% 12,00% 12,00% 08,00% 08,00% Freqüência Relativa 40,00% 36,00% 28,00% 24,00% 16,00% 12,00% 12,00% 08,00% 08,00% Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 25 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto 5. Análises descritivas Nessa classificação, considerou-se a média e o desvio padrão de cada variável. Foram consideradas pelos gestores vinte competências de extrema importância com média igual a 5 (cinco), onze com indicativo de maior importância e apenas quatro com grau de relativa importância. Dentre as vinte competências consideradas como de extrema importância, oito são da dimensão habilidades, sete de atitudes e cinco de conhecimentos. Foram descritas onze competências consideradas com maior grau de importância, sendo três de conhecimentos, sete de habilidades e uma de atitudes. Na percepção de gestores, a dimensão mais importante é as habilidades com quinze variáveis entre os graus de extrema importância e maior importância. Observa-se que todas as variáveis tiveram médias superiores a 4,90 (ponto médio da escala). A variável que atingiu a menor média (relativa importância) foi conhecer produtos e serviços dos supermercados V01 (X = 4,90 e σ = 0,30). Essa variável configura-se entre as competências relevantes, uma vez que os intervalos entre as médias na população de gestores foram relativamente baixos. Portanto, apesar da relativa importância, essa variável é essencial à competitividade. As tendências do setor evidenciam que, no futuro, os atendentes e vendedores de supermercados serão muito mais orientadores de clientes, no sentido de ajudá-los a fazer a escolha do produto ou serviço de acordo com as suas necessidades. Nos resultados da percepção da amostra de funcionários, as duas competências de extrema importância à competitividade do setor são: demonstrar cortesia e educação para com os clientes e colegas, e ser capaz de manter boas relações com clientes e colegas, ambas com média igual a 4,74. As competências consideradas de maior importância totalizaram 18 variáveis, e suas médias situaram-se entre os intervalos 4,60 a 4,90. As competências de maior grau de importância, neste segmento, foram nove de habilidades, seis de atitudes e cinco de conhecimentos. Em termos de atitudes, a variável que atingiu a maior média foi a V29 ( X = 4,74 e σ = 0,52 ), na dimensão habilidade V27 ( X = 4,74 e σ 0,52 ) e em termos de conhecimento a V03 (X = 4,63 e σ = 0,59). Os resultados indicam que para o segmento de funcionários, as atitudes e habilidades são mais importantes do que a dimensão conhecimento. As competências que apresentaram menor grau de importância foram, saber fazer uso de ferramentas tecnológicas V21 (X = 4,50 e σ = 0,73); ser capaz de estruturar produtos e serviços para atender as necessidades dos clientes V23 (X = 4,50 e σ = 0,73) e conhecer princípios de qualidades em serviços V10 (X = 4,50 e σ = 0,71). Essas variáveis, talvez, não sejam essenciais no atual contexto do setor supermercadista, mas poderão ser essenciais num futuro próximo. Na amostra de clientes, duas competências apresentaram desvio padrão elevado (σ = ≥ 1,0), o que significa maior grau de variabilidade àquelas encontradas nas outras amostras. Os resultados oriundos da análise descritiva das percepções dos gestores, funcionários e clientes, indicam que, resguardadas as diferenças entre as médias, as competências elencadas no instrumento de pesquisa são consideradas importantes à competitividade do setor à exceção dos itens, “conhecer informática”, e ”saber fazer uso de ferramentas tecnológicas”, que nas três amostragens configuram-se com menor grau de importância. 6. Análise de diferença entre as médias O objetivo desta análise era verificar se houve divergência entre as percepções de gestores, funcionários e clientes, quanto às competências essenciais à competitividade no Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 26 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto setor supermercadista na cidade de Manaus. Com efeito, efetuou-se a análise de variância, seguida de teste F de Snedecor, no sentido de verificar se houveram variações nas percepções desses segmentos e se eram atribuídos às flutuações aleatórias ou suficientemente grandes para indicar a existência de diferenças relevantes (p < 0,05) entre as médias amostrais (Wonnacott & Wonnacott, 1981). A população de gestores apresentou média geral d e importância ( X = 4,98 e σ = 0,17 ) significativamente maior que as amostras de funcionários ( X = 4,60 e σ = 0,65 ) e clientes ( X = 4,39 e σ = 0,71 ). A diferença entre as médias das amostras de funcionários e de clientes, também foi considerada significativa, conforme pode ser visualizado no Gráfico 6.1. Gráfico 6.1 – Comparação entre as médias de importância de gestores, funcionários e clientes. 5,0000 4,9000 4,9816 4,8000 4,7000 Gestores 4,6000 4,5000 Funcionários 4,6012 Clientes 4,4000 4,3000 4,395 4,2000 4,1000 Fonte: Pesquisa do Autor (2001). Esse resultado, talvez, decorra do fato do gestor avaliar as competências sob o prisma de observador do cenário sem a interação direta com o cliente, enquanto que as relações entre funcionários e clientes estão mais próximas, ao interagirem diretamente, “olho no olho”, nesse processo. Os gestores, por reconhecer a responsabilidade de prestar um atendimento de melhor qualidade aos clientes, talvez atribuam um valor maior às competências elencadas no instrumento de pesquisa. Por outro lado, os programas de treinamento e qualificação desses gestores, priorizam as questões relacionadas às tendências do varejo e as relações com o mercado, o que possibilita o reconhecimento, com maior clareza, e grau de importância das competências em questão. O Quadro 6.1 reproduz as diferenças entre as médias amostrais no que concerne às competências descritas em termos de conhecimentos. A ausência de valores nos níveis de significância, indica que não houve diferenças significativas. O uso de significância utilizado para essa análise foi p < 0,05. Para melhor compreensão, verificar Quadro 6.1. Das 11 competências descritas, constata-se que a média de percepção de gestores é significativamente superior a de funcionários e clientes. Os níveis de significância atribuídos às variáveis V1 (p = 0,0186), V4 ( p = 0,0006) e V10 (p = 0,0004) são inferiores ao nível de significância (p = 0,05). No concernente às habilidades, verificou-se que nos itens V14 (p = 0,0271 ) e V27 Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 27 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto (p = 0,0148) não apresentaram diferenças significativas entre as percepções de funcionário e cliente. Os gestores apresentaram, em todas as catorze habilidades, médias significativamente superiores à dos funcionários e clientes. Enquanto que, clientes apresentaram média superior a dos funcionários nas variáveis V16 ( p = 0,0042 ) e V23 ( p = 0,0009 ). O Quadro 6.2 ilustra com maior clareza as diferenças entre as médias da dimensão habilidades. Quadro 6.1 – Análise das médias de percepção de gestores, funcionários e clientes relativas aos conhecimentos. VAR VARIÁVEL Gest. V01 Conhecer produtos e 4,9032 serviços do supermercado V02 Conhecer técnicas modernas de vendas para o setor supermercadista V03 Conhecer o mercado do setor V04 Conhecer gostos e preferências do cliente V05 5,0000 5,0000 4,9677 Conhecer os fornecedores 5,0000 V06 Conhecer informática 4,9355 V07 Conhecer ferramentas que possibilitem uma melhor 4,9677 operação de sua atividade V08 Conhecer as rotinas e processos relativos a sua tarefa V09 Conhecer princípios de recursos humanos V10 Conhecer princípios de qualidade em serviços V11 Conhecer a conjuntura econômica, política e sócio-cultural do país 4,9355 4,9677 5,0000 5,0000 MÉDIA Func. Clien. 4,5271 4,6202 4,6279 4,5736 4,5781 4,5659 4,5659 4,6124 4,5969 4,4961 4,5969 4,5261 4,0836 4,1672 4,4251 3,9861 4,0592 4,2813 4,2509 4,1493 4,5833 4,0764 σ 0,7024 0,8902 0,8679 0,7854 1,0397 0,9260 0,8052 0,8868 0,8861 0,6419 0,9165 Sig 0,0186 - - 0,0006 - - - - - 0,0004 - ANÁLISE Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Fonte: Pesquisa do Autor (2001). Nota: As omissões indicam que não houve diferença significativa. Nível de significância atribuído ao estudo (p) < 0,05. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 28 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto Quadro 6.2– Análise das médias de percepção de gestores, funcionários e clientes relativas às habilidades. VAR VARIÁVEL V13 V14 V15 V16 V17 V18 V19 V20 V21 V22 V23 V24 V25 V26 V27 MÉDIA Gest. Func. Ser capaz de identificar as características e 4,9677 expectativas do cliente em relação ao supermercado Utilizar uma forma de comunicação que o cliente 4,9677 entenda Saber aonde encontrar as informações necessárias 5,0000 para o seu trabalho Ser capaz de resolver de forma rápida problemas e 5,0000 dúvidas dos clientes Saber argumentar de forma convincente sobre situações 5,0000 de trabalho Saber conquistar a simpatia 5,0000 e apreço dos clientes Identificar oportunidades de negócios a partir de 4,9677 tendências do setor Saber fazer negócios 4,9677 competitivos Saber fazer usos de 4,9677 ferramentas tecnológicas Saber fazer gerenciamento 5,0000 de recursos humanos Ser capaz de estruturar produtos e serviços para 5,0000 atender as necessidades dos clientes Ser capaz de solucionar 4,9677 problemas inéditos Ser capaz de produzir soluções criativas e 4,9677 inovadoras Ser capaz de estimular e promover o trabalho em 5,0000 equipe Ser capaz de manter boas relações com cliente e 5,0000 colegas Sig ANÁLISE Clien. Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes 4,6614 4,1831 0,8397 - 4,6899 4,6493 0,6285 Gestores > Funcionários 0,0271 Funcionários > Clientes 4,5504 4,3333 0,7770 - 4,6124 4,7431 0,6118 Gestores > Funcionários 0,0042 Clientes > Funcionários 4,5581 4,2195 0,8032 - 4,6328 4,7282 0,5521 0,0252 4,5194 4,0944 0,8438 - 4,5504 4,3636 0,7878 0,0001 4,5039 4,1951 0,8054 - 4,6047 4,1910 0,8371 - 4,5039 4,5749 0,6666 0,0009 4,6434 4,1910 0,8647 - 4,6899 4,4722 0,6510 - 4,6641 4,5451 0,6558 Gestores > Funcionários 0,0006 Funcionários > Clientes 4,7364 4,7083 0,5323 Gestores > Funcionários 0,0148 Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Clientes Clientes > Funcionários Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Clientes Clientes > Funcionários Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Fonte: Pesquisa do Autor (2001). Nota: As omissões indicam que não houve diferença significativa. Nível de significância atribuído ao estudo(p) < 0,05. Com referência às competências em termos de atitudes, comprova-se no Quadro 6.3, que os gestores possuem médias significativamente superiores às de funcionários e clientes. Enquanto que os clientes possuem médias superiores às de funcionários nas seguintes variáveis: V29 (p = 0,0279), V33 (p = 0,0038), V34 (p = 0,0001), V35 (p = 0,0099) e V37 (p = 0,0239). Os funcionários, por sua vez, apresentam médias significativamente elevadas em relação a dos clientes dos seguintes itens: V30 (p = 0,000), V31 (p = 0,0024), V32 (p = 0,000) e Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 29 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto V36 (p = 0,000). O Quadro 6.3 mostra as diferenças de percepções entre gestores, funcionários e clientes em termos de atitudes. Quadro 6.3– Análise das médias de percepção de gestores, funcionários e clientes relativas as atitudes. MÉDIA VA VARIÁVEL R Gest. V29 Demonstrar cortesia e educação para com os 5,0000 clientes e colegas V30 Demonstrar elevada 4,9677 produtividade V31 Manifestar interesse em 5,0000 aprender continuamente V32 Demonstrar ser proativo 5,0000 V33 Demonstrar satisfação e interesse em atender o 5,0000 cliente V34 Reconhecer a importância do cliente 5,0000 para o supermercado V35 Ser ético em relação aos 5,0000 clientes V36 Manifestar interesse em ações comunitárias 5,0000 proposta pela empresa V37 Demonstrar humildade 4,9355 SIG ANÁLISE 4,7993 0,4787 0,0279 Gestores > Clientes Clientes > Funcionários 4,6202 4,3902 0,6850 - 4,6124 4,5660 0,6625 0,0024 4,5736 4,2396 0,7565 - 4,6512 4,7735 0,5494 0,0038 Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Clientes Clientes > Funcionários 4,6357 4,8160 0,5037 0,0001 Gestores > Clientes Clientes > Funcionários 4,6202 4,6760 0,6291 0,0099 4,5426 4,1463 0,8763 - 4,5581 4,6376 0,6912 0,0239 Func. Clien. 4,7442 Gestores > Clientes Clientes > Funcionários Gestores > Funcionários Funcionários > Clientes Gestores > Clientes Clientes > Funcionários Fonte: Pesquisa do Autor (2001). Nota: As omissões indicam que não houve diferença significativa. Nível de significância atribuído ao estudo (p) < 0,05. Os resultados denotam que, a maioria das competências elencadas no instrumento de pesquisa apresenta diferenças significativas de percepção entre gestores, funcionários e clientes, do setor supermercadista da cidade de Manaus. Essas divergências podem ser melhor compreendidas quando se verifica que os três segmentos estudados analisam a importância das competências sob um prisma diferente. Os gestores, sobre o prisma de quem é, em última análise, o responsável pela satisfação do consumidor que é soberano no mercado. Os funcionários, pelo aspecto de quem interage no “dia-a-dia”, no “olho-a-olho”, buscando atender as reais necessidades e anseios dos clientes. Os clientes, sob o prisma de quem espera receber um atendimento de qualidade por parte dos funcionários. Destaca-se que, se o setor supermercadista desejar implementar ações para minimizar as divergências de percepções entre os atores envolvidos, especial atenção deve ser dada às competências que foram consideradas essenciais pelos clientes à competitividade do setor. 7. Análise dos dados qualitativos Foram introduzidos no instrumento de pesquisa, perguntas abertas para dar liberdade de expressão ao respondente e, assim, surgir novas questões de competências essenciais à competitividade do setor. Buscou-se com isso, descobrir com maior grau de intensidade os Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 30 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto sentimentos e desejos dos agentes envolvidos e a busca de competitividade pelo setor supermercadista. Com base nas proposições de Wells (1991), Sykes (1991), as respostas às questões abertas foram analisadas, identificando-se os elementos interpretativos, assim como a freqüência de uso da palavra. Essas respostas foram interpretadas e classificadas em categorias para um melhor entendimento de sua natureza. Ocorreram muitas omissões, diversas repetições e redundâncias, além de alguns manuscritos se tornarem ilegíveis, nesse sentido Mattar (1996, p. 227), explicita: “... quando aplicadas em questionários alto-preenchíveis, as perguntas com respostas trazem problemas no seu preenchimento para as pessoas que tem dificuldades de redação. Além disso, as pessoas tendem a escrever de forma mais reduzida do que se estivessem falando. Finalmente, há uma dificuldade natural de entender uma infinidade diferente e, às vezes, ilegíveis manuscritos”. Apesar das dificuldades das pesquisas qualitativas, dos trinta e um gestores, nove responderam essas perguntas, sendo que, a maioria das respostas encontravam-se inseridas no questionário das questões fechadas. Apenas duas novas competências foram sugeridas à prestação de um atendimento de qualidade. “Demonstrar comprometimento com a organização”. (uma citação). “Conhecer princípios de higiene pessoal”. (uma citação). Na amostra de funcionários, por sua vez, dos cento e vinte e nove participantes, apenas quatro responderam a questão aberta e apenas como contribuição nova surgiu: “Conhecer o código do consumidor” (duas citações). Na categoria clientes, dos duzentos e oitenta e oito respondentes, apenas vinte e três responderam a questão aberta, e, somente, uma nova contribuição foi citada: “conhecer a cultura da região” (treze citações). Apesar de não ser possível obter resultados conclusivos a partir da análise qualitativa, mas é possível identificar novas idéias e pensamentos acerca das competências essenciais ao atingimento da competitividade do setor. Três das competências citadas como relevantes devem merecer atenção especial por parte do setor supermercadista. Demonstrar comprometimento com a organização, é importante para o atingimento da competitividade, e como tal, é necessário que a organização tenha clara e bem definida a sua missão, a fim de nortear as suas ações táticas e estratégicas. Conhecer a cultura da região, é de fundamental importância para o setor, porque oferecerá produtos de consumo intimamente ligados aos hábitos, costumes e tradições da região. Conhecer o Código do Consumidor, com legislações específicas às questões de consumo, objetiva criar uma melhor harmonia entre as relações de oferta e procura, dirimindo dúvidas e evitando problemas pertinentes. 8. Conclusões O presente trabalho teve como objetivo maior a identificação das competências essenciais, segundo a percepção de gestores, funcionários e clientes, para busca da competitividade no setor supermercadista da cidade de Manaus. Com efeito, estabeleceu-se a partir da revisão bibliográfica e da pesquisa preliminar quatorze competências emergentes e trinta e cinco competências relevantes para o setor. O instrumento de pesquisa foi validado empiricamente, mostrando-se compatível para medir o grau de importância das competências elencadas. Das trinta e cinco competências descritas no instrumento de pesquisa, trinta e uma foram consideradas com elevado grau de Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 31 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto importância pela população de gestores, vinte por funcionários e quatorze pelos clientes do setor supermercadista. Através das análises de variâncias, seguida do teste F de Snedecor, constatou-se que houveram significativas divergências de percepções entre as três populações estudadas. A população de gestores apresentou média geral de importância significativamente maior que as médias amostrais das populações de funcionários e clientes. Esses resultados, talvez, decorram do fato do gestor avaliar as competências sob a ótica de observador do cenário sem a interação direta com o cliente, enquanto que as relações entre funcionários e clientes estão mais próximas ao interagirem no dia a dia das atividades do setor. A análise qualitativa, apesar de não obter resultados conclusivos, permitiu, neste caso, identificar novas idéias e pensamentos acerca das competências essenciais ao atingimento da competitividade. Assim, verificou-se três competências que merecem especial atenção por parte do setor supermercadista ou seja, demonstrar comprometimento com a organização, conhecer a cultura da região e conhecer o código do consumidor. É importante verificar se estas competências são essenciais para o setor supermercadista na conjuntura econômica atual ou se são competências emergentes. Espera-se que este trabalho contribua, de alguma maneira, para o desenvolvimento das políticas de recursos humanos do setor supermercadista, assim como buscar maior competitividade para o setor. Os resultados apresentados neste trabalho poderão orientar as organizações nas ações de gestão do desempenho, gestão do conhecimento, recrutamento, seleção, treinamento e desenvolvimento de recursos humanos. Poderia também ser utilizado como modelo para despertar nos funcionários o desejo de aprender novos conhecimentos, habilidades e atitudes essenciais à competitividade do setor. As tendências do setor sugerem que, em breve, os funcionários dos supermercados serão orientadores de clientes e não mais exercerão o papel de simples atendente ou vendedor. As competências emergentes identificadas neste estudo já indicam as novas exigências de qualificação da mão-de-obra. O profissional do futuro além de ser multifuncional, com visão holística e formação generalista, deverá possuir, fundamentalmente, aptidões nas dimensões de conhecimentos, habilidades e atitudes requeridas pelo setor supermercadista. É de importância crucial que as organizações do setor supermercadista priorize seus investimentos na qualificação, treinamento, aprimoramento e sobretudo, na educação continuada de seus funcionários, criando oportunidades de desenvolvimento profissional e social. A exigência de mercado cada vez mais crescente por uma mão-de-obra bem mais preparada, justifica o desenvolvimento das competências essenciais à consecução dos objetivos empresariais, agregando valor econômico à organização e social ao indivíduo. O estudo sobre as competências essenciais no Brasil encontra-se em fase embrionária. Acredita-se que esta investigação tenha oferecido uma contribuição às organizações, em especial as do setor supermercadista de Manaus. No âmbito acadêmico, espera-se ter contribuído para provocar o debate teórico e despertar o interesse da comunidade científica para novas pesquisas neste campo do conhecimento. Referências Bibliográficas BRANDÃO, H.P. Gestão baseadas nas competências: um estudo sobre competências profissionais na indústria bancária. Dissertação (Mestrado em Administração), Universidade de Brasília – UnB, 1999. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 32 Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto DURAND, T. L’alchimie de la compétence. Revue Française de Gestion (à paraître), 1999. FAHEY, L., RANDALL, R.M. MBA: curso prático: estratégia. Rio de Janeiro: Campus, 2000. 518p. HAMEL,G., PRAHALAD, C.K. The core competence of the corporation. Harvard Bussiness Review, Boston, v.68, n.3, p.79-91, May/June 1990. Instituto Brasileiro de Informação em Ciência em Tecnologia. Programa de Comutação Bibliográfica – COMUT. Disponível em: <www.ibct.br/comut/index.htm>. Acesso em: 2000. LE BOTERF, G. Compétence et navigation professionnelle. Paris: Éditions d´Organisation, 1999. MATTAR, Fauze Najib. Pesquisa de marketing – volume 1: metodologia e planejamento. São Paulo: Atlas, 1996. MATTAR, Fauze Najib. Pesquisa de marketing. Volume 2: execução e análise. São Paulo: Atlas, 1999. NISEMBAUM, H. A competência essencial. São Paulo: Infinito, 2000. 118p. 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Paris: Editions Liaisons, 1999. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003 33 Empreendedorismo na cadeia coureiro-calçadista do Vale do Rio dos Sinos : um estudo de casoi Jefferson Bernal Setubal* Yeda Swirski de Souza** RESUMO Apresentamos neste artigo o caso de uma empresa emergente no contexto competitivo da cadeia coureirocalçadista do Vale do Rio dos Sinos, cuja criação, mudanças e inovações são fortemente marcadas pela ação empreendedora de seus dirigentes. Buscamos, através desse estudo de caso, levantar hipóteses sobre fatores favorecedores e obstaculizadores ao desenvolvimento da empresa. O presente estudo está associado a um projeto de pesquisa, cujo objeto de investigação são as oportunidades de aprendizagem organizacional de empresas da cadeia coureiro-calçadista do Vale dos Sinos. Ou seja, buscamos compreender que situações específicas ou contextos de interação facilitam a que dirigentes ou tomadores de decisão realizem novas aprendizagens e que essas se disseminem e incorporemse às estratégias e rotinas da organização. Especialmente, as relações formais e informais existentes na rede constituída no conglomerado (cluster) ao qual a empresa integra-se e o conhecimento tácito associado a produção de calçados e artefatos são aqui destacados como fatores favorecedores à ação da empresa. Palavras-chave: ABSTRAT We present in this article the case of an emergent company in the competitive context of the coureirocalçadista chain of the Valley of the River of the Bells, whose creation, changes and innovations strong are marked by the enterprising action of its controllers. We search, through this study of case, uprising hypotheses on factors supporters and obstaculizadores to the development of the company. The present study it is associated with a research project, whose object of inquiry is the chances of organizacional learning of companies of the coureiro-calçadista chain of the Valley of the Bells. Or either, we search to understand that interaction or specific situations contexts facilitate the one that leading or borrowed of decision new learnings carry through and that these if spread and become incorporated it the strategies and routines of the organization. Especially, existing the formal and informal relations in the net consisting in the conglomerate (to cluster) to which the company is combined and the tacit knowledge associated the production of footwear and devices here is detached as factors supporters to the action of the company. * Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. e-mail:0876731 @real.unisinos.br ** Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS e Professora PPG/UNISINOS e-mail: [email protected]. br Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza 1. O contexto: Competitividade e o setor coureiro-calçadistaii do Vale do Rio dos Sinos Considerando o conceito de competitividade, buscamos identificar como o setor calçadista do Vale dos Sinos está posicionado frente ao mercado internacional de calçados. Trata-se principalmente de entender quais as vantagens e desvantagens competitivas das empresas da região e como estas estão se preparando para competir no futuro. O conceito de competitividade tem sido objeto de extensa controvérsia na literatura econômica. O debate deve-se às dificuldades em precisar seu conteúdo, às divergências em relação às variáveis utilizadas e, ainda, às limitações em operacionalizar determinados indicadores (Haguenauer, 1989). Na avaliação de Pérez (1991), no novo ambiente econômico vantagens competitivas e competitividade substituem os conceitos tradicionais de vantagens comparativas e produtividade como critérios relevantes para se determinar se uma firma tem capacidade de competir nos mercados. Ao se considerar, no conceito de competitividade, o elemento qualitativo, a sua operacionalização torna-se mais complexa, dificultando a síntese desse fator em um número como no caso da produtividade. A competitividade, assim considerada, não significa apenas a capacidade de manter participação de mercado (ex-post)iii , mas ampliá-la com o tempo. Isto, por sua vez, requer que o desempenho não seja medido apenas em preço, mas também em outros atributos como: qualidade do produto, design prazos de entrega, serviço pós-vendas, entre outros (ex-ante)iv. Kupfer (1991) argumenta que estas duas formas de medir a competitividade são incompatíveis, pois os conceitos de desempenho e eficiência são insuficientes para a discussão sobre a competitividade, posto que ambos se reduzem a mensuração, em pontos distintos e estáticos da seqüência intertemporal, dos resultados das diferentes estratégias competitivas adotadas pelas firmas. Desta forma, para conceituar competitividade, adotamos o conceito de Ferraz (1996:3) onde competitividade foi definida como “a capacidade de a empresa formular e implementar estratégias concorrenciais, que lhe permitam ampliar ou conservar de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado”. Portanto, a competitividade não pode ser entendida como uma característica exclusivamente intrínseca ou extrínseca de um produto ou de uma firma e sim se deve entender a competitividade como um conceito de natureza, ao mesmo tempo, extrínseca e intrínseca à firma ou ao produto, estando relacionada à uma dinâmica do processo de concorrência vigente no mercado específico considerado. 1.2 Determinantes da Competitividade Para uma breve análise da competitividade empresarial do setor calçadista do Vale do Rio dos Sinos foi utilizada a abordagem de Coutinho & Ferraz (1994). O esquema referencial oferecido por essa abordagem permite uma análise que contempla tanto os aspectos internos de competências, como os externos do ambiente no qual a organização está inserida, além da análise do meio institucional e econômico. Coutinho & Ferraz (1994) dividem os aspectos externos em estruturais e sistêmicos. O desempenho competitivo de uma empresa, indústria ou nação é condicionado pelos seguintes fatores: Fatores internos à empresa, aqueles que estão na sua esfera de decisão e através deles a empresa procura distinguir-se de seus competidores. Incluem as vantagens competitivas e a sua capacidade de ampliá-la. Consiste basicamente na capacitação tecnológica e produtiva, conhecimento de mercado, relação com fornecedores. Fatores estruturais, aqueles que mesmo não sendo inteiramente controlados pela empresa, estão parcialmente sobre a sua área de influência e caracterizam o ambiente Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 35 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza competitivo. Integram esse grupo as características dos mercados consumidores, a configuração da indústria em que a empresa atua e a concorrência. Fatores sistêmicos, os quais afetam as características do ambiente competitivo, podem ter importância nas vantagens competitivas que as empresas de um país têm ou deixam de ter ante às suas rivais de mercado internacional. Podem ser: macroeconômicos, político institucionais regulatórios, infra-estruturais e culturais referentes a dimensões regionais e internacionais. A seguir apresentamos uma análise do setor calçadista do Vale dos Sinos, considerando esses três fatores apontados por Coutinho e Ferraz (1994). 1.2.1 O desenvolvimento da competitividade do setor coureiro-calçadista do Vale dos Sinos : fatores internos A indústria coureiro-calçadista do Vale dos Sinos (RS-Brasil) tem sua história ligada aos imigrantes alemães que se estabeleceram na região ainda na primeira metade do século XIX. A pecuária já existente na região favoreceu ao estabelecimento de curtumes e de uma indústria artesanal de artefatos de couro, calcada na mão-de-obra intensiva de formação familiar (Gostinski, 1997). A característica artesanal do trabalho manteve-se praticamente durante todo o século XIX, mas logo cedeu lugar a uma industrialização crescente, inicialmente exportadora para o mercado nacional e, já na década de sessenta, para o mercado internacional (Gostinski, 1997; Lagemann, 1986). O mercado externo adquire crescente importância para o calçado brasileiro e, especialmente, para o Vale dos Sinos a partir do final dos anos 70. A tabela I, apresenta dados referentes a produção, importação, exportação e consumo de calçados, que permite visualizar a posição brasileira em um contexto internacional nesse setor específico. Ao final da década de 90, o Brasil ocupa a terceira posição entre os principais produtores mundiais de calçados. TABELA I - PRODUÇÃO MUNDIAL DE CALÇADOS EM 1998 (EM MILHÕES DE PARES) PAÍS PRODUÇÃO IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO CONSUMO 1. CHINA 5.520,0 2,6 3.086,1 2.436,5 2. INDIA 685,0 0,1 32,4 652,7 3. BRASIL 516,0 29,0 131,0 414,0 4. ITALIA 424,9 162,3 381,8 205,4 5. INDONESI 316,3 1,0 172,7 144,6 6. TURQUIA 276,7 10,6 63,9 223,4 7. MEXICO 270,0 12,0 39,0 243,0 8. TAILANDI 260,0 1,2 128,9 132,3 9. PAQUIST 226,8 0,7 9,0 218,5 10. ESPANHA 220,8 59,7 150,4 130,1 Fonte: Estimativa da SATRA (1998) (em grifo, sob responsabilidade do autor) Na primeira metade da década de 90, o complexo calçadista do RS participa com cerca de 75% da produção brasileira de calçados de couro, 80% do faturamento das exportações desse tipo de calçado e 75% do volume comercializado com o mercado exterior (Ruas, 1995). As exportações de calçados nos últimos três anos (a partir de 1999) tiveram ainda uma grande impulsão em função da desvalorização da moeda frente ao dólar. Esse fator aumentou muito a competitividade do produto brasileiro frente a competidores tradicionais como a Índia, a China e a Itália. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 36 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza O complexo coureiro-calçadista do Vale dos Sinos tem sido considerado, mais recentemente, um clusterv, tendo-se em vista a concentração geográfica de indústrias e afins; a disponibilidade de mão-de-obra qualificada; a presença de serviços de apoio tecnológico; a divisão e a especialização interfirmas na cadeia vertical de produção de calçados; a relação horizontal, especialmente, sob a forma de subcontratação para a elaboração de partes da produção; a existência de pequenas e médias empresas; a existência de associações patronais (Ruas, 1995) . Não há, contudo, uma visão unânime entre os estudos sobre o Vale dos Sinos sobre o comportamento coletivo desse conglomerado industrial. Embora a eficiência coletiva do setor seja facilitada pela proximidade física entre os vários estabelecimentos, considera-se que a troca de informações e a cooperação, fatores que elevariam a eficiência coletiva, são ainda pouco exploradas pelos agentes da cadeia coureirocalçadista do Vale (Fensterseifer, 1995; Ruas, 1995; Schmitz, 1998). Fensterseifer (1995) observa que o complexo coureiro-calçadista do Vale dos Sinos carece de uma rede de troca de informações e cooperação tecnológica, ou seja, da comunicação contínua com usuários, fornecedores e concorrentes, além de monitoramento constante das inovações que ocorrem em outros setores. Ruas (1995) constata, entre outros aspectos, que a colaboração ou cooperação entre empresas que produzem o mesmo bem, estratégia presente nos clusters, é pouco explorada no Vale dos Sinos. O ocasional e o pessoal predominam no fluxo de informações e a cooperação inter-empresas está associada à amizade entre sócios e gerentes de empresas diferentes. O autor considera também que, no caso do complexo coureiro-calçadista do Vale dos Sinos, não se pode considerar que há troca de informações entre clientes e fornecedores, o que estabeleceria a diferença entre o cluster constituído espontaneamente e o cluster avançado pois é a interação e a troca de informações que viabiliza as iniciativas de cooperação. Na mesma direção dessas constatações, Swirski de Souza (2001) relata que segundo a expressão do diretor-executivo de uma das associações patronais, voltada ao desenvolvimento de políticas compartilhadas de exportação, as reuniões, cujo propósito formal seria o de identificar e desenvolver objetivos comuns, “são arenas”, onde a disputa de poder e prestígio predominam sobre a troca de informações. Entre 1997 e 1999, surgiram 256 novos estabelecimentos do setor calçadista no Rio Grande do Sul (ACINH, 1999). Mosmann (1999) explica que essas novas empresas apresentam perfil distinto das que as antecederam: de um modo geral, foram a partir de fábricas que encerraram suas atividades ou que praticaram grande downsizing em seus postos de trabalho, caracterizam-se por apresentar porte pequeno ou médio, com baixos custos fixos, reduzido pessoal e administração econômica e sem endividamentos, muitas em regime cooperativo. Juntamente com as remanescentes, têm procurado maximizar o grau de aproveitamento de seus ativos fixos já instalados, particularmente máquinas e equipamentos, em uma crescente preocupação em substituir o layout usual da indústria calçadista, passando do sistema de esteiras rolantes para o de células de produção nas áreas de corte, costura e montagem do produto final. A mudança no modo de produção pode proporcionar maior agilidade no atendimento às variações de mercado e maior interação dos trabalhadores a partir de uma participação mais ativa em todos os processos da empresa. Gorini e Siqueira (1999:19) acrescentam a preocupação com investimentos em programas de capacitação de fornecedores e indicadores de qualidade, mas alerta para a falta de cuidados com a matéria-prima “ há a necessidade de modernização e aparelhamento adequado dos curtumes para a produção de couros acabados com qualidade suficiente para competir no mercado internacional ”. Outro movimento a ser Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 37 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza considerado é o de terceirização e subcontratação de serviços, que vem aumentando devido à tentativa das empresas de aliviar sua carga tributária, o chamado Custo Brasilvi. Ao recuperar os ensinamentos de Hamel e Prahalad (1995) sobre competências internas, considera-se que a manutenção de vantagens competitivas do complexo coureirocalçadista do Vale dos Sinos está, hoje, associada ao desenvolvimento de canais de marketing próprios; da promoção da marca “made in Brasil”; da presença em Feiras Internacionais; e do desenvolvimento de design próprio. Avaliações do setor sugerem que as empresas do complexo coureiro-calçadista do Vale dos Sinos já conseguiram superar o desafio da qualidade e produtividade mas não são capazes de competir internacionalmente no segmento de grandes lotes e baixo custo, considerando-se a presença asiática. Assim, uma saída competitiva para o Vale dos Sinos está no segmento de mercado no qual qualidade e design associam-se (Seminário Nacional da Indústria de Calçados, 2000). Nesta mesma linha, Henriques (1995) aponta, como saída para busca de uma vantagem competitiva mais sustentável, a agregação de valor ao produto, assim como dos lucros, visto que, o setor calçadista nacional trabalha atualmente com margens de lucro baixas (3%) que não podem ser compensadas com um grande aumento nas vendas. Assim, as empresas do setor, especialmente as exportadoras, têm que procurar diversificar mais a produção, desenvolver grifes, se aperfeiçoar no design e nos estilos especializados, e procurar também buscar os segmentos de mercado de maior valor agregado. Para Fensterseifer (1995), a melhoria da imagem de qualidade do calçado nacional no exterior passa pela criação de uma moda brasileira própria que explore e utilize a nossa riqueza cultural, tendo o clima tropical como base. A idéia central desta proposta é de tentar vender a identidade cultural do Brasil junto com o seu calçado. Dentro desta proposta, estaria incluso: a promoção do calçado nacional, a participação das empresas nacionais em feiras e desfiles de moda no exterior, o desenvolvimento da área de modelagem com instalações de centros de CAD e formação de recursos humanos, o incentivo a união de pequenas e médias empresas na formação de uma marca comercial bem planejada, a diversificação e a especialização da produção e a reconstrução de um sistema de comercialização externa, que impeça a submissão da indústria frente aos importadores. Nos últimos anos, a indústria calçadista brasileira vem conquistando espaços nos mercados de grifes, principalmente no mercado norte americano. Mais da metade dos sapatos exportados pelo Brasil no ano passado teve como destino sofisticadas redes de varejo daquele país. De acordo com os agentes representantes das grifes americanas, a competitividade do produto brasileiro está na confiabilidade de entrega, na qualidade e no preço. O preço médio dos calçados de invernos brasileiros está 50% abaixo do preço cobrado pela Indústria Italiana. Os fabricantes brasileiros calculam em 5% a margem de retorno para a indústria do negócio com as grifes internacionais. Mas a maior vantagem está na garantia de ganho de escala de produção, pois o produtor permanece com a carteia cheia o ano inteiro (Jornal Gazeta Mercantil – 22/02/2001). A questão da competitividade do cluster do Vale do Rio dos Sinos, indiscutivelmente deve ser tratada como um desafio que implica em mudanças nos modelos mentais dos tomadores de decisão das empresas da região; devem ser reconsiderados aspectos como gestão do conhecimento; cooperação e compartilhamento de informações; assimilação de novos valores e regras de sucesso e reconhecimento; entendimento das leis de mercado e na busca pelo aprimoramento de técnicas de vendas, principalmente pela reorganização e renovação de instrumentos já bastante conhecidos como Feiras e Eventos, bem como na melhor utilização de novos meios que surgem através das tecnologias de informação e da configuração em rede da nova sociedade. Instrumentos esses que podem e devem ser utilizados na construção de uma nova identidade (Marca Brasil) a ser compartilhada pelo Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 38 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza conjunto de empresas da cadeia coureiro-calçadista do Vale dos Sinos como alavanca principal da competitividade local.. 1.2.2 Aspectos estruturais da competitividade no setor coureiro-calçadista do Vale dos Sinos. A competitividade das empresas do Vale dos Sinos também além de ser muito afetada pela sua dinâmica interna, é também afetada pelo contexto competitivo internacional. Schmitz (1998) indica que a cooperação vertical interfirmas tem avançado no Vale dos Sinos, contribuindo para a melhoria na qualidade do produto, velocidade de resposta e flexibilidade. No entanto, a cooperação voltada ao marketing, design e imagem da indústria e produtos do Vale dos Sinos não tem avançado. Para Schmitz, um pequeno grupo de grandes empresas, com programas de exportação bastante desenvolvidos junto aos principais compradores norteamericanos de calçados brasileiros, tende a desenvolver integrações verticais e, assim, afastarse das iniciativas de cooperação que poderiam promover a eficiência coletiva do cluster. Para o autor, a cooperação estratégica do cluster é imprescindível para a conquista de vantagens competitivas e ainda está para ser conquistada. Em outro artigo, Schmitz (2000) estuda como os grandes compradores mundiais de calçados avaliam seus mercados fornecedores chegando a conclusões mais abrangentes. Primeiramente o autor analisa as forças e as fraquezas dos países em desenvolvimento produtores de calçados. Num segundo momento o autor destaca o que esses produtores podem aprender com os compradores globais (global buyers) e em quais circunstâncias são conduzidas tais aprendizagens. Os compradores mundiais ressaltam que para tornar uma indústria de calçados mais forte é necessário não apenas melhorar a produção de calçados, mas também dos componentes de calçados. O autor considera que nesse ponto o Brasil possui uma certa vantagem sobre outros países como a Índia e a China, mesmo entendo que ainda há muito que ser feito quanto a coordenação da cadeia produtiva. Na pesquisa, (Schmitz 2000) foram levantados 7 pontos para avaliar a competitividade dos países produtores de calçados: regularidade e confiabilidade da qualidade do produto; preço ; tempo de resposta (da ordem para a entrega) ; entrega pontual ; tratamento de pequenas ordens ; tratamento com alterações de grandes ordens ; e inovação no design. Nesses quesitos, a indústria brasileira leva vantagem em tempo de resposta (response time) e tratamento de grandes e pequenas ordens (large and small orders). Nos quesitos regularidade e confiabilidade da qualidade do produto e pontualidade – o Brasil fica na mesma posição que a China. Já em preço e design o Brasil perde para Índia e China no primeiro quesito e Itália no segundo – estes dois últimos atributos, segundo o autor, são os mais importantes para exportar para a Europa. Mais especificamente, Lehn (2001) considera que os fabricantes gaúchos têm qualidade, rapidez de resposta e flexibilidade nas entregas. O autor ainda afirma que estas empresas estão cercadas por uma cadeia de fornecedores diferenciada. Apesar de alguns problemas, isto torna o Vale dos Sinos um complexo industrial bastante competitivo no contexto mundial. Segundo Henriques (1995), o posicionamento competitivo da indústria do Vale dos Sinos está basicamente concentrado numa faixa intermediária do mercado. Isto ocorre porque as condições internas e sistêmicas vigentes têm levado as empresas deste setor a se concentrarem neste posicionamento, o qual tem representado a relação custo-benefício mais factível para esta indústria. Contudo, ainda existem empresas calçadistas que estão explorando pequenos nichos de mercado, apostando em uma lógica estratégica focalizada. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 39 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza Schmitz (2000), identifica duas estratégias básicas de fabricantes e exportadores de calçados: a primeira se dá através da especialização , sinergia e cooperação que facilitaram a gradual acumulação de habilidades e capital. Ou seja, o caminho tradicional, onde o Vale dos Sinos se encontra no estágio atual. O crescimento das empresas que seguem esta estratégia cessou quando novos produtores entraram no mercado mundial. Já a segunda estratégia é adotada por novas regiões produtoras que possuem ainda uma pequena história na indústria de calçados. Esses empreendimentos já nascem grandes e podem exportar logo depois que abrem. Mas nem todas as empresas que adotam a estratégia clássica foram prejudicadas. A razão disto é que muitas das empresas destes novos clusters (Ex: cluster do Ceará) são extensões de empresas que pertencem aos antigos clusters. É importante ressaltar que os clusters antigos continuam, mas reduzidos ou com formas diferentes. A característica principal da segunda estratégia é o trabalho barato proveniente destas novas regiões e os incentivos fiscais que os governos estaduais destas regiões oferecem. As vantagens do cluster velho estão baseadas em profissionalismo, habilidades técnicas e componentes. O cluster antigo (Vale dos Sinos) prove capital, capacidade de manufatura e conexão com compradores e com os componentes. As plantas novas são projetadas para pedidos maiores enquanto que as plantas antigas atendem pedidos menores com resposta mais rápida e altíssima qualidade. Schmitz (2000) mapeia em quais contextos os compradores estão mais inclinados a ajudar ou não seus fornecedores. Ao todo, o autor identifica três circunstâncias distintas para que ocorra cooperação entre os agentes econômicos, são elas: a) Dependendo do estágio em que o produtor se encontra, os compradores mandam mais freqüentemente técnicos para orientar sua produção, por exemplo, no Brasil quando a atividade coureiro-calçadista era incipiente (1970) os compradores mandavam constantemente seus técnicos para visitas nas fábricas brasileiras. A freqüência destas visitas foi caindo gradativamente ao longo dos anos 80 e 90 sendo que essas visitas foram desviadas para indústrias produtoras mais recentes com na China. Hoje o foco dos compradores em melhorar a qualidade do produto produzido alterou-se de uma visão intra-firmas para inter-firmas, ou seja esses técnicos procuram melhorar a coordenação da cadeia de fornecimento geral. b) o segundo cenário, diz respeito, se os compradores são mais orientados para qualidade ou para preço. O comprometimento do comprador e do produtor é menor quando a relação é orientada para preço. Na realidade, não são dois pólos diametralmente opostos e sim um espectro onde se encontram vários níveis intermediários dessa relação. O que ocorre é que as relações mais vinculadas a preço sofrem pressões por melhora da qualidade e relações mais baseadas em preço sofrem pressões por melhora da qualidade, porém as relações de aprendizagem mútuas são mais salientes naquelas relações cujo foco são mais centrados em qualidade. c) a maioria dos compradores procura controlar os processos de design e marketing limitando a participação dos produtores em questões mínimas de especificação de produto. Paupacuer (1997 apud Schmitz, 2000) enfatizou que a fonte de poder em redes verticais se baseia em atividades não produtivas, notavelmente em marketing, desenvolvimento de produto e coordenação de relações interfirmas. Somente em algumas relações conduzidas por preço os produtores têm mais acesso a design, porém os compradores ainda mantêm suas habilidades de marketing muito bem protegidas. De maneira geral, os produtores ficam inibidos em desenvolver suas habilidades de marketing e de design com medo de retaliações de seus clientes. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 40 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza Outro ponto levantado por Schmitz (2000) é relativo aos atravessadores. Esses são úteis quando a relação entre os compradores e os produtores ainda é recente e quando os pedidos são menores e mais flexíveis, à medida que a experiência entre os compradores e os vendedores aumenta e os pedidos se tornam mais regulares e maiores, a tendência é de se eliminar o papel dos atravessadores no negócio. A concentração de compradores também é determinante para definir o nível de competitividade dos compradores. Este fator somado com a orientação do produtor (preço ou qualidade) define o nível de ganho e de aprimoramento (upgrading), patrocinado pelo comprador, aos produtores de calçados. 1.2.3 Aspectos sistêmicos da competitividade no setor coureiro-calçadista do Vale dos Sinos Um aspecto que tem influenciado fortemente a competitividade do setor é a flutuação do câmbio brasileiro e internacional. Recentemente, a gerente comercial da Agência Especial de Promoção às Exportações (Apex) afirmou que o País não deve pautar sua política de exportações pela flutuação cambial. Segundo ela, a desvalorização do real não é motivo para comemoração para as Indústrias que vendem ao Exterior. "Temos de crescer no mercado externo pela qualidade e competitividade dos nossos produtos", afirmou. Os produtos brasileiros não devem ser atrativos apenas por ter um preço mais reduzido. O mercado hoje tem a forma de uma pirâmide, a China estaria na base, com a produção em larga escala com preços baixos e a Itália no topo, com qualidade e preço elevado e que a intenção do Brasil é chegar no topo, competindo com os italianos. A concorrência com os chineses não é interessante, porque os calçados populares não agregam valor e nem oferecem bons salários. A Indústria Calçadista brasileira não pode concentrar produção em sapatos de US$ 10 por unidade. "Nosso interesse é calçado com preço a partir de US$ 25 por unidade", disse a gerente (Gazeta Mercantil – 16/07/2001). Essa preocupação por parte da Apex faz sentido. A divisão do número de pares calçados brasileiros exportados pelo valor total arrecadado da exportação nos últimos cinco anos (Tabela II), evidencia que o preço médio alcançado vem caindo desde 1996. Essa tem sido a principal preocupação dos empresários, agregar valor ao seu produto, com o objetivo de manter seus ganhos, ainda que o volume de pares exportados se reduza (Mosmann, 1999). TABELA II - EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE CALÇADOS Ano Pares (mil) 1995 137.974 1996 142.684 1997 142.475 1998 131.014 1999 137.173 2000 162.521 2001 171.242 Fonte: (ACINH, 2000) U$ (mil) Preço médio 1.413.692 1.567.227 1.522.944 1.330.473 1.277.758 1.546.744 1.615.338 10.25 10.98 10.69 10.16 9.31 9.51 9.43 Participação gaúcha (%) 85.84 88.62 88.09 85.99 84.89 83.55 81.51 Quanto à participação gaúcha, em relação ao total exportado pelo Brasil, a Tabela II indica que o Estado vem perdendo regularmente espaço no contexto brasileiro junto às vendas para o mercado internacional. Em números absolutos, o volume total exportado pelo Estado do Rio Grande do Sul reverteu a tendência de queda a partir do ano de 2000, contudo não conseguiu melhorar sua tendência de queda na participação nacional. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 41 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza De um modo geral, a mudança cambial ocorrida em 1999, que ocasionou a recuperação do valor do dólar em relação à moeda brasileira, foi recebida como um novo alento à indústria calçadista. Seus efeitos, no entanto, não devem ser aguardados de forma imediata. Segundo Mosmann (1999), a desvalorização cambial tende a alavancar as exportações. Cabe, no entanto considerar que há dois fatores que influenciam no crescimento das vendas ao exterior: primeiro, a clientela externa tem se abastecido de outros mercados e o retorno não se dará tão rapidamente; e segundo tem ocorrido uma posição de aguardo, de observação da economia brasileira por parte dos importadores, apurando seu "feeling" sobre a consistência da superação de nossas dificuldades. Entrando em domínios menos tangíveis, Fonseca (2001) avalia que falta uma cultura exportadora no Brasil de uma forma geral. Princípios, valores e crenças são também componentes básicos da conduta das organizações empresariais. Esses ingredientes, segundo Porter (apud Fonseca et. al., 2001) compõem uma “cultura econômica” porque conformam a base de julgamento sobre o qual as decisões estratégicas dos agentes econômicos são tomadas. É mais lucrativo produzir para um mercado interno cativo do que correr o risco de competir internacionalmente (Fonseca et. al., 2001). De acordo com o autor essa cultura é ao mesmo tempo causa e efeito de várias outras fragilidades de nossa capacidade competitiva. Entre elas: a) os feudos da burocracia estatal resistem a mudanças e simplificações ; b) o empresário brasileiro tem medo de ir a mercados internacionais ; c) a informação sobre “como, por que e para quem exportar” não circula entre o governo e a iniciativa privada ; d) há uma profunda crosta de ignorância sobre o funcionamento do setor externo da economia debaixo do verniz da maioria dos burocratas e consultores “especializados” na área de comércio exterior ; e) o desconhecimento sobre a natureza, e as peculiaridades dos mercados externos ; f) existe uma escassez de estudos sérios e criativos sobre a tipologia dos valores, atitudes e crenças do nosso empresariado. Verifica-se, portanto, que sob esse aspecto sistêmico, há uma profunda e ampla reforma a ser desenvolvida por parte de todos os agentes econômicos envolvidos na busca de competitividade dos produtos e serviços brasileiros, mais especificamente dos produtos fabricados no complexo do Vale dos Sinos. 1.2.4 Concluindo sobre Competitividade na cadeia coureiro-calçadista do Vale dos Sinos O potencial do complexo industrial calçadista do Vale dos Sinos é muito elevado. Contudo é necessário que haja maior coordenação entre os diversos atores deste pólo, juntamente com o apoio das esferas de poder superiores (Governo Estadual e Federal), além de entidades afins (ASSINTECAL, ABICALÇADOS, CTCCA, entre outros) para que possa haver a materialização de muitas dessas vantagens competitivas latentes existentes. O mercado internacional de calçados possui competidores que se encontram em posições bem definidas no cenário competitivo mundial, cabe ao Brasil colocar, com maior ênfase para os próximos anos, em prática sua proposta de diferenciação de produto a um preço competitivo e assim, evitar a competição baseada em preço, no qual os asiáticos são praticamente imbatíveis. Na análise da competitividade é salutar a busca de uma visão multifacetada a respeito do problema. Por isso, buscou-se neste texto, abordar aspectos que tangenciam tanto fatores relativos a estrutura da indústria de calçados, como fatores concernentes às capacitações que as empresas devem desenvolver para combater a concorrência, e também fatores sistêmicos, que explicam como diversos aspectos da realidade nacional influenciam as ações organizacionais das empresas de calçados do Vale dos Sinos. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 42 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza A análise do potencial competitivo da região sugere que os empresários não privilegiem apenas aspectos relativos ao produto, mas sim a todos os elementos que estão incorporados na busca da exportação como, por exemplo pontualidade de entrega e serviços de pós-venda institucional. Em suma, para que a indústria brasileira de calçados, mais especificamente o cluster do Vale dos Sinos, possa se tornar ainda mais competitivo no mercado internacional, é fundamental que, primeiro, de modo geral haja uma realização efetiva dos potenciais do cluster através de uma maior integração dos agentes envolvidos; segundo, ocorra por parte das empresas, uma constante atualização tecnológica tanto em nível produtivo quanto em nível de logística; terceiro, que se faça um investimento maciço nos Recursos Humanos da região ; quarto, criação e desenvolvimento de design e marcas próprias brasileiras ; e finalmente uma intensificação pela busca de novos mercados externos, através de participação em Feiras e Eventos por exemplo, evitando assim a concentração de vendas para um único grande comprador. A fim de viabilizar operacionalmente essas ações, Pereira (2001) defende que as empresas do cluster do Vale do Rio dos Sinos devam tomar ações que busquem alinhar essas mudanças de contexto do mercado de calçado com suas práticas e competências gerenciais. As empresas fabricantes de componentes de calçados do Vale dos Sinos, nesse contexto, têm muitos motivos para acompanhar esta tendência. Principalmente quando se verifica, entre as empresas da cadeia, a necessidade de uma forte integração para a manutenção da competitividade do complexo coureiro-calçadista da região. Assim, pode ser que um dos papéis a ser desempenhado pela ASSINTECAL, junto às empresas associadas, é de conscientizar e promover está integração. Logo, a busca por algumas formas de cooperação tanto verticalvii quanto horizontalviii se torna uma das principais estratégias para a sobrevivência do setor como um todo. 2 O caso da Componentes Ltda.ix 2.1 O nascimento. A empresa foi formada em 1989, no Vale do Rio dos Sinos, por dois sócios, D. e L. que, na época, possuíam formação técnica nas áreas de engenharia mecânica e elétrica. Dois amigos de infância que ocupavam cargos técnicos em duas diferentes empresas públicas e partilhavam do sonho de ter o seu próprio negócio, a exemplo do que ocorria com outros colegas da infância e juventude que iam assumindo posições de gerência e diretoria na linha sucessória de empresas familiares constituídas há duas ou três gerações, na tradição da produção de calçados e afins. D. e L. "não tinham pai rico" (sic), mas isso não os demoveu do sonho de empreender. Tudo começou como uma brincadeira de finais de semana em fundo de garagem, quando os jovens técnicos copiando e inventando, construíram um protótipo adequado à produção de componentes de calçado. Assim, sua operação inicial veio a consistir na fabricação de máquinas que fabricavam componentes de calçados. Através de contatos informais, os primeiros clientes para o equipamento surgiram, mas logo D. e L. perceberam que não conseguiriam manter sua produção ativa, se contassem com esse nicho de mercado apenas, já que uma vez vendido o produto, o cliente estaria atendido por alguns anos e buscar clientes fora do contexto local estava para além das possibilidades desses jovens empreendedores. Com isso, decidiram que produziriam com os seus próprios equipamentos os componentes para calçados, tornando-se, assim, concorrentes de seus primeiros clientes. Para passar de fabricação de máquinas e empreender como produtores de componentes, bastou superar uma fronteira muito estreita e avançar em uma caminhada quase que natural: Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 43 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza “...como nós fabricávamos máquinas e essas máquinas fabricavam componentes para calçados, (todas as máquinas que nós temos aqui, são fabricadas por nós, ou foi parte comprada em leilão, ou incêndio, fazíamos máquinas a partir de sucata basicamente, e depois, colocávamos tecnologia em cima) resolvemos entrar no ramo de componentes para calçados, até porque o meu sócio trabalhava nessa área...então, ele aliou o conhecimento de fabricação de máquinas ao conhecimento do componente, e vimos que podíamos deixar de fabricar máquinas para fabricar componentes; fomos aliando tudo isso e, estamos dentro do nosso meio que é calçado...”. (D. em 11/06/2001). A opção inicial foi pela fabricação de um produto chamado de tecido resinado que consistia em um adesivo aplicado em cima do tecido. O conhecimento do mercado era suficiente para saber que haveria aceitação por esse produto. Ou seja, D. e L. percebiam que havia uma grande demanda não atendida no mercado local. 2.2 Os primeiros desenvolvimentos e o estabelecimento do portfólio. A qualidade do produto, o cumprimento de prazos de entrega, a rede de relacionamentos informais e formais estabelecidas asseguraram que a Componentes Ltda. conquistasse a posição de fornecedor de componentes de calçados para um número crescente de empresas calçadistas da região. Inicialmente para o tecido resinado utilizado na fabricação de palmilhas, mas logo ampliando seu portfólio de produtos. Em 1994 a Componentes Ltda. começou a fabricar biqueira de calçados: “ Comprávamos o não-tecido e aplicávamos o adesivo termo colante e, passamos a fabricar um reforço para a biqueira do calçado (...) nosso segundo produto é o que dá estrutura para o calçado... ” (D. em 11/06/2001). Logo depois se iniciou a fabricação do terceiro produto da empresa, que era para a parte de trás do calçado, não mais resinado, mas impregnado, ou seja, um tecido que sofre um banho de látex e aplica-se o adesivo em cima, formando, assim, uma outra estrutura. A compra de uma máquina em um leilão determinou a produção desse produto: “Entramos nesse negócio porque apareceu uma máquina de uma empresa que quebrou, sendo que modificamos a máquina para fazer esse produto, a opção de entrar nesse mercado foi por essa razão...” (D. em 11/06/2001). A Componentes Ltda. assumiu, por decisão de seus diretores, a postura de não atuar no mercado informal de componentes, tal como ocorre com muitos pequenos fornecedores da região. Com isso, o preço de seus produtos nem sempre é o menor, mas em contrapartida são vistos por seus fornecedores como "bons pagadores", além de terem conquistado a confiança por parte de seus clientes. Os fornecedores que atuam no mercado informal são facilmente percebidos como instáveis: “...sempre acontecem ofertas para a nossa empresa porque, até hoje, conseguimos pagar todos os impostos e todas as matérias-primas; temos um conceito muito bom no mercado e muita gente quer vender para nós, principalmente empresas que estão ruins, ou que querem sair do negócio, acabam fazendo ofertas para nós...”. (D. em 11/06/2001). Em março de 2000, a empresa entrou no mercado de palmilhas. A Componentes Ltda. comprou uma empresa da região com tradição na produção e varejo de diferentes modalidades de palmilhas, e que fez a opção de dedicar-se apenas ao varejo. Assim, a Componentes Ltda. tornou-se o fornecedor principal para esse varejista, mas também passou a produzir palmilhas para os fornecedores locais das marcas Mizzuno, Diadora, Adidas e Nike. Hoje, nas palavras de um dos sócios dirigentes a Componentes Ltda. é "uma holding de componentes", embora acredite que "as coisas foram aparecendo sem planejamento nenhum...”. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 44 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza Hoje a empresa conta com duas unidades produtivas: uma em São Leopoldo, que fatura cerca de R$750.000,00 por mês, e outra no Estado de São Paulo, em sociedade com um sócio local, no município de Barigui, que fatura cerca de R$150.000,00 mensaisx. 2.3 Concorrentes. Os concorrentes da Componentes Ltda. instalados na região, sem considerar as empresas que atuam no mercado informal, resumem-se em três empresas: duas de grande porte (A e B) e uma de médio porte (C). O concorrente A possui uma linha de produtos similar à da Componentes Ltda. e possui uma aliança estratégica com uma empresa alemã. O concorrente B, que é o principal concorrente da A, possui uma parceria com uma empresa inglesa; a outra empresa que atua na área é formada por um grupo de ex-empregados da A e que não tem nenhum tipo de parceria com empresas estrangeiras: “Temos apenas três concorrentes nacionais, concorrentes que pagam os seus impostos, que são bem previsíveis. Neste produto mais barato, sempre existem novos entrantes que compram esse não-tecido (...) faturam alguma coisa mas não passam disso(...)a menor empresa que vende esses produtos é a nossa...nosso produto é mais adequado para o tênis e sapato infantil do que para sapato masculino, que é fabricado em Franca. A tecnologia necessária para fabricar esse produto para sapato masculino, é mais avançada e nós não conseguimos competir, onde a A tem uma boa penetração”(D. em 11/06/2001). Para competir com essas empresas de grande porte, que estão no mercado há mais de quarenta anos e contam com a tecnologia inglesa ou alemã, a Componentes Ltda. busca situar-se em um nicho de mercado para produtos específicos não atendidos por A, B ou C. Trata-se de um produto com um padrão um pouco diferente daquele produzido em escala e com preço acessível: Um outro prisma da concorrência, neste segmento, entre a Componentes Ltda. e os demais competidores é o fato de a Componentes Ltda. sempre ter sido vista pelos seus concorrentes como uma empresa que atendia a pedidos que suas "irmãs maiores" não estavam dispostas a atender. Isto fez com que a relação da Componentes Ltda. com estas empresas tivesse uma natureza amigável: “...sempre fomos vistos como aqueles que estão apresentando alguma solução para o mercado, quebrando galho...” (D. em 11/06/2001). Isso construiu uma espécie de redoma que protegia a empresa de ataques de seus competidores. A Componentes Ltda. era vista com simpatia pelos seus concorrentes que até há pouco tempo praticavam uma concorrência sem agressões: “...somos parceiros na divisória de gessoxi, trocamos matérias-primas, é uma concorrência muito saudável e, até certo ponto, nós somos insignificantes, ou éramos (...) nos julgavam como uma empresa que não estava interferindo no mercado (D. em 11/06/2001). Mas à medida que houve mudanças no ambiente, principalmente com a intensificação de produção de produtos populares, a Componentes Ltda. passou a ser uma ameaça significativa para as outras empresas, pois ela tinha uma vantagem de custo consolidada: “...nosso produto é inferior ao deles, não tem o mesmo desempenho, mas serve para determinado tipo de calçado; já eles, estão interessados em fazer material para o calçado classe A (...) estamos enxergando que isso não é mais verdade, que eles já estão preocupados em ter uma fatia do mercado um pouco diferente, não só impondo os seus produtos mas ver o que o mercado está pedindo. Sabe-se que, hoje, o calçado popular está sendo produzido (...) hoje somos vistos como concorrentes, ao contrário do que éramos considerados há dois anos atrás...fomos crescendo, melhorando nosso equipamento, nosso produto, tendo um desempenho melhor...”. (D. em 11/06/2001). Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 45 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza 2.4 Verticalização. Para poder fabricar um produto com custo menor a Componentes Ltda. verticalizou suas operações. Foi criada uma outra empresa que passou a produzir pó de polímero (matéria prima principal de seus produtos). A empresa passou a se chamar Polimer e hoje fatura R$150.000,00xii por mês (sic): “A Polimer não só vende para as nossas duas empresas e concorrentes menores, como também trabalha com transformadores de borracha, transformando a borracha em pó e devolve para o transformador de borracha. Ela não recicla mas prepara para a reciclagem (...) o pó termo-colante, nós vendemos para as empresas menores. A Polimer é uma empresa independente que vende para a Componentes Ltda. e para a nossa empresa de São Paulo...” (D. em 11/06/2001). 2.5 Efeitos do Crescimento Com o crescimento e diversificação surgem novas oportunidades de negócios que ajudam a gerenciar o capital de giro e a capitalização das duas empresas. Por outro lado, a criação da Polimer, a diversificação da linha de produtos e o aumento da produção da Componentes Ltda. trouxeram problemas gerenciais que ainda não encontraram um encaminhamento adequado. Na visão dos sócios-gerentes, ao mesmo tempo em que a empresa cresce, ela encontra dificuldades em estabelecer um modelo gerencial capaz de manter os padrões de qualidade conquistados quando a empresa possuía dimensões menores e estrutura simples. Os sócios fundadores já não são capazes de responder sozinhos pela atividade gerencial e a contratação de gerentes profissionais aumentaria o custo total das empresas, levando seus produtos a perder em competitividade. Em função disso, problemas em vários setores da empresa vêm surgindo. Por exemplo, o setor de P&D não tem mais tempo para desenvolver novos produtos porque a área ficou absorvida pelas tarefas de rotina; como o controle de qualidade da matéria-prima e das reclamações dos clientes. Quanto à organização da produção, com a criação da linha de palmilhas, a Componentes Ltda. precisou estabelecer distintas formas de administração de Recursos Humanos. Quando a empresa somente fabricava forros e contra-fortes a tecnologia utilizada demandava um operador bem instruído capaz de monitorar os equipamentos. Para a instalação da linha de palmilhas a planta foi dividida ao meio. Fisicamente separadas apenas por biombos, essas duas linhas de produção passam a caracterizar-se por diferenças radicais quanto à modalidade de trabalho e trabalhador. As estruturas produtivas distintas geraram duas formas de organização do trabalho e políticas de gestão de pessoas completamente diferentes em um mesmo ambiente produtivo. Por um lado, em uma das linhas, o funcionário tem flexibilidade de operação - o que exige, conseqüentemente, uma maior responsabilidade deste sobre a qualidade da produção. Por outro lado, na linha de palmilhas, o funcionário exerce uma atividade praticamente mecânica que o isenta de qualquer responsabilidade mais rigorosa sobre a qualidade do produto, sendo que a única cobrança é quanto a sua capacidade de imprimir velocidade à operação. No plano estratégico, entre as alternativas para assegurar o crescimento da empresa e viabilizar seu gerenciamento, o estabelecimento de parceria é uma opção estratégica que está sendo estudada pela empresa. Seria uma via para incorporar tecnologia de ponta e passar a competir também no mercado que exige diferenciação de produto: Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 46 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza “Sabemos que, provavelmente, vamos perder um percentual da nossa empresa, que talvez, com parceria com uma empresa maior possamos ter dez, vinte, trinta, cinqüenta por cento de uma coisa mais sólida...” (D. em 11/06/2001). Já existe um contato com uma empresa italiana, que é uma das líderes mundiais no setor, e as negociações estão bastante avançadas: “...o produto deles tem um desempenho maior, é um produto italiano, que tem tradição, é a segunda ou terceira maior fabricante desse produto no mundo e, eles têm a visão de que o mercado brasileiro tem um potencial muito grande, mas não conseguem vender no Brasil, porque para conseguir vender este produto no Brasil, é necessário que se produza aqui...” (D. em 11/06/2001). A Componentes Ltda. já conta com uma parceria comercial com essa empresa italiana, mas pretendem estabelecer uma parceria industrial. 2.6 Novas Oportunidades e Mercado Externo Quando indagado sobre a possibilidade em conquistar clientes internacionais, D. refere o trabalho desenvolvido pela ASSINTECAL (Associação Brasileira das Indústrias de Componentes de Couro e Calçados), entidade à qual a empresa está filiada. A ASSINTECAL oferece serviços como levantamento e difusão de informações sobre mercado, estímulo e suporte na participação em feiras e organização de consórcios de exportação: “...são dezoito empresas associadas a ASSINTECAL, algumas concorrentes, outras são fabricantes de produtos complementares, onde constituímos uma pessoa jurídica, visando exportar nossos produtos para a América Latina...” (D. em 11/06/2001). A participação em Feiras também é referida por D. como relevante para o estabelecimento de contato com novos clientes: “...nunca fechamos negócios em Feiras (...) as Feiras não são para vender, são Feiras Institucionais...” (D. em 11/06/2001). A Componentes Ltda. tem modificado a qualidade de sua participação em Feiras. Nas primeiras oportunidades, participava com um stand pequeno (20m²) e em posições pouco valorizadas. Atualmente, tem participado em posições nas áreas mais centrais, com estandes maiores (40m2) . O SEBRAE (Serviço de Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas) também é referido em sua ação facilitadora à participação em Feiras: “...em virtude do projeto Comprador, estruturado pelo SEBRAE e, com dinheiro da APEX, trouxemos mais de 60 empresas de fora para conhecer os nossos produtos(...)as empresas achavam que nós não conseguíamos produzir e ficavam espantados, comparando até mesmo a qualidade, com empresas estrangeiras. Estas empresas eram principalmente da África, América Latina( México), e da Europa(Portugal). Então, estas Feiras são oportunidades de negócio, de divulgação, mas não são Feiras de venda(D. em 11/06/2001). A Componentes Ltda., nos últimos anos, tem também participado de Feiras Internacionais, porém a empresa tem se deparado com barreiras nas relações com clientes de outros países, principalmente no que tange a problemas de comunicação e suporte técnico: “...por exemplo, uma determinada empresa de um determinado país nos solicita a fabricação de um produto com espessura de 1,8cm. Mas ele não diz isso na Feira, ele passa na Feira, fala uma língua que nós não entendemos e leva a amostra, uma semana depois ele manda um e-mail dizendo que quer o produto com 1,8 de espessura e nós só fabricamos com 1,7 ou 1,9(...) como nós vamos dar assistência técnica para esse cliente, se ele tiver algum problema com o produto? Então, existe exposição para o mercado internacional, mas não temos uma infra-estrutura para atender este tipo de problema (...) se formos para o México, Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 47 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza estaremos preparados para vender ao México e não para a China, ou Hong Kong (...) então, elevamos o preço, para não vender...”. (D. em 11/06/2001). Existe grande interesse por parte da Componentes Ltda. em estar presente no mercado externo, mas para que isso ocorra é preciso primeiro que a empresa consiga se adequar para poder receber apoio formal de órgãos que fomentam as exportações, como é o caso da APEX (Agência de Promoção as Exportações). Estas adequações são exigências governamentais e que muitas vezes não correspondem necessariamente à demanda dos clientes, principalmente os internos. Nesse contexto, apesar do interesse no mercado externo, a Componentes Ltda. ainda prioriza o mercado interno: “...estamos nos estruturando para exportar com aporte deste dinheiro(...)claro que tem a nossa contrapartida, temos que pagar parte das atividades, atividades estas que eu poderia não fazer - como exemplo, buscar a certificação ISO 9000 - porque o meu cliente não exige esta certificação(...)e exportar, talvez eu nem precise, porque o mercado brasileiro é tão grande que não valeria a pena exportar...” (D. em 11/06/2001). 2.7 Cenário Futuro. Os dirigentes da Componentes Ltda. entendem que as empresas fornecedoras de componentes de calçados desempenharão um papel semelhante ao dos sistemistas na indústria automobilística. A idéia é que os fornecedores terão acesso direto às linhas de montagem de seus clientes e, com isso, as empresas calçadistas não terão mais responsabilidades em relação aos seus estoques, pois estes serão administrados pelas empresas que fornecem os componentes: “...a empresa fabricante de calçado terá uma ligação conosco, onde entregaremos o produto na esteira, sendo que o estoque será nosso, como ocorre com as montadoras de automóvel ...” (D. em 11/06/2001). A dificuldade encontra-se na grande suscetibilidade que este mercado tem com relação à moda e a uma provável pressão por parte dos fabricantes de calçados quanto aos controles de custo e qualidade dos produtos. As empresas deverão tornar-se ainda mais ágeis e flexíveis: “...a moda muda muito rápido, então a flexibilidade das empresas deve ser muito grande. Hoje, a empresa produz um sapato que tem um determinado contraforte, amanhã ela vai produzir um sapato com contraforte maior e, isso vai custar mais caro, porque se utiliza mais material, e então, pelo que se conhece do fabricante de calçado, ele não vai aceitar o preço mais alto e vai ficar apertando o fornecedor para diminuir preço - porque o produto final, no Brasil, não pode ter aumento e a cadeia intermediária tem aumento...”. Com isso o tamanho dos lotes também tende a diminuir “...o lote de calçados é menor, então, o lote de palmilha, por exemplo, será menor; tem a matriz, que atende a dois ou três números, uma grade tem quatro ou cinco matrizes; tem ainda as navalhas, ou seja, o custo para mudar o modelo é grande, e a moda exige que o modelo mude...” (D. em 11/06/2001). Em contrapartida, se as empresas fornecedoras conseguirem passar por esses desafios com sucesso, não mais sofrerão com altos níveis de incerteza quanto à desova de seus estoques. Deverá se estabelecer, portanto, um sistema adequado de confiança e de relacionamento entre os elos da cadeia, o que hoje ainda é incipiente, mas para isso é fundamental que as empresas se organizem com estruturas produtivas maleáveis, o que em contrapartida, poderia implicar em custos maiores. Outra importante mudança vislumbrada no cenário dos fornecedores da indústria calçadista diz respeito à capacidade de se especializar e de oferecer o produto no estágio mais acabado possível: Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 48 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza “...Nós temos uma particularidade no Brasil, porque fabricamos sapatos diferentes do mundo todo (...) na Europa tem uma máquina para conformar e aqui não se conforma com máquina, porque a máquina representa um investimento e as empresas não fazem investimento. Eles colocam um operador que é barato e o produto, ao invés de ficar conformado, fica colado. Isso se justifica pela nossa mão-de-obra barata. Na Europa se compra máquina para fazer isso (...) a Europa sempre foi diferente mas as tendências de lá chegam aqui com uma defasagem de cinco anos e com alguma modificação, mas chegam. A tendência de entregar o contraforte cortado, chanfrado e conformado, certamente vai chegar aqui, só não sabemos quando...” (D. em 11/06/2001). Isso significa que as empresas fornecedoras de componentes deverão, cada vez mais, agregar valor a seus produtos, não só materialmente, mas em termos de serviço, pois para atuar em um modelo sistemista, estas deverão aprimorar ainda mais suas habilidades de comunicação e logísticas. 3 Empreendendo no Vale dos Sinos ... mas como? O caso da Componentes Ltda. sugere uma combinação de fatores como explicativos para a criação e desenvolvimento da empresa. Em primeiro lugar, destaca-se o perfil empreendedor dos dirigentes. Como explicar a chama empreendedora neste caso? Nossa hipótese, é que devemos, é claro, considerar aspectos da personalidade desses dirigentes, mas também, levar em conta as tradições e valores disseminados nesta microrregião marcada pela imigração ainda recente (final do séc. XVIII, início séc. XIX), na qual a cultura empreendedora encontra-se há muito disseminada. Mas neste caso, diferente do que se observa nas grandes empresas da região, em geral familiares, estamos diante da primeira geração. Isto faz com que o estilo pessoal dos dirigentes seja novamente considerado, embora ao falar sobre sua história, os dirigentes evidenciam sua disputa, enquanto afirmação de identidade, com os jovens herdeiros das empresas já consolidadas. Ou seja, novamente a dimensão cultural e os valores disseminados no contexto das interações ganham peso para explicar a vontade de empreender de D. e L. A questão que se coloca é por que produzir equipamentos para a indústria calçadista e, mais especificamente, no mercado de componentes. Nossa hipótese aí está associada ao conhecimento disponível para D. e L. Com vontade empreendedora, suas competências foram otimizadas em favor da ação empresarial. Cabe notar que ambos os dirigentes freqüentaram uma Escola Técnica Estadual da região, reconhecida por seu excelente desempenho na formação técnica. Ou seja, é preciso valorizar as oportunidades de educação formal de boa qualidade, capaz de sustentar e qualificar as iniciativas empreendedoras. A escolha do produto parece ser uma conseqüência quase que direta da inserção da ação empreendedora no contexto do conglomerado coureiro-calçadista do Vale: “...parecia que não tinha outra escolha a não ser componente para calçado ou calçado nessa região...” (sic). As facilidades logísticas são evidentes, associadas a uma rede de relações informais que favorecem o estabelecimento de relações de confiança entre clientes e fornecedores, o que no caso da Componentes Ltda. tem sido paulatinamente conquistada. É importante ressaltar que a proximidade física das empresas é importante nos clusters, qualificação que entendemos que pode ser atribuída ao Vale dos Sinos, pois contribui para a eficiência coletiva do setor. Esta eficiência aumenta à medida que se desenvolve uma rede de troca de informações e cooperação tecnológica entre os agentes (Porter, 1990). Portanto, as implicações da confiança e da cooperação na criação e manutenção de pequenas e médias empresas (PME's) é outro aspecto importante a ser considerado quando essa temática é investigada (Amato Neto, 2000). Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 49 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza Como já referido acima, considera-se que redes verticais de cooperação têm avançado no Vale dos Sinos, lideradas pelas empresas de maior porte e atendendo, sobretudo, às demandas de grandes compradores internacionais. Nesse caso, a cooperação se dá entre uma grande empresa e seus parceiros comerciais: produtores, fornecedores, distribuidores e prestadores de serviços. Outra modalidade são as redes horizontais, nas quais as relações de cooperação se dão entre empresas que produzem e oferecem produtos similares, pertencentes ao mesmo setor ou ramo de atuação, ou seja, entre a empresa e seus concorrentes. Essas redes se estabelecem quando as empresas isoladamente apresentam dificuldades em adquirir e partilhar recursos escassos de produção; em atender interna ou externamente ao mercado em que atuam; em lançar e manter nova linha de produtos; entre outros aspectos (Amato Neto, 2000). Os estudos de Schmitz (1998, 2000) sugerem que para o desenvolvimento de competências capazes de conferir competitividade à cadeia coureiro-calçadista do Vale dos Sinos tais como o desenvolvimento de canais de marketing próprios; a promoção da marca “made in Brasil”; a presença em Feiras Internacionais; e o desenvolvimento de design próprio, a cooperação horizontal é necessária. Ainda, para esse mesmo autor, a possibilidade de desenvolvimento dessas competências é hoje maior para empresas de médio porte e no estabelecimento de redes cooperativas. Outro aspecto a destacar, a partir deste caso, está associado à construção de um espaço de inserção no mercado a partir de lacunas deixadas pelas grandes empresas baseadas em economias de escala. Kotler (1996) chama esse tipo de estratégia de ataque de flanco, que se define como o atendimento de uma necessidade de mercado negligenciada pelos concorrentes. Ao lado dos aspectos favorecedores ao desenvolvimento da empresa, alinham-se igualmente as dificuldades e desafios. A Componentes Ltda., enfrentando já os efeitos do crescimento, tem estrategicamente buscado parcerias, revelando, com isso, o amadurecimento da empresa e, talvez, o anúncio de uma nova etapa em seu desenvolvimento. Hagedoorn (1990) aponta alguns fatores para que as empresas optem pela formação de alianças estratégicas. São eles: internacionalização dos mercados, velocidade, complexidade, interrelação e incerteza no desenvolvimento tecnológico, aumento nos custos de P&D e necessidade de um amplo processo de prospecção tecnológica - aspectos que são consoantes aos problemas atuais da Componentes Ltda.. Assim, a decisão de investir em uma aliança estratégica, não se dá pela busca de inovação tecnológica, mas também está calcada no fato de que as indústrias calçadistas brasileiras não estão preparadas para competir com o calçado popular fabricado em países com baixo custo de mão de obra: “...isso, para nós, é uma ameaça muito grande, porque o nosso produto, que é barato e de pouca tecnologia, tem a tendência de desaparecer (...) simplesmente a nossa agilidade não vai nos sustentar...” (D. em 11/06/2001). Fernandez e Noël (1994) desenvolveram um estudo que contemplam o posicionamento estratégico de pequenas e médias empresas que atendem a um mercado local em face ao processo de globalização da oferta. As tradicionais opções estratégicas de manutenção, crescimento e desengajamento são desdobradas pelos autores em ações internas e externas a serem implementadas. A estratégia de manutenção consiste na empresa manter o mesmo tamanho desempenhando as mesmas atividades. Além disso, ela pode realizar alianças estratégicas verticais (complementares) quando realizadas com empresas que atuam nos elos a jusante ou a montante da cadeia, ou horizontais (suplementares) ao envolverem empresas que realizam o mesmo tipo de atividades. A estratégia de crescimento ocorre quando a empresa desenvolve gradualmente suas atividades, ampliando suas capacitações. Se ela desejar um crescimento rápido, pode optar por Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 50 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza arranjos cooperativos que possibilitem o acesso aos recursos de outra empresa (mercado, capacidade de produção, tecnologia, capital). Por fim, a estratégia de desengajamento refere-se à empresa, sem abandonar seu ramo de atividades tradicional, buscar novas capacitações e novas oportunidades que permitam uma reorientação progressiva de suas atividades. Através de uma aliança estratégica complementar, a empresa pode aprender e desenvolver novos produtos e processos de forma mais eficaz. Uma outra opção disponível, mais radical, quando a situação financeira for deficitária, é a liquidação ou venda da empresa. Quadro1: Opções Estratégicas para Pequenas e Médias Empresas. Opções Manutenção Crescimento Internas Externas Melhoria (custos, produtos) Alianças estratégicas Penetração no mercado, desenvolvimento de novos Alianças estratégicas, Fusões produtos, aumento de produção. Aquicisões Desengajamento Novos produtos ou mercados, Liquidação Alianças estratégicas, Cessão Fonte: Fernandez e Nöel (1994) e Nas três opções estratégicas, a realização da aliança é uma ação externa possível de ser adotada, já que este tipo de acordo de cooperação permite que a empresa aumente suas capacitações para conseguir manter-se num mercado com a presença de uma transnacional. A cooperação pode ocorrer entre as empresas do mesmo porte ou entre empresas de porte distinto. De modo geral, empresas que atuam globalmente tendem a procurar parceiros do mesmo porte. Para uma pequena empresa atrair o interesse de uma grande empresa para a realização de um acordo cooperativo, ela precisa possuir conhecimento de mercado em que atua. Já alianças estratégicas entre empresas de pequeno e médio porte têm como principal dificuldade o gerenciamento desta relação. Normalmente, essas empresas não apresentam sistemas de gestão profissional e apoiam-se nas características pessoais dos proprietários, causando dificuldades para a definição clara dos objetivos e extensão da relação, principalmente entre empresas locais que exercem a mesma atividade econômica e são, tradicionalmente, concorrentes. Afora isso, na perspectiva de ampliação do mercado, a empresa encontra barreiras para atender adequadamente clientes internacionais, como as variações cambiais, além da dificuldade em prestar assistência técnica e atender o cliente em suas demandas específicas. De toda forma, a Componentes Ltda. tem procurado ampliar suas oportunidades de interação com novos clientes e mercados, estando integrada a ASSINTECAL e suas ações nessa direção, como a participação em Feiras Setoriais. Cabe lembrar que, embora tenha havido um decréscimo de 2001 para 2000, a participação brasileira no mercado internacional de componentes para calçados (Tabela III) está crescendo, estatística que é promissora para a Componentes Ltda. e seus dedicados dirigentes. TABELA III - EXPORTAÇÃO DE COMPONENTES DE CALÇADOS ANO 1997 1998 1999 TOTAL 179.659 199.852 282.931 Fonte: ASSINTECAL (milhões de dólares) 2000 495,652 2001 322,857 4 Considerações Finais O caso Componentes Ltda. foi selecionado como objeto deste artigo pelo fato de a empresa, mesmo sendo uma empresa relativamente nova (três anos como fabricantes de máquinas e nove anos com fabricantes de calçados), apresentar uma experiência muito rica. Sua história pode auxiliar a muitos outros empreendedores, que provavelmente se identificarão com alguma das passagens mais importantes vivenciadas pela Componentes Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 51 Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza Ltda.. Contudo, o mais importante é que a história da Componentes Ltda. ainda está no começo, e os principais desafios que a Componentes Ltda. irá enfrentar estão ainda se formando frente aos seus dirigentes. A administração do processo de crescimento de uma organização é algo de difícil manejo, principalmente em mercados onde a velocidade da mudança é muito alta. Decisões como a construção de alianças estratégicas, participação em Feiras e a articulação de estratégias de produção, que são questões difíceis e mais parecem estar ligadas a rotinas de grandes corporações, aparecem aqui numa pequena empresa fabricante de componentes de calçados que apenas luta pela sua sobrevivência. Mas, sobretudo, na busca de compreender os fatores que favorecem a ação empreendedora e o desenvolvimento empresarial, o caso da Componentes Ltda. sugere que a cultura empreendedora do Vale do Rio dos Sinos, a vocação para o couro e o calçado, a disponibilidade de ensino formal de boa qualidade e o capital de relacionamentos e confiança, além da coragem de empreender e inovar, são aspectos a destacar e a investigar novamente em futuros trabalhos. i O caso aqui apresentado tem como objetivo exclusivo o ensino e a pesquisa. Nomes e outros dados que possam identificar a empresa foram alterados. Agradecemos a gentil contribuição dos empresários que atenderam a nossas solicitações de entrevista. ii Não se optou, neste artigo, por definir uma única denominação para as empresas que representam o setor coureiro-calçadista do Vale dos Sinos. Por isso, as mesmas irão ser denominadas ao longo do projeto com outras nomenclaturas. iii Ex-post - medidas de competitividade que contemplam indicadores de natureza tangível como por exemplo: preço e participação relativa de mercado. iv Ex-ante - medidas de competitividade que contemplam os indicadores não-preço, que dependem de fatores como inovações tecnológicas, investimento em capital físico e humano e fatores dependentes dos serviços. v Altenburg & Meyer-Stamer (1999) definem que “um cluster é uma aglomeração de tamanho considerável de firmas numa área espacialmente delimitada com claro perfil de especialização e na qual o comércio e a especialização inter-firmas é substancial". vi Convencionou-se chamar o custo Brasil como o “ônus que recai sobre um produtor doméstico, mas que não incide sobre seus potenciais concorrentes localizados em outros países.” (Pereira, et. al., 2001) Este ônus pode ter tanto uma dimensão econômica, quanto uma dimensão de infra-estrutura. vii Integração fornecedor-cliente. viii Não se quer passar a idéia de que a cooperação se sobrepõe à competição, mas algumas ações de cooperação são benéficas como a missão conjunta em FS ou a troca de informações sobre o mercado em fóruns específicos. ix O material aqui apresentado está baseado em dados primários obtidos através de entrevistas e em dados secundários coletados em material impresso da empresa. x Dados de 2001. xi "Divisória de gesso" refere-se a um projeto desenvolvido por essas empresas em parceria com a Universidade, para o reaproveitamento de resíduos industriais. xii Dados de 2001. 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Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003 54 O Estado da Reforma: balanço da literatura em gestão pública (1994/2002) Antonio Ricardo de Souza* Vinícius de Carvalho Araújo** Resumo O objetivo deste paper é demonstrar para todos aqueles que trabalham com a disciplina de Administração Pública quais são os principais autores e obras da literatura nacional/internacional recente, articulando-os sob os aspectos analítico, metodológico e teórico-conceitual, no sentido de contribuir para a formação de um panorama nesta área no período selecionado (1994/2002). Para tanto, foi adotada uma metodologia específica para este objetivo apresentada por KEINERT (2000). A literatura foi agrupada em cinco loci contemplando a vertente pós-burocrática da gestão pública, os impactos da globalização, as condicionantes do ordenamento políticoeconômico nacional e internacional, as novas tendências no ciclo de políticas públicas e a gestão de políticas sociais. As principais conclusões da pesquisa apontam para a adequação do instrumental analítico adotado para compreensão da literatura em Administração Pública e também para a baixa verticalidade e cumulatividade da pesquisa neste campo, com pouca sistematização e densidade analítica no que refere-se a determinados temas. comprehension of the Public Administration literature and also to the low verticalness and to the accumulation of the research at this area, with few organization and analytical denseness related to determinative themes. Palavras-chave: reforma do Estado; gestão pública; revisão bibliográfica; produção do conhecimento; locus; e focus. Key-words: state reform; public management; bibliographic review; knowledge production; locus; and focus. Abstract The purpose of this paper is to demonstrate for all those who deal with the discipline of Public Administration what are the main authors and works of recent national/international literature, articulating them under the analytical, methodological and theoretical aspects, towards contributing to the formation of a panorama in this field at the selected period (1994/2002). Hence, we adopted a specific methodology to this aim presented by KEINERT (2000). The literature was clustered in five loci including the post-bureaucratic branch of public management, the outcomes of globalization, the conditioners of the national/international political-economic set, the new trends in public policy cicle and the management of social policies. The main conclusions of the research indicate the adequacy of the analytical instrumental used to the * Mestre pela UFSC ** Gestor Governamental da Secretaria de Planejamento do Governo do Estado do Mato Grosso Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo 1 - Introdução O objetivo deste paper é apresentar para o leitor, de forma sistematizada e articulada dos pontos de vista analítico, metodológico e teórico-conceitual, um roteiro sobre os principais autores e suas respectivas obras na área de Gestão Pública e Reforma do Estado no período selecionado (1994/2002). Pretendemos demonstrar para todos aqueles que trabalham com a disciplina de Administração Pública (pesquisadores, estudantes, consultores, professores, profissionais dos setores público e privado, parlamentares, imprensa) quais são os principais autores e obras da literatura nacional/internacional recente, articulando-os de forma congruente, no sentido de contribuir para a cumulatividade da geração do conhecimento nesta área (embora esta não possa ser descrita como um corpo teórico unificado no qual cada desenvolvimento leva em consideração o anterior), conforme descrito por SOUZA (1998) e GORTNER, MAHLER & NICHOLSON (1987). Não se trata de um survey, ou seja, de um levantamento bibliográfico seguindo uma determinada categorização como o elaborado por ABRÚCIO & PÓ (2002), mas de um mapeamento seletivo dos principais temas e variáveis discutidos nesta disciplina no período selecionado (constituindo os cinco loci), dos autores que os desenvolvem, bem como do enfoque adotado (focus). Para tal mister, no Capítulo 2 fazemos uma breve revisão teórica sobre o tópico da produção de conhecimento nesta disciplina (complexo por sua orientação epistemológica), com ênfase para as grandes etapas e paradigmas no Brasil expostos por KEINERT (2000). O ponto mais relevante é a utilização de um instrumental analítico composto pelas categorias do locus e focus desenvolvidas especialmente para análise da literatura em Administração Pública e utilizadas por Tânia Keinert na sua tese de doutoramento na EAESP/FGV. A intenção aqui é suprir uma lacuna importante no que refere-se ao rigor metodológico dos trabalhos nesta área de concentração e ao uso de metodologias pouco elaboradas e adequadas aos seus objetivos. No Capítulo 3 descrevemos a metodologia da pesquisa, distribuída em cinco fases principais, contendo o seu detalhamento, os procedimentos específicos adotados e a sua institucionalidade. No Capítulo 4, apresentamos os loci da produção científica identificados como importantes na periodização referenciada, com a sua correspondente caracterização histórica, analítica e teórico-conceitual, bem como os autores que o compõem, as variáveis com as quais trabalham e suas respectivas abordagens ou problematizações, com algumas comparações importantes para compreensão da totalidade. No Capítulo 5 fazemos algumas observações finais sobre a pesquisa (seus resultados, importância, possibilidades) e seu objeto, salientando a natureza dinâmica e o caráter dos estudos, que geram implicações tanto para a agenda de pesquisas em todos os níveis e os cursos de pós-graduação strictu sensu no Brasil, que têm por objetivo declarado aprofundar a formação teórica de seus quadros e preparar pesquisadores capazes de refletir sobre a nossa realidade e ampliar as fronteiras da ciência organizacional. No Anexo I apresentamos uma tabela contendo a taxonomia dos autores de acordo com os loci que foram situados. Tal tabela é importante, pois contribui com a visão panorâmica que pretendemos gerar com este trabalho. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 56 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo 2 – Revisão da literatura A Administração Pública (AP) no Brasil sempre esteve vinculada ao conceito de “público”. Desta forma, os vários paradigmas existentes para seu estudo e análise, segundo KEINERT (2000), podem ser verificados do ponto de vista metodológico a partir das categorias analíticas de locus e focus. O locus é o que determina o território a ser estudado e analisado definindo os fenômenos empíricos. É o local institucional do campo (institucional where). No caso da temática em questão, um locus muito conhecido pela sociedade é a burocracia governamental, embora a sua localização venha sendo questionada por diversos autores e estudiosos da área de Sociologia Política. O focus é a perspectiva teórica que subsidia as discussões, análises e compreensões no campo da temática. Neste caso, o focus é o instrumental analítico utilizado em determinado “enfoque especializado” (especialized what). O focus mais utilizado tem sido os “Princípios da Administração” que expressa idéias e conceitos aplicáveis ao aparelho (KEINERT, 2000). Assim, para que se estabeleça um referencial teórico-analítico é importante que os estudantes, pesquisadores, professores e, de uma forma geral, os interessados nesta disciplina tenham a clareza do conceito de público, enfatizando tanto o locus (objeto) do estudo como o focus (abordagem) utilizados nas análises. Sendo assim, é possível resumir o referencial analítico (focus) da AP - expresso nas principais publicações – com destaque para a Revista de Administração Pública (RAP) da EBAP/FGV - a partir de três etapas paradigmáticas: 1ª) ETAPA: Paradigma Público-Estatal (1930-1979): o termo “público” pode ser entendido como aquilo que é “de todos para todos”, referindo-se à “coisa Pública” (res publica) e ao “interesse público” (KEINERT, 2000; BRESSER PEREIRA (1995a, 1996b, 1997, 1998a, 1999a, 1999c). Assim, os diferentes conceitos de “público” envolvem questões de poder, política, legitimidade e de valores. Do ponto de vista histórico, vários outros sentidos de “público” vem sendo desenvolvidos, estudados e utilizados nestes referenciais analíticos da AP, quais sejam: (a) forma de propriedade pública ou privada; (b) perspectiva jurídica pública ou privada; (c) propriedade “pública não-estatal”; (d) os novos direitos públicos ou republicanos – direitos do consumidor, direito ambiental, dentre outros; (e) o público como o oposto ao secreto – o público como espaço institucional – relação Estado-Sociedade – Gestão Pública. Este Paradigma Público-Estatal apresenta duas vertentes bem interessantes no que refere-se à relação Estado-Sociedade e ao conceito de “público”. A primeira vertente, conhecida como Matriz Estadocêntrica, pode ser definida como uma corrente do pensamento sócio-político que tem como característica o intervencionismo estatal e enfatiza a figura central do Estado como o principal mentor e articulador do desenvolvimento econômicosocial (KEINERT, 2000). Em relação ao conceito de “público”, tal centralidade do Estado produziu um tipo de relação social conhecida como Estado-Sociedade, historicamente autoritária do primeiro para com a segunda, passando na atualidade por uma rearticulação que, segundo KEINERT (2000), é conhecida como “deslocamento do público” que significa a transição de uma matriz centrada no Estado (Matriz Estadocêntrica), expressa pelo epíteto “O Público no Estado”, para a matriz centrada na Sociedade (Matriz Sociocêntrica), ou seja, “O Público na Sociedade”. A segunda vertente é a Burocrática, que tem as suas origens na divisão social do trabalho, preconizada pelo autor escocês Adam Smith, em seu clássico A Riqueza das Nações (1776) e pelos trabalhos do sociólogo alemão Max Weber. Com base em algumas Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 57 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo observações feitas na sociedade prussiana e observando a mecanização da indústria e a proliferação das formas burocráticas de organização nos setores público e privado, Weber sintetizou, em seu célebre tipo ideal de organização, as principais características de uma burocracia, ensejando em seu conceito de dominação racional-legal (KEINERT, 2000). 2ª) ETAPA: Crise dos anos 80: a crise do Estado, de acordo com alguns autores tais como BRESSER PEREIRA (1995a, 1995b, 1996a, 1996b, 1997, 1998a, 1998b, 1999a, 1999b e 1999c); DINIZ (1996, 1997, 2000a, 2000b); dentre outros, gerou a sua crítica. Portanto, a AP (única disciplina das ciências humanas e sociais que tinha o estatal como sinônimo de público, por forte influência do Direito Administrativo) acaba sofrendo um processo de fragmentação temática, tanto no ensino como na pesquisa, gerando nestes campos apenas trabalhos voltados para temáticas setoriais. Tentou-se, diante desta crise nos fins dos anos 70 e início dos anos 80, uma articulação com outras áreas do conhecimento (como por exemplo a Ciência Política). Entretanto, devido aos fracassos administrativos no setor público no Brasil, a AP entra nos anos 80 numa crise de paradigma, não conseguindo dar respostas às demandas sociais e superar as suas dificuldades de ordem gerencial/organizacional (KEINERT, 2000). Um dos marcos de tal crise é o Programa Nacional de Desburocratização (PrND), lançado no final de 1979 e regulamentado no início dos anos 1980. Por meio deste, alguns dos principais obstáculos (e entraves gerenciais) da AP foram removidos, com destaque para os mais arraigados e diagnosticados tanto pela própria burocracia governamental como pelos estudos e pesquisas publicados nos anos 90, quais sejam: (a) a forte centralização burocrática exercida por algumas das principais agências formuladoras de políticas públicas (a exemplo da área de planejamento), vinculadas à Presidência da República; (b) os fortes traços da herança colonial presente na cultura política brasileira, fortalecendo algumas práticas clientelistas e fisiológicas, típicas de um Estado patrimonial como o brasileiro; (c) déficit de accountability, ou seja, mecanismos de prestação de contas do Estado para a sociedade, levando os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a estabelecerem uma relação autoritária e sem transparência; (d) a hipertrofia do Executivo e o agigantamento do aparelho estatal, provocando uma baixa qualidade dos serviços públicos e às vezes a total ineficência em alguns setores tais como saúde, educação e segurança pública, revelando talvez, o mais importante obstáculo da sociedade em relação ao atendimento das demandas sociais (KEINERT, 2000; MARTINS, 1995; BRESSER PEREIRA, 1995a, 1995b, 1996a, 1996b, 1997, 1998a, 1998b, 1999a, 1999b e 1999c & BRESSER PEREIRA ET ALII, 1999). O mais importante diagnóstico deste período foi formulado com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado em 1995, que lançou as principais bases para a superação do paradigma burocrático em crise e a construção do novo: o Emergente Paradigma PósBurocrático. 3ª) ETAPA: Paradigma Emergente- o “Interesse Público”: Segundo KEINERT (2000), este paradigma apresenta também, duas vertentes bem interessantes em relação ao EstadoSociedade e ao conceito de público. A primeira vertente, conhecida como Matriz Sociocêntrica, surge a partir de um contexto de rápidas transformações sociais, tecnológicas, econômicas, culturais. Tais mudanças advêm da globalização da economia e da crise do Estado, simbolizada por sua exaustão financeira e o baixo atendimento das demandas sociais. Desta forma, no momento em que aparece esta crise de confiança e de legitimidade do Estado em relação à sociedade, o espaço público passa a se articular mais a partir da última e menos do primeiro. De modo geral, tal Matriz Sociocêntrica caracteriza-se pelo aparecimento de novos atores sociais e políticos ocupando novos espaços na formulação e implementação de políticas públicas centradas na sociedade (movimentos sociais, sindicatos, ong’s, etc): “O Público na Sociedade”, segundo KEINERT (2000). A segunda vertente conhecida como PósRevista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 58 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo Burocrática, constitui-se num padrão de gestão pública com duas funções básicas, a saber: (a) organização do setor público a partir da adoção de modernas ferramentas de gestão, a exemplo da descentralização voltada para o aumento da eficiência e produtividade e; (b) voltada para o atendimento do cidadão de forma participativa e com controle social. Estas funções são complementares na medida em que a AP garanta o seu entrelaçamento, articulando desta maneira a defesa da “coisa pública” e a responsabilização social (accountability), focalizando o cidadão-cliente ( KEINERT, 2000; BARZELAY, 1994; OSBORNE & GAEBLER, 1994). 3 – Metodologia O objetivo desta pesquisa foi realizar um mapeamento seletivo da literatura em gestão pública e reforma do Estado gerada entre 1994 e 2002, para permitir aos leitores uma visão panorâmica acerca dos principais autores, seus objetos de estudo principais e as abordagens para gerar um roteiro sobre o que ler nesta disciplina. A sua metodologia pode ser resumida nas seguintes fases: A. Levantamento da literatura a ser trabalhada, com um inventário da produção científica na disciplina, seus autores e respectivas obras. Foram priorizados os periódicos e livros editados pela Escola Nacional de Administração Pública – ENAP entre 1994 e 2002, tais como a Revista do Serviço Público, os Textos para Discussão e os Cadernos ENAP . Tal priorização decorreu da instrumentalidade que esta instituição teve para a reforma do Estado e de seu aparelho na União a partir da criação do MARE e do Conselho da Reforma do Estado em 1995. Foram considerados também os periódicos internacionais Administrative Theory and Praxis e European Journal of Sociology/Archives Européennes de Sociologie e algumas editoras brasileiras e estrangeiras (selecionadas de acordo com a articulação de sua linha editorial para com o objeto da pesquisa). Apenas os trabalhos em língua inglesa selecionados para a pesquisa constituem uma exceção e não enquadram-se na sua periodização, devido à importância conferida aos respectivos autores; B. Caracterização de cada locus, enfatizando os seus aspectos teóricoconceituais, metodológicos, históricos e analíticos. Trata-se da delimitação de um locus específico do campo selecionado pela pesquisa, dentro do paradigma emergente e das duas funções engendradas por seu modelo de gestão; C. Agrupamento das variáveis que compõem os diversos loci identificados nesta área em cinco e posterior taxonomia dos autores conforme com tal divisão; D. Seleção dos autores de acordo com alguns critérios, quais sejam: 1) O locus que desenvolvem - foram reunidos aqueles que trabalham com as variáveis de um mesmo locus, mas que as abordam ou problematizam de forma diferente (focus). 2) Horizontalidade – a partir das variáveis que compõem cada locus foram identificados diversos objetos de estudo importantes na disciplina (privatização, publicização, agencificação, contratos de gestão, ciclo de políticas públicas, políticas sociais, reestruturação, Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 59 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo inovações, cultura política) e os autores que os abordam. Prevaleceu aqui o caráter mais descritivo do que analítico dos trabalhos, dado que nem todos os objetos contam com abordagens mais detalhadas e adensadas, em virtude de problemas estruturais na disciplina expostos por SOUZA (1998). 3) Verticalidade – alguns autores foram selecionados mais pela profundidade com a qual abordam determinados objetos considerados relevantes, ou seja, pelo refinamento analítico dos seus trabalhos, embora possa parecer um pouco repetitivo certas vezes para o leitor. 4) Publicações – um critério adotado para mensurar o peso de cada autor no debate sobre a reforma do Estado e a gestão pública no período da pesquisa e selecioná-lo foi o número de publicações nos periódicos nacionais/internacionais e as citações dos outros autores com referência ao objeto trabalhado e/ou ao acabamento analítico. Determinados autores que podem figurar em dois ou mais loci foram situados naquele onde se encaixam com mais propriedade segundo os critérios de seleção expostos acima; E. Descrição de cada autor e suas obras segundo as variáveis que compõem o locus e o focus. O destaque nesta fase foi dado ao focus, já que todos os autores agrupados no mesmo locus assemelham-se. É importante lembrar que o focus em geral é composto por categorias de uma disciplina ou mesmo de campos trans, multi e interdisciplinares, conforme a definição de BIROCHI (2000). A grande vantagem da adoção de tal procedimento metodológico é a base de comparabilidade gerada entre os diversos trabalhos por seu agrupamento. Destacamos aqui que tal pesquisa foi realizada no âmbito de um curso de especialização em “Políticas e Estratégias para o Setor Público” realizado pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT dentre os anos de 1999 e 2000 e financiado com recursos de convênios (Secretaria da Fazenda do Estado de Mato Grosso, Secretaria de Finanças da Prefeitura Municipal de Cuiabá, UFMT) e dos próprios estudantes através de mensalidades. 4 – Locus 4.1. Locus I – vertente pós-burocrática de gestão pública A vertente burocrática do paradigma Público-Estatal de Administração Pública, construído nos países centrais a partir da segunda metade do século XIX e difundido em todo mundo durante o século XX e, em especial, no pós-guerra, entrou em crise após longo período de hegemonia. Contudo, a crise não se manifestou apenas na dimensão administrativa do Estado, ou seja, em seu aparelho. Ocorreu de forma simultânea também na dimensão referente à intervenção do Estado na economia (com o obsoletismo de todo o instrumental macroeconômico keynesiano) e também na dimensão das políticas sociais, consolidadas no chamado Estado de bem-estar social ou Welfare State3. É mister lembrar que tais dimensões foram articuladas pelo pacto fordista celebrado nos países centrais no pós-guerra. Há uma série de autores, portanto, que abordam a crise do Estado e transição para um novo paradigma, a partir das mais diferenciadas matrizes teórico-analíticas. A maior parte Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 60 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo destaca a chamada crise fiscal como componente central que conduziu a esta situação. A divergência ocorre, no entanto, quando são levantadas as causas que geraram esta crise, consubstanciada no déficit público crescente e no endividamento interno/externo. Os autores de inspiração marxista como O´CONNOR (1977); OFFE (1989, 2001) e POULANTZAS (1984), caracterizam de modo geral a crise do Estado, intensificada a partir dos anos 1970, como apenas mais uma crise inerente ao modo de produção capitalista dado que, para Marx e todos aqueles que utilizam-se das suas categorias analíticas, o capitalismo está fadado a crises cíclicas de superprodução e insuficiência de consumo e traz em si os embriões da sua própria destruição final. Para outros autores de orientação mais liberal ou da escola neoinstitucionalista como HUNTINGTON (1968) e HUNTINGTON, CROZIER e WATANUKI (1975), o cerne da crise fiscal do Estado está na sobrecarga de demandas pelo Estado e na incapacidade de agenciamento e legitimidade das instituições políticas, conduzindo à uma situação de ingovernabilidade. Os autores que melhor descrevem no Brasil, portanto, este objeto e conseguem dar uma formulação ou acabamento teórico adequado à vertente que emerge para suprir as lacunas da burocracia tradicional são ABRÚCIO (1998, 2001, 2002a, 2002b); BRESSER PEREIRA (1995a, 1995b, 1996a, 1996b, 1997, 1998a, 1998b, 1999a, 1999b, 1999c); RUA (1999) e BARZELAY (1994), dentre outros. ABRÚCIO (1998, 2001, 2002a, 2002b), doutor em Ciência Política pela USP e considerado um dos expoentes da nova geração (vinculado à EAESP/FGV, à PUC/SP e ao CEDEC), aborda em seus trabalhos o locus governamental (com destaque para a sua crise) e detalha os principais aspectos da vertente pós-burocrática, adotando o focus da Ciência Política (que inclui variáveis como atores, processo interacionista, relação agente-principal, etc) e colocando sempre numa perspectiva internacional, com destaque para a experiência norte-americana, da comunidade britânica e dos países da OCDE expressa nos manuais de “bom governo” e nos autores que abordam o histórico das reformas. O autor costuma destacar também as ferramentas de gestão mais recorrentes da Administração Pública Gerencial, além de apreciar as outras dimensões da crise do Estado, com ênfase para a incapacidade das instituições políticas de intermediar os interesses dispersos pela sociedade e a reforma do aparelho no contexto do federalismo (Estados, regiões metropolitanas e municípios). BRESSER PEREIRA (1995a, 1995b, 1996a, 1996b, 1997, 1998a, 1998b, 1999a, 1999b, 1999c) é hoje o principal autor brasileiro nesta área e encontra-se entre os mais destacados em toda a América Latina. A sua passagem como ministro pelo extinto MARE (Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado) durante o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) fez dele o principal condutor da reforma do Estado e de seu aparelho no Brasil, salientando a criação do Conselho de Reforma do Estado e a subsequente elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado em 1995 e a aprovação das Emendas Constitucionais 18/98 e 19/98, que alteraram dispositivos importantes da Carta Magna no Capítulo da Administração Pública (Cap. VII, Título III). Os seus textos trazem um amplo diagnóstico interdisciplinar sobre a crise do Estado, adotam um focus jurídico, economicista e sociológico, coerente com a formação do autor (bacharel em Direito, mestre em Administração e Doutor em Economia). São utilizadas as principais categorias weberianas para compreender melhor o histórico de reformas do aparelho do Estado empreendidas no Brasil (DASP, DL 200) e algumas tais como governabilidade e governança que estão em evidência na atualidade. Ainda nos aspectos sociológicos, o autor enfatiza o padrão de articulação Estadosociedade expresso nos inúmeros mecanismos de controle espalhados por todo o aparelho. É através destes que a sociedade civil contrabalança o poder monumental do Estado e interfere Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 61 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo nas suas decisões. É interessante notar que ao longo do período Bresser deslocou-se das orientações econômica e técnica para a denominada orientação política, que privilegia o controle social (BRESSER PEREIRA, 1998a) . No aspecto econômico, o autor destaca a articulação da reforma do Estado com as grandes crises cíclicas do capitalismo (queda da Bolsa de New York em 1929, petróleo nos anos 1970, dívida externa na década de 1980), suas implicações fiscais advindas da sobrecarga de demandas após a redemocratização no Brasil, o mercado de trabalho no setor público, as formas de propriedade no capitalismo contemporâneo (estatal, pública não-estatal e privada), além do papel do Estado neste contexto. A partir daí, Bresser constrói seu marco referencial-comparativo para a transferência dos ativos de uma forma para outra (agencificação, contratualização, publicização e privatização), introdução de quase-mercados e competição administrada no interior do aparelho, regulação de setores nos quais haja presença de monopólios naturais e externalidades positivas e negativas, etc. O autor situa também a reforma do Estado e de seu aparelho num quadro internacional (com destaque para os países da OCDE), fazendo as ressalvas necessárias e derrubando os rótulos ideológicos tradicionais quando se aborda esta temática, como o de “neoliberal” que as forças de esquerda em geral imputam aos defensores do paradigma emergente. É prudente lembrar também que boa parte dos seus textos é dedicada à crítica dos autores neoconservadores da Teoria Escolha Pública e o alinhamento da reforma proposta pelo PDRAE mais ao centro (compondo um projeto social-democrata ou social-liberal), enfatizando a ruptura com o individualismo metodológico. RUA (1999), doutora em Ciência Política pelo IUPERJ – centro com tradição mais canônica nesta disciplina segundo MELO (2002b) - faz considerações sobre a evolução da Administração Pública da fase burocrática para a gerencial, tipificando-as muito bem e destacando alguns dos principais dilemas engendrados. Dentre eles está a distinção entre as dimensões técnica e política da burocracia (autonomia x neutralidade) gerada com base de uma determinada leitura do esquema analítico proposto por Weber que revela-se equivocada para o cumprimento dos pré-requisitos do aparelho do Estado trazidos pela sua reforma, da forma compreendida por autores norteamericanos como Peter Evans. O focus adotado por ela privilegia as categorias sociológicas e de Ciência Política, salientando aquelas típicas da Sociologia da Burocracia. BARZELAY (1994), que utiliza a vertente pós-burocrática para caracterizar a continuidade-ruptura nas organizações públicas, descreve com detalhes a experiência de reforma administrativa no Estado norte-americano de Minesota nos anos 1980, ganhadora de um prêmio para iniciativas desta natureza na esfera estadual e municipal instituído pelo Fundação Ford e a Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard. O autor enfatiza, portanto, as principais ferramentas de gestão utilizadas nesta experiência como os fundos rotativos de financiamento dos serviços públicos, a divisão do aparelho do Estado em agências de linha e de apoio prestando serviços entre si, a competição administrada e a ênfase no cidadão-usuário, todas típicas da vertente pós-burocrática. O focus adotado por este autor situa-se no campo administrativo e concentra-se nos princípios (idéias e conceitos aplicáveis ao aparelho) da vertente burocrática e na sua passagem para a pós-burocrática, articulando-as numa perspectiva histórica com a Administração Científica de Frederick W. Taylor no início do século XX (entendendo a burocracia tradicional como a transposição do instrumental taylorista-fordista de gestão para o setor público) e a nova vertente associada ao padrão tecnológico da produção atual denominado de acumulação flexível ou toyotismo. 4.2. Locus II - Os impactos da globalização no aparelho do Estado Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 62 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo O atual processo globalizante, a exemplo dos anteriores na história da humanidade, caracteriza-se de modo fundamental pela intensificação de trocas comerciais e financeiras e pelo seu forte conteúdo tecnológico (em especial nas áreas de transporte, telecomunicações, informática, robótica, microeletrônica e biotecnologia). Este fluxo mais livre de capitais, mercadorias e pessoas engendrou um novo ordenamento geopolítico-econômico internacional e agiu como catalisador das principais mudanças no âmbito dos Estados nacionais e mesmo na formação de um espaço transnacional, tanto para a atuação do capital quanto dos Estados (blocos regionais como o Mercosul, NAFTA e União Européia e organismos multilaterais como a OMC, ONU e as suas diversas agências setoriais). Despontam alterações importantes na geopolítica internacional tais como a dissolução da União Soviética e seus aliados (queda da “cortina de ferro”); o surgimento de um grupo de países recém-industrializados no sudeste da Ásia4 especializados nas exportações de componentes e produtos eletro-eletrônicos chamados de “tigres asiáticos”; a reestruturação interna da China na direção da economia de mercado e sua recolocação externa com o ingresso recente na Organização Mundial do Comércio - OMC; o desmonte do Estado de Bem-estar nos países centrais e do Estado desenvolvimentista na periferia do capitalismo, dentre outras, trouxeram consigo a nova realidade que vivenciamos e que, para muitos, ainda é uma incógnita. Entretanto, para muitos a globalização apenas catalisou elementos e reações latentes nas respectivas sociedades que atingiu. Os seus principais impactos foram: (1) Desmonte parcial do Estado de Bem-estar nos países da Europa Ocidental e nos Estados Unidos, pois este se agigantou ao incorporar demandas demasiadas e tornou-se um entrave para o crescimento da economia, pois saiu da condição de formador de poupança para despoupador líquido (por conta das altas taxas de juro geradas pelo déficit público e vice-versa); (2) Fim do ciclo nacional-desenvolvimentista (iniciado a partir da crise de 1929) nos países asiáticos e da América Latina, acompanhado pela introdução do que John Williamson chamou de “Consenso de Washington” (redução do Estado, estabilização da moeda, internacionalização da economia, liberalização financeira, desregulamentação de atividades, eliminação do déficit público através de profundo ajuste fiscal, seletividade no financiamento das políticas públicas, etc); (3) Colapso do modo de produção e do regime político soviético e dos seus países satélites (Europa Oriental), com todas as dificuldades, inerentes à transição para o capitalismo e a instalação de um regime democrático nos moldes ocidentais; (4) Transnacionalização do capital privado e migração de algumas atividades industriais para países da periferia por conta das suas vantagens competitivas (e geração de índices crescentes de desemprego nos países centrais); e (5) Esvaziamento da capacidade e autonomia dos Estados nacionais no que tange às políticas públicas, em especial as macroeconômicas (fiscal, cambial, monetária, preços, salários), em virtude da ampla mobilidade de moeda e da desterritorialização dos fatores de produção advinda com a globalização com recorte tecnológico. Portanto, os impactos destas transformações nos Estados nacionais ao redor do mundo, que constituem o Locus II, são bem abordados e descritos por inúmeros autores na atualidade, dentre os quais destacamos, KOUZMIN (1998); PINHEIRO/GIAMBIAGI (1999); AHUMADA/ANDREWS (1998); FARMER (1998); e HAQUE (1998). Todos descrevem, com importantes variações no focus, como os governos estão reestruturando os seus respectivos aparelhos no sentido de ampliar sua capacidade financeira, técnica e gerencial para fazer frente ao novo ordenamento político-econômico internacional e melhor administrar os interesses de suas coletividades, lideradas pelas respectivas elites. KOUZMIN (1998) avalia os principais impactos da globalização na capacidade gerencial dos governos ao redor do mundo, passando pela formação dos blocos regionais e da contraposição dos Estados nacionais com os transnacionais e globais. O autor propõe a Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 63 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo desconstrução da retórica hegemônica centrada na ampliação da governance e das capacidades institucionais e sugere elevação da capacidade de aprendizado dos governos, utilizando um focus com prevalência das disciplinas de Economia Política, Filosofia e Relações Internacionais. PINHEIRO E GIAMBIAGI (1999) situam a privatização recente mais no nível da reforma do Estado do que de seu aparelho. Eles relacionam o Programa Nacional de Desestatização – PND – com a política macroeconômica do período analisado, com destaque para a sua contribuição para a dinâmica de evolução da dívida pública e as receitas extraordinárias federais, além dos aspectos microeconômicas pós-privatização de cada setor (siderurgia, energia, telefonia, transportes, saneamento etc). O focus utilizado concentra-se nas disciplinas de Economia e Economia Política. Uma das razões do sucesso desta parceria é que os autores complementam-se, com Pinheiro concentrando-se mais na microeconomia da privatização e Giambiagi na sua macroeconomia. AHUMADA/ANDREWS (1998) analisam com um bom grau de detalhamento como as elites dos países em desenvolvimento (adotando como casos os exemplos de Brasil e Colômbia) aproveitaram-se de circunstâncias específicas como a hiperinflação e a crise da dívida externa herdadas dos anos 1980 para reorganizar e relegitimar a implementação da agenda neoliberal, ainda que de forma seletiva. No caso brasileiro, as autoras argumentam como a partir da implementação do plano de estabilização monetária (Plano Real) em 1994, o restante dos itens que compõem a chamada “agenda neoliberal” foi apresentado para a população como indispensável para a manutenção da estabilidade de preços e a inserção assimétrica da economia brasileira nos mercados internacionais. No caso colombiano, apresentam como as respostas pontuais adotadas para o combate à guerrilha de esquerda ligada ao narcotráfico e as milícias de direita que surgem como contrapeso às primeiras acabaram também generalizando as políticas adotadas nos outros países do subcontinente. O focus adotado pelas autoras é sociológico e economicista. HAQUE (1996) analisa as implicações pontuais da globalização para as várias camadas sociais e, sobretudo, para a legitimidade, integridade e capacidade técnico-gerencial do Estado e de sua burocracia no contexto dos países asiáticos. O focus deste autor tem maior presença da Ciência Política, Economia Internacional, Administração Pública e do campo transdisciplinar do “desenvolvimento” em formação na atualidade. FARMER (1998), professor de Ciência Política e Administração Pública na Virginia Commonwealth University, utiliza-se de uma metáfora sobre o comportamento dos porcosespinho durante o inverno - quando precisam aproximar-se para reduzir o frio - citada pelo filósofo polonês Arthur Schopenhauer para descrever a mudança hegemônica que estamos atravessando e os dilemas engendrados por ele para os Estados nacionais e seus aparelhos. O autor debate a transição paradigmática na disciplina de Administração Pública e propõe uma nova linguagem baseada nos legados (economicista, pós-político e pós-administrativo) que devem ser trabalhados pela anti-administração e privilegia um focus composto por categorias da Ciência Política, Administração Pública e Filosofia. 4.3. Locus III - As condicionantes do ordenamento político-econômico nacional e internacional Todo a transição da vertente burocrático-weberiana adotada pela maior parte dos países para a pós-burocrática (Nova Administração Pública para alguns autores), não ocorre num vácuo histórico ou desenvolve-se a partir daquilo que os cientistas sociais chamam de “tábula rasa”, ou seja, desconsiderando o passado recente e raízes mais profundas das respectivas civilizações. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 64 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo As realidades políticas, institucionais, culturais, éticas, ideológicas e econômicas são diversificadas e os atores da reforma do Estado e de seu aparelho ao redor do mundo têm que compreende-la para lidar de modo adequado, independente das suas vontades individuais. Dentre tais fatores podemos incluir, com certeza, estes elencados abaixo (sem hierarquização, pois todos são articulados e interdependentes entre si): 1) Variáveis organizacionais como cultura, desempenho, liderança, tarefa, motivação, clima, estruturas e outras que já permeiam as organizações do setor público nos países que adotam programas de reforma; 2) A cultura política brasileira, com sua influência hispano-portuguesa advinda da longa colonização e as instituições que ainda condicionam o comportamento dos nossos principais atores sociais (elite dirigente, burocracia estamental5, cidadãos, partidos, empresários, etc); 3) As demandas da sociedade civil por ética e profissionalização dos agentes públicos, para reduzir a corrupção e permitir que as políticas públicas deixem de ser capturadas por grupos de pressão articulados em torno do aparelho do Estado em detrimento da maior parte da população desorganizada, gerando o fenômeno conhecido como rent-seeking7; 4) O formato das instituições vistas hoje como categorias centrais para o desenvolvimento de uma determinada nação, como os procedimentos de eleição dos dirigentes no Poder Executivo e no parlamento, a relação entre os representantes eleitos e a burocracia e destes últimos para com a cidadania organizada, aprimorando a accountability e a relação agente-principal; 5) Os aspectos referentes à crise do Estado, desde a sua dimensão administrativa (vertente burocrática), fiscal (desarticulação da matriz de financiamento) do modo de intervenção (keynesianismo), de proteção social (Welfare State) até questões existenciais e relacionadas à dinâmica de expansão das estruturas do seu aparelho e da contradição para com a sua atividade empresarial, que teve de ser revertida em função do fim de um determinado ciclo histórico. Portanto, uma vez caracterizado o locus, podemos partir para a descrição dos seus principais autores e obras. Aqueles considerados mais relevantes para os objetivos do presente trabalho são DINIZ (1996, 1997, 2000a, 2000b); DUPAS (1999, 2001a, 2001b); FIORI (1995); GORTNER, MAHLER & NICHOLSON (1987); ALISSON (1971); ELSTER (1987); CATALÁ (1998); e MARTINS (1995). Vamos a eles. Os trabalhos da autora brasileira DINIZ (1996, 1997, 2000a, 2000b), cientista política pela USP vinculada à UFRJ e ao IUPERJ, figuram com certeza dentre os mais importantes da produção científica na área de gestão pública no Brasil, com destaque para a análise da crise do Estado utilizando as categorias de governabilidade e governança no seu focus. A autora critica em seus papers a tese defendida pelo cientista político Samuel Huntington, com uma dimensão tecnicista embutida na governabilidade (categoria introduzida por ele no paper Crisis of Democracy em 1975). Para este autor a essência da crise do Estado (que teria o desajuste fiscal como um subcomponente) reside na incapacidade das instituições políticas tradicionais de agenciamento dos conflitos e intermediação dos interesses dispersos pela sociedade na sua relação com o Estado e seu aparelho. Tal compreensão contemplaria a categoria da governança ou governance como os autores anglófonos preferem, que é caracterizada pelos aspectos adjetivos ou instrumentais da governabilidade, ou seja, dadas determinadas condições de exercício legítimo do poder político pelo Estado, a capacidade financeira, técnica e gerencial deste último - e dos seus governos em especial - de formular/implementar/avaliar as políticas públicas. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 65 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo Ao aplicar este focus à nossa realidade contemporânea, a autora articula o esgotamento de um determinado padrão de relação Estado-mercado (projeto nacional-desenvolvimentista) às dificuldades inerentes à institucionalização da democracia após anos de autoritarismo e à explosão de demandas sociais daí advindas, embora vislumbre a hiperatividade decisória cercada pela falência executiva como o nó crítico do desempenho governamental. DUPAS (1999, 2001a, 2001b), ao compreender a governabilidade como capacidade de coordenação dos diversos atores pelo Estado e situa-la num marco internacional no qual a hegemonia de outrora destes fica reduzida, aborda com muita propriedade o caráter assimétrico da globalização e da pós-modernidade para alguns países de destaque da periferia denominados de “emergentes”, apresentando os impasses da abertura comercial/financeira, o papel da tecnologia e da empresa, os pactos sociais e o equilíbrio de conflitos, a relatividade dos blocos econômicos, dentre outros aspectos determinantes para a compreensão adequada dos desafios contemporâneos nesta área. O autor caracteriza a intermediação capital-trabalho promovida pelo Welfare State e faz considerações sobre a sua contra-parte pós-fordista, com ênfase para a baixa legitimação, que acabam compondo um circulo vicioso gerador dos problemas atuais. Os aspectos econômicos são colocados como variável independente na sua análise (de acordo com a tese da inexorabilidade da globalização, entendida como imperativo tecnológico) e os aspectos sociais e políticos como dependentes. O focus adotado é composto por categorias de Economia Política (em especial relações econômicas internacionais), Ciência Política, Sociologia, História, Relações Internacionais e Filosofia, com destaque para autores tais como Bobbio, Habermas, Hobsbawn, Arrighi, Castells, Touraine, Giddens, Hirshman, Hirst, dentre outros. FIORI (1995), economista e doutor em Ciência Política pela USP ligado ao Instituto de Economia da UFRJ, propõe nos seus trabalhos uma outra problematização para o locus da globalização. Os aspectos políticos são vistos como variável independente no seu esquema analítico, afirmando que o movimento globalizante em curso derivou de algumas decisões importantes por parte dos países centrais que, por seu conteúdo e direção, só podem ser tomadas em conjunto, como a liberalização financeira e o relativo abandono do regramento pactuado em Bretton Woods, que resultaram na livre circulação internacional de capitais (como o abandono da conversibilidade do dólar em ouro a partir de 1971). O autor argumenta que a governabilidade, uma categoria estratégica ressiginificada por cada ator de acordo com a sua estratégia, torna-se, portanto, situacionista por definição. Na conjuntura atual para países como o Brasil, o discurso pró-mercado apresenta as reformas de orientação liberal como condição indispensável para a governabilidade e esta última como pré-requisito para as primeiras, fechando uma circularidade que confunde os atores e, por conseguinte, o seu posicionamento diante da agenda neoliberal, inclusive as forças mais à esquerda. Fiori alinha-se a um conjunto de autores neomarxistas que seguem uma tendência hiperestruturalista ou até neodependentista (como Robert Kurz, Giovanni Arrighi e François Chesnais) na qual as elites nacionais são meras reféns ou sócias das decisões tomadas nas arenas internacionais por agentes que lhe fogem ao controle – não havendo espaço para iniciativa política dos governos. O focus adotado por Fiori baseia-se na Economia Política, Ciência Política e no campo interdisciplinar da Antropologia Econômica iniciado em 1944 por Karl Polanyi em A Grande Transformação. GORTNER, MAHLER & NICHOLSON (1987), uma tríade de autores norteamericanos da Universidade Estadual de Michigan, elaboraram um tratado ou compêndio que reúne as principais tipologias existentes na literatura norte-americana e européia sobre as variáveis que compõem uma organização pública a exemplo da liderança, tarefas, estrutura, comunicação, motivação, sistemas de informação, desenvolvimento organizacional etc. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 66 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo Trata-se de uma leitura apropriada para aqueles iniciantes que buscam aprofundamento na disciplina e também sua integração com a realidade organizacional, pois traz vários casos e gera a possibilidade de contato com autores desconhecidos aqui no Brasil por não pertencerem ao mainstream8. É necessário que se façam ressalvas pelas diferenças culturais entre os Estados Unidos e o Brasil, sobretudo no que tange ao respeito às instituições e preceitos constitucionais/legais e ao estágio de consolidação da burocracia, bem mais avançado do que aqui. O grande diferencial desta obra está com certeza no focus adotado, pois há uma carência muito grande de trabalhos desta natureza na área de gestão pública, que reúnam tipologias de diversos autores referentes às variáveis organizacionais. Não conseguimos identificar nenhum autor brasileiro que tenha realizado trabalho similar nesta disciplina. Já ALISSON (1971), adota como focus do seu clássico The Essence of the Decision, a construção/inferência de modelos para análise de políticas públicas a um evento de suma importância para todo o mundo no período da Guerra Fria (1945-1991), qual seja, a crise dos mísseis cubanos, ocorrida em Outubro de 1962 quando a então União Soviética instalou mísseis nucleares na ilha de Cuba, a apenas 150 km da costa norte-americana, desequilibrando de forma súbita o precário equilíbrio estratégico de forças entre as duas potências. A importância e singularidade deste trabalho no campo das políticas públicas, que inserem-no na galeria das grandes obras desta área, estão no fato de apreciar um evento tão importante com um detalhamento impressionante e demonstrar como as cúpulas dos respectivos aparelhos de Estado (norte-americano e soviético) trabalharam junto com as suas burocracias tradicionais no na formulação e implementação desta política específica, cujo resultado todos conhecemos. ELSTER (1987), um dos principais filósofos marxistas na atualidade, faz considerações relevantes sobre a racionalidade (levantando a discussão existente sobre este conceito na filosofia ocidental), alinhando-se à concepção de Habermas sobre a escolha política dos países do ocidente à luz da experiência acumulada. Os trabalhos de CATALÁ (1998), autor espanhol ligado ao PNUD e ao Instituto Internacional de Governabilidade (IIG) situado em Barcelona, apresentam-se como expoentes dos “novos institucionalismos”, ou seja, daqueles autores que vêem nas instituições a principal causa do desenvolvimento ou atraso de determinadas sociedades ou civilizações. Como focus o autor utiliza a categoria de governabilidade democrática, aplicando à realidade latino-americana por meio de uma boa argumentação empírica e diz que apenas uma redefinição institucional contundente co aceitação da democracia liberal, da economia de mercado, da luta contra a pobreza e desigualdade (com base nas políticas sociais focalizadas nos segmentos sociais mais desfavorecidos), da inserção na ordem global e da reforma do Estado são postulados centrais a serem considerados em resposta à falácias do neoliberalismo apontadas por OFFE (2001). MARTINS (1995) faz uma análise pormenorizada sobre a cultura política brasileira desde o período colonial e sua relação com as tentativas de reforma do aparelho do Estado. Expõe um amplo quadro evolutivo da Administração Pública, descrevendo as razões da dinâmica de expansão apresentada entre os anos 1960 e 1980 e diagnostica as principais causas da crise atual. Seu focus é composto principalmente por categorias como cultura política e processos sociais disfuncionais que geraram a situação atual do aparelho do Estado e são típicas da disciplina de Sociologia Política, com a ênfase para o campo da Sociologia da Burocracia como Maria das Graças Rua. O autor entende que o uso de tal focus que enfatiza a relação entre as duas variáveis centrais prepara os analistas a compreenderem melhor os fatores estruturais. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 67 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo 4.4. Locus IV - As novas tendências no ciclo de políticas públicas Para caracterizar este locus, devemos primeiro fazer uma breve digressão. Com o surgimento e consolidação da vertente pós-burocrática de gestão pública, expressa em obras como o best-seller Reinventando o Governo de David Osborne e Ted Gaebler, visto como a grande influência da reforma do aparelho do Estado nos Estados Unidos expressa no National Performance Review conduzido pelo Vice-presidente Al Gore durante o mandato de William Clinton (1993-2001), novas ferramentas de gestão foram se destacando. Todas elas instrumentalizam os princípios orientadores da Administração Pública Gerencial, quais sejam, a descentralização, a horizontalização das estruturas, ênfase nos cidadãos-usuários dos produtos/serviços, concentração nos resultados, transparência, responsabilização, dentre outros. As mais importantes variáveis que compõem o locus são: 1) Novos mecanismos de financiamento das políticas públicas, introduzindo a seletividade, dispositivos de auto-captação de recursos por parte das atividades-fim e fundos rotativos de serviços públicos; 2) Processos de redução das estruturas do Estado, através do enxugamento, downsizing, da horizontalização, da “reengenharia”, dentre outros; 3) Mecanismos de participação do público-alvo no ciclo de políticas públicas, contemplando as suas visões sobre a realidade em questão e a relação agenteprincipal; 4) Criação de estruturas flexíveis que gerem o compromisso, o equilíbrio, a eficácia junto aos cidadãos-usuários; 5) Concepção do ciclo de políticas públicas (formulação, implementação e avaliação) como uma rede de implementadores, formuladores, beneficiários e stakeholders conformada por elos ou nós críticos de decisão. Uma vez apresentadas as principais variáveis presentes na renovação do aparato de intervenção trazido pela Nova Administração Pública, podemos descrever com mais detalhes a abordagem conferida por cada autor. São eles: PRZEWORSKI (1998, 2001); RAMOS (1997); SILVA e MELO (2000); MODESTO (1997) e DROR (1997,1999). PRZEWORSKI (1998, 2001), autor de origem polonesa radicado nos Estados Unidos, examina em seus trabalhos uma das principais variantes do neoinstitucionalismo na gestão pública, qual seja, as relações agente-principal entre os atores sociais no que tange à relação Estado-mercado e Estado-sociedade. Os mais relevantes são os governos (entendidos como a cúpula dirigente do Estado) e os agentes econômicos, consubstanciando as relações públicoprivado, políticos e burocratas e cidadãos e governos, submetidos aos mecanismos verticais e horizontais de controle. O focus adotado por Przeworski privilegia também a Teoria da Escolha Pública (TEP) e a Escolha Racional (rational choice), utilizando também a teoria dos jogos e categorias da Ciência Política relativas à democratização do Estado apresentadas por autores tais como o argentino Guillermo O´Donnell. RAMOS (1997), situado na perspectiva gerencialista e na orientação econômica da reforma do Estado, analisa com detalhes a contratualização no setor público (com ênfase para as agências executivas propostas pelo PDRAE), descrevendo as experiências nacionais/internacionais mais relevantes e os seus fundamentos teóricos, com ênfase para o focus ancorado em duas disciplinas principais (Administração Pública e Economia). MELO e SILVA (2000) apresentam num texto magistral uma tipologia para melhor compreensão do ciclo de políticas públicas, denominado pela literatura internacional de policy Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 68 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo cicle. Com base em duas concepções mais tradicionais do policy cicle (clássica e linearsimplista), os autores descrevem uma nova compreensão alinhada à poderosa metáfora das redes. Nela, as funções inerentes ao ciclo não são separadas em fases rígidas e burocratizadas, mas entendidas como funções cicladas a serem exercidas a qualquer momento com a participação de toda a rede. Os autores adotam como focus toda a abordagem que a Ciência Política faz ao policy cicle, com forte presença de autores norte-americanos como Bardach, March e Olsen, Wildavsky, Pressman, Lindblom, Lipsky, Sabatier, Jenkins-Smith, dentre outros. Há também uma influência significativa da Teoria dos Jogos. MODESTO (1997) adota o focus jurídico para caracterizar as organizações sociais na forma proposta pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Como advogado e professor de Direito da UFBA (além de assessor do Ex-ministro Bresser Pereira no MARE), Modesto esclarece em seus trabalhos as dúvidas dos juristas sobre o marco legal das organizações sociais, sua diferença para com as Organizações da Sociedade Civil para o Interesse Público – OSCIP – seu caráter público ou privado na prestação de serviços e cita também a experiência do SUS como paradigmática. DROR (1997, 1999), conferencista e consultor internacional, apresenta num de seus papers, as tarefas de alta relevância nos governos centrais na atualidade, bem como a nova administração que deve ser construída para executá-las e o seu agente, qual seja, o administrador contemporâneo. O autor introduz uma tipologia curiosa de avaliação dos administradores públicos segundo o seu grau de profissionalismo, associando letras gregas à cada fase. Na fase mais primitiva (Alfa), coincidente com a Administração Pública Patrimonialista, o preenchimento dos cargos públicos é vinculado a instrumentos de patronagem tradicionais. Nas demais (Beta e Gama) o grau de profissionalismo vai avançando conforme instala-se a burocracia clássica e, afinal, o administrador do tipo Delta é o mais recomendado para a vertente pós-burocrática do paradigma emergente, em função de seu perfil compatível com as funções que deve desempenhar. O focus utilizado por Dror neste trabalho e também num livro recente privilegia as disciplinas de Ciência Política, Filosofia, Direito Internacional, Relações Internacionais e Administração Pública. 4.5. Locus V - A gestão das políticas sociais no Brasil e na América Latina Neste último locus selecionamos a gestão de políticas sociais no Brasil e em toda a América Latina. Existem algumas características comuns entre os países da América Latina no que refere-se ao ciclo de políticas públicas, em especial, para aquelas que buscam alterar determinadas condições sociais apresentadas por públicos-alvo vistos como importantes. Esta região do mundo é marcada pela sua desigualdade. Ao mesmo tempo em que concentra razoável produção industrial e primária, tanto no extrativismo vegetal/mineral, quanto na pecuária e agricultura, apresenta também bolsões de pobreza gravíssimos que ainda mancham a sua imagem diante dos países centrais e das agências multilaterais. Alguns países, como os do Cone Sul (Argentina, Chile, Uruguai e até o Brasil) possuem sistemas de educação e saúde referenciais em suas respectivas áreas, assim como um bom grau de desenvolvimento científico-tecnológico, apesar da recente de desarticulação associada à prolongada crise. Ao mesmo tempo, os países da região andina (Peru, Equador, Venezuela e Colômbia) e da América Central (Panamá, Honduras, Costa Rica, Nicarágua, dentre outros) estruturamse ainda com base numa economia agro-exportadora monoculturista que favorece apenas uma pequena elite de origem européia (os “crioullos”) e asiática (em menor número), Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 69 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo marginalizando a ampla maioria da população descendente dos povos pré-colombianos (Incas, Astecas, Maias), que muitas vezes até desconhecem a língua espanhola trazida pelos colonizadores no século XVI. Portanto, as políticas sociais nestes países assemelham-se à sua estratificação social, apresentada aqui nas suas linhas gerais. São na sua maioria excludentes e elitistas e privilegiam apenas determinados setores da sociedade com maior capacidade de expressão, associação e articulação em torno do aparelho do Estado, que foi do ponto de vista histórico e continua sendo o grande agente formulador e implementador de políticas públicas. Durante a maior parte do século XX, foram conduzidos projetos autóctones e autoreferenciados de desenvolvimento, entendidos de modo claro apenas na sua dimensão quantitativa, ou seja, privilegiando a acumulação acelerada do capital físico (com destaque para a indústria de bens de consumo semi-duráveis e duráveis) e a formação de uma pequena burguesia urbana. Esta, por sua vez, tornou-se a verdadeira âncora do mercado consumidor para estes produtos, assim como de geração de mão-de-obra mais qualificada demandada pelas grandes empresas (nacionais, multinacionais e estatais), contrariando as suposições de alguns autores de seria impossível crescimento sem distribuição. Além disso, a demanda parte do próprio aparelho do Estado, imerso numa dinâmica de expansão motivada pela ampliação das suas funções e investindo em áreas que lidassem com externalidades, além do aprimoramento técnico das suas atribuições tradicionais (diplomacia, fiscalização, controle externo, fomento, Judiciário, Legislativo, dentre outras). Com a exaustão do projeto descrito acima e maior pressão internacional feita por ONG´s e agências vinculadas à ONU, as elites destes países passaram a avaliar o profundo “passivo social” gerado ao longo do caminho por sobre o legado colonial. Tanto a tolerância para com a pobreza quanto a sua percepção por parte da opinião pública (cada vez mais articulada e consciente de seu papel) foram bem reduzidas. O grande desafio para as elites desde países é, por conseguinte, desenvolver um instrumental de gestão pública adaptado para atenuar tal situação, exposta na atualidade pela globalização. Portanto, os principais autores desta área são: KLIKSBERG (1994, 1997, 1999, 2001); DOWBOR (1998) E FLEURY (2001, 2002). KLIKSBERG (1994, 1997, 1999, 2001), no campo da gestão de políticas sociais, afirma que a tradicional dicotomia entre as dimensões técnica e política (política x administração) e entre os estágios de formulação/implementação, além do apartamento entre as políticas sociais e econômicas, prejudicaram muito os resultados dos programas e projetos nesta área. O autor sugere, portanto, que haja uma atualização no focus tradicional que fundamenta ciclo de políticas públicas sociais. Ele deve deslocar-se para o que se chama de “fronteira tecnológica” na ciência da Administração, pautada naquelas ferramentas típicas da vertente pós-burocrática como a identificação de uma pauta de decisões-chave; criação de redes de trabalho; comprometimento dos setores de apoio; flexibilidade e liderança para lidar com a complexidade, identificação e incorporação dos stakeholders no processo decisório, etc. O focus adotado por Kliksberg é composto sobretudo, pela Administração Pública (disciplina para a qual ele sugere uma ruptura epistemológica), destacando autores contemporâneos como Henry Mintzberg, Gareth Morgan e Andrew Dunsire e pelas categorias que compõem a discussão sobre as questões estratégicas presentes na agenda internacional, valendo-se de autores tais como Amartya Sen, Lester Thurow e Enrique Iglesias. DOWBOR (1998), autor francês naturalizado brasileiro, propõe uma teoria do desenvolvimento baseada na reprodução social, entendida como ampliação dos mecanismos Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 70 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo tradicionais de reprodução do capital para incorporar também as dimensões social e ambiental, para além do economicismo hegemônico. Para tal, ele caracteriza bem a natureza das principais questões econômicas contemporâneas (polarizações centro-periferia, reestruturação demográfica, desemprego, papel das empresas transacionais, atividades de produção), dos equipamentos sociais (tecnologia do conhecimento, cultura, informação, redes de proteção social, urbanismo), a dinâmica da reprodução social nos seus aspectos funcionais e setoriais e faz considerações sobre os seus aspectos operacionais e metodológicos já em formação como um novo espaço público no qual os protagonistas são as organizações não-governamentais e o terceiro setor. O grande aspecto a ser observado na obra de Dowbor é o deslocamento da análise econômica dos eixos produtivos tradicionais (agricultura, pecuária, indústria, mineração, modais de transporte e energia) para a infra-estrutura social e os serviços (turismo, entretenimento, comunicações) e o resgate da capacidade política da cidadania – sociedade civil – posicionada como contra-poder em relação à macroestrutura burguesa formada pelo Estado e mercado. Ou seja, nesta orientação, estas duas organizações piramidais seriam substituídas por uma rede horizontalizada e interativa formada pelo tecido social articulado. Dowbor confere também um destaque especial para o espaço local como âncora da organização social, amparado em alguns princípios que lhe conferem primazia em relação a outras esferas tais como proximidade, papel mobilizador, organização dos atores sociais, enfoque da inovação, eixos críticos de ação, recursos subutilizados, pesquisa e potencial local, sustentabilidade e gestão intergovernamental. Assim como Kliksberg, que trabalha com variáveis semelhantes e propõe como solução para os problemas identificados uma renovação do instrumental de gestão das políticas sociais pelo Estado, Dowbor sugere uma atualização da teoria econômica para lidar com as novas realidades descritas em toda a sua complexidade. Neste sentido, ele faz um esforço teórico-conceitual numa tentativa de adaptação das categorias de análise marxistas (lucro, capital, salários, mais-valia, produtividade, produção) à sua “reprodução ampliada” e introdução de outras em evidência como indicadores de qualidade de vida, responsabilidade social, bens não renováveis e setor comunitário, além dos parâmetros éticos que devem ser seguidos por toda atividade produtiva. O seu focus é composto é pela Economia, Ciência Política (políticas públicas), da Geografia e Administração Pública. FLEURY (2001, 2002), faz considerações em seus papers em dois níveis principais: a) Reflexões sobre a teoria e práxis da política social no contexto latino-americano, tentando identificar qual é o marco analítico apropriado para dar unidade a tais políticas, ou seja, se o conceito que permite a abordagem integradora é o de cidadania ou exclusão social; b) Discussões sobre os fundamentos teóricos da reforma do Estado contemporânea, com destaque para os “novos institucionalismos” (governabilidade, governança, escolha pública, agente-principal, rational choice). O focus adotado pela autora favorece as categorias sociológicas e da Ciência Política, em especial aquelas em evidência na atualidade na discussão sobre a governabilidade democrática na América Latina. 5. Observações Finais Após a leitura deste paper podemos fazer algumas observações importantes a respeito do seu conteúdo e abordagem. Vamos a elas. A produção científica nesta disciplina cresceu muito e diversificou-se segundo o survey de ABRÚCIO & PÓ (2002), com o surgimento, redefinição e especialização editorial de diversos periódicos e encontros acadêmicos (como a divisão no ENANPAD da área de Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 71 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo Administração Pública em Políticas Públicas e Gestão Pública e Governança a partir da edição de 2001), tanto no nível nacional quanto internacional. Tais veículos, a exemplo da Revista do Serviço Público editada pela ENAP, incorporaram um novo elenco de variáveis introduzidas pela discussão sobre a reforma do Estado - ordenada pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) a partir de 1995 – e as experiências verificadas em todos os níveis de governo (municipal, estadual, federal e internacional por meio da literatura comparada sistematizada no âmbito do PUMA/OCDE) como contratos de gestão, mudança organizacional, planejamento estratégico e avaliação do desempenho pessoal/organizacional no setor público, para ficar apenas com alguns exemplos. A metodologia que adotamos revelou-se adequada para os objetivos da pesquisa, suprindo a lacuna do rigor metodológico e inadequação do instrumental analítico apontada por SOUZA (1998). Segundo GORTNER, MAHLER & NICHOLSON (1987), a Administração Pública é um campo multidisciplinar no qual diversas abordagens confluem para a análise de diversos objetos sem um objetivo claro para a teoria pactuado pela comunidade acadêmica. Ou seja, existe enorme variação - para usar as categorias que adotamos - tanto no locus quanto no focus, o que demonstra a utilidade deste instrumental apresentado por KEINERT (2000) ao decompor os temas selecionados pelos autores e suas problematizações para uma melhor compreensão da produção científica nesta área. Podemos afirmar que Keinert cumpriu bem a recomendação metodológica da ABNT no que tange às teses de doutoramento, que têm a atribuição de propor uma investigação original com real contribuição à ciência em questão e à sociedade a partir da formulação de uma linha de pesquisa que possa ser desenvolvida por outros pesquisadores, a exemplo do que fizemos neste trabalho. Recomendamos, portanto, a adoção desta metodologia em escala mais ampliada, tanto na dimensão temporal (a exemplo de Keinert que mapeou o conteúdo da Revista do Setor Público e Revista de Administração Pública desde 1937), material (com a inclusão de um número maior de obras, autores, periódicos, congressos científicos que possam trazer variáveis para constituir novos loci) e também espacial. A utilidade de estudos desta natureza encontra-se na possibilidade de sistematizar um pouco mais a literatura nesta disciplina que, como dissemos acima, sofreu uma expansão desordenada em função das suas características estruturais e da redefinição paradigmática nos seus objetos descrita por KEINERT (2000). Pudemos perceber, em tempo, durante a realização da pesquisa, que muitos temas relevantes ainda carecem de maior densidade ou acabamento analítico, conferindo à literatura elevado grau de horizontalidade da forma definida no Capítulo 3. Ou seja, ao lado do aumento de cursos de pós-graduação strictu sensu nesta área e da conseqüente ampliação das publicações oriundas das teses e dissertações dos egressos, tivemos o baixo aprofundamento em alguns temas considerados relevantes tais como as organizações sociais/agências reguladoras/contratualização e a concentração em outros, o que não contribui muito para o avanço da agenda de pesquisa. Alguns loci que podem ser considerados em novos trabalhos nesta linha são, por exemplo, o novo padrão ético no aparelho do Estado (responsabilização, transparência, accountability, profissionalização, escolas de governo), governo eletrônico, descentralização de políticas públicas no contexto do federalismo, auditoria de desempenho institucional, governabilidade e governança, satisfação do cidadão-usuário, etc. Visões panorâmicas e sistematizadas tanto das experiências nesta área quanto da literatura a exemplo do SIARE (Sistema Integrado y Analítico sobre Reforma Del Estado, Gestión y Políticas) e das redes institucionais do CLAD no âmbito latino-americano e da Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 72 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo PUMA – Public Management Service – e SIGMA (Support for Improvement in Governance and Management in Central and Eastern European Countries) da OCDE no âmbito europeu a serem realizadas pelas entidades que têm tal atribuição em nível nacional como ANPAD e ANGRAD são muito importantes para alterar as características de baixa verticalidade e cumulatividade da literatura reveladas por esta pesquisa. Por fim, esperamos que os nossos objetivos tenham sido alcançados e que este trabalho possa contribuir tanto para a produção científica nesta disciplina, ajudando os seus pesquisadores a formularem melhores problemas e hipóteses de trabalho, quanto para a dinâmica organizacional revista na perspectiva da reforma do Estado e de seu aparelho na atualidade e para a sociedade em seu conjunto. 6 – Notas de final 1 Professor Assistente I do Departamento de Administração da Universidade Federal de Mato Grosso e Doutorando do NPGA/UFBA. E-mail: [email protected] 2 Administrador, Gestor Governamental da Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral – SEPLAN - do Estado de Mato Grosso e Especialista em “Políticas e Estratégias para o Setor Público” pela UFMT. E-mail: [email protected] 3 Esta é a denominação tradicional de Estado de Bem-estar na literatura internacional, advindo do idioma inglês. Alguns autores chamam também de Etat Providence, segundo expressão cunhada pelo cientista político Francês Pierre Rosanvallon. Veja para mais detalhes ROSANVALLON, Pierre. A Crise do Estado Providência. Editora Inquérito. 1981. 4 Os países do sudeste asiático são denominados em geral na literatura internacional como NIC’s (New Industrialized Countries), países de industrialização recente. 5 A variável estamento foi apresentada por Max Weber em seu clássico Economia e Sociedade, onde este faz uma ampla análise das sociedades a partir as suas tipologias de poder e autoridade. Refere-se a um conjunto de pessoas com características comuns, indo além da categoria marxista de classe, que está relacionada à posição que ocupam na cadeia produtiva. 6 O conceito de rentseeking tem sido muito utilizado pela literatura especializada em Ciência Política, Economia, Administração Pública e demais áreas relacionados à temática da Reforma do Estado. Este fenômeno pode ser descrito como a privatização do setor público, ou seja, a formação de grupos de pressão em torno do aparelho estatal buscando vantagens pessoais ou para suas respectivas classes. Para isto contam com o apoio de parte da burocracia, consolidando o padrão de articulação público-privado e Estado-sociedade no Brasil. Sua tradução literal equivale à busca por renda. Alguns autores (como Bresser Pereira) já estão chamado a tentativa de impedir o rent seeking como publificação. 7 Chama-se em geral de mainstream (que em inglês significa “corrente dominante”) costuma reunir os autores mais destacados de uma determinada disciplina ou área específica do conhecimento humano. Muitas vezes bons autores com tipologias teórico-conceituais interessantes e inéditas ficam de fora por não pertencerem a instituições acadêmicas renomadas ou por conta do filtro do mercado editorial. 8 As externalidades são, como o próprio nome sugere, fatores exteriores ao mercado, mas que exercem um papel importante junto aos fatores de produção. Podemos citar como exemplos de externalidades positivas a educação fundamental da população, as condições gerais de saúde, higiene, saneamento, nutrição, fatores demográficos como migrações, pesquisas científicas não-lucrativas (básica e na fronteira do conhecimento), proteção ambiental, dentre outros que, pela sua natureza intrínseca precisam ser assumidos pelo Estado ou terceiro setor. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 73 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo 7. Bibliografia 7.1 - Geral ABRÚCIO, Fernando Luiz & Loureiro, Maria Rita (Org.). Coleção Gestão Pública. 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Traduzido por Vinícius de Carvalho Araújo, revisado e adaptado pelo Profº Antonio Ricardo de Souza. Texto para circulação interna, 2.000. Mimeo. FARMER, David John. Schopenhauer’s porcupines: hegemonic change in context [Os porcos-espinho de Schopenhauer: mudança hegemônica em contexto]. Administrative Theory & Praxis, v. 20, nº 4, pp. 422-433, dez., 1.998. Traduzido por Vinícius de Carvalho Araújo, Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 75 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo revisado e adaptado pelo Profº Antonio Ricardo de Souza. Texto para circulação interna, 2.000. Mimeo. HAQUE, M. Shamsul. Impacts of globalization on the role of the state and bureacracy in Asia [Os impactos da globalização nas funções do estado e de sua burocracia na Ásia]. Administrative Theory & Praxis, v. 20, nº 4, pp. 439-451, dez., 1.998. Traduzido por Vinícius de Carvalho Araújo, revisado e adaptado pelo Profº Antonio Ricardo de Souza. Texto para circulação interna, 2.000. Mimeo. KOUZMIN, Alexander. Symposium: Globalization and public administration: enhancing, dismatling or protecting distintive administrative capacity? [Simpósio: Globalização e administração pública: melhorando, desmantelando ou protegendo a capacidade administrativa?]. Administrative Theory & Praxis, v. 20, nº 4, pp. 434-438, dez., 1.998. Traduzido por Vinícius de Carvalho Araújo, revisado e adaptado pelo Profº Antonio Ricardo de Souza. Texto para circulação interna, 1.999. Mimeo. PINHEIRO, Armando Castelar & GIAMBIAGI, Fábio. Os antecedentes macroeconômicos e a estrutura institucional no Brasil. In: PINHEIRO, Armando Castelar & FUKASAKU, Kiichiro. A privatização no Brasil: o caso dos serviços de utilidade pública. BNDES. Rio de Janeiro: 1999. 7.4 - Locus III - As condicionantes da ordem política e econômica atual ALISSON, Graham T. Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis. Boston: Editora Little Brown, 1971. CATALÁ, Joan Prats I. Governabilidade Democrática na América Latina no final do século In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser & Spink, Peter. XX. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. São Paulo: Editora FGV, 1998. DINIZ, Eli. Crise, Reforma do Estado e governabilidade. São Paulo: Editora FGV. 2° Edição, 1997. _________. Globalização, reformas econômicas e elites empresariais. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000a. _________. Governabilidade, governance e reforma do Estado: considerações sobre o novo paradigma. Revista do Serviço Público. Brasília: ENAP, 1996. DINIZ, Eli & AZEVEDO, Sérgio de (Orgs.). Reforma do Estado e democracia no Brasil. Brasília: Editora UnB/ENAP, 1997. DINIZ, Eli & BOSCHI, Renato. SANTOS, Fabiano. Elites políticas e econômicas no Brasil contemporâneo. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, Série Pesquisas nº 18, 2000b. DUPAS, Gilberto. Hegemonia, Estado e governabilidade. São Paulo: Editora SENAC, 2001a. ______________. Globalização, exclusão social e governabilidade. 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Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 76 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo MARTINS, Luciano. Reforma da administração pública e cultura política no Brasil: uma visão geral. (cadernos ENAP nº 8), Brasília: ENAP, 1995. OFFE, Claus. A atual transição da história e algumas opções básicas para as instituições da sociedade. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; WILHEIM, Jorge & SOLA. Lourdes (Orgs). Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Editora UNESP; Brasília: ENAP, 2001. 7.5 - Locus IV - As novas tendências no ciclo de políticas públicas PRZEWOSKI, Adam. Sobre o desenho do Estado: uma perspectiva agent x principal. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos & SPINK, Peter. A Reforma do Estado e a Administração Pública Gerencial. São Paulo: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998. PRZEWOSKI, Adam. O Estado e o cidadão. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. WILHEIM, Jorge & SOLA. Lourdes (Orgs). Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Editora UNESP; Brasília: ENAP, 2001. DROR, Yehezkel. O Administrador público tipo dela para o século 21. Revista do Serviço Público. Brasília: ENAP, 1997. ______________. A capacidade para governar. São Paulo: Edições Fundap, 1999. MELO, Marcus André. Reformas constitucionais no Brasil: instituições políticas e processo decisório. Brasília: Editora Revan, 2002a. MELO, Marcus André & SILVA, Pedro Barros. O processo de implementação de políticas públicas no Brasil: características e determinantes da avaliação de programas e projetos. Caderno nº 48. Núcleo de Estudos em Políticas Públicas – UNICAMP. Campinas, 2000. Disponível em <http://www.nepp.unicamp.br> acessado em 13/11/2002. 7.6 - Locus V - A gestão de políticas sociais no Brasil e América Latina KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. Brasília: UNESCO, 2001. ____________________. Gestão Social: Assuntos Estratégicos. Texto traduzido para circulação interna por Vinícius de Carvalho Araújo e Weverson J.M. Faleiros. Cuiabá, 1999. ____________________. O desafio da exclusão. Para uma gestão social eficiente. São Paulo: FUNDAP, 1997. ____________________. Uma gerência pública para os novos tempos. Revista do Serviço Público. Brasília: ENAP, 1994. DOWBOR, Ladislau. A reprodução social. São Paulo: Editora Vozes, 1998. FLEURY, Sônia Maria. A gestão das redes de políticas. Paper apresentado no VII Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública. Lisboa, 2002. _________________________. Fundamentos teóricos de la reforma del estado. Paper apresentado no XXV Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-graduação em Administração – ENANPAD. Campinas, 2001. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 77 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo 8. Anexo I Taxonomia dos autores Autores LOCUS I Fernando Abrúcio Descrição Vertente pós-burocrática da gestão pública Aborda em seus trabalhos o locus governamental (com destaque para a sua crise), detalha os principais aspectos da vertente pós-burocrática, adota o focus da Ciência Política e coloca sempre numa perspectiva internacional, com destaque para a experiência norte-americana, da comunidade britânica e dos países da OCDE expressa nos manuais de “bom governo” Luiz Carlos Bresser Pereira Seus textos trazem um amplo diagnóstico multidisciplinar sobre a crise do Estado e adotam um focus jurídico, economicista e sociológico, coerente com a formação do autor. São utilizadas as principais categorias weberianas para compreender melhor o histórico de reformas do aparelho do Estado empreendidas no Brasil e algumas tais como governabilidade e governança que estão em evidência na atualidade e têm elevada capacidade analítica quando bem utilizadas. Maria das Graças Rua Faz uma boa distinção entre as dimensões técnica e política da burocracia (autonomia x neutralidade) gerada a partir de uma determinada leitura do esquema analítico proposto por Weber que revela-se equivocada para o cumprimento dos prérequisitos do aparelho do Estado trazidos pela sua reforma, da forma compreendida por autores norte-americanos como Peter Evans. O focus adotado privilegia as categorias sociológicas e de Ciência Política, salientando aquelas típicas da Sociologia da Burocracia. Michael Barzelay Utiliza a vertente pós-burocrática para caracterizar a continuidade-ruptura nas organizações públicas, descreve com detalhes a experiência de reforma administrativa no Estado norte-americano de Minesota. O autor enfatiza as principais ferramentas de gestão utilizadas nesta experiência, todas típicas da vertente pós-burocrática. E adota um focus situado no campo administrativo e concentrado nos princípios da vertente burocrática e na sua passagem para a pós-burocrática, articulando-as numa perspectiva histórica. LOCUS II Os impactos da globalização no aparelho do Estado no Brasil e no mundo Alexander Kouzmin Avalia os principais impactos da globalização na capacidade gerencial dos governos ao redor do mundo, passando pela formação dos blocos regionais e da contraposição dos Estados nacionais com os transnacionais e globais. O autor propõe a desconstrução da retórica hegemônica centrada na ampliação da governance e das capacidades institucionais e sugere elevação da capacidade de aprendizado dos governos, utilizando um focus com prevalência das disciplinas de Economia Política, Filosofia e Relações Internacionais. Armando Castelar/Fábio Situam a privatização recente mais no nível da reforma do Estado do que de seu aparelho. Eles relacionam o PND com a Giambiagi política macroeconômica, destacando a sua contribuição para a dinâmica de evolução da dívida pública e as receitas extraordinárias federais, além dos aspectos microeconômicos pós-privatização de cada setor. O focus utilizado concentra-se Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 78 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo Consuelo Ahumada/Christina Andrews David John Farmer Shamsul Haque LOCUS III Eli Diniz Gilberto Dupas José Luis Fiori nas disciplinas de Economia e Economia Política. Analisam como as elites dos países em desenvolvimento (adotando como casos os exemplos de Brasil e Colômbia) aproveitaram-se de circunstâncias específicas como a hiperinflação e a crise da dívida externa herdadas dos anos 1980 para reorganizar e relegitimar a implementação da agenda neoliberal, ainda que de forma seletiva. Utiliza-se de uma metáfora sobre o comportamento dos porcos-espinho durante o inverno para descrever a mudança hegemônica que estamos atravessando e os dilemas engendrados por ele para os Estados nacionais e seus aparelhos. O autor debate a transição paradigmática na disciplina de Administração Pública e propõe uma nova linguagem baseada nos legados que devem ser trabalhados pela anti-administração e privilegia um focus composto por categorias da Ciência Política e da Filosofia. Analisa as implicações pontuais da globalização para as várias camadas sociais e para a legitimidade, integridade e capacidade técnico-gerencial do Estado e de sua burocracia no contexto dos países asiáticos. O focus deste autor tem maior presença da Ciência Política, Economia Internacional, Administração Pública e do campo transdisciplinar do “desenvolvimento” em formação na atualidade. As condicionantes da ordem política e econômica atual Critica a tese defendida pelo cientista político Samuel Huntington, com uma dimensão tecnicista embutida na governabilidade. Tal compreensão contemplaria a categoria da governança, que é caracterizada pelos aspectos adjetivos ou instrumentais da governabilidade, ou seja, dadas determinadas condições de exercício legítimo do poder político pelo Estado, a capacidade financeira, técnica e gerencial deste último, e dos seus governos em especial, de formular/implementar as políticas públicas. Ao aplicar este focus à nossa realidade contemporânea, a autora articula todo o processo ao esgotamento de um determinado padrão de relação Estado-mercado e às dificuldades inerentes à institucionalização da democracia após anos de autoritarismo, com a explosão de demandas sociais daí advindas, embora vislumbre a hiperatividade decisória cercada pela falência executiva como o nó do desempenho governamental. Aborda com muita propriedade o caráter assimétrico da globalização e da pós-modernidade para alguns países de destaque da periferia, apresentando os impasses da abertura comercial/financeira, o papel da tecnologia e da empresa, os pactos sociais e o equilíbrio de conflitos, a relatividade dos blocos econômicos, dentre outros aspectos determinantes para a compreensão adequada dos desafios contemporâneos nesta área. O focus adotado é composto por categorias de Economia Política, Ciência Política, Sociologia, História, Relações Internacionais e Filosofia, com destaque para autores tais como Bobbio, Habermas, Hobsbawn, Arrighi, Castells, Touraine, Giddens, Hirshman, Hirst, dentre outros. Propõe uma outra problematização para o locus da globalização, no qual os aspectos políticos passam a ser vistos como variável independente no seu esquema analítico, afirmando que o movimento globalizante em curso derivou de algumas decisões importantes por parte dos países centrais que só podem ser tomadas em conjunto, como a liberalização financeira e o relativo abandono do regramento pactuado em Bretton Woods que resultaram na livre circulação internacional de capitais. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 79 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo Gortner/Mahler/Nicholson Graham Alisson Jon Elster Juan Catalá Luciano Martins LOCUS IV Adam Przeworski Marcelo de Matos Ramos O focus adotado por Fiori baseia-se na Economia Política, Ciência Política e no campo interdisciplinar da Antropologia Econômica. Elaboraram um tratado ou compêndio que reúne as principais tipologias existentes na literatura norte-americana e européia sobre as variáveis que compõem uma organização pública Trata-se de uma leitura apropriada para aqueles iniciantes que buscam aprofundamento na disciplina e também sua integração com a realidade organizacional. Adota como focus a construção/inferência de modelos para análise de políticas públicas a um evento de suma importância para todo o mundo no período da Guerra Fria (1945-1991), qual seja, a crise dos mísseis cubanos. A importância e singularidade deste trabalho no campo das políticas públicas estão no fato deste apreciar um evento tão importante com um detalhamento impressionante e demonstrar como as cúpulas dos respectivos aparelhos de Estado trabalharam junto com as suas burocracias tradicionais no ciclo desta política específica. Faz considerações relevantes sobre a racionalidade (levantando a discussão existente sobre este conceito na filosofia ocidental), inserindo-se na concepção de Habermas sobre a escolha política dos países do ocidente à luz da experiência acumulada. Seus trabalhos apresentam-se como expoentes da escola neoinstitucionalista nas suas mais diversas variantes (Teoria da Escolha Pública, agente-principal, rational choice). Como focus o autor utiliza a categoria de governabilidade democrática, aplicando à realidade latino-americana por meio de uma boa argumentação empírica e diz que apenas uma redefinição institucional contundente, com ênfase na democracia, poderá promover o ajustamento estrutural buscado pelos países da região desde os anos 1980. Faz uma análise pormenorizada sobre a cultura política brasileira desde o período colonial e sua relação com as tentativas de reforma do aparelho do Estado. Expõe um amplo quadro evolutivo da Administração Pública, descrevendo as razões da dinâmica de expansão apresentada entre os anos 1960 e 1980 e diagnostica as principais causas da crise atual. Seu focus é composto principalmente por categorias como cultura política e processos sociais disfuncionais que geraram a situação atual do aparelho do Estado e que são típicas da disciplina de Sociologia Política. As novas tendências no ciclo de políticas públicas Examina uma das principais variantes do neoinstitucionalismo na gestão pública, as relações agente-principal entre os atores sociais no que tange à relação Estado-mercado e Estado-sociedade. Os mais relevantes são os governos e os agentes econômicos, consubstanciando as relações público-privado, políticos e burocratas e cidadãos e governos, submetidos aos mecanismos verticais e horizontais de controle. O focus adotado por Przeworski privilegia também a Teoria da Escolha Pública (TEP) e a Escolha Racional (rational choice), utilizando também a teoria dos jogos e categorias da Ciência Política relativas à democratização do Estado. Analisa com detalhes a contratualização no setor público (com ênfase para as agências executivas propostas pelo PDRAE), descrevendo as experiências nacionais/internacionais mais relevantes e os seus fundamentos teóricos, com ênfase para o Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 80 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo focus ancorado em duas disciplinas principais (Administração Pública e Economia). Marcus André Melo/Pedro Luiz Apresentam num texto magistral uma tipologia para melhor compreensão do ciclo de políticas públicas, denominado pela Barros literatura internacional de policy cicle. A partir de duas concepções mais tradicionais do policy cicle, os autores descrevem uma nova compreensão alinhada à metáfora das redes. Os autores adotam como focus toda a abordagem que a Ciência Política faz ao policy cicle, com forte presença de autores norte-americanos como Bardach, March e Olsen, Wildavsky, Pressman, Lindblom, Lipsky, Sabatier, Jenkins-Smith, dentre outros. Paulo Modesto Adota o focus jurídico para caracterizar as organizações sociais na forma proposta pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Modesto esclarece em seus trabalhos as dúvidas dos juristas sobre o marco legal das organizações sociais, sua diferença para com as Organizações da Sociedade Civil para o Interesse Público – OSCIP – seu caráter público ou privado na prestação de serviços e cita também a experiência do SUS como paradigmática. Yehezkel Dror Apresenta as tarefas de alta relevância nos governos centrais na atualidade, bem como a nova administração que deve ser construída para executá-las e o seu agente, ou seja, o administrador contemporâneo. O autor introduz uma tipologia curiosa de avaliação dos administradores públicos segundo o seu grau de profissionalismo, associando letras gregas à cada fase. O focus utilizado por Dror privilegia as disciplinas de Ciência Política, Filosofia, Direito Internacional, Relações Internacionais e Administração Pública. LOCUS V A gestão de políticas sociais no Brasil e América Latina Bernardo Kliksberg Afirma que a tradicional dicotomia entre as dimensões técnica e política (política x administração) e entre os estágios de formulação/implementação, além do apartamento entre as políticas sociais e econômicas, prejudicaram muito os resultados dos programas e projetos nesta área. O focus adotado por Kliksberg é composto sobretudo, pela Administração Pública, destacando autores contemporâneos como Henry Mintzberg, Gareth Morgan e Andrew Dunsire e pelas categorias que compõem a discussão sobre as questões estratégicas presentes na agenda internacional, valendo-se de autores tais como Amartya Sen, Lester Thurow e Enrique Iglesias. Ladislau Dowbor Propõe uma teoria do desenvolvimento baseada na reprodução social, entendida como ampliação dos mecanismos tradicionais de reprodução do capital para incorporar também as dimensões social e ambiental para além do economicismo hegemônico. O seu focus é composto é pela Economia, Ciência Política (políticas públicas) e da Geografia e Administração Pública. Sônia Fleury Faz considerações em seus papers em dois níveis principais: a) Reflexões sobre a teoria e práxis da política social no contexto latino-americano, tentando identificar qual é o marco analítico apropriado para dar unidade a tais políticas, ou seja, se o conceito que permite a abordagem integradora é o de cidadania ou exclusão social; b) Discussões sobre os fundamentos teóricos da reforma do Estado contemporânea, com destaque para os “novos institucionalismos”. O focus adotado pela autora favorece as categorias sociológicas e da Ciência Política, em especial aquelas em evidência na atualidade na discussão sobre a governabilidade democrática na América Latina. Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 81 Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo Tabela comparativa - paradigmas Paradigma Vertente I Matriz de relacionamento Estado-sociedade Vertente II Conceito de público Público-estatal Estadocêntrica Burocrático Interesse público Sóciocêntrica Pós-burocrático Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003 82