Revista Volume 04 Número 01

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Revista Volume 04 Número 01
O PAPEL TRANSFORMADOR DA UNIVERSIDADE PRIVADA NO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL: As possibilidades de inclusão e suas estratégias de
desenvolvimento
Ana Paula Morgado Carneiro *
José Antônio Gameiro Salles**
RESUMO
As mudanças trazidas pelo século XX impactaram as
atividade
racional,
científica,
tecnológica
e
administrativa.
O trabalho e a educação é profundamente afetado. Uma
das transformações mais importantes ligadas à revolução
industrial se refere à realidade do tempo de trabalho, pela
divisão do tempo em horas e dias "úteis" e perfis pré
definidos de profissionais para o mercado que as
camadas mais inferiores tem dificuldade de alcançar.
Este artigo tem como proposta discutir O “novo” papel
transformador das Universidades privadas no contexto
atual de Educação propondo sugestões e foi gerado
através de pesquisas e entrevistas numa turma de
Administração recém chegada numa universidade
privada levantando suas expectativas e pontos de vista de
mundo.
* Prof.ª Universitária da
UNISUAM, Especialista em
Eng. Econômica UFRJ e
MBA Qualidade Total UFF
Administração de Empresas
na UFRRJ.
[email protected]
** Coordenador e Professor
do Curso Politécnico da
UNISUAM, Mestre em Informática - NCE / UFRJ
[email protected]
PALAVRAS CHAVES:
Educação superior, Papel social da escola, Globalização
e mudanças no mundo, Perfil Mercado de trabalho.
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 1-8, jan./fev./mar. 2003
Ana Paula Morgado Carneiro - José Antônio Gameiro Salles
INTRODUÇÃO
O final do século XX, como o fim do século anterior, é marcado por impasses e
perplexidades. A tônica das reflexões gira em torno da mudança em todos os níveis sociais. A
sociedade parece viver, em escala global e mais do que nunca, uma série de profundas e
inéditas transformações. Cabe a reflexão, no entanto, de que a destruição do passado, isto é, a
destruição dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações
passadas, tem sido uma característica neste final de século XX.
Assim sendo, as transformações operadas durante este século podem ser melhor
compreendidas numa visão histórica, comparando-se qualitativamente a sociedade do seu
início com a da última década. Nessa visão, três aspectos fundamentais podem ser ressaltados.
Primeiro, o mundo deixou de ser eurocêntrico. A Europa, paulatinamente, deixa seu papel
central do final do século XIX: a população declina, a produção mingua, os centros industriais
se mudam para outro lugar. Os Estados Unidos passam a ser a grande economia propulsora da
produção e do consumo em massa. O segundo aspecto importante é a mundialização, o
processo que paulatinamente foi transformando o mundo na unidade básica de operações,
suplantando a era das economias nacionais. A característica fundamental deste final de século
XX é a tensão entre a aceleração desse processo e a incapacidade das instituições e dos
indivíduos em geral de se adaptarem a ele. O terceiro aspecto fundamental é a desintegração
dos padrões de relacionamento social humano, e com ela a quebra do elo entre gerações. Daí a
ruptura entre passado e presente dando a dimensão da escala de mudança global.
O conceito de mudança é central ao entendimento da evolução que a sociedade, em
geral, e as organizações, em particular, estão passando nessa segunda metade do século. Este
conceito tem sido usado e abusado nos diversos meios de comunicação, bem como na extensa
bibliografia atual sobre organizações.
Do ponto de vista da percepção do cidadão comum, este final de século pertence ao
movimento, pertence à mudança. Tanto em extensão, quanto em intensidade, as
transformações envolvidas na modernidade são mais profundas do que a maioria das
mudanças características dos períodos anteriores. É importante perceber que tanto a percepção
de aceleração, quanto de descontinuidade, advém do descolamento das relações sociais, isto é,
a extração das relações sociais dos contextos locais de interação e sua reestruturação em
outras escalas de espaço-tempo..
O trabalho e a educação é profundamente afetado. Uma das transformações mais
importantes ligadas à revolução industrial se refere à realidade do tempo de trabalho, pela
divisão do tempo em horas e dias "úteis", em contraposição a uma visão cíclica do tempo na
tradição. Nos sistemas industrializados ocidentais, o quadro temporal do trabalho nas
empresas está no centro das questões econômicas, culturais e tecnológicas, numa tendência à
flexibilização e à redução do A situação atual dessas questões é fruto de uma tendência,
iniciada na década de 70 com a crise do petróleo, de novas relações entre a organização e o
meio externo, e de mundialização da economia e dos mercados surge a necessidade urgente da
formação superior considerando pré-requisito para inserção no novo modelo de mercado de
trabalho, que podemos constatar através das estatísticas de indivíduos matriculados em
universidades públicas e privadas e do surgimento da “Era do conhecimento”.
Matriculados em Graduação
1981
1994
1999
1.386.792
1.661.034
2.377.715
Fonte : MEC/INEP/SEEC
Crescimento Percentual de 1981 a 1994 e 1994 a 1999
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Ana Paula Morgado Carneiro - José Antônio Gameiro Salles
1981 - 1994
1994 - 1999
19,78%
43,17%
Fonte : MEC/INEP/SEEC
“Diante da mudança (do mundo) algo que não se mudou o suficiente deve ser transformado :
A EDUCAÇÃO”. (BARNSART,1995).
A educação é afetada, na medida em que passa a ser cada vez mais direcionada para a
descoberta, ao invés de apenas no sentido tradicional da instrução. Para as organizações
empresariais isso é uma necessidade hoje. O homem global, munido de uma instrução
abrangente e flexível, que lhe conferisse mobilidade social e organizacional, sempre foi uma
utopia. Hoje está se tornando uma realidade, através das novas tecnologias de educação
continuada e na ênfase crescente no trabalho intelectual.
Onde começamos a discutir nosso primeiro ponto essencial do artigo que é o perfil
desejado de profissionais capazes de produzir conhecimento e boa capacidade de
aprendizagem e como desenvolver estas habilidades com uma educação massificada.
DADOS GERAIS
Os indivíduos em busca a formação superior muitas vezes não tiveram
oportunidade/condições de ingressar na anteriormente na universidade e hoje com a
“necessidade” buscam o vestibular. Há uma ampliação do número de vagas mas não teriam
efeito se não houvesse demanda.
Podemos entender a educação como um fenômeno social, como parte das condições
sócio político econômico pelas demais manifestações sociais. Em nossa sociedade a educação
possui um espaço especializado, a escola, que não é e não pode ser entendida como uma
instituição auto-suficiente e independente. (SALVIANI, 1985)
Ingressados no vestibular - Universidades publicas e privadas
1981
1994
1999
378.828
463.240
750.168
Fonte : MEC/INEP/SEEC
Constatamos que ao ingressar na universidade o aluno tem inúmeras dificuldades no
acompanhamento das disciplina, já que sabemos estatisticamente que dentre os alunos da 4ª
serie 52% não dominam habilidades elementares de Matemática, dados do INEP em 2001
estes dados comprovam também a tendência de evasão, comprovadas na estatística:
Ingressos e Concluintes (ano anterior)
1994
Ingressos
Privado
303.454
Concluintes Privado
155.387
Ingressos Público Federal
76.130
Concluintes público Federal
41.420
1999
539.662
195.401
98.916
52.787
Fonte : MEC/INEP/SEEC
Vemos claramente um aumento de 77,84% de ingressos entre 1994 e 1999 na
universidades privadas enquanto da universidade pública o aumento foi de 29,93% porém o
numero de concluintes diminui a longo do tempo, pelo despreparo do universitário que
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acabam por abandonar o curso antes do término.(evasão).
PERFIL DOS ALUNOS
Numa pesquisa realizada numa Universidade Particular no curso superior de
Administração Noturno , curso Seqüencial (Politécnico) isto é, educação seqüencial tivemos
os seguintes dados para serem analisados: (Total : 23 alunos)
Setenta e dois porcento dos alunos NÃO trabalham na área. Escolheram o curso por
que já perderam muito tempo e precisam de um diploma rápido e alem disso somente
gostariam de estudar o que interessa correspondendo a 71% dos entrevistados.
Ao ingressar na universidade 92% não freqüentavam nenhuma biblioteca ou raramente
iriam a uma antes da aprovação do vestibular.
Os entrevistados consideram gostar de ler, porém durante 01 ano antes de entrar na
universidade 60% não havia lido nenhum livro/revista na sua área e 25% somente 1 livro.
Quando são perguntados há quanto tempo parou de estudar, temos 60% da turma com + de 10
anos sem estudar sendo que destes 60%, 35% estão entre 15 e 20 anos sem estudar, e 20%
entre 6 e 9 anos. Logo somente 20% (7 alunos tem até 5 anos sem estudar)
Oitenta porcento da turma consideram muito difícil e dependem de muita adaptação
voltar a estudar. Organizam seu tempo para estudo somente no final de semana, pois
trabalham, embora que 29% da turma informa que estuda somente na véspera de prova.
Sessenta porcento trabalham há mais de 10 anos provavelmente quando pararam de
estudar. Noventa e quatro porcento acreditam que terão um colocação melhor após a
universidade, 91% acreditam que isto se dará quase imediatamente ou em até 5 anos.
Consideram 95% que tiveram sorte ou estudaram pouco para o vestibular.
Somente 42% tem pretensão de fazer pós-graduação embora muitos condicionam a questão
do emprego/salário para continuação dos estudos.
Além desses dados podem ser destacados ainda:
• 77% não fala nenhuma língua.
• 69% nunca teve nenhuma experiência no exterior.
• 69% são funcionários de empresa privada.
• 86% gostam de atividade de pesquisa e não gostariam de realizar prova.
• 69% tem idade acima de 30 anos. Sendo que 9% acima de 40 anos
• Até 25 anos, temos somente 17% (6 alunos no universo de 35)
• 77% estudaram em colégio público (Somente 8 alunos estudaram em colégio particular
porem estes hoje tem + 10 anos sem estudar)
• 80% consideram o ritmo da universidade “puxado” para acompanhar (28 alunos na sala)
• Menos de 20% marcaram como hobbie nas horas vagas ler.
• 65% dos alunos tem renda familiar entre 3 e 8 salários mínimos e chegam a investir de 15
a 30% com a mensalidade da universidade.
• 71% dos alunos gostariam de Ter feito outras graduações como odontologia, direito,
engenharia mas por falta de tempo/dinheiro e a idade avançada acreditam ser melhor estar
no curso escolhido.
ANÁLISE DO PERFIL DO ALUNO E DIFICULDADES CULTURAIS
Verificamos que a busca pelos cursos superiores em Administração esta atrelado a um
“mito” de ascensão social dado pelo uso do computador e os cargos de gerencia, nas camadas
mais inferiores, acreditando estar se projetando de alguma forma com a utilização do mesmo
criando modelos associados a poder, riqueza e sucesso.
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Vimos que 94% dos estudantes entrevistados acreditam que terão um colocação
melhor após a universidade, 91% acredita que isto se dará quase imediatamente ou em até 5
anos. É uma realidade que estes universitários buscam uma melhor colocação portanto a
orientação para o mercado é preciso e urgente. O fato de 72% não trabalharem na área não os
permite uma visão real da área em si e ter consciência do perfil desejado para inclusão no
mercado.
Este mesmo mercado que busca profissionais com capacidade de aprender, isto é
aprender a perceber ou a reinterpretar uma situação, aprender como aplicar esta percepção
para a formulação de uma política e especificação de uma ação (NONATA,1995) isto baseiase em conceitos e não em formulas que muitas vezes estes estudantes buscam, alem de muita
leitura, hábito que eles não tem, pois durante 01 ano antes de entrar na universidade 60% não
havia lido nenhum livro na sua área e 25% somente 1 livro, visto também que 57% acreditam
não conhecer bem a área. Caracterizam-se um perfil não explorador de conhecimento e de
difícil adaptação para o desenvolvimento do profissional que produz conhecimento e tem
capacidade de aprendizado.
Esta difícil adaptação vem sendo mostrada em 80% da turma que considera o ritmo da
universidade “puxado” para acompanhar e em outra pergunta confirmam (80%) que
consideram muito difícil e dependem de muita adaptação para voltar a estudar.
Noventa e cinco porcento acreditam tiveram sorte e não estudaram para o vestibular.
Criando um problema comparado ao “Comportamento fossilizado” da rápida e fácil
formação” (VIGOTSKI,1998) pois sem a cultura do estudo e o habito da leitura os alunos tem
a ilusão de que entrar na universidade é algo “fácil” como estar lá, e ao longo do caminho tem
grande resistência na sua adaptação e finda no grande numero de evasões, principalmente
quando a própria universidade passa por reestruturações e busca melhoria na sua imagem e no
comprometimento com a qualidade uma postura que contrapõe com as expectativas dos
alunos.
Apesar do aumento do número de estudantes na graduação no Brasil, não vimos
influencia direta na melhoria na qualidade do ensino público básico pois 60% da turma não
estudam há mais de 10 anos justifica-se o menor nível de exigência na seleção.
Já foi dito que a escola básica não tem como função formar o trabalhador específico, mas
contribuir com conhecimentos básicos para formação do cidadão que será também um
trabalhador. É preciso lembrar, entretanto que, no mundo de hoje, mesmo não trabalhando em
setores que lidem diretamente com a tecnologia, a maioria das pessoas vai necessitar da
capacidade de comunicar-se de solucionar abstratamente problemas concretos, de processar
informações e raciocínio matemática, o que só a boa escola básica assegura. (ROMÃO,1994)
Setenta e sete porcento não fala nenhuma língua e 69% nunca teve nenhuma
experiência no exterior o que hoje para o mercado é quase que uma exigência, o mesmo com
relação a pós graduação onde somente 42% pensam em cursa-la porem condicionam a
questão do emprego/salário. Pontos necessários para profissionais que pretendem melhor
colocação.
Segundo a pesquisa do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE) publicada no
Jornal O GLOBO, o perfil do profissional que interessa ao mercado de trabalho de hoje
contem habilidades como capacidade analítica, conclusões de atuar em equipe e em varias
áreas, cultura generalista, língua estrangeira e atualização constante. (Caderno Boa Chance,
p.1)
Sessenta e cinco porcento dos alunos tem renda familiar entre 3 e 8 salários mínimos e
chegam a investir de 15 a 30% com a mensalidade da universidade, o que compromete na
compra de livros ou em cursos de extensão paralelos a Universidade que enriqueçam seu
conhecimento.
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ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO
A Universidade privada hoje no Brasil deverá contar com uma nova formato de cursos
e nova forma de trabalhar objetivando agregar ao diploma do formando ele tenha
conhecimento, habilidade e competências desenvolvidas para se inserir no mercado de
trabalho que é seu objetivo fim ao iniciar uma graduação minimizando suas deficiências.
A universidade mantendo seu vestibular da mesma forma hoje, ela dá a chance aos
alunos de colégio público (77% da turma) a ingressar numa universidade, com curso noturno
o que muitas vezes não é possível na universidade pública pois 60% precisou trabalhar após o
termino do 2º grau, porem para otimizar o desenvolvimento e adaptação à universidade
estamos propondo novos conceitos e praticas para suprir estas deficiências,
Algumas das medidas propostas para a redução da evasão das universidades privadas :
• Carga horária progressiva nos cursos de graduação noturna,
• Ênfase em pesquisa em grupo ou individual, priorizando a apresentação e o debate do
assunto em substituição da prova convencional,
• Reciclar os alunos com disciplinas básicas relativas ao curso, como Português, matemática
(2º grau) antes de matemática financeira, inglês, Redação para o auxilio da elaboração das
pesquisas, entre outras referentes ao curso,
• Introduzir o hábito da leitura através de pesquisa e trabalhos em grupos,
• Explorar o relato e troca de experiência entre os alunos dado que muitos já tem + de 10
anos de experiência,
• Incentivar a pós graduação ou o ensino continuado através de descontos e bolsas para exalunos,
• Criar cursos de línguas e informática em horários vagos ou sábados a preços acessíveis,
• Manter cursos de extensão a preços acessíveis para enriquecimento da formação.
CONCLUSÃO
Baseado no painel mostrado acima tentamos discutir o panorama da Educação nas
Universidades particulares e o novo papel da universidade que deve integrar e transformar.
Esta escola, chamada transformadora, tem consciência de seu papel político e por isso
compromete-se com a luta contra as desigualdades sociais, procurando garantir ás classes
sociais populares a aquisição de conhecimento e competências que as instrumentalizem para
atuar na transformação da sociedade. (SOARES,1992; VEIGA,1995)
Centrado no tripé: necessidade da formação (diploma), deficiências do aluno/ evasão e
o novo papel da universidade privada buscamos alternativas de ações que minimizem estes
efeitos.
Quanto as ações propostas acima temos que coloca-las em discussão e promover
debates sobre as propostas introduzindo um espaço transformador dentro da Universidade
privada.
Principais pontos argumentados:
•
•
A utilização de carga horária progressiva, pois baseado no público que ingressará
comumente na universidade uma carga horária menor no primeiro período fariam com que
o processo de adaptação do aluno seja minimizado e as formas e horários de estudo
definidos para sua interação na universidade.
O segundo período teria uma carga horária um pouco maior e assim sucessivamente.
A ênfase na pesquisa contribui no sentido de auxiliar os alunos na construção do
conhecimento, no exercício da aprendizagem e na exploração e nos relatos de experiência
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•
•
e em desenvolvimento de habilidades de apresentação, introduzir o hábito de leitura e
incentivar o debate dos assuntos criando um ambiente de aprendizado.
Introduzir no conteúdo do curso disciplinas que visam reciclar os alunos com disciplinas
básicas relativas ao curso, como Português, matemática (2º grau) antes de matemática
financeira, inglês, Redação para o auxilio da elaboração das pesquisas, entre outras
referentes ao curso.
Incentivar a pós graduação ou o ensino continuado (curso de extensão) através de
descontos e bolsas para ex-alunos para enriquecimento da formação, criando cursos de
línguas e informática em horários vagos ou sábados a preços acessíveis, valorizando seus
currículos e realizando seu papel de construção do conhecimento auxiliando na inserção
do mercado de trabalho minimizando as deficiências apresentadas ao longo do período e
igualando as condições.
Algumas das ações propostas já são realizadas na universidade privada, mas não como
disciplina eletiva mas como extensão opcional para o aluno, que sem consciência mercado
real entre outros pontos já discutidos não se dispõe em cursa-las. A obrigatoriedade tanto das
disciplinas básicas, embora o ajuste seja no inicio da formação, temos um GAP para ajustar
que não pode ser deixado para trás e estas disciplinas estariam obrigatórias no seu currículo.
Quanto a evasão, ele se dá, na maioria das vezes pelas dificuldades encontradas do que pela
desistência propriamente dita ou o simples ato de desistir, os casos acompanhados em outra
experiência se dão por alunos que repetidas vezes não são aprovados em alguma disciplina
por dificuldades em matemática e portanto gera a evasão.
A conclusão deste trabalho nos leva a crer que deve haver um comprometimento e
honestidade com o objeto de estudo (aluno) que deposita suas esperanças em seu curso em
busca de uma ascensão, geralmente de baixa renda e sem muita cultura e leitura ainda acredita
no “poder” do diploma.
O Comprometimento permeia a questão da empregabilidade e sua preparação durante os anos
que ele está na instituição, não como garantia de emprego mas como garantia de formação
adequada ao perfil do mercado e com o ato de minimizar suas deficiências ao longo dos anos.
Garantindo a universidade o papel realmente transformador que a escola merece ter,
que hoje em dia muitas vezes realiza somente a “venda” do diploma através do pagamento de
matriculas e presença em sala de aula, aumentando o numero de desempregados de nível
superior, desvalorizando as classes e fazendo todo um povo desacreditar na educação como
fator primordial de todo nosso desenvolvimento.
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QUALIDADE DO ENSINO NUMA INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL DE NÍVEL
SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO
Domingos Alves Corrêa Neto*
Paulo Augusto Cauchick Miguel**
Silvio Roberto Ignácio Pires***
Resumo
A orientação para o cliente não é uma filosofia recente em
marketing. Entretanto, alguns setores econômicos ainda não
se sensibilizaram para esta tendência, principalmente no
Brasil. Nos dias atuais, a integração qualidade-marketing
tornou-se uma realidade nos modelos utilizados para
medição da satisfação dos clientes, raramente utilizados no
Brasil. O propósito deste artigo é analisar a percepção dos
alunos sobre alguns atributos dos serviços oferecidos pela
instituição de ensino superior em que os mesmos estudam.
Neste estudo de caso verificou-se a preocupação da
instituição pesquisada em utilizar mecanismos efetivos para
medir o grau de satisfação de seus alunos, ainda que os
resultados obtidos estejam longe de serem considerados
como ideais.
Palavras-chave: Qualidade em serviços, satisfação dos
clientes, competitividade.
Abstract
The customer orientation is not a recent philosophy in
marketing. However, some economic sectors are not
sensitive to such tends yet, mainly in Brazil. Nowadays, the
quality-marketing integration has become concrete in
Customer Satisfaction Measurement Models, scarcely used
in Brazil. The purpose of this paper is to analyze the
perception of students about some attributes of the services
offered by the institution that they are studying. In this case
study was verified the concern of the institution researched
in practicing effective mechanisms for mensuration of the
level of its students' satisfaction, even so the obtained
results are far away from they be considered as ideals.
* Doutorando em Engenharia de Produção pela
UNIMEP; mestre em Engenharia de Produção pela Universidade do Minho, Bra-ga, Portugal;
administrador de empresas; professor da UNISA.
[email protected]
** Professor Doutor do
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção – FEMP –
UNIMEP campus Santa
Bar-bara d´Oeste.
[email protected]
*** Professor Doutor do
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção - FEMP –
UNIMEP campus Santa
Bar-bara d´Oeste.
[email protected]
Key Words: Quality service, customer satisfaction,
competitiveness.
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Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio
Pires
1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que o segredo do marketing de serviços é a qualidade. O cliente sempre avalia
o serviço pelo desempenho daquele que oferece ou realiza tal serviço. A percepção do
desempenho varia conforme os atributos do referido serviço, e dela depende a
competitividade das organizações. De acordo com Tachizawa & Andrade (1999), o
surgimento de uma nova forma de competição é a característica atual do ambiente global, não
apenas em função dos concorrentes conhecidos nos mercados tradicionais, mas também a
partir da desintegração de barreiras de acesso a mercados anteriormente isolados e protegidos.
Atualmente, a competição surge de qualquer lugar, significando que as organizações, entre
elas as Instituições de Ensino Superior (IES), não podem mais se sentir excessivamente
confiantes com as participações conquistadas no mercado. A discussão sobre os caminhos a
serem seguidos pelo ensino superior no Brasil tornou-se uma constante no meio acadêmico e
para a sociedade como um todo. A introdução de novos modelos, como, por exemplo, o
ensino à distância, gera a necessidade de uma nova visão, calcada na qualidade do ensino e do
seu produto, o aluno formado ou serviços prestados à comunidade Assim, torna-se necessária
à busca constante e permanente da melhoria da qualidade do processo de ensinoaprendizagem, de forma a atrair e reter alunos, evitando problemas econômicos e financeiros
decorrentes de um alto índice de evasão escolar. Para ser bem sucedida, uma instituição
educacional deve lidar eficazmente com seus públicos e alunos, procurando gerar um alto
nível de satisfação. Segundo Kotler & Fox (1994), a maioria das instituições de ensino não
corresponde às expectativas, por não estarem preocupadas com assuntos relativos à satisfação
de seus consumidores, principalmente seus alunos.
O trabalho de pesquisa realizado pode ser considerado como relevante pelo fato de que
a instituição pesquisada não realizou nenhuma avaliação com estas características, desde que
o curso de graduação em Administração foi autorizado em 1985. Por este motivo, torna-se
necessário este tipo de estudo já que o mesmo poderá auxiliar a IES na identificação de uma
grande parte dos problemas advindos do seu funcionamento. Nesse estudo de caso pretendeuse verificar o nível de satisfação dos alunos regularmente matriculados no curso de
Administração de uma Instituição de Ensino Superior (IES) privada, partindo-se da premissa
básica de que é menos provável que alunos satisfeitos abandonem o curso, desconsiderandose o aspecto financeiro nessa avaliação. Espera-se também que a IES pesquisada consiga, com
os subsídios fornecidos, aprimorar a qualidade do serviço prestado aos seus clientes, alunos e
comunidade, obtendo com isto, um melhor posicionamento no seu segmento de atuação, a
educação superior. Complementarmente, coloca-se à disposição da IES, a ferramenta de
avaliação desenvolvida, que conforme Isquierdo & Tirasos (1994) ao ser introduzida e
utilizada, mostra-se necessária para revelar o clima e as condições organizacionais vigentes.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Segundo Behara & Gundersen (2001), as teorias, conceitos e modelos adotadas pelas
empresas prestadoras de serviços nas iniciativas de gestão da qualidade, têm por base as idéias
originais de Deming, Juran e outros especialistas em qualidade. Ainda segundo os mesmos
autores, alguns estudos foram desenvolvidos em contextos específicos do setor de serviços,
como em hospitais, educação e hotéis. A importância deste setor na economia assume um
papel relevante na atualidade, o que pode ser verificado através dos dados fornecidos por
Miguel (2001) sobre um censo realizado nos EUA, indicando o mesmo que de cada 100 (cem)
pessoas, 75 (setenta e cinco) estão empregadas em organizações de serviços.
Garvin (1987) propõe oito dimensões críticas ou categorias de qualidade que podem
servir como um modelo para análise estratégica: desempenho (performance), características
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Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio
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(features), confiabilidade (reliability), durabilidade (durability), conformidade (conformance),
serviço (serviceability), estética (aesthetics) e qualidade percebida (perceived quality).
Algumas delas reforçam-se mutuamente, outras não. Um produto ou serviço pode destacar-se
numa das dimensões de qualidade e ser insuficiente em outra. Uma melhoria alcançada numa
das dimensões pode significar aumento em outra. Ainda segundo o autor, este é o desafio do
gerenciamento estratégico da qualidade, a seleção adequada das dimensões para aumento da
competitividade.
Uma revisão bibliográfica mais detalhada sobre qualidade em serviços permite
verificar que a grande maioria dos autores referencia-se fortemente nos trabalhos de Leonard
L. Berry, A. Parasuraman e Valerie A. Zeithaml. O modelo SERVQUAL proposto em
Parasuraman, Zeithaml & Berry (1988), mede as expectativas e percepções dos clientes por
um serviço de qualidade. A diferença entre a percepção e a expectativa da qualidade do
serviço fornece uma pontuação, numa escala Likert de sete pontos, de dez fatores ou
dimensões genéricas, que contribuem para o nível da qualidade do serviço que uma empresa
oferece a seus clientes. As dimensões propostas são: tangibilidade, confiabilidade,
receptividade, competência, cortesia, credibilidade, segurança, acesso, comunicação e
compreensão a respeito do cliente. Gupta & Chen (1995) utilizaram este modelo para coletar
dados de três tipos de serviços distintos e analisar o desempenho apresentado pelas empresas
pesquisadas.
Os clientes (ou consumidores) avaliam a qualidade do serviço comparando o que
desejam ou esperam com aquilo que obtêm. Portanto, é importante que a organização saiba
não só administrar as expectativas de seus clientes em relação aos serviços oferecidos, mas
também superar tais expectativas. Existe uma diferença entre aquilo que os clientes acreditam
que ocorrerá quando se deparam com o serviço (previsões) e aquilo que desejam que ocorra
(desejos). Um estudo de Berry & Parasuraman (1992) analisa os dois níveis de expectativa
dos clientes: um desejado e outro adequado. O nível de serviço desejado é um misto do que o
cliente acredita que pode ser com o que deveria ser. Existe uma zona de tolerância entre os
dois níveis, constituindo o âmbito do desempenho do serviço que o cliente considera
satisfatório. Um desempenho abaixo da zona de tolerância gera frustração no cliente e reduz a
sua lealdade. Acima da zona de tolerância, o desempenho causará uma surpresa agradável aos
clientes, reforçando sua lealdade.
Assegurar que as promessas de serviço feitas pela organização reflitam a realidade,
significa que as mesmas somente serão cumpridas se estiverem completamente dentro do
controle da administração ou gerência da organização. Para isto, é necessário o
desenvolvimento de mecanismos de monitoramento e controle das necessidades e desejos dos
clientes.
3. METODOLOGIA DA PESQUISA
Utilizou-se uma pesquisa exploratória, pois de acordo com Gil (1991) este tipo de
pesquisa visa proporcionar maior familiaridade com o problema, possibilitando o
aprimoramento de idéias ou a descoberta de fatos novos, no caso em questão, a identificação
do grau de satisfação dos alunos com a instituição em que estudam.
Foi conduzida através de um estudo de caso único, de maneira que fosse possível um amplo e
detalhado conhecimento da mesma. Segundo Yin (2001), “o estudo de caso deve ser a
estratégia escolhida ao se examinarem acontecimentos contemporâneos, quando não se pode
manipular comportamentos relevantes”. Nesse sentido, o estudo de caso não representa uma
“amostragem”, e o objetivo do pesquisador é expandir e generalizar teorias, é fazer uma
análise “generalizante” e não “particularizante” (Lipset, Trow & Coleman apud Yin, 2001).
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 9-18, jan./fev./mar. 2003
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Domingos Alves Corrêa Neto - Paulo Augusto Cauchick Miguel - Silvio Roberto Ignácio
Pires
Para mensuração da satisfação, foi desenvolvido um instrumento de coleta de dados de
questões fechadas e com respostas formando escalas, na qual o respondente (aluno) mostrou a
intensidade do seu grau de satisfação e de concordância com o desempenho do curso. Foi
escolhida a escala Likert de diferencial semântico, com o seguinte grau de intensidade: 1muito insatisfeito, 2-insatisfeito, 3-indiferente, 4-satisfeito e 5-muito satisfeito.
As questões foram elaboradas tendo como referência o Manual de Avaliação do Curso de
Administração, publicado pelo MEC/INEP (2002) e utilizado como referência nos processos
de avaliação das condições de ensino das instituições de educação superior no Brasil. Foram
construídos dois blocos de questões, a saber:
•
•
Bloco I – Avaliação do curso e da infraestrutura de apoio (atividades didáticopedagógicas, biblioteca, laboratórios de apoio e secretaria), perfazendo um total de 33
(trinta e três) questões;
Bloco II – Corpo docente e coordenação do curso, perfazendo um total de 18 (dezoito)
questões.
O questionário elaborado foi aplicado durante o mês de maio de 2002 nas turmas dos 1°,
2 , 3° e 4° anos. Foram distribuídos exemplares do mesmo para todo o corpo discente presente
na data agendada para a aplicação, sendo informado que o preenchimento e a devolução não
eram obrigatórios, bem como a identificação pessoal no documento. Tal procedimento
objetivou buscar a participação e contribuição espontânea dos alunos, o que foi conseguido
satisfatoriamente, pois dos 253 (duzentos e cinqüenta e três) alunos elegíveis matriculados no
ano de 2002, houve uma participação voluntária de 103 (cento e três) alunos, segundo a
distribuição apresentada na tabela 1.
°
Tabela 1 – Participação dos alunos respondentes na pesquisa
ALUNOS MATRICULADOS NA
ALUNOS
PARTICIPAÇÃO
GRADUAÇÃO EM 2002
RESPONDENTES
NA AVALIAÇÃO
61
31
51%
1a SÉRIE
77
20
26%
2a SÉRIE
54
30
56%
3a SÉRIE
61
22
36%
4a SÉRIE
TOTAL
253
103
41%
Apesar da não existência de um outro referencial para comparação, por ser a mesma, a
primeira pesquisa realizada na IES, pode-se considerar como satisfatória a participação do
corpo discente. A expectativa é de que, com a sistematização da avaliação e a implementação
das ações decorrentes da mesma, exista um maior interesse por parte do corpo discente em
participar mais efetivamente do processo avaliatório.
4. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA IES PESQUISADA
A IES pesquisada, doravante denominada Faculdade Beta, está localizada na região
sul do município de São Paulo, próxima a dois grandes centros empresariais do bairro de
Santo Amaro. Teve o curso de graduação em Administração autorizado em 1985 e
reconhecido pelo Ministério de Educação em 1989, com a formatura da primeira turma de
alunos. Funciona o mesmo em regime seriado anual e com processo seletivo único, aberto nos
meses de novembro, dezembro e janeiro.Tem 305 (trezentos e cinco) alunos matriculados no
ano de 2002, sendo 253 (duzentos e cinqüenta e três) na graduação e 52 (cinqüenta e dois)
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 9-18, jan./fev./mar. 2003
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alunos em cursos de pós-graduação. Possui outros campi, sendo dois no estado de São Paulo e
um no estado do Paraná.
Como uma grande parte das IES privadas no estado de São Paulo, a Faculdade Beta
vem apresentando uma queda contínua no número de candidatos inscritos no seu processo
seletivo para o curso de graduação e no de alunos matriculados para o início do ano letivo,
como pode ser verificado nas relações candidato/vaga e matriculado/vaga dos últimos 6 (seis)
anos, apresentada na tabela 2.
Tabela 2 – Dados do processo seletivo e de matrícula – Faculdade Beta
CANDIDATOS
VAGAS
N° DE
RELAÇÃO
VESTIBULAR
OFERECIDAS MATRÍCULAS
(1/2)
(1)
(2)
(3)
142
140
97
1,01
147
140
111
1,05
147
140
110
1,05
123
140
107
0,88
160
140
121
1,14
155
120
104
1,29
ANO
2001
2000
1999
1998
1997
1996
RELAÇÃO
(3/2)
0,69
0,79
0,79
0,76
0,86
0,74
Ao comparar-se os dados da tabela 2 com os obtidos junto ao Sindicato das Entidades
Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo – SEMESP
(2002), verifica-se que a relação candidato/vaga está muito aquém da média do setor privado,
que é de 1,92 candidatos/vaga. O quadro é agravado quando se verifica que, dos candidatos
participantes do processo seletivo em 2001, matricularam-se somente cerca de 70%, índice
este que se repete também nos demais anos.
Com relação ao índice de inadimplência, indicador que mostra o percentual de alunos
que não cumprem em dia as suas obrigações financeiras, obteve-se os seguintes resultados nos
últimos 5 (cinco) anos: 2001 = 11%, 2000 = 13%, 1999 = 15%, 1998 = 18% e 1997 = 17%.
Não foi possível uma comparação oficial com outras IES, pois segundo posicionamento do
SEMESP, este dado não é disponibilizado pelos associados, que o consideram sigiloso. No
entanto, sabe-se informalmente que este índice oscila entre 20% e 25% para uma grande parte
das IES privadas em São Paulo. Observa-se então, que a inadimplência, o grande pavor das
instituições, encontra-se dentro da normalidade na Faculdade Beta, fato este assim
considerado pela direção da IES.
Outra informação relevante, que pode subsidiar uma análise mais apurada quanto ao
desempenho do curso de Administração da Faculdade Beta, diz respeito à evasão de alunos,
que é mostrada na tabela 3 para os últimos 5 (cinco) anos.
Tabela 3 – Evasão de alunos por série – Faculdade Beta
Ano
1997
1998
1999
2000
2001
1°
100
93
7%
107
76
29%
110
91
17%
104
81
22%
97
84
13%
2°
64
61
5%
85
70
18%
68
60
12%
83
74
11%
65
65
0%
3°
56
56
0%
57
51
11%
68
63
7%
68
68
0%
65
62
5%
4°
57
57
0%
54
54
0%
52
50
4%
71
70
1%
56
56
0%
Total
277
267
4%
303
251
17%
298
264
12%
326
293
10%
283
267
6%
I
F
V
I
F
V
I
F
V
I
F
V
I
F
V
Legenda: I = Início do período letivo F = Fim do período letivo V = Variação percentual
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Verifica-se que no ano de 2001, houve uma evasão de 13% dos alunos do 1° ano,
percentual este obtido entre os 97 (noventa e sete) alunos que se matricularam no início do
período letivo e os 84 (oitenta e quatro) que efetivamente concluíram, com ou sem aprovação,
as disciplinas previstas para o 1° ano.
Os dados da tabela 3 mostram que a evasão é maior no 1° ano do curso, o que confirma a
importância da Faculdade Beta conhecer melhor as necessidades dos seus alunos
ingressantes.
5. ANÁLISE DOS RESULTADOS
São apresentados neste tópico os resultados da pesquisa através de tabelas, para cada
um dos blocos identificados anteriormente. De um modo geral, as questões respondidas nos
blocos I e II foram analisadas segundo uma escala de 5 (cinco) pontos em que o valor 1
(muito insatisfeito) expressa a reprovação extrema, enquanto o valor 5 (muito satisfeito)
significa a máxima aprovação do item de avaliação ou atributo pelo aluno.
Os questionários preenchidos foram analisados, e as questões submetidas a uma
análise descritiva. As tabelas construídas apresentam médias das variáveis estudadas,
estratificadas pelos grupos de interesse, ou seja, atividades didático-pedagógicas, biblioteca,
laboratórios de apoio, secretaria, corpo docente e coordenação do curso. Utilizou-se a média
aritmética de dados agrupados como medida de posição para análise do questionário, tendo
em vista que as notas atribuídas pelos alunos foram agrupadas numa distribuição de
freqüência e ponderadas pelas respectivas freqüências absolutas, adequadas para este tipo de
análise segundo Martins & Donaire (1979).
5.1. Bloco I – Avaliação do curso e da infraestrutura de apoio
Os alunos responderam neste bloco, sobre os aspectos relacionados com as atividades
didático-pedagógicas, biblioteca, laboratórios de apoio e secretaria. Os resultados obtidos são
apresentados nas tabelas 4, 5, 6 e 7.
Tabela 4 – Atividades didático-pedagógicas
ITEM DE AVALIAÇÃO
O currículo do curso atende o perfil profissional esperado no projeto pedagógico
O curso prepara para o efetivo exercício da profissão
O curso é atrativo, no sentido de oferecer integração profissional com a sociedade.
Oferece estágio curricular, como complementação da formação acadêmica
Oferece participação em atividades de pesquisa e iniciação científica
Existe oportunidade de participação em atividades de extensão
Oferece oportunidade para atividade de monitoria em disciplinas
O curso conta com facilidades de espaço físico para atividades acadêmicas
O curso conta com salas de aula adequadas para o ensino superior
As instalações são mantidas em condições de limpeza e manutenção adequadas
MÉDIA DO GRUPO
MÉDIA
3,48
3,32
3,44
3,51
3,02
2,97
2,87
3,37
3,43
3,85
3,33
O grau médio de satisfação das questões relacionadas às atividades didáticopedagógicas indica que os alunos não reconhecem como um diferencial de atratividade do
curso os aspectos relacionados ao projeto pedagógico e as formas que a IES possui para
aumentar a participação do corpo discente no curso, tais como atividades de extensão,
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iniciação científica e monitoria. Por outro lado, as condições de manutenção e limpeza das
instalações foram consideradas como satisfatórias.
Tabela 5 – Biblioteca
ITEM DE AVALIAÇÃO
A biblioteca conta com acervo atualizado
Existe disponibilidade dos títulos indicados na bibliografia básica
O número de exemplares dos títulos é suficiente
Os títulos de periódicos existentes são suficientes
Apresenta acervo de fitas de vídeo e CD ROM
O acesso à Internet é fácil e sempre que necessito
O horário de funcionamento é adequado
O espaço físico para estudo é adequado
Existe um bom atendimento (agilidade e eficiência) pelos funcionários
MÉDIA DO GRUPO
MÉDIA
3,47
3,63
2,54
3,16
2,81
3,91
3,75
3,67
3,45
3,45
O grau de satisfação médio deste grupo foi influenciado negativamente pelo número
insuficiente de livros, fitas de vídeo e CD ROM. Num curso como o de Administração, a
disponibilidade dos livros da bibliografia básica é fundamental para que se possa exigir e
cobrar um bom desempenho dos alunos, sendo este um dos itens de maior peso na avaliação
das condições de ensino realizada pelo Ministério da Educação.
Tabela 6 – Laboratórios de apoio
ITEM DE AVALIAÇÃO
A qualidade dos equipamentos e serviços é compatível com as minhas necessidades
A quantidade de equipamentos é suficiente
Existe disponibilidade de equipamentos para uso sempre que necessário
Os equipamentos existentes têm qualidade
O acesso à Internet é adequado
O espaço físico disponível é condizente com as necessidades do curso
O horário de funcionamento é adequado
Existe um bom atendimento por parte dos funcionários
MÉDIA DO GRUPO
MÉDIA
3,47
3,31
3,55
3,06
3,40
3,33
3,54
4,12
3,47
O destaque neste grupo foi a satisfação demonstrada pelo atendimento dos
funcionários no laboratório de apoio, especificamente o de informática. Entretanto, deve a IES
preocupar-se em melhorar a qualidade dos equipamentos existentes, pois existe uma tendência
de tornarem-se inadequados, segundo avaliação dos alunos.
Tabela 7 – Secretaria
ITEM DE AVALIAÇÃO
As informações fornecidas são precisas e atualizadas
Existe agilidade no atendimento
Os prazos previstos são cumpridos
O local de atendimento é adequado
O horário de funcionamento é o ideal
É bom o atendimento dos funcionários
MÉDIA DO GRUPO
MÉDIA
3,52
3,59
3,66
3,86
3,46
3,94
3,67
Neste grupo, é importante ressaltar que o bom atendimento dos funcionários da
secretaria e a adequação do local para atendimento podem ser considerados como muito
próximos da satisfação.
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A análise geral do bloco I – avaliação do curso e da infraestrutura de apoio, mostra que
a Faculdade Beta deve aprimorar seus mecanismos de integração dos alunos com as
atividades extra-classe, mesmo considerando um resultado geral próximo do satisfatório. A
implementação de um programa para aquisição de livros, fitas de vídeo e CD ROM é
primordial, pois os alunos identificaram que o acervo atual está próximo de ser considerado
como insuficiente, podendo comprometer a qualidade do curso. Deve-se salientar que em
todos os tópicos pesquisados, destacou-se o item referente ao atendimento dos funcionários,
com um grau de satisfação acima da média dos demais. Como uma visão geral deste bloco,
conclui-se que as condições atuais oferecidas pela Faculdade Beta são adequadas às
expectativas do seu corpo discente, porém cabendo sempre ações para melhoria estrutural do
curso.
5.2.
Bloco II – Avaliação do desempenho docente
Os alunos responderam neste bloco, sobre os aspectos relacionados com o
desempenho da coordenação do curso e do corpo docente. Os resultados obtidos são
apresentados, respectivamente, nas tabelas 8 e 9.
Tabela 8 – Coordenação do curso
ITEM DE AVALIAÇÃO
Atende as demandas dos alunos sempre que solicitado
Participa ativamente na condução do curso, orientando docentes e discentes
Promove a integração entre docentes e discentes
Tem disponibilidade de horário para atendimento
MÉDIA DO GRUPO
MÉDIA
3,27
3,17
3,12
3,00
3,14
Na análise deste grupo, verifica-se que o desempenho da coordenação apresenta-se
aquém do mínimo necessário, segundo o julgamento do corpo discente. De uma maneira
geral, os alunos avaliaram que a presença do coordenador não está agregando valor ao curso.
Tabela 9 – Corpo docente
ITEM DE AVALIAÇÃO
Apresenta o plano de ensino a ser seguido na disciplina
Esclarece sobre os objetivos a serem alcançados na disciplina
Desenvolve as atividades da disciplina conforme previsto no plano de ensino
Promove o relacionamento da disciplina com as demais do curso
Expressa com clareza o conteúdo que desenvolve
Utiliza bibliografia diversificada, incentivando uma maior freqüência à biblioteca
Utiliza recursos didáticos diferenciados (aulas expositivas, seminários, etc)
Adota atividades práticas que contribuem significativamente para a aprendizagem
Deixa claro quais são os critérios de avaliação para a disciplina
Discute o resultado da avaliação e orienta na recuperação dos conteúdos deficientes
Tem comportamento ético em relação aos demais docentes, aos alunos e a IES
Está motivado para o ensino da disciplina
É pontual, no início e no término das aulas
Exige pontualidade dos alunos
MÉDIA DO GRUPO
MÉDIA
3,13
3,29
3,17
3,23
3,15
3,39
3,68
3,19
2,70
2,83
3,84
3,36
3,55
3,42
3,28
Alguns dos itens avaliados relativos ao corpo docente apresentam um resultado
preocupante, principalmente aqueles relacionados ao sistema de avaliação das disciplinas.
Para os alunos, os critérios utilizados para avaliação dos conteúdos ministrados não são
colocados claramente pelos docentes, o que certamente deve ocasionar freqüentes
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reclamações sobre notas ou conceitos. Da mesma forma, ficou caracterizado que é falho o
processo de recuperação das deficiências apresentadas pelos alunos.
A análise geral do bloco II – avaliação do desempenho docente, permite a verificação
de alguns pontos preocupantes e críticos. A coordenação do curso, de uma maneira geral, está
longe de ser adequada às necessidades dos alunos, principalmente pela sua ausência no dia a
dia do curso, caracterizada pela falta de horário disponível para atendimento, conforme
identificado pelos alunos.
Pode-se observar, com maior gravidade, que o processo de avaliação utilizado pela Faculdade
Beta necessita de uma reavaliação urgente, pois com certeza, deve ocasionar desmotivação
durante todo o curso. Segundo informações obtidas junto à coordenação, foi introduzido um
processo de avaliação contínua, que eliminou a sistemática das provas dissertativas
tradicionais. Na percepção dos alunos, os docentes encontram dificuldades na
operacionalização do novo modelo, o que foi confirmado nas notas atribuídas aos itens que
tratavam do sistema de avaliação. Devem ser introduzidas ações específicas de treinamento
para os docentes, quanto à nova sistemática adotada.
6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desta avaliação piloto, torna-se possível para a Faculdade Beta desenvolver um
programa contínuo de avaliação institucional, com a intenção de melhorar o processo
educacional, a satisfação dos seus alunos e a qualidade profissional e pessoal do seu egresso.
O volume de dados obtidos nesta pesquisa inicial possibilita que a IES consiga aprimorar
imediatamente alguns itens considerados como críticos, pois aponta claramente algumas
prioridades que devem ser equacionadas pelo seu corpo diretivo.
Alguns dos itens do bloco I – atividades didático-pedagógicas avaliados como críticos, já
estavam com ações de melhoria em andamento, antes mesmo da conclusão desta pesquisa,
como por exemplo a aquisição de um maior número de exemplares dos livros indicados na
bibliografia básica das disciplinas e também de fitas de vídeo específicas para o curso.
Segundo a direção da Faculdade Beta, objetivando sanar alguns dos itens mais críticos no
bloco II – avaliação do desempenho docente, estão previstas algumas medidas para o ano de
2003, como o aumento da dedicação do coordenador ao curso, representando efetivamente
que ele terá para coordenação 20 (vinte) horas aula semanais, ao invés das 10 (dez) horas aula
atuais. Outro ponto relevante identificado, diz respeito ao sistema de avaliação utilizado, que
é insatisfatório segundo os aluno, e que deve ser objeto de discussão nas próximas reuniões do
colegiado do curso.
Finalizando, o presente texto teve como objetivo apresentar um estudo de caso sobre a
satisfação de alunos numa instituição de ensino superior. Apesar da sua importância central, a
mesma não é simples de ser mensurada, considerando-se que alunos diferem em termos de
quais características da IES estão relacionadas a sua satisfação, e quanto cada uma delas eles
sentem que é essencial. O fato é que levantamentos periódicos, pelos menos semestrais,
deverão ser praticados de forma a ter-se um diagnóstico mais preciso da situação. As questões
desenvolvidas neste estudo devem ser replicadas para outras instituições a fim de que ajustes
sejam feitos e, que as mesmas possam originar um modelo avaliativo da satisfação de alunos
em instituições de ensino superior, possibilitando um monitoramento adequado das mesmas,
na busca pela qualidade do ensino superior no Brasil.
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Competências organizacionais no setor supermercadista na cidade de Manaus: Um
estudo de caso
Antonio Geraldo Harb*
Carlos Ricardo Rossetto **
Resumo
Este Artigo tem como objetivo principal a identificação
da percepção das competências essenciais de
empregados e empregadores para a busca de
competitividade do sertor de supermercados da cidade de
Manaus. Assim, foi analisada a correlação entre várias
competências para se estabelecer àquelas que mais
influenciam os dirigentes, empregados e consumidores.
Foram também, identificadas as competências
emergentes que deverião ser essenciais para o segmento,
no futuro. A amostra foi de 39 dirigentes, 129
empregados e 279 consumidores. Foram usadas
estatísticas descritivas, análise de variáveis, comparação
entre as médias e análises qualitativas. Nós identificamos
35 competências relevantes para descrever a qualidade
dos serviços e 14 competências emergentes. O estudo
revelou a necessidade de novos investimentos para
capacitar o capital humano nas funções dos
supermercados tendo um guia de produtos e serviços,
para atender melhor os clientes. No final, são feitas
recomendações para novas pesquisas acadêmicas e
organizacionais.
Palavras-chaves: Competências essenciais, conhecimento
e Habilidades.
ABSTRACT
This article has an objective to identify based on
perception of managers, employees and customers which
competencies are relevant to achieve competitiveness
that should be inserted in the supermarket field in the
city of Manaus. So, was tried to analyze the correlation
with several competencies, likewise to establish
variables that perform bigger influence on managers,
employees and customers’ perceptions. It was also, to
identify emergent competencies that will be essential to
the segment, in the future. The sample was taken from
thirty-one managers, one hundred and twenty-nine
employees and two hundred and seventy-eight
supermarket customers. It as
used the descriptive analysis,
variables analysis, comparison
analysis
between
averages and qualitative data
analysis. It was identified
thirty-five relevant competencies to give a quality
service
and
fourteen
emergent competencies. The
study revealed the necessity
of new investments to
improve the human capital in
the supermarket employees
will be a product and service
guide, going to play a role
nearest the client. In the end,
are made recommendations
to do new researches on
academic
areas
and
organizational.
Key-words: Core competencies, know-ledge,
abilit y.
* Centro Integrado de Ensino
Superior do Amazonas –
CIESA
** UFSC e Universidade de
Passo Fundo
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003
Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto
1. Introdução
A evolução tecnológica e o movimento de fusões e aquisições observadas nos últimos
tempos introduziram novos conceitos e mudaram comportamento nos mais variados setores
da economia. No setor supermercadista não foi diferente, prova maior é o processo constante
pelo qual o segmento vem passando no Brasil e no resto do mundo.
Os modelos estratégicos multiplicaram-se nos últimos anos, Prahalad e Hamel (1990)
argumentam que em vez de concentrar nas condições do setor, os estrategistas deveriam
concentrar-se nas competências essenciais de suas empresas e utilizar as habilidades, os
processos e as tecnologias para criar vantagem competitiva sustentável em sua cadeia de
valor. Desenvolvendo e mantendo as competências essenciais é a maneira pela qual os
dirigentes conseguirão sustentar as vantagens competitivas de suas organizações. A
arquitetura estratégica possibilita aos gestores a identificação das atuais competências
essenciais e daquelas que necessitam de desenvolvimento. As competências essenciais se
situam no cerne do processo de alavancagem e de criação de novas oportunidades de
negócios.
Com efeito, as perspectivas gerenciais das organizações, inseridas neste setor, tem sido
de adaptar-se aos novos cenários, para acompanhar as transformações ocorridas no ambiente,
ou seja, implementar ações que se coadunem às novas realidades. Significativas mudanças
nas estratégias dessas organizações vem acontecendo, vez que são vistas como questão crucial
para a sobrevivência organizacional.
Os supermercados no Brasil cresceram em importância na distribuição de produtos nos
últimos anos. Contudo, a margem de lucro sobre as vendas é relativamente baixa e tem sido
cada vez mais pressionada por uma crescente concorrência. Nunca o setor supermercadista
brasileiro passou por transformações tão intensas e radicais quanto nos últimos cinco anos,
com direções, amplitudes e conseqüências que ainda vem sendo sentidas enormemente pelos
empresários do setor.
O impacto na gestão dos negócios dos supermercados teve origem no ingresso das
multinacionais que sacudiram o mercado brasileiro, na revolução de métodos e conceitos
operacionais e no surgimento de novas e revolucionárias tecnologias. No entanto, a mais
importante mudança ocorrida foi no perfil do consumidor brasileiro, que passou a ser mais
exigente, questionador e nada fiel.
O presente estudo pretende então, determinar as competências essenciais do setor
supermercadista na cidade de Manaus, para a busca da competitividade. Portanto, estudar a
percepção de gestores, funcionários e clientes acerca das competências essenciais relevantes
para o atingimento da competitividade empresarial, é o maior desfio que este estudo propõese a pesquisar.
2. Competências organizacionais
Desenvolver as competências essenciais pode proporcionar à organização um
diferencial competitivo, possibilitando o surgimento de novas oportunidades no mundo dos
negócios. As organizações que implementam suas estratégias com base nas competências
essenciais ou capacidades únicas pode iniciar o seu processo estratégico reconhecendo suas
capacidades e competências críticas a partir de uma perspectiva interna dos processos de
negócio, considerando a expectativa dos clientes, selecionando segmentos de mercado e
consumidores, nas quais as competências podem oferecer maior valor agregado.
Os artigos de Prahalad e Hamel (1990) sobre as core competences da empresa
despertaram interesses nos meios acadêmicos e empresariais do mundo inteiro. Todo e
qualquer empresário busca as famosas vantagens competitivas que o posicione a frente de
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seus rivais e sejam difíceis ou até mesmo impossível de se imitar..., o processo requer uma
nova maneira de pensar, um certo “desaprendizado” e uma readaptação por parte dos
dirigentes da organização, Prahalad (1997).
As competências organizacionais estão formadas pelo conjunto de conhecimentos,
habilidades, tecnologias e comportamentos que uma organização possui e consegue
manifestar de forma integrada na sua atuação, causando impacto no seu desempenho e
contribuindo para os resultados.
Prahalad e Hamel apud Brandão (1999) trabalham o conceito no âmbito
organizacional, referindo-se à competência como um conjunto de conhecimentos,
habilidades, tecnologias, sistemas físicos, gerenciais e valores que geram um diferencial
competitivo para a organização. Para esses autores, competências essenciais nas empresas
são aquelas que atribuem vantagem competitiva, criam valor percebido pelos clientes e são
difíceis de ser imitadas pela concorrência.
Zarifian (1999), compartilhando o pensamento de outros autores, sustenta que não se
deve desprezar a dimensão de equipe no processo produtivo. Le Boterf (1999) argumenta que
a competência conjunta de uma equipe de trabalho é uma propriedade que emerge da
articulação e da sinergia entre as competências individuais de seus membros. Durand (1999)
também adverte neste sentido ao citar que crenças e valores compartilhados no âmbito do
grupo influenciam a conduta e a performance de seus integrantes.
Nisembaum (2000) classifica as competências organizacionais em:
Competências Básicas – são os pré-requisitos que a empresa precisa ter para administrar com
eficácia o negócio. Significam as condições necessárias, porém insuficientes, para que a
organização atinja liderança e vantagem competitiva no mercado;
Competências Essenciais – são aquelas que possui valor percebido pelo cliente, não podem
ser facilmente imitada pelos concorrentes e contribui para a capacidade de expansão da
organização.
O objetivo, maior, de identificar as competências essenciais na organização é por
possibilitar o direcionamento do foco para aquelas situadas no centro, contribuindo,
sobremaneira, para o sucesso empresarial de longo prazo. A grande vantagem de se trabalhar
o conceito de competências é que ele permite direcionar a atenção, concentrar forças no que é
fundamental para que a organização consiga os seus objetivos operacionais e estratégicos.
Quadro 2.1 – Algumas empresas nacionais e multinacionais e suas competências.
Ticket Restaurante
A gestão de relacionamento com o mercado;
TAM
A gestão de serviço e sua capacidade de renovar-se e estabelecer alianças estratégicas;
FIAT
Gestão da inovação ou seja a capacidade de antecipar as necessidades de mercado e inovar com produtos;
Sony
A miniaturização, harmonizando múltiplas tecnologias;
AT & T
A gestão em redes;
Apple
A amistosidade com o usuário;
Matsushita
A fabricação em grandes volumes, a Organização é notável na fabricação dos produtos;
Canon
A miniaturização e a mecatrônica. A Canon sabe criar e fabricar bem pequenos dispositivos eletromecânicos
complexos;
Honda
A competência em motores. Os múltiplos negócios da organização dependem de sua competência em motores.
Fonte: Pesquisa do Autor (2000).
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Cabe destaque às empresas nacionais e multinacionais cujas as competências tem valor
percebido pelo cliente, contribui a diferenciação entre concorrentes e aumenta a capacidade de
expansão, conforme demonstra o Quadro 2.1.
Para melhor visualização, a Figura 2.1 ilustra um exemplo de alavancagem das
competências essenciais na Honda.
Na visão de Liam Fahey et al. (2000) “a chave para o entendimento do significado de
competência é que, embora incorpore um componente tecnológico, ela também envolve o
processo de governança no âmbito da organização ( a qualidade dos relacionamentos entre as
funções dentro de uma unidade de negócios ou entre as unidades de negócios de uma empresa
de muitos negócios), e o aprendizado coletivo entre os níveis, funções e unidades de negócios.
É possível formular o conceito de competência da seguinte forma:
“Competência = ( Tecnologia X Processo de Governança X Aprendizado Coletivo)”.
As competências essenciais envolvem a incorporação criativa de múltiplas
tecnologias, o conhecimento das preferências do cliente, as tendências de mercado e a
capacidade para gerir todas essas variáveis de forma harmoniosa.
Figura 2.1 – Alavancagem das competências essenciais.
HONDA
Motores de Popa
Motocultivadores
Motor
Cortadores de
Removedores de Neve
Motocicletas
Veículos para Neve
Automóveis
Fonte: Liam Fahey et al. (2000)
3. Um estudo do setor supermercadista: aspectos metodológicos
Com base nas proposições de Vergara (1998), esta pesquisa é classificada sob dois
aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios de investigação. Outra classificação utilizada, é
quanto a natureza das variáveis estudadas, postulada por Kirk e Miller apud Mattar (1996).
No que tange aos fins, a pesquisa é considerada exploratória, descritiva e aplicada.
Exploratória porque não há registros de conhecimentos sobre as competências essenciais no
setor supermercadista de Manaus. Apesar das freqüentes pesquisas realizadas pelo setor,
nenhuma levou em consideração a identificação das competências essenciais na busca da
competitividade.
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Considera-se descritiva, à medida que alcança a obtenção e exposição de dados
representativos de determinada situação ou fenômeno. A pesquisa, neste caso, descreve as
percepções de gestores, funcionários e clientes dos supermercados da cidade de Manaus,
referentes as competências essenciais para o atingimento da competitividade.
Classifica-se, também, como aplicada, por seu caráter prático e pela necessidade de resolver
problemas reais, podendo auxiliar as empresas do segmento em processos de recrutamento e
seleção, treinamento e desenvolvimento e, desempenho das diversas áreas.
Quanto aos meios de investigação, esta pesquisa é bibliográfica e de campo. Bibliográfica
por incorporar uma revisão de literatura sobre o tema, isto é , a coleta e análise de dados para
subsidiar teoricamente, este trabalho, foram feitas através de livros, artigos científicos,
revistas especializadas, teses, dissertações, anais de congressos e periódicos.
A presente pesquisa é também de campo uma vez que se realizou uma investigação empírica
junto a gestores, funcionários e clientes dos supermercados, para obter dados sobre os
aspectos perceptíveis a respeito das competências essenciais na busca da competitividade.
Por fim, quanto à natureza das variáveis esta pesquisa classifica-se como quali-quantitativa.
Quantitativa pela coleta de dados junto a um número significativo de pessoas, através de
questionários estruturados e escalas de avaliação. Qualitativa pois foram realizadas entrevistas
semi-estruturadas com gestores, funcionários e clientes dos supermercados, onde os
entrevistados tiveram a oportunidade de expor suas idéias, pensamentos, descrições de
situações e comportamentos.
Para a realização deste trabalho, a população investigada restringiu-se a gestores, funcionários
e clientes. Considerando as dificuldades de abordagens a gestores e funcionários do setor
supermercadista, adotou-se para esses segmentos o critério de acessibilidade, Mattar (1999).
Com base no exposto, a população de gestores e funcionários foi identificada pelo critério de
acessibilidade e disponibilidade do setor, trabalhando com margem zero de erros, configurouse em: 31 gestores e 129 funcionários.
Para cálculo da amostra de clientes, empregou-se a seguinte fórmula:
n = (N x no) / (N + no), considerando uma população de 450.000 e um erro de 6%, resultando
numa amostra de 278 clientes.
4. Levantamentos preliminares
Como não há conhecimento acumulado e sistematizado acerca das competências
essenciais no setor supermercadista, decidiu-se pela construção de questionários para medir a
percepção de gestores, funcionários e clientes do setor a respeito das competências relevantes
na busca da competitividade do setor.
Para a elaboração desses questionários realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre a
trajetória e as principais tendências do setor supermercadista, bem como estudos sobre a
identificação das competências essenciais para outros setores e finalidades específicas. Foram
utilizadas bibliotecas públicas e privadas, no país e no exterior com auxílio da Internet e de
bases de dados científicas, como a COMUT do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência
e Tecnologia – IBICT.
Além disso, o pesquisador optou por realizar uma pesquisa preliminar na qual
entrevistou especialistas do setor notadamente das entidades de classe e do escritório de
representação da Revista SuperHiper na cidade do Rio de Janeiro, para colher subsídios para a
construção dos questionários. Essa investigação teve como objetivo principal identificar, num
primeiro momento, as competências relevantes ao atingimento da competitividade no setor
supermercadista.
Nessa pesquisa preliminar, foram, também, realizadas 25 entrevistas semi-estruturadas
e individuais, para coleta de dados junto a funcionários de diversos níveis hierárquicos dos
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supermercados em Manaus. Foram entrevistados diretores, superintendentes, gerentes,
supervisores, caixas e atendentes, identificados por critérios de acessibilidade. Nesta etapa,
considerou-se desnecessário a participação de clientes, uma vez que os dados coletados nessa
pesquisa preliminar seriam submetidos posteriormente a eles, tanto nas entrevistas de
validação semântica dos questionários, quanto na aplicação dos questionários em campo.
As entrevistas a funcionários foram realizadas em janeiro de 2001, com duração média
de 20 minutos cada. De acordo com o que preceituam Richardson et al. (1999), as respostas
foram analisadas, visando descrever de forma clara, sistemática e quantitativa as
competências apontadas pelos entrevistados como relevantes ao atingimento da
competitividade bem como aquelas cuja relevância foi considerada emergente.
Richardson et al. (1999), observam que nas investigações dessa natureza o número de
menções realizadas a respeito de determinado item é um indicativo da sua importância. Na
abordagem conhecimentos emergentes, o item “conhecer as rotinas do setor” foi mencionado
por 64% dos entrevistados, na abordagem habilidades emergentes o item “ser capaz de manter
o equilíbrio emocional” representou 72% e na abordagem atitudes emergentes o item
“demonstrar tranqüilidade nos serviços” obteve 20% de indicação pelos entrevistados.
Fundamentado na pesquisa bibliográfica e nas entrevistas, foi possível identificar 14
competências que possuem relevância emergente. O Quadro 4.1 descreve essas competências
em termos de conhecimentos, habilidades e atitudes, assim como a freqüência que foram
mencionadas nas entrevistas.
Além das 14 competências emergentes, foram identificadas 35 competências
consideradas relevantes a competitividade do setor, as quais fundamentaram a construção dos
questionários.
Quadro 4.1 – Matriz de competências emergentes para os gestores e funcionários do setor
supermercadista de Manaus (resultado do levantamento preliminar de dados).
CONHECIMENTOS EMERGENTES
1.
Conhecer as rotinas do setor
2.
Conhecer princípios de economia
3.
Conhecer tecnologia do setor
4.
Conhecer técnicas de marketing
5.
Conhecer métodos avançados
comercialização
de
HABILIDADES EMERGENTES
6.
7.
8.
9.
10.
11.
Ser capaz de manter equilíbrio emocional
Saber conquistar o cliente
Saber fazer negócios inteligentes
Saber ser observador
Ser capaz de identificar riscos no negócio
Saber trabalhar em grupo
ATITUDES EMERGENTES
12.
Demonstrar tranqüilidade nos serviços
13.
Demonstrar
interesse
em crescer
profissionalmente
14.
Demonstrar empatia ao cliente
Fonte: Revisão de literatura e conteúdo das entrevistas (2001).
FREQÜÊNCIA
ABSOLUTA
16
13
06
05
04
FREQÜÊNCIA
RELATIVA
64,00%
52,00%
24,00%
20,00%
16,00%
FREQÜÊNCIA
ABSOLUTA
18
17
07
07
06
05
FREQÜÊNCIA
ABSOLUTA
05
FREQÜÊNCIA
RELATIVA
72,00%
68,00%
28,00%
28,00%
24,00%
20,00%
FREQÜÊNCIA
RELATIVA
20,00%
04
16,00%
03
12,00%
O Quadro 4.2 apresenta a descrição das 35 competências, onde foram observadas as
recomendações de Mattar (1996), Viegas (1999) e Richardson et al. (1999), quanto a não
utilização de frases longas ou com múltiplas idéias, bem como de expressões técnicas,
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ambíguas e negativas. Tais recomendações permitem, ao respondente, maior clareza e
objetividade quanto à compreensão das expressões utilizadas no instrumento de pesquisa.
Baseando-se na hipótese de que o maior número de menções realizadas em torno de
uma competência é um indicativo do elevado grau de importância, ressalta-se que, na
categoria conhecimentos o item “conhecer produtos e serviços do supermercado” foi
mencionado por 60% dos entrevistados, na abordagem habilidades 76% dos entrevistados
fizeram menção à capacidade de “utilizar uma forma de comunicação que o cliente entenda”,
enquanto que na abordagem atitudes o item “demonstrar elevada produtividade” foi citado
por 40% dos entrevistados.
Quadro 4.2 – Competências relevantes à competitividade do setor supermercadista de
Manaus.
Freqüência
Absoluta
1.
Conhecer produtos e serviços do supermercado.
15
2.
Conhecer gostos e preferências do cliente.
14
3.
Conhecer princípios de qualidade em serviços.
13
4.
Conhecer técnicas modernas de vendas para o setor 12
5.
Conhecer princípios de recursos humanos.
09
6.
Conhecer as rotinas e processos relativos a sua tarefa.
07
7.
Conhecer os fornecedores.
06
8.
Conhecer informática.
04
9.
Conhecer o mercado do setor.
03
10.
Conhecer ferramentas que possibilitem uma melhor 02
11. Conhecer a conjuntura econômica, política e sócio-cultural do país.
02
Freqüência
HABILIDADES
Absoluta
12. Utilizar uma forma de comunicação que o cliente entenda.
19
13. Ser capaz de identificar as características e expectativas do cliente em
12
relação ao supermercado.
14 Ser capaz de solucionar problemas inéditos.
12
15. Ser capaz de resolver de forma rápida problemas e dúvidas dos clientes.
09
16. Ser capaz de manter boas relações com clientes e colegas.
08
17. Saber fazer negócios competitivos.
07
18. Saber fazer uso de ferramentas tecnológicas.
06
19. Saber conquistar a simpatia e apreço dos clientes.
06
20. Identificar oportunidades de negócios a partir de tendências do setor.
05
21. Ser capaz de produzir soluções criativas e inovadoras.
05
22. Ser capaz de estruturar produtos e serviços para atender as necessidades
04
dos clientes.
23. Saber aonde encontrar as informações necessárias para o seu trabalho.
03
24. Saber fazer gerenciamento de recursos humanos.
03
25. Ser capaz de estimular e promover o trabalho em equipe.
02
26. Saber argumentar de forma convincente sobre situações de trabalho.
02
Freqüência
ATITUDES
Absoluta
27. Demonstrar elevada produtividade.
10
28. Demonstrar cortesia e educação para com os clientes e colegas.
09
29. Demonstrar satisfação e interesse em atender o cliente.
07
30. Reconhecer a importância do cliente para o supermercado.
06
31. Manifestar interesse em aprender continuamente.
04
32. Demonstrar ser proativo.
03
33. Demonstrar humildade.
03
34. Ser ético em relação aos clientes.
02
35. Manifestar interesse em ações comunitárias proposta pela empresa.
02
Fonte: Revisão de literatura e conteúdo das entrevistas (2001).
CONHECIMENTOS
Freqüência
Relativa
60,00%
56,00%
52,00%
48,00%
36,00%
28,00%
24,00%
16,00%
12,00%
08,00%
08,00%
Freqüência
Relativa
76,00%
48,00%
48,00%
36,00%
32,00%
28,00%
24,00%
24,00%
20,00%
20,00%
16,00%
12,00%
12,00%
08,00%
08,00%
Freqüência
Relativa
40,00%
36,00%
28,00%
24,00%
16,00%
12,00%
12,00%
08,00%
08,00%
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5. Análises descritivas
Nessa classificação, considerou-se a média e o desvio padrão de cada variável. Foram
consideradas pelos gestores vinte competências de extrema importância com média igual a 5
(cinco), onze com indicativo de maior importância e apenas quatro com grau de relativa
importância.
Dentre as vinte competências consideradas como de extrema importância, oito são da
dimensão habilidades, sete de atitudes e cinco de conhecimentos. Foram descritas onze
competências consideradas com maior grau de importância, sendo três de conhecimentos, sete
de habilidades e uma de atitudes. Na percepção de gestores, a dimensão mais importante é as
habilidades com quinze variáveis entre os graus de extrema importância e maior importância.
Observa-se que todas as variáveis tiveram médias superiores a 4,90 (ponto médio da
escala). A variável que atingiu a menor média (relativa importância) foi conhecer produtos e
serviços dos supermercados V01 (X = 4,90 e σ = 0,30). Essa variável configura-se entre as
competências relevantes, uma vez que os intervalos entre as médias na população de gestores
foram relativamente baixos. Portanto, apesar da relativa importância, essa variável é essencial
à competitividade.
As tendências do setor evidenciam que, no futuro, os atendentes e vendedores de
supermercados serão muito mais orientadores de clientes, no sentido de ajudá-los a fazer a
escolha do produto ou serviço de acordo com as suas necessidades.
Nos resultados da percepção da amostra de funcionários, as duas competências de
extrema importância à competitividade do setor são: demonstrar cortesia e educação para com
os clientes e colegas, e ser capaz de manter boas relações com clientes e colegas, ambas com
média igual a 4,74. As competências consideradas de maior importância totalizaram 18
variáveis, e suas médias situaram-se entre os intervalos 4,60 a 4,90. As competências de
maior grau de importância, neste segmento, foram nove de habilidades, seis de atitudes e
cinco de conhecimentos.
Em termos de atitudes, a variável que atingiu a maior média foi a V29 ( X = 4,74 e
σ = 0,52 ), na dimensão habilidade V27 ( X = 4,74 e σ 0,52 ) e em termos de conhecimento a
V03 (X = 4,63 e σ = 0,59). Os resultados indicam que para o segmento de funcionários, as
atitudes e habilidades são mais importantes do que a dimensão conhecimento.
As competências que apresentaram menor grau de importância foram, saber fazer uso
de ferramentas tecnológicas V21 (X = 4,50 e σ = 0,73); ser capaz de estruturar produtos e
serviços para atender as necessidades dos clientes V23 (X = 4,50 e σ = 0,73) e conhecer
princípios de qualidades em serviços V10 (X = 4,50 e σ = 0,71). Essas variáveis, talvez, não
sejam essenciais no atual contexto do setor supermercadista, mas poderão ser essenciais num
futuro próximo.
Na amostra de clientes, duas competências apresentaram desvio padrão elevado
(σ = ≥ 1,0), o que significa maior grau de variabilidade àquelas encontradas nas outras
amostras.
Os resultados oriundos da análise descritiva das percepções dos gestores, funcionários
e clientes, indicam que, resguardadas as diferenças entre as médias, as competências
elencadas no instrumento de pesquisa são consideradas importantes à competitividade do
setor à exceção dos itens, “conhecer informática”, e ”saber fazer uso de ferramentas
tecnológicas”, que nas três amostragens configuram-se com menor grau de importância.
6. Análise de diferença entre as médias
O objetivo desta análise era verificar se houve divergência entre as percepções de
gestores, funcionários e clientes, quanto às competências essenciais à competitividade no
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setor supermercadista na cidade de Manaus.
Com efeito, efetuou-se a análise de variância, seguida de teste F de Snedecor, no
sentido de verificar se houveram variações nas percepções desses segmentos e se eram
atribuídos às flutuações aleatórias ou suficientemente grandes para indicar a existência de
diferenças relevantes (p < 0,05) entre as médias amostrais (Wonnacott & Wonnacott, 1981).
A população de gestores apresentou média geral d e importância ( X = 4,98 e
σ = 0,17 ) significativamente maior que as amostras de funcionários ( X = 4,60 e σ = 0,65 ) e
clientes ( X = 4,39 e σ = 0,71 ). A diferença entre as médias das amostras de funcionários e de
clientes, também foi considerada significativa, conforme pode ser visualizado no Gráfico 6.1.
Gráfico 6.1 – Comparação entre as médias de importância de gestores, funcionários e
clientes.
5,0000
4,9000
4,9816
4,8000
4,7000
Gestores
4,6000
4,5000
Funcionários
4,6012
Clientes
4,4000
4,3000
4,395
4,2000
4,1000
Fonte: Pesquisa do Autor (2001).
Esse resultado, talvez, decorra do fato do gestor avaliar as competências sob o prisma
de observador do cenário sem a interação direta com o cliente, enquanto que as relações entre
funcionários e clientes estão mais próximas, ao interagirem diretamente, “olho no olho”, nesse
processo. Os gestores, por reconhecer a responsabilidade de prestar um atendimento de
melhor qualidade aos clientes, talvez atribuam um valor maior às competências elencadas no
instrumento de pesquisa. Por outro lado, os programas de treinamento e qualificação desses
gestores, priorizam as questões relacionadas às tendências do varejo e as relações com o
mercado, o que possibilita o reconhecimento, com maior clareza, e grau de importância das
competências em questão. O Quadro 6.1 reproduz as diferenças entre as médias amostrais no
que concerne às competências descritas em termos de conhecimentos. A ausência de valores
nos níveis de significância, indica que não houve diferenças significativas. O uso de
significância utilizado para essa análise foi p < 0,05. Para melhor compreensão, verificar
Quadro 6.1.
Das 11 competências descritas, constata-se que a média de percepção de gestores é
significativamente superior a de funcionários e clientes. Os níveis de significância atribuídos
às variáveis V1 (p = 0,0186), V4 ( p = 0,0006) e V10 (p = 0,0004) são inferiores ao nível de
significância (p = 0,05).
No concernente às habilidades, verificou-se que nos itens V14 (p = 0,0271 ) e V27
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(p = 0,0148) não apresentaram diferenças significativas entre as percepções de funcionário e
cliente. Os gestores apresentaram, em todas as catorze habilidades, médias significativamente
superiores à dos funcionários e clientes. Enquanto que, clientes apresentaram média superior a
dos funcionários nas variáveis V16 ( p = 0,0042 ) e V23 ( p = 0,0009 ). O Quadro 6.2 ilustra
com maior clareza as diferenças entre as médias da dimensão habilidades.
Quadro 6.1 – Análise das médias de percepção de gestores, funcionários e clientes relativas
aos conhecimentos.
VAR
VARIÁVEL
Gest.
V01
Conhecer produtos e
4,9032
serviços do supermercado
V02
Conhecer técnicas
modernas de vendas para
o setor supermercadista
V03
Conhecer o mercado do
setor
V04
Conhecer gostos e
preferências do cliente
V05
5,0000
5,0000
4,9677
Conhecer os fornecedores 5,0000
V06
Conhecer informática
4,9355
V07
Conhecer ferramentas que
possibilitem uma melhor 4,9677
operação de sua atividade
V08
Conhecer as rotinas e
processos relativos a sua
tarefa
V09
Conhecer princípios de
recursos humanos
V10
Conhecer princípios de
qualidade em serviços
V11
Conhecer a conjuntura
econômica, política e
sócio-cultural do país
4,9355
4,9677
5,0000
5,0000
MÉDIA
Func.
Clien.
4,5271
4,6202
4,6279
4,5736
4,5781
4,5659
4,5659
4,6124
4,5969
4,4961
4,5969
4,5261
4,0836
4,1672
4,4251
3,9861
4,0592
4,2813
4,2509
4,1493
4,5833
4,0764
σ
0,7024
0,8902
0,8679
0,7854
1,0397
0,9260
0,8052
0,8868
0,8861
0,6419
0,9165
Sig
0,0186
-
-
0,0006
-
-
-
-
-
0,0004
-
ANÁLISE
Gestores >
Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores >
Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores >
Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores >
Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores >
Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores >
Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores >
Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores >
Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores >
Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores >
Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores >
Funcionários
Funcionários > Clientes
Fonte: Pesquisa do Autor (2001).
Nota: As omissões indicam que não houve diferença significativa. Nível de significância atribuído ao
estudo (p) < 0,05.
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003
28
Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto
Quadro 6.2– Análise das médias de percepção de gestores, funcionários e clientes relativas às
habilidades.
VAR VARIÁVEL
V13
V14
V15
V16
V17
V18
V19
V20
V21
V22
V23
V24
V25
V26
V27
MÉDIA
Gest.
Func.
Ser capaz de identificar as
características
e
4,9677
expectativas do cliente em
relação ao supermercado
Utilizar uma forma de
comunicação que o cliente 4,9677
entenda
Saber aonde encontrar as
informações
necessárias 5,0000
para o seu trabalho
Ser capaz de resolver de
forma rápida problemas e 5,0000
dúvidas dos clientes
Saber argumentar de forma
convincente sobre situações 5,0000
de trabalho
Saber conquistar a simpatia
5,0000
e apreço dos clientes
Identificar oportunidades de
negócios a partir de 4,9677
tendências do setor
Saber
fazer
negócios
4,9677
competitivos
Saber fazer usos de
4,9677
ferramentas tecnológicas
Saber fazer gerenciamento
5,0000
de recursos humanos
Ser capaz de estruturar
produtos e serviços para
5,0000
atender as necessidades dos
clientes
Ser capaz de solucionar
4,9677
problemas inéditos
Ser capaz de produzir
soluções
criativas
e 4,9677
inovadoras
Ser capaz de estimular e
promover o trabalho em 5,0000
equipe
Ser capaz de manter boas
relações com cliente e 5,0000
colegas

Sig
ANÁLISE
Clien.
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
4,6614 4,1831
0,8397
-
4,6899 4,6493
0,6285
Gestores > Funcionários
0,0271 Funcionários > Clientes
4,5504 4,3333
0,7770
-
4,6124 4,7431
0,6118
Gestores > Funcionários
0,0042 Clientes > Funcionários
4,5581 4,2195
0,8032
-
4,6328 4,7282
0,5521
0,0252
4,5194 4,0944
0,8438
-
4,5504 4,3636
0,7878
0,0001
4,5039 4,1951
0,8054
-
4,6047 4,1910
0,8371
-
4,5039 4,5749
0,6666
0,0009
4,6434 4,1910
0,8647
-
4,6899 4,4722
0,6510
-
4,6641 4,5451
0,6558
Gestores > Funcionários
0,0006 Funcionários > Clientes
4,7364 4,7083
0,5323
Gestores > Funcionários
0,0148 Funcionários > Clientes
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores > Clientes
Clientes > Funcionários
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores > Clientes
Clientes > Funcionários
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Fonte: Pesquisa do Autor (2001).
Nota: As omissões indicam que não houve diferença significativa. Nível de
significância atribuído ao estudo(p) < 0,05.
Com referência às competências em termos de atitudes, comprova-se no Quadro 6.3,
que os gestores possuem médias significativamente superiores às de funcionários e clientes.
Enquanto que os clientes possuem médias superiores às de funcionários nas seguintes
variáveis: V29 (p = 0,0279), V33 (p = 0,0038), V34 (p = 0,0001), V35 (p = 0,0099) e V37 (p =
0,0239). Os funcionários, por sua vez, apresentam médias significativamente elevadas em
relação a dos clientes dos seguintes itens: V30 (p = 0,000), V31 (p = 0,0024), V32 (p = 0,000) e
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003
29
Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto
V36 (p = 0,000). O Quadro 6.3 mostra as diferenças de percepções entre gestores, funcionários
e clientes em termos de atitudes.
Quadro 6.3– Análise das médias de percepção de gestores, funcionários e clientes relativas as
atitudes.
MÉDIA
VA
VARIÁVEL
R
Gest.
V29 Demonstrar cortesia e
educação para com os 5,0000
clientes e colegas
V30 Demonstrar
elevada
4,9677
produtividade
V31 Manifestar interesse em
5,0000
aprender continuamente
V32
Demonstrar ser proativo 5,0000
V33 Demonstrar satisfação e
interesse em atender o 5,0000
cliente
V34 Reconhecer
a
importância do cliente 5,0000
para o supermercado
V35 Ser ético em relação aos
5,0000
clientes
V36 Manifestar interesse em
ações
comunitárias 5,0000
proposta pela empresa
V37
Demonstrar humildade 4,9355

SIG
ANÁLISE
4,7993
0,4787
0,0279
Gestores > Clientes
Clientes > Funcionários
4,6202
4,3902
0,6850
-
4,6124
4,5660
0,6625
0,0024
4,5736
4,2396
0,7565
-
4,6512
4,7735
0,5494
0,0038
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores > Clientes
Clientes > Funcionários
4,6357
4,8160
0,5037
0,0001
Gestores > Clientes
Clientes > Funcionários
4,6202
4,6760
0,6291
0,0099
4,5426
4,1463
0,8763
-
4,5581
4,6376
0,6912
0,0239
Func.
Clien.
4,7442
Gestores > Clientes
Clientes > Funcionários
Gestores > Funcionários
Funcionários > Clientes
Gestores > Clientes
Clientes > Funcionários
Fonte: Pesquisa do Autor (2001).
Nota: As omissões indicam que não houve diferença significativa. Nível de
significância atribuído ao estudo (p) < 0,05.
Os resultados denotam que, a maioria das competências elencadas no instrumento de
pesquisa apresenta diferenças significativas de percepção entre gestores, funcionários e
clientes, do setor supermercadista da cidade de Manaus. Essas divergências podem ser melhor
compreendidas quando se verifica que os três segmentos estudados analisam a importância
das competências sob um prisma diferente. Os gestores, sobre o prisma de quem é, em última
análise, o responsável pela satisfação do consumidor que é soberano no mercado. Os
funcionários, pelo aspecto de quem interage no “dia-a-dia”, no “olho-a-olho”, buscando
atender as reais necessidades e anseios dos clientes. Os clientes, sob o prisma de quem espera
receber um atendimento de qualidade por parte dos funcionários. Destaca-se que, se o setor
supermercadista desejar implementar ações para minimizar as divergências de percepções
entre os atores envolvidos, especial atenção deve ser dada às competências que foram
consideradas essenciais pelos clientes à competitividade do setor.
7. Análise dos dados qualitativos
Foram introduzidos no instrumento de pesquisa, perguntas abertas para dar liberdade
de expressão ao respondente e, assim, surgir novas questões de competências essenciais à
competitividade do setor. Buscou-se com isso, descobrir com maior grau de intensidade os
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003
30
Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto
sentimentos e desejos dos agentes envolvidos e a busca de competitividade pelo setor
supermercadista.
Com base nas proposições de Wells (1991), Sykes (1991), as respostas às questões
abertas foram analisadas, identificando-se os elementos interpretativos, assim como a
freqüência de uso da palavra. Essas respostas foram interpretadas e classificadas em
categorias para um melhor entendimento de sua natureza. Ocorreram muitas omissões,
diversas repetições e redundâncias, além de alguns manuscritos se tornarem ilegíveis, nesse
sentido Mattar (1996, p. 227), explicita:
“... quando aplicadas em questionários alto-preenchíveis, as perguntas com
respostas trazem problemas no seu preenchimento para as pessoas que tem
dificuldades de redação. Além disso, as pessoas tendem a escrever de forma mais
reduzida do que se estivessem falando. Finalmente, há uma dificuldade natural de
entender uma infinidade diferente e, às vezes, ilegíveis manuscritos”.
Apesar das dificuldades das pesquisas qualitativas, dos trinta e um gestores, nove
responderam essas perguntas, sendo que, a maioria das respostas encontravam-se inseridas no
questionário das questões fechadas. Apenas duas novas competências foram sugeridas à
prestação de um atendimento de qualidade. “Demonstrar comprometimento com a
organização”. (uma citação). “Conhecer princípios de higiene pessoal”. (uma citação).
Na amostra de funcionários, por sua vez, dos cento e vinte e nove participantes, apenas
quatro responderam a questão aberta e apenas como contribuição nova surgiu: “Conhecer o
código do consumidor” (duas citações).
Na categoria clientes, dos duzentos e oitenta e oito respondentes, apenas vinte e três
responderam a questão aberta, e, somente, uma nova contribuição foi citada: “conhecer a
cultura da região” (treze citações).
Apesar de não ser possível obter resultados conclusivos a partir da análise qualitativa,
mas é possível identificar novas idéias e pensamentos acerca das competências essenciais ao
atingimento da competitividade do setor.
Três das competências citadas como relevantes devem merecer atenção especial por parte
do setor supermercadista. Demonstrar comprometimento com a organização, é importante
para o atingimento da competitividade, e como tal, é necessário que a organização tenha clara
e bem definida a sua missão, a fim de nortear as suas ações táticas e estratégicas. Conhecer a
cultura da região, é de fundamental importância para o setor, porque oferecerá produtos de
consumo intimamente ligados aos hábitos, costumes e tradições da região. Conhecer o Código
do Consumidor, com legislações específicas às questões de consumo, objetiva criar uma
melhor harmonia entre as relações de oferta e procura, dirimindo dúvidas e evitando
problemas pertinentes.
8. Conclusões
O presente trabalho teve como objetivo maior a identificação das competências
essenciais, segundo a percepção de gestores, funcionários e clientes, para busca da
competitividade no setor supermercadista da cidade de Manaus.
Com efeito, estabeleceu-se a partir da revisão bibliográfica e da pesquisa preliminar
quatorze competências emergentes e trinta e cinco competências relevantes para o setor. O
instrumento de pesquisa foi validado empiricamente, mostrando-se compatível para medir o
grau de importância das competências elencadas. Das trinta e cinco competências descritas
no instrumento de pesquisa, trinta e uma foram consideradas com elevado grau de
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 19-33, jan./fev./mar. 2003
31
Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto
importância pela população de gestores, vinte por funcionários e quatorze pelos clientes do
setor supermercadista.
Através das análises de variâncias, seguida do teste F de Snedecor, constatou-se que
houveram significativas divergências de percepções entre as três populações estudadas. A
população de gestores apresentou média geral de importância significativamente maior que as
médias amostrais das populações de funcionários e clientes. Esses resultados, talvez,
decorram do fato do gestor avaliar as competências sob a ótica de observador do cenário sem
a interação direta com o cliente, enquanto que as relações entre funcionários e clientes estão
mais próximas ao interagirem no dia a dia das atividades do setor.
A análise qualitativa, apesar de não obter resultados conclusivos, permitiu, neste caso,
identificar novas idéias e pensamentos acerca das competências essenciais ao atingimento da
competitividade. Assim, verificou-se três competências que merecem especial atenção por
parte do setor supermercadista ou seja, demonstrar comprometimento com a organização,
conhecer a cultura da região e conhecer o código do consumidor. É importante verificar se
estas competências são essenciais para o setor supermercadista na conjuntura econômica atual
ou se são competências emergentes.
Espera-se que este trabalho contribua, de alguma maneira, para o desenvolvimento das
políticas de recursos humanos do setor supermercadista, assim como buscar maior
competitividade para o setor. Os resultados apresentados neste trabalho poderão orientar as
organizações nas ações de gestão do desempenho, gestão do conhecimento, recrutamento,
seleção, treinamento e desenvolvimento de recursos humanos. Poderia também ser utilizado
como modelo para despertar nos funcionários o desejo de aprender novos conhecimentos,
habilidades e atitudes essenciais à competitividade do setor.
As tendências do setor sugerem que, em breve, os funcionários dos supermercados
serão orientadores de clientes e não mais exercerão o papel de simples atendente ou vendedor.
As competências emergentes identificadas neste estudo já indicam as novas exigências
de qualificação da mão-de-obra. O profissional do futuro além de ser multifuncional, com
visão holística e formação generalista, deverá possuir, fundamentalmente, aptidões nas
dimensões de conhecimentos, habilidades e atitudes requeridas pelo setor supermercadista.
É de importância crucial que as organizações do setor supermercadista priorize seus
investimentos na qualificação, treinamento, aprimoramento e sobretudo, na educação
continuada de seus funcionários, criando oportunidades de desenvolvimento profissional e
social.
A exigência de mercado cada vez mais crescente por uma mão-de-obra bem mais
preparada, justifica o desenvolvimento das competências essenciais à consecução dos
objetivos empresariais, agregando valor econômico à organização e social ao indivíduo.
O estudo sobre as competências essenciais no Brasil encontra-se em fase embrionária.
Acredita-se que esta investigação tenha oferecido uma contribuição às organizações, em
especial as do setor supermercadista de Manaus. No âmbito acadêmico, espera-se ter
contribuído para provocar o debate teórico e despertar o interesse da comunidade científica
para novas pesquisas neste campo do conhecimento.
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Antonio Geraldo Harb - Carlos Ricardo Rossetto
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33
Empreendedorismo na cadeia coureiro-calçadista do Vale do Rio dos Sinos : um estudo
de casoi
Jefferson Bernal Setubal*
Yeda Swirski de Souza**
RESUMO
Apresentamos neste artigo o caso de uma empresa
emergente no contexto competitivo da cadeia coureirocalçadista do Vale do Rio dos Sinos, cuja criação,
mudanças e inovações são fortemente marcadas pela
ação empreendedora de seus dirigentes. Buscamos,
através desse estudo de caso, levantar hipóteses sobre
fatores
favorecedores
e
obstaculizadores
ao
desenvolvimento da empresa. O presente estudo está
associado a um projeto de pesquisa, cujo objeto de
investigação são as oportunidades de aprendizagem
organizacional de empresas da cadeia coureiro-calçadista
do Vale dos Sinos. Ou seja, buscamos compreender que
situações específicas ou contextos de interação facilitam
a que dirigentes ou tomadores de decisão realizem novas
aprendizagens e que essas se disseminem e incorporemse às estratégias e rotinas da organização.
Especialmente, as relações formais e informais existentes
na rede constituída no conglomerado (cluster) ao qual a
empresa integra-se e o conhecimento tácito associado a
produção de calçados e artefatos são aqui destacados
como fatores favorecedores à ação da empresa.
Palavras-chave:
ABSTRAT
We present in this article the case of an emergent
company in the competitive context of the coureirocalçadista chain of the Valley of the River of the Bells,
whose creation, changes and innovations strong are
marked by the enterprising action of its controllers. We
search, through this study of case, uprising hypotheses
on factors supporters and obstaculizadores to the
development of the company. The present study it is
associated with a research project, whose object of
inquiry is the chances of organizacional learning of
companies of the coureiro-calçadista chain of the Valley
of the Bells. Or either, we search to understand that
interaction or specific situations contexts facilitate the
one that leading or borrowed
of decision new learnings
carry through and that these
if spread and become
incorporated it the strategies
and
routines
of
the
organization.
Especially,
existing the formal and
informal relations in the net
consisting
in
the
conglomerate (to cluster) to
which the company is
combined and the tacit
knowledge associated the
production of footwear and
devices here is detached as
factors supporters to the
action of the company.
*
Mestrando do Programa de
Pós-Graduação em Administração, Universidade Do
Vale do Rio dos Sinos –
UNISINOS. e-mail:0876731
@real.unisinos.br
**
Doutora em Psicologia
pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do
Sul – PUC/RS e Professora
PPG/UNISINOS
e-mail:
[email protected].
br
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003
Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza
1. O contexto: Competitividade e o setor coureiro-calçadistaii do Vale do Rio dos Sinos
Considerando o conceito de competitividade, buscamos identificar como o setor
calçadista do Vale dos Sinos está posicionado frente ao mercado internacional de calçados.
Trata-se principalmente de entender quais as vantagens e desvantagens competitivas das
empresas da região e como estas estão se preparando para competir no futuro.
O conceito de competitividade tem sido objeto de extensa controvérsia na literatura
econômica. O debate deve-se às dificuldades em precisar seu conteúdo, às divergências em
relação às variáveis utilizadas e, ainda, às limitações em operacionalizar determinados
indicadores (Haguenauer, 1989). Na avaliação de Pérez (1991), no novo ambiente econômico
vantagens competitivas e competitividade substituem os conceitos tradicionais de vantagens
comparativas e produtividade como critérios relevantes para se determinar se uma firma tem
capacidade de competir nos mercados. Ao se considerar, no conceito de competitividade, o
elemento qualitativo, a sua operacionalização torna-se mais complexa, dificultando a síntese
desse fator em um número  como no caso da produtividade.
A competitividade, assim considerada, não significa apenas a capacidade de manter
participação de mercado (ex-post)iii , mas ampliá-la com o tempo. Isto, por sua vez, requer
que o desempenho não seja medido apenas em preço, mas também em outros atributos como:
qualidade do produto, design prazos de entrega, serviço pós-vendas, entre outros (ex-ante)iv.
Kupfer (1991) argumenta que estas duas formas de medir a competitividade são
incompatíveis, pois os conceitos de desempenho e eficiência são insuficientes para a
discussão sobre a competitividade, posto que ambos se reduzem a mensuração, em pontos
distintos e estáticos da seqüência intertemporal, dos resultados das diferentes estratégias
competitivas adotadas pelas firmas. Desta forma, para conceituar competitividade, adotamos o
conceito de Ferraz (1996:3) onde competitividade foi definida como “a capacidade de a
empresa formular e implementar estratégias concorrenciais, que lhe permitam ampliar ou
conservar de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado”. Portanto, a
competitividade não pode ser entendida como uma característica exclusivamente intrínseca ou
extrínseca de um produto ou de uma firma e sim se deve entender a competitividade como um
conceito de natureza, ao mesmo tempo, extrínseca e intrínseca à firma ou ao produto, estando
relacionada à uma dinâmica do processo de concorrência vigente no mercado específico
considerado.
1.2 Determinantes da Competitividade
Para uma breve análise da competitividade empresarial do setor calçadista do Vale do
Rio dos Sinos foi utilizada a abordagem de Coutinho & Ferraz (1994). O esquema referencial
oferecido por essa abordagem permite uma análise que contempla tanto os aspectos internos
de competências, como os externos do ambiente no qual a organização está inserida, além da
análise do meio institucional e econômico. Coutinho & Ferraz (1994) dividem os aspectos
externos em estruturais e sistêmicos. O desempenho competitivo de uma empresa, indústria
ou nação é condicionado pelos seguintes fatores:
Fatores internos à empresa, aqueles que estão na sua esfera de decisão e através deles a
empresa procura distinguir-se de seus competidores. Incluem as vantagens competitivas e a
sua capacidade de ampliá-la. Consiste basicamente na capacitação tecnológica e produtiva,
conhecimento de mercado, relação com fornecedores.
Fatores estruturais, aqueles que mesmo não sendo inteiramente controlados pela
empresa, estão parcialmente sobre a sua área de influência e caracterizam o ambiente
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 34-54, jan./fev./mar. 2003
35
Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza
competitivo. Integram esse grupo as características dos mercados consumidores, a
configuração da indústria em que a empresa atua e a concorrência.
Fatores sistêmicos, os quais afetam as características do ambiente competitivo, podem
ter importância nas vantagens competitivas que as empresas de um país têm ou deixam de ter
ante às suas rivais de mercado internacional. Podem ser: macroeconômicos, político
institucionais regulatórios, infra-estruturais e culturais referentes a dimensões regionais e
internacionais.
A seguir apresentamos uma análise do setor calçadista do Vale dos Sinos,
considerando esses três fatores apontados por Coutinho e Ferraz (1994).
1.2.1 O desenvolvimento da competitividade do setor coureiro-calçadista do Vale dos
Sinos : fatores internos
A indústria coureiro-calçadista do Vale dos Sinos (RS-Brasil) tem sua história ligada
aos imigrantes alemães que se estabeleceram na região ainda na primeira metade do século
XIX. A pecuária já existente na região favoreceu ao estabelecimento de curtumes e de uma
indústria artesanal de artefatos de couro, calcada na mão-de-obra intensiva de formação
familiar (Gostinski, 1997).
A característica artesanal do trabalho manteve-se praticamente durante todo o século
XIX, mas logo cedeu lugar a uma industrialização crescente, inicialmente exportadora para o
mercado nacional e, já na década de sessenta, para o mercado internacional (Gostinski, 1997;
Lagemann, 1986).
O mercado externo adquire crescente importância para o calçado brasileiro e,
especialmente, para o Vale dos Sinos a partir do final dos anos 70. A tabela I, apresenta dados
referentes a produção, importação, exportação e consumo de calçados, que permite visualizar
a posição brasileira em um contexto internacional nesse setor específico. Ao final da década
de 90, o Brasil ocupa a terceira posição entre os principais produtores mundiais de calçados.
TABELA I - PRODUÇÃO MUNDIAL DE CALÇADOS EM 1998 (EM MILHÕES DE PARES)
PAÍS
PRODUÇÃO
IMPORTAÇÃO
EXPORTAÇÃO
CONSUMO
1. CHINA
5.520,0
2,6
3.086,1
2.436,5
2. INDIA
685,0
0,1
32,4
652,7
3. BRASIL
516,0
29,0
131,0
414,0
4. ITALIA
424,9
162,3
381,8
205,4
5. INDONESI 316,3
1,0
172,7
144,6
6. TURQUIA 276,7
10,6
63,9
223,4
7. MEXICO
270,0
12,0
39,0
243,0
8. TAILANDI 260,0
1,2
128,9
132,3
9. PAQUIST 226,8
0,7
9,0
218,5
10. ESPANHA 220,8
59,7
150,4
130,1
Fonte: Estimativa da SATRA (1998)
(em grifo, sob responsabilidade do autor)
Na primeira metade da década de 90, o complexo calçadista do RS participa com cerca
de 75% da produção brasileira de calçados de couro, 80% do faturamento das exportações
desse tipo de calçado e 75% do volume comercializado com o mercado exterior (Ruas, 1995).
As exportações de calçados nos últimos três anos (a partir de 1999) tiveram ainda uma
grande impulsão em função da desvalorização da moeda frente ao dólar. Esse fator aumentou
muito a competitividade do produto brasileiro frente a competidores tradicionais como a
Índia, a China e a Itália.
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O complexo coureiro-calçadista do Vale dos Sinos tem sido considerado, mais
recentemente, um clusterv, tendo-se em vista a concentração geográfica de indústrias e afins; a
disponibilidade de mão-de-obra qualificada; a presença de serviços de apoio tecnológico; a
divisão e a especialização interfirmas na cadeia vertical de produção de calçados; a relação
horizontal, especialmente, sob a forma de subcontratação para a elaboração de partes da
produção; a existência de pequenas e médias empresas; a existência de associações patronais
(Ruas, 1995) .
Não há, contudo, uma visão unânime entre os estudos sobre o Vale dos Sinos sobre o
comportamento coletivo desse conglomerado industrial.
Embora a eficiência coletiva do setor seja facilitada pela proximidade física entre os
vários estabelecimentos, considera-se que a troca de informações e a cooperação, fatores que
elevariam a eficiência coletiva, são ainda pouco exploradas pelos agentes da cadeia coureirocalçadista do Vale (Fensterseifer, 1995; Ruas, 1995; Schmitz, 1998).
Fensterseifer (1995) observa que o complexo coureiro-calçadista do Vale dos Sinos
carece de uma rede de troca de informações e cooperação tecnológica, ou seja, da
comunicação contínua com usuários, fornecedores e concorrentes, além de monitoramento
constante das inovações que ocorrem em outros setores. Ruas (1995) constata, entre outros
aspectos, que a colaboração ou cooperação entre empresas que produzem o mesmo bem,
estratégia presente nos clusters, é pouco explorada no Vale dos Sinos. O ocasional e o pessoal
predominam no fluxo de informações e a cooperação inter-empresas está associada à amizade
entre sócios e gerentes de empresas diferentes. O autor considera também que, no caso do
complexo coureiro-calçadista do Vale dos Sinos, não se pode considerar que há troca de
informações entre clientes e fornecedores, o que estabeleceria a diferença entre o cluster
constituído espontaneamente e o cluster avançado pois é a interação e a troca de informações
que viabiliza as iniciativas de cooperação.
Na mesma direção dessas constatações, Swirski de Souza (2001) relata que segundo a
expressão do diretor-executivo de uma das associações patronais, voltada ao desenvolvimento
de políticas compartilhadas de exportação, as reuniões, cujo propósito formal seria o de
identificar e desenvolver objetivos comuns, “são arenas”, onde a disputa de poder e prestígio
predominam sobre a troca de informações.
Entre 1997 e 1999, surgiram 256 novos estabelecimentos do setor calçadista no Rio
Grande do Sul (ACINH, 1999). Mosmann (1999) explica que essas novas empresas
apresentam perfil distinto das que as antecederam: de um modo geral, foram a partir de
fábricas que encerraram suas atividades ou que praticaram grande downsizing em seus postos
de trabalho, caracterizam-se por apresentar porte pequeno ou médio, com baixos custos fixos,
reduzido pessoal e administração econômica e sem endividamentos, muitas em regime
cooperativo. Juntamente com as remanescentes, têm procurado maximizar o grau de
aproveitamento de seus ativos fixos já instalados, particularmente máquinas e equipamentos,
em uma crescente preocupação em substituir o layout usual da indústria calçadista, passando
do sistema de esteiras rolantes para o de células de produção nas áreas de corte, costura e
montagem do produto final.
A mudança no modo de produção pode proporcionar maior agilidade no atendimento
às variações de mercado e maior interação dos trabalhadores a partir de uma participação mais
ativa em todos os processos da empresa. Gorini e Siqueira (1999:19) acrescentam a
preocupação com investimentos em programas de capacitação de fornecedores e indicadores
de qualidade, mas alerta para a falta de cuidados com a matéria-prima “ há a necessidade de
modernização e aparelhamento adequado dos curtumes para a produção de couros acabados
com qualidade suficiente para competir no mercado internacional ”. Outro movimento a ser
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Jefferson Bernal Setubal - Yeda Swirski de Souza
considerado é o de terceirização e subcontratação de serviços, que vem aumentando devido à
tentativa das empresas de aliviar sua carga tributária, o chamado Custo Brasilvi.
Ao recuperar os ensinamentos de Hamel e Prahalad (1995) sobre competências
internas, considera-se que a manutenção de vantagens competitivas do complexo coureirocalçadista do Vale dos Sinos está, hoje, associada ao desenvolvimento de canais de marketing
próprios; da promoção da marca “made in Brasil”; da presença em Feiras Internacionais; e do
desenvolvimento de design próprio. Avaliações do setor sugerem que as empresas do
complexo coureiro-calçadista do Vale dos Sinos já conseguiram superar o desafio da
qualidade e produtividade mas não são capazes de competir internacionalmente no segmento
de grandes lotes e baixo custo, considerando-se a presença asiática. Assim, uma saída
competitiva para o Vale dos Sinos está no segmento de mercado no qual qualidade e design
associam-se (Seminário Nacional da Indústria de Calçados, 2000).
Nesta mesma linha, Henriques (1995) aponta, como saída para busca de uma
vantagem competitiva mais sustentável, a agregação de valor ao produto, assim como dos
lucros, visto que, o setor calçadista nacional trabalha atualmente com margens de lucro baixas
(3%) que não podem ser compensadas com um grande aumento nas vendas. Assim, as
empresas do setor, especialmente as exportadoras, têm que procurar diversificar mais a
produção, desenvolver grifes, se aperfeiçoar no design e nos estilos especializados, e procurar
também buscar os segmentos de mercado de maior valor agregado.
Para Fensterseifer (1995), a melhoria da imagem de qualidade do calçado nacional no
exterior passa pela criação de uma moda brasileira própria que explore e utilize a nossa
riqueza cultural, tendo o clima tropical como base. A idéia central desta proposta é de tentar
vender a identidade cultural do Brasil junto com o seu calçado. Dentro desta proposta, estaria
incluso: a promoção do calçado nacional, a participação das empresas nacionais em feiras e
desfiles de moda no exterior, o desenvolvimento da área de modelagem com instalações de
centros de CAD e formação de recursos humanos, o incentivo a união de pequenas e médias
empresas na formação de uma marca comercial bem planejada, a diversificação e a
especialização da produção e a reconstrução de um sistema de comercialização externa, que
impeça a submissão da indústria frente aos importadores.
Nos últimos anos, a indústria calçadista brasileira vem conquistando espaços nos
mercados de grifes, principalmente no mercado norte americano. Mais da metade dos sapatos
exportados pelo Brasil no ano passado teve como destino sofisticadas redes de varejo daquele
país. De acordo com os agentes representantes das grifes americanas, a competitividade do
produto brasileiro está na confiabilidade de entrega, na qualidade e no preço. O preço médio
dos calçados de invernos brasileiros está 50% abaixo do preço cobrado pela Indústria Italiana.
Os fabricantes brasileiros calculam em 5% a margem de retorno para a indústria do negócio
com as grifes internacionais. Mas a maior vantagem está na garantia de ganho de escala de
produção, pois o produtor permanece com a carteia cheia o ano inteiro (Jornal Gazeta
Mercantil – 22/02/2001).
A questão da competitividade do cluster do Vale do Rio dos Sinos, indiscutivelmente
deve ser tratada como um desafio que implica em mudanças nos modelos mentais dos
tomadores de decisão das empresas da região; devem ser reconsiderados aspectos como
gestão do conhecimento; cooperação e compartilhamento de informações; assimilação de
novos valores e regras de sucesso e reconhecimento; entendimento das leis de mercado e na
busca pelo aprimoramento de técnicas de vendas, principalmente pela reorganização e
renovação de instrumentos já bastante conhecidos como Feiras e Eventos, bem como na
melhor utilização de novos meios que surgem através das tecnologias de informação e da
configuração em rede da nova sociedade. Instrumentos esses que podem e devem ser
utilizados na construção de uma nova identidade (Marca Brasil) a ser compartilhada pelo
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conjunto de empresas da cadeia coureiro-calçadista do Vale dos Sinos como alavanca
principal da competitividade local..
1.2.2 Aspectos estruturais da competitividade no setor coureiro-calçadista do Vale dos
Sinos.
A competitividade das empresas do Vale dos Sinos também além de ser muito afetada
pela sua dinâmica interna, é também afetada pelo contexto competitivo internacional. Schmitz
(1998) indica que a cooperação vertical interfirmas tem avançado no Vale dos Sinos,
contribuindo para a melhoria na qualidade do produto, velocidade de resposta e flexibilidade.
No entanto, a cooperação voltada ao marketing, design e imagem da indústria e produtos do
Vale dos Sinos não tem avançado. Para Schmitz, um pequeno grupo de grandes empresas,
com programas de exportação bastante desenvolvidos junto aos principais compradores norteamericanos de calçados brasileiros, tende a desenvolver integrações verticais e, assim, afastarse das iniciativas de cooperação que poderiam promover a eficiência coletiva do cluster. Para
o autor, a cooperação estratégica do cluster é imprescindível para a conquista de vantagens
competitivas e ainda está para ser conquistada.
Em outro artigo, Schmitz (2000) estuda como os grandes compradores mundiais de
calçados avaliam seus mercados fornecedores chegando a conclusões mais abrangentes.
Primeiramente o autor analisa as forças e as fraquezas dos países em desenvolvimento
produtores de calçados. Num segundo momento o autor destaca o que esses produtores podem
aprender com os compradores globais (global buyers) e em quais circunstâncias são
conduzidas tais aprendizagens.
Os compradores mundiais ressaltam que para tornar uma indústria de calçados mais
forte é necessário não apenas melhorar a produção de calçados, mas também dos
componentes de calçados. O autor considera que nesse ponto o Brasil possui uma certa
vantagem sobre outros países como a Índia e a China, mesmo entendo que ainda há muito que
ser feito quanto a coordenação da cadeia produtiva.
Na pesquisa, (Schmitz 2000) foram levantados 7 pontos para avaliar a competitividade
dos países produtores de calçados: regularidade e confiabilidade da qualidade do produto;
preço ; tempo de resposta (da ordem para a entrega) ; entrega pontual ; tratamento de
pequenas ordens ; tratamento com alterações de grandes ordens ; e inovação no design.
Nesses quesitos, a indústria brasileira leva vantagem em tempo de resposta (response
time) e tratamento de grandes e pequenas ordens (large and small orders). Nos quesitos
regularidade e confiabilidade da qualidade do produto e pontualidade – o Brasil fica na
mesma posição que a China. Já em preço e design o Brasil perde para Índia e China no
primeiro quesito e Itália no segundo – estes dois últimos atributos, segundo o autor, são os
mais importantes para exportar para a Europa.
Mais especificamente, Lehn (2001) considera que os fabricantes gaúchos têm
qualidade, rapidez de resposta e flexibilidade nas entregas. O autor ainda afirma que estas
empresas estão cercadas por uma cadeia de fornecedores diferenciada. Apesar de alguns
problemas, isto torna o Vale dos Sinos um complexo industrial bastante competitivo no
contexto mundial.
Segundo Henriques (1995), o posicionamento competitivo da indústria do Vale dos
Sinos está basicamente concentrado numa faixa intermediária do mercado. Isto ocorre porque
as condições internas e sistêmicas vigentes têm levado as empresas deste setor a se
concentrarem neste posicionamento, o qual tem representado a relação custo-benefício mais
factível para esta indústria. Contudo, ainda existem empresas calçadistas que estão explorando
pequenos nichos de mercado, apostando em uma lógica estratégica focalizada.
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Schmitz (2000), identifica duas estratégias básicas de fabricantes e exportadores de
calçados: a primeira se dá através da especialização , sinergia e cooperação que facilitaram a
gradual acumulação de habilidades e capital. Ou seja, o caminho tradicional, onde o Vale dos
Sinos se encontra no estágio atual. O crescimento das empresas que seguem esta estratégia
cessou quando novos produtores entraram no mercado mundial. Já a segunda estratégia é
adotada por novas regiões produtoras que possuem ainda uma pequena história na indústria de
calçados. Esses empreendimentos já nascem grandes e podem exportar logo depois que
abrem.
Mas nem todas as empresas que adotam a estratégia clássica foram prejudicadas. A
razão disto é que muitas das empresas destes novos clusters (Ex: cluster do Ceará) são
extensões de empresas que pertencem aos antigos clusters. É importante ressaltar que os
clusters antigos continuam, mas reduzidos ou com formas diferentes. A característica
principal da segunda estratégia é o trabalho barato proveniente destas novas regiões e os
incentivos fiscais que os governos estaduais destas regiões oferecem. As vantagens do cluster
velho estão baseadas em profissionalismo, habilidades técnicas e componentes. O cluster
antigo (Vale dos Sinos) prove capital, capacidade de manufatura e conexão com compradores
e com os componentes. As plantas novas são projetadas para pedidos maiores enquanto que as
plantas antigas atendem pedidos menores com resposta mais rápida e altíssima qualidade.
Schmitz (2000) mapeia em quais contextos os compradores estão mais inclinados a ajudar ou
não seus fornecedores. Ao todo, o autor identifica três circunstâncias distintas para que ocorra
cooperação entre os agentes econômicos, são elas:
a) Dependendo do estágio em que o produtor se encontra, os compradores mandam mais
freqüentemente técnicos para orientar sua produção, por exemplo, no Brasil quando a
atividade coureiro-calçadista era incipiente (1970) os compradores mandavam
constantemente seus técnicos para visitas nas fábricas brasileiras. A freqüência destas
visitas foi caindo gradativamente ao longo dos anos 80 e 90 sendo que essas visitas foram
desviadas para indústrias produtoras mais recentes com na China. Hoje o foco dos
compradores em melhorar a qualidade do produto produzido alterou-se de uma visão
intra-firmas para inter-firmas, ou seja esses técnicos procuram melhorar a coordenação da
cadeia de fornecimento geral.
b) o segundo cenário, diz respeito, se os compradores são mais orientados para qualidade ou
para preço. O comprometimento do comprador e do produtor é menor quando a relação é
orientada para preço. Na realidade, não são dois pólos diametralmente opostos e sim um
espectro onde se encontram vários níveis intermediários dessa relação. O que ocorre é que
as relações mais vinculadas a preço sofrem pressões por melhora da qualidade e relações
mais baseadas em preço sofrem pressões por melhora da qualidade, porém as relações de
aprendizagem mútuas são mais salientes naquelas relações cujo foco são mais centrados
em qualidade.
c) a maioria dos compradores procura controlar os processos de design e marketing
limitando a participação dos produtores em questões mínimas de especificação de
produto. Paupacuer (1997 apud Schmitz, 2000) enfatizou que a fonte de poder em redes
verticais se baseia em atividades não produtivas, notavelmente em marketing,
desenvolvimento de produto e coordenação de relações interfirmas. Somente em algumas
relações conduzidas por preço os produtores têm mais acesso a design, porém os
compradores ainda mantêm suas habilidades de marketing muito bem protegidas. De
maneira geral, os produtores ficam inibidos em desenvolver suas habilidades de marketing
e de design com medo de retaliações de seus clientes.
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Outro ponto levantado por Schmitz (2000) é relativo aos atravessadores. Esses são
úteis quando a relação entre os compradores e os produtores ainda é recente e quando os
pedidos são menores e mais flexíveis, à medida que a experiência entre os compradores e os
vendedores aumenta e os pedidos se tornam mais regulares e maiores, a tendência é de se
eliminar o papel dos atravessadores no negócio.
A concentração de compradores também é determinante para definir o nível de
competitividade dos compradores. Este fator somado com a orientação do produtor (preço ou
qualidade) define o nível de ganho e de aprimoramento (upgrading), patrocinado pelo
comprador, aos produtores de calçados.
1.2.3 Aspectos sistêmicos da competitividade no setor coureiro-calçadista do Vale dos
Sinos
Um aspecto que tem influenciado fortemente a competitividade do setor é a flutuação
do câmbio brasileiro e internacional. Recentemente, a gerente comercial da Agência Especial
de Promoção às Exportações (Apex) afirmou que o País não deve pautar sua política de
exportações pela flutuação cambial. Segundo ela, a desvalorização do real não é motivo para
comemoração para as Indústrias que vendem ao Exterior. "Temos de crescer no mercado
externo pela qualidade e competitividade dos nossos produtos", afirmou. Os produtos
brasileiros não devem ser atrativos apenas por ter um preço mais reduzido. O mercado hoje
tem a forma de uma pirâmide, a China estaria na base, com a produção em larga escala com
preços baixos e a Itália no topo, com qualidade e preço elevado e que a intenção do Brasil é
chegar no topo, competindo com os italianos. A concorrência com os chineses não é
interessante, porque os calçados populares não agregam valor e nem oferecem bons salários.
A Indústria Calçadista brasileira não pode concentrar produção em sapatos de US$ 10 por
unidade. "Nosso interesse é calçado com preço a partir de US$ 25 por unidade", disse a
gerente (Gazeta Mercantil – 16/07/2001).
Essa preocupação por parte da Apex faz sentido. A divisão do número de pares
calçados brasileiros exportados pelo valor total arrecadado da exportação nos últimos cinco
anos (Tabela II), evidencia que o preço médio alcançado vem caindo desde 1996. Essa tem
sido a principal preocupação dos empresários, agregar valor ao seu produto, com o objetivo
de manter seus ganhos, ainda que o volume de pares exportados se reduza (Mosmann, 1999).
TABELA II - EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE CALÇADOS
Ano
Pares (mil)
1995
137.974
1996
142.684
1997
142.475
1998
131.014
1999
137.173
2000
162.521
2001
171.242
Fonte: (ACINH, 2000)
U$ (mil)
Preço médio
1.413.692
1.567.227
1.522.944
1.330.473
1.277.758
1.546.744
1.615.338
10.25
10.98
10.69
10.16
9.31
9.51
9.43
Participação gaúcha
(%)
85.84
88.62
88.09
85.99
84.89
83.55
81.51
Quanto à participação gaúcha, em relação ao total exportado pelo Brasil, a Tabela II
indica que o Estado vem perdendo regularmente espaço no contexto brasileiro junto às vendas
para o mercado internacional. Em números absolutos, o volume total exportado pelo Estado
do Rio Grande do Sul reverteu a tendência de queda a partir do ano de 2000, contudo não
conseguiu melhorar sua tendência de queda na participação nacional.
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De um modo geral, a mudança cambial ocorrida em 1999, que ocasionou a
recuperação do valor do dólar em relação à moeda brasileira, foi recebida como um novo
alento à indústria calçadista. Seus efeitos, no entanto, não devem ser aguardados de forma
imediata. Segundo Mosmann (1999), a desvalorização cambial tende a alavancar as
exportações. Cabe, no entanto considerar que há dois fatores que influenciam no crescimento
das vendas ao exterior: primeiro, a clientela externa tem se abastecido de outros mercados e o
retorno não se dará tão rapidamente; e segundo tem ocorrido uma posição de aguardo, de
observação da economia brasileira por parte dos importadores, apurando seu "feeling" sobre a
consistência da superação de nossas dificuldades.
Entrando em domínios menos tangíveis, Fonseca (2001) avalia que falta uma cultura
exportadora no Brasil de uma forma geral. Princípios, valores e crenças são também
componentes básicos da conduta das organizações empresariais. Esses ingredientes, segundo
Porter (apud Fonseca et. al., 2001) compõem uma “cultura econômica” porque conformam a
base de julgamento sobre o qual as decisões estratégicas dos agentes econômicos são
tomadas. É mais lucrativo produzir para um mercado interno cativo do que correr o risco de
competir internacionalmente (Fonseca et. al., 2001). De acordo com o autor essa cultura é ao
mesmo tempo causa e efeito de várias outras fragilidades de nossa capacidade competitiva.
Entre elas: a) os feudos da burocracia estatal resistem a mudanças e simplificações ; b) o
empresário brasileiro tem medo de ir a mercados internacionais ; c) a informação sobre
“como, por que e para quem exportar” não circula entre o governo e a iniciativa privada ; d)
há uma profunda crosta de ignorância sobre o funcionamento do setor externo da economia
debaixo do verniz da maioria dos burocratas e consultores “especializados” na área de
comércio exterior ; e) o desconhecimento sobre a natureza, e as peculiaridades dos mercados
externos ; f) existe uma escassez de estudos sérios e criativos sobre a tipologia dos valores,
atitudes e crenças do nosso empresariado.
Verifica-se, portanto, que sob esse aspecto sistêmico, há uma profunda e ampla
reforma a ser desenvolvida por parte de todos os agentes econômicos envolvidos na busca de
competitividade dos produtos e serviços brasileiros, mais especificamente dos produtos
fabricados no complexo do Vale dos Sinos.
1.2.4 Concluindo sobre Competitividade na cadeia coureiro-calçadista do Vale dos Sinos
O potencial do complexo industrial calçadista do Vale dos Sinos é muito elevado.
Contudo é necessário que haja maior coordenação entre os diversos atores deste pólo,
juntamente com o apoio das esferas de poder superiores (Governo Estadual e Federal), além
de entidades afins (ASSINTECAL, ABICALÇADOS, CTCCA, entre outros) para que possa
haver a materialização de muitas dessas vantagens competitivas latentes existentes. O
mercado internacional de calçados possui competidores que se encontram em posições bem
definidas no cenário competitivo mundial, cabe ao Brasil colocar, com maior ênfase para os
próximos anos, em prática sua proposta de diferenciação de produto a um preço competitivo e
assim, evitar a competição baseada em preço, no qual os asiáticos são praticamente
imbatíveis.
Na análise da competitividade é salutar a busca de uma visão multifacetada a respeito
do problema. Por isso, buscou-se neste texto, abordar aspectos que tangenciam tanto fatores
relativos a estrutura da indústria de calçados, como fatores concernentes às capacitações que
as empresas devem desenvolver para combater a concorrência, e também fatores sistêmicos,
que explicam como diversos aspectos da realidade nacional influenciam as ações
organizacionais das empresas de calçados do Vale dos Sinos.
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A análise do potencial competitivo da região sugere que os empresários não
privilegiem apenas aspectos relativos ao produto, mas sim a todos os elementos que estão
incorporados na busca da exportação como, por exemplo pontualidade de entrega e serviços
de pós-venda institucional. Em suma, para que a indústria brasileira de calçados, mais
especificamente o cluster do Vale dos Sinos, possa se tornar ainda mais competitivo no
mercado internacional, é fundamental que, primeiro, de modo geral haja uma realização
efetiva dos potenciais do cluster através de uma maior integração dos agentes envolvidos;
segundo, ocorra por parte das empresas, uma constante atualização tecnológica tanto em nível
produtivo quanto em nível de logística; terceiro, que se faça um investimento maciço nos
Recursos Humanos da região ; quarto, criação e desenvolvimento de design e marcas próprias
brasileiras ; e finalmente uma intensificação pela busca de novos mercados externos, através
de participação em Feiras e Eventos por exemplo, evitando assim a concentração de vendas
para um único grande comprador.
A fim de viabilizar operacionalmente essas ações, Pereira (2001) defende que as
empresas do cluster do Vale do Rio dos Sinos devam tomar ações que busquem alinhar essas
mudanças de contexto do mercado de calçado com suas práticas e competências gerenciais.
As empresas fabricantes de componentes de calçados do Vale dos Sinos, nesse
contexto, têm muitos motivos para acompanhar esta tendência. Principalmente quando se
verifica, entre as empresas da cadeia, a necessidade de uma forte integração para a
manutenção da competitividade do complexo coureiro-calçadista da região. Assim, pode ser
que um dos papéis a ser desempenhado pela ASSINTECAL, junto às empresas associadas, é
de conscientizar e promover está integração. Logo, a busca por algumas formas de cooperação
tanto verticalvii quanto horizontalviii se torna uma das principais estratégias para a
sobrevivência do setor como um todo.
2 O caso da Componentes Ltda.ix
2.1 O nascimento.
A empresa foi formada em 1989, no Vale do Rio dos Sinos, por dois sócios, D. e L.
que, na época, possuíam formação técnica nas áreas de engenharia mecânica e elétrica. Dois
amigos de infância que ocupavam cargos técnicos em duas diferentes empresas públicas e
partilhavam do sonho de ter o seu próprio negócio, a exemplo do que ocorria com outros
colegas da infância e juventude que iam assumindo posições de gerência e diretoria na linha
sucessória de empresas familiares constituídas há duas ou três gerações, na tradição da
produção de calçados e afins. D. e L. "não tinham pai rico" (sic), mas isso não os demoveu
do sonho de empreender.
Tudo começou como uma brincadeira de finais de semana em fundo de garagem,
quando os jovens técnicos copiando e inventando, construíram um protótipo adequado à
produção de componentes de calçado. Assim, sua operação inicial veio a consistir na
fabricação de máquinas que fabricavam componentes de calçados.
Através de contatos informais, os primeiros clientes para o equipamento surgiram, mas
logo D. e L. perceberam que não conseguiriam manter sua produção ativa, se contassem com
esse nicho de mercado apenas, já que uma vez vendido o produto, o cliente estaria atendido
por alguns anos e buscar clientes fora do contexto local estava para além das possibilidades
desses jovens empreendedores. Com isso, decidiram que produziriam com os seus próprios
equipamentos os componentes para calçados, tornando-se, assim, concorrentes de seus
primeiros clientes. Para passar de fabricação de máquinas e empreender como produtores de
componentes, bastou superar uma fronteira muito estreita e avançar em uma caminhada quase
que natural:
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“...como nós fabricávamos máquinas e essas máquinas fabricavam componentes para
calçados, (todas as máquinas que nós temos aqui, são fabricadas por nós, ou foi parte
comprada em leilão, ou incêndio, fazíamos máquinas a partir de sucata basicamente, e depois,
colocávamos tecnologia em cima) resolvemos entrar no ramo de componentes para calçados,
até porque o meu sócio trabalhava nessa área...então, ele aliou o conhecimento de fabricação
de máquinas ao conhecimento do componente, e vimos que podíamos deixar de fabricar
máquinas para fabricar componentes; fomos aliando tudo isso e, estamos dentro do nosso
meio que é calçado...”. (D. em 11/06/2001).
A opção inicial foi pela fabricação de um produto chamado de tecido resinado que
consistia em um adesivo aplicado em cima do tecido. O conhecimento do mercado era
suficiente para saber que haveria aceitação por esse produto. Ou seja, D. e L. percebiam que
havia uma grande demanda não atendida no mercado local.
2.2 Os primeiros desenvolvimentos e o estabelecimento do portfólio.
A qualidade do produto, o cumprimento de prazos de entrega, a rede de relacionamentos
informais e formais estabelecidas asseguraram que a Componentes Ltda. conquistasse a
posição de fornecedor de componentes de calçados para um número crescente de empresas
calçadistas da região. Inicialmente para o tecido resinado utilizado na fabricação de palmilhas,
mas logo ampliando seu portfólio de produtos. Em 1994 a Componentes Ltda. começou a
fabricar biqueira de calçados:
“ Comprávamos o não-tecido e aplicávamos o adesivo termo colante e, passamos a
fabricar um reforço para a biqueira do calçado (...) nosso segundo produto é o que dá estrutura
para o calçado... ” (D. em 11/06/2001).
Logo depois se iniciou a fabricação do terceiro produto da empresa, que era para a parte
de trás do calçado, não mais resinado, mas impregnado, ou seja, um tecido que sofre um
banho de látex e aplica-se o adesivo em cima, formando, assim, uma outra estrutura. A
compra de uma máquina em um leilão determinou a produção desse produto:
“Entramos nesse negócio porque apareceu uma máquina de uma empresa que
quebrou, sendo que modificamos a máquina para fazer esse produto, a opção de entrar nesse
mercado foi por essa razão...” (D. em 11/06/2001).
A Componentes Ltda. assumiu, por decisão de seus diretores, a postura de não atuar
no mercado informal de componentes, tal como ocorre com muitos pequenos fornecedores da
região. Com isso, o preço de seus produtos nem sempre é o menor, mas em contrapartida são
vistos por seus fornecedores como "bons pagadores", além de terem conquistado a confiança
por parte de seus clientes. Os fornecedores que atuam no mercado informal são facilmente
percebidos como instáveis:
“...sempre acontecem ofertas para a nossa empresa porque, até hoje, conseguimos
pagar todos os impostos e todas as matérias-primas; temos um conceito muito bom no
mercado e muita gente quer vender para nós, principalmente empresas que estão ruins, ou que
querem sair do negócio, acabam fazendo ofertas para nós...”. (D. em 11/06/2001).
Em março de 2000, a empresa entrou no mercado de palmilhas. A Componentes Ltda.
comprou uma empresa da região com tradição na produção e varejo de diferentes modalidades
de palmilhas, e que fez a opção de dedicar-se apenas ao varejo. Assim, a Componentes Ltda.
tornou-se o fornecedor principal para esse varejista, mas também passou a produzir palmilhas
para os fornecedores locais das marcas Mizzuno, Diadora, Adidas e Nike.
Hoje, nas palavras de um dos sócios dirigentes a Componentes Ltda. é "uma holding
de componentes", embora acredite que "as coisas foram aparecendo sem planejamento
nenhum...”.
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Hoje a empresa conta com duas unidades produtivas: uma em São Leopoldo, que
fatura cerca de R$750.000,00 por mês, e outra no Estado de São Paulo, em sociedade com um
sócio local, no município de Barigui, que fatura cerca de R$150.000,00 mensaisx.
2.3 Concorrentes.
Os concorrentes da Componentes Ltda. instalados na região, sem considerar as
empresas que atuam no mercado informal, resumem-se em três empresas: duas de grande
porte (A e B) e uma de médio porte (C). O concorrente A possui uma linha de produtos
similar à da Componentes Ltda. e possui uma aliança estratégica com uma empresa alemã. O
concorrente B, que é o principal concorrente da A, possui uma parceria com uma empresa
inglesa; a outra empresa que atua na área é formada por um grupo de ex-empregados da A e
que não tem nenhum tipo de parceria com empresas estrangeiras:
“Temos apenas três concorrentes nacionais, concorrentes que pagam os seus
impostos, que são bem previsíveis. Neste produto mais barato, sempre existem novos
entrantes que compram esse não-tecido (...) faturam alguma coisa mas não passam disso(...)a
menor empresa que vende esses produtos é a nossa...nosso produto é mais adequado para o
tênis e sapato infantil do que para sapato masculino, que é fabricado em Franca. A tecnologia
necessária para fabricar esse produto para sapato masculino, é mais avançada e nós não
conseguimos competir, onde a A tem uma boa penetração”(D. em 11/06/2001).
Para competir com essas empresas de grande porte, que estão no mercado há mais de
quarenta anos e contam com a tecnologia inglesa ou alemã, a Componentes Ltda. busca
situar-se em um nicho de mercado para produtos específicos não atendidos por A, B ou C.
Trata-se de um produto com um padrão um pouco diferente daquele produzido em escala e
com preço acessível:
Um outro prisma da concorrência, neste segmento, entre a Componentes Ltda. e os
demais competidores é o fato de a Componentes Ltda. sempre ter sido vista pelos seus
concorrentes como uma empresa que atendia a pedidos que suas "irmãs maiores" não estavam
dispostas a atender. Isto fez com que a relação da Componentes Ltda. com estas empresas
tivesse uma natureza amigável:
“...sempre fomos vistos como aqueles que estão apresentando alguma solução para o
mercado, quebrando galho...” (D. em 11/06/2001).
Isso construiu uma espécie de redoma que protegia a empresa de ataques de seus
competidores. A Componentes Ltda. era vista com simpatia pelos seus concorrentes que até
há pouco tempo praticavam uma concorrência sem agressões:
“...somos parceiros na divisória de gessoxi, trocamos matérias-primas, é uma
concorrência muito saudável e, até certo ponto, nós somos insignificantes, ou éramos (...) nos
julgavam como uma empresa que não estava interferindo no mercado (D. em 11/06/2001).
Mas à medida que houve mudanças no ambiente, principalmente com a intensificação
de produção de produtos populares, a Componentes Ltda. passou a ser uma ameaça
significativa para as outras empresas, pois ela tinha uma vantagem de custo consolidada:
“...nosso produto é inferior ao deles, não tem o mesmo desempenho, mas serve para
determinado tipo de calçado; já eles, estão interessados em fazer material para o calçado
classe A (...) estamos enxergando que isso não é mais verdade, que eles já estão preocupados
em ter uma fatia do mercado um pouco diferente, não só impondo os seus produtos mas ver o
que o mercado está pedindo. Sabe-se que, hoje, o calçado popular está sendo produzido (...)
hoje somos vistos como concorrentes, ao contrário do que éramos considerados há dois anos
atrás...fomos crescendo, melhorando nosso equipamento, nosso produto, tendo um
desempenho melhor...”. (D. em 11/06/2001).
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2.4 Verticalização.
Para poder fabricar um produto com custo menor a Componentes Ltda. verticalizou
suas operações. Foi criada uma outra empresa que passou a produzir pó de polímero (matéria
prima principal de seus produtos). A empresa passou a se chamar Polimer e hoje fatura
R$150.000,00xii por mês (sic):
“A Polimer não só vende para as nossas duas empresas e concorrentes menores, como
também trabalha com transformadores de borracha, transformando a borracha em pó e
devolve para o transformador de borracha. Ela não recicla mas prepara para a reciclagem (...)
o pó termo-colante, nós vendemos para as empresas menores. A Polimer é uma empresa
independente que vende para a Componentes Ltda. e para a nossa empresa de São Paulo...”
(D. em 11/06/2001).
2.5 Efeitos do Crescimento
Com o crescimento e diversificação surgem novas oportunidades de negócios que
ajudam a gerenciar o capital de giro e a capitalização das duas empresas. Por outro lado, a
criação da Polimer, a diversificação da linha de produtos e o aumento da produção da
Componentes Ltda. trouxeram problemas gerenciais que ainda não encontraram um
encaminhamento adequado.
Na visão dos sócios-gerentes, ao mesmo tempo em que a empresa cresce, ela encontra
dificuldades em estabelecer um modelo gerencial capaz de manter os padrões de qualidade
conquistados quando a empresa possuía dimensões menores e estrutura simples. Os sócios
fundadores já não são capazes de responder sozinhos pela atividade gerencial e a contratação
de gerentes profissionais aumentaria o custo total das empresas, levando seus produtos a
perder em competitividade. Em função disso, problemas em vários setores da empresa vêm
surgindo. Por exemplo, o setor de P&D não tem mais tempo para desenvolver novos produtos
porque a área ficou absorvida pelas tarefas de rotina; como o controle de qualidade da
matéria-prima e das reclamações dos clientes.
Quanto à organização da produção, com a criação da linha de palmilhas, a
Componentes Ltda. precisou estabelecer distintas formas de administração de Recursos
Humanos. Quando a empresa somente fabricava forros e contra-fortes a tecnologia utilizada
demandava um operador bem instruído capaz de monitorar os equipamentos.
Para a instalação da linha de palmilhas a planta foi dividida ao meio. Fisicamente
separadas apenas por biombos, essas duas linhas de produção passam a caracterizar-se por
diferenças radicais quanto à modalidade de trabalho e trabalhador.
As estruturas produtivas distintas geraram duas formas de organização do trabalho e
políticas de gestão de pessoas completamente diferentes em um mesmo ambiente produtivo.
Por um lado, em uma das linhas, o funcionário tem flexibilidade de operação - o que exige,
conseqüentemente, uma maior responsabilidade deste sobre a qualidade da produção. Por
outro lado, na linha de palmilhas, o funcionário exerce uma atividade praticamente mecânica
que o isenta de qualquer responsabilidade mais rigorosa sobre a qualidade do produto, sendo
que a única cobrança é quanto a sua capacidade de imprimir velocidade à operação.
No plano estratégico, entre as alternativas para assegurar o crescimento da empresa e
viabilizar seu gerenciamento, o estabelecimento de parceria é uma opção estratégica que está
sendo estudada pela empresa. Seria uma via para incorporar tecnologia de ponta e passar a
competir também no mercado que exige diferenciação de produto:
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“Sabemos que, provavelmente, vamos perder um percentual da nossa empresa, que
talvez, com parceria com uma empresa maior possamos ter dez, vinte, trinta, cinqüenta por
cento de uma coisa mais sólida...” (D. em 11/06/2001).
Já existe um contato com uma empresa italiana, que é uma das líderes mundiais no
setor, e as negociações estão bastante avançadas:
“...o produto deles tem um desempenho maior, é um produto italiano, que tem
tradição, é a segunda ou terceira maior fabricante desse produto no mundo e, eles têm a visão
de que o mercado brasileiro tem um potencial muito grande, mas não conseguem vender no
Brasil, porque para conseguir vender este produto no Brasil, é necessário que se produza
aqui...” (D. em 11/06/2001).
A Componentes Ltda. já conta com uma parceria comercial com essa empresa
italiana, mas pretendem estabelecer uma parceria industrial.
2.6 Novas Oportunidades e Mercado Externo
Quando indagado sobre a possibilidade em conquistar clientes internacionais, D. refere
o trabalho desenvolvido pela ASSINTECAL (Associação Brasileira das Indústrias de
Componentes de Couro e Calçados), entidade à qual a empresa está filiada. A ASSINTECAL
oferece serviços como levantamento e difusão de informações sobre mercado, estímulo e
suporte na participação em feiras e organização de consórcios de exportação:
“...são dezoito empresas associadas a ASSINTECAL, algumas concorrentes, outras
são fabricantes de produtos complementares, onde constituímos uma pessoa jurídica, visando
exportar nossos produtos para a América Latina...” (D. em 11/06/2001).
A participação em Feiras também é referida por D. como relevante para o
estabelecimento de contato com novos clientes:
“...nunca fechamos negócios em Feiras (...) as Feiras não são para vender, são Feiras
Institucionais...” (D. em 11/06/2001).
A Componentes Ltda. tem modificado a qualidade de sua participação em Feiras. Nas
primeiras oportunidades, participava com um stand pequeno (20m²) e em posições pouco
valorizadas. Atualmente, tem participado em posições nas áreas mais centrais, com estandes
maiores (40m2) .
O SEBRAE (Serviço de Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas) também
é referido em sua ação facilitadora à participação em Feiras:
“...em virtude do projeto Comprador, estruturado pelo SEBRAE e, com dinheiro da
APEX, trouxemos mais de 60 empresas de fora para conhecer os nossos produtos(...)as
empresas achavam que nós não conseguíamos produzir e ficavam espantados, comparando até
mesmo a qualidade, com empresas estrangeiras. Estas empresas eram principalmente da
África, América Latina( México), e da Europa(Portugal). Então, estas Feiras são
oportunidades de negócio, de divulgação, mas não são Feiras de venda(D. em 11/06/2001).
A Componentes Ltda., nos últimos anos, tem também participado de Feiras
Internacionais, porém a empresa tem se deparado com barreiras nas relações com clientes de
outros países, principalmente no que tange a problemas de comunicação e suporte técnico:
“...por exemplo, uma determinada empresa de um determinado país nos solicita a
fabricação de um produto com espessura de 1,8cm. Mas ele não diz isso na Feira, ele passa na
Feira, fala uma língua que nós não entendemos e leva a amostra, uma semana depois ele
manda um e-mail dizendo que quer o produto com 1,8 de espessura e nós só fabricamos com
1,7 ou 1,9(...) como nós vamos dar assistência técnica para esse cliente, se ele tiver algum
problema com o produto? Então, existe exposição para o mercado internacional, mas não
temos uma infra-estrutura para atender este tipo de problema (...) se formos para o México,
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estaremos preparados para vender ao México e não para a China, ou Hong Kong (...) então,
elevamos o preço, para não vender...”. (D. em 11/06/2001).
Existe grande interesse por parte da Componentes Ltda. em estar presente no mercado
externo, mas para que isso ocorra é preciso primeiro que a empresa consiga se adequar para
poder receber apoio formal de órgãos que fomentam as exportações, como é o caso da APEX
(Agência de Promoção as Exportações). Estas adequações são exigências governamentais e
que muitas vezes não correspondem necessariamente à demanda dos clientes, principalmente
os internos. Nesse contexto, apesar do interesse no mercado externo, a Componentes Ltda.
ainda prioriza o mercado interno:
“...estamos nos estruturando para exportar com aporte deste dinheiro(...)claro que tem
a nossa contrapartida, temos que pagar parte das atividades, atividades estas que eu poderia
não fazer - como exemplo, buscar a certificação ISO 9000 - porque o meu cliente não exige
esta certificação(...)e exportar, talvez eu nem precise, porque o mercado brasileiro é tão
grande que não valeria a pena exportar...” (D. em 11/06/2001).
2.7 Cenário Futuro.
Os dirigentes da Componentes Ltda. entendem que as empresas fornecedoras de
componentes de calçados desempenharão um papel semelhante ao dos sistemistas na indústria
automobilística. A idéia é que os fornecedores terão acesso direto às linhas de montagem de
seus clientes e, com isso, as empresas calçadistas não terão mais responsabilidades em relação
aos seus estoques, pois estes serão administrados pelas empresas que fornecem os
componentes:
“...a empresa fabricante de calçado terá uma ligação conosco, onde entregaremos o
produto na esteira, sendo que o estoque será nosso, como ocorre com as montadoras de
automóvel ...” (D. em 11/06/2001).
A dificuldade encontra-se na grande suscetibilidade que este mercado tem com relação
à moda e a uma provável pressão por parte dos fabricantes de calçados quanto aos controles
de custo e qualidade dos produtos. As empresas deverão tornar-se ainda mais ágeis e
flexíveis:
“...a moda muda muito rápido, então a flexibilidade das empresas deve ser muito
grande. Hoje, a empresa produz um sapato que tem um determinado contraforte, amanhã ela
vai produzir um sapato com contraforte maior e, isso vai custar mais caro, porque se utiliza
mais material, e então, pelo que se conhece do fabricante de calçado, ele não vai aceitar o
preço mais alto e vai ficar apertando o fornecedor para diminuir preço - porque o produto
final, no Brasil, não pode ter aumento e a cadeia intermediária tem aumento...”. Com isso o
tamanho dos lotes também tende a diminuir “...o lote de calçados é menor, então, o lote de
palmilha, por exemplo, será menor; tem a matriz, que atende a dois ou três números, uma
grade tem quatro ou cinco matrizes; tem ainda as navalhas, ou seja, o custo para mudar o
modelo é grande, e a moda exige que o modelo mude...” (D. em 11/06/2001).
Em contrapartida, se as empresas fornecedoras conseguirem passar por esses desafios
com sucesso, não mais sofrerão com altos níveis de incerteza quanto à desova de seus
estoques. Deverá se estabelecer, portanto, um sistema adequado de confiança e de
relacionamento entre os elos da cadeia, o que hoje ainda é incipiente, mas para isso é
fundamental que as empresas se organizem com estruturas produtivas maleáveis, o que em
contrapartida, poderia implicar em custos maiores.
Outra importante mudança vislumbrada no cenário dos fornecedores da indústria
calçadista diz respeito à capacidade de se especializar e de oferecer o produto no estágio mais
acabado possível:
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“...Nós temos uma particularidade no Brasil, porque fabricamos sapatos diferentes do
mundo todo (...) na Europa tem uma máquina para conformar e aqui não se conforma com
máquina, porque a máquina representa um investimento e as empresas não fazem
investimento. Eles colocam um operador que é barato e o produto, ao invés de ficar
conformado, fica colado. Isso se justifica pela nossa mão-de-obra barata. Na Europa se
compra máquina para fazer isso (...) a Europa sempre foi diferente mas as tendências de lá
chegam aqui com uma defasagem de cinco anos e com alguma modificação, mas chegam. A
tendência de entregar o contraforte cortado, chanfrado e conformado, certamente vai chegar
aqui, só não sabemos quando...” (D. em 11/06/2001).
Isso significa que as empresas fornecedoras de componentes deverão, cada vez mais,
agregar valor a seus produtos, não só materialmente, mas em termos de serviço, pois para
atuar em um modelo sistemista, estas deverão aprimorar ainda mais suas habilidades de
comunicação e logísticas.
3 Empreendendo no Vale dos Sinos ... mas como?
O caso da Componentes Ltda. sugere uma combinação de fatores como explicativos
para a criação e desenvolvimento da empresa. Em primeiro lugar, destaca-se o perfil
empreendedor dos dirigentes. Como explicar a chama empreendedora neste caso? Nossa
hipótese, é que devemos, é claro, considerar aspectos da personalidade desses dirigentes, mas
também, levar em conta as tradições e valores disseminados nesta microrregião marcada pela
imigração ainda recente (final do séc. XVIII, início séc. XIX), na qual a cultura
empreendedora encontra-se há muito disseminada. Mas neste caso, diferente do que se
observa nas grandes empresas da região, em geral familiares, estamos diante da primeira
geração. Isto faz com que o estilo pessoal dos dirigentes seja novamente considerado, embora
ao falar sobre sua história, os dirigentes evidenciam sua disputa, enquanto afirmação de
identidade, com os jovens herdeiros das empresas já consolidadas. Ou seja, novamente a
dimensão cultural e os valores disseminados no contexto das interações ganham peso para
explicar a vontade de empreender de D. e L.
A questão que se coloca é por que produzir equipamentos para a indústria calçadista e,
mais especificamente, no mercado de componentes. Nossa hipótese aí está associada ao
conhecimento disponível para D. e L. Com vontade empreendedora, suas competências
foram otimizadas em favor da ação empresarial. Cabe notar que ambos os dirigentes
freqüentaram uma Escola Técnica Estadual da região, reconhecida por seu excelente
desempenho na formação técnica. Ou seja, é preciso valorizar as oportunidades de educação
formal de boa qualidade, capaz de sustentar e qualificar as iniciativas empreendedoras.
A escolha do produto parece ser uma conseqüência quase que direta da inserção da
ação empreendedora no contexto do conglomerado coureiro-calçadista do Vale: “...parecia
que não tinha outra escolha a não ser componente para calçado ou calçado nessa região...”
(sic). As facilidades logísticas são evidentes, associadas a uma rede de relações informais que
favorecem o estabelecimento de relações de confiança entre clientes e fornecedores, o que no
caso da Componentes Ltda. tem sido paulatinamente conquistada.
É importante ressaltar que a proximidade física das empresas é importante nos
clusters, qualificação que entendemos que pode ser atribuída ao Vale dos Sinos, pois contribui
para a eficiência coletiva do setor. Esta eficiência aumenta à medida que se desenvolve uma
rede de troca de informações e cooperação tecnológica entre os agentes (Porter, 1990).
Portanto, as implicações da confiança e da cooperação na criação e manutenção de
pequenas e médias empresas (PME's) é outro aspecto importante a ser considerado quando
essa temática é investigada (Amato Neto, 2000).
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Como já referido acima, considera-se que redes verticais de cooperação têm avançado
no Vale dos Sinos, lideradas pelas empresas de maior porte e atendendo, sobretudo, às
demandas de grandes compradores internacionais. Nesse caso, a cooperação se dá entre uma
grande empresa e seus parceiros comerciais: produtores, fornecedores, distribuidores e
prestadores de serviços.
Outra modalidade são as redes horizontais, nas quais as relações de cooperação se dão
entre empresas que produzem e oferecem produtos similares, pertencentes ao mesmo setor ou
ramo de atuação, ou seja, entre a empresa e seus concorrentes. Essas redes se estabelecem
quando as empresas isoladamente apresentam dificuldades em adquirir e partilhar recursos
escassos de produção; em atender interna ou externamente ao mercado em que atuam; em
lançar e manter nova linha de produtos; entre outros aspectos (Amato Neto, 2000).
Os estudos de Schmitz (1998, 2000) sugerem que para o desenvolvimento de
competências capazes de conferir competitividade à cadeia coureiro-calçadista do Vale dos
Sinos tais como o desenvolvimento de canais de marketing próprios; a promoção da marca
“made in Brasil”; a presença em Feiras Internacionais; e o desenvolvimento de design
próprio, a cooperação horizontal é necessária. Ainda, para esse mesmo autor, a possibilidade
de desenvolvimento dessas competências é hoje maior para empresas de médio porte e no
estabelecimento de redes cooperativas.
Outro aspecto a destacar, a partir deste caso, está associado à construção de um espaço
de inserção no mercado a partir de lacunas deixadas pelas grandes empresas baseadas em
economias de escala. Kotler (1996) chama esse tipo de estratégia de ataque de flanco, que se
define como o atendimento de uma necessidade de mercado negligenciada pelos concorrentes.
Ao lado dos aspectos favorecedores ao desenvolvimento da empresa, alinham-se
igualmente as dificuldades e desafios. A Componentes Ltda., enfrentando já os efeitos do
crescimento, tem estrategicamente buscado parcerias, revelando, com isso, o amadurecimento
da empresa e, talvez, o anúncio de uma nova etapa em seu desenvolvimento. Hagedoorn
(1990) aponta alguns fatores para que as empresas optem pela formação de alianças
estratégicas. São eles: internacionalização dos mercados, velocidade, complexidade, interrelação e incerteza no desenvolvimento tecnológico, aumento nos custos de P&D e
necessidade de um amplo processo de prospecção tecnológica - aspectos que são consoantes
aos problemas atuais da Componentes Ltda.. Assim, a decisão de investir em uma aliança
estratégica, não se dá pela busca de inovação tecnológica, mas também está calcada no fato de
que as indústrias calçadistas brasileiras não estão preparadas para competir com o calçado
popular fabricado em países com baixo custo de mão de obra:
“...isso, para nós, é uma ameaça muito grande, porque o nosso produto, que é barato e
de pouca tecnologia, tem a tendência de desaparecer (...) simplesmente a nossa agilidade não
vai nos sustentar...” (D. em 11/06/2001).
Fernandez e Noël (1994) desenvolveram um estudo que contemplam o
posicionamento estratégico de pequenas e médias empresas que atendem a um mercado local
em face ao processo de globalização da oferta. As tradicionais opções estratégicas de
manutenção, crescimento e desengajamento são desdobradas pelos autores em ações internas
e externas a serem implementadas.
A estratégia de manutenção consiste na empresa manter o mesmo tamanho
desempenhando as mesmas atividades. Além disso, ela pode realizar alianças estratégicas
verticais (complementares) quando realizadas com empresas que atuam nos elos a jusante ou
a montante da cadeia, ou horizontais (suplementares) ao envolverem empresas que realizam o
mesmo tipo de atividades.
A estratégia de crescimento ocorre quando a empresa desenvolve gradualmente suas
atividades, ampliando suas capacitações. Se ela desejar um crescimento rápido, pode optar por
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arranjos cooperativos que possibilitem o acesso aos recursos de outra empresa (mercado,
capacidade de produção, tecnologia, capital).
Por fim, a estratégia de desengajamento refere-se à empresa, sem abandonar seu ramo
de atividades tradicional, buscar novas capacitações e novas oportunidades que permitam uma
reorientação progressiva de suas atividades. Através de uma aliança estratégica
complementar, a empresa pode aprender e desenvolver novos produtos e processos de forma
mais eficaz. Uma outra opção disponível, mais radical, quando a situação financeira for
deficitária, é a liquidação ou venda da empresa.
Quadro1: Opções Estratégicas para Pequenas e Médias Empresas.
Opções
Manutenção
Crescimento
Internas
Externas
Melhoria (custos, produtos)
Alianças estratégicas
Penetração no mercado, desenvolvimento de novos Alianças estratégicas, Fusões
produtos, aumento de produção.
Aquicisões
Desengajamento Novos produtos ou mercados, Liquidação
Alianças estratégicas, Cessão
Fonte: Fernandez e Nöel (1994)
e
Nas três opções estratégicas, a realização da aliança é uma ação externa possível de ser
adotada, já que este tipo de acordo de cooperação permite que a empresa aumente suas
capacitações para conseguir manter-se num mercado com a presença de uma transnacional. A
cooperação pode ocorrer entre as empresas do mesmo porte ou entre empresas de porte
distinto. De modo geral, empresas que atuam globalmente tendem a procurar parceiros do
mesmo porte. Para uma pequena empresa atrair o interesse de uma grande empresa para a
realização de um acordo cooperativo, ela precisa possuir conhecimento de mercado em que
atua. Já alianças estratégicas entre empresas de pequeno e médio porte têm como principal
dificuldade o gerenciamento desta relação. Normalmente, essas empresas não apresentam
sistemas de gestão profissional e apoiam-se nas características pessoais dos proprietários,
causando dificuldades para a definição clara dos objetivos e extensão da relação,
principalmente entre empresas locais que exercem a mesma atividade econômica e são,
tradicionalmente, concorrentes.
Afora isso, na perspectiva de ampliação do mercado, a empresa encontra barreiras para
atender adequadamente clientes internacionais, como as variações cambiais, além da
dificuldade em prestar assistência técnica e atender o cliente em suas demandas específicas.
De toda forma, a Componentes Ltda. tem procurado ampliar suas oportunidades de interação
com novos clientes e mercados, estando integrada a ASSINTECAL e suas ações nessa
direção, como a participação em Feiras Setoriais.
Cabe lembrar que, embora tenha havido um decréscimo de 2001 para 2000, a
participação brasileira no mercado internacional de componentes para calçados (Tabela III)
está crescendo, estatística que é promissora para a Componentes Ltda. e seus dedicados
dirigentes.
TABELA III - EXPORTAÇÃO DE COMPONENTES DE CALÇADOS
ANO
1997
1998
1999
TOTAL
179.659
199.852
282.931
Fonte: ASSINTECAL (milhões de dólares)
2000
495,652
2001
322,857
4 Considerações Finais
O caso Componentes Ltda. foi selecionado como objeto deste artigo pelo fato de a
empresa, mesmo sendo uma empresa relativamente nova (três anos como fabricantes de
máquinas e nove anos com fabricantes de calçados), apresentar uma experiência muito rica.
Sua história pode auxiliar a muitos outros empreendedores, que provavelmente se
identificarão com alguma das passagens mais importantes vivenciadas pela Componentes
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Ltda.. Contudo, o mais importante é que a história da Componentes Ltda. ainda está no
começo, e os principais desafios que a Componentes Ltda. irá enfrentar estão ainda se
formando frente aos seus dirigentes. A administração do processo de crescimento de uma
organização é algo de difícil manejo, principalmente em mercados onde a velocidade da
mudança é muito alta. Decisões como a construção de alianças estratégicas, participação em
Feiras e a articulação de estratégias de produção, que são questões difíceis e mais parecem
estar ligadas a rotinas de grandes corporações, aparecem aqui numa pequena empresa
fabricante de componentes de calçados que apenas luta pela sua sobrevivência.
Mas, sobretudo, na busca de compreender os fatores que favorecem a ação
empreendedora e o desenvolvimento empresarial, o caso da Componentes Ltda. sugere que a
cultura empreendedora do Vale do Rio dos Sinos, a vocação para o couro e o calçado, a
disponibilidade de ensino formal de boa qualidade e o capital de relacionamentos e confiança,
além da coragem de empreender e inovar, são aspectos a destacar e a investigar novamente
em futuros trabalhos.
i O caso aqui apresentado tem como objetivo exclusivo o ensino e a pesquisa. Nomes e outros dados que possam
identificar a empresa foram alterados. Agradecemos a gentil contribuição dos empresários que atenderam a
nossas solicitações de entrevista.
ii Não se optou, neste artigo, por definir uma única denominação para as empresas que representam o setor
coureiro-calçadista do Vale dos Sinos. Por isso, as mesmas irão ser denominadas ao longo do projeto com outras
nomenclaturas.
iii Ex-post - medidas de competitividade que contemplam indicadores de natureza tangível como por exemplo:
preço e participação relativa de mercado.
iv Ex-ante - medidas de competitividade que contemplam os indicadores não-preço, que dependem de fatores
como inovações tecnológicas, investimento em capital físico e humano e fatores dependentes dos serviços.
v Altenburg & Meyer-Stamer (1999) definem que “um cluster é uma aglomeração de tamanho considerável de
firmas numa área espacialmente delimitada com claro perfil de especialização e na qual o comércio e a
especialização inter-firmas é substancial".
vi Convencionou-se chamar o custo Brasil como o “ônus que recai sobre um produtor doméstico, mas que não
incide sobre seus potenciais concorrentes localizados em outros países.” (Pereira, et. al., 2001) Este ônus pode
ter tanto uma dimensão econômica, quanto uma dimensão de infra-estrutura.
vii Integração fornecedor-cliente.
viii Não se quer passar a idéia de que a cooperação se sobrepõe à competição, mas algumas ações de cooperação
são benéficas como a missão conjunta em FS ou a troca de informações sobre o mercado em fóruns específicos.
ix O material aqui apresentado está baseado em dados primários obtidos através de entrevistas e em dados
secundários coletados em material impresso da empresa.
x Dados de 2001.
xi "Divisória de gesso" refere-se a um projeto desenvolvido por essas empresas em parceria com a
Universidade, para o reaproveitamento de resíduos industriais.
xii Dados de 2001.
Referências Bibliográficas
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Complexo Coureiro-Calçadista: faltam duas providências. Novo Hamburgo, 2002.
ALTENBURG, T. ; MEYER-STAMER, J. How to promote clusters: experiences from Latin
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1994.
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complexo calçadista em perspectiva: tecnologia e competitividade. Porto Alegre: Ortiz, 1995.
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O Estado da Reforma:
balanço da literatura em gestão pública (1994/2002)
Antonio Ricardo de Souza*
Vinícius de Carvalho Araújo**
Resumo
O objetivo deste paper é demonstrar para todos
aqueles que trabalham com a disciplina de Administração
Pública quais são os principais autores e obras da literatura
nacional/internacional recente, articulando-os sob os
aspectos analítico, metodológico e teórico-conceitual, no
sentido de contribuir para a formação de um panorama nesta
área no período selecionado (1994/2002).
Para tanto, foi adotada uma metodologia específica
para este objetivo apresentada por KEINERT (2000). A
literatura foi agrupada em cinco loci contemplando a
vertente pós-burocrática da gestão pública, os impactos da
globalização, as condicionantes do ordenamento políticoeconômico nacional e internacional, as novas tendências no
ciclo de políticas públicas e a gestão de políticas sociais.
As principais conclusões da pesquisa apontam para a
adequação do instrumental analítico adotado para
compreensão da literatura em Administração Pública e
também para a baixa verticalidade e cumulatividade da
pesquisa neste campo, com pouca sistematização e
densidade analítica no que refere-se a determinados temas.
comprehension of the
Public
Administration
literature and also to the
low verticalness and to
the accumulation of the
research at this area, with
few organization and
analytical
denseness
related to determinative
themes.
Palavras-chave: reforma
do Estado; gestão pública; revisão bibliográfica;
produção do conhecimento; locus; e focus.
Key-words: state reform;
public management; bibliographic review; knowledge production; locus;
and focus.
Abstract
The purpose of this paper is to demonstrate for all
those who deal with the discipline of Public Administration
what are the main authors and works of recent
national/international literature, articulating them under the
analytical, methodological and theoretical aspects, towards
contributing to the formation of a panorama in this field at
the selected period (1994/2002).
Hence, we adopted a specific methodology to this
aim presented by KEINERT (2000). The literature was
clustered in five loci including the post-bureaucratic branch
of public management, the outcomes of globalization, the
conditioners of the national/international political-economic
set, the new trends in public policy cicle and the
management of social policies.
The main conclusions of the research indicate the
adequacy of the analytical instrumental used to the
* Mestre pela UFSC
** Gestor Governamental
da Secretaria de Planejamento do Governo do Estado do Mato Grosso
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003
Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo
1 - Introdução
O objetivo deste paper é apresentar para o leitor, de forma sistematizada e articulada
dos pontos de vista analítico, metodológico e teórico-conceitual, um roteiro sobre os
principais autores e suas respectivas obras na área de Gestão Pública e Reforma do Estado no
período selecionado (1994/2002).
Pretendemos demonstrar para todos aqueles que trabalham com a disciplina de
Administração Pública (pesquisadores, estudantes, consultores, professores, profissionais dos
setores público e privado, parlamentares, imprensa) quais são os principais autores e obras da
literatura nacional/internacional recente, articulando-os de forma congruente, no sentido de
contribuir para a cumulatividade da geração do conhecimento nesta área (embora esta não
possa ser descrita como um corpo teórico unificado no qual cada desenvolvimento leva em
consideração o anterior), conforme descrito por SOUZA (1998) e GORTNER, MAHLER &
NICHOLSON (1987).
Não se trata de um survey, ou seja, de um levantamento bibliográfico seguindo uma
determinada categorização como o elaborado por ABRÚCIO & PÓ (2002), mas de um
mapeamento seletivo dos principais temas e variáveis discutidos nesta disciplina no período
selecionado (constituindo os cinco loci), dos autores que os desenvolvem, bem como do
enfoque adotado (focus).
Para tal mister, no Capítulo 2 fazemos uma breve revisão teórica sobre o tópico da
produção de conhecimento nesta disciplina (complexo por sua orientação epistemológica),
com ênfase para as grandes etapas e paradigmas no Brasil expostos por KEINERT (2000).
O ponto mais relevante é a utilização de um instrumental analítico composto pelas
categorias do locus e focus desenvolvidas especialmente para análise da literatura em
Administração Pública e utilizadas por Tânia Keinert na sua tese de doutoramento na
EAESP/FGV. A intenção aqui é suprir uma lacuna importante no que refere-se ao rigor
metodológico dos trabalhos nesta área de concentração e ao uso de metodologias pouco
elaboradas e adequadas aos seus objetivos.
No Capítulo 3 descrevemos a metodologia da pesquisa, distribuída em cinco fases
principais, contendo o seu detalhamento, os procedimentos específicos adotados e a sua
institucionalidade.
No Capítulo 4, apresentamos os loci da produção científica identificados como
importantes na periodização referenciada, com a sua correspondente caracterização histórica,
analítica e teórico-conceitual, bem como os autores que o compõem, as variáveis com as quais
trabalham e suas respectivas abordagens ou problematizações, com algumas comparações
importantes para compreensão da totalidade.
No Capítulo 5 fazemos algumas observações finais sobre a pesquisa (seus resultados,
importância, possibilidades) e seu objeto, salientando a natureza dinâmica e o caráter dos
estudos, que geram implicações tanto para a agenda de pesquisas em todos os níveis e os
cursos de pós-graduação strictu sensu no Brasil, que têm por objetivo declarado aprofundar a
formação teórica de seus quadros e preparar pesquisadores capazes de refletir sobre a nossa
realidade e ampliar as fronteiras da ciência organizacional.
No Anexo I apresentamos uma tabela contendo a taxonomia dos autores de acordo
com os loci que foram situados. Tal tabela é importante, pois contribui com a visão
panorâmica que pretendemos gerar com este trabalho.
Revista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003
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Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo
2 – Revisão da literatura
A Administração Pública (AP) no Brasil sempre esteve vinculada ao conceito de
“público”. Desta forma, os vários paradigmas existentes para seu estudo e análise, segundo
KEINERT (2000), podem ser verificados do ponto de vista metodológico a partir das
categorias analíticas de locus e focus.
O locus é o que determina o território a ser estudado e analisado definindo os
fenômenos empíricos. É o local institucional do campo (institucional where). No caso da
temática em questão, um locus muito conhecido pela sociedade é a burocracia governamental,
embora a sua localização venha sendo questionada por diversos autores e estudiosos da área
de Sociologia Política.
O focus é a perspectiva teórica que subsidia as discussões, análises e compreensões no
campo da temática. Neste caso, o focus é o instrumental analítico utilizado em determinado
“enfoque especializado” (especialized what). O focus mais utilizado tem sido os “Princípios
da Administração” que expressa idéias e conceitos aplicáveis ao aparelho (KEINERT, 2000).
Assim, para que se estabeleça um referencial teórico-analítico é importante que os
estudantes, pesquisadores, professores e, de uma forma geral, os interessados nesta disciplina
tenham a clareza do conceito de público, enfatizando tanto o locus (objeto) do estudo como o
focus (abordagem) utilizados nas análises.
Sendo assim, é possível resumir o referencial analítico (focus) da AP - expresso nas
principais publicações – com destaque para a Revista de Administração Pública (RAP) da
EBAP/FGV - a partir de três etapas paradigmáticas:
1ª) ETAPA: Paradigma Público-Estatal (1930-1979): o termo “público” pode ser entendido
como aquilo que é “de todos para todos”, referindo-se à “coisa Pública” (res publica) e ao
“interesse público” (KEINERT, 2000; BRESSER PEREIRA (1995a, 1996b, 1997, 1998a,
1999a, 1999c). Assim, os diferentes conceitos de “público” envolvem questões de poder,
política, legitimidade e de valores. Do ponto de vista histórico, vários outros sentidos de
“público” vem sendo desenvolvidos, estudados e utilizados nestes referenciais analíticos da
AP, quais sejam: (a) forma de propriedade pública ou privada; (b) perspectiva jurídica pública
ou privada; (c) propriedade “pública não-estatal”; (d) os novos direitos públicos ou
republicanos – direitos do consumidor, direito ambiental, dentre outros; (e) o público como o
oposto ao secreto – o público como espaço institucional – relação Estado-Sociedade – Gestão
Pública.
Este Paradigma Público-Estatal apresenta duas vertentes bem interessantes no que
refere-se à relação Estado-Sociedade e ao conceito de “público”. A primeira vertente,
conhecida como Matriz Estadocêntrica, pode ser definida como uma corrente do pensamento
sócio-político que tem como característica o intervencionismo estatal e enfatiza a figura
central do Estado como o principal mentor e articulador do desenvolvimento econômicosocial (KEINERT, 2000).
Em relação ao conceito de “público”, tal centralidade do Estado produziu um tipo de
relação social conhecida como Estado-Sociedade, historicamente autoritária do primeiro para
com a segunda, passando na atualidade por uma rearticulação que, segundo KEINERT
(2000), é conhecida como “deslocamento do público” que significa a transição de uma matriz
centrada no Estado (Matriz Estadocêntrica), expressa pelo epíteto “O Público no Estado”,
para a matriz centrada na Sociedade (Matriz Sociocêntrica), ou seja, “O Público na
Sociedade”.
A segunda vertente é a Burocrática, que tem as suas origens na divisão social do
trabalho, preconizada pelo autor escocês Adam Smith, em seu clássico A Riqueza das Nações
(1776) e pelos trabalhos do sociólogo alemão Max Weber. Com base em algumas
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Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo
observações feitas na sociedade prussiana e observando a mecanização da indústria e a
proliferação das formas burocráticas de organização nos setores público e privado, Weber
sintetizou, em seu célebre tipo ideal de organização, as principais características de uma
burocracia, ensejando em seu conceito de dominação racional-legal (KEINERT, 2000).
2ª) ETAPA: Crise dos anos 80: a crise do Estado, de acordo com alguns autores tais como
BRESSER PEREIRA (1995a, 1995b, 1996a, 1996b, 1997, 1998a, 1998b, 1999a, 1999b e
1999c); DINIZ (1996, 1997, 2000a, 2000b); dentre outros, gerou a sua crítica. Portanto, a AP
(única disciplina das ciências humanas e sociais que tinha o estatal como sinônimo de público,
por forte influência do Direito Administrativo) acaba sofrendo um processo de fragmentação
temática, tanto no ensino como na pesquisa, gerando nestes campos apenas trabalhos voltados
para temáticas setoriais.
Tentou-se, diante desta crise nos fins dos anos 70 e início dos anos 80, uma articulação
com outras áreas do conhecimento (como por exemplo a Ciência Política). Entretanto, devido
aos fracassos administrativos no setor público no Brasil, a AP entra nos anos 80 numa crise de
paradigma, não conseguindo dar respostas às demandas sociais e superar as suas dificuldades
de ordem gerencial/organizacional (KEINERT, 2000).
Um dos marcos de tal crise é o Programa Nacional de Desburocratização (PrND),
lançado no final de 1979 e regulamentado no início dos anos 1980. Por meio deste, alguns
dos principais obstáculos (e entraves gerenciais) da AP foram removidos, com destaque para
os mais arraigados e diagnosticados tanto pela própria burocracia governamental como pelos
estudos e pesquisas publicados nos anos 90, quais sejam: (a) a forte centralização burocrática
exercida por algumas das principais agências formuladoras de políticas públicas (a exemplo
da área de planejamento), vinculadas à Presidência da República; (b) os fortes traços da
herança colonial presente na cultura política brasileira, fortalecendo algumas práticas
clientelistas e fisiológicas, típicas de um Estado patrimonial como o brasileiro; (c) déficit de
accountability, ou seja, mecanismos de prestação de contas do Estado para a sociedade,
levando os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a estabelecerem uma relação
autoritária e sem transparência; (d) a hipertrofia do Executivo e o agigantamento do aparelho
estatal, provocando uma baixa qualidade dos serviços públicos e às vezes a total ineficência
em alguns setores tais como saúde, educação e segurança pública, revelando talvez, o mais
importante obstáculo da sociedade em relação ao atendimento das demandas sociais
(KEINERT, 2000; MARTINS, 1995; BRESSER PEREIRA, 1995a, 1995b, 1996a, 1996b,
1997, 1998a, 1998b, 1999a, 1999b e 1999c & BRESSER PEREIRA ET ALII, 1999).
O mais importante diagnóstico deste período foi formulado com o Plano Diretor da
Reforma do Aparelho do Estado em 1995, que lançou as principais bases para a superação do
paradigma burocrático em crise e a construção do novo: o Emergente Paradigma PósBurocrático.
3ª) ETAPA: Paradigma Emergente- o “Interesse Público”: Segundo KEINERT (2000),
este paradigma apresenta também, duas vertentes bem interessantes em relação ao EstadoSociedade e ao conceito de público. A primeira vertente, conhecida como Matriz
Sociocêntrica, surge a partir de um contexto de rápidas transformações sociais, tecnológicas,
econômicas, culturais.
Tais mudanças advêm da globalização da economia e da crise do Estado, simbolizada
por sua exaustão financeira e o baixo atendimento das demandas sociais. Desta forma, no
momento em que aparece esta crise de confiança e de legitimidade do Estado em relação à
sociedade, o espaço público passa a se articular mais a partir da última e menos do primeiro.
De modo geral, tal Matriz Sociocêntrica caracteriza-se pelo aparecimento de novos
atores sociais e políticos ocupando novos espaços na formulação e implementação de políticas
públicas centradas na sociedade (movimentos sociais, sindicatos, ong’s, etc): “O Público na
Sociedade”, segundo KEINERT (2000). A segunda vertente conhecida como PósRevista Administração On Line, São Paulo. v. 04, n. 01, p. 55-82, jan./fev./mar. 2003
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Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo
Burocrática, constitui-se num padrão de gestão pública com duas funções básicas, a saber: (a)
organização do setor público a partir da adoção de modernas ferramentas de gestão, a
exemplo da descentralização voltada para o aumento da eficiência e produtividade e; (b)
voltada para o atendimento do cidadão de forma participativa e com controle social.
Estas funções são complementares na medida em que a AP garanta o seu
entrelaçamento, articulando desta maneira a defesa da “coisa pública” e a responsabilização
social (accountability), focalizando o cidadão-cliente ( KEINERT, 2000; BARZELAY, 1994;
OSBORNE & GAEBLER, 1994).
3 – Metodologia
O objetivo desta pesquisa foi realizar um mapeamento seletivo da
literatura em gestão pública e reforma do Estado gerada entre 1994 e 2002, para
permitir aos leitores uma visão panorâmica acerca dos principais autores, seus
objetos de estudo principais e as abordagens para gerar um roteiro sobre o que ler
nesta disciplina.
A sua metodologia pode ser resumida nas seguintes fases:
A. Levantamento da literatura a ser trabalhada, com um inventário da
produção científica na disciplina, seus autores e respectivas obras. Foram
priorizados os periódicos e livros editados pela Escola Nacional de
Administração Pública – ENAP entre 1994 e 2002, tais como a Revista do
Serviço Público, os Textos para Discussão e os Cadernos ENAP . Tal
priorização decorreu da instrumentalidade que esta instituição teve para a
reforma do Estado e de seu aparelho na União a partir da criação do
MARE e do Conselho da Reforma do Estado em 1995. Foram
considerados também os periódicos internacionais Administrative Theory
and Praxis e European Journal of Sociology/Archives Européennes de
Sociologie e algumas editoras brasileiras e estrangeiras (selecionadas de
acordo com a articulação de sua linha editorial para com o objeto da
pesquisa). Apenas os trabalhos em língua inglesa selecionados para a
pesquisa constituem uma exceção e não enquadram-se na sua
periodização, devido à importância conferida aos respectivos autores;
B. Caracterização de cada locus, enfatizando os seus aspectos teóricoconceituais, metodológicos, históricos e analíticos. Trata-se da delimitação
de um locus específico do campo selecionado pela pesquisa, dentro do
paradigma emergente e das duas funções engendradas por seu modelo de
gestão;
C. Agrupamento das variáveis que compõem os diversos loci identificados
nesta área em cinco e posterior taxonomia dos autores conforme com tal
divisão;
D. Seleção dos autores de acordo com alguns critérios, quais sejam:
1) O locus que desenvolvem - foram reunidos aqueles que trabalham
com as variáveis de um mesmo locus, mas que as abordam ou
problematizam de forma diferente (focus).
2) Horizontalidade – a partir das variáveis que compõem cada locus
foram identificados diversos objetos de estudo importantes na
disciplina (privatização, publicização, agencificação, contratos de
gestão, ciclo de políticas públicas, políticas sociais, reestruturação,
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Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo
inovações, cultura política) e os autores que os abordam.
Prevaleceu aqui o caráter mais descritivo do que analítico dos
trabalhos, dado que nem todos os objetos contam com abordagens
mais detalhadas e adensadas, em virtude de problemas estruturais
na disciplina expostos por SOUZA (1998).
3) Verticalidade – alguns autores foram selecionados mais pela
profundidade com a qual abordam determinados objetos
considerados relevantes, ou seja, pelo refinamento analítico dos
seus trabalhos, embora possa parecer um pouco repetitivo certas
vezes para o leitor. 4) Publicações – um critério adotado para
mensurar o peso de cada autor no debate sobre a reforma do Estado
e a gestão pública no período da pesquisa e selecioná-lo foi o
número de publicações nos periódicos nacionais/internacionais e as
citações dos outros autores com referência ao objeto trabalhado
e/ou ao acabamento analítico. Determinados autores que podem
figurar em dois ou mais loci foram situados naquele onde se
encaixam com mais propriedade segundo os critérios de seleção
expostos acima;
E. Descrição de cada autor e suas obras segundo as variáveis que compõem o
locus e o focus. O destaque nesta fase foi dado ao focus, já que todos os
autores agrupados no mesmo locus assemelham-se. É importante lembrar
que o focus em geral é composto por categorias de uma disciplina ou
mesmo de campos trans, multi e interdisciplinares, conforme a definição
de BIROCHI (2000). A grande vantagem da adoção de tal procedimento
metodológico é a base de comparabilidade gerada entre os diversos
trabalhos por seu agrupamento.
Destacamos aqui que tal pesquisa foi realizada no âmbito de um curso de
especialização em “Políticas e Estratégias para o Setor Público” realizado pela
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT dentre os anos de 1999 e 2000 e
financiado com recursos de convênios (Secretaria da Fazenda do Estado de Mato
Grosso, Secretaria de Finanças da Prefeitura Municipal de Cuiabá, UFMT) e dos
próprios estudantes através de mensalidades.
4 – Locus
4.1. Locus I – vertente pós-burocrática de gestão pública
A vertente burocrática do paradigma Público-Estatal de Administração Pública,
construído nos países centrais a partir da segunda metade do século XIX e difundido em todo
mundo durante o século XX e, em especial, no pós-guerra, entrou em crise após longo período
de hegemonia.
Contudo, a crise não se manifestou apenas na dimensão administrativa do Estado, ou
seja, em seu aparelho. Ocorreu de forma simultânea também na dimensão referente à
intervenção do Estado na economia (com o obsoletismo de todo o instrumental
macroeconômico keynesiano) e também na dimensão das políticas sociais, consolidadas no
chamado Estado de bem-estar social ou Welfare State3. É mister lembrar que tais dimensões
foram articuladas pelo pacto fordista celebrado nos países centrais no pós-guerra.
Há uma série de autores, portanto, que abordam a crise do Estado e transição para um
novo paradigma, a partir das mais diferenciadas matrizes teórico-analíticas. A maior parte
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Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo
destaca a chamada crise fiscal como componente central que conduziu a esta situação. A
divergência ocorre, no entanto, quando são levantadas as causas que geraram esta crise,
consubstanciada no déficit público crescente e no endividamento interno/externo.
Os autores de inspiração marxista como O´CONNOR (1977); OFFE (1989, 2001) e
POULANTZAS (1984), caracterizam de modo geral a crise do Estado, intensificada a partir
dos anos 1970, como apenas mais uma crise inerente ao modo de produção capitalista dado
que, para Marx e todos aqueles que utilizam-se das suas categorias analíticas, o capitalismo
está fadado a crises cíclicas de superprodução e insuficiência de consumo e traz em si os
embriões da sua própria destruição final.
Para outros autores de orientação mais liberal ou da escola neoinstitucionalista como
HUNTINGTON (1968) e HUNTINGTON, CROZIER e WATANUKI (1975), o cerne da
crise fiscal do Estado está na sobrecarga de demandas pelo Estado e na incapacidade de
agenciamento e legitimidade das instituições políticas, conduzindo à uma situação de
ingovernabilidade.
Os autores que melhor descrevem no Brasil, portanto, este objeto e conseguem dar
uma formulação ou acabamento teórico adequado à vertente que emerge para suprir as
lacunas da burocracia tradicional são ABRÚCIO (1998, 2001, 2002a, 2002b); BRESSER
PEREIRA (1995a, 1995b, 1996a, 1996b, 1997, 1998a, 1998b, 1999a, 1999b, 1999c); RUA
(1999) e BARZELAY (1994), dentre outros.
ABRÚCIO (1998, 2001, 2002a, 2002b), doutor em Ciência Política pela USP e
considerado um dos expoentes da nova geração (vinculado à EAESP/FGV, à PUC/SP e ao
CEDEC), aborda em seus trabalhos o locus governamental (com destaque para a sua crise) e
detalha os principais aspectos da vertente pós-burocrática, adotando o focus da Ciência
Política (que inclui variáveis como atores, processo interacionista, relação agente-principal,
etc) e colocando sempre numa perspectiva internacional, com destaque para a experiência
norte-americana, da comunidade britânica e dos países da OCDE expressa nos manuais de
“bom governo” e nos autores que abordam o histórico das reformas.
O autor costuma destacar também as ferramentas de gestão mais recorrentes da
Administração Pública Gerencial, além de apreciar as outras dimensões da crise do Estado,
com ênfase para a incapacidade das instituições políticas de intermediar os interesses
dispersos pela sociedade e a reforma do aparelho no contexto do federalismo (Estados,
regiões metropolitanas e municípios).
BRESSER PEREIRA (1995a, 1995b, 1996a, 1996b, 1997, 1998a, 1998b, 1999a,
1999b, 1999c) é hoje o principal autor brasileiro nesta área e encontra-se entre os mais
destacados em toda a América Latina. A sua passagem como ministro pelo extinto MARE
(Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado) durante o primeiro mandato do
Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) fez dele o principal condutor da reforma
do Estado e de seu aparelho no Brasil, salientando a criação do Conselho de Reforma do
Estado e a subsequente elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado em
1995 e a aprovação das Emendas Constitucionais 18/98 e 19/98, que alteraram dispositivos
importantes da Carta Magna no Capítulo da Administração Pública (Cap. VII, Título III).
Os seus textos trazem um amplo diagnóstico interdisciplinar sobre a crise do Estado,
adotam um focus jurídico, economicista e sociológico, coerente com a formação do autor
(bacharel em Direito, mestre em Administração e Doutor em Economia). São utilizadas as
principais categorias weberianas para compreender melhor o histórico de reformas do
aparelho do Estado empreendidas no Brasil (DASP, DL 200) e algumas tais como
governabilidade e governança que estão em evidência na atualidade.
Ainda nos aspectos sociológicos, o autor enfatiza o padrão de articulação Estadosociedade expresso nos inúmeros mecanismos de controle espalhados por todo o aparelho. É
através destes que a sociedade civil contrabalança o poder monumental do Estado e interfere
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Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo
nas suas decisões. É interessante notar que ao longo do período Bresser deslocou-se das
orientações econômica e técnica para a denominada orientação política, que privilegia o
controle social (BRESSER PEREIRA, 1998a) .
No aspecto econômico, o autor destaca a articulação da reforma do Estado com as
grandes crises cíclicas do capitalismo (queda da Bolsa de New York em 1929, petróleo nos
anos 1970, dívida externa na década de 1980), suas implicações fiscais advindas da
sobrecarga de demandas após a redemocratização no Brasil, o mercado de trabalho no setor
público, as formas de propriedade no capitalismo contemporâneo (estatal, pública não-estatal
e privada), além do papel do Estado neste contexto. A partir daí, Bresser constrói seu marco
referencial-comparativo para a transferência dos ativos de uma forma para outra
(agencificação, contratualização, publicização e privatização), introdução de quase-mercados
e competição administrada no interior do aparelho, regulação de setores nos quais haja
presença de monopólios naturais e externalidades positivas e negativas, etc.
O autor situa também a reforma do Estado e de seu aparelho num quadro internacional
(com destaque para os países da OCDE), fazendo as ressalvas necessárias e derrubando os
rótulos ideológicos tradicionais quando se aborda esta temática, como o de “neoliberal” que
as forças de esquerda em geral imputam aos defensores do paradigma emergente. É prudente
lembrar também que boa parte dos seus textos é dedicada à crítica dos autores
neoconservadores da Teoria Escolha Pública e o alinhamento da reforma proposta pelo
PDRAE mais ao centro (compondo um projeto social-democrata ou social-liberal),
enfatizando a ruptura com o individualismo metodológico.
RUA (1999), doutora em Ciência Política pelo IUPERJ – centro com tradição mais
canônica nesta disciplina segundo MELO (2002b) - faz considerações sobre a evolução da
Administração Pública da fase burocrática para a gerencial, tipificando-as muito bem e
destacando alguns dos principais dilemas engendrados.
Dentre eles está a distinção entre as dimensões técnica e política da burocracia
(autonomia x neutralidade) gerada com base de uma determinada leitura do esquema analítico
proposto por Weber que revela-se equivocada para o cumprimento dos pré-requisitos do
aparelho do Estado trazidos pela sua reforma, da forma compreendida por autores norteamericanos como Peter Evans. O focus adotado por ela privilegia as categorias sociológicas e
de Ciência Política, salientando aquelas típicas da Sociologia da Burocracia.
BARZELAY (1994), que utiliza a vertente pós-burocrática para caracterizar a
continuidade-ruptura nas organizações públicas, descreve com detalhes a experiência de
reforma administrativa no Estado norte-americano de Minesota nos anos 1980, ganhadora de
um prêmio para iniciativas desta natureza na esfera estadual e municipal instituído pelo
Fundação Ford e a Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard.
O autor enfatiza, portanto, as principais ferramentas de gestão utilizadas nesta
experiência como os fundos rotativos de financiamento dos serviços públicos, a divisão do
aparelho do Estado em agências de linha e de apoio prestando serviços entre si, a competição
administrada e a ênfase no cidadão-usuário, todas típicas da vertente pós-burocrática.
O focus adotado por este autor situa-se no campo administrativo e concentra-se nos
princípios (idéias e conceitos aplicáveis ao aparelho) da vertente burocrática e na sua
passagem para a pós-burocrática, articulando-as numa perspectiva histórica com a
Administração Científica de Frederick W. Taylor no início do século XX (entendendo a
burocracia tradicional como a transposição do instrumental taylorista-fordista de gestão para o
setor público) e a nova vertente associada ao padrão tecnológico da produção atual
denominado de acumulação flexível ou toyotismo.
4.2. Locus II - Os impactos da globalização no aparelho do Estado
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O atual processo globalizante, a exemplo dos anteriores na história da humanidade,
caracteriza-se de modo fundamental pela intensificação de trocas comerciais e financeiras e
pelo seu forte conteúdo tecnológico (em especial nas áreas de transporte, telecomunicações,
informática, robótica, microeletrônica e biotecnologia).
Este fluxo mais livre de capitais, mercadorias e pessoas engendrou um novo
ordenamento geopolítico-econômico internacional e agiu como catalisador das principais
mudanças no âmbito dos Estados nacionais e mesmo na formação de um espaço
transnacional, tanto para a atuação do capital quanto dos Estados (blocos regionais como o
Mercosul, NAFTA e União Européia e organismos multilaterais como a OMC, ONU e as suas
diversas agências setoriais).
Despontam alterações importantes na geopolítica internacional tais como a dissolução
da União Soviética e seus aliados (queda da “cortina de ferro”); o surgimento de um grupo de
países recém-industrializados no sudeste da Ásia4 especializados nas exportações de
componentes e produtos eletro-eletrônicos chamados de “tigres asiáticos”; a reestruturação
interna da China na direção da economia de mercado e sua recolocação externa com o
ingresso recente na Organização Mundial do Comércio - OMC; o desmonte do Estado de
Bem-estar nos países centrais e do Estado desenvolvimentista na periferia do capitalismo,
dentre outras, trouxeram consigo a nova realidade que vivenciamos e que, para muitos, ainda
é uma incógnita.
Entretanto, para muitos a globalização apenas catalisou elementos e reações latentes
nas respectivas sociedades que atingiu. Os seus principais impactos foram: (1) Desmonte
parcial do Estado de Bem-estar nos países da Europa Ocidental e nos Estados Unidos, pois
este se agigantou ao incorporar demandas demasiadas e tornou-se um entrave para o
crescimento da economia, pois saiu da condição de formador de poupança para despoupador
líquido (por conta das altas taxas de juro geradas pelo déficit público e vice-versa); (2) Fim do
ciclo nacional-desenvolvimentista (iniciado a partir da crise de 1929) nos países asiáticos e da
América Latina, acompanhado pela introdução do que John Williamson chamou de
“Consenso de Washington” (redução do Estado, estabilização da moeda, internacionalização
da economia, liberalização financeira, desregulamentação de atividades, eliminação do déficit
público através de profundo ajuste fiscal, seletividade no financiamento das políticas públicas,
etc); (3) Colapso do modo de produção e do regime político soviético e dos seus países
satélites (Europa Oriental), com todas as dificuldades, inerentes à transição para o capitalismo
e a instalação de um regime democrático nos moldes ocidentais; (4) Transnacionalização do
capital privado e migração de algumas atividades industriais para países da periferia por conta
das suas vantagens competitivas (e geração de índices crescentes de desemprego nos países
centrais); e (5) Esvaziamento da capacidade e autonomia dos Estados nacionais no que tange
às políticas públicas, em especial as macroeconômicas (fiscal, cambial, monetária, preços,
salários), em virtude da ampla mobilidade de moeda e da desterritorialização dos fatores de
produção advinda com a globalização com recorte tecnológico.
Portanto, os impactos destas transformações nos Estados nacionais ao redor do mundo,
que constituem o Locus II, são bem abordados e descritos por inúmeros autores na atualidade,
dentre os quais destacamos, KOUZMIN (1998); PINHEIRO/GIAMBIAGI (1999);
AHUMADA/ANDREWS (1998); FARMER (1998); e HAQUE (1998).
Todos descrevem, com importantes variações no focus, como os governos estão
reestruturando os seus respectivos aparelhos no sentido de ampliar sua capacidade financeira,
técnica e gerencial para fazer frente ao novo ordenamento político-econômico internacional e
melhor administrar os interesses de suas coletividades, lideradas pelas respectivas elites.
KOUZMIN (1998) avalia os principais impactos da globalização na capacidade
gerencial dos governos ao redor do mundo, passando pela formação dos blocos regionais e da
contraposição dos Estados nacionais com os transnacionais e globais. O autor propõe a
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desconstrução da retórica hegemônica centrada na ampliação da governance e das
capacidades institucionais e sugere elevação da capacidade de aprendizado dos governos,
utilizando um focus com prevalência das disciplinas de Economia Política, Filosofia e
Relações Internacionais.
PINHEIRO E GIAMBIAGI (1999) situam a privatização recente mais no nível da
reforma do Estado do que de seu aparelho. Eles relacionam o Programa Nacional de
Desestatização – PND – com a política macroeconômica do período analisado, com destaque
para a sua contribuição para a dinâmica de evolução da dívida pública e as receitas
extraordinárias federais, além dos aspectos microeconômicas pós-privatização de cada setor
(siderurgia, energia, telefonia, transportes, saneamento etc).
O focus utilizado concentra-se nas disciplinas de Economia e Economia Política. Uma
das razões do sucesso desta parceria é que os autores complementam-se, com Pinheiro
concentrando-se mais na microeconomia da privatização e Giambiagi na sua macroeconomia.
AHUMADA/ANDREWS (1998) analisam com um bom grau de detalhamento como
as elites dos países em desenvolvimento (adotando como casos os exemplos de Brasil e
Colômbia) aproveitaram-se de circunstâncias específicas como a hiperinflação e a crise da
dívida externa herdadas dos anos 1980 para reorganizar e relegitimar a implementação da
agenda neoliberal, ainda que de forma seletiva.
No caso brasileiro, as autoras argumentam como a partir da implementação do plano
de estabilização monetária (Plano Real) em 1994, o restante dos itens que compõem a
chamada “agenda neoliberal” foi apresentado para a população como indispensável para a
manutenção da estabilidade de preços e a inserção assimétrica da economia brasileira nos
mercados internacionais.
No caso colombiano, apresentam como as respostas pontuais adotadas para o combate
à guerrilha de esquerda ligada ao narcotráfico e as milícias de direita que surgem como
contrapeso às primeiras acabaram também generalizando as políticas adotadas nos outros
países do subcontinente. O focus adotado pelas autoras é sociológico e economicista.
HAQUE (1996) analisa as implicações pontuais da globalização para as várias
camadas sociais e, sobretudo, para a legitimidade, integridade e capacidade técnico-gerencial
do Estado e de sua burocracia no contexto dos países asiáticos. O focus deste autor tem maior
presença da Ciência Política, Economia Internacional, Administração Pública e do campo
transdisciplinar do “desenvolvimento” em formação na atualidade.
FARMER (1998), professor de Ciência Política e Administração Pública na Virginia
Commonwealth University, utiliza-se de uma metáfora sobre o comportamento dos porcosespinho durante o inverno - quando precisam aproximar-se para reduzir o frio - citada pelo
filósofo polonês Arthur Schopenhauer para descrever a mudança hegemônica que estamos
atravessando e os dilemas engendrados por ele para os Estados nacionais e seus aparelhos. O
autor debate a transição paradigmática na disciplina de Administração Pública e propõe uma
nova linguagem baseada nos legados (economicista, pós-político e pós-administrativo) que
devem ser trabalhados pela anti-administração e privilegia um focus composto por categorias
da Ciência Política, Administração Pública e Filosofia.
4.3. Locus III - As condicionantes do ordenamento político-econômico nacional e
internacional
Todo a transição da vertente burocrático-weberiana adotada pela maior parte dos
países para a pós-burocrática (Nova Administração Pública para alguns autores), não ocorre
num vácuo histórico ou desenvolve-se a partir daquilo que os cientistas sociais chamam de
“tábula rasa”, ou seja, desconsiderando o passado recente e raízes mais profundas das
respectivas civilizações.
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As realidades políticas, institucionais, culturais, éticas, ideológicas e econômicas são
diversificadas e os atores da reforma do Estado e de seu aparelho ao redor do mundo têm que
compreende-la para lidar de modo adequado, independente das suas vontades individuais.
Dentre tais fatores podemos incluir, com certeza, estes elencados abaixo (sem
hierarquização, pois todos são articulados e interdependentes entre si):
1) Variáveis organizacionais como cultura, desempenho, liderança, tarefa, motivação,
clima, estruturas e outras que já permeiam as organizações do setor público nos
países que adotam programas de reforma;
2) A cultura política brasileira, com sua influência hispano-portuguesa advinda da
longa colonização e as instituições que ainda condicionam o comportamento dos
nossos principais atores sociais (elite dirigente, burocracia estamental5, cidadãos,
partidos, empresários, etc);
3) As demandas da sociedade civil por ética e profissionalização dos agentes
públicos, para reduzir a corrupção e permitir que as políticas públicas deixem de
ser capturadas por grupos de pressão articulados em torno do aparelho do Estado
em detrimento da maior parte da população desorganizada, gerando o fenômeno
conhecido como rent-seeking7;
4) O formato das instituições vistas hoje como categorias centrais para o
desenvolvimento de uma determinada nação, como os procedimentos de eleição
dos dirigentes no Poder Executivo e no parlamento, a relação entre os
representantes eleitos e a burocracia e destes últimos para com a cidadania
organizada, aprimorando a accountability e a relação agente-principal;
5) Os aspectos referentes à crise do Estado, desde a sua dimensão administrativa
(vertente burocrática), fiscal (desarticulação da matriz de financiamento) do modo
de intervenção (keynesianismo), de proteção social (Welfare State) até questões
existenciais e relacionadas à dinâmica de expansão das estruturas do seu aparelho e
da contradição para com a sua atividade empresarial, que teve de ser revertida em
função do fim de um determinado ciclo histórico.
Portanto, uma vez caracterizado o locus, podemos partir para a descrição dos seus
principais autores e obras. Aqueles considerados mais relevantes para os objetivos do presente
trabalho são DINIZ (1996, 1997, 2000a, 2000b); DUPAS (1999, 2001a, 2001b); FIORI
(1995); GORTNER, MAHLER & NICHOLSON (1987); ALISSON (1971); ELSTER (1987);
CATALÁ (1998); e MARTINS (1995). Vamos a eles.
Os trabalhos da autora brasileira DINIZ (1996, 1997, 2000a, 2000b), cientista política
pela USP vinculada à UFRJ e ao IUPERJ, figuram com certeza dentre os mais importantes da
produção científica na área de gestão pública no Brasil, com destaque para a análise da crise
do Estado utilizando as categorias de governabilidade e governança no seu focus.
A autora critica em seus papers a tese defendida pelo cientista político Samuel
Huntington, com uma dimensão tecnicista embutida na governabilidade (categoria introduzida
por ele no paper Crisis of Democracy em 1975). Para este autor a essência da crise do Estado
(que teria o desajuste fiscal como um subcomponente) reside na incapacidade das instituições
políticas tradicionais de agenciamento dos conflitos e intermediação dos interesses dispersos
pela sociedade na sua relação com o Estado e seu aparelho.
Tal compreensão contemplaria a categoria da governança ou governance como os
autores anglófonos preferem, que é caracterizada pelos aspectos adjetivos ou instrumentais da
governabilidade, ou seja, dadas determinadas condições de exercício legítimo do poder
político pelo Estado, a capacidade financeira, técnica e gerencial deste último - e dos seus
governos em especial - de formular/implementar/avaliar as políticas públicas.
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Ao aplicar este focus à nossa realidade contemporânea, a autora articula o esgotamento
de um determinado padrão de relação Estado-mercado (projeto nacional-desenvolvimentista)
às dificuldades inerentes à institucionalização da democracia após anos de autoritarismo e à
explosão de demandas sociais daí advindas, embora vislumbre a hiperatividade decisória
cercada pela falência executiva como o nó crítico do desempenho governamental.
DUPAS (1999, 2001a, 2001b), ao compreender a governabilidade como capacidade de
coordenação dos diversos atores pelo Estado e situa-la num marco internacional no qual a
hegemonia de outrora destes fica reduzida, aborda com muita propriedade o caráter
assimétrico da globalização e da pós-modernidade para alguns países de destaque da periferia
denominados de “emergentes”, apresentando os impasses da abertura comercial/financeira, o
papel da tecnologia e da empresa, os pactos sociais e o equilíbrio de conflitos, a relatividade
dos blocos econômicos, dentre outros aspectos determinantes para a compreensão adequada
dos desafios contemporâneos nesta área.
O autor caracteriza a intermediação capital-trabalho promovida pelo Welfare State e
faz considerações sobre a sua contra-parte pós-fordista, com ênfase para a baixa legitimação,
que acabam compondo um circulo vicioso gerador dos problemas atuais. Os aspectos
econômicos são colocados como variável independente na sua análise (de acordo com a tese
da inexorabilidade da globalização, entendida como imperativo tecnológico) e os aspectos
sociais e políticos como dependentes.
O focus adotado é composto por categorias de Economia Política (em especial relações
econômicas internacionais), Ciência Política, Sociologia, História, Relações Internacionais e
Filosofia, com destaque para autores tais como Bobbio, Habermas, Hobsbawn, Arrighi,
Castells, Touraine, Giddens, Hirshman, Hirst, dentre outros.
FIORI (1995), economista e doutor em Ciência Política pela USP ligado ao Instituto
de Economia da UFRJ, propõe nos seus trabalhos uma outra problematização para o locus da
globalização. Os aspectos políticos são vistos como variável independente no seu esquema
analítico, afirmando que o movimento globalizante em curso derivou de algumas decisões
importantes por parte dos países centrais que, por seu conteúdo e direção, só podem ser
tomadas em conjunto, como a liberalização financeira e o relativo abandono do regramento
pactuado em Bretton Woods, que resultaram na livre circulação internacional de capitais
(como o abandono da conversibilidade do dólar em ouro a partir de 1971).
O autor argumenta que a governabilidade, uma categoria estratégica ressiginificada
por cada ator de acordo com a sua estratégia, torna-se, portanto, situacionista por definição.
Na conjuntura atual para países como o Brasil, o discurso pró-mercado apresenta as reformas
de orientação liberal como condição indispensável para a governabilidade e esta última como
pré-requisito para as primeiras, fechando uma circularidade que confunde os atores e, por
conseguinte, o seu posicionamento diante da agenda neoliberal, inclusive as forças mais à
esquerda.
Fiori alinha-se a um conjunto de autores neomarxistas que seguem uma tendência
hiperestruturalista ou até neodependentista (como Robert Kurz, Giovanni Arrighi e François
Chesnais) na qual as elites nacionais são meras reféns ou sócias das decisões tomadas nas
arenas internacionais por agentes que lhe fogem ao controle – não havendo espaço para
iniciativa política dos governos. O focus adotado por Fiori baseia-se na Economia Política,
Ciência Política e no campo interdisciplinar da Antropologia Econômica iniciado em 1944
por Karl Polanyi em A Grande Transformação.
GORTNER, MAHLER & NICHOLSON (1987), uma tríade de autores norteamericanos da Universidade Estadual de Michigan, elaboraram um tratado ou compêndio que
reúne as principais tipologias existentes na literatura norte-americana e européia sobre as
variáveis que compõem uma organização pública a exemplo da liderança, tarefas, estrutura,
comunicação, motivação, sistemas de informação, desenvolvimento organizacional etc.
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Trata-se de uma leitura apropriada para aqueles iniciantes que buscam
aprofundamento na disciplina e também sua integração com a realidade organizacional, pois
traz vários casos e gera a possibilidade de contato com autores desconhecidos aqui no Brasil
por não pertencerem ao mainstream8.
É necessário que se façam ressalvas pelas diferenças culturais entre os Estados Unidos
e o Brasil, sobretudo no que tange ao respeito às instituições e preceitos constitucionais/legais
e ao estágio de consolidação da burocracia, bem mais avançado do que aqui.
O grande diferencial desta obra está com certeza no focus adotado, pois há uma
carência muito grande de trabalhos desta natureza na área de gestão pública, que reúnam
tipologias de diversos autores referentes às variáveis organizacionais. Não conseguimos
identificar nenhum autor brasileiro que tenha realizado trabalho similar nesta disciplina.
Já ALISSON (1971), adota como focus do seu clássico The Essence of the Decision, a
construção/inferência de modelos para análise de políticas públicas a um evento de suma
importância para todo o mundo no período da Guerra Fria (1945-1991), qual seja, a crise dos
mísseis cubanos, ocorrida em Outubro de 1962 quando a então União Soviética instalou
mísseis nucleares na ilha de Cuba, a apenas 150 km da costa norte-americana, desequilibrando
de forma súbita o precário equilíbrio estratégico de forças entre as duas potências.
A importância e singularidade deste trabalho no campo das políticas públicas, que
inserem-no na galeria das grandes obras desta área, estão no fato de apreciar um evento tão
importante com um detalhamento impressionante e demonstrar como as cúpulas dos
respectivos aparelhos de Estado (norte-americano e soviético) trabalharam junto com as suas
burocracias tradicionais no na formulação e implementação desta política específica, cujo
resultado todos conhecemos.
ELSTER (1987), um dos principais filósofos marxistas na atualidade, faz
considerações relevantes sobre a racionalidade (levantando a discussão existente sobre este
conceito na filosofia ocidental), alinhando-se à concepção de Habermas sobre a escolha
política dos países do ocidente à luz da experiência acumulada.
Os trabalhos de CATALÁ (1998), autor espanhol ligado ao PNUD e ao Instituto
Internacional de Governabilidade (IIG) situado em Barcelona, apresentam-se como expoentes
dos “novos institucionalismos”, ou seja, daqueles autores que vêem nas instituições a
principal causa do desenvolvimento ou atraso de determinadas sociedades ou civilizações.
Como focus o autor utiliza a categoria de governabilidade democrática, aplicando à
realidade latino-americana por meio de uma boa argumentação empírica e diz que apenas uma
redefinição institucional contundente co aceitação da democracia liberal, da economia de
mercado, da luta contra a pobreza e desigualdade (com base nas políticas sociais focalizadas
nos segmentos sociais mais desfavorecidos), da inserção na ordem global e da reforma do
Estado são postulados centrais a serem considerados em resposta à falácias do neoliberalismo
apontadas por OFFE (2001).
MARTINS (1995) faz uma análise pormenorizada sobre a cultura política brasileira
desde o período colonial e sua relação com as tentativas de reforma do aparelho do Estado.
Expõe um amplo quadro evolutivo da Administração Pública, descrevendo as razões da
dinâmica de expansão apresentada entre os anos 1960 e 1980 e diagnostica as principais
causas da crise atual.
Seu focus é composto principalmente por categorias como cultura política e processos
sociais disfuncionais que geraram a situação atual do aparelho do Estado e são típicas da
disciplina de Sociologia Política, com a ênfase para o campo da Sociologia da Burocracia
como Maria das Graças Rua. O autor entende que o uso de tal focus que enfatiza a relação
entre as duas variáveis centrais prepara os analistas a compreenderem melhor os fatores
estruturais.
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4.4. Locus IV - As novas tendências no ciclo de políticas públicas
Para caracterizar este locus, devemos primeiro fazer uma breve digressão. Com o
surgimento e consolidação da vertente pós-burocrática de gestão pública, expressa em obras
como o best-seller Reinventando o Governo de David Osborne e Ted Gaebler, visto como a
grande influência da reforma do aparelho do Estado nos Estados Unidos expressa no National
Performance Review conduzido pelo Vice-presidente Al Gore durante o mandato de William
Clinton (1993-2001), novas ferramentas de gestão foram se destacando.
Todas elas instrumentalizam os princípios orientadores da Administração Pública
Gerencial, quais sejam, a descentralização, a horizontalização das estruturas, ênfase nos
cidadãos-usuários dos produtos/serviços, concentração nos resultados, transparência,
responsabilização, dentre outros.
As mais importantes variáveis que compõem o locus são:
1) Novos mecanismos de financiamento das políticas públicas, introduzindo a
seletividade, dispositivos de auto-captação de recursos por parte das atividades-fim
e fundos rotativos de serviços públicos;
2) Processos de redução das estruturas do Estado, através do enxugamento,
downsizing, da horizontalização, da “reengenharia”, dentre outros;
3) Mecanismos de participação do público-alvo no ciclo de políticas públicas,
contemplando as suas visões sobre a realidade em questão e a relação agenteprincipal;
4) Criação de estruturas flexíveis que gerem o compromisso, o equilíbrio, a eficácia
junto aos cidadãos-usuários;
5) Concepção do ciclo de políticas públicas (formulação, implementação e avaliação)
como uma rede de implementadores, formuladores, beneficiários e stakeholders
conformada por elos ou nós críticos de decisão.
Uma vez apresentadas as principais variáveis presentes na renovação do aparato de
intervenção trazido pela Nova Administração Pública, podemos descrever com mais detalhes
a abordagem conferida por cada autor. São eles: PRZEWORSKI (1998, 2001); RAMOS
(1997); SILVA e MELO (2000); MODESTO (1997) e DROR (1997,1999).
PRZEWORSKI (1998, 2001), autor de origem polonesa radicado nos Estados Unidos,
examina em seus trabalhos uma das principais variantes do neoinstitucionalismo na gestão
pública, qual seja, as relações agente-principal entre os atores sociais no que tange à relação
Estado-mercado e Estado-sociedade. Os mais relevantes são os governos (entendidos como a
cúpula dirigente do Estado) e os agentes econômicos, consubstanciando as relações públicoprivado, políticos e burocratas e cidadãos e governos, submetidos aos mecanismos verticais e
horizontais de controle.
O focus adotado por Przeworski privilegia também a Teoria da Escolha Pública (TEP)
e a Escolha Racional (rational choice), utilizando também a teoria dos jogos e categorias da
Ciência Política relativas à democratização do Estado apresentadas por autores tais como o
argentino Guillermo O´Donnell.
RAMOS (1997), situado na perspectiva gerencialista e na orientação econômica da
reforma do Estado, analisa com detalhes a contratualização no setor público (com ênfase para
as agências executivas propostas pelo PDRAE), descrevendo as experiências
nacionais/internacionais mais relevantes e os seus fundamentos teóricos, com ênfase para o
focus ancorado em duas disciplinas principais (Administração Pública e Economia).
MELO e SILVA (2000) apresentam num texto magistral uma tipologia para melhor
compreensão do ciclo de políticas públicas, denominado pela literatura internacional de policy
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cicle. Com base em duas concepções mais tradicionais do policy cicle (clássica e linearsimplista), os autores descrevem uma nova compreensão alinhada à poderosa metáfora das
redes. Nela, as funções inerentes ao ciclo não são separadas em fases rígidas e burocratizadas,
mas entendidas como funções cicladas a serem exercidas a qualquer momento com a
participação de toda a rede.
Os autores adotam como focus toda a abordagem que a Ciência Política faz ao policy
cicle, com forte presença de autores norte-americanos como Bardach, March e Olsen,
Wildavsky, Pressman, Lindblom, Lipsky, Sabatier, Jenkins-Smith, dentre outros. Há também
uma influência significativa da Teoria dos Jogos.
MODESTO (1997) adota o focus jurídico para caracterizar as organizações sociais na
forma proposta pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Como advogado e
professor de Direito da UFBA (além de assessor do Ex-ministro Bresser Pereira no MARE),
Modesto esclarece em seus trabalhos as dúvidas dos juristas sobre o marco legal das
organizações sociais, sua diferença para com as Organizações da Sociedade Civil para o
Interesse Público – OSCIP – seu caráter público ou privado na prestação de serviços e cita
também a experiência do SUS como paradigmática.
DROR (1997, 1999), conferencista e consultor internacional, apresenta num de seus
papers, as tarefas de alta relevância nos governos centrais na atualidade, bem como a nova
administração que deve ser construída para executá-las e o seu agente, qual seja, o
administrador contemporâneo. O autor introduz uma tipologia curiosa de avaliação dos
administradores públicos segundo o seu grau de profissionalismo, associando letras gregas à
cada fase.
Na fase mais primitiva (Alfa), coincidente com a Administração Pública
Patrimonialista, o preenchimento dos cargos públicos é vinculado a instrumentos de
patronagem tradicionais. Nas demais (Beta e Gama) o grau de profissionalismo vai avançando
conforme instala-se a burocracia clássica e, afinal, o administrador do tipo Delta é o mais
recomendado para a vertente pós-burocrática do paradigma emergente, em função de seu
perfil compatível com as funções que deve desempenhar.
O focus utilizado por Dror neste trabalho e também num livro recente privilegia as
disciplinas de Ciência Política, Filosofia, Direito Internacional, Relações Internacionais e
Administração Pública.
4.5. Locus V - A gestão das políticas sociais no Brasil e na América Latina
Neste último locus selecionamos a gestão de políticas sociais no Brasil e em toda a
América Latina. Existem algumas características comuns entre os países da América Latina
no que refere-se ao ciclo de políticas públicas, em especial, para aquelas que buscam alterar
determinadas condições sociais apresentadas por públicos-alvo vistos como importantes.
Esta região do mundo é marcada pela sua desigualdade. Ao mesmo tempo em que
concentra razoável produção industrial e primária, tanto no extrativismo vegetal/mineral,
quanto na pecuária e agricultura, apresenta também bolsões de pobreza gravíssimos que ainda
mancham a sua imagem diante dos países centrais e das agências multilaterais.
Alguns países, como os do Cone Sul (Argentina, Chile, Uruguai e até o Brasil)
possuem sistemas de educação e saúde referenciais em suas respectivas áreas, assim como um
bom grau de desenvolvimento científico-tecnológico, apesar da recente de desarticulação
associada à prolongada crise.
Ao mesmo tempo, os países da região andina (Peru, Equador, Venezuela e Colômbia)
e da América Central (Panamá, Honduras, Costa Rica, Nicarágua, dentre outros) estruturamse ainda com base numa economia agro-exportadora monoculturista que favorece apenas uma
pequena elite de origem européia (os “crioullos”) e asiática (em menor número),
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marginalizando a ampla maioria da população descendente dos povos pré-colombianos (Incas,
Astecas, Maias), que muitas vezes até desconhecem a língua espanhola trazida pelos
colonizadores no século XVI.
Portanto, as políticas sociais nestes países assemelham-se à sua estratificação social,
apresentada aqui nas suas linhas gerais. São na sua maioria excludentes e elitistas e
privilegiam apenas determinados setores da sociedade com maior capacidade de expressão,
associação e articulação em torno do aparelho do Estado, que foi do ponto de vista histórico e
continua sendo o grande agente formulador e implementador de políticas públicas.
Durante a maior parte do século XX, foram conduzidos projetos autóctones e autoreferenciados de desenvolvimento, entendidos de modo claro apenas na sua dimensão
quantitativa, ou seja, privilegiando a acumulação acelerada do capital físico (com destaque
para a indústria de bens de consumo semi-duráveis e duráveis) e a formação de uma pequena
burguesia urbana.
Esta, por sua vez, tornou-se a verdadeira âncora do mercado consumidor para estes
produtos, assim como de geração de mão-de-obra mais qualificada demandada pelas grandes
empresas (nacionais, multinacionais e estatais), contrariando as suposições de alguns autores
de seria impossível crescimento sem distribuição. Além disso, a demanda parte do próprio
aparelho do Estado, imerso numa dinâmica de expansão motivada pela ampliação das suas
funções e investindo em áreas que lidassem com externalidades, além do aprimoramento
técnico das suas atribuições tradicionais (diplomacia, fiscalização, controle externo, fomento,
Judiciário, Legislativo, dentre outras).
Com a exaustão do projeto descrito acima e maior pressão internacional feita por
ONG´s e agências vinculadas à ONU, as elites destes países passaram a avaliar o profundo
“passivo social” gerado ao longo do caminho por sobre o legado colonial. Tanto a tolerância
para com a pobreza quanto a sua percepção por parte da opinião pública (cada vez mais
articulada e consciente de seu papel) foram bem reduzidas.
O grande desafio para as elites desde países é, por conseguinte, desenvolver um
instrumental de gestão pública adaptado para atenuar tal situação, exposta na atualidade pela
globalização. Portanto, os principais autores desta área são: KLIKSBERG (1994, 1997, 1999,
2001); DOWBOR (1998) E FLEURY (2001, 2002).
KLIKSBERG (1994, 1997, 1999, 2001), no campo da gestão de políticas sociais,
afirma que a tradicional dicotomia entre as dimensões técnica e política (política x
administração) e entre os estágios de formulação/implementação, além do apartamento entre
as políticas sociais e econômicas, prejudicaram muito os resultados dos programas e projetos
nesta área.
O autor sugere, portanto, que haja uma atualização no focus tradicional que
fundamenta ciclo de políticas públicas sociais. Ele deve deslocar-se para o que se chama de
“fronteira tecnológica” na ciência da Administração, pautada naquelas ferramentas típicas da
vertente pós-burocrática como a identificação de uma pauta de decisões-chave; criação de
redes de trabalho; comprometimento dos setores de apoio; flexibilidade e liderança para lidar
com a complexidade, identificação e incorporação dos stakeholders no processo decisório,
etc.
O focus adotado por Kliksberg é composto sobretudo, pela Administração Pública
(disciplina para a qual ele sugere uma ruptura epistemológica), destacando autores
contemporâneos como Henry Mintzberg, Gareth Morgan e Andrew Dunsire e pelas categorias
que compõem a discussão sobre as questões estratégicas presentes na agenda internacional,
valendo-se de autores tais como Amartya Sen, Lester Thurow e Enrique Iglesias.
DOWBOR (1998), autor francês naturalizado brasileiro, propõe uma teoria do
desenvolvimento baseada na reprodução social, entendida como ampliação dos mecanismos
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tradicionais de reprodução do capital para incorporar também as dimensões social e
ambiental, para além do economicismo hegemônico.
Para tal, ele caracteriza bem a natureza das principais questões econômicas
contemporâneas (polarizações centro-periferia, reestruturação demográfica, desemprego,
papel das empresas transacionais, atividades de produção), dos equipamentos sociais
(tecnologia do conhecimento, cultura, informação, redes de proteção social, urbanismo), a
dinâmica da reprodução social nos seus aspectos funcionais e setoriais e faz considerações
sobre os seus aspectos operacionais e metodológicos já em formação como um novo espaço
público no qual os protagonistas são as organizações não-governamentais e o terceiro setor.
O grande aspecto a ser observado na obra de Dowbor é o deslocamento da análise
econômica dos eixos produtivos tradicionais (agricultura, pecuária, indústria, mineração,
modais de transporte e energia) para a infra-estrutura social e os serviços (turismo,
entretenimento, comunicações) e o resgate da capacidade política da cidadania – sociedade
civil – posicionada como contra-poder em relação à macroestrutura burguesa formada pelo
Estado e mercado. Ou seja, nesta orientação, estas duas organizações piramidais seriam
substituídas por uma rede horizontalizada e interativa formada pelo tecido social articulado.
Dowbor confere também um destaque especial para o espaço local como âncora da
organização social, amparado em alguns princípios que lhe conferem primazia em relação a
outras esferas tais como proximidade, papel mobilizador, organização dos atores sociais,
enfoque da inovação, eixos críticos de ação, recursos subutilizados, pesquisa e potencial local,
sustentabilidade e gestão intergovernamental.
Assim como Kliksberg, que trabalha com variáveis semelhantes e propõe como
solução para os problemas identificados uma renovação do instrumental de gestão das
políticas sociais pelo Estado, Dowbor sugere uma atualização da teoria econômica para lidar
com as novas realidades descritas em toda a sua complexidade.
Neste sentido, ele faz um esforço teórico-conceitual numa tentativa de adaptação das
categorias de análise marxistas (lucro, capital, salários, mais-valia, produtividade, produção) à
sua “reprodução ampliada” e introdução de outras em evidência como indicadores de
qualidade de vida, responsabilidade social, bens não renováveis e setor comunitário, além dos
parâmetros éticos que devem ser seguidos por toda atividade produtiva. O seu focus é
composto é pela Economia, Ciência Política (políticas públicas), da Geografia e
Administração Pública.
FLEURY (2001, 2002), faz considerações em seus papers em dois níveis principais:
a) Reflexões sobre a teoria e práxis da política social no contexto latino-americano, tentando
identificar qual é o marco analítico apropriado para dar unidade a tais políticas, ou seja, se o
conceito que permite a abordagem integradora é o de cidadania ou exclusão social; b)
Discussões sobre os fundamentos teóricos da reforma do Estado contemporânea, com
destaque para os “novos institucionalismos” (governabilidade, governança, escolha pública,
agente-principal, rational choice).
O focus adotado pela autora favorece as categorias sociológicas e da Ciência Política,
em especial aquelas em evidência na atualidade na discussão sobre a governabilidade
democrática na América Latina.
5. Observações Finais
Após a leitura deste paper podemos fazer algumas observações importantes a respeito
do seu conteúdo e abordagem. Vamos a elas.
A produção científica nesta disciplina cresceu muito e diversificou-se segundo o
survey de ABRÚCIO & PÓ (2002), com o surgimento, redefinição e especialização editorial
de diversos periódicos e encontros acadêmicos (como a divisão no ENANPAD da área de
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Administração Pública em Políticas Públicas e Gestão Pública e Governança a partir da
edição de 2001), tanto no nível nacional quanto internacional.
Tais veículos, a exemplo da Revista do Serviço Público editada pela ENAP,
incorporaram um novo elenco de variáveis introduzidas pela discussão sobre a reforma do
Estado - ordenada pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) a partir
de 1995 – e as experiências verificadas em todos os níveis de governo (municipal, estadual,
federal e internacional por meio da literatura comparada sistematizada no âmbito do
PUMA/OCDE) como contratos de gestão, mudança organizacional, planejamento estratégico
e avaliação do desempenho pessoal/organizacional no setor público, para ficar apenas com
alguns exemplos.
A metodologia que adotamos revelou-se adequada para os objetivos da pesquisa,
suprindo a lacuna do rigor metodológico e inadequação do instrumental analítico apontada
por SOUZA (1998). Segundo GORTNER, MAHLER & NICHOLSON (1987), a
Administração Pública é um campo multidisciplinar no qual diversas abordagens confluem
para a análise de diversos objetos sem um objetivo claro para a teoria pactuado pela
comunidade acadêmica.
Ou seja, existe enorme variação - para usar as categorias que adotamos - tanto no
locus quanto no focus, o que demonstra a utilidade deste instrumental apresentado por
KEINERT (2000) ao decompor os temas selecionados pelos autores e suas problematizações
para uma melhor compreensão da produção científica nesta área.
Podemos afirmar que Keinert cumpriu bem a recomendação metodológica da ABNT
no que tange às teses de doutoramento, que têm a atribuição de propor uma investigação
original com real contribuição à ciência em questão e à sociedade a partir da formulação de
uma linha de pesquisa que possa ser desenvolvida por outros pesquisadores, a exemplo do
que fizemos neste trabalho.
Recomendamos, portanto, a adoção desta metodologia em escala mais ampliada, tanto
na dimensão temporal (a exemplo de Keinert que mapeou o conteúdo da Revista do Setor
Público e Revista de Administração Pública desde 1937), material (com a inclusão de um
número maior de obras, autores, periódicos, congressos científicos que possam trazer
variáveis para constituir novos loci) e também espacial.
A utilidade de estudos desta natureza encontra-se na possibilidade de sistematizar um
pouco mais a literatura nesta disciplina que, como dissemos acima, sofreu uma expansão
desordenada em função das suas características estruturais e da redefinição paradigmática nos
seus objetos descrita por KEINERT (2000).
Pudemos perceber, em tempo, durante a realização da pesquisa, que muitos temas
relevantes ainda carecem de maior densidade ou acabamento analítico, conferindo à literatura
elevado grau de horizontalidade da forma definida no Capítulo 3. Ou seja, ao lado do
aumento de cursos de pós-graduação strictu sensu nesta área e da conseqüente ampliação das
publicações oriundas das teses e dissertações dos egressos, tivemos o baixo aprofundamento
em alguns temas considerados relevantes tais como as organizações sociais/agências
reguladoras/contratualização e a concentração em outros, o que não contribui muito para o
avanço da agenda de pesquisa.
Alguns loci que podem ser considerados em novos trabalhos nesta linha são, por
exemplo, o novo padrão ético no aparelho do Estado (responsabilização, transparência,
accountability, profissionalização, escolas de governo), governo eletrônico, descentralização
de políticas públicas no contexto do federalismo, auditoria de desempenho institucional,
governabilidade e governança, satisfação do cidadão-usuário, etc.
Visões panorâmicas e sistematizadas tanto das experiências nesta área quanto da
literatura a exemplo do SIARE (Sistema Integrado y Analítico sobre Reforma Del Estado,
Gestión y Políticas) e das redes institucionais do CLAD no âmbito latino-americano e da
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PUMA – Public Management Service – e SIGMA (Support for Improvement in Governance
and Management in Central and Eastern European Countries) da OCDE no âmbito europeu a
serem realizadas pelas entidades que têm tal atribuição em nível nacional como ANPAD e
ANGRAD são muito importantes para alterar as características de baixa verticalidade e
cumulatividade da literatura reveladas por esta pesquisa.
Por fim, esperamos que os nossos objetivos tenham sido alcançados e que este
trabalho possa contribuir tanto para a produção científica nesta disciplina, ajudando os seus
pesquisadores a formularem melhores problemas e hipóteses de trabalho, quanto para a
dinâmica organizacional revista na perspectiva da reforma do Estado e de seu aparelho na
atualidade e para a sociedade em seu conjunto.
6 – Notas de final
1
Professor Assistente I do Departamento de Administração da Universidade Federal de Mato
Grosso e Doutorando do NPGA/UFBA. E-mail: [email protected]
2
Administrador, Gestor Governamental da Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral –
SEPLAN - do Estado de Mato Grosso e Especialista em “Políticas e Estratégias para o Setor
Público” pela UFMT. E-mail: [email protected]
3
Esta é a denominação tradicional de Estado de Bem-estar na literatura internacional, advindo
do idioma inglês. Alguns autores chamam também de Etat Providence, segundo expressão
cunhada pelo cientista político Francês Pierre Rosanvallon. Veja para mais detalhes
ROSANVALLON, Pierre. A Crise do Estado Providência. Editora Inquérito. 1981.
4
Os países do sudeste asiático são denominados em geral na literatura internacional como
NIC’s (New Industrialized Countries), países de industrialização recente.
5
A variável estamento foi apresentada por Max Weber em seu clássico Economia e
Sociedade, onde este faz uma ampla análise das sociedades a partir as suas tipologias de poder
e autoridade. Refere-se a um conjunto de pessoas com características comuns, indo além da
categoria marxista de classe, que está relacionada à posição que ocupam na cadeia produtiva.
6
O conceito de rentseeking tem sido muito utilizado pela literatura especializada em Ciência
Política, Economia, Administração Pública e demais áreas relacionados à temática da
Reforma do Estado. Este fenômeno pode ser descrito como a privatização do setor público, ou
seja, a formação de grupos de pressão em torno do aparelho estatal buscando vantagens
pessoais ou para suas respectivas classes. Para isto contam com o apoio de parte da
burocracia, consolidando o padrão de articulação público-privado e Estado-sociedade no
Brasil. Sua tradução literal equivale à busca por renda. Alguns autores (como Bresser Pereira)
já estão chamado a tentativa de impedir o rent seeking como publificação.
7
Chama-se em geral de mainstream (que em inglês significa “corrente dominante”) costuma
reunir os autores mais destacados de uma determinada disciplina ou área específica do
conhecimento humano. Muitas vezes bons autores com tipologias teórico-conceituais
interessantes e inéditas ficam de fora por não pertencerem a instituições acadêmicas
renomadas ou por conta do filtro do mercado editorial.
8
As externalidades são, como o próprio nome sugere, fatores exteriores ao mercado, mas que
exercem um papel importante junto aos fatores de produção. Podemos citar como exemplos
de externalidades positivas a educação fundamental da população, as condições gerais de
saúde, higiene, saneamento, nutrição, fatores demográficos como migrações, pesquisas
científicas não-lucrativas (básica e na fronteira do conhecimento), proteção ambiental, dentre
outros que, pela sua natureza intrínseca precisam ser assumidos pelo Estado ou terceiro setor.
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8. Anexo I
Taxonomia dos autores
Autores
LOCUS I
Fernando Abrúcio
Descrição
Vertente pós-burocrática da gestão pública
Aborda em seus trabalhos o locus governamental (com destaque para a sua crise), detalha os principais aspectos da vertente
pós-burocrática, adota o focus da Ciência Política e coloca sempre numa perspectiva internacional, com destaque para a
experiência norte-americana, da comunidade britânica e dos países da OCDE expressa nos manuais de “bom governo”
Luiz Carlos Bresser Pereira
Seus textos trazem um amplo diagnóstico multidisciplinar sobre a crise do Estado e adotam um focus jurídico, economicista
e sociológico, coerente com a formação do autor. São utilizadas as principais categorias weberianas para compreender
melhor o histórico de reformas do aparelho do Estado empreendidas no Brasil e algumas tais como governabilidade e
governança que estão em evidência na atualidade e têm elevada capacidade analítica quando bem utilizadas.
Maria das Graças Rua
Faz uma boa distinção entre as dimensões técnica e política da burocracia (autonomia x neutralidade) gerada a partir de uma
determinada leitura do esquema analítico proposto por Weber que revela-se equivocada para o cumprimento dos prérequisitos do aparelho do Estado trazidos pela sua reforma, da forma compreendida por autores norte-americanos como Peter
Evans. O focus adotado privilegia as categorias sociológicas e de Ciência Política, salientando aquelas típicas da Sociologia
da Burocracia.
Michael Barzelay
Utiliza a vertente pós-burocrática para caracterizar a continuidade-ruptura nas organizações públicas, descreve com detalhes
a experiência de reforma administrativa no Estado norte-americano de Minesota.
O autor enfatiza as principais ferramentas de gestão utilizadas nesta experiência, todas típicas da vertente pós-burocrática. E
adota um focus situado no campo administrativo e concentrado nos princípios da vertente burocrática e na sua passagem para
a pós-burocrática, articulando-as numa perspectiva histórica.
LOCUS II
Os impactos da globalização no aparelho do Estado no Brasil e no mundo
Alexander Kouzmin
Avalia os principais impactos da globalização na capacidade gerencial dos governos ao redor do mundo, passando pela
formação dos blocos regionais e da contraposição dos Estados nacionais com os transnacionais e globais. O autor propõe a
desconstrução da retórica hegemônica centrada na ampliação da governance e das capacidades institucionais e sugere
elevação da capacidade de aprendizado dos governos, utilizando um focus com prevalência das disciplinas de Economia
Política, Filosofia e Relações Internacionais.
Armando
Castelar/Fábio Situam a privatização recente mais no nível da reforma do Estado do que de seu aparelho. Eles relacionam o PND com a
Giambiagi
política macroeconômica, destacando a sua contribuição para a dinâmica de evolução da dívida pública e as receitas
extraordinárias federais, além dos aspectos microeconômicos pós-privatização de cada setor. O focus utilizado concentra-se
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Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo
Consuelo Ahumada/Christina
Andrews
David John Farmer
Shamsul Haque
LOCUS III
Eli Diniz
Gilberto Dupas
José Luis Fiori
nas disciplinas de Economia e Economia Política.
Analisam como as elites dos países em desenvolvimento (adotando como casos os exemplos de Brasil e Colômbia)
aproveitaram-se de circunstâncias específicas como a hiperinflação e a crise da dívida externa herdadas dos anos 1980 para
reorganizar e relegitimar a implementação da agenda neoliberal, ainda que de forma seletiva.
Utiliza-se de uma metáfora sobre o comportamento dos porcos-espinho durante o inverno para descrever a mudança
hegemônica que estamos atravessando e os dilemas engendrados por ele para os Estados nacionais e seus aparelhos. O autor
debate a transição paradigmática na disciplina de Administração Pública e propõe uma nova linguagem baseada nos legados
que devem ser trabalhados pela anti-administração e privilegia um focus composto por categorias da Ciência Política e da
Filosofia.
Analisa as implicações pontuais da globalização para as várias camadas sociais e para a legitimidade, integridade e
capacidade técnico-gerencial do Estado e de sua burocracia no contexto dos países asiáticos. O focus deste autor tem maior
presença da Ciência Política, Economia Internacional, Administração Pública e do campo transdisciplinar do
“desenvolvimento” em formação na atualidade.
As condicionantes da ordem política e econômica atual
Critica a tese defendida pelo cientista político Samuel Huntington, com uma dimensão tecnicista embutida na
governabilidade. Tal compreensão contemplaria a categoria da governança, que é caracterizada pelos aspectos adjetivos ou
instrumentais da governabilidade, ou seja, dadas determinadas condições de exercício legítimo do poder político pelo Estado,
a capacidade financeira, técnica e gerencial deste último, e dos seus governos em especial, de formular/implementar as
políticas públicas. Ao aplicar este focus à nossa realidade contemporânea, a autora articula todo o processo ao esgotamento
de um determinado padrão de relação Estado-mercado e às dificuldades inerentes à institucionalização da democracia após
anos de autoritarismo, com a explosão de demandas sociais daí advindas, embora vislumbre a hiperatividade decisória
cercada pela falência executiva como o nó do desempenho governamental.
Aborda com muita propriedade o caráter assimétrico da globalização e da pós-modernidade para alguns países de destaque
da periferia, apresentando os impasses da abertura comercial/financeira, o papel da tecnologia e da empresa, os pactos sociais
e o equilíbrio de conflitos, a relatividade dos blocos econômicos, dentre outros aspectos determinantes para a compreensão
adequada dos desafios contemporâneos nesta área. O focus adotado é composto por categorias de Economia Política,
Ciência Política, Sociologia, História, Relações Internacionais e Filosofia, com destaque para autores tais como Bobbio,
Habermas, Hobsbawn, Arrighi, Castells, Touraine, Giddens, Hirshman, Hirst, dentre outros.
Propõe uma outra problematização para o locus da globalização, no qual os aspectos políticos passam a ser vistos como
variável independente no seu esquema analítico, afirmando que o movimento globalizante em curso derivou de algumas
decisões importantes por parte dos países centrais que só podem ser tomadas em conjunto, como a liberalização financeira e
o relativo abandono do regramento pactuado em Bretton Woods que resultaram na livre circulação internacional de capitais.
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Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo
Gortner/Mahler/Nicholson
Graham Alisson
Jon Elster
Juan Catalá
Luciano Martins
LOCUS IV
Adam Przeworski
Marcelo de Matos Ramos
O focus adotado por Fiori baseia-se na Economia Política, Ciência Política e no campo interdisciplinar da Antropologia
Econômica.
Elaboraram um tratado ou compêndio que reúne as principais tipologias existentes na literatura norte-americana e européia
sobre as variáveis que compõem uma organização pública Trata-se de uma leitura apropriada para aqueles iniciantes que
buscam aprofundamento na disciplina e também sua integração com a realidade organizacional.
Adota como focus a construção/inferência de modelos para análise de políticas públicas a um evento de suma importância
para todo o mundo no período da Guerra Fria (1945-1991), qual seja, a crise dos mísseis cubanos. A importância e
singularidade deste trabalho no campo das políticas públicas estão no fato deste apreciar um evento tão importante com um
detalhamento impressionante e demonstrar como as cúpulas dos respectivos aparelhos de Estado trabalharam junto com as
suas burocracias tradicionais no ciclo desta política específica.
Faz considerações relevantes sobre a racionalidade (levantando a discussão existente sobre este conceito na filosofia
ocidental), inserindo-se na concepção de Habermas sobre a escolha política dos países do ocidente à luz da experiência
acumulada.
Seus trabalhos apresentam-se como expoentes da escola neoinstitucionalista nas suas mais diversas variantes (Teoria da
Escolha Pública, agente-principal, rational choice). Como focus o autor utiliza a categoria de governabilidade democrática,
aplicando à realidade latino-americana por meio de uma boa argumentação empírica e diz que apenas uma redefinição
institucional contundente, com ênfase na democracia, poderá promover o ajustamento estrutural buscado pelos países da
região desde os anos 1980.
Faz uma análise pormenorizada sobre a cultura política brasileira desde o período colonial e sua relação com as tentativas de
reforma do aparelho do Estado. Expõe um amplo quadro evolutivo da Administração Pública, descrevendo as razões da
dinâmica de expansão apresentada entre os anos 1960 e 1980 e diagnostica as principais causas da crise atual. Seu focus é
composto principalmente por categorias como cultura política e processos sociais disfuncionais que geraram a situação atual
do aparelho do Estado e que são típicas da disciplina de Sociologia Política.
As novas tendências no ciclo de políticas públicas
Examina uma das principais variantes do neoinstitucionalismo na gestão pública, as relações agente-principal entre os atores
sociais no que tange à relação Estado-mercado e Estado-sociedade. Os mais relevantes são os governos e os agentes
econômicos, consubstanciando as relações público-privado, políticos e burocratas e cidadãos e governos, submetidos aos
mecanismos verticais e horizontais de controle. O focus adotado por Przeworski privilegia também a Teoria da Escolha
Pública (TEP) e a Escolha Racional (rational choice), utilizando também a teoria dos jogos e categorias da Ciência Política
relativas à democratização do Estado.
Analisa com detalhes a contratualização no setor público (com ênfase para as agências executivas propostas pelo PDRAE),
descrevendo as experiências nacionais/internacionais mais relevantes e os seus fundamentos teóricos, com ênfase para o
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focus ancorado em duas disciplinas principais (Administração Pública e Economia).
Marcus André Melo/Pedro Luiz Apresentam num texto magistral uma tipologia para melhor compreensão do ciclo de políticas públicas, denominado pela
Barros
literatura internacional de policy cicle. A partir de duas concepções mais tradicionais do policy cicle, os autores descrevem
uma nova compreensão alinhada à metáfora das redes. Os autores adotam como focus toda a abordagem que a Ciência
Política faz ao policy cicle, com forte presença de autores norte-americanos como Bardach, March e Olsen, Wildavsky,
Pressman, Lindblom, Lipsky, Sabatier, Jenkins-Smith, dentre outros.
Paulo Modesto
Adota o focus jurídico para caracterizar as organizações sociais na forma proposta pelo Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado. Modesto esclarece em seus trabalhos as dúvidas dos juristas sobre o marco legal das organizações
sociais, sua diferença para com as Organizações da Sociedade Civil para o Interesse Público – OSCIP – seu caráter público
ou privado na prestação de serviços e cita também a experiência do SUS como paradigmática.
Yehezkel Dror
Apresenta as tarefas de alta relevância nos governos centrais na atualidade, bem como a nova administração que deve ser
construída para executá-las e o seu agente, ou seja, o administrador contemporâneo. O autor introduz uma tipologia curiosa
de avaliação dos administradores públicos segundo o seu grau de profissionalismo, associando letras gregas à cada fase. O
focus utilizado por Dror privilegia as disciplinas de Ciência Política, Filosofia, Direito Internacional, Relações Internacionais
e Administração Pública.
LOCUS V
A gestão de políticas sociais no Brasil e América Latina
Bernardo Kliksberg
Afirma que a tradicional dicotomia entre as dimensões técnica e política (política x administração) e entre os estágios de
formulação/implementação, além do apartamento entre as políticas sociais e econômicas, prejudicaram muito os resultados
dos programas e projetos nesta área. O focus adotado por Kliksberg é composto sobretudo, pela Administração Pública,
destacando autores contemporâneos como Henry Mintzberg, Gareth Morgan e Andrew Dunsire e pelas categorias que
compõem a discussão sobre as questões estratégicas presentes na agenda internacional, valendo-se de autores tais como
Amartya Sen, Lester Thurow e Enrique Iglesias.
Ladislau Dowbor
Propõe uma teoria do desenvolvimento baseada na reprodução social, entendida como ampliação dos mecanismos
tradicionais de reprodução do capital para incorporar também as dimensões social e ambiental para além do economicismo
hegemônico. O seu focus é composto é pela Economia, Ciência Política (políticas públicas) e da Geografia e Administração
Pública.
Sônia Fleury
Faz considerações em seus papers em dois níveis principais: a) Reflexões sobre a teoria e práxis da política social no
contexto latino-americano, tentando identificar qual é o marco analítico apropriado para dar unidade a tais políticas, ou seja,
se o conceito que permite a abordagem integradora é o de cidadania ou exclusão social; b) Discussões sobre os fundamentos
teóricos da reforma do Estado contemporânea, com destaque para os “novos institucionalismos”. O focus adotado pela autora
favorece as categorias sociológicas e da Ciência Política, em especial aquelas em evidência na atualidade na discussão sobre
a governabilidade democrática na América Latina.
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Antonio Ricardo de Souza - Vinícius de Carvalho Araújo
Tabela comparativa - paradigmas
Paradigma
Vertente I
Matriz de relacionamento Estado-sociedade
Vertente II
Conceito de público
Público-estatal
Estadocêntrica
Burocrático
Interesse público
Sóciocêntrica
Pós-burocrático
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