4. Magnetômetro Supercondutor

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4. Magnetômetro Supercondutor
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4. Magnetômetro Supercondutor - SQUID
Desde que foi usado para detectar pela primeira vez o magnetocardiograma humano em 1970
por Cohen, Edelsack e Zimmerman [Cohen et al, 1970], o SQUID (Super Conducting
Quantum Interference Device) vem sendo utilizado como principal ferramenta nas
investigações em biomagnetismo. É o detector de fluxo magnético que apresenta a maior
sensibilidade e possui faixa de operação em frequência, indo de DC até alguns milhares de
Hertz.
O arranjo convencional de operação de um SQUID é mostrado na figura 4.1. O SQUID e seus
componentes supercondutores associados são mantidos a 4.2 K, submersos em hélio líquido
dentro de um Dewar. O SQUID não monitora diretamente o campo biomagnético, mas é
envolto numa blindagem supercondutora para isolá-lo do campo biomagnético e ambiente. O
campo biomagnético é medido por uma bobina de detecção, feita de fio supercondutor, ligada
em série a uma outra bobina supercondutora, que se acopla magneticamente ao SQUID. Esse
conjunto de bobinas é chamado de transformador de fluxo. A ser aplicado um campo
magnético na bobina de detecção, uma corrente é induzida no transformador de fluxo. Como o
circuito é supercondutor, a corrente é proporcional ao valor instantâneo do fluxo magnético
que atravessa a bobina e não à taxa de variação. Um circuito eletrônico do lado de fora do
Dewar monitora a sua resposta e fornece uma tensão de saída proporcional ao fluxo aplicado
na bobina de detecção. Um conversor A/D faz então a digitalização do sinal para o
processamento em um computador.
Existem dois tipos de SQUIDs: um que funciona com uma corrente de polarização de radio
frequência (SQUID-RF) e outro que opera com uma corrente constante de polarização
(SQUID-DC). Ambos apresentam um funcionamento semelhante.
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Figura 4.1 - Operação típica de um SQUID-RF
4.1 SQUID-RF
O SQUID-RF é topologicamente um anel supercondutor interrompido por uma ligação fraca.
Uma propriedade relevante de um anel supercondutor é o fato do fluxo magnético que
atravessa o anel ser quantizado em múltiplos do quantum de fluxo Φo=2.07x10-15 Tm2.
Quando um campo magnético externo é variado, uma corrente supercondutora circula no anel
de forma a manter o fluxo dentro do anel invariante. Porém, interrompendo-se o anel e
incorporando-se a ligação fraca (junção Josephson), o fluxo no interior do anel não permanece
mais estritamente quantizado. Quando o campo externo varia, o fluxo no interior também varia
e pode percorrer ciclos de histerese.
No SQUID-RF, um campo de rádio frequência é aplicado através de uma bobina de indutância
Lt bem próxima ao SQUID. Uma corrente de RF It flui entre Lt e Ct,que formam um circuito
tanque ressonante na frequência fp=20MHz (figura 4.2). O circuito tanque é alimentado por
um oscilador na frequência de ressonância, servindo como uma fonte de corrente que provê
uma corrente muito mais fraca Ip=It/Qt, onde Qt é o fator de qualidade do circuito tanque.
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Dependendo da amplitude de It, o circuito do SQUID pode chegar a percorrer um ciclo de
histerese ou até mesmo vários ciclos. A energia perdida na ligação fraca, durante a excursão de
um ciclo de histerese, é refletida por uma mudança na impedância no circuito tanque que, por
sua vez, corresponde a uma diminuição em sua tensão média (Vt).
Figura 4.2 - Esquema de funcionamento do SQUID-RF
Quando um fluxo magnético Φs é aplicado ao SQUID, a corrente circulante é superposta à
corrente de polarização e produz uma resposta assimétrica do SQUID nas transições de cada
ciclo de RF. Isto acarreta uma diminuição na tensão média Vt para uma dada corrente de
polarização. Se Φs é constantemente aumentado, a amplitude Vt experimenta uma variação
periódica com período Φo. Esta resposta Vt tem a forma de uma seqüência de triângulos,
quando desenhada em função do fluxo aplicado Φs.
Para operação, finalmente, um circuito de realimentação negativa é aplicado ao SQUID de
forma a cancelar Φs. O sistema funciona, então, como um detector de nulo. A saída do
circuito é agora a tensão sobre o resistor de realimentação, que varia de forma a compensar a
variação do fluxo externo detectado pelo SQUID. Isto aumenta a faixa dinâmica e faz com que
a tensão de saída permaneça precisamente proporcional ao campo medido. [Romani et al,
1982]
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4.2 SQUID-DC
O SQUID-DC funciona de maneira análoga. O anel supercondutor ao invés de apenas uma
junção possui duas juncões Josephson. Para a sua polarização é utilizada uma corrente DC ao
invés de uma corrente de RF. A figura 4.3 mostra o esquema de funcionamento do SQUIDDC. Em (b) é mostrada a curva corrente-tensão na operação sem realimentação. Para
diferentes valores de fluxo que atravessa o anel existe uma curva diferente. Em (c), para um
valor fixo da corrente de polarização, ao se aumentarr o fluxo aplicado no anel observa-se a
variação periódica da tensão nas junções. Na operação em malha fechada uma corrente
atravessa os resistor de realimentação Rf, de forma manter o ponto de operação fixo,
compensando variações de fluxo introduzidas externamente. Desta forma a tensão neste
resistor é proporcional à variação no fluxo. A linha pontilhada mostra a tensão de saida
durante a operação em malha fechada. O resultado final é um conversor fluxo-tensão
extremamente sensível.
O SQUID é o instrumento mais sensível para se detectar campos magnéticos. Já foram
construídos sistemas cujo nível de ruído (dentro da camara blindada) se situa abaixo dos
3fT/Hz-1/2 .
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Figura 4.3- funcionamento do SQUID-DC [Wikswo, 1995].
4.3 Ruído Ambiente
Na maioria das medidas biomagnéticas, a sensibilidade não é limitada pelo ruído intrínseco do
sensor, mas pelas flutuações do campo ambiente. Para apreciar o efeito deste ruído, é
importante considerar sua distribuição em frequência. Isto é tradicionalmente feito
especificando-se a densidade espectral SB(f), do valor médio quadrático do campo, numa
banda de largura de 1Hz, centrada na frequência f. Logo, para o ruído branco, por exemplo,
que possui distribuição SB independente da frequência, o valor médio quadrático total do ruído
detectado é igual a SB multiplicado pela largura da banda em que foi feita a medida. Quando se
compara o ruído com a intensidade do sinal de interesse, porém, é mais apropriado se
considerar SB1/2, que tem unidade de tesla por raiz de Hertz e representa o valor rms do campo
numa banda de 1Hz. O valor rms total detectado, portanto, é igual ao produto de SB1/2 pela
raiz quadrada da largura da banda em que foi efetuada a medida.
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Em locais distantes do ruído magnético da civilização, a principal contribuição para o ruído é a
variação no campo magnético terrestre causado pela interação da ionosfera com o vento solar.
Essas "micropulsações” mostram uma variação ao longo do dia, sendo o ruído durante o dia
cerca de 2 vezes maior do que o ruído durante a noite. A intensidade na frequência de 10-3 Hz
situa-se em torno de 50 nT por raiz de Hertz. A densidade espectral das flutuações do campo
das micropulsações decai rapidamente com o aumento da frequência.
O campo terrestre, apesar de ser estático, pode ser fonte de ruído se o sistema sensor estiver
sujeito a vibrações. Uma leve inclinação com respeito ao eixo vertical, de um ângulo de apenas
10-8 rad, é suficiente para produzir uma variação no campo de aproximadamente 500 fT, que é
apreciável quando comparado com certos efeitos biomagnéticos. Felizmente, o campo terrestre
é relativamente uniforme, exibindo um gradiente espacial tipicamente da ordem de 10pT/m, de
forma que um movimento de 10-3 m pode causar uma variação de campo de apenas 10 fT.
Em laboratórios urbanos, o ruído é causado por campos de diversas fontes, como pás de
ventiladores, motores, elevadores, automóveis, trens, etc.. De uma maneira geral, a intensidade
do ruído medido é cerca de 2 a 3 ordens de magnitude acima do causado pelas flutuações
geomagnéticas. O espectro desse ruído também decai com o aumento da frequência, além de
possuir contribuições em frequências específicas devido à rede de alimentação e outras fontes
locais. Um outro fator é o ferro usado na construção das lajes, que distorce o campo
geomagnético e, como consequência, aumenta a intensidade das flutuações temporais do
gradiente do campo.
4.4 Transformador de Fluxo
O transformador de fluxo tem a função de acoplar (e transformar) o fluxo magnético da região
de medida ao SQUID. O transformador de fluxo é um circuito supercondutor fechado
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composto de uma bobina primária sensora (de indutância Ld) e uma bobina secundária (de
indutância Li) acoplada magneticamente ao SQUID. Quando um fluxo magnético Φd é
aplicado à bobina de detecção, uma corrente Ii circula pelo transformador para manter o fluxo
total no circuito invariante Ii = Φd / (Ld + Li). Logo, o fluxo Φs = Mi Ii ,que a bobina
secundária transfere para o SQUID, é proporcional a Φd.
Sofisticando ainda mais o transformador de fluxo, em vez de uma bobina no primário, utilizamse duas bobinas em oposição de fase. Tal dispositivo é chamado de gradiômetro, pois fornece
a diferença do fluxo magnético entre dois pontos no espaço. A utilização do gradiômetro
possibilita que se cancele o ruído proveniente de fontes distantes. Já que, em geral, o campo
magnético decai com o cubo da distância, para fontes distantes o campo visto pelas duas
bobinas é o mesmo e, portanto, cancelado. Mas para fontes próximas, o campo visto por uma
bobina não é exatamente cancelado pela outra bobina. Esta é a descrição para o gradiômetro
ou transformador de fluxo de primeira ordem. Um transformador de segunda ordem pode ser
obtido agrupando-se dois de primeira ordem, como mostra a figura 4.4. Os transformadores de
fluxo de ordem maior que um têm a propriedade de, além de rejeitar o campo uniforme,
rejeitar também um campo de gradiente uniforme.
Figura 4.4 - Transformadores de fluxo de ordem 1 e 2.
Como já foi mostrado [Bruno et al, 1984], o primário do transformador de fluxo, enrolado sob
uma forma gradiométrica, funciona como um filtro espacial, projetado para ser um passa alta e
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rejeitar as baixas frequências, que correspondem às fontes distantes de ruído magnético. A
resposta em frequência espacial deste filtro depende do número N de bobinas (além da bobina
de detecção), das áreas dessas bobinas e do número de espiras. A função de transferência do
filtro de ordem N é dada por:
N
H ( k ) = ∑ Ai ni e −
(4.1)
i =0
onde Ai e ni correspondem à área e ao número de voltas da i-ésima bobina e b é o período de
amostragem (espaçamento entre as bobinas, também chamado linha de base).
Sinais extremamente fracos, como os gerados pelas correntes que fazem bater o coração e até
as correntes do cérebro, podem ser medidos com o SQUID mesmo num ambiente ruidoso,
como um laboratório urbano sem câmara de blindagem magnética, graças à discriminação
espacial do transformador de fluxo.
O principal fator que limita a sensibilidade do sistema de medida baseado no SQUID é
justamente o nível de ruído magnético ambiente. Para atingir partes por milhão de rejeição do
campo uniforme ambiente, é necessário que o produto da área e o número de voltas de cada
bobina estejam precisamente balanceados. Por imprecisão na confecção, o gradiômetro não
rejeita completamente o campo uniforme. Uma montagem cuidadosa pode atingir uma rejeição
de 103. Diversas técnicas são utilizadas para balancear o gradiômetro elevando a rejeição para
um patamar de 105. A principal técnica utilizada consiste em se colocar pequenas peças de
material supercondutor nas três direções ortogonais próximas de uma das bobinas, de forma a
expulsar uma fração do campo percebido pelo transformador. Aplica-se então um campo
uniforme e movimenta-se cada eixo sucessivamente, até se atingir um valor mínimo na saída
do SQUID.
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4.5 Medida da perturbação magnética
Para se obter a informação devido a susceptibilidade é feita a medida do fluxo magnético
proximo ao objeto com um campo aplicado conhecido de forma a se detectar a perturbação no
campo magnético devido a presença do objeto. Como visto no capítulo anterior, a densidade
de fluxo magnético B contem informação tanto do campo aplicado quanto da magnetização
induzida no objeto B=µo(H+M). Como a susceptibilidades envolvidas possuem um valor tão
diminuto, da ordem de 10-5 a magnetização resultante sera 105 vezes menor que o campo
aplicado, e portanto qualquer tentativa de se medir a densidade de fluxo para depois subtrair o
campo aplicado deve prever um equipamento com uma grande faixa dinâmica de pelo menos
105 mais a atenuação do campo magnético do dipolo de susceptibilidade chegar até o sensor
(cerca de 102).
Quando a detecção do fluxo magnético é realizada pelo gradiômetro, ou por transformador de
fluxo de ordem maior que zero, tal problema desaparece para o campo aplicado uniforme.
Como mostra a figura 4.4 este campo é completamente cancelado, ou tão bem cancelado
quanto bem balanceado esteja o transformado de fluxo. Portanto, obtem-se uma medida da
densidade de fluxo que é proporcional à magnetização somente, B=µoM.
Na prática os susceptômetros baseados no SQUID utilizam basicamente dois esquemas para a
rejeição do campo aplicado e consequentemente a medição apenas da perturbação magnética:
um esquema consiste na utilização de um campo espacialmente (homogêneo) e a utilização de
um gradiômetro de primeira ou segunda ordem [Batuscheck et al, 1985]. Outro esquema
utiliza o campo gerado por uma bobina que é um campo não uniforme, mas a bobina é
posicionada no ponto médio entre as duas bobinas de um gradiômetro de primeira ordem de tal
forma que o campo visto por cada uma das bobinas é o mesmo e se cancela. Esta bobina
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geradora de campo fica dentro do dewar e é em geral supercondutora, funcionando com uma
corrente persistente [Wikswo et al, 1980].
Outros tipos de cancelamento podem ser previsto para configurações de campo não uniforme.
Por exemplo um campo de gradiente uniforme pode ser utilizado juntamente com um
transformador de fluxo de segunda ordem que será cancelado [Bruno & Costa Ribeiro, 1992].
Para uma configuração arbitrária de campo magnético tambem podem ser previstos esquemas
para o cancelamento eletrônico do campo aplicado [Parente Ribeiro, 1993].

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