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TESTE
Jorge Gonçalves
Morel Fat Lady
E a «senhora gorda» cantou mesmo!
Os anglo-saxónicos usam uma frase muito interessante para descrever uma situação em curso:
It isn’t (ain’t) over until the fat lady sings. A ideia por detrás desta frase não anda muito longe
do nosso provérbio «Até ao lavar dos cestos é vindima», com o significado de que não devemos
dar um determinado acontecimento por concluído antes de tal ter efectivamente acontecido.
No caso destas novas colunas da Morel, creio que não me ficaria mal se fizesse a tradução livre
de que não devem os audiófilos e construtores de colunas pensar que já está tudo inventado
e criado antes de ouvirem as Fat Lady. E não deixo de dar alguma razão à Morel, mas
não vou colocar a carroça à frente dos bois porque há ainda muito para dizer.
Diz-se que por detrás de um grande homem há sempre uma grande mulher, mas no caso dos
equipamentos de áudio eu adaptaria esta tão verdadeira frase para: por detrás de um grande
produto de áudio está sempre um projectista de rara capacidade e elevada sensibilidade.
Olhar para as Fat Lady é sentir imediatamente
como que uma estranheza em face da suas
proporções físicas pouco comuns em colunas
de som. De facto, para além do que disse
acima sobre a interpretação do nome das
colunas e da senhora gorda cantar ou não, um
outro aspecto ressalta imediatamente à vista:
é que as Fat Lady são mesmo gordinhas e
cheias de curvas, fazendo lembrar um dos
quadros de Rubens dos tempos em que
«gordura era formosura». Ao mesmo tempo,
a caixa, de material compósito, tem uma estrutura que, ao contrário da maioria das
colunas que buscam a rigidez máxima
possível, vive com a música, contraindo-se e
expandindo-se em função da maior ou menor
Audio & Cinema em Casa 2
energia contida nos sons emitidos pelos seus
altifalantes. Deste ponto de vista assemelhase a um instrumento musical, tal como um
violoncelo ou um contrabaixo, em que a caixa
é parte fundamental do todo e o material de
que é feita, bem como as suas formas físicas
exactas têm uma influência marcante sobre a
qualidade (e o timbre) dos sons emitidos.
Todos nós nos recordamos, sem dúvida, dos
violinos fabricados por construtores famosos
tais como Stradivarius e Guarneri, cujo segredo residia nos tratamentos conferidos à
madeira utilizada na sua caixa e de que até
hoje pouco ou nada se sabe, ou seja,
continuam a ser um segredo e, como tal,
atingem preços estratosféricos.
Pois a caixa das Fat Lady não tem assim
tantos segredos, mas assume igualmente
uma importância crucial no desempenho final
das colunas. Segundo Russell Kauffman me
confidenciou quando do nosso encontro em
Lisboa, os primeiros modelos das Fat Lady tinham uma considerável quantidade de
material amortecedor no seu interior, o que
prejudicava a qualidade final do som. A
primeira reacção de Russell foi retirar a pouco
e pouco esse material interior, até que
chegou a uma situação em que ele não
existia de todo e aí então toda a qualidade
sónica das colunas veio ao de cima. Mas isso
implica que a caixa «respire» com os
movimentos dos altifalantes e funcione quase
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como que um ser vivo (a tal cantora «gorda»)
cujas inspirações e expirações modulam o
som por ele emitido.
Descrição técnica
As Fat Lady derivam de uma ideia de Oren
Mordecai, filho de Nir Mordecai, o fundador
da Morel, que não queria passar o resto da
sua vida apenas a desenhar altifalantes. Fazer
umas boas colunas era um desafio muito
mais aliciante, e foi assim que nasceu a ideia
das Fat Lady, que utilizam, como não podia
deixar de ser, unidades da Morel, embora o
desenho estético esteja por conta de Alain
Foureax e David Zuman, com uma boa parte
da consultadoria técnica assegurada por
Russell Kauffman, antigo responsável pela
Classé e que me explicou em pormenor todas
as intrincâncias técnicas das Fat Lady quando
da sua recente estadia em Lisboa, a acompanhar o Audioshow.
Os conhecimentos da Morel na escolha de
materiais de alta tecnologia a utilizar na
produção dos seus famosos altifalantes foram
seguramente muito úteis no projecto e
desenvolvimento das Fat Lady. De facto,
temos que concordar que, por exemplo, o
material compósito empregue nas caixas não
deixa de ter muitas semelhanças com os
materiais utilizados na Fórmula 1 e na indústria aeroespacial. A descrição mais simples do
material da caixa seria que é um composto
equilibrado de fibras de carbono sabiamente
misturadas com fibra de vidro e resina epoxy.
Embora a rigidez seja extremamente elevada,
conforme se pode ver quando se executa a
já tradicional operação de as presentear com
um toque dos nós dos dedos da mão, a
elasticidade associada é tal que a caixa altera
de modo mais ou menos evidente a sua estrutura física em função da energia que é
aplicada às colunas, respirando em função
dessa energia.
O coração das Fat Lady está dividido em
diversas partes, ou seja, altifalantes. As duas
unidades de graves, de 22 centímetros de
diâmetro, derivam dos modelos SCW da série
Supreme da Morel e estão equipadas com um
cone fabricado a partir de um conjunto de
duas folhas de fibra de carbono, uma de cada
lado de uma camada interna de Rohacell, do
que resulta uma estrutura emissora de som
muito rígida e com excelente amortecimento.
A bobina móvel, com um diâmetro de 75 mm
e montada sobre o suporte em alumínio
(para melhor dissipação), é do tipo External
Voice Coil. O fio de bobinagem é em alumínio,
de secção hexagonal, para garantir um preenchimento quase completo da área de
enrolamento. A escolha do aço para as
bobinas ligadas em série com estes
altifalantes é possível porque a Morel encontrou um fabricante que consegue produzir
este tipo de bobina com núcleo de ferro com
um comportamento linear até aos 400 Hz. O
íman possui uma estrutura híbrida, sendo
obtido a partir de um misto de ferro e
neodímio. O grave é reforçado através de um
pórtico bass-reflex bem camuflado na traseira
da coluna.
O altifalante de médios tem um diâmetro de
16 centímetros, sendo derivado uma vez mais
de um dos modelos da linha Supreme, neste
caso o SCM634. Tem uma estrutura que não
se afasta muito do que acabei de descrever
para os altifalantes de graves, excepto no
facto de o íman ser de neodímio puro e a
bobina ser do tipo underhung – ou seja, mais
curta que o entreferro – e de ser empregue
uma tecnologia de normalização da
impedância que assegura que esta não sofre
grandes variações ao longo da frequência: a
bobina é envolvida numa película de cobre, a
qual, ao percorrer o campo magnético, dá
origem a uma corrente induzida que
«normaliza» as variações de impedância da
bobina em si. O tweeter é novamente uma
unidade modificada da linha Supreme, desta
vez o ST1108, com uma cúpula macia de 28
milímetros de diâmetro, neste caso sem o
normal fluido férrico, pois durante o
desenvolvimento das colunas concluiu-se que
o altifalante soava melhor deste modo.
Russel não gosta de recorrer a altifalantes
com a fase invertida e isso não acontece,
como é evidente, nas Fat Lady, uma vez que
ele pretende que cada altifalante tenha um
3 Audio & Cinema em Casa
TESTE Morel Fat Lady
comportamento perfeitamente estável ao
longo da frequência e sem rotações de fase.
Aliás, quando do projecto deu-se sempre
muita importância à curva de variação da fase
ao longo da frequência.
O crossover não tem qualquer resistência em
série, como o tweeter, porque Russell não
aprecia este tipo de solução. Em vez disso
temos uma malha Zobel RC que controla a
atenuação e, em série com o tweeter, temos
apenas um condensador de alta qualidade da
Mundorf. A pendente de atenuação nos
médios é de 12 dB/oitava e nos agudos de
24 dB/oitava. A cablagem interna é um misto
de Nordost e de MIT, neste caso um modelo
especial produzido de acordo com as
especificações da Morel.
Embora
tenham
uma
sensibilidade
especificada de 86 dB/W/m, as Fat Lady são
fáceis de atacar porque têm uma curva de
impedância muito controlada, que desce no
mínimo até 3,6 Ohm. Outro aspecto em que
estas colunas se destacam é no excelente
controlo de grave, que implica que possam
ser colocadas a 0,5 metros da parede traseira
e mesmo assim soem muito bem.
Todo este conteúdo tecnológico fez com que
as Fat Lady fossem galardoadas no último CES
de Las Vegas com o 2009 CEA Design and
Engineering Innovation Award, algo que não
é fácil de ser obtido quando se faz a primeira
incursão numa dada área, com aconteceu
com a Morel com estas colunas.
Testes auditivos
Bem protegidas dentro de volumosas caixas
de cartão, e talvez não só por isso, as Fat Lady
não são pêra-doce em termos de transporte,
até porque pesam nada menos do que 44 kg
Audio & Cinema em Casa 4
Maio/Junho 2009 | Nº217
cada uma. Felizmente pude contar com a
inestimável colaboração do António Almeida
e do Nuno Cristina, da Ajasom, que as
trouxeram até minha casa e as instalaram no
local de audição.
Facilmente concluí que as Fat Lady não são
«esquisitas» no que se refere ao seu
posicionamento exacto na sala: como já referi
por diversas vezes, a minha sala de audição
dedicada tem cerca de 18 m2 de área e as
colunas encaixaram neste espaço de uma
forma espantosamente simples, bastando
pequenos ajustes no que se referia às
distâncias em relação às paredes laterais e
uma pequena inclinação para o ouvinte para
que elas desaparecessem virtualmente de
cena, deixando apenas uma bela e ampla
imagem espacial perante mim.
Nas audições foram utilizados como
equipamentos auxiliares o amplificador de
potência Mark Levinson N.º 27.5, o meu
prévio de construção caseira e, como fontes,
os leitores de CD’s Accuphase DP-85 e
Marantz CD-12 e o gira-discos Basis Gold
Debut com braço SME V, cabeça van den Hul
The Grasshoper e cabo de gira-discos
Furutech AG-12-L, com condutores em prata e
que brevemente será alvo de um teste aqui
na Audio & Cinema em Casa. Os cabos de
ligação do amplificador às colunas foram os
Kimber Select 3035.
Se uma primeira audição, efectuada em
conjunto com Russell Kauffman não tinha sido
totalmente convincente, mal liguei o sistema
fiquei imediatamente cativado pelas
qualidades destas belas senhoras. Foi como
se tivesse perante mim um dos belos quadros
de Renoir, um pintor que manifestamente
tinha preferência por modelos bonitos mas
bem roliços, e que jogava muito bem com as
cores, definindo em cada pintura um jogo
harmonioso de tons claros e escuros e de luz
e sombra. As senhoras em causa quase não
estavam lá, exactamente como nos quadros
de Renoir em que, após olharmos por algum
tempo deixamos de notar que são nutridas, e
deixavam escapar para o ar sons de uma
maviosidade tal que encantavam quem
estava perante elas, neste caso eu.
Resolvi entrar na sessão auditiva de uma
forma mais ou menos subtil e coloquei então
no DP-85 o disco Belief, de Leon Parker, uma
gravação da Columbia, de que destaco a faixa
Close Your Eyes. Em termos instrumentais não
é extremamente complexa (baixo acústico,
sax alto e bateria), mas isso faz exactamente
com que possamos aperceber-nos, num bom
sistema, de quão natural a reprodução pode
ser. Com as Fat Lady foi-me mesmo muito
fácil não só acompanhar as notas bem
sincopadas do baixo como detectar, de modo
quase imediato, aquele momento especial
em que Leon Parker, durante o seu solo de
bateria, passa a tocar com as mãos.
Estávamos então apresentados um ao outro
(eu e as Fat Lady), por isso era chegado o
momento de colocar em campo algo mais
dinâmico e exigente, e aí entrou Rickie Lee
Jones em We Belong Together, numa
gravação Warner. E se temos aqui dinâmica
em acção! A passagem dos sons mais suaves
para os mais altos pode ser quase alucinante
5 Audio & Cinema em Casa
TESTE Morel Fat Lady
Lady presentearam-me com uma mais.
Foram subidas de nível verdadeiramente
avassaladoras aquelas a que as colunas
conseguiram ascender, mantendo-se discretas e quase invisíveis desde sempre, mas
nunca perdendo pitada dos ferrinhos ou cravo
que tocam a níveis bem reduzidos.
e constitui um desafio para qualquer coluna.
A intervenção da bateria tem momentos que
posso apelidar de explosivos, com batidas nos
pratos que exigem respostas quase instantâneas dos altifalantes, e mais uma vez as
Fat Lady provaram que a Morel é mestra no
fabrico de altifalantes mas, ao mesmo tempo,
sabe incorporá-los numa coluna. Esta é uma
das gravações de percussão mais realistas
que conheço e as Fat Lady estiveram
totalmente à altura do acontecimento.
Tendo em conta que tinha em minha casa
desde há pouco tempo um LP duplo de Joan
Baez a interpretar canções de Bob Dylan e a
combinação destes dois nomes me traz
memórias muito gratas, nada melhor do que
abrir esse LP, um acto que para mim é sempre quase como que abrir uma boa garrafa de
vinho, e colocar à prova as Fat Lady perante
uma dieta musical em que as minhas colunas
residentes, as Quad ESL63, são mestras quase
imbatíveis. E não é que me consegui abstrair
quase por completo de que tinha na minha
frente umas colunas de caixa que poderia
apelidar com mais ou menos convencionais?
A voz de Joan soou sempre timbricamente
quase perfeita, etérea quanto baste, mais
poderosa sempre que tal era necessário, e a
sensação de amplitude que daí resultou era
tão forte e intensa que por diversas vezes
senti aqueles arrepios emocionais que se
traduzem na tão descrita sensação de pele
de galinha. Esta não é situação que ocorra por
tudo e por nada, muito antes pelo contrário,
só tem lugar quando o sistema em causa e,
muito em especial as colunas, são capazes de
trazer até nós um amplo conjunto de pistas
emocionais que mexem com os nossos
sentidos e nos envolvem emocionalmente.
Audio & Cinema em Casa 6
Uma vez que a voz de Joan Baez tinha
resultado tão bem, passei a Taj Mahal, neste
caso ao LP Recycling the Blues and Other
Related Stuff. Existe em várias das faixas
deste LP um contraponto entre as Pointer
Sisters e Taj e só umas boas colunas
conseguem manter uma distinção perfeita
entre as várias vozes e mesmo dar uma ideia
quase perfeita da posição exacta de cada um
dos vocalistas. Os arranjos são muito simples
e deste modo torna-se possível, com uma
colunas como as Fat Lady, ouvir a grande
qualidade das interpretações vocais e/ou instrumentais, ao mesmo tempo que, por exemplo, a reprodução do baixo acústico é algo de
notável, sem o mínimo sinal de ressonâncias
parasitas na sala.
Não seria natural que me ficasse por aqui, até
porque a actuação das Fat Lady estava a
agradar, e foi assim que resolvi regressar ao
CD, desta vez utilizando o Marantz CD12 como
reprodutor, e o disco Suite Gogol, de Alfred
Schinittke, uma gravação Pope Recordings
que hoje em dia não é fácil de encontrar.
Russell Kauffman concordou comigo em que
esta é uma gravação de elevado nível de
complexidade e eu costumo mesmo chamarlhe a «destruidora» de sistemas, porque pode
colocar em sérias dificuldades um sistema de
áudio ou um dos seus componentes que não
estejam à altura. E isto porque combina sons
de um pianíssimo quase inaudível com
verdadeiras torrentes energéticas que
colocam todos os altifalantes em sobressalto.
Embora a minha sala de audição não seja
muito ampla, já vivi nela diversas situações
de audição em que fui «sujeito» a experiências inolvidáveis em termos da
qualidade de reprodução desta obra e as Fat
Só para terminar, destaco a audição que fiz
de um dos mais belos discos de jazz
relativamente recentes. Trata-se de Dans Mon
Jardin d’Hiver, cantada por Henri Salvador e
pertencente ao álbum Chambre avec Vue.
Henri canta num ambiente musical que é um
misto de jazz de fusão com influências
cubanas e esta é, em meu entender, uma das
faixas mais conseguidas do disco. Ao longo
da reprodução ocorrem diversas sensações
que nos envolvem fortemente no processo
musical em curso e que vão desde o tom
quente da voz de Henri Salvador até aos
graves complexos que não são fáceis de reproduzir e podem mesmo misturar-se com a
voz e retirar-lhe nitidez. Aliás, a segunda faixa
deste disco, exactamente com o título do
disco, ainda entra muito mais pela área dos
graves profundos e estremecedores e que
colocam embaraços a alguns sistemas e
colunas. Evidentemente, este não foi o caso
das Fat Lady que, usando o francês, se
portaram com aplomb e mostraram um àvontade notável perante esta situação que
tanto exigia quer delas quer do resto do
sistema.
Conclusão
As Fat Lady que eu ouvi eram um protótipo,
embora Russell me indicasse que os
pequenos ajustes finais que iriam porventura
ocorrer seriam apenas a nível cosmético.
Aquilo que eu ouvi deste par permitiu-me
concluir que estas são umas colunas de
respeito e uma verdadeira afirmação de
capacidade por parte da Morel. Temos aqui
um projecto high-end de alto nível, umas
colunas que combinam como poucas a
capacidade de reprodução de sons da mais
baixa intensidade com o poder necessário
para nos transportar ao mundo dos impactes
avassaladores
que
nos
envolvem
emocionalmente de um modo totalmente
convincente. Tendo em conta que este é o
primeiro projecto da Morel nesta área, então
mais ainda é de louvar o que foi conseguido,
numa conjugação nada fácil entre tecnologia
e performance acústica. Todos os que
puderem não devem perder a oportunidade
de as ouvir.
Preço: 25000E
Representante: Ajasom
Telefone: 21 474 87 09
Internet: www.ajasom.net

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