Um coração apaixonado
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Um coração apaixonado
ZERO HORA ✦ QUARTA-FEIRA, 1º DE SETEMBRO DE 1999 ESPECIAL 72 ESPORTES Um coração apaixonado DAVID COIMBRA R onaldinho é um traumatizado. Acontece na infância, isso. Antes mesmo de Freud, o inglês Henry Havelock Ellis já teorizava sobre. Porque aconteceu algo lá com ele, quando pequeno. Tinha oito anos de idade, o Henryzinho, e a mãe dele resolveu levá-lo para visitar o zoológico de Londres. No meio do passeio, os bichos todos, emas, capivaras, antas e tal, ela ficou "apertada", como diria a minha avó. Queria fazer xixi. Olhou para um lado, para outro: nada de banheiro. Então, disse para o Henry: – Fica aí, que já volto. E foi num matinho, agachou-se e se aliviou alegremente. O guri, porém, se esgueirou e viu tudo, olhos redondos feito duas moedas de um pound. Ao sair da moita, a mãe ralhou: – Não era pra ficar olhando! Mas isso não a impediu dar mais umas duas ou três urinadas entre as jaulas, sempre testemunhadas pelo Henry – é bem possível que a senhora Ellis tivesse sérios problemas de bexiga. A urinada materna encantou o jovem Henry. Ele ficou não apenas pasmado, como excitado com a cena da mãe urinando. Daquele dia em diante, jamais esqueceu a visão. Volta e meia, sonhava docemente com a poça amarela que se formou no chão do zoológico. Mais tarde, adulto, só conseguia ter prazer no sexo se visse uma mulher urinando. E, bem, nem todas tinham disposição para satisfazer as vontades estranhas dele. Que, se não foi um homem completamente realizado sexualmente, pelo menos se tornou um dos pioneiros da psicologia. ❏❏❏ Com o Masoch aconteceu algo parecido. Leopold von Sacher-Masoch. Ele também tinha oito anos, idade perigosa. Estava brincando dentro de um armário na casa da família, na Áustria. As crianças gostam disso, de brincar dentro de móveis. Pois o Leopold estava lá, escondidinho, quando ouviu um ruído de conversas e risadas. Era uma tia dele, a tia Zenóbia, bem nome de tia, Zenóbia. A tia Zenóbia vinha no maior amasso com um namorado dela, gnmnmmm, gnmnnnn, schlep, smac. Atiraram-se na cama, às carícias, e em minutos a Zenóbia e o namorado estavam nus, e passados mais alguns minutos começaram a fazer sexo enlouquecidamente, e o Leopoldinho, lá do armário, vendo tudo, ficou nervoso, gostou da coisa, logo estava arfando e fungando, e arfou e fungou alto, e foi descoberto. A Zenóbia e o namorado, furiosos com toda a razão, tiraram o Leopold do armário, baixaram as calças dele e aplicaram-lhe o que meu pai chamava de tunda de laço. Mal sabiam, tia Zenóbia e seu amiguinho, que estavam marcando a fogo a alma de Leopold e que, com isso, acabariam por criar uma referência para um comportamento humano. Leopold von SacherMasoch cresceu e, crescidinho, só encontrava prazer se fosse espancado pelas mulheres. As pessoas descobriram que o Masoch gostava de apanhar – ele contou para todo mundo! Donde o termo masoquismo. Que tal? ❏❏❏ Os problemas do Ronaldinho não chegam a tanto, óbvio. Imagino que não cultive taras por excrescências ou bofetadas, e talvez seus traumas nem sejam problemas, mas soluções. Ronaldinho ficou traumatizado com a história de seu irmão Assis, que começou a carreira anunciado como o novo Pelé e agora amarra as chuteiras às margens de países periféricos do mundo do futebol, Suíça, Japão. Ronaldinho zela por sua carreira olhando para o negativo da carreira do irmão. Até aí, tudo bem. É saudável. Ronaldinho tem tomado os seus cuidados. Mas há outros cuidados a tomar. Seria bom que se mirasse através de outros traumas. Basta olhar para Ronaldo Nazario, cheio de problemas com seus contratos publicitários, seus filmes comerciais, suas namoradas. ❏❏❏ Há duas coisas a aprender com o exemplo de Ronaldo Nazario: 1. A vida, digamos, comercial de Ronaldinho tem de ser melhor organizada, e parece que o Grêmio já está acertando isso. 2. Ronaldinho não pode perder a alegria de jogar. O futebol tem que continuar sendo uma brincadeira para ele. Se se tornar sério demais, Ronaldinho vai falhar. Ronaldinho precisa jogar sorrindo. ❏❏❏ E o Grêmio também precisa aprender algo: Ronaldinho não tem de se adaptar ao time. É o contrário. O time é que tem de ser formado em torno de Ronaldinho, para quem os movimentos hão de convergir. ❏❏❏ Recebi um e-mail com a seguinte observação: "Quem sabe você, assim... poderia... colocar (por piedade deste coração) este e-mail na Zero, hein?" Então, por piedade do referido coração, aí vai. Só tirei o sobrenome dele e o nome da escola, o resto, inclusive a quantidade de ós e as, é ipsis literis. Ó: "Cara! Li aquela sua matéria na Zero Hora sobre A cantada Infalível. Bom, tenho 12 anos, meu nome é Leonardo e moro em Porto Alegre. Please, me conta qual é a cantada infalível, pois amo de paixão uma colega minha da escola, a Laura, e sei que ela me ama (ela mesma disse). Só que tem um probleminha: ela nunca ficou (se é que me entendes) e tem medo de sua inexperiência. Nunca senti na minha vida o que sinto por ela. Ela é muito linda, legal e simpática. Poooooooooooor faaaaaaaaaaaaaaaaaaaavooooooooooooooooor, me conta qual é cantada infalível (por favor, isto é sério)! Isto não é um pedido, mas sim o apelo de um jovem coração apaixonado! Se me disseres, juro até por Deus e o mundo que nunca contarei a ninguém! ❏❏❏ Leonardo, Leonardo, poderia dizer-lhe o seguinte: as mulheres, dos 12 aos 82 anos, depois que se alcança esse estágio que você já alcançou, de mútua demonstração de interesse, basta a gente subitamente parar de demonstrar interesse para que elas fiquem desesperadamente interessadas. Mas você também disse que seu jovem coração está apaixonado pela Laura, e corações apaixonados não conseguem dissimular. Agora, se a Laura disse que lhe ama, você já aplicou A Cantada Infalível, rapaz! Basta ter paciência. É como o time que está jogando contra um adversário que teve um jogador expulso: tem de tocar a bola sem pressa, esperando o inimigo se abrir. É assim, Leonardo, a sua vez vai chegar e você vai vencer. Mas tenha paciência, meu. Paciência. E-mail: [email protected]