Ciclone extratropical e frente fria associada

Transcrição

Ciclone extratropical e frente fria associada
Ciclone extratropical e frente fria associada provocam estragos em parte da América do
Sul em agosto de 2014
Entre a tarde do dia 23 e a manhã do dia 26 de agosto de 2014 ocorreu o processo de
formação de um sistema frontal que provocou forte instabilidade, com tempestades, rajadas de
vento, muitos raios (vide figura abaixo) e queda de granizo em áreas da Argentina, Uruguai,
Região Sul do Brasil, MS e SP, principalmente entre os dias 24 e 26 de agosto. O ciclone
extratropical associado a este sistema se formou no continente, entre a Argentina e o Uruguai
aumentou os ventos e provocou rajadas em setores destes países. Em Colonia, no Uruguai a
rajada de vento chegou a quase 120 Km/h (Fonte: Metar).
No domingo (24), temporais com granizo atingiram diversas cidades da Argentina e na parte
da tarde no Uruguai. Em Villa Elisa e em Ituzaingo, na província de Buenos Aires ocorreu
granizo, com gelo acumulado nas ruas, gramados e telhados. De acordo com informações das
autoridades locais, várias construções sofreram danos, algumas pedras com mais de cinco
centímetros de diâmetro. Carros também foram atingidos e muitos tiveram vidraças quebradas
e latarias amassadas. Em diversos bairros da capital Montevideo e demais municípios da área
metropolitana o fenômeno foi registrado, inclusive com tamanhos consideráveis. De acordo
com a Defesa Civil Metropolitana houve registros de ocorrências de destelhamentos de
construções, porém sem gravidade. Fonte: De olho no tempo meteorologia
Na segunda-feira (25/08) o deslocamento da frente fria associada ao sistema frontal discutido
promoveu a ocorrência de tempestades em municípios do nordeste do RS, nordeste e leste de
SC, PR e leste de MS. Imagens de radar (Redemet) mostraram em MS e em SC, taxas
elevadas de refletividade, que indicavam granizo e ventos fortes. Esta instabilidade provocou
estragos em Dourados-MS, por exemplo e de acordo com o Corpo de Bombeiros, em vários
pontos do município o granizo perfurou telhados de casas e destruiu plantações e estufas.
Devido ao vento forte, galhos e árvores acabaram caindo sobre fios de alta tensão, o que
interrompeu os serviços de telefonia e internet em vários setores. A estação meteorológica
automática operada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em Dourados computou
rajada máxima de vento de 59,7 km/h. Fonte: De olho no tempo meteorologia
Granizo em Dourados.
Granizo no PR. De olho no tempo Meteorologia
Figura 1: Raios acumulados em 24 hs do dia 25/08/2014.
Ainda na terça-feira (26), principalmente pela manhã, o sistema frontal instabilizou o nordeste
e leste do PR, leste de SC e parte de SP, como mostra a figura de raios acumulados abaixo.
Ainda, o ciclone extratropical influenciou o tempo na costa leste entre a Argentina e o RS,
com ventos fortes e rajadas de vento em muitos horários, como mostra a figura de metares
gráficos abaixo. No decorrer do dia a frente fria associada ao sistema avançou em direção ao
Sudeste e favoreceu uma atividade pré-frontal em forma de linha de instabilidade, que pode
ser identificada na figura de raios acumulados deste dia. Esta instabilidade pré-frontal atingiu
áreas do leste de SP, capital, região bragantina, Alto Vale do Paraíba e Litoral em SP.
Figura 2: Raios acumulados em 24hs do dia 26/08/2014
Figura 3: Metares gráficos dos dias 26 e 27/08/2014 das estações Buenos Aires e Ezeiza, na Argentina; Santa
Maria e Salgado Filho, no RS.
A seguir apresenta-se uma sequência de imagens de satélite desde às 12Z do dia 23 de agosto
até às 12Z do dia 26 de agosto, que mostra a distribuição de nuvens associada tanto da frente
fria, como do ciclone extratropical comentados. Nos primeiros horários nota-se a
nebulosidade desorganizada, associada a presença de uma frente estacionária e ao processo de
formação da nova onda frontal, que toma forma espiralada, com ramos, frio, quente e ocluso a
partir do terceiro horário. A temperatura do topo das nuvens diminui a cada etapa do
desenvolvimento, o que indica a intensificação do sistema. A partir do dia 25 às 12Z nota-se
que a instabilidade atinge parte do Sul do país, com o ramo frontal do sistema, que se desloca
para nordeste e chega até SP no dia 26. Neste último dia nota-se a nebulosidade desde o leste
da Argentina até o RS, associada ao ciclone extratropical. Esta nebulosidade é bem vista na
Argentina desde o dia 25.
Figura 4: Sequência de imagens de satélite realçada no canal infravermelho entre às 12Z do dia 23/08/2014 e às
12Z do dia 26/08/2014. Fonte: http://satelite.cptec.inpe.br/home/novoSite/index.jsp
A seguir apresenta-se uma análise sinótica do evento ocorrido para os três níveis principais da
troposfera.
Altitude
Na sequência das cartas de altitude mostradas abaixo nota-se a aproximação de uma circulação
ciclônica da Cordilheira dos Andes no dia 23, com centro fechado em torno de 43°S/79°W no
valor de 10080 mgp. Esta ampla circulação atinge até 30°N, contornada pelo ramo norte do Jato
Polar. Nos horários subsequentes este sistema avança para leste e atinge o sul da América do Sul
até o sul de SP no dia 26 às 12Z.
Figura 5: Cartas de altitude, plotadas linhas de corrente (setas), máximos de vento em kt (sombreado) e geopotencial
(isolinhas brancas) e correntes de jato identificadas nas cores vermelho, laranja e branco, Jato Subtropical, Polar Norte
e Polar Sul, respectivamente.
Médio
Em nível médio nota-se o reflexo da circulação ciclônica que se desloca desde o Pacífico (23/08)
até o centro-sul do Brasil, com intensificação do centro de 5440 mgp em 43°S/82°W para 5360
mgp em 39°S/48°W. Na borda norte do sistema observam-se ventos significativos, que são reflexo
da corrente de jato em altitude, que por sua vez fornece energia através do balanço do vento
térmico a partir de uma perturbação (frente estacionária no horário 12Z do dia 23/08, vide cartas
superfície). Através destes fortes ventos e também do gradiente de altura geopotencial associados
ao sistema, percebe-se a baroclinia associada ao sistema, responsável pelo desenvolvimento do
sistema e troca de energia da corrente de jato.
Figura 6: Cartas de nível médio, plotadas linhas de corrente (setas), máximos de vento em kt (sombreado) e
geopotencial (isolinhas brancas) e temperatura (tracejado em laranja).
Superfície
Nas cartas de superfície nota-se inicialmente um sistema frontal estacionário, que a partir da
aproximação do cavado nos níveis superiores comentados acima, se reforçou e deu origem a
uma nova onda frontal e consequente ciclogênese. Nos horários subsequentes, o gradiente de
pressão associado ao ciclone aumentou, o que indica a intensificação do sistema ainda no
continente, o que explica os ventos intensos e rajadas de vento entre a Argentina e Uruguai. O
ramo frontal do sistema evoluiu, ampliou e deslocou para nordeste, atingindo a Região Sul do
Brasil, MS e SP, onde se observaram forte instabilidade, temporais com granizo, descargas
elétricas e rajadas de vento.
Figura 7: Cartas de superfície, plotadas isóbaras (linhas amarelas), espessura (tracejados azul e vermelho) e dados de
synop, com os sistemas meteorológicos identificados (frentes frias, quente, oclusa, Zona de Convergência
Intertropical).
O processo de formação da onda frontal e a ciclogênese sobre o continente a partir do
deslocamento do cavado baroclínico, contornado pelo Jato Polar em altitude foi um caso didático
que exemplifica um modelo clássico conceitual de formação de sistema frontal, que por sua vez
caracterizou e explicou os impactos significativos observados em parte da América do Sul
documentados.
Elaborado pela Meteorologista Caroline Vidal, Grupo de Previsão de Tempo-CPTEC