Primeiras páginas - A Esfera dos Livros

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ESTÁDIO DE CHOQUE
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Rui Santos
ESTÁDIO DE CHOQUE
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A Esfera dos Livros
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Reservados todos os direitos
de acordo com a legislação em vigor
© Rui Santos, 2007
© A Esfera dos Livros, 2007
1.a edição: Janeiro de 2007
Imagens da capa: Getty Images/ImageOne
Capa: Paulo Condez
Revisão: Eda Lyra
Paginação: Segundo Capítulo
Impressão e Acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos
Depósito legal n.° 252 659/07
ISBN 978-989-626-051-4
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ÍNDICE
Prólogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Dos pelados às obras faraónicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A «geração de ouro» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Simplesmente, «Jose» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O efeito Abramovich . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A corrupção e os esquemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
«Apito Dourado» perturba Justiça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Árbitros e arbitragens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A «Lei de Rui Rio» não serviu para nada? . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A indisciplina do jogador português . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Escandaloso «leilão» por Simão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Jorge Mendes e José Veiga: um combate à parte . . . . . . . . . . . . . .
O papel dúbio da FIFA, os agentes e… Cristiano Ronaldo . . . . . . .
Portugal e o Mundial-2006 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O «Deus» Scolari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O dirigismo selvagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O advento das SAD . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A encruzilhada do Benfica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Pinto da Costa e as «bodas de prata» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Sporting e o «fenómeno» Paulo Bento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Jornais e «jornalistas desportivos»
Manifesto para um futebol melhor
Figuras, figurinhas e figurões . . .
Epílogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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«Vamos sempre parar ao mesmo: o futebolzinho lusitano exibe, em termos de
realidade permanente, as suas virtudes e os seus defeitos que se podem equacionar assim:
1. Na sua dimensão real, que o cataloga obrigatoriamente como um microfutebol, dispomos de uma elite de jogadores que, no bico de uma pirâmide sem
a conveniente e desejável base, disfarça insuficiências estruturais e, porque no
futebol só jogam onze de cada vez, tanto nos países que têm escassos milhares de praticantes como naqueles em que os há aos milhões.
2. Face a esta “estrutura de vidro”, o rendimento dessa elite que, tecnicamente,
pede meças aos mais dotados, qualquer desatenção ou leviandade, melhor
dizendo qualquer grão de areia faz estremecer aquilo tudo e, pumba, lá vai
tudo por água abaixo, entre choros e recriminações de “pátio lusitano”, linguareiro e assomadiço.
3. Nestas condições, parece decididamente impossível instalar a seriedade e o
rigor necessários à alta competição de hoje, que exige um substrato científico
e psicológico incompatível com a pequenez de uma elite mais ou menos intuitiva que “nada” num mar de insuficiências e de improvisações e que, por isso,
tem arroubos de vedetismo em vez de criar e reforçar, num quotidiano suado,
um sentido de trabalho profissional sério e absorvente, que possa exigir, porque, por sua vez, se dá com toda a honestidade sem poli-histerias ridículas nem
good stories de baixo “folclore social”.
Claro que também nós, como toda a gente, cometemos o pecadilho de utilizar, inclusive, uma terminologia ultrapassada ou pouco menos do que isso,
mas acima de tudo isto, há um futebol novo, futebol tecnológico, em que tudo
é maciço, uno, indivisível.»
VÍTOR SANTOS,
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in A Bola de 14 de Junho de 1986
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PRÓLOGO
O
meu pai era militar e médico. Mais militar do que médico.
Morreu com quase noventa anos e mostrava grande paixão
pelo futebol. Tinha dois amores. O Sporting e a Lina. Por esta
ordem. A Lina é a minha mãe. A adorada Lina. O meu pai, austero
e de uma seriedade inabalável, zangou-se duas vezes comigo. A primeira foi quando, a jogar à bola no Externato Sá de Miranda, em
Lisboa, elevei a perna (em missão defensiva), não acertei no esférico
e parti os dentes ao filho «do senhor engenheiro». Tinha sete ou oito
anos. Levei um estalo. A segunda vez foi quando, mais crescidote e
depois de ter começado a escrever umas linhas no jornal A Bola, só
porque não concordei com uma tese por ele defendida – naturalmente a favor do Sporting – elevou o sobrolho e sentenciou:
– Só me faltava ter um filho do Benfica!
A partir daí evitei falar de futebol com ele. Mais: a partir daí
extrapolei definitivamente. O futebol pode ser uma doença perigosa.
O futebol pode cegar. Os homens podem ser bons (como era o caso
do meu pai) mas podem perder a lucidez – e o meu pai, em todas as
outras coisas, era lúcido até de mais.
Sei que estou em minoria.
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Não conheço nenhum estudo sobre esta temática mas duvido que
à pergunta «Vive o futebol com paixão?» muitas pessoas respondam
negativamente. Acreditem se quiserem na sinceridade da resposta
mas eu responderia «não». Vejo o futebol sem paixão, prefiro ver
vencedoras as equipas que jogam bem (independentemente do
emblema) e privilegio a análise do jogo a outra coisa qualquer.
O resultado é a consequência de um desafio que procura ter um vencedor. Por isso não sou «resultadista»; por isso tento entender aqueles que não me entendem porque me coloco num plano difícil de aceitar. Não sou melhor nem pior. Sou assim mesmo, talvez porque tenha
começado a escrever muito cedo (em 12 de Janeiro de 1976, com
quinze anos, publiquei a minha primeira crónica no jornal A Bola),
efectivamente por influência do meu pai, outra vez o meu pai, militar e médico, mais militar do que médico.
De regresso à sua última «comissão» no chamado «Ultramar» e
porque na correspondência que trocava com ele escrevia sempre
muito sobre futebol (à custa daquilo que via [e ouvia] pela mão do
Vítor Santos), virou-se para o irmão e disse-lhe:
– Ó Vítor vê lá se dás uma oportunidade ao teu sobrinho porque
ele escreve muito bem!…
Estava eu, talvez um ano depois dessa reunião informalíssima de
família, a fazer os trabalhos do liceu, o telefone tocou, atendi e, do
outro lado da linha, o meu tio perguntou-me:
– Estás preparado para trabalhar para A Bola? (A Bola, naquela
altura, era uma das marcas portuguesas mais prestigiadas).
–…
– Olha, não tenho correspondente no Barreiro, vais fazer o Barreirense-U. Montemor (jogo da Zona Sul da II Divisão).
E lá fui. O liceu e depois a universidade. Mas nunca mais larguei
o jornalismo e, particularmente, o futebol.
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DOS PELADOS ÀS OBRAS FARAÓNICAS
Q
uando comecei a observar as coisas do futebol, a chamada
«escola francesa», muito inspirada nos métodos de Ferdinand
Sastre e Georges Boulogne, que no início da década de setenta lançaram os chamados centres de formation (centros de formação), Portugal debatia-se com o problema dos campos pelados e com a existência de estádios pouco funcionais, sobretudo incapazes de dar
respostas efectivas e credíveis na área do treino. Mesmo na chamada
competição profissional, no universo dos clubes, considerando o
facto de, em quase setenta anos de prova ao mais alto nível – ao
nosso nível –, só se terem achado cinco campeões nacionais, sinal de
uma bárbara macrocefalia, esses emblemas tardaram em acompanhar o andamento do «comboio europeu» da modernização dos seus
parques desportivos. Houve muita modorra.
Quando andava atrás dos Baías e dos Figos um pouco por todo o
lado – com muitas paragens entre aeroportos, hotéis e estádios de
futebol – e atrás dos miúdos que nunca se fizeram Figos, desaparecidos na floresta do falso profissionalismo, abandonados à nascença
ou num período delicado da sua adolescência, já marcados pelo chicote dos seus poucos saberes, ora em França, Suíça, Áustria e Alemanha, ora nos então chamados «países de Leste» (guardo muitas
memórias da União Soviética, República Democrática Alemã,
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Checoslováquia e Jugoslávia), as Selecções Nacionais eram chamadas a jogar nos respectivos «Europeus» ou em jogos de carácter amigável em Estádios pequenos, com capacidade para 10 000 a 15 000
pessoas, raramente sendo protagonistas em grandes palcos como se
já estivessem num patamar superior de desenvolvimento, à porta do
camarim das vedetas. Estava habituado a ver os nossos jovens, envergando a camisola das quinas, a jogar em Portugal no Estádio Nacional, na Luz, em Alvalade, nas Antas e, num primeiro impacto,
achava aquilo uma menoridade. Mas rapidamente compreendi que
«aquilo» era uma consequência das políticas regionais e, também, a
forma correcta de desenvolver o desporto. Sem megalomanias, de
baixo para cima, imunes às obras faraónicas tão do agrado do nosso
Portugal. Lembro-me sempre das assimetrias arábicas entre as areias
do deserto e as construções preciosas do cosmopolitismo saudita.
Jogávamos em campos de lotação limitada, integrados quase sempre
em complexos desportivos com diversos relvados.
Há trinta anos falava com os meus botões: «Era disto que nós precisávamos em Portugal!» Cidades pequenas, orgulhosas do seu equilíbrio paisagístico e urbano, com muitos espaços verdes, tudo aquilo
que não via no solarengo torrão.
Escrevi muito sobre isso porque a experiência das viagens pela
Europa acordou-me para a visão da pirâmide invertida. Aqui, não
havia relva nem nos parques, nem nos campos de futebol, alguns dos
quais tinham entretanto recebido a bênção de se chamarem Estádios.
Acentuava-se a disputa pela hegemonia clubística e todos os projectos de desenvolvimento perdiam-se nessa imparável epidemia de se
achar, em cada ano, um campeão. Era a guerra das palavras, era o
embuste das aquisições, era o feroz combate pelo controlo da arbitragem, era a espera curta pela manchete do dia seguinte que trazia,
em cor de sangue, as palavras altas dos barões cá da paróquia.
O tempo passava e pouco ou nada acontecia. Debaixo do sobreiro
ou no lugar mais alto da preconceituosa urbe, a paisagem era sempre a mesma. As escolas não tinham instalações desportivas e havia
universidades em que nem ao berlinde se podia jogar. Os clubes não
tinham campos de treino, andavam a saltitar, como pardalitos, de
árvore em árvore. Confessava-me: «Mas como se pode ter um
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Desporto saudável se há atletas mas não há relvados, se há clubes
mas não há campos para pôr os jovens a treinar?!» E a pergunta estalava-me na cabeça em forma de pesadelo: «Alguma vez será possível
recuperar o atraso?!!!»
Nos primeiros dez anos da nossa jovem democracia tinha o
impulso de me revoltar intelectualmente contra os quase cinco decénios de fascismo. Não podia ouvir falar de Salazar. Sabia que o fascismo tinha muitas culpas mas depressa ia percebendo que o novo
regime não dava resposta a tudo e, principalmente, não era capaz, no
futebol, de mudar as mentalidades. Observava na Federação Portuguesa de Futebol a dificuldade para se dar um passo. Não havia
Departamento Técnico das Selecções Jovens, não havia equipamentos,
os jogadores queixavam-se que tinham de utilizar as chuteiras levadas
dos clubes. Aumentava o número de presenças em torneios internacionais, em jogos oficiais e amigáveis, sob o pretexto de que o importante era «jogar para aprender». Arrepiava-me este conceito terceiro-mundista no espaço europeu. Os dirigentes catavam rounds atrás de
rounds para lutar por um bilhete de avião que os integrasse na comitiva. Começava a ser demasiada coisa: mudança de mentalidade,
necessidade de construir infra-estruturas e dar asas a um modelo sustentado de desenvolvimento, nos clubes e na Federação. Era óbvio que
o nosso futebol estava tomado pelo sonho. Protestei. Protestei muito
nas páginas do jornal que cedo acolheu os meus queixumes. Era como
se, em plena auto-estrada, me sentisse sozinho e em contramão
perante um enxame de motores. Nos jogos pode-se substituir jogadores ao intervalo. Mas no intervalo das nossas carências não se pode
substituir o país. Decidi lutar. Na esférica palavra o prazer de que não
me livro. Lutar contra os poderes instalados, proclamando a urgência
de emancipar o jovem jogador português contra essa tendência de
importar contentores de atletas oriundos das mais diversas paragens,
previamente etiquetados com a comissãozinha da ordem. O sr. Bosman, que não era melhor nem pior de chuteiras calçadas comparativamente ao magote de falsos craques que entupiram os acessos do
Estádio da Luz em tempos não muito recuados, achava-se um perfeito
desconhecido. Era preciso derrubar muros, quebrar fronteiras e tantos tabus construídos entre ditaduras e um capitalismo selvagem.
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Como ultrapassar esta sensação de que Portugal havia corrido
contra o seu tempo, sem nunca recuperar e agora se achava confrontado com uma velocidade europeia cada vez mais difícil de
acompanhar? Era possível colocar as pessoas certas nos lugares certos? Era possível gostar de futebol num País cujos cidadãos só se
dizem verdadeiramente apaixonados quando o seu clube do coração
consegue a proeza de ganhar?
Cedo comecei a interiorizar a ideia de que sendo o futebol a
modalidade desportiva mais procurada pelos portugueses, estes não
olhavam para ela com a genuína paixão pelo jogo. Mesmo num país
de escassa cultura desportiva, não é arriscado dizer-se que os portugueses não gostam de futebol. Se gostassem, olhavam para o jogo. Às
vezes vão ao estádio e estão de costas para o relvado, resumindo a
sua adesão a uma espécie de coreografia tribal, a partir da qual só
interessa a contundência do grito ou a brutalidade do gesto. Nem
todos são assim, é claro, até porque as claques assumiram, nos últimos anos, um protagonismo inusitado, muito por culpa da impreparação dos dirigentes, que se servem delas conforme lhes dá jeito.
O futebol em Inglaterra pode estar a viver uma má fase, qualitativamente falando, porque a descaracterização dos padrões clássicos
atingiu um ponto alto, com velhos e prestigiados emblemas condutores de equipas de escassa valia (o plantel do «Manchester United
2005-06» era de qualidade duvidosa), mas os adeptos continuam a
exibir aquela saudável paixão pelo futebol, mesmo quando o seu
«onze» preferido não ganha ou realiza um jogo mal-sucedido. Não
esqueço as finais da Taça de Inglaterra que vi, in loco, no velho
Wembley. A festa durou até às tantas, quer para vencedores quer
para vencidos. Não pude deixar de registar a diferença com o clima
vivido no futebol em Portugal, aprisionado nas questiúnculas da
arbitragem e nas guerrilhas intestinas do dirigismo, obrigando os
atletas a viver num regime de escravatura que os estimula a achar
uma nesga de espaço para poderem dizer indirectamente, através de
sistemas paralelos, no qual cabem agentes nem sempre escrupulosos,
aquilo que lhes vai na alma. Não há, no futebol português, cultura
de espectáculo. Os artistas escondem-se ou são metidos numa gaveta,
os treinadores acabam por ceder às condicionantes de uma indústria
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a partir da qual a oferta é maior do que a procura, gerando esta epidemia do século XXI – a peste negra do emprego precário. E a comunicação social «especializada», por medo e reverência, incapaz de se
agregar, não tem a força suficiente para liberalizar e democratizar a
intervenção do chamado agente desportivo. Perde-se em fulanizações
bacocas e discrimina, positiva e negativamente.
Costumo dizer que Portugal é um País fantástico para comer,
beber e descobrir, mas se alienasse a mentalidade dominante com a
facilidade com que os clubes alienam património, encaixando os
réditos da respectiva alienação, seríamos todos, porventura, mais
felizes. Por isso se fala, sem êxito, desde os tempos de Garret e Eça,
dessa empresa impossível, digo eu, da mudança de mentalidades.
Acabamos sempre a falar do mesmo quando, aqui e ali, resolvemos
confessar as nossas dores.
A Carta das Instalações Desportivas, segundo dados disponibilizados pelo Instituto de Desporto de Portugal (IND), em 2006, apontava para a seguinte realidade nacional:
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Campos de Futebol de 11
Pistas de Atletismo
Polidesportivos descobertos
Campos de Ténis
Pavilhões
Piscinas cobertas
Piscinas ao ar livre
2716
59
3510
1090
886
355
323
Construídos os «elefantes brancos» do prejuízo (é bom olhar para
as assistências e respectiva rendibilização dos estádios de Leiria,
Aveiro e Algarve) importa não perder de vista que até os clubes com
maior número de adeptos e receitas estão agora a pagar a factura
dessas construções. Estádios da modernidade, é certo, alguns dos
quais carregando «defeitos de fabrico», mas infra-estruturas que os
clubes não estavam em condições de pagar, nem mesmo a prazo, nem
mesmo com as contribuições estatais, sem que daí decorressem consequências a outro nível. A amortizar as dívidas aos bancos, os clubes empenham-se em fazer resultar uma engenharia financeira
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imperfeita para «equilibrar» os respectivos plantéis. Daí também o
anúncio repetido e quase sempre fracassado da contratação de
«grandes estrelas» e daí, igualmente, a consumação de negócios em
geral precários, cujos contornos – com este advento dos fundos de
investimento de jogadores de futebol – acaba sempre por não se
conhecer na totalidade. Foi o caso, no Verão de 2006, da aquisição
do internacional mexicano Kikin Fonseca pelo Benfica. Publicaram-se valores na ordem dos 2,5 milhões de euros. Ninguém questionou
esses valores, a não ser o empresário envolvido na operação que se
confessou «ultrapassado» e usurpado por José Veiga, até então director-geral da SAD benfiquista.
Quando Kikin, no começo do ano, abandonou o Benfica, sem
conseguir mostrar as suas credenciais, falou-se num «encaixe» de 3,5
milhões de euros. Informações pouco precisas, a fundamentar a ideia
de que os movimentos financeiros correspondentes às transferências
devem ser mais bem controlados para se garrotar a suspeita de que
há nestas transacções muita gente a ganhar dinheiro e a fugir ao
Fisco. Enquanto uns pagam, outros há a urdir mecanismos, mais ou
menos sofisticados, para evitar o pagamento de impostos.
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