baixa - Avatares Antenados

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baixa - Avatares Antenados
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
A PRESENÇA DO ROMANESCO NO CINEMA ITALIANO DO PÓS-GUERRA
LUCIANA DE GENOVA
RIO DE JANEIRO
2016
A PRESENÇA DO ROMANESCO NO CINEMA ITALIANO DO PÓS-GUERRA
LUCIANA DE GENOVA
Dissertação de Mestrado submetida ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do Título de Mestre em Letras
Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos;
opção: Língua Italiana).
Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo
RIO DE JANEIRO
Fevereiro 2016
FICHA CATALOGRÁFICA
De Genova, Luciana.
A presença do romanesco no cinema italiano do pós-guerra /Luciana De Genova. – Rio de
Janeiro: UFRJ/FL, 2015.
173f. : 30 cm
Orientadora: Annita Gullo
Dissertação (mestrado) – Faculdade de Letras, Departamento de Letras Neolatinas,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016.
Referências Bibliográficas: f. 167-173.
1. Romanesco. 2. Variação diafásica. 3. Roma città aperta. 4. Il sorpasso. 5. Viaggi di nozze. 6.
Cinema italiano do pós-guerra. I. Gullo, Annita. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. III.
A presença do romanesco no cinema italiano do pós-guerra.
A PRESENÇA DO ROMANESCO NO CINEMA ITALIANO DO PÓS-GUERRA
LUCIANA DE GENOVA
Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos; opção: Língua
Italiana).
Examinada por:
___________________________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Annita Gullo - FL/UFRJ
__________________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Lizete dos Santos - FL/UFRJ
______________________________________________________________________
Professor Doutor Rafael Ferreira da Silva - UFC
______________________________________________________________________
Professor Doutor Carlos da Silva Sobral - FL/UFRJ
______________________________________________________________________
Professor Doutor William Soares dos Santos - FE/UFRJ
RIO DE JANEIRO
Fevereiro 2016
RESUMO
A presença do romanesco no cinema italiano do pós-guerra.
Luciana de Genova
Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos;
opção: Língua Italiana).
Esta dissertação propõe observar a presença do romanesco no cinema italiano do pós-guerra.
O corpus a ser examinado é constituído por recortes de diálogos transcritos de três filmes
italianos de diferentes períodos: Roma città aperta (1945), de Roberto Rossellini; Il sorpasso
(1962), de Dino Risi; e Viaggi di nozze (1995), de Carlo Verdone. A escolha deste corpus tem
como objetivo geral observar as mudanças e a evolução do uso desta variedade linguística no
cinema, tendo como base teórica os estudos de Sergio Raffaelli (1992) e Eusebio Cicotti
(2001). Quanto ao aspecto metodológico, Fabio Rossi (1999) nos dá apoio para a
identificação do critério de coleta e tratamento dos dados. Com base nesses estudos, o critério
de seleção será a escolha dos fenômenos fonéticos, considerados reveladores da variação
diafásica; a frequência de tais traços permitirá identificar o nível de
formalidade/informalidade dos diálogos dos atores (fala fílmica) de cada filme e verificar se
há a presença do continuum linguístico romano. Para o estudo sobre as características e a
evolução do romanesco, temos ainda as contribuições de Tullio De Mauro (1993) e Pietro
Trifone (1992, 2008), que nos auxiliarão na identificação dos traços fonéticos desta variedade
presentes nas falas fílmicas, objeto principal de nossa pesquisa.
Palavras-chave: romanesco, variação diafásica, Roma città aperta, Il sorpasso, Viaggi di
nozze, cinema italiano do pós-guerra.
RIO DE JANEIRO
Fevereiro 2016
RIASSUNTO
A presença do romanesco no cinema italiano do pós-guerra.
Luciana de Genova
Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo
Riassunto da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos;
opção: Língua Italiana).
Questo studio propone di osservare la presenza del romanesco nel cinema italiano postguerra. Il corpus che verrà esaminato è costituito da ritagli di dialoghi trascritti di tre film
italiani di differenti periodi: Roma città aperta (1945), di Roberto Rossellini, Il sorpasso
(1962), di Dino Risi e Viaggi di nozze (1995), di Carlo Verdone. La scelta di questo corpus ha
l‘obbiettivo generale di osservare le variazioni e l‘evoluzione dell‘uso di questa varietà
linguistica nel cinema, avendo come base teorica gli studi di Sergio Raffaelli (1992) e di
Eusebio Cicotti (2001). Per quanto riguarda l‘aspetto metodologico, Fabio Rossi (1999) ci
supporta nella identificazione del criterio di raccolta e trattamento dei dati. Sulla base di
questi studi, il criterio di selezione sarà la scelta di fenomeni fonetici considerati rivelatori
della variazione diafasica; la frequenza di tali tratti permetterà di identificare il livello di
formalità/informalità dei dialoghi degli attori (parlato fílmico) di ogni film e di verificare se
siamo in presenza di continuum linguistico romano. Per quanto riguarda lo studio sulle
caratteristiche e l‘evoluzione del romanesco, possiamo contare sui contributi di Tullio De
Mauro (1993) e Pietro Trifone (1992, 2008), che ci aiuteranno nel processo di identificazione
dei tratti fonetici di questa varietà linguistica presenti nel linguaggio filmico, oggetto
principale della nostra ricerca.
Parole-chiave: romanesco, variazione diafasica, Roma città aperta, Il sorpasso, Viaggi di
nozze, cinema italiano post-guerra.
RIO DE JANEIRO
Fevereiro 2016
ABSTRACT
A presença do romanesco no cinema italiano do pós-guerra.
Luciana de Genova
Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos;
opção: Língua Italiana).
This study aims to observe the presence of the ―Romanesco‖ (Romanesque) in the Italian
cinema from the Second World War to the present day. The corpus under examination
consists of transcribed dialogues clippings of three Italian films from different periods: Roma
città aperta (1945) by Roberto Rossellini, Il sorpasso (1962), by Dino Risi and Viaggi di
nozze (1995), by Carlo Verdone. The choice of this corpus has the general objective of
observing the changes and developments in the use of this linguistic variety in the movies,
having as theoretical basis the studies of Sergio Raffaelli (1992) and Eusebio Cicotti (2001).
For the methodological aspect, Fabio Rossi (1999) gives us support in the identification of
criteria for the data collection and data processing. Based on these studies, the selection
criteria will be the choice of phonetic phenomena, that could be considered useful for
revealing the diaphasic variation; the frequency of such traits will allow to identify the level
of formality / informality of the dialogue of the actors (―fala fílmica‖: movie speaking) of
each film and to verify if there is the presence of the Roman linguistic continuum. For the
study of the characteristics and evolution of the ―Romanesco‖, we still have the contributions
of Tullio De Mauro (1993) and Pietro Trifone (1992, 2008), which will assist us in identifying
the phonetic features of this variety present in the movie speaking, main object of our
research.
Keywords: romanesco, diaphasic variation, Roma città aperta, Il sorpasso, Viaggi di nozze,
postwar italian cinema.
RIO DE JANEIRO
Fevereiro 2016
AGRADECIMENTOS
A meus pais, por terem sempre feito de tudo para me dar a possibilidade de estudar.
À minha mãe Janete, que sempre acreditou em mim, apoiando-me sempre, mais do
que qualquer pessoa, apesar da distância que nos separava.
À minha saudosa avó Irene Leão, que sempre me deu lições de doçura e bondade.
À Annita Gullo, que me acolheu tão bem e me aceitou como sua orientanda. Pela
paciência, pelo auxílio e pelas ideias e sugestões valiosas que direcionaram esta pesquisa.
Ao meu marido e companheiro, Marco, por ter entendido os meus momentos de
ausência, pelas horas dedicadas à revisão das transcrições dos filmes, pelos incentivos e pela
paciência nos momentos de desabafo.
Aos meus filhos Felipe e Henrique, que compreenderam a minha ausência como mãe
e me ajudaram nos momentos mais difíceis.
À Leyda, por ser mais que uma amiga, imprescindível para a realização das edições
dos três filmes do corpus.
À Professora Doutora Maria Lizete dos Santos, ao Professor Doutor Rafael Ferreira
da Silva e ao Professor Doutor William Soares dos Santos, que aceitaram gentilmente
participar desta banca.
A todos os Professores que me ajudaram a refletir sobre os rumos desta pesquisa,
mas em especial à Professora Doutora Maria Lizete dos Santos, pelo auxílio intelectual e pela
disponibilidade nestes dois anos de Mestrado.
Aos colegas Maria Lucilene Moreira Alves, Vitor da Cunha Gomes, Jefferson
Evaristo e Larissa Arruda, pelo suporte e companheirismo.
À CAPES, pela bolsa de estudo que financiou esta pesquisa.
Dedico esta Dissertação de Mestrado:
aos meus pais, João de Genova e Janete Luiza da Silva,
aos meus filhos, Felipe Ristuccia e Henrique Ristuccia,
e ao meu marido, Marco Saverio Ristuccia.
LISTA DE TABELAS
Tabela
Tabela 1: Diferenças entre comunicação escrita, falada e fílmica
Tabela 2: Traços fonéticos do personagem Pina no filme Roma Città Aperta
Tabela 3: Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Roma
città aperta
Tabela 4: Comparação das ocorrências da presença e ausência dos traços fonéticos
do filme Roma città aperta
Tabela 5: Traços fonéticos do personagem Bruno no filme Il sorpasso
Tabela 6: Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Il
sorpasso
Tabela 7: Comparação das ocorrências da presença e ausência dos traços fonéticos
no filme Il sorpasso
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87
108
112
114
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134
137
Tabela 8: Traços fonéticos do personagem Ivano do filme Viaggi di nozze
152
Tabela 9: Traços fonéticos do personagem Giovannino no filme Viaggi di nozze
153
Tabela 10: Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Viaggi
di nozze
Tabela 11: Comparação das ocorrências da presença e ausência dos traços
fonéticos no filme Viaggi di nozze
157
159
LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS
Figura
Figura 1: Exemplo do uso do programa AntConc 3.4 4w
Gráfico
Página
95
Página
Gráfico 1: Uso de traços fonéticos por parte de Pina (filme Roma città aperta) – 1
110
Gráfico 2: Uso de traços fonéticos por parte de Pina (filme Roma città aperta) – 2
111
Gráfico 3: Uso de traços fonéticos por parte de Pina (filme Roma città aperta) – 3
111
Gráfico 4: Uso de traços fonéticos no filme Roma città aperta – 1
115
Gráfico 5: Uso de traços fonéticos no filme Roma città aperta – 2
115
Gráfico 6: Uso de traços fonéticos no filme Roma città aperta – 3
116
Gráfico 7: Uso de traços fonéticos por parte de Bruno (filme Il sorpasso) – 1
133
Gráfico 8: Uso de traços fonéticos por parte de Bruno (filme Il sorpasso) – 2
134
Gráfico 9: Uso de traços fonéticos por parte de Bruno (filme Il sorpasso) – 3
134
Gráfico 10: Uso de traços fonéticos no filme Il sorpasso – 1
138
Gráfico 11: Uso de traços fonéticos no filme Il sorpasso – 2
138
Gráfico 12: Uso de traços fonéticos no filme Il sorpasso – 3
139
Gráfico 13: Comparação do uso de traços fonéticos dos personagens do filme
Viaggi di nozze – 1
Gráfico 14: Comparação do uso de traços fonéticos dos personagens do filme
Viaggi di nozze – 2
Gráfico 15: Comparação do uso de traços fonéticos dos personagens do filme
Viaggi di nozze – 3
155
156
156
Gráfico 16: Uso de traços fonéticos no filme Viaggi di nozze – 1
160
Gráfico 17: Uso de traços fonéticos no filme Viaggi di nozze – 2
161
Gráfico 18: Uso de traços fonéticos no filme Viaggi di nozze – 3
161
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 14
1 LÍNGUA E CINEMA ITALIANO A PARTIR DO PÓS-GUERRA.................................... 17
1.1 Alguns conceitos fundamentais ................................................................................................... 17
1.2 A relação da língua com o cinema italiano ................................................................................. 30
1.2.1 Língua italiana e dialetos antes do Neorrealismo ................................................................. 31
1.2.1.1 Os anos de ―Freddi‖ ...................................................................................................... 33
1.2.1.2 Os anos de guerra .......................................................................................................... 34
1.2.2 Língua italiana e dialeto no cinema italiano do pós-guerra .................................................. 35
1.2.2.1 Dialetalidade imitativa – Neorrealismo (1945-1952) .................................................... 35
1.2.2.2 Dialetalidade estereotipada – Neorrealismo rosa (1952-1962) ..................................... 45
1.2.2.3 Dialetalidade expressiva e reflexa (1962–final dos anos 1980) .................................... 49
1.2.2.4 Os últimos anos ............................................................................................................. 54
2 O ROMANESCO E SUA EVOLUÇÃO ................................................................................ 61
2.1 Das origens ao século XIV .......................................................................................................... 62
2.2 Séculos XV E XVI ...................................................................................................................... 65
2.2.1 A toscanização do século XV ............................................................................................... 65
2.2.2 A variação de registro e de classe na Roma do século XV .................................................. 66
2.2.3 A ―língua cortesã‖ ................................................................................................................ 69
2.2.4 Os efeitos linguísticos do Saque de 1527 ............................................................................. 69
2.3 Do século XVII à unificação ....................................................................................................... 70
2.3.1 Língua e dialeto no teatro romanesco do século XVII ......................................................... 71
2.3.2 Os romanos Peresio, Berneri e Micheli ................................................................................ 72
2.3.3 Giuseppe Gioachino Belli .................................................................................................... 72
2.4 Da unificação até os dias atuais................................................................................................... 73
2.4.1 Um modelo de língua burguesa ............................................................................................ 74
2.4.2 As principais variedades do repertório romano de hoje ....................................................... 77
2.4.3 O neorromanesco juvenil ..................................................................................................... 81
3 METODOLOGIA DA PESQUISA ....................................................................................... 83
3.1 Aspectos teórico-metodológicos ................................................................................................. 83
3.1.1 Observações sobre as transcrições e citações dos filmes ..................................................... 90
3.2 Coleta e tratamento dos dados ..................................................................................................... 94
4 ANÁLISE DO CORPUS ....................................................................................................... 97
4.1 Roma città aperta ........................................................................................................................ 97
4.1.1 Ficha técnica......................................................................................................................... 97
4.1.2 Sinópse de Roma città aperta............................................................................................... 97
4.1.3 Comentário linguístico ......................................................................................................... 98
4.1.4 Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Roma città aperta ....... 112
4.2 Il sorpasso ................................................................................................................................. 116
4.2.1 Ficha técnica....................................................................................................................... 116
4.2.2 Sinópse de Il sorpasso ........................................................................................................ 116
4.2.3 Comentário linguístico ....................................................................................................... 117
4.2.4 Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Il sorpasso................... 134
4.3 Viaggi di nozze .......................................................................................................................... 139
4.3.1 Ficha técnica....................................................................................................................... 139
4.3.2 Sinópse de Viaggi di nozze ................................................................................................. 139
4.3.2 Comentário linguístico ....................................................................................................... 140
4.3.4 Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Viaggi di nozze ............ 157
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 162
6 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 167
14
INTRODUÇÃO
O principal interesse deste estudo é observar a presença do romanesco, a variedade
dialetal urbana de Roma, no cinema italiano a partir da Segunda Guerra Mundial até os dias
atuais. Tal observação será feita através da análise de uma seleção de falas fílmicas (diálogos
dos atores) em romanesco extraídas de três filmes italianos de diferentes períodos históricos:
Roma città aperta (1945), de Roberto Rossellini; Il sorpasso (1962), de Dino Risi; e Viaggi di
nozze (1995), de Carlo Verdone.
O desejo de estudar a relação existente entre o romanesco e o cinema do pós-guerra
surgiu a partir da nossa experiência em Roma, onde, ao longo dos treze anos de nossa
permanência, pudemos ter contato com as diferentes variedades que compõem o repertório
linguístico romano.
Essa longa permanência em Roma sempre foi marcada por interrogações no que se
refere à complexa realidade linguística italiana. Neste contexto, pudemos nos deparar com
vários dialetos, que se diferenciam conforme a região, compondo um quadro de grande
riqueza cultural, reflexo da mosaica identidade italiana. Ao mesmo tempo, surgia uma questão
intrigante: a questão do emprego de muitas variedades linguísticas no cinema italiano, com a
predominância do romanesco.
Todas estas interrogações traduziram-se no interesse ainda maior pela cultura italiana
e pelos seus aspectos linguísticos, consolidando-se, anos depois, em um estudo sobre a
identidade italiana que fizemos com nossa orientadora, a Profª Drª Annita Gullo, através da
disciplina Papel da língua na constituição da identidade, cursada como aluna especial no ano
2013.
A partir desta experiência, fundamental para a escolha do tema da nossa pesquisa, o
nosso olhar voltou-se sempre mais para a possibilidade de reunir todas as nossas indagações e
tentar elucidá-las através do cinema italiano, dada a sua particular relevância como
propagador da língua italiana na Itália pós-unitária, além de sua efetiva contribuição para a
consciência da presença dos dialetos no país, como atestado por Tullio De Mauro (1995).
No que diz respeito à frequência do romanesco no cinema italiano, pudemos notar a
presença dessa variedade com tendência a tornar-se predominante na cinematografia italiana,
já na primeira metade do século XX, através da popularidade dos atores Aldo Fabrizi e Anna
Magnani, seguidos por Alberto Sordi, dentre outros. De fato, em certas situações
comunicativas, quase sempre informais, não nos foi raro ouvir de amigos romanos, e também
de italianos de outras regiões, frases de filmes pronunciadas por atores como Alberto Sordi e
15
Carlo Verdone, o que pode comprovar que tais códigos linguísticos tenderam sempre mais
para a projeção nacional, superando as barreiras geográficas.
Partindo desses pressupostos, caminhamos para a descrição do nosso trabalho, que
será dividido em cinco capítulos. No primeiro capítulo, apresentaremos alguns dos conceitos
que serão tratados nesta dissertação, a partir da sociolinguística, tais como: variedades
linguísticas, língua, dialeto, língua standard, língua neostandard ou italiano médio, continuum
linguístico, entre outros fundamentais para o entendimento da realidade sociolinguística
italiana. Para isso, contaremos com as contribuições de Gaetano Berruto (1995, 2015), Ugo
Vignuzzi (1994), Tullio Telmon (1993), Michele Cortelazzo (1992). Também examinaremos
algumas relações existentes entre língua italiana, dialeto e o cinema do pós-guerra, com foco
no romanesco, tendo como suporte teórico os estudos de Tullio De Mauro (1989, 1995),
Sergio Raffaelli (1985, 1986, 1992), Gian Piero Brunetta (2001), Fabio Rossi (1999, 2006,
2007), Antonella Stefinlongo (2012), Eusebio Ciccotti (2001), entre outros.
No segundo capítulo abordaremos os pontos principais da história linguística de
Roma, assim como da evolução do romanesco. Como base teórica, utilizaremos os trabalhos
de Tullio De Mauro (1989, 1995), Pietro Trifone (1992, 2008), Paolo D‘Achille (2012),
Antonella Stefinlongo (2012), entre outros estudiosos do tema. Além disso, trataremos da
questão das variedades que compõem o continuum linguístico romano, que será relevante para
a identificação do grau de formalidade/informalidade das falas fílmicas (diálogos dos atores).
No terceiro capítulo, trataremos dos aspectos metodológicos que servirão de base
para a análise do nosso corpus. Partiremos das contribuições de Fabio Rossi (1999), no que se
refere à definição de fala fílmica, bem como das suas características com relação à fala
espontânea e à fala escrita. O método utilizado pelo estudioso na análise dos filmes consiste
na identificação da frequência de alguns fenômenos fonéticos, morfossintáticos e lexicais, de
um ponto de vista linguístico, e não semiológico, nem estético.
Convém destacar que, para o presente trabalho optamos por fazer um recorte da
metodologia proposta por Rossi, focando, assim, somente na identificação dos traços
fonéticos para a identificação do grau de formalidade/informalidade da língua usada, ou seja,
a variação diafásica.
Além dos estudos acima nominados, que servirão de alicerce para a metodologia,
buscaremos, nas obras de Pietro Trifone (2008), Paolo D‘Achille (2012) e Antonella
Stefinlongo (2012), os traços fonéticos indicadores de informalidade, fundamentais para a
identificação e categorização das variedades presentes no continuum romano. Além disso,
para que o nosso corpus possa ser introduzido ao leitor, indicaremos, no mesmo capítulo,
alguns links do canal YouTube com trechos dos três filmes selecionados.
16
No Capítulo 4 analisaremos as transcrições das cenas dos filmes que compõem o
nosso corpus. Primeiramente, reportaremos a ficha técnica com algumas informações
relativas a cada filme. Sucessivamente, apresentaremos a sinópse do filme, seguida pelos
nossos comentários, com exemplos de trechos transcritos, além de um quadro relativo a cada
filme com os traços fonéticos identificados e o seu número de ocorrências, seguido de outro
quadro comparativo em que são evidenciadas a presença e/ou a ausência de cada traço
fonético. Por último, apresentaremos alguns gráficos ilustrativos dos traços relevados e
comentados.
Passemos, então, ao desenvolvimento desta tese, que não têm a pretensão de ser
conclusiva ou de emitir juízo, mas, sim, objetiva ressaltar os aspectos mais relevantes das
análises das falas fílmicas, e assim, quem sabe, auxiliar novos caminhos de pesquisa na área
de língua italiana.
.
17
1 LÍNGUA E CINEMA ITALIANO A PARTIR DO PÓS-GUERRA
Tendo em vista o foco principal de nossa dissertação - a observação da presença do
romanesco no cinema italiano a partir do segundo pós-guerra até os dias mais recentes -,
proporemos, na primeira parte deste capítulo (1.1), a definição de alguns conceitos referentes
à situação sociolinguística italiana, haja vista a realidade multicultural e plurilíngue da
península italiana. Na segunda parte (1.2), introduziremos a relação do cinema com a língua
italiana e os dialetos, e destacaremos a sua importância para a unificação linguística pósunitária: no subitem 1.2.1, apresentaremos esta relação desde o nascimento do cinema sonoro
até o período de guerra, como introdução ao 1.2.2 quando abordaremos o período do pósguerra, que coincide com toda a produção do Neorrealismo, passando pelo Neorrealismo rosa,
pela comédia à italiana, até o início do século XXI.
1.1 Alguns conceitos fundamentais
Apresentamos, a seguir, alguns conceitos que se referem à realidade sociolinguística
italiana. Para tanto, começaremos pela noção de sociolinguística, disciplina que estuda a
diversidade e a variedade da língua (das línguas), que fundamenta nosso discurso sobre a
presença do romanesco no cinema italiano. Esclareceremos, também, os objetivos dessa
ciência e a concepção de língua adotada pelas pesquisas nessa área.
Sendo assim, trazemos a definição de sociolinguística por Berruto (1994, p. 4-5):
[...] a sociolinguística é a disciplina que estuda a diversidade e a variedade da língua
(das línguas); e dado que as possíveis classes de variação da língua (das línguas) são
essencialmente quatro, dependem, isto é, de quatro variáveis fundamentais, ela
estudará principalmente como a língua (as línguas) é diversificada e muda (são
diversificadas e mudam): 1) através do tempo; 2) através do espaço; 3) através das
classes sociais; 4) através das situações sociais. Se quisermos privilegiar a visão
sincrônica, e excluirmos, então, o ponto 1), teremos que o objetivo da
sociolinguística é, em suma, segundo uma feliz fórmula ―jornalística‖ de Fishman,
procurar determinar quem fala qual variedade de qual língua, quando, com qual
propósito e com quais interlocutores. E podemos adicionar como, por que e onde. 1
1
[...] la sociolinguistica è la disciplina che studia la diversità e la varietà della lingua (delle lingue); e poiché le
possibili classi di variazione della lingua (delle lingue) sono essenzialmente quattro, dipendono cioè da quattro
fondamentali variabili, essa studierà in particulare come la lingua (le lingue) é diversa e cambia (sono diverse e
cambiano): 1) attraverso il tempo; 2) attraverso lo spazio; 3) attraverso le classi sociali; 4) attraverso le situazioni
sociali. Se vogliamo privilegiare la visuale sincronica, ed escludiamo quindi il punto 1), avremo che il compito
della sociolinguistica è insomma, secondo una felice formula ―giornalistica‖ di Fishman, cercar di determinare
chi parla quale varietà di quale lingua, quando, a proposito di cosa e con quali interlocutori. E vi possiamo
aggiungere come, perché e dove. (Todas as traduções para as citações retiradas de textos em italiano são de nossa
autoria).
18
Para o Gaetano Berruto, o assunto fundamental que levou ao desenvolvimento da
perspectiva sociolinguística sobre os fatos da língua foi a constatação de que a linguagem
verbal, além de ser uma das capacidades inatas dos seres humanos, formada por uma
estruturação autônoma, ao mesmo tempo é inerente à vida social e aos comportamentos
interacionais dos indivíduos.
Portanto, segundo o supracitado estudioso, torna-se necessário, para uma melhor
compreensão global dos fenômenos linguísticos, levar em conta as inter-relações entre a
língua e o ambiente social em que esta é empregada. Sendo assim, a língua é considerada pela
sociolinguística
[...] um sistema construído segundo os próprios princípios, mas é afetado também
pelas características dos usuários e das situações de uso. De alguma maneira, a
língua reflete dentro de si também os seu falantes, se assim quisermos dizer
(BERRUTO, 2005, p. 37). 2
Ainda para língua, podemos usar três definições de Berruto (1995, p. 215): uma
linguística – «é todo sistema linguístico, organizado em paradigmas e regras, com suas
peculiaridades em termos de características estruturais» 3 –; uma variacionista – «é a soma de
variedades de língua, que formam um diassistema» 4 –; e uma tipicamente sociolinguística:
é todo sistema linguístico socialmente desenvolvido, que seja uma língua oficial ou
nacional em qualquer país, que desenvolva muitas funções na sociedade, que seja
padronizado e que esteja em um nível superior com relação a outros sistemas
linguísticos subordinados presentes no uso da comunidade (que se são emparentados
com esta serão os seus dialetos). 5
A partir dessa definição, faz-se necessário, antes de tudo, a distinção entre dois
conceitos: o de língua e o de dialeto. Isso porque, ao pensarmos na realidade linguística
italiana, deparamo-nos com outras línguas que se diferem da língua oficial nos planos
morfológico, sintático, lexical e fonológico, embora não sejam reconhecidas como línguas,
sendo chamadas de dialetos.
2
[...] la lingua è un sistema costruito secondo i propri principi, ma risente anche delle caratteristiche degli utenti
e delle situazioni d‘uso. In qualche modo, la lingua riflette dentro di sé anche i parlanti, se vogliamo dire così.
3
è grosso modo ogni sistema linguistico (insieme di forme, paradigmi, regole, organizzato in numerosi
sottosistemi a diversi livelli d‘analisi) con una sua peculiarità in termini di caratteristiche strutturali.
4
5
è una somma di varietà di lingua, formanti un diassistema.
una lingua é ogni sistema linguistico socialmente sviluppato, che sia lingua ufficiale o nazionale in qualche
paese, che svolga un‘ampia gamma di funzioni nella società, che sia standardizzato e sia sovraordinato ad altri
sistemi linguistici subordinati eventualmente presenti nell‘uso della comunità (che se sono imparentati
geneticamente con essa saranno i suoi dialetti).
19
Para Berruto (1995, p. 222-23), os dialetos são:
as variedades linguísticas definidas na dimensão diatópica (geográfica), típicas e
tradicionais de uma região, área ou localidade. Como tais, os dialetos não são nunca
uma variedade standard (embora possam gozar de certo grau de padronização e
codificação), mas são subordinados a uma língua standard. Para estabelecer se um
sistema linguístico X é um dialeto da língua Y, são necessárias três condições: a)
que X tenha uma estrutura próxima da Y; b) que X tenha Y como língua-teto; c) que
6
X tenha parentesco genético com Y .
Partindo do fato de que os dialetos são sempre subordinados a uma língua standard,
apresentamos a definição a seguir, também de Berruto (1995, p. 215-16), segundo o qual
língua standard é "uma variedade de língua sujeita à codificação normativa e que vale como
modelo de referência para o uso correto da língua e para o ensino escolar. Toda língua que
tiver uma reconhecida variedade standard é uma língua standard." 7
O autor (1995, p. 220) utiliza ainda as definições de Ammon (1986), que qualificam
uma língua ou variedade de língua standard: «a) deve ser codificada, b) ―supra regional
(sic)‖, c) elaborada, d) própria das classes médio-altas, e) invariante, f) escrita)».8
Levando-se em conta as noções de língua, dialeto e língua standard ou padrão,
podemos afirmar que estas e outras variedades compõem um repertório linguístico, definido
por Berruto (1995, p. 72) como «o conjunto dos recursos linguísticos possuídos pelos
membros de uma comunidade linguística, ou seja, a soma de variedades de uma língua ou de
mais línguas empregadas em uma certa comunidade social» 9. A este propósito, Berruto
(1995, p. 73) afirma que tal soma de variedades não deve ser entendida como uma soma
linear, mas como uma relação de hierarquia e normas de emprego, que, nas palavras de
Coseriu (1981b), será chamada de «arquitetura da língua».
Partindo, então, da ideia de que o repertório linguístico é uma soma de variedades,
Berruto, em Fondamenti della sociolinguistica (1995, p. 75-76), define o termo variedade
6
sono le varietà linguistiche definite nella dimensione diatopica (geografica), tipiche e tradizionali di una certa
regione, area o località. In quanto tali, i dialetti non sono mai una varietà standard (anche se possono godere di
un certo grado di standardizzazione e codificazione); ma sono subordinati ad una lingua standard. Per stabilire
che un certo sistema linguistico X è un dialetto della lingua Y sono quindi necessarie tre condizioni: a) che X
abbia una buona vicinanza strutturale con Y; b) che X abbia Y come lingua tetto; c) che X abbia parentela
genetica con Y.
7
varietà di lingua soggetta a codificazione normativa e che vale come modello di riferimento per l‘uso corretto
della lingua e per l‘insegnamento scolastico. Ogni lingua che abbia una riconosciuta varietà standard è una
lingua standard. [...].
8
lo standard è tale in quanto è: (a) codificato, (b) sovraregionale, (c) elaborato, (d) proprio dei ceti alti, (e)
invariante, (f) scritto.
9
l‘insieme delle risorse linguistiche possedute dai membri di una comunità linguística, vale a dire la somma di
varietà di una lingua o di più lingue impiegate presso una certa comunità sociale.
20
como «um conjunto de traços congruentes de um sistema linguístico que co-ocorrem com um
certo conjunto de traços sociais, caracterizando os falantes ou as situações de uso» 10.
Neste sentido, as variedades de uma língua podem ser divididas em cinco dimensões:
diacronia, diatopia, diastratia, diamesia e diafasia.
As variedades diacrônicas – do grego khrónos: tempo – são aquelas que se
diferenciam ao longo do tempo em uma determinda comunidade linguística. Como exemplo,
tem-se a comparação entre o italiano contemporâneo e o italiano do início do século XX.
As variedades diatópicas ou geográficas – do grego tópos: lugar – se diferenciam
com base nos lugares onde são faladas, como, por exemplo, o italiano de Roma e o italiano de
Milão.
As variedades diastráticas acontecem no âmbito das diferentes classes sociais – do
grego dia: através de, e do latim stratum: camada, estrato. Elas ocorrem na relação do locutor
para com o interlocutor, em decorrência dos seguintes aspectos: faixa etária, sexo,
escolaridade, profissão, meio de convivência e classe social.
Já o plano diamésico – do grego mésos: meio (de comunicação) – diz respeito às
variedades que se diferenciam com base no meio ou canal da comunicação, como, por
exemplo, língua falada e língua escrita. Com o nascimento dos meios de comunicação, tem-se
uma terceira modalidade, que se coloca em uma posição intermediária entre a escrita e a fala,
denominada língua transmitida (SABATINI, 1997), ou seja, o italiano empregado nas
transmissões radiofônicas, nas conversas telefônicas, nas transmissões televisivas, no cinema
e, mais recentemente, na comunicação digital (e-mails, SMS, chat, redes sociais, entre outros)
11
.
Finalmente, na dimensão diafásica – do grego phásis: expressão, modo de falar –
temos as variedades que se manifestam através das diferentes situações comunicativas, que
consistem nos diferentes modos pelos quais são realizadas as mensagens linguísticas em
relação ao contexto presente na situação. O falante faz um uso diferenciado da língua de
acordo com o grau de monitoramento, formalidade, que será necessário no ato da
comunicação oral.
10
un insieme di tratti congruenti di un sistema linguistico che co-occorrono con un certo insieme di tratti sociali,
caratterizanti i parlanti o le situazioni d‘uso.
11
As principais características da língua transmitida, bem como as suas diferenças com relação à língua escrita e
falada, serão retomadas e aprofundadas no item 3.1.
21
Dentro da dimensão diafásica, existem dois tipos de variedade: a primeira é ligada à
finalidade do ato comunicativo, gerando as línguas especiais (língua da matemática, dos
meios de comunicação etc.); a segunda vai depender do maior ou menor grau de intimidade
entre os falantes e do nível de formalidade estabelecido entre eles, os chamados registros.
Os registros podem ser de caráter formal e informal. Dada a impossibilidade de se
dissociar completamente esses dois registros e de identificar os limites que os separam, tornase necessário colocá-los dentro de um continuum linguístico, que nos permitirá o
entendimento da relação entre as variedades a partir dos dois polos nos quais se encontram as
duas variedades mais distinguíveis, como explicado anteriormente.
Apresentaremos aqui as características gerais dos registros formal e informal, uma
vez que se encontram nos pontos extremos desse continuum e nos ajudarão na identificação
do grau de formalidade/informalidade nas falas fílmicas.
Segundo Berruto (2015, p. 171), o registro formal coincide com o italiano standard e
o italiano neostandard, sendo usado pelos falantes quando não se conhecem, ou quando não
têm intimidade, ou, ainda, quando há a necessidade de expressar respeito ou posição
hierárquica.
Ainda de acordo com Berruto (2015, p. 171-72), a formalidade é um caráter
extrínseco de uma situação comunicativa, determinado por fatores sociais e culturais: uma
situação é mais formal quando é mais baseada no respeito e nas normas de comportamento
vigentes na comunidade; e é mais informal quando, ao contrário, essas normas de
comportamento são menos respeitadas.
Nesse sentido, o grau de formalidade de cada ocasião se situa em um continuum que
vai do máximo formal ao máximo informal e depende também de como a situação é
―construída‖ pelos participantes. Isso vai se refletir no comportamento linguístico através do
controle e do cuidado ao se falar e escrever.
Já no que diz respeito ao registro informal, Berruto (2015, p. 173) afirma que ele é
usado quando há familiaridade entre os interlocutores da comunicação ou em situações
descontraídas, ou quando o grau de planificação é mínimo. Também é usado em situações em
que há um forte envolvimento emocional ou quando quem está falando está cansado; enfim,
em todas as situações em que há um menor monitoramento linguístico.
22
Para Berruto (2015, p. 175), nos registros informais a velocidade de elocução é
normalmente mais alta do que nos registros formais e vai se realizar em vários níveis (lexical,
morfossintático, fonético). A seguir, optamos por apresentar somente os fenômenos ligados ao
nível fonético, uma vez que este é o recorte utilizado no presente trabalho:
a) alta tendência a apócopes, especialmente na primeira e terceira pessoa do plural
(sò/sono ‗sou‘; sò/sono ‘somos‘) e no infinitivo dos verbos (fà/fare ‗fazer‘), com
queda da vogal final quando é precedida por uma nasal ou vibrante (fan/fanno
‗fazem‘);
b) tendência à simplificação de nexos consonânticos ―difíceis‖, através da assimilação
(arimmetica/aritmetica ‗aritmética‘), da inserção de vogais de transição epentéticas
(in Isvizzera/ in Svizzera ‗na Suíça‘) e do cancelamento de consoantes (propio para
proprio ‗mesmo‘).
Para Berruto (2015, p. 175), ainda no que diz respeito à pronúncia, nos registros
informais é mais evidente a interferência de um substrato dialetal: devido a uma menor
atenção e a um menor cuidado no momento da fala, além de um menor controle da
enunciação, os falantes bilíngues produzem mais traços dialetais do que os que se exprimem
em um registro mais formal; e, no italiano regional de falantes monolíngues, tende-se a
eliminar menos elementos e traços localmente marcados.
Tendo em vista que essas cinco dimensões são variações da língua, passaremos agora
ao conceito de variação, partindo de uma ótica sociolinguística.
Segundo Berruto (Enciclopedia Treccani, 2011)
12
, variação linguística é o caráter
mutável das línguas, apresentando-se através das diferentes formas de comportamento dos
falantes. Para o estudioso, as línguas e as variedades de língua presentes no repertório de uma
comunidade não estão igualmente à disposição, ao mesmo tempo que não são possuídas na
mesma medida por todos os membros da comunidade. Nesse sentido, a variação se manifesta
nos comportamentos linguísticos não somente no uso de formas diferentes da língua, mas
também através do acesso diferenciado às variedades de língua e à escolha da variedade a ser
utilizada em uma certa interação verbal, o que é fortemente condicionado pela faixa social à
qual o falante pertence, como também pelo seu grau de instrução e, por último, pelas
características da comunidade deste falante.
12
http://www.treccani.it/enciclopedia/variazione-linguistica_(Enciclopedia_dell'Italiano)/ (Acesso em
20/01/2016).
23
Partindo desses conceitos-chave da sociolinguística, apresentaremos, a seguir, a
noção de continuum, com exemplos do continuum linguístico romano. Para o enquadramento
das falas fílmicas nas respectivas variedades linguísticas, faremos uma breve descrição dessas
variedades, fundamental para a apresentação da cronologia do cinema italiano que será feita
na segunda parte deste capítulo. Para tanto, contaremos com as contribuições de Gaetano
Berruto (2015), Tullio Telmon (1993), Michele Cortelazzo (1992), Francesco Sabatini
(1985a, 1990), Paolo D‘Achille (1990, 2010), Alberto Sobrero (1992), Antonella Stefinlongo
(2012), entre outros.
Berruto (2015, p. 19-27), em Sociolinguistica dell‟italiano contemporaneo, afirma que
as variedades de língua, classificadas conforme as dimensões vistas anteriormente, se dispõem
hierarquicamente em um certo espaço linguístico segundo uma rede de relações, constituindo
a «arquitetura da língua», assim denominada por Eugenio Coseriu (1981b).
Neste sentido, para entendermos estas relações existentes entre as variedades da
arquitetura do italiano, utilizaremos a noção de continuum, que poderá ser útil também para a
compreensão da situação linguística não só italiana, como também romana, uma vez que o
foco da nossa pesquisa é o romanesco.
Para uma noção inicial de continuum, Berruto (2015, p. 30-33) faz referência à
coexistência de diferentes variedades, entre as quais não há confins nítidos e drásticos, mas
graduais e esfumaçados, com pontos focais bem distintos e com margens sobrepostas. Na
situação linguística italiana, a língua-padrão, ou standard, e o dialeto local poderiam
constituir os extremos do continuum, entre os quais existem variedades intermediárias. Essas
duas variedades situadas nos extremos do continuum representariam, dessa maneira, a
variedade ―alta‖ e a variedade ―baixa‖ em uma situação de diglossia. Nesse sentido, Sgroi
(1981, p. 214-5) identifica uma situação de diglossia toda vez que um idioma (dialeto, língua
etc.) do repertório de uma comunidade goza de um status social diferente, superior com
relação aos outros, ou seja, toda vez que esse idioma tem um maior prestígio social.
Voltando o nosso olhar para a situação linguística romana, Antonella Stefinlongo
(2012, p. 22) afirma que, ao contrário de outras metrópoles italianas, onde coexistem pelo
menos dois códigos linguísticos estruturalmente muito distantes (o italiano standard e os
dialetos locais), o panorama linguístico de Roma é muito homogêneo e compacto, devido a
dois fatores: a) Uma forte coincidência de traços em todas as variedades do repertório; b) A
forte interação e parcial sobreposição de cada variedade do continuum com as variedades
imediatamente adjacentes.
Tudo isso faz de Roma um ótimo exemplo de continuum linguístico urbano, devido à
pouca diferenciação das variedades no seu interior.
24
Contudo, apesar dessa relativa homogeneidade, Stefinlongo (2012, p. 22) ressalta
que os polos do continuum se diferenciam: de um lado, tem-se a variedade alta (ou ―de
prestígio‖), representada pelo italiano (muito próximo ao standard); de outro, a variedade
baixa (ou ―de menor prestígio‖), muito próxima do dialeto. Consequentemente, as
condensações desse continuum coincidem com as faixas intermediárias, nas quais standard,
variedades e dialeto se misturam consideravelmente.
A variedade alta, ou ―de prestígio‖, é, segundo Stefinlongo (2012, p. 22-23), aquela
de língua falada na cidade pelas classes médio-altas, já no século XVIII, sendo muito próxima
do toscano. Apesar de ter a maioria dos traços em comum com o standard, esta parte do
continuum não está totalmente isenta dos traços marcados regionalmente e de intrusões das
variedades do continuum, que podem manifestar-se no léxico, nas estruturas morfossintáticas
e especialmente na fonética.
No extremo oposto da variedade alta, encontra-se a variedade baixa ou ―de menor
prestígio‖, considerada por Stefinlongo (2012, p. 23) a variedade dialetal. A esse respeito, a
autora observa que a interpretação dessa parte do continuum por alguns estudiosos é incerta e
discordante. Sendo assim, optamos, neste trabalho, pela denominação utilizada por
Stefinlongo, variedade dialetal urbana, obviamente sem deixar de lado a visão que alguns
estudiosos têm do romanesco como um dialeto e/ou italiano regional.
Stefinlongo (2012, p. 24) justifica a sua escolha por esse termo explicando que,
apesar do número relevante de traços fonomorfológicos que se contrapõem ao italiano, o
romanesco tem pouca autonomia no que diz respeito à sintaxe e ao léxico. Nesse sentido,
segundo a autora, o problema não está tanto no fato de constatar-se, de um ponto de vista
estritamente linguístico, que existe um código diferente que se contrapõe àquele dominante. O
problema está em estabelecer se esse código possui autonomia funcional e cultural, além de
linguística, e se é reconhecido e sentido pela comunidade como próprio.
Neste último caso, a estudiosa afirma que as respostas são negativas, pois, além do
preconceito por parte da própria comunidade relacionado ao uso dessa variedade dialetal, há
todo um contexto cultural que diz respeito a costumes e tradições que foram desaparecendo, o
que acaba tornando difícil a sobrevivência do romanesco.
Já no que tange à sua funcionalidade, podemos antecipar que o fato de o romanesco
não constituir um código alternativo ao italiano – no caso, para o uso informal – mas ser
considerado uma língua estigmatizada, utilizada pelas classes menos favorecidas, comprova
25
que o uso dessa variedade não é visto pelo viés da função, mas pelo conceito de valor social e
de prestígio. 13
Partindo, então, do conceito de continuum, com ênfase para a realidade
sociolinguística romana, continuaremos com a descrição das outras variedades linguísticas,
importantes para o entendimento do nosso trabalho. Tal descrição se dará a partir do conceito
de língua standard ou padrão, uma vez que há a necessidade de elucidar alguns pontos
fundamentais.
Primeiramente, Berruto (2015, p. 67) observa que nos últimos anos houve um
processo de repadronização do italiano, no sentido de que está se consolidando uma nova
norma que, em muitos aspectos, contrasta com a norma tradicional. Esse processo levou a
uma aproximação entre a escrita e a fala, visto que também a escrita típica está considerando e
acolhendo como normais traços até então tidos como peculiares da fala. De uma forma geral,
isso significa que também os traços substandard se aproximam da esfera do standard, dando
lugar ao italiano neostandard, ou italiano médio (expressão criada por Sabatini), considerado
a variedade-base na arquitetura do italiano contemporâneo.
No âmbito italiano dessa variedade, Francesco Sabatini (1985a) a nominou italiano
dell'uso medio, enquanto que Gaetano Berruto (2015) falou de neostandard. Com tais
escolhas terminológicas, os dois estudiosos tendem a enfatizar, respectivamente, a ampla
convergência da comunidade linguística sobre tal modalidade expressiva e a função de nova
referência normativa que esta assumiu.
Com relação a essa variedade, apresentamos o conceito de Alberto Sobrero (1992, p.
5), o qual, por sua vez, utilizou a terminologia de Berruto (1987):
O neostandard é difundido nas classes médio-altas e na parte mais culta da
população e é realizado mais na fala oral do que na escrita. A etiqueta de
neostandard refere-se ao fato de que neste nível, hoje em plena evolução,
encontramos um grande número de formas que aos poucos ―vieram‖ dos níveis
inferiores (substandard): antes relegadas à área das formas "coloquiais" (ou, como
diziam os vocabulários, "triviais"), agora se difundem e são aceitas na língua
nacional. O standard, assim, por sua vez, amplia os próprios confins. 14
Partindo, então, das noções de standard e neostandard, utilizaremos o critério de
Ciccotti (2001, p. 296) para identificar essas duas variedades nas falas fílmicas: quando
13
Todos esses aspectos serão mais aprofundados no capítulo relativo à evolução do romanesco, mais
precisamente no item 2.4.1.
14
Il neo-standard è diffuso nelle classi medio-alte e nella parte più acculturata della popolazione, ed è realizzato
nel parlato più che nello scritto. L'etichetta di neo-standard si riferisce al fatto che su questo livello, oggi in piena
evoluzione, troviamo un gran numero di forme che via via "risalgono" dai livelli inferiori (sub-standard): prima
relegate nell'area delle forme "colloquiali" (o, come dicevano i vocabolari, "triviali"), ora si diffondono e sono
accettate nella lingua nazionale. Lo standard così, a sua volta estende i propri confini.
26
ocorrem diálogos em italiano não fortemente regionalizado na direção da variedade alta, estes
estarão entre o neostandard e o standard. Sendo assim, chamaremos de standard as falas
fílmicas que seguem uma gramática correta e têm uma sintaxe e fonologia de base florentina,
com pouquíssimas entonações regionais; de neostandard, em contraposição, chamaremos os
diálogos com aberturas fonológicas para o regional mais marcadas, mas não tão fortes como o
italiano regional.
Ainda na visão de Berruto (2015, p. 26), o neostandard é, por um lado, um
conglomerado com o standard, mas sendo, por outro, sensível à diferenciação
diatópica, correspondendo fundamentalmente, portanto, nos usos concretos dos
falantes, com um italiano regional culto médio. As duas etiquetas são quase
sinonímicas e são utilizáveis indistintamente de acordo com os aspectos que
queremos colocar em evidência: com italiano neostandard, acentuamos os aspectos
unitários, sobretudo morfossintáticos, que constituem a larga base comum dos
empregos do italiano comum em falantes cultos (muito cultos ou mediamente
cultos); com italiano regional culto médio, acentuamos a diferenciação geográfica
15
que será percebida na grande maioria dos utentes [...].
Os italianos regionais, pertencentes às variedades diatópicas, na visão de Tullio
Temon (1993, p. 100), são «sistemas dialetais intermédios, autônomos, coerentes, dinâmicos e
dialetal ‗primário‘» 16. Michele Cortelazzo (1992, p. 269) completa essa definição afirmando
que é: «um subconjunto coerente de italiano fortemente influenciado, em todos os níveis,
pelo dialeto, ao ponto de que os traços identificadores desse italiano, que o diferenciam de um
(hipotético) italiano médio, são quase sempre traços locais». 17
Já a noção de italiano popular sempre foi muito debatida por vários linguistas 18, mas
é com Tullio De Mauro (1970a) e com Cortelazzo (1972) que tal noção encontra a sua
primeira definição conceitual. Para o primeiro, configura-se como o «modo de se exprimir de
um inculto que tenta utilizar, sem muita intimidade, a língua ‗nacional‘, o italiano» e
representa «uma modalidade, [...] uma norma de uso da língua italiana que pode denominar-se
15
conglobato con lo standard da un lato, ma dall‘altro sensibile a differenziazione diatopica, e corrispondente
quindi fondamentalmente nei concreti usi dei parlanti a un italiano regionale colto medio. Le due etichette sono
quasi sinonimiche, e sono usabili intercambiabilmente a seconda degli aspetti che vogliamo mettere in rilievo:
con italiano neostandard mettiamo l‘accento sugli aspett unitari, soprattutto morfossintattici, che constituiscono
la larga base comune degli impieghi dell‘italiano da ritenere normali presso parlanti colti (molto colti o
mediamente colti); con italiano regionale colto medio mettiamo l‘accento sull‘emergere della differenziazione
geografica che sarà percepibile nella gran maggioranza degli utenti [...].
16
sistemi dialettali intermedi [...], autonomi, coerenti, dinamici, e relativamente strutturati, nei quali
l‘interferenza di completamento è costituita dal sostrato dialettale primario.
17
un sottoinsieme coerente di italiano fortemente influito, a tutti i livelli, dal dialetto, al punto che i tratti
identificanti di questo dialetto, quelli che lo differenziano da un (ipotetico) italiano medio, sono proprio, e quasi
solo, quelli locali.
18
(DE MAURO, [1963]; CORTELAZZO, 1972; BRUNI, 1984; MIONI, 1983a; FORESTI, 1983; SANGA,
1984; D‘ACHILLE, 1994).
27
‗italiano popular unitário‘»
19
(DE MAURO, 1970a, p. 49). Posteriormente, o segundo
descreve o italiano popular como «o tipo de italiano imperfeitamente adquirido por quem tem
como língua-mãe o dialeto» 20 (CORTELAZZO, 1972, p. 11).
Berruto (2015, p. 133) observa que as definições de De Mauro e Cortelazzo
fundaram duas diferentes linhas interpretativas do conceito: a primeira atenta aos impulsos
comunicativos e expressivos e à realização de uma tendência de o falante usar o italiano de
qualquer maneira; a segunda, mais voltada ao caráter do produto, que parece um produto
anormal, ―imperfeito‖, derivante do contato direto com o dialeto. Berruto (2015, p. 157)
afirma que, nos últimos anos, os debates sobre esse conceito e sobre sua sobrevivência
continuam; neste sentido, o estudioso concorda com D‘Achille (1994, p. 45-6), quando este
sublinha que italiano popular é a etiqueta que indica a produção linguística dos semicultos e
acrescenta que esse conceito «não se refere somente à produção oral e escrita destes, mas
também àquela dos incultos quando falam em italiano e não em dialeto»
21
, recuperando
também a dimensão social da variedade, que, ainda segundo o autor, muitas vezes é deixada
de lado pelos linguistas.
A respeito da sobrevivência do italiano popular unitário
22
, D‘Achille (2010a)
concorda com os autores que afirmam que há o enfraquecimento do italiano popular no
repertório italiano atual; mas Berruto (2015, p. 158) se posiciona diversamente, argumentando
sobre a sua vitalidade e o reconhecimento da sua existência atual como variedade diastrática
baixa na arquitetura da língua.
Já para o conceito de italiano literário ou italiano standard literário, seguimos a
definição de Berruto (2015, p. 26):
o italiano standard literário não quer dizer tout court ―língua das obras literárias‖
[...] mas, sim, ―língua de nível literário‖, apoiada na tradição literária. Trata-se da
língua que é descrita e regulada pelos manuais de gramática; em princípio, não é
23
marcada nem diatopicamente, nem socialmente.
19
modo di esprimersi di un incolto che, sotto la spinta di comunicare e senza addestramento, maneggia quella
che ottimisticamente si chiama la lingua ‗nazionale‘, l‘italiano» e representa «una modalità, [...] una norma d‘uso
della lingua italiana che può denominarsi ‗italiano popolare unitario.
20
il tipo di italiano imperfettamente acquisito da chi ha per madrelingua il dialetto.
21
non si riferisce solo alla produzione scritta e orale dei semicolti, ma anche a quella orale degli incolti quando
parlano in italiano e non in dialetto.
22
23
O termo ―unitário‖, neste caso, indica o período pós-unitário.
l‘italiano standard letterario, che non vuol dire tout court ‗lingua delle opere letterarie‘ [...] piuttosto ―lingua di
livello letterario‖, apoggiata nella tradizione letteraria. Si tratta della lingua che è descritta e regolata dai manuali
di grammatica; in linea di principio, non è marcata né diatopicamente, né socialmente.
28
Na realidade, segundo o autor, além de ser pouco representado na fala, o italiano
literário é levemente marcado diastraticamente, dado que, em virtude das características da
história linguística italiana, ele é verificável somente em pequenas elites intelectuais ou, mais
tipicamente, em grupos profissionais específicos (atores, speakers, falantes que fizeram curso
de dicção).
A seguir, trazemos também a definição de fala dos jovens, uma vez que esta
variedade também estará frequente na cinematografia italiana. Segundo Michele Cortelazzo
(1994, p. 292-93), a fala dos jovens, ou ―linguagem dos jovens‖ (termo utilizado pelo
estudioso), é o resultado da mistura de variedades: italiano coloquial, dialeto, gírias, língua da
publicidade e dos meios de comunicação e línguas estrangeiras.
Dada essa presença de muitas fontes linguísticas, o italiano dos jovens não pode ser
considerado uma única variedade, mas, sim, uma soma delas. Sendo assim, é considerado
unanimemente pelos estudiosos (COVERI, 1988; SOBRERO, 1992) uma variedade diafásica
do italiano: o uso da linguagem dos jovens não é condicionado somente pela adesão a um
grupo de jovens, mas, sim, pela situação comunicativa – dificilmente um jovem usará esta
variedade quando fala de política ou quando desenvolve alguma atividade escolar.
Segundo Cortelazzo (1994, p. 294), não podemos esquecer, no entanto, que a adesão
a um grupo é condição necessária para o uso desse tipo de linguagem, tornando-a também
uma variedade diastrática, uma vez que a análise sociológica mostra que a utilização dessa
linguagem caracteriza, em diferentes modos, os jovens pertencentes às classes sociais médiobaixas, mas não os jovens da classe social alta.
Como esclarece o estudioso, a fala juvenil pode ser definida como a variedade de
língua oral usada por aqueles pertencentes aos grupos juvenis em determinadas situações
comunicativas (conversações espontâneas dentro do grupo e sobre temas centrais comuns a
todos, como a escola, o amor, o sexo, as amizades, as drogas etc.).
Dessa maneira, a colocação desta variedade pode ser representada no modelo
proposto por Berruto (2015, p. 24), situando-se, no eixo da dimensão diafásica, em um ponto
em que a dimensão diastrática está orientada para baixo e a dimensão diamésica, na direção
da escrita oral. Sua colocação resultaria, assim, contígua à das gírias.
O uso de uma forma particular de italiano pelos jovens teria três funções de acordo
com Cortelazzo (1994, p. 294-95): uma função identitária, que tem a finalidade de marcar a
adesão a um grupo; uma função lúdica, que se realiza através da deformação e hibridação de
outros sistemas linguísticos (dialeto, línguas estrangeiras); e uma função de autoafirmação
dentro do próprio grupo.
29
Os elementos dialetais são usados pela sua forte expressividade, especialmente são
utilizadas as áreas semânticas das palavras de baixo calão (incazzato ‗bravo‘; scazzato
entediado‘), das características físicas e morais consideradas negativas (ciospa ‗moça feia‘;
pirla ‗estúpido‘) e do sexo (arrapato ‗excitado‘, frocio ‗homosexual‘). A linguagem dos
jovens goza também de uma dimensão internacional, com empréstimos linguísticos que
demonstram um conhecimento das línguas estrangeiras maior do que as gerações precedentes:
anglicismos ligados ao mundo da droga (trip, overdose, pusher…) e à música amada pelos
jovens (heavy metal, reggae, rap…). A influência anglo-americana se nota também nas
interjeições expressivamente marcadas do mundo dos gibis (slurp, splash…) e no léxico da
informática (hardware ‗aspecto físico‘; è stato un floppy ‗foi um fracasso‘). Os hispanismos,
têm função lúdica através da cunhagem de pseudo-estrangeirismos (cucador ‗quem entende
de mulheres‘; arrapescion ‗excitação sexual‘; los dineros ‗o dinheiro‘). Devido à rápida
substituição geracional, a linguagem dos jovens é extremamente mutável: cada geração tende
a se diferenciar da anterior e muitos neologismos caem em desuso, como, por exemplo, a
palavra matusa para indicar os pais, que era muito difundida nos anos 1960 (RADKE, 1993,
p. 191-235).
Tendo em vista que a base da linguagem dos jovens é o italiano coloquial
(CORTELAZZO, 1994, p. 300), passaremos à apresentação dessa categoria.
O italiano coloquial constitui, juntamente com o italiano popular, o núcleo principal
do italiano substandard, uma vez que compartilham alguns traços, sendo até confundidos
entre si. Segundo Berruto (2015, p. 163), o traço discriminante entre as duas variedades
consiste na correlação com a proveniência social dos falantes:
o italiano coloquial pode ser empregado independentemente da classe social, por
falantes de todas as classes e com qualquer grau de instrução; tê-lo à disposição
depende, em parte, da estratificação social, na medida em que os falantes
culturalmente desfavorecidos têm acesso somente ao italiano popular, mas os traços
que o caracterizam não o correlacionam com fatores diastráticos. 24
Ainda de acordo com Berruto (2015, p. 163-65), a sua manifestação se dá no âmbito
oral, mas pode aparecer em usos escritos não formais, como na correspondência familiar ou
em diários etc. Trata-se, portanto, de uma variedade situacional, ou diafásica, que se reveza
com outras variedades situacionais dependendo do grau de formalidade, do empenho e dos
interlocutores, necessários para a situação comunicativa que se deseja instaurar.
24
l‘italiano colloquiale può essere adoperado in maneira independente dalla classe sociale di appartenenza, da
parlanti di ogni ceto e ogni grado di istruzione; l‘averlo a disposizione dipende in parte dalla stratificazione
sociale, nella misura in cui parlanti culturalmente sfavoriti hanno accesso solo all‘italiano popolare, ma i tratti
che lo caratterizzano non correlano con fattori diastratici.
30
Berruto considera o italiano coloquial um ―superregistro‖, que cobre uma ampla
gama de registros situados entre um extremo levemente informal e um extremo muito
informal (BERRUTO, 2015, p. 139). O nível que mais caracteriza o italiano coloquial é o do
léxico e o da fraseologia, com uso de termos genéricos e expressivos, como: far fuori ‗matar‘;
fregare ‗enganar‘, ‗roubar‘; scocciare ‗importunar‘; pizza ‗coisa chata‘; rompiscatole
‗importuno‘. São também frequentes os diminutivos com valor atenuante na afirmação: un
attimino ‗um segundinho‘; un filino ‗um pouquinho‘; un momentino ‗um momentinho‘.
1.2 A relação da língua com o cinema italiano
Antes de iniciarmos este excursus através do cinema italiano, cabe esclarecer, de
pronto, que a relação entre cinema e língua italiana percorreu uma via de mão dupla, segundo
Rossi (Enciclopedia dell‟italiano, 2010): a língua escrita e oral sempre foram influenciadas,
seja no léxico, seja no estilo, pelo cinema, assim como este sempre teve que se confrontar
com o italiano escrito e falado para criar uma comunicação funcional e eficaz e, ao mesmo
tempo, aceitável e agradável, realista e compreensível para um vasto público cultural e
linguisticamente heterogêneo. Isso, nas palavras do estudioso, é um «objetivo nada fácil, dada
a história linguística do italiano, caracterizada pela fragmentação dialetal e pela tardia
realização de uma fala média nacional» 25.
Completando as observações de Rossi, De Mauro (1995, p. 120) sublinha a
relevância do cinema italiano para a unificação linguística italiana no período pós-unitário,
uma vez que ele foi responsável pela propagação de modelos linguísticos italianos em
ambientes regionais e sociais onde o dialeto dominava. Portanto, o estudioso afirma que o
cinema foi, para uma grande parte da população, «a primeira fonte de conhecimento da língua
nacional» 26, sobretudo a partir do nascimento do cinema sonoro, em 1930.
No que se refere aos dialetos, segundo Rossi (2007, p. 25), o seu uso também
acompanhou o cinema desde as suas origens. Mais especificamente, sobre o romanesco,
Tullio De Mauro, em Storia linguistica dell‟Italia unita (1995, p. 124), sustenta que «o
romanesco do século XX, o que restava do velho dialeto de Roma, fortemente marcado por
25
Obiettivo tutt‘altro che facile, data la storia linguistica dell‘italiano, caratterizzata dalla frammentazione
dialettale e dal tardivo conseguimento di un parlato medio nazionale.
http://www.treccani.it/enciclopedia/cinema-e-lingua_(Enciclopedia_dell'Italiano)/ (Acesso em 28/12/15).
26
il cinema sonoro é stato dunque la prima fonte di conoscenza della lingua nazionale.
31
meridionalismos, sempre foi muito usado pelo cinema para dar forma linguística a histórias de
conteúdos populares ou popularizantes» 27.
Partindo destas últimas considerações, Anna Maria Boccafurni (2012, p. 131), em
seu ensaio Il romanesco nella cinematografia, afirma que o romanesco se faz ainda hoje
muito presente na cinematografia italiana. Além de destacar sua ampla utilização, a autora
chama a atenção para a sua capacidade de exprimir-se de maneira ―colorida‖ e eficaz,
tendendo a levar para a tela situações da vida cotidiana, colocando-se numa dimensão
realística e fazendo com que os espectadores se identifiquem com as histórias contadas. A
autora afirma ainda que, depois dos personagens inesquecíveis de Alberto Sordi em Un
americano a Roma, de Vittorio Gassman em I soliti ignoti e de Gigi Proietti em Febbre da
cavalo, o romanesco encontrou lugar também nas falas de outros atores, como Montesano,
Verdone, De Sica, Brignano, Tirabassi.
Mas, para compreendermos a presença do romanesco no contexto cinematográfico,
descreveremos os acontecimentos históricos que fizeram de Roma uma realidade única, se
comparada às outras metrópoles, os quais serão comentados no Capítulo 2.
Na segunda parte deste item (1.2), traçaremos um panorama histórico geral do
cinema a partir da Segunda Guerra Mundial (1.2.2), que coincide com o movimento chamado
de Neorrealismo, até os dias mais recentes, com alguns exemplos de falas fílmicas e
comentários sobre alguns filmes, tendo como base os estudos de Sergio Raffaelli (1983, 1992,
1996) e Fabio Rossi (1999, 2006, 2007). Sobre o emprego do romanesco fílmico na
cinematografia italiana, além dos autores já citados, utilizaremos as contribuições de Eusebio
Ciccotti (2001), o qual fez um panorama sobre a utilização dessa variedade linguística no
cinema no período que vai de 1943 a 1995.
Mas, antes, para um maior entendimento dos períodos em questão, não podemos
deixar de comentar brevemente o período que antecede o Neorrealismo e que coincidiu com o
nascimento do cinema italiano sonoro (1.2.1). Assim podemos trazer à luz a realidade italiana
daquela época, responsável por grandes transformações no cinema nacional.
1.2.1 Língua italiana e dialetos antes do Neorrealismo
Segundo Raffaelli (Enciclopedia del cinema, 2003) 28, o cinema sonoro (1930) impôs
aos produtores a elaboração de soluções linguísticas que fossem adequadas tanto às situações
27
il «romanesco» del Novecento, quello che resta del vecchio dialetto di Roma, fortemente venato di
meridionalismi, è stato ed è sempre più largamente adoperato dal cinema per dare forma linguistica a contenuti
popolari o popolareggianti.
32
comunicativas do filme quanto à capacidade receptiva dos espectadores. A Itália, ao contrário
dos outros países da Europa, possuía uma língua nacional elaborada e transmitida através da
escritura, sendo falada por poucos; ou seja, era uma língua privada de fluida coloquialidade,
fundamental na interação entre personagens fílmicos, o que acabou tornando obrigatória a
criação de uma linguagem fílmica adequada a essa necessidade.
Rossi (2006, p. 161) afirma que, na Itália, a língua escrita e a língua falada no filme
refletiam a real fragmentação geográfica e sociolinguística do país e, por outro lado,
respondiam à dupla natureza do cinema como meio de comunicação de massa: espelho e
escola de língua (SIMONE, 1987). Portanto, a tendência à normatização linguística de tipo
literário e a exigência de alcançar todo o público nacional contrapunham-se ao desejo de
despertar a identificação do público local através da adoção de expressões populares e
dialetais. Tal cruzamento de variedades linguísticas (dialeto, italiano standard, italiano
regional, italiano literário, italiano popular, italiano médio) acompanhará a fala fílmica
durante toda a sua história.
Além disso, Rossi (2006, p. 162-63) esclarece que, quando se fala de dialeto
cinematográfico, na verdade se trata ora de italiano regional, ora de uma língua híbrida
(criada pelo cinema e para o cinema), que combina, geralmente num mesmo diálogo,
fenômenos regionais com traços de italiano standard. Para o estudioso, são poucos os filmes
em dialeto puro e, quando é utilizado, tem como principal função ―colorir‖ o filme: é mais
falado por figurantes ou, no máximo, por personagens secundários; é mais falado por homens
do que por mulheres; mais por idosos do que por jovens; mais por pobres do que por ricos.
Voltando à cronologia delineada por Raffaelli (1992, p. 80), temos: de 1930 a 1945,
a fase dos ―anos da Cines‖ (de 1929 a 1934, com traços fonéticos regionais nos primeiros
filmes), a fase dos ―anos de Freddi‖ (de 1935 a 1939, rigorosamente dialetófobos) e a fase dos
―anos de guerra‖ (com um uso mais consistente dos dialetos, da caricatura ao realismo).
A seguir, para melhor compreensão desses diferentes momentos, comentaremos
brevemente sobre os anos que antecederam o Neorrealismo, principalmente a partir dos ―anos
de Freddi‖ (de 1935 a 1940), marcados pelo fascismo, levando à proibição do uso do dialeto
fílmico.
28
http://www.treccani.it/enciclopedia/lingua-del-film_(Enciclopedia-del-Cinema)/ (Acesso em 17/10/15).
33
1.2.1.1 Os anos de “Freddi”
Segundo Raffaelli (1992, p. 91), em 1935 a política linguística do regime estendeu-se
também ao cinema, até 1939, influenciando as escolhas linguísticas, contrárias às
manifestações regionalistas e estrangeiras e favoráveis a um monolinguismo de tipo literário.
O termo usado por Raffaelli para designar essa fase deve-se ao dialetofobo Luigi Freddi, que
comandava a Direção Geral para a Cinematografia de 1934 a 1939, permanecendo moderador
influente da política cinematográfica do regime até 1943.
Raffaelli (1983, p. 125-26) observa que a língua dos meios de comunicação nesses
anos, inclusive a cinematográfica, é submetida a uma ―normatização linguística‖ em que
vigora o controle sobre as ―palavras proibidas‖, ou porque estrangeiras ou, se italianas, porque
dissonantes do caráter ―romano‖ e ―imperial‖ da Itália.
Na mesma direção de Raffaelli, Rossi (2006, p. 168-69) constata que foram raros os
testemunhos dialetais desses anos. Alguns cômicos, como Totò, limitavam a dialetalidade a
variações regionais fonéticas do italiano. O dialeto era tolerado, todavia, nos personagens
secundários, como nos filmes do período do ―telefone branco‖, e em outros gêneros, cujo uso
servia mais para caracterizar personagens secundários e figurantes no sentido étnico e social
do que reproduzir fielmente a realidade linguística italiana.
Os filmes italianos do período do ―telefone branco‖, de 1930 a 1943, eram
caracterizados por ambientes burgueses, com decoração ostentosamente moderna e elegante,
onde aparecem telefones brancos à vista, símbolos de ascendência social. Parte da crítica
define este gênero como ―comédia húngara‖: são filmes ambientados principalmente na
Hungria e, muitas vezes, dirigidos por diretores húngaros ou inspirados em comédias
húngaras, em voga na Itália nos anos 1930 e 1940. A ambientação húngara servia para
prevenir a intervenção da censura, pois eram argumentos recorrentes o divórcio (na época
ilegal na Itália) ou então o adultério (ROSSI, 2007, p. 31).
Mas, apesar das leis do período fascista, que iam desde a aversão aos dialetos e
línguas estrangeiras à proibição do pronome pessoal de cortesia ―Lei‖, Rossi (2007, p. 36-37)
afirma que o cinema gozava de uma liberdade maior do que outros meios de comunicação e
expressão artística. Essa liberdade pouco vigiada devia-se à distração dos legisladores e
governantes, os quais preferiam confiar a outros meios de comunicação, como os jornais e os
documentários, as mensagens propagandistas. No cinema dos anos 1930 e 1940, portanto,
34
dialetos, gírias, variedades baixas e termos estrangeiros podiam circular bem mais que em
outras formas de comunicação.
1.2.1.2 Os anos de guerra
Nos anos de guerra (1939-1945), o uso fílmico do dialeto adquiriu mais vivacidade e
expressividade, apesar do período de repressão pelo qual ainda passava. Mas, como observa
Rossi (2006, p. 174), o regime fascista possuía uma alma dupla: por um lado, queria passar
uma imagem moderna e eficiente, principalmente no exterior, de uma única e ilustre língua
para uma nação compacta e forte, o que não condizia com a ruralidade e fragmentação dialetal
próprias da realidade do país; por outro, não queria renunciar a atitudes populistas, ligadas às
origens populares e dialetais dos italianos.
Raffaelli (1992, p. 99) afirma que, durante a guerra, a dimensão dialetal afirmou-se
também na produção dramática, mas nem sequer nessa fase as inserções – mesmo que amplas
e frequentes – conseguem ter mais que função simbólica, como a identificação étnicogeográfica, social e psicológica dos personagens ou a exaltação da Itália ―humilde‖.
Rossi (2006, p. 179) salienta que muitos atores provenientes do teatro dialetal
trouxeram uma substancial bagagem dialetal ao cinema: depois de Petrolini, Viviani e Dina
Galli, chegam outros atores dialetais célebres nos anos 1930, como o catanês Angelo Musco,
o veneziano Cesco Baseggio, Erminio Macario, os irmãos De Filippo, Anna Magnani e Totò,
e, em 1942, debutam também no cinema o ator genovês Gilberto Govi e o romano Aldo
Fabrizi.
Com relação ao último ator, Rossi (2006, p. 181) afirma que os três filmes estrelados
por ele (Avanti c‟è posto..., 1942, e Campo de‟ Fiori, 1943, ambos de Mario Bonnard; e
L‟ultima carrozzella, 1943, de Mattoli, sendo os dois últimos com Anna Magnani) inauguram
um romanesco realista das pessoas pobres, que, graças a Roma città aperta (com Fabrizi e
Anna Magnani), abrirá o caminho para o Neorrealismo. Em Avanti c‟è posto, Fabrizi
personifica totalmente o romanesco, e, de acordo com Raffaelli (1992, p. 99-100), certas
expressões usadas por ele, como «Che me ne frega», «Mo‟ questo viè», «Basta che se
magna»29, entram em sintonia com uma Roma documentária, em pleno clima de guerra.
Segundo Rossi (2006, p. 185-86), os três filmes acima comentados confirmam a
tendência do romanesco de tornar-se predominante na cinematografia italiana, sobretudo pelo
fato de Roma ser a capital do cinema, onde as histórias eram contadas e ambientadas. Além
29
Respectivamente: «Eu não me importo», «E agora ele vem», «Desde que eu coma».
35
disso, tais filmes foram responsáveis por introduzir gradualmente as temáticas da guerra e
pobreza, típicas do Neorrealismo.
1.2.2 Língua italiana e dialeto no cinema italiano do pós-guerra
Como informamos anteriormente, apresentaremos a seguir um panorama sobre o
emprego e a relação entre língua italiana, línguas e dialeto depois de 1945 até os dias atuais,
partindo das contribuições de Sergio Raffaelli (1983, 1992), Fabio Rossi (1999, 2006, 2007) e
Eusebio Ciccotti (2001). Começaremos apresentando a reconstrução cronológica feita por
Raffaelli (1992, p. 102), o qual dividiu seu estudo sobre o dialeto fílmico em três grandes
etapas: 1) etapa da ―dialetalidade imitativa‖ (entre 1945 e 1952); 2) etapa da ―dialetalidade
estereotipada‖ (até 1962); e 3) etapa da ―dialetalidade expressiva e reflexa‖ (a partir de 1962
até os anos 1980).
1.2.2.1 Dialetalidade imitativa – Neorrealismo (1945-1952)
Antes de iniciarmos a apresentação dos filmes pertencentes à corrente cultural
Neorrealista, é intenção discutir algumas definições, à luz dos estudiosos do tema.
Sobre as origens do termo Neorrealismo, Stefania Parigi (2014, p. 19-20) afirma que
tal termo entra no debate sobre o cinema italiano somente nos primeiros meses de 1948,
quando muitas obras do pós-guerra já tinham sido realizadas. Todavia, a autora aponta o
estudioso Sadoul (1947), o qual afirmava que tal palavra seria de origem francesa e teria sido
usada já nos anos 1930. De fato, o uso do termo no cinema precede o pós-guerra italiano e
está relacionado às obras dos autores do realismo poético: Jean Renoir, Marcel Carné, Julien
Duvivier.
Para a reconstrução do uso do termo Neorrealismo na Itália, Parigi (2014, p. 21) cita
os estudos de Gian Piero Brunetta (1993), que observa que o vocábulo é oficializado no
campo literário em 1928, por Ettore Lo Gatto. Este intitula de ―Dal futurismo al neorealismo‖
o primeiro capítulo do seu livro Letteratura soviettista.
Apesar de o uso da palavra ter tido início na literatura, boa parte dos intelectuais
reconheceu o cinema, devido a seu sucesso internacional, como primeiro detentor e centro
irradiador deste termo, conforme atesta Gianfranco Contini (1968) em Letteratura dell‟Italia
unita: «a etiqueta de Neorrealismo se atribui, antes mesmo que à narrativa, ao cinematógrafo
36
do pós-guerra» 30. Mas, ainda conforme Parigi (2014, p. 24), passariam muito anos antes que
os próprios diretores se reconhecessem sob uma etiqueta que julgavam limitada e constritiva.
No que concerne às origens do Neorrealismo, não podemos deixar de considerar os
movimentos literários que anteciparam e foram a base para o desenvolvimento dessa corrente,
como o naturalismo.
Roncoroni (1989, p. 239-40) relata que o naturalismo nasce na França na metade do
século XIX e tem como protagonistas escritores como Flaubert, Maupassant, Balzac e Zola,
sendo este último o fundador e maior teórico do movimento. Através da observação direta da
sociedade, Émile Zola determinou os princípios dessa corrente estética na teoria do Romance
experimental, que se contrapunha à literatura construída artificialmente de até então. Segundo
Zola, o escritor não deveria escrever da sua mesa de trabalho, mas deveria estar no meio das
pessoas, vivendo as situações nos lugares onde seriam inseridos os personagens de seu
romance; deveria anotar todas as suas impressões e, em casa, transcrever de modo imparcial e
distante, como um cientista relata o seu experimento. Nesse sentido, os naturalistas se
concentravam nos personagens que até então a literatura havia esquecido, especialmente a
plebe parisiense, os deserdados que viviam à margem da sociedade, os minadores e o
proletariado em geral, todos analisados em direta relação com o ambiente que os circundava.
Na Itália, em 1870, essa tendência ao real nasce com o nome de verismo, movimento
que se apropria das principais características do naturalismo, tais quais: o escritor-cientista
que reproduz a realidade vivida; a realidade social analisada e estudada cientificamente, tendo
como leis a hereditariedade e o condicionamento ambiental; e a escrita refletindo a realidade
como um documento objetivo, sem deixar transparecer a opinião do autor. Tendo em vista a
peculiar história italiana, no que tange à ―questão social‖ os veristas da época acrescentam a
―questão meridional‖, caracterizada pela divisão do país entre Norte e Sul em um atrasado
processo de industrialização, tendo como argumento principal as duras condições dos seus
lugares de origem, uma vez que a maioria dos escritores vinha do Sul da Itália. Sendo assim,
Roncoroni (1989, p. 240) afirma que o verismo adquiriu um ―caráter regionalista‖, já que a
realidade italiana mudava conforme a região.
Na realidade italiana, além de todas as características acima citadas, havia a questão
da língua, que, segundo o movimento, deveria aderir aos fatos e, portanto, abandonar as
formas retóricas e românticas; a língua devia ser «a expressão substancialmente objetiva do
mundo representado» 31 e compreender elementos dialetais como documentos da realidade. O
30
l‘etichetta di neorealismo si applica, ancor prima che alla narrativa, al cinematografo
dell‘immediato dopoguerra.
37
maior representante do verismo foi Giovanni Verga (1840-1922), o qual representou
objetivamente nos seus romances as pessoas humildes e oprimidas da sua Sicília, mas
mostrou também que a impessoalidade e a objetividade absolutas eram inalcançáveis e que o
papel do escritor era fundamental na descrição direta da realidade (RONCORONI, 1989, p.
241).
Parigi (2014, p. 32) observa que os críticos cinematográficos Alicata e De Santis
propõem que a obra de Verga é fonte de inspiração para um cinema que procure representar a
realidade das pessoas humildes e oprimidas, tornando-se o modelo de uma arte
revolucionária. Mas, além da influência verista, são de muita importância para os cineastas e
realizadores da época os ensinamentos de Umberto Barbaro, que, juntamente com Luigi
Chiarini, representa a voz de referência para a geração de jovens que se formaram no Centro
Sperimentale di Cinematografia em pleno regime fascista. Barbaro apresenta não somente os
clássicos soviéticos, as teorias de Pudovkin, Ejzenštejn, Balázs, Arnheim, mas elabora uma
ideia de cinema militante, baseada na contraposição com o cinema cômico-sentimental
(telefones brancos), propondo como alternativa um realismo de caráter nacional impregnado
da tradição meridionalista.
Seguindo as afirmativas de Parigi (2014, p. 33-35), a paixão verguiana de Alicata e
De Santis é compartilhada por Visconti: é desse período o seu primeiro projeto não realizado,
uma adaptação de L‟amante di Gramigna, censurada; além disso, havia a ideia de levar às
telas a Sicília de I Malavoglia, que se concretizará somente muitos anos depois com La terra
trema (1948). Mas a obra-manifesto do Neorrealismo, segundo a estudiosa, será Ossessione
(1943), que rompe com o cinema fascista e recebe influências da literatura americana e do
cinema realista francês de Carné e Renoir.
Nesta obra, Visconti revoluciona a concepção do personagem, que não corresponde
mais à artificialidade da comédia dos telefones brancos, mas encarna um homem vivo, que
tem a faculdade de criar o ambiente através das próprias paixões e de dar um sentido às coisas
que estão ao seu redor (PARIGI, 2014, p. 36).
A propósito dessa afirmação, Parigi (2014, p. 37-38) enfatiza que havia controvérsias
sobre a relação de Ossessione com o Neorrealismo, pois a crítica italiana considerava a obra
viscontiana um forte gesto de ruptura com o período pré-guerra e lhe dava o papel de ponte
entre o velho e o novo, enquanto que no exterior o filme acabou sendo englobado no corpo
neorrealista. De qualquer maneira, a autora observa que a estética de Visconti, muito diferente
da estética de De Sica e de Rossellini, apresenta em Ossessione algumas características que se
31
l‘espressione sostanzialmente obiettiva del mondo rappresentato.
38
repetirão em La terra trema: permanece a descrição da vida de pessoas comuns, em
ambientações que até então não eram consideradas pelo cinema, e a descrição de situações da
vida cotidiana. Devido a esses fatores, o filme, acompanhado de outros filmes dos anos 1940,
mostrou sinais de mudanças, sendo considerado pela crítica um dos precursores do
Neorrealismo italiano.
Durante a guerra, os críticos veem no cinema de propaganda dos primeiros anos
1940 alguns elementos propulsores de uma nova orientação realista, como é o caso da trilogia
de guerra de Rossellini: La nave bianca (1941), sobre a marinha; Un pilota ritorna (1942),
sobre a aviação; e L‟uomo dalla croce (1943), sobre o exército. As características principais
desses filmes são a ausência de atores famosos e a presença de atores não profissionais; há
também o desejo de documentar, de modo que as gravações são ao aberto, as histórias são
relacionadas à atualidade e os personagens não são heróis de romance, mas homens comuns.
Parigi (2014, p. 40-41) observa que a crítica da época denominou essas obras como
«documentário romanceado», indicando-as como filmes de propaganda «veristas», com
intenções patrióticas e antirretóricas: em vez da exaltação da guerra fascista, tem-se um olhar
piedoso na direção do sofrimento e das feridas dos indivíduos.
Assim como Roma città aperta e Paisà, os filmes de propaganda rossellinianos já
contavam com a presença do coro e do encontro/desencontro de culturas, etnias, ideologias e
classes sociais. Além desses fatores, Parigi (2014, p. 42) sublinha o filme Un pilota ritorna,
que introduz o plurilinguismo de Paisà.
Para Raffaelli (1992, p. 107), a principal contribuição do Neorrealismo foi ter dado
―dignidade‖ ao dialeto: «pela primeira vez na história da cinematografia italiana, o dialeto
encontrava-se ao lado do italiano e também das línguas estrangeiras, em uma posição de total
igualdade» 32.
O dialeto exibe a própria ―dignidade‖ já em Roma città aperta, filme que, segundo
Raffaelli (1992, p. 107), oferece uma representação linguística verossímil da Roma de 19431944. Temos, de um lado, o alemão dos militares ocupantes e, de outro, o romanesco do povo
e o italiano dos pequenos burgueses e dos não romanos: é o alemão como código da guerra, o
italiano da razão, o ―dialeto dos afetos‖; o romanesco e o italiano, dependendo da situação,
podem revezar-se ou mudar o grau de formalização, características que comentaremos na
análise do nosso corpus, no quarto capítulo.
Com relação ao uso do dialeto, Raffaelli (1996, p. 590) afirma que em Roma città
aperta o romanesco foi usado para criar uma relação de entendimento e sintonia emotiva
32
per la prima volta nella storia della cinematografia italiana, il dialetto si trovava accanto l‘italiano e anche
delle lingue straniere in una posizione di totale parità.
39
entre os romanos: «O dialeto, usado para criar laços exclusivos de entendimento e de sintonia
emotiva entre romanos, moveu-se ao longo de uma escala de variações que ia da
espontaneidade à ênfase vigiada».
33
Como exemplo, temos Pina com o filho e seu desabafo-
confissão a don Pietro (os traços fonéticos em romanesco são destacados em negrito):
(P: Pina)
*P: T‘ho detto tante vorte che nun ce devi stà su da Romoletto... Je devi dì che devi venì
subbito. Sbrighete. Nun te pèrde pe strada, eh!
*P: E la vita diventa sempre peggio... Ma chi ce la farà dimenticà tutte „ste sofferenze, tutte
„ste ansie, ‗ste paure...
Raffaelli (1992, p. 107) observa que o italiano também apresentou oscilações no
filme. Por exemplo, na conversa de Francesco com Pina, com a passagem gradual do
momento de afeto em forma dialetal («Piagni? Viè un po‘ de là») para afirmações universais
(ausência de dialeto):
(Personagem: *F: Francesco)
*F: Noi lottiamo per una cosa che deve venire. Forse la strada sarà un po‘ lunga e difficile...
ma arriveremo, e lo vedremo, un mondo migliore! E soprattutto lo vedranno i nostri figli.
Voltando às características do Neorrealismo, Rossi (2006, p. 189-90) aponta outro
aspecto inovador importante do movimento: o fato de ter dado voz central aos personagens
que antes eram apenas figurantes, abrindo caminho para a língua falada em dialeto. Para o
estudioso, isso tudo aconteceu em um momento em que a Itália estava finalmente
conquistando uma língua falada unitária e, portanto, podia reavaliar e pôr em cena, sem ter
vergonha, o plurilinguismo dialetal. O autor afirma que não foi por acaso que o aumento da
dialetalidade nos filmes subiu com o aumento da competência linguística dos italianos: de
fato, ele observa que os filmes neorrealistas registraram um sucesso de ―elite‖ (críticos e
intelectuais), enquanto que em nível popular foram preferidos filmes como Catene, de 1950,
de Raffaello Matarazzo, cujos protagonistas (um mecânico e uma dona de casa) não falavam o
napolitano de 1949, mas um italiano standard. A partir do Neorrealismo, portanto, o cinema
deixa de exercer a função de escola de língua (de 1954 até os anos 1970-1980, deixará à
televisão tal incumbência) para assumir o papel de «espelho das línguas» (SIMONE, 1987).
33
Il dialetto, usato per creare legami esclusivi d‘intesa e di sintonia emotiva fra romani, si mosse lungo una scala
di variazioni che andava dalla spontaneità all‘enfasi sorvegliata.
40
Mas será sempre um espelho simplificador, devido à estereotipia presente no cinema ou às
deformantes soluções expressionistas.
Contudo, como argumenta Raffaelli (1992, p. 103), a expansão do dialeto não foi
imediata e imponente, tanto é que a maior parte da produção italiana continuou a ser
integralmente italófona, dando-se preferência muitas vezes ao italiano standard, como nos
filmes: Miserabili, 1947, de Riccardo Freda; Cuore, 1948, de Duilio Coletti; Fabiola, 1948,
de Blasetti; In nome della legge, 1949, de Pietro Germi, além dos filmes melodramáticos,
como Catene, já mencionado anteriormente. Apesar disso, o estudioso evidencia que começou
a difundir-se uma corrente produtiva muito heterogênea, que desenvolveu uma tendência
existente já em plena guerra, aceitando inserções dialetais em um contexto italófono. Tal uso
novo do dialeto – novo nos objetivos, nas modalidades, nos resultados – foi de grande
importância histórica a partir de Roma città aperta, 1945, de Roberto Rossellini, filme que
marca o início da fase da ―dialetalidade imitativa‖.
Uma vez que o presente estudo é centrado no componente linguístico dos filmes,
combinando o estilo dos diálogos com as outras características típicas do Neorrealismo (as
intenções ideológicas, gravações ao aberto, atores não profissionais, sujeitos não literários,
presença do coro etc.), acreditamos ser necessário esclarecer o critério utilizado por Fabio
Rossi (2006), que chama de neorrealistas somente os seguintes oito filmes: Roma città aperta,
1945, de Roberto Rossellini (roteiro de Rossellini, Sergio Amidei, Federico Fellini); Paisà,
1946, de Rossellini (roteiro de Rossellini, Fellini, Amidei, Klaus Mann); Il sole sorge ancora,
1946, de Aldo Vergano (roteiro de Vergano, Guido Aristarco, Giuseppe De Santis, Carlo
Lizzani); Sciuscià, 1946, de Vittorio De Sica (roteiro de De Sica, Cesare Zavattini, Amidei,
Adolfo Franci, Cesare Giulio Viola); Ladri di biciclette, 1948, de De Sica (roteiro de De Sica,
Zavattini, Oreste Biancoli, Suso Cecchi D‘Amico, Franci, Gherardo Gherardi, Gerardo
Guerrieri); La terra trema, 1948, de Visconti (roteiro de Visconti e Franco Zeffirelli, além dos
habitantes de Aci Trezza e atores não profissionais do filme); Il cammino della speranza,
1950, de Pietro Germi (roteiro de Germi, Fellini, Tullio Pinelli); e Umberto D., 1952, de De
Sica (roteiro de Zavattini) (ROSSI, 2006, p. 102).
Nesta mesma direção, Raffaelli (1992, p. 109-110) observa que os filmes do
Neorrealismo e do pós-guerra foram numericamente poucos e inevitavelmente alterados pelo
processo de elaboração fílmica, sendo, para ele, confiáveis apenas os primeiros filmes
neorrealistas, como: Roma città aperta e Sciuscià, em que predomina o romanesco «‘Sto
morto de fame!»34 em contraposição psicológica e social ao italiano dos adultos; e Paisà,
34
Este morto de fome!.
41
1946, de Roberto Rossellini, filme de guerra que se desenvolve em seis etapas – da Sicília
(julho de 1943) ao Delta padano (abril de 1945), impõe-se como perfil de uma Itália
linguística, sobretudo dialetófona, em contato brutal com a língua estrangeira: (uma mulher)
«Ricuzzo! Madonna mia, cu è? Che volete, chi siete!?» ‗Ricuzzo! Minha Nossa Senhora,
quem é? O que querem, quem são?‘; (um soldado americano) «What can I do?» ‗O que posso
fazer?‘. A seguir, apresentaremos algumas reflexões feitas pelos estudiosos sobre os filmes
considerados neorrealistas.
Em Il sole sorge ancora, de Aldo Vergano, Rossi (2006, p. 196) verifica que houve a
utilização do dialeto lombardo, com exceção do protagonista, dublado, e das protagonistas. O
estudioso observa a discrepância entre o italiano dos personagens principais e o dialeto das
figuras secundárias do filme de Vergano, o que estaria de acordo com filmes dos anos 1930;
por outro lado, mostraria vários pontos em comum com Roma città aperta, sobretudo no uso
simbólico do plurilinguismo: além do italiano e do dialeto (com função ora ideológica, ora
afetiva), tem-se o alemão dos soldados ocupantes, o italiano dos alemães e o latim presente na
reza de don Camillo. Outro detalhe importante apontado pelo autor é que esse filme foi
financiado pela Associazione Nazionale Partigiani d‟Italia, tornando-o mais ideológicodidático que mimético-documentário e, talvez por essa razão, tenha sido visto como fora do
grupo de filmes neorrealistas por alguns críticos.
Rossi (2006, p. 196) concorda com a afirmação de Raffaelli no que diz respeito à
língua realista de Sciuscià, de De Sica, filme que representou quase sem censura o mundo
linguístico dos adolescentes marginais, recorrendo muitas vezes ao uso de palavrões – a fijo
de „na mignotta! ‗filho da puta!‘ – e a formas de dialeto arcaicas dichi/dici ‗diz‘. Tendo em
vista que em todos os filmes da época a língua das crianças era sempre artificial e muito mais
italianizada que a dos adultos, esse filme teve um forte impacto sobre o público. Já a partir do
título Sciuscià (deformação dialetal do inglês shoe-shine – em português, engraxate), percebese o desejo de se distanciar do italiano standard.
Mas é, segundo Rossi (2006, p. 199-205), Ladri di biciclette, também de De Sica, o
filme que melhor representa o Neorrealismo, pois sintetiza as características de documentário
do contexto histórico com uma estrutura narrativa e visual de grande efeito que não afeta a
fluidez natural da história. Para o estudioso, quase todo o mérito do filme se deve aos
diálogos, que perdem as características retóricas e moralistas da fonte
35
apesar da pós-
sincronização – presente em todos os filmes aqui comentados, com exceção de La terra
trema. Os dialogistas do filme optaram por um romanesco de nível médio-baixo para os
35
O filme é baseado no livro de Luigi Bartolini, Ladri di biciclette, 1946.
42
protagonistas e para os personagens secundários, em contraposição com o italiano formal da
burguesia. Como exemplo, temos a cena da missa beneficente organizada por um grupo de
pessoas ricas e religiosas, mas ao mesmo tempo insensíveis ao drama de Antonio; o italiano
standard e o latim tornam-se códigos da frieza, da hipocrisia e da indiferença da igreja,
quando se relaciona às pessoas pobres, todas dialetófonas.
La terra trema, de Luchino Visconti, é, para Rossi (2006, p. 208), um dos poucos
filmes nos quais o dialeto foi integralmente reproduzido, já que todos os personagens - não
atores, mas habitantes do lugar -, recitam utilizando a variedade catanese de Aci Trezza. O
filme é inspirado na obra verista I Malavoglia, de Verga, mas a moral do romance é
derrubada: em vez da fatalista aceitação do próprio status, Visconti apresenta a luta social e a
tentativa de emancipação por parte dos pescadores. Mas Rossi observa que, quanto à escolha
linguística, este filme demonstra uma artificialidade do ponto de vista pragmático e
sociolinguístico: os diálogos viscontianos foram, de fato, escritos em italiano e depois
traduzidos pelos próprios atores, com a ajuda de Franco Zefirelli e Francesco Rosi; tal
processo de tradução tornou os diálogos se tornassem longos e articulados, não combinando
com o ambiente social, perdendo, assim, a sua espontaneidade popular.
Comentando sobre o filme Il cammino della speranza, de Pietro Germi, Raffaelli
(1992, p. 111-12) observa que a maioria dos personagens se exprime em um italiano quase
sem sotaque, com exceção de alguns personagens secundários nos quais se verifica presença
de sicilianismo fonético nos mafiosos menores, embora a intenção de denúncia pudesse pedir
a adoção do dialeto. Mas, ao mesmo tempo, o filme apresenta-se como um diário coral de
uma transmigração de sicilianos à procura de trabalho no exterior, através da Península e das
suas diversidades linguísticas, participando, desse modo, do clima neorrealista.
Concluindo os comentários sobre os filmes neorrealistas, Raffaelli (1993a, p. 31-32)
observa que em Umberto D., 1952, de De Sica, diferentemente dos filmes precedentes, a
trama dá espaço a um protagonista único: o ator-professor Carlo Battisti 36. O filme mostra o
seu engajamento social, dedicado ao problema das aposentadorias muito baixas e da
depressão dos idosos. De um ponto de vista linguístico, o texto de Umberto D. «propõe uma
representação verdadeira e artisticamente funcional do vasto repertório dos recursos
comunicativos verbais de uma Roma etnicamente e socialmente heterogênea»
37
. De fato,
temos o italiano formal e sem sotaque: «Vorrei tenerlo ancora un po‟ qui, per fargli la cura
completa» ‗Gostaria que o senhor ficasse mais para lhe fazer o tratamento completo‘; o
36
37
Sobre a figura de Carlo Battisti, professor e ator, e a sua relação com o cinema neorrealista BANFI (1993).
propone uno spaccato veritiero, oltre che artisticamente funzionale, del composito repertorio delle risorse
comunicative verbali d‘una Roma etnicamente e socialmente eterogenea (RAFFAELLI 1993a, p. 31).
43
italiano de uso médio: «Al trenta le butto fuori la valigia; riceverà lo sfratto!» ‗No dia trinta
vou mandá-lo embora com a mala; será despejado‘; o italiano standard com sotaque
setentrional do protagonista: «Siédi, cara; prendi lo sgabello» ‗Sente-se, cara, pegue o
banquinho‘; os dialetos centro-meridionais: «Poss‟assette cche» ‗Posso sentar-me aqui‘.
Raffaelli (1992, p. 112) faz uma relação do cinema neorrealista com o público,
afirmando que tais filmes não tiveram muito sucesso de bilheteria: Roma città aperta ficou
em primeiro lugar na temporada 1945-1946, com 162 milhões de liras; Paisà ficou em nono
na temporada seguinte, com 100 milhões (em primeiro, ficou Rigoletto, de Gallone, com 224
milhões); Ladri di biciclette colocou-se em décimo primeiro na temporada 1948-1949, com
252 milhões (em primeiro, veio Fabiola, de Blasetti, com 572 milhões). Foram desastres
comerciais Sciuscià e, sobretudo, La terra trema, com custo de 120 milhões de liras, e 35 de
entrada. Portanto, o estudioso deduz que estes célebres filmes não foram capazes de fornecer
uma competência linguística ativa aos italianos e que pouco contribuíram para o enraizamento
da consciência do caráter regional dos dialetos.
Como consequência desse insucesso, houve uma preocupação em conciliar as
instâncias expressivas com as resistências do mercado italiano, o que levou os cineastas da
época a diminuir o emprego dos dialetos (RAFFAELLI, 1992, p. 113) e adotar o romanesco,
muito semelhante ao italiano ou, então, limitar a diálogos isolados as inserções em dialeto.
Assim fizeram De Sica e Zavattini em Umberto D., filme que mostra um italiano composto da
Roma de 1950.
Paralelamente aos filmes neorrealistas, desenvolveu-se uma produção mais
tradicional, com tendência a um italiano menos vigiado, que aceitava alguns diálogos em
dialetos de várias proveniências. Entre outros exemplos, temos: Anni difficili, de Luigi Zampa
(siciliano); Molti sogni per le strade, de Camerini (romanesco); e Il mulino del Po, de Alberto
Lattuada (emiliano), todos de 1948 (RAFFAELLI, 1992, p. 114).
Contudo, segundo Raffaelli (1992, p. 115), nem este tipo de produção foi capaz de
fornecer competências novas ao público do pós-guerra. É importante observar, porém, que a
sua incidência linguística, mesmo que indireta, determinou um clima de tolerância com
relação ao uso do dialeto fílmico, sobretudo no âmbito fonético, diferentemente do modelo
oferecido pelo rádio, pelo cinema nacional (de atualidade, documentário) e pelo cinema
estrangeiro dublado.
Além dos filmes neorrealistas acima nominados e comentados, Ciccotti (2001, p.
274) nos apresenta outros filmes dessa época em que há o emprego do romanesco fílmico,
inspirados em um recorte realístico, porém mais no âmbito da comédia: Natale al “Campo
119”, 1947, de P. Franscisci; Mio figlio professore, 1946, e Sotto il sole di Roma, 1948,
44
ambos de R. Castellani; Roma città libera, 1948, de M. Pagliero; Una domenica d‟agosto,
1949, de L. Emmer; e Emigrantes, 1949, de A. Fabrizi.
Para Ciccotti (2001, p. 274), o objetivo principal nesse período, no que diz respeito
ao emprego do romanesco, era o «de reforçar a sensação de realidade transmitida pelas
histórias»
38
. Por isso, era comum que autores não romanos, como Visconti, Amidei,
Castellani, Comencini, Flaiano, Fellini, Pasolini, tentassem apropriar-se dessa variedade
romana ou se apoiassem em autores romano-laciais (Zampa, Rossellini, De Sica, Cecchi
D‘Amico, De Santis); ou, ainda, utilizassem atores romanos (A. Magnani, A. Fabrizi) ou,
enfim, pedissem a tradução dos diálogos do italiano para o romanesco, como aconteceu em
Mio figlio professore.
Em Sotto il sole di Roma, Ciccotti (2001, p. 275) nos mostra a utilização de algumas
formas sintáticas do italiano standard – provenientes da área setentrional e toscana: (voz do
narrador) «[...] stava in casa»/―estava em casa‖, em vez de a casa como se usa no Centro-Sul
– juntamente com o romanesco ―clássico‖ – (a mãe a Ciro) «Almeno va‟ a aprì, non senti che
soneno!» ‗Pelo menos vai abrir, não está escutando que tocam a campainha!‘; (um dos
rapazes na cena da academia de boxe) «È „na parola entrà, me dichi tu come?» ‗Parece fácil
entrar, me fala como?‘ – e um italiano regional – «A papà so‟ tutte così le donne?» ‗Papai,
todas as mulheres são assim?‘. No caso da palavra ―dichi‖, de fato, esta é considerada
pertencente ao romanesco ―clássico‖, ou ―de segunda fase‖ (VIGNUZZI, 1994, p. 29) 39.
No mesmo grupo dos filmes antes mencionados, Ciccotti (2001, p. 275) observa que
em Emigrantes há a presença de um mistilinguismo italiano-espanhol no personagem de Aldo
Fabrizi («Buenos dias [...] Ecco, scusi, siccome io dovrei tomare una casetta, una casita,
m‟hanno chiesto dos mesi di deposito [...]» ‗Bom dia [...] Desculpe, como tenho que alugar
uma casa, me pediram dois meses de depósito‘) e de uma alternância de códigos: do
romanesco («Domani venghi a lavorà qui che ho parlato co ingegnere te pija come
idraulico» ‗Amanhã venha trabalhar aqui, que eu falei com o engenheiro, te pega como
hidráulico‘) para o italiano standard e regional. Todavia, o autor considera pouco verossímel
o italiano da jovem filha do casal romano, que usa um italiano standard, sem inflexão; ao
mesmo tempo, o autor explica que tal ―língua falsa‖:
era aceita pelo público porque o personagem popular, pobre, falando um italiano
rico de léxico e estruturas sintáticas, sem regionalismos, tornava-se uma imagem
38
39
di rafforzare il senso di realtà trasmesso dalle storie.
O conceito de romanesco de segunda fase será explicado no segundo capítulo, quando trataremos da questão
da evolução do romanesco.
45
projetiva para jovens italianos do pós-guerra, que se moviam entre miséria e
ignorância à procura de uma promoção social, também através de uma moça
humilde, mas linguisticamente ―vencedora‖. 40
A seguir, apresentaremos alguns exemplos de filmes pertencentes ao período que vai
de 1952 a 1962, denominado Neorrealismo rosa.
1.2.2.2 Dialetalidade estereotipada – Neorrealismo rosa (1952-1962)
A união entre a comunicação verbal cotidiana e a fala fílmica, que o Neorrealismo
havia instaurado em suas obras-primas, começou a se enfraquecer depois de 1948, pelos
motivos já exemplificados anteriormente. Como consequência disso, a língua fílmica iniciou
uma fase de pesquisa linguística que durou até os anos 1960. A transformação profunda da
realidade italiana e, portanto, também da língua como, por exemplo, a contração e diluição
dos dialetos, expansão compensadora de um italiano marcado por traços locais, aumento do
contato com estrangeiros, provocou reflexos brandos e alterações superficiais na fala fílmica
daqueles anos. A depressão industrial e criativa do cinema nacional obrigou os produtores e
cineastas, por óbvios motivos de mercado, a escolher uma produção mais leve e convencional,
moldando o código originário de acordo com as exigências da compreensão e da atratividade
(RAFFAELLI, 1996, p. 320-21).
Nesta fase, que Raffaelli (1992, p. 118) denomina ―dialetalidade estereotipada‖, ou
―Neorrealismo rosa‖, temos a presença generalizada de uma «língua falada formal, construída
no pleno respeito das regras sintáticas, morfológicas e fonológicas»
41
(BRUNETTA, 1982),
que continuou a prevalecer na produção nacional, seja de alto nível (em Giulietta e Romeo,
1954, de Castellani), seja popular (em Arrivano i dollari!, 1957, de Costa), e foi
rigorosamente adotada em toda a produção estrangeira dublada. Este italiano, com o apoio da
rádio e, a partir de 1954, também da televisão, incidiu na formação linguística dos italianos;
mas foram os filmes dialetais a darem o maior impulso à evolução linguística daqueles anos.
Raffaelli observa que tanto Menarini (1955, p. 174) como Migliorini (1990, p. 117) haviam
notado que muitos destes filmes de menor valor exerciam grande influência, e cita De Mauro
(1995, p. 123-24), que afirma que tal influência favoreceu a criação de uma «variedade
40
era accettata dal pubblico perché improvisamente il personaggio popolare, povero, vestendo un italiano
impeccabile, ricco di lessico e strutture sintatiche, privo di regionalismi, diveniva immagine proiettiva per
giovani italiani del dopoguerra, che si muovevano tra miseria ed ignoranza, alla ricerca di un ricatto sociale,
anche attraverso una figura di ragazza unole ma linguisticamente ―vincente.
41
lingua parlata formale, costruita nel pieno rispetto delle regole sintatiche, morfologiche e fonologiche.
46
popular unitária de italiano»
43
42
e a difusão da «consciência do caráter regional dos dialetos»
.
Em sua análise diacrônica, Raffaelli (1996, p. 323) nos faz perceber, na filmografia
italiana da década de 1950, a presença complementar dos dialetos, que muitas vezes se
cruzavam como reflexo da formação de centros urbanos pluridialetais. Isso pode ser
observado não só nos filmes de atualidade (com atores dialetais como o lombardo Scotti, o
romano Fabrizi, o napolitano Taranto), mas também em filmes dramáticos e históricos, como
Senso, 1954, de Luchino Visconti, com inserções vênetas: «la senta, siora»/‖escute-a,
senhora‖. Contudo, segundo afirma o autor (RAFFAELLI, 1992, p. 119), até os anos 1960 as
manifestações dialetais não foram capazes de fornecer aos telespectadores novas
competências ativas, como também não ajudaram na compreensão dos dialetos
desconhecidos. A contribuição maior ao processo de transformação linguística continuou
sendo indireta, instaurando-se uma familiaridade com as realizações verbais anômalas e
compostas. Todavia, o autor relata que, na metade dos anos 1950, houve uma variação
relevante: a redução dos filmes pluridialetais e o aumento do uso do romanesco, com um
retorno dos dialetos de várias proveniências, juntamente com a corrente napolitana, já no final
da mesma década.
Sobre o uso do romanesco fílmico, Ciccotti (2001, p. 277-79) nos dá outros
testemunhos da cinematografia italiana daqueles anos: Bellissima (1951), de Visconti, com o
uso de um romanesco clássico: «A Ni‟ come li tenevi l‟occhi, aperti?» ‗Ni‘, você estava com
os olhos abertos?‘; no mesmo ano, Europa ‟51, de Rossellini, onde o autor observa, na cena
das prostitutas, que o contexto neorrealista é reforçado pelo romanesco conservador: «[...]
T‟abbotto er grugno!» ‗Vou te encher de tapa na cara!‘ / [...] / [...] «Va‟ a morì ammazzato!»
‗Quero que você morra!‘. Outros filmes são: Roma ore 11 (1952), de De Sanctis, história
dramática de mulheres romanas; e Le ragazze di Piazza di Spagna (1952), de Emmer, sobre
as desventuras/aventuras de três garotas plebeias. Ciccotti (2001, p. 277) observa que, nos
dois filmes, o romanesco aparece muito próximo do italiano, que se reveza com o italiano
popular.
O romanesco fílmico se impôs, portanto, na metade dos anos 1950, competindo com
a língua nacional, em uma relação de recíproca influência, mas permanecendo inadequado
como solução linguística alternativa ao italiano na comunicação cotidiana dentro da própria
42
varietà popolare unitaria di italiano.
43
coscienza del carattere regionale dei dialetti.
47
Roma. É um romanesco cativante, simpático, mas que não existe: é construído pelos
roteiristas e produtores, denominado por Rafaelli (1992, p. 122) romanesco “di maniera‖.
Entre 1953 e 1956, como observou Raffaelli anteriormente, veremos o uso desse
romanesco ―di maniera‖ com a intenção apenas de ―colorir‖, como no filme Anni facili
(1953), de Zampa, apontado por Ciccotti (2001, p. 277). Isso porque os produtores achavam
que o romanesco tivesse cansado o público, além do fato de que a crítica queria ouvir um
italiano standard. Outros filmes desse período elencados pelo autor são: Racconti romani
(1955), de Franciolini (baseado no livro de Moravia); e I pappagalli (1955), de Paolinelli,
com o romanesco conservador de Aldo Fabrizi e o romanesco conservador-italianizado, típico
de A. Sordi.
Mas, segundo Ciccotti (2001, p. 279), é com o filme popular Poveri ma belli (1956),
de Risi, que se consuma o ―homicídio‖ do romanesco conservador, «responsável por mostrar
à plateia cansada os restos neorrealistas»
44
. Nele, os protagonistas falam um italiano quase
standard, improvável na boca de pessoas do povo da época, refletindo a ideologia
consoladora do filme; segundo Rossi (1999, p. 451), «desaparecem os traços mais populares
do romanesco, para dar espaço a um código misto bem mais artificial que o italiano regional
médio efetivamente falado em Roma» 45. Ciccotti (2001, p. 280) exemplifica o romanesco “di
maniera” com o filme de Risi, que se configura sob dois aspectos principais – nos níveis
lexical e frasal:
a) romanesco “di maniera” lexical: quando uma ou duas formas lexicais são inseridas
no contexto do ―italiano médio-standard‖ com o objetivo de ―coloração linguística local‖:
«Ah ma allora quella ci provoca, ci stuzzica, quell‟impunita, burina, analfabeta. Domani
appena la vedo sai che le dico? Le dico [...] ‗Ah, mas então ela nos provoca, aquela impune,
caipira, analfabeta. Amanhã assim que a vir, sabe o que lhe digo? Vou lhe dizer [...]‘;
b) romanesco “di maniera” frasal: quando aparecem algumas expressões famosas: «A
Romolo quanno t‟acchiappo te faccio (s)sta a (l)letto „na settimana» ‗Romolo, quando eu te
pegar, te faço ficar na cama uma semana‘; «Ahó sai che (t)tu‟ sorella s‟è (f)fatta carina? Tra
due anni è (b)bona pure subbito!» ‗Ehi, sabe que a sua irmã ficou bonita? Daqui a dois anos
será linda, já é agora!‘.
Portanto, Ciccotti (2001, p. 281) concorda com Raffaelli quando este afirma que,
com exceção de alguns diálogos, o romanesco de Poveri ma belli é artificial e está mais nas
44
45
responsabile di mostrare alle stanche platee gli stracci neorealisti.
scompaiono i tracci più popolari del romanesco, per lasciar spazio a un codice misto ben più innaturale
dell‘italiano regionale medio effettivamente parlato a Roma.
48
falas dos personagens secundários, enquanto que os protagonistas, mesmo que pouco
escolarizados e humildes, falam quase sempre um italiano standard.
Para Ciccotti (2001, p. 281), é somente com Le notti di Cabiria (1957), de Fellini,
com a consultoria de Pasolini, que «o romanesco ―clássico‖ reencontra o seu ―papel‖
cinematográfico» 46. Conclui esta década La notte brava (1959), de Bolognini, com roteiro de
Pasolini, que «anuncia, dentro do romanesco ―duro‖, a união pasoliniana de romanesco
conservador e de segunda fase (de variedade médio-baixa)» 47.
Os anos 1960 serão fundamentais para o romanesco de Pasolini, que, a partir de uma
visão pessoal do proletariado e de sua linguagem, repropôs o romanesco ―especial‖ dos
marginalizados das favelas da periferia romana com Accattone (1961), Mamma Roma (1962)
e La ricota (1963). A proposta dialetal pasoliniana, mimética e expressiva de uma linguagem
viva, produziu reações no mundo do cinema e fez as manifestações dialetais genuínas
voltarem a ser vistas com respeito; mas, de acordo com Raffaelli (1992, p. 123), «exerceu
pouca incidência sobre o público, que, depois de anos de estereotipia, se mostrou relutante e
não preparado para receber tais obras»
48
. Entretanto, como ressalta Ciccotti (2001, p. 281),
esta década será inaugurada ainda por um romanesco conservador: no filme Era notte a Roma
(1960), de Rossellini: «Ma non ponno stà (q)qui! E lasseme pèrde! M‟avete fregato!» ‗Mas
não podem estar aqui! Me deixem em paz! Vocês me enganaram‘.
No fim dos anos 1950 e início dos 1960, com a ajuda da televisão e de uma produção
local menos evasiva, houve o aumento de soluções linguísticas mais verossímeis. Apareceu
um italiano simples e marcado por traços regionais e dialetais autênticos: em 1958, em
Venezia la luna e tu, de Dino Risi, em que Alberto Sordi e Nino Manfredi fazem o papel de
gondoleiros venezianos; e em 1959, em La grande guerra, de Mario Monicelli, que mistura
variedades regionais e dialetos. Outro filme importante desta fase, segundo Raffaelli (1992, p.
124-25) foi Rocco e i suoi fratelli (1960), de Visconti, com o seu italiano modulado em vários
registros e com diálogos em dialeto lucano e milanês. E de grande relevo linguístico foram os
filmes de Ermanno Olmi: Il posto (1961), que traz um italiano do formal ao marginalizado,
passando pelo italiano regional multiforme – de cidade, do operário, do funcionário, do
aposentado, dos jovens – e pelo dialeto regional; e Il tempo si è fermato (1959), em que havia
46
il romanesco ritrova il suo ―ruolo‖ cinematografico.
47
annuncia all‘interno del romanesco ―duro‖, la commistione pasoliniana di conservativo e romanesco di
seconda fase (di varietà medio-bassa).
48
esercitò poca incidenza sul pubblico, che dopo anni di stereotipia si mostrarono rilutanti e non preparati a
ricevere tali opere.
49
a contraposição de registros nos diálogos de um montanhês idoso e de um estudantetrabalhador da cidade.
Assim finalizamos os comentários sobre esse período do Neorrealismo Rosa, com a
apresentação, a seguir, de outros exemplos e comentários de filmes que marcaram o cinema
italiano dos anos 1960 até meados dos 1980.
1.2.2.3 Dialetalidade expressiva e reflexa (1962–final dos anos 1980)
Segundo Raffaelli (1992, p. 127, 1996 p. 326), o cinema italiano entrou em uma nova
era linguística em 1960. Com a mudança de setores e aspectos da vida italiana (processo de
industrialização no Norte da Itália e migrações do Sul para essa região; aumento da italofonia
e diminuição dos dialetos; constituição de um ―italiano popular unitário‖; atenuação dos
traços dialetais sob o influxo do italiano; uso reflexo dos dialetos rurais etc.), o cinema
italiano modificou a própria linguagem, adotando um repertório sempre mais articulado e
funcional de recursos verbais. Pela primeira vez, o cinema foi capaz de elaborar com
liberdade uma fala fílmica que aderisse às diversas situações comunicativas presentes em cada
filme.
As principais inovações desta fase, que afirmaram um italiano fílmico vário, foram: a
adaptação das soluções gramaticais na direção de um italiano médio, a expansão de
variedades miméticas de um italiano médio-baixo, a modulação expressiva dos recursos
fonéticos de matriz dialetal e a abertura aos léxicos das linguagens setoriais (RAFFAELLI,
1996, p. 327).
O emprego mimético de um italiano marcado por traços fonéticos, morfossintáticos e
lexicais de matriz dialetal (italiano regional), que se impunha como código nacional de
comunicação com o apoio do rádio e da televisão, constituiu a inovação mais importante de
toda a história linguística do cinema italiano: além de contribuir para reduzir a distância entre
língua nacional e fala fílmica, conseguiu impor-se como variante privilegiada de todo o
repertório do cinema nacional sucessivo, a partir da ―comédia à italiana‖ (RAFFAELLI, 1996,
p. 329). Fabio Rossi (2007, p. 48) nos explica que, na ―comédia à italiana‖ ou ―comédia
italiana‖, o estilo linguístico está quase sempre ligado ao uso dos italianos regionais,
principalmente do romanesco, que aparece também em formas híbridas.
De acordo com Raffaelli
49
, será somente a partir dos anos 1960 que o cinema
influenciará linguisticamente os italianos:
49
Raffaelli em (CARPITELLA/DE MAURO/RAFFAELLI/NAPOLITANO, 1986, p. 171).
50
O cinema é capaz de influenciar diretamente a competência linguística dos italianos
somente a partir dos anos 1960, quando a adesão da comédia à realidade leva o
cinema a modelar a linguagem fílmica na língua coloquial, considerada por muitos
um italiano regional. 50
Segundo Raffaelli (1992, p. 130), o filme inaugural desta tendência linguística foi Il
sorpasso (1962), de Dino Risi (segundo filme analisado no corpus). Ciccotti (2001, p. 281)
nos fala que foi um filme que uniu o italiano standard e o romanesco atualizado pela gíria do
boom econômico dos anos 1950.
O protagonista Bruno, segundo Rossi (2006, p. 347-48), é:
um personagem fanfarrão e patético, como pode-se perceber através da sua língua,
―romanamente‖ colorida e repleta de referências culturais baratas e superficiais, [...]
O italiano médio e o italiano regional começarão a ser vistos como ―normais‖ aos
ouvidos dos italianos [...]. 51
A esse respeito, verificamos o uso do romanesco (em negrito, a seguir) no diálogo
entre os protagonistas, enquanto eles ultrapassam de carro uma família em uma ―sidecar‖:
[Bruno]: E nonno/ non è voluto venì? L‘avete lasciato a casa? Le belle famiglie italiane//
Buon viaggio! ―E io me la portai al fiume credendo che fosse una ragazza e invece aveva
marito‖// Eh/ la so a memoria// Ho messo il disco di Foà da Terracina a Roma// E... come si
chiama... la... La sposa infedele/ di di/ coso/ quello spagnolo/ quello un po‘...
[Roberto]: Garcìa Lorca//
[Bruno]: Ah/ ce l‘hai pure tu il disco// Tiè/ metti questo// È Modugno// Perchè a me la poesia
mica me convince tanto// Me piace la musica a me// Questa per esempio/ questa è forte// È
mistica/ „na cosa che te fà pensà/ la musica// A me Modugno mi piace sempre// Quest‘Uomo
in frac me fa impazzì... Perché... pare ‟na cosa da niente/ invece/ ahó/ c‘ tutto: la solitudine/
50
Il cinema in grado di influire direttamente sulle competenze linguistiche degli italiani soltanto a partire dagli
anni Sessanta, quando l‘aderenza anche della commedia alla realtà induce a modellare il parlato filmico sulla
lingua quotidiana, che per molti un italiano con varianti per cos dire ‗regionali‘.
51
un personaggio nel contempo sbruffone e patetico, come ben risulta dalla sua lingua, romanamente colorita e
infittita di riferimenti culturali spiccioli e superficiali, [..] L‘italiano dell‘uso medio e l‘italiano regionale
(realisticamente eseguito) cominciano a entrare stabilmente negli schermi e a risuonare ―normali‖, negli orecchi
degli italiani [...].
51
l‘incomunicabilità/ poi quell‘altra cosa/ quella che va de moda oggi/ la... l‘alienazione/ come
nei film d‘Antonioni/ no? L‘hai vista L‟eclisse?
[Roberto]: S //
un film...
[Bruno]: Io c‘ho dormito: ‟na bella pennichella// Bel regista/ Antonioni// 52
Entre as primeiras comédias à italiana em que há o uso do italiano regional, temos La
voglia matta (1962), de Luciano Salce; do mesmo ano, I nuovi angeli, de Ugo Gregoretti. Este
italiano regional estendeu-se também aos filmes de denúncia Le mani sulla città (1963), de
Francesco Rosi, e Indagine su un citadino al di sopra di ogni sospetto (1970), de Elio Petri,
entre outros.
Raffaelli (1996, p. 330) observa que a adoção de um léxico das linguagens setoriais
tornou-se comum nesse período, como podemos ver em títulos e filmes da comédia à italiana
como Il sorpasso, Il pollo ruspante, La congiuntura. Mas o que deu novo impulso à
renovação da fala fílmica foi o abandono da adoção dialetal mimética pelos cineastas, que
preferiram explorar expressivamente os fenômenos dialetais. Tal utilização expressiva dos
dialetos de várias proveniências – com prévia modificação para um italiano de uso local, ou
ainda, com prévia deformação caricatural – é uma novidade que caracterizará mais de uma
década, a partir de 1962. Nesse sentido, foi frequente a inserção de partes em dialeto em um
contexto italiano, com a atenuação e quase anulação de suas funções comunicativas, como em
alguns filmes de Fellini: 8½ (1963), no episódio em que a avó anda pela casa adormecida; e
mais ainda em I clowns (1971), Amarcord (1973) e Il Casanova (1977), filmes em que o
dialeto romanholo assume conotações melódico-esotéricas (RAFFAELLI, 1992, p. 132-35).
Como já dito anteriormente, outro importante cineasta a fazer um uso expressivo do
dialeto foi Pier Paolo Pasolini, já em Accattone (1961) e Mamma Roma (1962), elaborando
liricamente o romanesco dos marginalizados para depois entrar no setor do multilinguismo,
em Vangelo secondo Matteo (1964), Edipo re (1968) e Medea (1969), entre outros. Dois
filmes que foram expansão dessa corrente multilíngue, de acordo com Raffaelli (1992, p.
136), foram L‟armata Brancaleone (1966) e Brancaleone alle crociate (1970), de Monicelli:
neles, a língua é uma mistura ―macarrônica‖ de ―alto-italiano‖, de latinismos, francesismos,
vários dialetos, ou seja, um ―pastiche” gaddiano.
A procura da expressividade tirou proveito dos recursos linguísticos de várias
origens, o que se pode observar pela presença de palavras estrangeiras nos filmes de Fellini, a
partir de La dolce vita (RAFFAELLI, 1996, p. 332); mas essa expressividade teve maior êxito
52
Rossi (2006, p. 348) indica a proveniência de todas as citações sobre este filme: (RAFFAELLI, 1996a, p. 32930).
52
no âmbito do italiano regional, explorando as peculiaridades fonéticas de matriz dialetal,
como nos filmes de Germi Divorzio all‟italiana (1961) – que tinha como objetivo criticar os
costumes itálicos exasperando (com fins caricaturais) alguns traços linguísticos dos sicilianos
— e Sedotta e abbandonata (1964), mais significativo e também de ambiente siciliano, que
deformava caricaturalmente os diálogos (RAFFAELLI, 1992, p. 135).
Para Raffaelli (1992, p. 135-36), é digna de menção a cineasta Lina Wertmüller, que
utilizou em muitos de seus filmes os traços fonéticos das falas meridionais, misturadas e
deformadas até o limite da compreensão, com o objetivo de criar recitativos e melodias de
ópera com conotações irônicas. Essas deformações fonéticas estão presentes em alguns
filmes, como Mimì metalurgico ferito nell‟onore (1972), com variações melódico-linguísticas
de dueto de ópera engraçada; Tutto a posto e niente in ordine (1974); e Fatto di sangue fra
due uomini per causa di una vedova (1978), este último, segundo um jornal, retirado de cartaz
porque os diálogos eram incompreensíveis para os próprios espectadores meridionais.
Ciccotti (2001, p. 283) afirma que, nos anos 1970, há o retorno do romanesco
cinematográfico:
Graças ao ator S. Citti (falante de uma variedade quase belliana), depois também
diretor, apoiado pelo ―pesquisador‖ Pasolini [...], começa uma certa recuperação do
conservador para mesclar-se com um romanesco de segunda fase, neste caso de
periferia e, portanto, mais permeável a neoformas, geralmente gírias, expressão das
novas casas populares. 53
Alguns filmes do ator-diretor são: Ostia (1970), Storie scellerate (1973) e Casotto
(1977); já quase nos anos 1990, temos Mortacci (1989), que oferece os últimos testemunhos
do romanesco conservador: «Che c‟avete prescia?» ‗Vocês estão com pressa?‘ (CICCOTTI,
2001, p. 283).
Ciccotti (2001, p. 283-84) observa que também em Roma (1972), de Fellini, temos o
romanesco conservador e romanesco normatizado ―neogíria‖, a exemplo da expressão: «A(a)
faciolari!» ‗Vocês não servem pra nada!‘, neoforma dos anos 1970 hoje em desuso; ou então,
ao contrário, temos construções metafóricas que resistem até hoje: «Sta proprio (b)bene!»
‗Mulher bonita e sexy‘. Outro filme lembrado pelo estudioso é La proprietà non è più un
furto (1973), de E. Petri, em que o mesmo argumentava sobre a necessidade de se utilizar o
romanesco para «identificar as pessoas com as histórias contadas» 54.
53
grazie all‘attore S. Citti (parlante di una varietà quasi belliana), poi anche regista, e sotto l‘incoraggiamento
del ―ricercatore‖ Pasolini [...], prende avvio un certo recupero del conservativo da fondere ad un romanesco di
seconda fase, in questo caso di periferia, quindi più permeabile a neoforme spesso gergali, espressione delle
nuove aree di caseggiate popolari.
53
Ciccotti (2001, p. 284) afirma ser de grande relevância para a história do cinema
italiano o ator Alberto Sordi, que em suas falas utilizava o romanesco “di maniera”, em
contraste com o italiano médio/standard. São alguns exemplos de filmes em que isso
acontece: Racconti d‟estate (1958), de Franciolini; e Il commisario (1962), de Comencini.
Mas, segundo o estudioso, o ator não foge a (raras) aberturas ao romanesco conservador,
utilizado em vários dos seus personagens, como em: Il seduttore (1954), de Rossi; Lo scapolo
(1955), de Pietrangeli; Il marito (1957), de Nanni Loy e Gianni Puccini; Ladro lui, ladra lei
(1958), de Zampa; Lo scopone scientifico (1972), de Comencini; Nestore (1995), de A. Sordi,
entre outros.
Para o neorromanesco de periferia e conservador reconstruído, Ciccotti (2001, p.
284) cita Ettore Scola e os seus filmes Brutti sporchi e cattivi (1976), Una giornata
particolare (1977) e La terrazza (1980). Além destes, o autor nos apresenta outros filmes em
que há a presença desse neorromanesco de periferia com inserções de gírias
55
: a ―série‖
dirigida por S. Cobucci, com T. Milian como protagonista, dublado por Ferruccio Amendola
– Squadra antifurto (1976), Squadra antiscippo (1977), Squadra antritruffa (1977), Squadra
antimafia (1978) e Assassinio sul Tevere (1979). Como o estudioso observa, são utilizadas
algumas expressões do romanesco conservador como venghi – venha; índole – índole; puro
(para pure) – também; etc.
Do final dos anos 1970 aos 1980, Ciccotti (2001, p. 285) nos conta sobre o encontro
entre o romanesco normatizado e romanesco ―neogíria‖, estudado, na comédia, pelo atordiretor Carlo Verdone. O ator observou os jovens do pós-1977 – desiludidos com a política e
o engajamento ―social‖ – e reconheceu a fala estática do adepto budista, do jovem arrogante
do bar, do plebeu-mammone ‗filhinho da mamãe‘ reprimido, do fanático centauro etc.
Já nos anos 1980, impõe-se a dialetalidade reflexa, até então quase ausente na
filmografia italiana. Essa tendência, caracterizada pela utilização de dialetos em extinção,
encontrou espaço em pequenas ou médias empresas produtivas, que tinham como objetivo
reviver histórias de núcleos sociais linguisticamente homogêneos e fechados do passado. Tal
tendência foi considerada por Raffaelli (1992, p. 139-41) uma operação aristocrática, seja
porque impôs códigos familiares a poucos (como em La terra trema), seja porque pareceu não
ser capaz de enriquecer as competências linguísticas do público. Dois filmes representam o
uso reflexo dos dialetos: o bergamasco L‟albero degli zoccoli (1978), de Olmi, e o friulano
Maria Zef (1981), de Vittorio Cottafavi. O filme de Olmi evoca liricamente o mundo
54
55
far identificare la gente con le storie raccontate (RAFFAELLI, 1992, p. 133-34).
segundo o autor, somente algumas delas existem até hoje: trucido – sujo; madama – polícia; monnezza – para
alguém que não vale nada.
54
camponês bergamasco, adotando o dialeto local dos idosos, ambientado no final do século
XIX. Já Maria Zef, inspirado em um romance de Paola Drigo, utiliza o dialeto friulano para
contar uma história de degradação moral e social nas montanhas da Carnia no início do século
XX.
Concluindo esta cronologia, essa nova presença do ―dialeto reflexo‖, segundo
Ciccotti (2001, p. 285), foi fruto de uma exigência, por parte dos autores, de retornar a certo
realismo, abandonado por anos, e se dará sempre na direção de um uso mais integral e menos
estereotipado do dialeto, como veremos a seguir.
1.2.2.4 Os últimos anos
Para Fabio Rossi, (2006, p. 392-93), o período do cinema italiano que vai de meados
dos anos 1980 até a primeira década do novo milênio é muito difícil de se analisar devido à
impossibilidade de observar com distanciamento uma fase não concluída, em virtude da
variedade dos resultados e da escassez de estudos. Mas o autor ressalta dois aspectos
relevantes desse período, que tiveram consequências linguísticas: em primeiro lugar, o retorno
da gravação ao vivo e a criação da identidade ―voz-rosto‖, reivindicação feita pelos próprios
atores em que um intérprete italiano não pode ser dublado por outra pessoa sem a sua prévia
autorização. Em segundo, o uso sempre mais frequente de dialetos não estereotipados, com
momentos de integralismo dialetal, que convém às temáticas sociais de muitos filmes
denominados pela crítica da época como neoneorrealistas.
De acordo com Rossi (2007, p. 109), somente um público totalmente italófono e que
tivesse superado o complexo de inferioridade quanto ao modo de se exprimir seria capaz de
apreciar uma produção dialetal, não mais parcialmente italianizada por pudor ou por censura.
Nesse sentido, o dialeto assume novas funções, não sendo visto somente como estigma das
classes desfavorecidas, mas como uma marca de adesão a um grupo, com uso de gírias, por
exemplo, no caso dos adolescentes que falam em dialeto, representados pelos cineastas
Francesca Archibugi e Paolo Virzì (ROSSI, 2006, p. 393, 2007, p. 109).
Alguns atores-cineastas (os ―novos cômicos‖, segundo a crítica), como Roberto
Benigni, Francesco Nuti, Carlo Verdone, Massimo Troisi, Nanni Morettie e Maurizio
Nichetti, revitalizaram as inserções dialetais, reduzindo a mecanicidade e atenuando os tons
ridículos. Rossi (2006, p. 395-96) afirma que sobretudo Troisi alcançou níveis expressivos de
importância, colocando em cena não somente o napolitano, mas todas as incertezas e
impurezas da língua falada, os tics linguísticos, bem como as dificuldades de integração
sociocultural de uma pessoa pura de espírito em contato com as contradições da civilização do
55
progresso. O napolitano de Troisi é, ao contrário do napolitano de Eduardo e Totò, tão
distante do italiano que o seu sucesso de público foi surpreendente. Apesar da progressiva
italianização, Troisi conseguiu mostrar a arte da incomunicabilidade com leveza, através de
fragmentos de palavras, repetições, balbucios e sons inarticulados; para o autor, nunca como
nos filmes de Troisi a fala da insegurança, da timidez e da espontaneidade foi representada
com tanto verismo poético, com tanto esforço para dar voz ao não dito e ao indizível.
Ainda para Rossi (2007, p. 118), a característica de maior importância dos filmes dos
últimos anos foi a redescoberta dos dialetos distantes de qualquer tipo de italianização,
hibridismo e estereotipia. Trata-se de filmes gravados ao vivo, caracterizados por um forte
realismo e por temáticas quase sempre ―engajadas‖ que vão da análise sociológica ao
aprofundamento psicológico. São exemplos: Immacolata e Concetta, l‟altra gelosia (1980) e
Le occasioni di Rosa (1981), ambos de Salvatore Piscicelli, em um napolitano do
subproletariado; Libera (1993) e I buchi neri (1995), ambos de Pappi Corsicato; L‟amore
molesto (1995), de Mario Martone, em um napolitano arcaico; e, mais recentemente, Certi
bambini (2004), de Andrea e Antonio Frazzi.
O dialeto siciliano também foi representado, e como exemplo podem ser citados: os
fimes de denúncia Mery per sempre (1989) e Ragazzi fuori (1990), ambos de Marco Risi;
Buttane (1994), de Aurelio Grimaldi; o filme crítico-lúdico Tano da morire (1997), de
Roberta Torre; o filme psicológico-expressionista Respiro (2002); e o legendado
Nuovomondo (2006), de Emanuele Crialese.
Os novos diretores recorreram também a variedades pouco usadas na cinematografia
italiana, como o dialeto barese ―críptico‖ do primeiro filme de Alessandro Piva, Lacapagira
(2000), rico em palavras dialetais e gírias. Mais próximo do italiano é o posterior Mio cognato
(2003), no qual o protagonista fala em barese enquanto os outros personagens adotam o
italiano. Nesse sentido, Rossi (2006, p. 398) observa que a lógica se inverte com relação à
corrente da comédia à italiana, que quase sempre recorria ao dialeto somente para os
personagens secundários.
Outra característica da língua dos filmes italianos dos últimos anos verificada por
Rossi (2006, p. 400) é a relação osmótica com a televisão. Isso ocorreu devido à
transmigração de ―artistas‖ de um meio para o outro, a exemplo de Benigni e Troisi e dos
casos mais recentes: Albanese, Littizzetto, Greggio e Panariello. A televisão, aliás, em alguns
filmes é mostrada como a responsável por elevar a valores a futilidade, a ignorância e a
imprecisão também linguísticas. Nesse sentido, Verdone e Moretti são os primeiros a esboçar
figuras que se exprimem de modo ridículo, sobretudo no que diz respeito ao abuso de
anglicismos mal pronunciados e ao uso irreflexo de estereótipos, imitando personagens
56
conhecidos. É o caso da jornalista de Palombella rossa (1989), de Moretti, que fala uma
língua cheia de frases feitas e vazias e de estrangeirismos (tensione morale, matrimonio a
pezzi, Kitsch – tensão moral, casamento arruinado, brega). Como exemplo mais recente, podese recordar um dos muitos personagens interpretados por Verdone, o jornalista-músico de
Maledetto il giorno che t‟ho incontrato (1992), que usa o romanesco de forma menos
estereotipada do que o habitual (apesar da influência de Sordi) e procura adotar, inicialmente,
a fala dos jovens para, sucessivamente, sair da Roma geográfica e linguística.
Rossi (2006, p. 401) ainda observa que muitos filmes utilizaram a linguagem dos
jovens, quase sempre um ―italiano desfeito‖ de Roma: Mignon è partita (1988) e Il grande
Cocomero (1993), de Archibugi; Evelina e i suoi figli (1990), de Livia Giampalmo; Come te
nessuno mai (1999), de Gabriele Muccino; Dillo con parole mie (2003), de Daniele Luchetti;
e Che ne sarà di noi (2004), de Giovanni Veronesi. Foi utilizada também a língua dos adultos
em crise, em: Piccoli equivoci (1989), de Gabriele Salvatores; e L‟ultimo bacio (2001) e
Baciami ancora (2010), de Muccino. Para o estudioso, de maior originalidade e identidade
italiana foram os filmes Io sono um autarchico (1977) e Ecce Bombo (1978), de Moretti; e Un
sacco bello (1980) e Bianco rosso e Verdone (1981), de Verdone.
Além dos citados anteriormente, Ciccotti (2001, p. 285) nos apresenta mais
comentários e exemplos de filmes em romanesco: Amore tossico (1983), de Caligari, filme
em que a língua simboliza a crueza da trama, sobre a toxicodependência e a deterioração da
periferia; Storia d‟amore (1986), de Maselli; Mignon è partita (1988), de Archibugi, que traz
expressões romanescas e neogírias; além de alguns filmes de Verdone e Moretti. Destes
filmes, Ciccotti (2001, p. 286) nos chama a atenção para os dois primeiros: ambos recorrem
ao neorromanesco ―duro‖ e ―integral‖ de periferia, com conotações documentárias.
Segundo o mesmo autor, sobretudo Amore tossico, em que se utiliza a técnica do
pedinamento (ato de seguir alguém de perto), permanece um documento do romanesco e das
gírias dos toxicodependentes, já demonstrados em estudos como o de M. Trifone (1993),
intitulado Aspetti linguistici della marginalità nella periferia romana.
Portanto, com o final dos anos 1980 e início dos 1990, o romanesco cinematográfico
«sai da normatização que tinha sido obrigado desde os anos 1950 (com exceção de alguns
filmes de autor antes comentados), retomando vigor principalmente graças àquele que
chamamos de ―Neoneorrealismo‖» 56, tendência cultural dos anos 1990, que vai reunir muitos
filmes de caráter realista e documentário e que compartilha algumas características próprias
56
esce dalla normalizzazione cui era stato costretto sin dai Cinquanta (tranne le eccezioni d‘autore di cui si
parlato) riprendendo vigore soprattutto grazie a quello che qui chiamiamo il ―neo-neorealismo‖ (CICCOTTI,
2001, p. 286) .
57
do Neorrealismo, como por exemplo, o ator e o coro, o pedinamento, o estrangeiro, os temas
sociais e, enfim, a língua (CICCOTTI, 2001, p. 289-90).
Para o autor (CICCOTTI, p. 287), vários filmes realizados entre Mery per sempre
(1989) e Cuore cattivo (1995) podem ser definidos como ―realistas‖ ou talvez
―neoneorrealistas‖: Mery per sempre (1989), Ragazzi fuori (1990), Muro di gomma (1991) e
Il branco (1994), todos de Marco Risi; Ultrà (1991), de Ricky Tognazzi; La stazione (1990),
de Sergio Rubini; Verso sud (1992), de Pasquale Pozzessere; Teste rasate (1993), de Claudio
Fragasso; La scuola (1995), de Daniele Luchetti; Senza pelle (1994), de Alessandro D'Alatri;
Sud (1993), de Gabriele Salvatores; Chiedi la luna (1991), de Giuseppe Piccioni; Ladro di
bambini (1992), de Gianni Amelio; Pummarò (1990), de Michele Placido; Romanzo di un
giovane povero (1995), de Ettore Scola; e Cuore cattivo (1995), de Umberto Marino.
Quanto à primeira característica, o ator e o coro, conta-se com a presença de atores
achados na rua (Mery per sempre, Ragazzi fuori, Ladro di bambini, Il branco); atores com
instrução média, mas não provenientes de escolas de recitação (Ultrà, Verso sud); atores que
se afirmaram a partir das suas imagens ―culturais e populares‖ (Ghini, Amendola, Orlando no
considerado ―tipo de função‖). O pedinamento, ato de seguir o personagem, já mencionado
antes, se verifica em filmes como Ragazzi fuori, Verso sud, Ultrà, Senza pelle, Il branco e
Cuore cattivo.
No que diz respeito à presença do estrangeiro no cinema neorrealista, esta é quase
sempre militar, sendo ele ―o que ocupa‖ ou ―o que liberta‖ – o indígena está quase sempre em
posição subalterna (como se pode ver nos primeiros três episódios de Paisà), e mesmo
quando há compreensão entre culturas diferentes, como em Roma città aperta, a situação
histórica beneficia o estrangeiro na escala de valores. Já no cinema neoneorrealista, a situação
do estrangeiro é outra: ele vive a mesma sujeição econômico-psicológica-linguística do
―indígena‖. O estrangeiro é o imigrado do terceiro mundo e do leste europeu; socialmente,
tomou o lugar dos refugiados políticos gregos ou sul-americanos do pós-1968, presentes em
Pummarò, Teste rasate. Enquanto que o estrangeiro militar impõe a sua língua, o imigrado
tenta aprender a língua do país hospedeiro. Como consequência, este desenvolve o
bilinguismo, enquanto que o militar tende a impor um monolinguismo que reflete as relações
de poder.
Finalmente, tanto nos filmes neorrealistas como nos neoneorrealistas, há a forte
presença dos dialetos, da língua dos jovens e das gírias de algumas faixas da sociedade
(romanesco conservador, romanesco normatizado e neorromanesco).
Ciccotti (2001, p. 292) finaliza a questão do Neoneorrealismo propondo uma leitura:
58
O Neoneorrealismo dos anos 1990 finaliza o projeto do romanesco (ou de outros
dialetos) como específico autêntico, preso nos anos 1950, que brilhou com Pasolini,
marginalizado com Citti e Scola, Caligari e Maselli, mas somente na última década
do século legitimado como ―espelho‖ das importantes mudanças sociais. 57
Isso porque, segundo o mesmo estudioso, tanto a democratização da sociedade como
também o interesse da indústria cultural, sobretudo audiovisual, deixaram de lado o obstáculo
que o dialeto encontrou com os produtores com o fim do Neorrealismo.
A seguir, explicitaremos alguns filmes em que há a presença do romanesco nos anos
1990, apoiados nos comentários de Ciccotti (2001, p. 293-315), para concluirmos com Viaggi
di nozze (1995), terceiro e último filme pertencente ao nosso corpus.
Os anos 1990 serviram de palco para muitos filmes com um romanesco duro,
recheado de novas gírias que representavam a degradada periferia da capital (CICCOTTI,
2001, p. 293). Em Ultrà (1991), de M. Risi, os dois antagonistas, Er Principe e Red, falam um
romanesco de variedade baixa, aberto a neologismos. A única vez em que Er Principe utiliza
o italiano é na prisão, em função imitativa, quando faz o comentário do jogo de futebol (Le
squadre sono un po‟ più guardinghe/ le squadre cercano di impostare le azioni d‟attacco/ [...]
‗Os times estão mais cautelosos/ os times estão tentando definir as ações de ataque [...]‘).
Mas, minutos depois, quando vem a saber de sua liberação, volta rapidamente ao dialeto,
como confirmação de sua ―potência‖ readquirida (Te o finisci te er campeonato/ e pallette
però me e porto via ‗Você vai acabar o campeonato/ mas as bolas eu vou levar comigo‘ ). O
único personagem que utilizará um italiano neostandard (um standard com mais aberturas
fonológicas regionais) será Fabio, um menino de onze anos que, para Ciccotti (2001, p. 295),
em contraste com os outros personagens, representa a inocência.
Para concluir esse breve panorama do cinema italiano, reportamos alguns
comentários dos vários estudiosos a respeito do terceiro filme selecionado para o nosso
corpus, Viaggi di Nozze (1995), do romano Carlo Verdone. É nesta fase que temos o retorno
da gravação ao vivo e, portanto, o abandono da dublagem.
Ressaltamos que, apesar da influência de Sordi, nota-se que Carlo Verdone utiliza o
romanesco como a ―fala dos jovens‖ em alguns filmes, a exemplo de Un sacco bello (1980) e
Bianco, Rosso e Verdone (1981). Depois, no entanto, se distancia dessa variedade em
Maledetto il giorno che t‟ho incontrato (1992), «na direção de uma fala juvenil sóciolinguisticamente mais verossímil e depois saindo totalmente da Roma geográfica e
57
Il neo-neorealismo degli Novanta porta a compimento il progetto del romanesco (o di altri dialetti) come
specifico autentico, bloccato nei Cinquanta, riesploso con Pasolini, emarginato con Citti e Scola, Caligari e
Maselli, ma solo nell‘ultimo decennio del secolo, ―specchio‖ legittimato dei notevoli mutamenti sociali.
59
linguística» (COVERI, 1994, p. 82) 58. De fato, quando Verdone faz uma declaração sobre o
Maledetto il giorno che t‟ho incontrato, esclarece: «Eu o ambientei em Milão e em
Cornovaglia porque queria ter a certeza de que os personagens secundários não tivessem
diálogos como ―anvedi‖, ―li mortacci tua‖, ―te possino‖».59
É com Viaggi di Nozze (1995) que se percebe o retorno do romanesco dos arrogantes
da periferia. O filme segue a estrutura on the road de Bianco, Rosso e Verdone, no qual o
mesmo ator interpreta três personagens. De fato, em Viaggi di Nozze Verdone representa
novamente três personagens: Raniero Cotti Borroni, Ivano e Giovannino, que fazem uma
viagem de lua de mel com as respectivas esposas. Em alguns diálogos entre Ivano e Jessica,
podemos constatar o retorno do uso do romanesco fílmico:
Ivano: O famo strano?
Jessica referindo-se a Florença: Ammazza quant‘ vecchia 'sta città!
Quando fala ao telefone com os amigos:
Ivano: A stronzi! 'Ndo state? Che fate? 'Nd'annate? Mo taa do. (Passa o telefone a Jessica):
Mirko e Mara.
Jessica: A stronzi! 'Ndo state? Che fate? 'Nd'annate? [...] A Ivà ce semo mai stati ar
Prognosi Riservata?
Ivano: Negativo, se pò fà!
Segundo Ciccotti (2001, p. 312), os dois personagens falam uma mistura de
romanesco e gírias que coincide com o modo de eles fazerem amor, podendo-se notar o uso
de palavras e expressões fora do comum: o famo strano ‗vamos fazer diferente‘. Como
observa o estudioso, Ivano e Jessica procuram continuamente novas realidades, outros tipos
sociais, o que os leva a situações fictícias que requerem uma nova relação com o código
linguístico. Um exemplo disso é quando, comunicando-se por escrito, simulam pertencer a
uma classe social mais elevada:
Ivano: La trovo molto stupenda. La posso invitare al mio tavolo?
58
nella direzione di un parlato giovanile anche sociolinguisticamente pi credibile e poi uscendo decisamente
dalla Roma geografica e linguistica.
59
L‘ho ambientato a Milano e in Cornovaglia perché volevo essere sicuro che non ci fossero nei personaggi di
contorno battute come ―anvedi‖, ―li mortacci tua‖, ―te possino‖.
60
Jessica: Grazie ma lei core un po‘ troppo.
Em seguida, Ivano vai até a mesa de Jessica e se apresenta tentando usar ainda um
italiano neostandard, típico de uma pessoa ―fina‖ e ―importante‖:
Ivano: Io comunque mi chiamo Ivano.
Jessica: Piacere, Jessica.
De acordo com Ciccotti (2001, p. 313), os arrogantes de C. Verdone, apesar de certo
exagero no tom recitativo, testemunham a existência de outro mundo marginal (como o dos
filmes comentados anteriormente: Ultrà, Teste rasate, Cuore cattivo), que está situado em
uma rede sociolinguística tendencialmente fechada.
Ciccotti (2001, p. 314) exemplifica essa realidade sociolinguística fechada com a
nasalização ―da moda‖ do início dos anos 1980. Iniciada como traço de distinção snob de
alguns bairros pequeno-burgueses (de P. Mazzini a Trionfale), depois se propaga para áreas
mais populares (Portonaccio, S. Giovanni) até as periferias (Giardinetti). Atualmente, os
jovens de cultura média não nasalizam mais, e se Carlo Verdone faz com que Jessica nasalize,
é, segundo o pensamento de Ciccotti, para evidenciar um comportamento fonético superado
por uma classe, mas não pela classe menos culta, que o mantém vivo como sinal de
―elevação‖ social. Mas, e assim finaliza o autor, se uma classe (popular) cristaliza algumas
formas consideradas ultrapassadas por outra (culta), é também verdade o fenômeno contrário:
por exemplo, a periferia, fonte inesgotável de renovação linguística, cria neoformas com forte
base romanesca que foram absorvidas não só pelas variedades do neoromanesco, mas
também pelo italiano neostandard – trucido ‗sujo‘ aparece pela primeira vez em Ecce bombo
(1978), e sòla ‗engano‘, nas falas de M. Costanzo e T. Solenghi.
Finalizamos aqui este breve estudo cronológico e sociolinguístico da relação da
língua italiana/dialeto com o cinema, a partir de alguns exemplos de filmes e pequenos
diálogos para um maior entendimento das várias fases linguísticas da cinematografia, aqui em
questão.
Como o foco da nossa pesquisa é a observação do uso do romanesco nas falas
fílmicas dos filmes selecionados, propomos, sucessivamente, um panorama da evolução desta
variedade, desde as origens até os dias atuais, partindo das reflexões dos principais teóricos do
tema.
61
2 O ROMANESCO E SUA EVOLUÇÃO
O presente capítulo procurará identificar os pontos principais da história linguística
de Roma, tendo como foco os acontecimentos que contribuíram para a evolução do
romanesco, com base nos trabalhos de Tullio De Mauro (1995, 1989), Pietro Trifone (1992,
2008), Paolo D‘Achille (2012), entre outros estudiosos do tema.
No item 2.1, que trata da origem do romanesco até o século XIV, apresentaremos
alguns exemplos de documentos escritos, como o grafito das catacumbas de Commodilla, e
obras-primas, como a Cronica, que tiveram importância para o estudo do romanesco; esta
última, devido a sua forte dialetalidade, serviu como ponto de referência para o conhecimento
do romanesco antigo ou de primeira fase, caracterizado por uma clara fisionomia centromeridional, mas com algumas convergências com o toscano, segundo especialistas.
Já no item 2.2.1, trataremos da importante toscanização da língua escrita e do uso
médio-alto, que prepara a passagem do romanesco de primeira fase para o de segunda fase
dos séculos XV e XVI. Fatores internos, como o retorno do papa a Roma, causaram fortes
mudanças na cidade, a ponto de acelerar a crise do romanesco de primeira fase.
O período pré-unitário, comentado nos itens de 2.3 a 2.3.3, trata da presença da
Igreja na sociedade romana, além da censura sobre o dialeto. A literatura dialetal reflexa será,
portanto, a fonte documentária mais importante para reconstruir a evolução do romanesco até
chegarmos à obra-prima de Belli, com os Sonetti.
Os itens de 2.4 a 2.4.3 serão dedicados ao estabelecimento da relação língua-dialeto
após a unificação política, que abrirá uma nova fase na história política italiana, também sob o
aspecto linguístico. O romanesco será o dialeto mais presente no cinema, no rádio, na
propaganda, fazendo com que algumas vozes de origem romana entrem também na linguagem
juvenil, na política e no esporte, devido à centralização de Roma, como também à
proximidade do romanesco com o italiano (D‘ACHILLE, 2012, p. 9).
Outro aspecto importante que será abordado tem relação com a extensão e o domínio
da italofonia da classe média emergente e com a imigração pós-unitária. Mais um ponto a ser
discutido é a falta de contraposição entre língua italiana e dialeto romanesco, como também a
pequena distância entre os vários níveis do repertório linguístico. Para concluir,
comentaremos a influência da neodialetalidade juvenil no quadro linguístico contemporâneo
romano.
62
2.1 Das origens ao século XIV
Pietro Trifone (2008, p. 11) afirma que o primeiro documento em romanesco foi uma
escritura exposta: o Graffito della Catacomba di Commodilla, do século IX. Tal grafito,
esculpido em uma parede da catacumba, é um tipo de advertência informal para uso interno
dos eclesiásticos, que recomenda aos celebrantes da missa para não pronunciar as orações em
voz alta (le segrete).
Trifone (2008, p. 11) observa que a frase é totalmente ―vulgar‖: imperativo
proibitivo formado por non (não) + infinitivo dicere (diga); valor de artigo de ille; plural em a de secrita ‗secreta‘. Outro ―vulgarismo‖ é a presença de betacismo, ou seja, a passagem de v
a b, a bocce ‗em voz alta‘ para indicar a consoante reforçada, além de outros fatores de ordem
gráfica como a vogal i por e em secrita, típico do latim pré-carolíngio (TRIFONE, 1992, p.
342-43).
Segundo Rosa Casapullo (2011),
O termo língua vulgar (ou simplesmente vulgar) refere-se às línguas faladas (e
depois também escritas) por todos na Idade Média, pelos aristocratas e pelo povo,
pelos eruditos e pelos ignorantes, pelos religiosos e pelos laicos, em todas as
situações informais da vida cotidiana. A língua da comunicação formal, falada e
escrita, era o latim (ou gramática, como era chamado na Idade Média), praticado
60
unicamente pelos eruditos ou literatos.
É importante ressaltar que em Roma, desde o início, escrever no idioma local
implicava uma transgressão, ou uma expressividade baixa e violenta. Trifone (1992, p. 543)
fala de uma verdadeira impressão genética ligada a uma acentuada percepção do prestígio
linguístico em uma sociedade multiforme e estratificada. É o que comprova a Iscrizione di
San Clemente, do fim do século XI, com a evidente dicotomia entre latim e vulgar para
caracterizar, também no plano linguístico, a distância entre os dois mundos: de um lado, a vox
divina de Clemente (Duritiam cordis vestris saxa traere meruistis); de outro, o hiperrealístico palavrão de seu perseguidor pagão, Sisinnio, que ordena aos servos que conduza o
Santo ao martírio (Fili de le pute, traite/Figli di puttane). O vulgar se qualifica como «um
instrumento de expressão culturalmente e socialmente inferior ao latim» (TRIFONE, 1992, p.
544).
60
Il termine lingua volgare (o semplicemente volgare) si riferisce alle lingue parlate (e poi anche scritte) nel
medioevo da tutti, aristocratici e popolani, dotti e ignoranti, religiosi e laici, in tutte le situazioni informali della
vita quotidiana. La lingua della comunicazione formale, parlata e scritta, era, invece, il latino (o gramatica,
com‘era
chiamato
nel
medioevo),
praticato
unicamente
dai
dotti,
o
litterati.
http://www.treccani.it/enciclopedia/lingua-delle-origini_(Enciclopedia_dell'Italiano)/ (Acesso em: 22/12/15).
63
Trifone (1992, p. 545) relata também que em Roma, nos séculos XII e o XIII, o
vulgar se desenvolveu positivamente, resultado de uma renovação da identidade urbana
provocada pelo nascimento e pela consolidação do regime municipal e pela ascensão da
burguesia agrária e mercantil – contrária ao poder temporal da Igreja – à direção política da
cidade (renovatio Senatus de 1144). Nos anos do governo popular de Brancaleone degli
Andalò (1252-1258), período de maior efervescência das estruturas e dos ideais de município,
têm origem Storie de Troja et de Roma e Miracole de Roma, as duas obras em prosa mais
relevantes da Itália mediana do século XIII.
As Storie de Troja et de Roma são uma tradução anônima em vulgar romanesco do
século XIII das Multe Ystorie et Troiane et Romane, também anônima, escrita em Roma um
século antes com o objetivo de oferecer algumas noções históricas e lendárias a um público
alfabetizado, mas com pouca intimidade com o latim. O estudioso (TRIFONE, 1992, p. 545)
observa que o texto chegou até nós através de três cópias toscanas dos séculos XIII-XIV; em
duas cópias manuscritas, percebe-se um colorido linguístico primitivo com alguns latinismos:
ao lado de formas dialetais como castiello (castelo) e cuorpo (corpo), com os ditongos
metafônicos próprios do antigo romanesco, encontramos castello e corpo, que poderiam ser
tanto latinismos como toscanismos introduzidos nas cópias.
Já no que diz respeito à obra Miracole de Roma, Trifone (1992, p. 545-47) observa
que trata-se de uma ―vulgarização‖ de Mirabilia Urbis Romae, do século XII, considerada o
mais antigo ―guia turístico‖ escrito em italiano vulgar. Tal obra fala das maravilhas
arquitetônicas e dos acontecimentos históricos da antiga Roma; como nas Storie, tem-se a
presença do latim e do romanesco, na tentativa de dar vida a um ―vulgar‖ literário e de
diminuir os traços dialetais extremos.
Segundo o mencionado autor, o início do século XIV marca o ponto mais baixo da
história do romanesco, com o famoso julgamento de Dante, que afirmou no De vulgare
eloquentia que a fala urbana era a mais feia da Itália e ligou o caráter bruto da língua à
depravação dos costumes (TRIFONE, 1992, p. 547).
Mas muitos foram os acontecimentos históricos da época que contribuíram para a
mudança da sociedade romana do século XIV, a exemplo do exílio do papado para Avignon,
de 1309 a 1377, que, por um lado, bloqueou as importantes atividades econômicas e culturais
ligadas a cúria e, por outro, favoreceu a democratização dos organismos políticos do
município e o fortalecimento da iniciativa privada. Os efeitos disso podem observados a partir
da metade do século: a revolução de Cola di Rienzo, a crise do baronato, a reforma dos
Estatutos de 1363 e, sobretudo, a ascensão dos mercantes e dos empreendedores agrícolas,
detentores de toda a estrutura produtiva e comercial, o que resultou em uma nova consciência
64
do vulgar urbano e uma grande literatura municipal (MANCINI, 1987a, p. 46-49; DE
CAPRIO, 1987, p. 495-505).
De acordo com D‘Achille (1989, p. 11), o romanesco, nos últimos anos do século
XIV, ganha novos espaços e demonstra ter «uma dignidade linguística também nas faixas
sociais elevadas»
61
, aparecendo, pela primeira vez, também nos atos notariais. O uso do
romanesco nesses documentos dependia de uma necessidade jurídica e de um fator emotivo.
Nesse sentido, o importante era a correspondência entre o que se dizia e o que se escrevia para
alcançar o entendimento entre as partes. Mas Trifone (1992, p. 548) relata que, já na segunda
metade do século XV, a partir do retorno do pontífice a Roma, percebe-se o declínio do uso
dessa variedade.
O auge do momento de vitalidade do dialeto se deu com a anônima Cronica, escrita
por volta de 1357-1358. A obra narra os acontecimentos europeus dos anos de 1325 a 1357,
mas principalmente a história de Cola di Rienzo, escrita em vulgar, já que o público era
constituído por mercantes alfabetizados, mas que não sabiam o latim. Segundo Trifone (1992,
p. 548-550), a Cronica representa a «atestação mais alta e dramática do esforço de autonomia
urbana»
62
antes da afirmação definitiva do papa, sendo o ponto de referência para o
conhecimento do romanesco antigo ou de primeira fase antes do influxo toscano.
Quanto à fisionomia desse dialeto de primeira fase, Trifone (1992, p. 550) observa
que possui características ―centro-meridionais‖ (mediano-meridionais) com algumas aberturas
para o toscano, podendo ser identificados pelo menos dois traços fonéticos típicos do
romanesco original que se aproximam dos dialetos toscanos e se opõem àqueles medianomeridionais:
a) as tônicas fechadas e e o: nero, neri, rosso, rossi ‗preto‘, ‗pretos‘, ‗vermelho‘,
‗vermelhos‘ contra a restante área mediana e meridional que nos mesmos casos
substituiu as vogais internas e e o com i e u: niru, niri, russu, russi;
b) além disso, o romanesco compartilha com o toscano o único êxito –o de –O e –U
latinas: HOMO > omo, BONUM > buono ‗homem, ‗bom‘, enquanto que os dialetos
medianos conservam a átona final originária e, portanto, a distinção entre –o e –u
(omo, bonu).
Já entre os vários casos de aproximação do romanesco com os dialetos centromeridionais, Trifone (2008, p. 28) observa que, em primeiro lugar, vem a ditongação
61
una sua dignità linguistica anche presso fasce sociali elevate.
62
attestazione più alta e drammatica dello sforzo di autonomia urbana.
65
metafônica de e, o tônicas abertas, muito diferente do toscano porque independe da estrutura
da sílaba, sendo condicionado pela presença de Ī e Ŭ finais: tiempo, dienti, cuorpo, uocchi
‗tempo‘, ‗dentes‘, ‗corpos, ‗olhos‘. Em suma, os exemplos antes citados comprovam que na
Roma medieval podia-se ouvir formas como pede, omo, sem os ditongos toscanos; por outro
lado, havia formas como tiempo, uocchi, com os ditongos meridionais.
Concluindo as considerações sobre o período que antecede a toscanização do século
XV, o mesmo estudioso (TRIFONE, 2008, p. 29) elenca alguns traços característicos do
romanesco de primeira fase, de um ponto de vista fonético:
a) assimilação progressiva de NB, MB a nn, mm (quanno/quando ‗quando‘;
piommo/piombo ‗chumbo‘);
b) africação da sibilante: penzare/pensare ‗pensar‘; apparze/apparse ‗apareceu‘.
c) ditongação metafonética: tiempo/tempo ‗tempo‘; dienti/denti ‗dentes‘; cuorpo/corpo
‗corpo‘; uocchi/occhi ‗olhos‘;
d) b inicial e intervocálica >v: vocca/bocca ‗boca‘; civo/cibo ‗comida‘; vraccio/braccio
‗braço‘; livro/libro ‗livro‘;
e) passagem de v a b em posição reforçada: a bboce/a voce ‗em voz alta‘;
f) êxito j diferente do toscano, que tem g (i): iente/gente ‗gente‘;
g) passagem de RJ a r: macellaro/macellaio „açougueiro‘; e de SJ a s surda:
camisa/camicia ‗camisa‘;
h) assimilação regressiva KS> ss: cossa/coscia ‗coxa‘;
i) passagem de GN a n: lena/legna ‗madeira‘;
j) epítese de –ne: ène/è ‗é‘.
2.2 Séculos XV E XVI
2.2.1 A toscanização do século XV
Trifone (1992, p. 553) relata que o período mais fecundo do ―vulgar‖ romanesco foi
o século XV, devido à enorme quantidade de material documentário, pois sempre foi mais
utilizado pelos falantes nas crônicas, nos diários, nas escrituras práticas, na literatura popular.
Mas, por outro lado, nesse período inicia-se o processo de ―toscanização‖ da língua escrita, ou
o uso mais formal, que prepara a passagem do romanesco ―de primeira fase‖ àquele ―de
segunda fase‖ ou ―desmeridionalizado‖, quando há o declínio das características dialetais
meridionais do romanesco.
66
Nesse sentido, segundo De Mauro (1995, p. 24), o processo de italianização
linguística se deu em Roma com uma antecipação de séculos, diferentemente de em outras
cidades da península, onde se dará somente nas décadas pós-unitárias.
Trifone (1992, p. 554) nos explica que tal acontecimento está diretamente
relacionado aos acontecimentos históricos de Roma desse período, especialmente a volta
definitiva do papado a Roma, com Martino V (1420), que deu início à desmunicipalização da
vida política e social urbana. O poder passa para as mãos dos curiais, os quais, por vários
motivos, preferem confiar no capital financeiro e na iniciativa comercial de Florença e, devido
a isso, na metade do século XV há uma forte presença de florentinos de todos os níveis:
intelectuais, mercantis, artesãos. Com o passar do tempo, quando a Igreja reabsorve a cidade
para si, a identificação cultural da classe dirigente ―romanófona‖, junto com o seu idioma,
tende a enfraquecer-se.
2.2.2 A variação de registro e de classe na Roma do século XV
Como nos textos citados acima, a ―toscanização‖ do século XV reflete especialmente
a produção escrita ou formal da classe alta da sociedade romana, e é no século XVI que o
processo de enfraquecimento dos traços meridionais do romanesco atingirá todos os falantes.
A esse respeito, Trifone (1992, p. 554) observa que a história linguística de Roma se
caracteriza pela lacuna existente entre o uso escrito e falado, causada pelos desníveis sociais e
culturais acentuados da sociedade mais heterogênea de toda a Itália. Devido a isso, alguns
traços
recorrentes
nos
textos
em
vulgar,
como,
por
exemplo,
a
polimorfia
(annamo/andamo/andiamo ‗vamos') ou a hipercorreção, serão hábitos que acompanharão toda
a história do romanesco.
Quanto à relação entre comunicação escrita e comunicação oral, Trifone (1992, p.
554-55) observa que Roma é o oposto de Florença: enquanto os documentos dos arquivos
florentinos são escritos em vulgar, cujas formas, desde as origens, espelham a realidade
dialetal, os arquivos romanos contêm muitos documentos, primeiramente, em latim, e depois
em toscano ou quase toscano.
Essa distinção entre escrita e fala atingirá o romanesco, como observou Migliorini
(1932, p. 114), que verificou uma decadência desse dialeto. Posteriormente, esta tese é
contestada por Mancini (1987a, p. 44), que identifica no romanesco médio, pertencente à
classe média, o elemento que faltava para a reconstrução miglioriana. Tal variedade, dotada
de uma autonomia ausente na variedade alta, representa o ponto de união entre o romanesco
de primeira fase e o de segunda fase. Nesse sentido, Trifone é do parecer de que a hipótese
67
manciniana ultrapasse a hipótese miglioriana, que fala de uma mecânica «decadência», já que
a primeira identifica uma variedade média, capaz de construir um itinerário evolutivo próprio.
Também para Serianni (1989a, p. 266-67), tal «decadência» do romanesco pode ser
contestada devido à «presença de vários traços fonéticos inovadores autônomos, ausentes no
romanesco mais antigo e característicos do romanesco do século XVI»,
63
além da
«continuidade de outros fenômenos que resistem às pressões ―toscanizantes‖ ainda hoje».
64
Alguns traços dialetais se difundiram após a Cronica, tais como:
a) o ditongo metafônico eu ao lado de uo do século XV e início do XVI: cuerpo/corpo
‗corpo‘; lueco/luogo ‗lugar‘;
b) a monotongação de uo em o aberta: bono/buono ‗bom‘, a partir do século XVI;
c) o declínio da lateral palatal (gl ‗lh‘) a j: fijo, presentes nos escritos de Peresio a partir
do século XVII;
d) a apócope da sílaba final nos infinitivos, que se afirmou entre os séculos XV e XVI:
èsse/essere ‗ser‘; parlà/parlare ‗falar‘.
Sendo assim, Trifone (1992, p. 555-56) faz uma reconstrução do status do vulgar em
Roma no século XV a partir do esquema de Mancini (1987a) (variedade alta, média e baixa),
que consegue explicar, graças à noção de romanesco «médio», a sobrevivência dos requisitos
de individualidade e vitalidade do dialeto, mesmo em pleno regime de toscanização
linguística.
A variedade alta ou ―oficial‖ compreende os estatutos, os avisos e os documentos
curiais, nos quais a toscanização é total. Nesse sentido, o mencionado autor explica que a
noção de ―oficial‖ não indica tanto uma diferença de classe, mas, sim, uma diferença de
registro, o qual se distingue em literário ou formal e usual ou informal. De fato, havia
romanos capazes de utilizar os dois registros, conforme a situação, como testemunham os
Diari, de Stefano Caffari, rico mercante pertencente à cúria que vivia uma realidade de
trilinguismo latino-romanesco-toscano.
Quanto ao romanesco médio, Trifone (1992, p. 556) enfatiza a dificuldade de
estabelecer os limites entre uma variedade e outra do repertório, devido ao caráter de
continuum em todas as faixas de textos, indo do nível alto informal aos níveis médio e
popular da descrição de Mancini; já a variedade baixa será caracterizada pela produção dos
semicultos.
63
presenza di diversi tratti fonetici innovativi autonomi, sconosciuti al romanesco più antico e caratteristici del
romanesco post-cinquecentesco.
64
dalla continuità di altri fenomeni che resistono alle spinte toscanizzanti‘ ancora oggi.
68
Alguns exemplos de romanesco médio citados por Mancini (1987a) são: para o
registro literário, um ―lamento‖ em tercetos de Paolo Petrone e um poema do notário Antonio
De Tomeis; para o registro usual, o Diario della città di Roma, de Antonio De Vasco; para a
variedade popular e o registro literário, há textos religiosos como os Tractati, de padre
Giovanni Mattiotti, sobre a santa Francesca Romana; e, para o registro usual, o livro de
receitas de medicina prática de Stefano Barocello.
Nos textos há pouco citados, Trifone (1992, p. 556-57) chama a atenção para a
homogeneidade linguística e, de um ponto de vista quantitativo, ele nota que o ditongo
metafônico aparece pouco, e só no tipo ie (vitiello/vitelo ‗bezerro‘), nos Diari de Caffari; é
também rara sua ocorrência no poema de Del Tomeis, em que há as duas formas: ie e eu. Já
nos Tractati, aparecem muito os ditongos ie e uo (fierro/ferro ‗ferro‘ e gruosso/grosso
‗grande‘).
Quanto aos outros fenômenos que separam o romanesco de primeira fase do
romanesco de segunda fase, temos como exemplo: a conservação de j (ietta/getta ‗joga‘) e a
troca de b e v (boce/voce – ‗voz‘). Os traços citados, próprios do nível mais popular, foram
progressivamente abandonados pelos falantes, enquanto que os traços do nível médio
resistiram, a exemplo da manutenção de E protônica de (di ‗de‘) e de AR átono (sufixo –
areccio); das assimilações de KS em ss (lassare/lasciare ‗deixar‘) e de NB, MB em nn, mm
(quanno/quando ‗quando‘; piommo/piombo ‗chumbo‘); da passagem de NS, LS, RS a nz, lz, rz
(penzo/penso ‗penso‘; polzo/polso ‗pulso‘; perzo/perso ‗perdido‘); e da redução de RJ a r
(sufixo –aro).
Trifone (1992, p. 558) menciona uma parcial toscanização das escrituras médio-altas
do século XV, de modo que ainda não se pode dizer que havia uma ―desmeridionalização‖ do
romanesco falado, ocorrida apenas no século XVI. A presença maciça dos mercantes
florentinos inseridos na sociedade romana, capazes de constituir um grupo de referência
também linguística, não foi suficiente para determinar a crise do dialeto falado; somente com
a revolução demográfica da primeira metade do século XVI é que se pode falar de uma
verdadeira mudança linguística em Roma. De fato, Trifone (2008, p. 59) afirma que:
A reviravolta demográfica causada pelo Saque de 1527 e pelo sucessivo
repovoamento da cidade causa uma aceleração à crise do romanesco de primeira
fase. A forte imigração centro-setentrional daquele período, forte a ponto de causar a
―desmeridionalização‖ étnico-linguística da cidade, terá a Toscana em primeiro
lugar, graças à política pró-florentina de Clemente VII de‘ Medici. 65
65
Il rivolgimento demografico causato dal Sacco del 1527 e dal successivo ripopolamento della città imprime
un moto di accelerazione alla crisi del romanesco di prima fase. La forte immigrazione centro-settentrionale del
secondo quarto del Cinquecento, tale da determinare la smeridionalizzazione etnico-linguistica della città, vede
in prima linea la Toscana, grazie alla politica filo-fiorentina di Clemente VII de‘ Medici.
69
2.2.3 A “língua cortesã”
A nação dos florentinos, formada durante o século XV, alcança o seu apogeu durante
os dois pontificados Medici, de Leone X (1513-1521) e de Clemente VII (1523-1534). Assim,
a consequente toscanização se torna um aspecto simbólico de promoção social, almejada
pelos setores emergentes de um núcleo urbano em contínuo movimento. Isso vai fazer com
que esses grupos em ascensão, sensíveis à moda linguística lançada pela cúria, avaliem
negativamente o vulgar romanesco (TRIFONE, 1992, p. 559).
Outro fator importante neste período, de acordo com as palavras de Trifone (2008, p.
46), foi a imigração de vários humanistas de várias regiões da Itália à corte pontifícia (como,
por exemplo, Bembo, Calmeta, Trissino). Estes eram a favor da língua cortesã como
instrumento comunicativo supraregional, de um vulgar que fosse prestigioso e ―comum‖.
Todo esse movimento causará efeitos linguísticos diretos especialmente no uso cortesão; mas,
por outro lado, a melhoria do tom cultural reforça a tendência das classes superiores urbanas
de assumirem um comportamento crítico com relação ao próprio dialeto nativo e a evitá-lo
nos registros elevados.
Trifone (1992, p. 560), entretanto, verifica que a mesma «invasão» florentina nos
primeiros quinze anos do século XVI não justificou a intensidade e a rapidez do declínio dos
traços meridionais do romanesco. Para entendermos, então, como se deu tal mudança, é
necessário trazemos alguns dados relativos à população de Roma.
2.2.4 Os efeitos linguísticos do Saque de 1527
Trifone (1992, p. 562) nos apresenta um documento descoberto recentemente – o
«Número de todas as bocas que estavam em Roma no ano de 1551»
66
– e relatado por
Antonucci (1989c, p. 63) que esclarece o momento de aceleração do processo que causou a
crise do romanesco de primeira fase: entre 1527 e 1551, a cidade passou de 30 mil habitantes
(logo depois do Saque) para 80-85 mil habitantes, com um aumento de aproximadamente 50
mil pessoas. Se pensarmos que apenas 30 mil habitantes sobreviveram ao Saque de 1527,
chegaremos à conclusão de que os ―não romanos‖ eram mais da metade; portanto, Trifone
66
Numero di tutte le bocche che si trovavano in Roma l‘anno 1551.
70
(1992, p. 563) levanta a hipótese de que, em 1550, a população de Roma era formada por 7580% de imigrados ou filhos de imigrados.
A partir destas e de outras pesquisas, pode-se perceber a predominância centrosetentrional (96%) no quadro de imigrantes. Em primeiro lugar, vem a população proveniente
da Toscana, graças à política pró-florentina de Clemente VII de‘ Medici. Segundo Trifone
(1992, p. 563), o número de toscanos devia ser igual ao de romanos: isso explicaria o binômio
toscanização/permanência dos traços locais.
Como dito anteriormente, o Saque de 1527 teve um impacto fortíssimo sobre a
história de Roma. Isso porque, de acordo com De Mauro (1989, p. 20), acabou enfraquecendo
a já precária identidade étnico-linguística dos romanos, reduzidos a poucos milhares de
indivíduos, além da forte onda migratória de origem centro-setentrional. Com isso, os
romanos foram obrigados a usar «plataformas linguísticas de mediação»
67
com os muitos
romanos-não-romanos, dos quais a maioria era toscana, explicando-se, assim, a preferência
pela variedade toscanizada. Sendo assim, no final do século XVI, o processo acaba investindo
globalmente os horizontes do romanesco, em todas as camadas e em todos os seus empregos.
2.3 Do século XVII à unificação
Trifone (1992, p. 566) cita os números de Castiglioni (1881) e Friz (1974) para
comprovar o forte aumento demográfico em Roma, sobretudo em virtude da população
proveniente do Lácio e das outras regiões do Estado Pontifício após os acontecimentos do
século XVI. Em 1600, os habitantes são mais de 100 mil; em 1700 (ano jubilar), chegam a
aproximadamente 150 mil, mantendo-se assim até 1800 e ultrapassando os 200 mil em 1870.
Paralelamente ao crescimento demográfico, Trifone verifica também que o
desenvolvimento do comércio estimulou o interesse pelo uso funcional da escrita. Como
resultado disso, houve grande procura por instrução, e, com o consentimento da autoridade
pontifícia, promoveu-se o ensino elementar como meio de controle ideológico e social.
Nasce assim, em Trastevere, em 1597, a primeira escola popular gratuita da Europa,
obra do sacerdote espanhol Giuseppe Calasanzio, aberta aos filhos homens de famílias pobres
e administrada por religiosos. Durante os séculos XVII e XVIII, as estruturas escolares se
consolidam e estendem a instrução também às mulheres. Todavia, Trifone (1992, p. 566)
observa que, para quase todas as mulheres e para muitos homens, a educação se restringia à
67
piattaforme linguistiche di mediazione.
71
leitura, enquanto que o treinamento da escritura era dedicado somente a quem tinha
exigências profissionais especiais.
Trifone (2008, p. 61) nos relata que a Igreja tinha uma influência tão forte sobre as
massas populares que chegava a condicionar a vida da cidade, já que a presença de religiosos
na capital do catolicismo era mais consistente do que em qualquer outra cidade da Itália,
chegando a 5% da população. Roma se transforma em uma cidade de prestígio, devido às suas
relações com os ambientes culturais e europeus, graças às bibiotecas e também à
Universidade de Roma, que atraía estudantes vindos de todas as regiões da Itália e também do
exterior.
2.3.1 Língua e dialeto no teatro romanesco do século XVII
Trifone (1992, p. 568) observa que o bom nível da instrução pública e a censura
social sobre o romanesco influenciará a escrita dos falantes-escritores, o que explica o
desaparecimento desta variedade dialetal nos textos após o século XVI. Em virtude disso, a
literatura dialetal reflexa será a única fonte documentária para a reconstrução da sua evolução.
A partir do contato com esses textos, Trifone (1992, p. 569) pôde verificar que
algumas comédias do século XVII apresentavam personagens populares que falavam em
romanesco e quase sempre eram figuras de servos, como já na comédia Le stravaganze
d‟amore, de Castelletti (1587). Diferentemente de Belli, os autores dos séculos XVII e XVIII
procuravam, ao usar o romanesco, um efeito bizarro e de diversão, como podemos perceber
na comédia Falsi mori, de Giovanni Battista Pianelli (Roma, 1638), em que o arrogante
Iacaccia é caracterizado através do uso do dialeto. Em Fausto ovvero il sogno di Don
Pasquale, de Francesco Maria De Luco Sereni (Roma, 1665), o autor define, no prefácio, o
romanesco dos personagens como uma «linguagem vil» 68, que revela a origem plebeia e, no
caso de Pasquale, a sua deficiência intelectual.
Trifone (1992, p. 569) verifica também que, a partir da comparação da língua destas
comédias com o romanesco ainda de primeira fase da Stravaganze d‟amore, percebe-se o
avanço da toscanização. Mas, ao mesmo tempo, observa-se a presença de gírias, que serviriam
para devolver um ―colorido‖ lexical ao dialeto; no diálogo de Ciumaca, em Torti vendicati, há
uma forma relevante do ponto de vista do dialeto: carche/qualche ‗alguma‘, com a redução de
qu- a simplesmente k- e a passagem da l pré-consonântica a r (rotacismo). Este último
fenômeno se estabiliza no romanesco a partir do século XVII; todavia, carche já pode ser
encontrado em Stravaganze d‟amore.
68
linguaggio vile.
72
No plano morfológico, aparece a segunda pessoa do plural do perfeito
mettessivo/metteste ‗vocês colocam‘, além de outras formas, como a assimilação de ND a nn, a
africação da sibilante em parze/parse ‗pareceu‘ etc. Nesse caso, a caracterização cômica da
linguagem de Ciumaca deve-se à bizarria do léxico da gíria, representado por palavras como
bruna/notte ‗noite‘ e pietro/mantello ‗manto‘.
Em seguida, falaremos também um pouco sobre alguns poemas do século XVII,
importantes por constituirem documentos da progressiva evolução do romanesco.
2.3.2 Os romanos Peresio, Berneri e Micheli
Alguns poemas heroico-cômicos em dialeto datam das últimas décadas do século
XVII: Jacaccio, de Giovanni Camillo Peresio, e Meo Patacca, de Giuseppe Berneri, cuja fala
foi considerada por Micheli, no século sucessivo, «[...] hermafrodita, não sendo nem bom
romanesco, nem bom toscano» 69 (TRIFONE, 2008, p. 66).
Mas, como observa Trifone (1992, p. 570), o estudo dos poemas deste período
também indica que o romanesco continuava a ser usado para a caracterização de pessoas
vulgares. De fato, em Il Jacaccio overo il Palio conquistato, o autor faz uso do dialeto do
«povo vulgar», que, «para se distinguir dos nobres e cidadãos romanos, é chamado de
romanesco»
70
. Tal juízo confirma a acentuada estratificação linguística da cidade, em que o
italiano convive com o romanesco do povo, enquanto que esta última variedade é instável e
influenciada pela língua de prestígio.
Segundo Trifone (1992, p. 571), Benedetto Micheli (1699-1784) foi a maior
testemunha da fala urbana, uma vez que conseguiu captar a variabilidade característica do
dialeto de Roma, resultado do cruzamento da variedade alta e baixa.
2.3.3 Giuseppe Gioachino Belli
No século XIX, Giuseppe Gioachino Belli (1791-1863) escreve em romanesco os
Sonetti, uma obra-prima da poesia italiana. Já na Introduzione ai Sonetti, é possível perceber o
juízo negativo de Belli com relação ao romanesco: uma «língua defeituosa e corrompida»,
69
ermafrodito, non essendo né buon romanesco, né buon toscano.
70
popolari del volgo; per distincione dei nobili e cittadini romani sono chiamati romaneschi.
73
que não pode chamar-se «italiana e nem romana, mas romanesca», filha bastarda de uma
«plebe ignorante» 71.
Trifone (2008, p. 74) verifica que nos Sonetti é possível perceber a pressão do
italiano sobre o romanesco: no âmbito fonético, percebe-se o italianismo (varda > guarda
‗olha‘; immriaco > imbriaco ‗bêbado‘); já quanto ao léxico, há a alternância de palavras em
romanesco com sinônimos em italiano (mo/adesso ‗agora‘; zompá/sartà ‗pular‘).
Ainda de acordo com Trifone (1992, p. 573-4), a sensibilidade linguística e a
capacidade de captar a polimorfia do romanesco presentes em Belli podem ser verificadas
através da passagem de rr a um só r, constituindo a mais importante inovação fonológica do
romanesco daquele período. Trata-se de um fenômeno presente no uso comum da cidade, que
pode ser demonstrado no soneto L‟astrazione de Roma, com a palavra terina/terrina
‗sopeira‘, primeira forma usada pelo povo comum.
Tal fenômeno se introduz em Roma entre os séculos XVI e XVII, em decorrência da
imigração do restante do Lácio e das outras zonas do Estado Pontifício, onde a substituição do
tipo tera por terra ‗terra‘ é muito difundido, mas se afirma somente nos sonetos de Chiappini,
depois de 1865. Isso explica por que com Belli as formas com dois rr prevalecem, embora já
constituam um grupo relevante: teremoto ‗terremoto‘, vorebbe ‗gostaria‘, aringrazià
‗agradecer‘ e muitas outras. Trifone (2008, p. 77-78) nos faz perceber a adesão belliana à
realidade instável e multiforme do romanesco do século XIX, um dialeto cuja interferência
com o italiano havia se fixado no uso culto.
Concluímos esse período com o balanço feito por Tullio De Mauro (1995, p. 26), o
qual observa que na metade do século XIX Roma era o único centro não toscano em que a
italofonia era uma obrigação social, sendo compreensível em toda a Península logo após a
unificação. Diferentemente dos outros estados italianos pré-unitários, em Roma o dialeto era o
idioma desprezado das classes subalternas, relegado aos níveis sociais mais baixos.
2.4 Da unificação até os dias atuais
De acordo com Trifone (2008, p. 577), a unificação política inaugura uma nova fase
da história italiana com Roma como capital. Fatores como a centralização dos órgãos
administrativos e burocráticos do Estado, das agências jornalísticas e, no século XX, das
principais casas cinematográficas, do rádio e da televisão fazem de Roma um fundamental
71
favella tutta guasta e corrotta; italiana e neppure romana, ma romanesca; plebe ignorante.
74
centro de irradiação da língua nacional, determinando uma tendência à italianização dos
dialetos, liderando o processo de formação dos italianos regionais.
Trifone (1992, p. 577) relata um período marcado pelo debate pós-ressurgimento
sobre a relação entre «questão romana» e «questão da língua», ligado à exigência política de
um polo unificador. Sendo assim, durante o regime fascista, foi reproposta a velha solução da
«língua toscana em boca romana» inspirada no ―eixo linguístico Roma-Florença‖. De fato, a
localização das instalações cinematográficas, radiofônicas e televisivas na capital favoreceu a
promoção nacional de uma pronúncia florentina neutra, próxima à variedade usada pelos
romanos mais cultos em circunstâncias muito formais, desativando, assim, o provincianismo
linguístico.
2.4.1 Um modelo de língua burguesa
Segundo Stefinlongo (2012, p. 19), houve um enorme fluxo migratório para a Roma
pós-unitária, de modo que o número de habitantes cresceu exponencialmente: 212.432 em
1871; 422.411 em 1901; 930.926 em 1931; 1.651.754 em 1951; 2.781.993 em 1971; até
chegar a 2.830.569 em 1981. Já o censo de 2001 registra uma flexão demográfica que
privilegia as cidades próximas: em 2001, o número de habitantes diminui quase 300 mil
pessoas com relação a 1981, enquanto que no mesmo período os habitantes da província se
estabilizam em cerca de 3,7 milhões. Usando a definição de Stefinlongo (1999), o
transbordamento da cidade no subúrbio favorece a ―neorromanização‖ de uma periferia
sempre maior.
Na longa fase de expansão romana, a maior contribuição para o aumento
populacional teve origem nas regiões centro-meridionais, com o Lácio em primeiro lugar, mas
sem deixar de lado a contribuição setentrional, sobretudo dos piemonteses. De acordo com
Trifone (2008, p. 97), essa forte presença de imigrados vindos de regiões diferentes
colaborou, principalmente, para o enfraquecimento dos seus próprios dialetos e do dialeto
local, fazendo com que se estendesse o domínio da italofonia.
Segundo Trifone (2008, p. 98), o impulso à italofonia constitui o elemento linguístico
do programa de avanço social de uma classe média emergente, composta por funcionários,
professores, comerciantes, pequenos empreendedores e profissionais, que tinham interesse na
nova liderança e mostravam-se fechados quanto à classe mais baixa.
Já o comportamento da aristocracia e da alta burguesia era diferente. Eles recorriam
ao romanesco como marca de classe, como forma reacionária e ―antipiemontesa‖: segundo De
Mauro (1989, XIV), «como já tinha acontecido nos últimos anos da Revolução francesa e do
75
movimento giacobino, o dialeto foi para os papalinos romanos o símbolo de uma identidade
que eles achavam que estivesse comprometida por causa do Estado unitário»
72
. Como
consequência disso, por muitos anos, os mesmos falantes cultos da burguesia urbana
continuaram a usar um tipo de italiano com peculiaridades locais, sobretudo nos registros
familiares e cotidianos, mas também com reflexos na escrita e no uso formal.
De Mauro (1995, p. 150) observa que há uma situação de movimento no dialeto
devido à forte corrente imigratória, principalmente de origem centro-meridional, provocando
um processo de ―neomeridionalização‖ linguística (STEFINLONGO, 2012, p. 21). Esse
processo se manifestou através de uma maior difusão, inclusive na classe média, de traços
tipicamente meridionais, antes presentes somente nas áreas suburbanas e entre as classes
sociais mais baixas. Todo esse movimento no dialeto contribuiu para alguns fenômenos
descritos primeiramente pelo crítico Porena, em 1925:
a) redução definitiva de rr a uma só consoante r (guera/guerra ‗guerra‘);
b) tendência à queda da letra d na preposição de („n pezz‟e pane/un pezzo di pane ‗um
pedaço de pão‘);
c) desenvolvimento de um traço novo: o desaparecimento de l nos artigos, nas
preposições articuladas, nos pronomes pessoais, no demonstrativo: quello>quelo
‗aquele‘, a mojje/la moglie ‗a esposa‘, daa tera/dalla terra ou della terra ‗da terra‘, nu
mmoo dì/non me lo dire (‗não me diga‘), eccaa/eccola (‗aqui está‘), que bbestie/quelle
bestie (‗aqueles animais‘). A redução de l nas preposições articuladas (dello/delo ‗do‘,
della/dela ‗da‘) e no pronome demonstrativo (quello/quelo ‗aquele‘) já tinha sido
assinalada no século XVIII por Benedetto Micheli, em Avvertimenti linguistici do
poema La libbertà romana. Mas Porena faz uma descrição nestes termos: geralmente,
o l reduzido cai; no início da frase, conserva-se antes de vogal tônica ou átona
(l‟ovo/l‟uovo ‗o ovo‘, l‟amichi/gli amici ‗os amigos‘); no meio da frase, conserva-se
somente antes da vogal tônica (coci l‟ovo/cuoci l‟uovo ‗cozinhe o ovo‘, quanno
l‟apro/quando l‟apro ‗quando o/a abro‘ (TRIFONE, 2008, p. 100).
Mas, como afirma Trifone (1992, p. 581), se, por um lado, alguns traços dialetais
novos aparecem, por outro, o processo de italianização progride, especialmente com relação à
anafonese, que se afirma transformando definitivamente lengua e fongo dos textos antigos em
lingua e fungo (―língua‖ e ―cogumelo‖). Desaparecem, além disso, algumas formas verbais
típicas, como as do imperfeito annamio/andavamo ‗íamos‘, vedemio/vedevamo ‗víamos‘ e
72
come era già avvenuto negli anni della Revoluzione francese e dell‘ondata giacobina, il dialetto fu per papalini
e codini romani il simbolo di una identità che temevano ora compromessa dallo Stato unitario.
76
partimio/partivamo ‗partíamos‘, preferidas por Belli e ainda usadas até a metade do século
XX.
Segundo Trifone (1992, p. 582), o romanesco consegue sobreviver em pleno
processo de italianização. O autor concorda com os estudiosos Marano (1984, p. 222),
Stefinlongo (1985, p. 48-51), Vignuzzi (1988, p. 633) e Ernest (1989, p. 319-20) quando estes
dizem que a proximidade estrutural da língua italiana faz com que o dialeto não se imponha
como código alternativo, dotado de função específica, porque é visto como um «italiano
incorreto, vulgar», usado por pessoas incultas e vulgares (os valentões e arrogantes ―coatti”
das periferias) ou para as comunicações de caráter informal, inibindo ou reduzindo muito a
sua capacidade de se desenvolver de forma autônoma.
Consequentemente, Stefinlongo (2012, p. 23) afirma que, ainda nos dias de hoje, a
oposição fundamental em Roma não é tanto entre falar italiano, dialeto ou qualquer outra
língua, mas entre ―falar bem‖ – ou seja, como uma ―pessoa decente‖ (em um italiano correto,
formal, sem regionalismos) – e ―falar mal‖ – ou seja, em um italiano errado, dialetal, típico de
―pessoa vulgar‖.
Além do juízo negativo relacionado ao uso do romanesco por parte da própria
comunidade, o que mais contribuiu para o enfraquecimento do romanesco foi a falta de um
substrato cultural e material que o alimentasse.
Nesse sentido, Stefinlongo (2012, p. 24) afirma que os costumes, as tradições e
muitas das profissões que caracterizavam um modo de viver específico desapareceram. Além
disso, mudou o tipo de relação do cidadão romano com o seu ambiente, com o bairro (rione),
a rua, como mudou também o modo de ver a vida, o valor da família, do trabalho, dos amigos,
a ponto de tornar problemática a definição de ―romanesquidade‖. Tornou-se difícil também
identificar em quais bairros a cultura e o dialeto romanesco mantêm uma identidade e
vitalidade próprias; no máximo, é possível identificar alguns bairros sobreviventes, como
Borgo, Monti, Trevi, Testaccio, Trastevere, e algumas classes sociais: sobretudo pequenos
comerciantes, artesãos e operários, de faixa etária mais alta.
Quanto à funcionalidade, Stefinlongo (2012, p. 24) afirma que o romanesco não é
utilizado como língua alternativa ao italiano, conforme a situação comunicativa; também em
contextos informais (em família, com os amigos), a maior parte das pessoas usa o italiano ou
um tipo de italiano regional, ou, ainda, um italiano popular com traços dialetais, mas
raramente usará o verdadeiro dialeto em toda a conversação, nem terá a consciência de estar
usando outro código. Portanto, no sistema sociolinguístico romano:
77
o dialeto não pode ser considerado a língua para o uso informal e descontraído, mas
a língua das classes que, segundo o grau de instrução, o tipo de cultura, estão no
ponto mais baixo da escala social: ou seja, a linha de demarcação entre a língua
italiana, a variedade dialetal ou o dialeto tout court não passa pelo conceito de
função, mas pelo valor social e de prestígio. 73
Como já foi dito anteriormente, os próprios habitantes de Roma não consideram o
romanesco uma língua verdadeira, mas uma pronúncia errada e vulgar do italiano, juízo que
tem suas raízes já em Belli, que recusava a definição de dialeto e etiquetava este italiano mal
pronunciado de «língua miserável e engraçada» 74, falada pelo povo. Por todas essas e outras
razões que já foram explicitadas anteriormente, Stefinlongo (2012, p. 25-27) afirma que não
se deveria falar de um verdadeiro dialeto, mas, sim, de uma variedade dialetal urbana que
quase sempre corresponde ao registro baixo, regional, popular do italiano.
2.4.2 As principais variedades do repertório romano de hoje
Trifone (2008, p. 106) traça as principais linhas do atual repertório linguístico
romano, mas não através da articulação comum variedade alta/ variedade média/ variedade
baixa. Isso porque o continuum romano não permite fazer cortes precisos entre um nível e
outro, apresentando uma situação de ―confim muito difundido‖ entre as variedades. As
categorias estabelecidas pelo autor são desenhadas levando em conta o comportamento do
falante romano com relação ao italiano standard, e são:

O italiano de Roma ou italiano standard inclui as mesmas particularidades de
pronúncia que as pessoas instruídas (capazes de dominar o código escrito) costumam
conservar, muitas vezes involuntariamente, também quando ―falam bem‖.

O chamado ―italiano de Roma‖: é próprio dos romanos instruídos quando não se
preocupam em ―falar bem‖, mas também dos romanos não instruídos quando,
inversamente, tentam ―falar bem‖.

O verdadeiro dialeto urbano: é a variedade mais distante do italiano standard.
73
il dialetto non può essere considerato come una lingua adibita istituzionalmente all‘uso pi informale e
disinvolto, ma come la lingua di quei ceti che, per grado d‘struzione, tipo di cultura, si pongono negli scalini più
bassi della scala sociale: la linea di demarcazione tra lingua italiana, varietà dialettale o dialetto tout court, non
passa cioè attraverso il concetto di funzione, ma attraverso quello di valore sociale e di prestigio.
74
lingua abbietta e buffona.
78
Para Stefinlongo (1985, p. 52), o resultado é uma tripartição, que tem a vantagem de
não cortar em nenhum lugar o continuum e, portanto, reflete melhor a realidade linguística
romana: por exemplo, um mesmo falante romano poderia usar o italiano standard com
estranhos, o italiano de Roma com os familiares ou os amigos e a variedade dialetal no
estádio. Na parte central do continuum, o falante tem a possibilidade de «revezar
continuamente traços do standard com traços do italiano ―romano‖ e de dialeto».
Trifone (1992, p. 582) relata que Tullio De Mauro (1995, p. 159) foi o primeiro a
indagar sobre o percurso de aproximação entre os dialetos e a língua standard, distinguindo
quatro principais variedades de italiano: setentrional, toscano, romano e meridional. No
italiano de Roma (ou italiano standard), as características articulatórias e entonativas têm
muita relevância, enquanto que há divergências com relação à pronúncia normativa. Um
exemplo dessa divergência é o uso da vogal e, que pode variar entre aberta e fechada: o
romano farébbe ‗faria‘, léttera ‗carta‘, trènta ‗trinta‘ em contraposição ao florentino farèbbe,
lèttera, trénta; o romano colònna ‗coluna‘, dòpo ‗depois‘, pòsto ‗lugar‘ em contraposição ao
florentino colónna, dópo, pósto.
Para Trifone (2008, p. 107) os fenômenos mais característicos do italiano de Roma
ou standard são:
a) perda do elemento oclusivo na africada c(i), já presente na obra belliana na distinção
entre pasce/pace ‗paz‘ e pesce/pece ‗betume‘;
b) reforço de b e g(i) nos tipos robba/roba ‗coisa‘, Luiggi/Luigi ‗Luís‘;
c) africação da sibilante depois de líquida ou nasal: penzo/penso ‗penso‘, borza/borsa
‗bolsa‘, falzo/falso ‗falso‘.
Já entre as características mais significativas do ―italiano de Roma‖, ou variedade
média, em primeiro lugar encontra-se a e protônica, nos clíticos ti, mi, si, ci e na preposição di
– fenômeno já presente no romanesco de primeira fase, que antecede o influxo toscano
(TRIFONE, 2008, p. 29). Outros fenômenos característicos desta segunda variedade romana
são:
a) semissonorização das oclusivas surdas tênuas p, t, k, quase como em ibodega/ipoteca
‗hipoteca‘;
b) passagem de gl a j intensa, que pode se reduzir a j (fijjo/fijo/figlio ‗filho‘) e a i
fio/figlio – fenômeno que se desenvolveu entre os séculos XV e XVIII (D‘ACHILLE,
2012);
c) passagem de rr a r, como em guera/guerra ‗guerra‘ – fenômeno que se desenvolveu
entre os séculos XVI e XVII (TRIFONE, 2008, p. 77), sendo, portanto, considerado
79
romanesco de segunda fase, afirmando-se definitivamente após a forte corrente
migratória pós-unitária, vinda sobretudo do centro-sul (TRIFONE, 2008, p. 120);
d) palatalização de nj: gnente/niente ‗nada‘;
e) aférese dos artigos indefinidos un, una („n no lugar de un ‗um‘; „n‟ e „na no lugar de
una ‗uma‘; „no no lugar de uno ‗um‘) e da vogal antes da nasal (me „nteressa/mi
interessa – ‗me interessa‘; se „mpegnano/si impegnano – ‗se empenham‘). A aférese
indica a queda da vogal inicial de uma palavra e é muito comum na língua falada
(especialmente nos níveis diafásicos e diastráticos baixos) (SORIANELLO &
CALAMAI, 2005; MAROTTA, 2005);
f) aférese da sílaba inicial nos pronomes demonstrativos: „sto/questo ‗este‘, „sta/questa
‗esta‘, sti/questi ‗estes‘;
g) infinitivos apocopados: parlà/ parlare ‗falar‘ com retração de acento nos verbos da
segunda classe: véde/vedere ‗ver‘. A apócope silábica indica a queda da sílaba final da
palavra (BATTAGLIA & PERNICONE, 1951; SERIANNI, 1989), afirmando-se entre
os séculos XV e XVI;
h) apócope no verbo essere na 1ª pessoa do singular e 3ª do plural (―sou‖ e ―são‖): da
forma sò para sono.
Ao extremo inferior do repertório, Trifone (2008, p. 109) apresenta a terceira
variedade, o romanesco, que os próprios habitantes da cidade às vezes denominam
romanaccio quando se referem não tanto à variedade, mas a alguns componentes
considerados mais vulgares. Pertencem a este nível, além dos já citados para as duas classes
precedentes:
a) mudança do monotongo ò para o ditongo uò: bono/buono ‗bom‘ – romanesco de
primeira fase (TRIFONE, 2008, p. 28);
b) passagem de a protônica a e nas proparoxítonas: levete/levati ‗saia‘;
c) assimilação progressiva de nd a nn (quanno/quando ‗quando‘) e de ld somente em
callo/caldo ‗calor‘ e derivados – romanesco de primeira fase ou antigo (TRIFONE,
2008, p. 29);
d) rotacismo do l antes da consoante (cortello/coltello ‗faca‘) e no artigo masculino
singular (er/il ‗o‘) – fenômeno que se estabiliza no romanesco a partir do século XVII,
embora já estivesse presente em Stravaganze d‟amore (1587);
e) lex Porena: variação de dois ll a um l nas preposições articuladas (delo/dello,
dela/della „do‘, ‗da‘) e no pronome demonstrativo (quelo/quello ‗aquele‘)
(MAROTTA, 2002-2003 e 2005); e vocalização total do l nos artigos definidos e nas
80
preposições articuladas (a mojje/la moglie ‗a esposa‘; daa tera/dalla terra ou della
terra ‗da terra‘), com concomitante alongamento da vogal (oo/lo) – traço desenvolvido
em decorrência das migrações pós-unitárias, afirmando-se nas últimas décadas do
século XX e levando o nome do crítico que, em 1925, o descreveu (Manfredi Porena).
Em Roma città aperta e Il sorpasso, observamos que não há casos do fenômeno da
passagem de ll a l; já em Viaggi di nozze, este é um traço predominante nas falas de
Ivano;
f) palatalização de ng em gn: magnà/mangiare ‗comer‘ – fenômeno que se desenvolveu
entre os séculos XV e XVIII, sendo parte do romanesco de segunda fase
(D‘ACHILLE, 2012);
g) variação de tt a um t: matina/mattina ‗manhã‘;
h) duplicação: das consoantes iniciais em llì ‗ali‘, llà ‗lá‘, ppiù ‗mais‘, cchiesa ‗igreja,
ssedia ‗cadeira‘; de m em nummero ‗número‘; de d em luneddì/lunedì ‗segunda-feira‘;
de l em ce ll‟ho/ce l‟ho ‗eu tenho‘;
i) apócope dos alocutivos: perda da sílaba átona final, como em dottó!/dottore! ‗doutor!‘
e Marcè!/Marcello! ‗Marcelo!‘;
j) apócope pós-vocálica: indicada pelo apóstrofo na língua escrita (SERIANNI, 1989, p.
81), é muito usada em algumas variedades regionais do italiano falado, sobretudo em
contextos diafásicos baixos, com muitas classes morfológicas, como, por exemplo:
apócope dos possessivos (mi‟/mio padre ‗meu‘) e dos numerais (du‟/due ‗dois‘);
k) u protônica no lugar de o: nun/non ‗não‘, que pode se reduzir a n‟;
l) apócope de r em per e de n em con: pe/per ‗para‘ ‗por‘, co/con ‗com‘;
m) enfraquecimento da consoante v intervocal: davero/davvero ‗verdade‘.
Para Stefinlongo (1985, p. 51), estas e outras peculiaridades não constituem um
idioma unitário, alternativo com relação ao standard, e sim uma «variedade dialetal urbana»
do italiano. Neste sentido, o estudioso Bernhard (1992) sugere a denominação de ―romanesco
de terceira fase‖ para tal variedade pós-belliana, uma vez que se caracteriza pelo declínio de
alguns traços dialetais e, por outro lado, por alguns traços inovadores, como, por exemplo, o
tipo anafonético fongo substituído por fungo, ou as formas do imperfeito do indicativo, como
stamio/stavamo ‗estávamos‘, quase desaparecidas; ou, ainda, a generalização da redução de r
(guera) e o enfraquecimento do l nas condições da ―lex Porena‖.
Trifone (2008, p. 111) ressalta que a etiqueta de ―romanesco de terceira fase‖
introduz alguns elementos de desequilíbrio na periodização. Isso porque, se pensarmos que
cada tipo de romanesco, seja o de primeira fase ou o de segunda fase, durou aproximadamente
81
meio milênio, o romanesco de terceira fase teria pouco mais de um século. A propósito disso,
Vignuzzi (1994, p. 29), diferentemente, prefere usar a fórmula ―romanesco de segunda fase e
meia‖. De fato, considerando a escolha de Vignuzzi, Trifone ressalta que, devido à
dificuldade de interpretar um processo ainda em andamento e que poderia durar por um tempo
indefinido, não se pode dizer com certeza se a etiqueta ―romanesco de terceira fase‖ se
caracteriza principalmente pelo desenvolvimento de novos elementos dialetais ou pela
italianização ou pelas duas coisas.
Portanto, para Trifone (2008, p. 111), o romanesco belliano já poderia ser definido
de ―segunda fase e meia‖, se considerarmos as suas diferenças comparado com o romanesco
dos séculos XVI e XVII, quando o dialeto estava em plena segunda fase. Nesse sentido, de
acordo com o estudioso, a fórmula proposta por Vignuzzi abrangeria um princípio de validade
geral: a evolução linguística não prossegue tanto por fases, mas, sim, por meias fases, como é
o caso atual do romanesco, que atravessa uma fase intermediária, com desenvolvimentos
futuros imprevisíveis.
2.4.3 O neorromanesco juvenil
Trifone (2008, p. 117-18) observa que nos últimos anos há uma presença de uma
―nova dialetalidade heterodoxa‖, ou seja, um neorromanesco mais expressivo, que parece
uma gíria e que vai se apropriar das linguagens da marginalização e do mundo da droga. O
estudioso mostra como o cinema, o teatro e a narrativa penetraram nesses ambientes, com
resultados de muito interesse linguístico, como o filme Amore tossico (1983), de Claudio
Caligari.
Ainda segundo o autor, essa linguagem dos jovens tem uma circulação muito maior,
afirmando-se também no italiano regional das gerações adultas e no próprio italiano standard
de registro informal, sendo depois propagada pelos meios de comunicação, os quais recorrem
a locuções e termos da gíria – como una cifra ‗muito‘, coatto ‗pessoa ignorante‘, rosicare ‗ter
inveja‘ – com o claro objetivo de dar atualidade e energia ao texto, com um olhar sem
preconceitos e não conformista.
Mas, como ressalta Giovanardi (2001) em Note sul linguaggio dei giovani di
borgata, é necessário diferenciar o comportamento linguístico dos jovens de periferia, para os
quais o neorromanesco constitui o único recurso disponível, do dos jovens de condição social
e cultural mais alta, os quais possuem um leque expressivo mais amplo, incluindo o italiano
ou uma variedade próxima do standard. Diferentemente dos primeiros, que não conseguem
82
sair do monolinguismo de base, os últimos escolhem o dialeto urbano e a gíria dos jovens
com finalidades lúdicas, como uma provocação à língua dos pais, dos professores, dos adultos
em geral.
Uma característica da fala juvenil é a rapidez de pronúncia; tal tendência,
acompanhada por pouco cuidado elocutivo, faz com que estejam presentes alguns traços que
na fala dos adultos não aparecem ou são menos acentuados, como a tendência de transformar
o som de c de ciao e certo quase em sciao e scerto (som de x).
Concluindo esse panorama sociolinguístico sobre a evolução do romanesco, Trifone
(2008, p. 121) afirma que, nos últimos anos, a neodialetalidade juvenil foi a responsável por
restituir vigor ao romanesco, mas ao mesmo tempo contribuiu para a perda de prestígio da
variedade romana de italiano, sendo percebida ainda hoje pela própria comunidade como uma
língua vulgar.
83
3 METODOLOGIA DA PESQUISA
3.1 Aspectos teórico-metodológicos
Como já informado, a realização desta pesquisa tem como base as teorias propostas e
defendidas por Sergio Raffaelli (1992) e Fabio Rossi (1999, 2006, 2007).
Especificamente, o objeto de nosso trabalho são as falas fílmicas em romanesco de
três filmes selecionados de três períodos históricos diferentes: Roma città aperta (1945), de
Roberto Rossellini; Il sorpasso (1962), de Dino Risi; e Viaggi di nozze (1995), de Carlo
Verdone. Portanto, o primeiro objetivo da nossa pesquisa é observar o grau de
formalidade/informalidade das falas fílmicas através da maior ou menor presença de traços
fonéticos do romanesco, levando em consideração o continuum linguístico romano. Para
tanto, foi necessário um estudo sobre a história do cinema e da sociedade italiana nos períodos
considerados.
Mas, antes de prosseguirmos, esclarecemos que a escolha do corpus foi com base em
dois critérios: filmes que tivessem tido impacto sobre o público e que retratassem a situação
sociolinguística daquele período.
Neste sentido, quanto ao primeiro filme do nosso corpus, Roma città aperta,
pensamos em abordar um filme neorrealista, devido a sua importância e a sua inovação
linguística na história da cinematografia italiana: o Neorrealismo dá ao dialeto a dignidade
perdida nos anos do regime fascista, ganhando um relevo histórico incomparável
(RAFFAELLI, 1992, p. 107), que ia ao encontro com as temáticas daquela época, como a
guerra. Neste sentido, como aprofundado no item 1.2.2.1, Roma espelha a realidade
plurilíngue daqueles anos de guerra: de um lado temos o alemão dos ocupantes, o italiano dos
pequeno-burgueses e dos não romanos e o romanesco utilizado pelos romanos como «código
dos afetos».
O segundo filme analisado por nós, Il sorpasso, comentado no item 1.2.2.3, também
vai espelhar as mudanças sociais dos anos 1950, como por exemplo, a euforia causada pelo
boom econômico, se pensarmos que o filme aborda o processo de industrialização pelo qual
passava o país, como podemos ver já pelo título do filme.
Além disso, outro aspecto desse período que nos interessou foi o fato de o cinema
italiano ter conseguido colher todas essas mudanças sociais e também linguísticas que
estavam ocorrendo na sociedade (entre as quais o contato direto entre dialeto e italiano que
resultou nos italianos regionais) e modifica a própria linguagem, adotando um repertório
sempre mais coloquial, depois de anos de estereotipia dos filmes do Neorrealismo rosa. De
84
fato, em Il sorpasso, vemos algumas inovações linguísticas da época, segundo Raffaelli
(1992, p. 127): emprego mimético de um italiano marcado por traços fonéticos,
morfossintáticos e lexicais de matriz dialetal (italiano regional) e a abertura aos léxicos das
linguagens setoriais, como por exemplo, todas as vezes que o protagonista, Bruno, faz
comentários sobre seu carro e sobre a máquina distribuidora de cigarro.
Outro fator importante que nos levou a essa escolha, foi devido à importância desse
filme para a cinematografia: além de inaugurar esta nova tendência linguística, tornou-se
fenômeno de culto nos Estados Unidos: o diretor Dennis Hopper inspirou-se em Il sorpasso
para escrever o cult movie Easy Rider
75
. Também faz parte, juntamente com Roma città
aperta, da lista dos «100 filmes que mudaram a memória coletiva do País entre 1942 e 1978».
76
Já no que diz respeito ao terceiro filme, escolhemos Viaggi di nozze devido ao desejo
de abordar uma obra de Carlo Verdone, cineasta-ator romano considerado herdeiro de Alberto
Sordi, dada a sua capacidade de reviver também em seus filmes a figura do romano,
representante da classe média.
De fato, em Viaggi di nozze Verdone mostra três tipos de romanos daquela época
caracterizados diastraticamente: Raniero, médico rico, representante de uma classe social de
bem-sucedidos; o outro representado pelo italiano de classe média e, o terceiro, representado
pelo novo rico arrogante de periferia, na figura de Ivano.
Especialmente sobre o último personagem, Ivano, Ciccotti (2001, p. 292),
entrevistando seus alunos, verificou que todos respondiam que gostavam do cinema de
Verdone porque reconheciam estas figuras popolares: «Os tipos assim falam e se movem
assim. Alguns eu vejo no bar perto de casa‖» 77 . De acordo com Montini (1997, p. 98), este
filme representa a apoteose do cinema de Verdone, além de ter sido uma retomada de dois de
seus precedentes filmes de sucesso Un sacco bello (1980) e Bianco rosso e Verdone (1981).
A partir da cronologia exposta no item 1.2 sobre a relação entre língua italiana e
dialetos do cinema italiano, ficou evidente que, especialmente depois dos anos 1960, o cinema
adotou sempre mais um repertório linguístico com tendência à coloquialidade, que culminou,
nos anos Noventa, com o retorno da gravação ao vivo e o uso sempre menos estereotipado do
dialeto por parte dos cineastas.
75
http://www.treccani.it/enciclopedia/il-sorpasso_(Enciclopedia-del-Cinema)/ (Acesso no dia 22/01/16).
76
100 pellicole che hanno cambiato la memoria collettiva del Paese tra il 1942 e il 1978.
http://www.corriere.it/spettacoli/08_febbraio_28/elenco_cento_film_d83cacd8-e5ce-11dc-ab610003ba99c667.shtml (Acesso no dia 22/01/16).
77
I tipi cos parla(/e)no e se movo(/e)no proprio cos . Certi ce l‘ho sotto ar baretto de casa mia!
85
Todos estes fatores nos levaram a escolher um filme de Verdone. É neste período
que, de acordo com Ciccotti (2001, p. 292), o romanesco se torna ―espelho‖ legitimado das
importantes mudanças sociais.
Quanto à análise do corpus escolhido, teremos como base o trabalho de Fabio Rossi
(1999, p. 16), o qual fez um estudo da frequência de alguns fenômenos fonéticos,
morfossintáticos, pragmáticos e lexicais para a identificação do grau da variação diafásica
(formal/informal) em seis filmes italianos, compreendidos no período que vai de 1948 a 1957.
Tendo em vista estes objetivos, as características da fala fílmica podem ser resumidas
da seguinte forma: a fala fílmica possui uma múltipla natureza, ou seja, nasce como texto
prescrito, para ser recitado, não sendo, portanto, espontâneo. Outros fatores que diferenciam
esta fala são as várias passagens que constituem o meio que a reproduz, a começar pelas
próprias características técnicas do meio (gravação e dublagem das vozes; montagem, etc).
Essas características, somadas aos vínculos ideológico-econômicos - exigência de ser
compreensível para toda a plateia e desejo de não perturbar a sensibilidade de um público que
deseja ver encenado um discurso limpo, conforme a gramática, distante do discurso cotidiano
– vão separar a língua do cinema da língua falada e da língua escrita.
Todavia, Fabio Rossi (1999, p. 18) afirma que a copresença dos canais fônicos e
visuais no cinema sonoro, bem como a exigência de compreensibilidade por todos e de
reprodução do mundo e da língua com verossimilhança, além das características técnicas do
meio, são fatores que no final tornam o cinema ―realista‖. Sobre este tema, concorda Pasolini
(1972, p. 229), quando afirma que o cinema é a língua escrita da realidade e, portanto,
representa a realidade através da realidade:
Se o cinema não é outra coisa além da língua escrita da realidade (que se manifesta
sempre em ações), significa que não é arbitrário nem simbólico: e representa,
portanto, a realidade através da realidade. Concretamente, é através dos objetos da
realidade que uma câmera, momento após momento, reproduz [...]. A este ponto
pode-se identificar a relação da minha noção gramatical do cinema com aquela que
é, ou pelo menos acredito ser, a minha filosofia ou o meu modo de viver: que não
me parece outra coisa a não ser um alucinado, infantil e pragmático amor pela
realidade. 78
Todavia, se levarmos em conta a estrutura da fala fílmica, percebemos que, quando
se fala de realismo no cinema, é preciso considerar as suas características dialógicas, pois são
78
Se il cinema altro non è dunque che la lingua scritta della realtà (che si manifesta sempre in azioni), significa
che non è né arbitrario né simbolico: e rappresenta dunque la realtà attraverso la realtà. In concreto, attraverso gli
oggetti della realtà che una macchina da presa, momento per momento, riproduce [...]. Ecco, a questo punto si
può individuare il rapporto della mia nozione grammaticale del cinema con quella che è, o almeno io credo
essere, la mia filosofia, o il mio modo di vivere: che non mi sembra altro, poi, che un allucinato, infantile e
pragmatico amore per la realtà.
86
muito diferentes das da fala real, o que é assim sintetizado por Emanuela Cresti (1987a, p. 6265):
O diálogo cinematográfico é geralmente mais lento do que o espontâneo, as palavras
são pronunciadas com mais exatidão porque falta a possibilidade de pedir
confirmação; a articulação dos argumentos, ou mais precisamente da informação nos
enunciados, é obtida graças às pausas entre um bloco e o outro; e assim por diante.
Mas a comparação entre a fala espontânea e a fala cinematográfica [...] deve levar
em consideração que uma troca comunicativa real é constituída por atos linguísticos
e que o aspecto pragmático da relação intersubjetiva determina a forma linguística
dos enunciados, decidindo quais aspectos lexicais e sintáticos serão utilizados. A
obra fílmica, por sua vez, é uma representação de acontecimentos e de relações
intersubjetivas, e não uma série de atos; portanto, a linguagem desta fala não tem
valência pragmática de relação [...]. Assim, a diversidade técnica do diálogo fílmico
leva, por um lado, a uma maior exatidão de pronúncia, a pausas entre os blocos de
informação e, logo, a uma lentidão geral com relação à fala; por outro, o seu
diferente valor pragmático leva à concentração de uma história para fins
representativos. O diálogo cinematográfico deve conciliar estes dois parâmetros, sob
alguns aspectos opostos, em todo caso diferentes, à velocidade e à dispersão do
diálogo real. A naturalidade dialógica, portanto, deve ser entendida como o resultado
de uma recriação linguística que, respeitando a lentidão e a concentração fílmica,
ofereça, todavia, uma impressão de espontaneidade. Tudo isso pode ser alcançado
com o uso de sábias elisões e de oportunas redundâncias que imitem procedimentos
próprios da fala ou com a impostação sintática dos enunciados. 79
Tendo em vista tais pressupostos teóricos, esclarecemos, nesta sede, que a nossa
escolha pela expressão fala fílmica, utilizada por Rossi (1999, p. 33), teve como finalidade
reduzir equívocos e interferências com outro âmbito de estudo, o semiológico, que considera
―língua‖ e ―linguagem‖ todo o sistema de sinais do filme, e não somente os diálogos dos
atores:
Prefiro a expressão ―fala fílmica‖ em vez de outras possíveis (―língua fílmica‖,
―língua filmada‖, ―linguagem cinematográfica‖, todas atestadas) a fim de reduzir o
risco de equívocos e de interferências com outro âmbito de estudos, o semiológico,
que com ―língua‖ e ―linguagem‖ entende um aspecto muito mais complexo: todo o
79
Il dialogo cinematografico è in genere più lento di quello spontaneo, le parole sono pronunciate con più
accuratezza, perché manca la possibilità di chiedere conferma; l‘articolazione degli argomenti, o pi
propriamente dell‘informazione negli enunciati, viene ottenuta grazie a delle pause tra un blocco e l‘altro, e cos
via. Ma il confronto tra il parlato spontaneo e quello cinematografico [...] deve tener conto del fatto che uno
scambio comunicativo reale costituito da atti linguistici e che l‘aspetto pragmatico del rapporto intersoggettivo
determina la forma linguistica degli enunciati, decidendone aspetti lessicali e sintattici. L‘opera filmica, invece,
una rappresentazione di avvenimenti e di rapporti intersoggettivi, e non una serie di atti; per cui il linguaggio non
ha in essa valenza pragmatica di rapporto [...]. La diversità tecnica del dialogo filmico, dunque, porta da un lato
ad una maggiore accuratezza di pronuncia, alle pause tra i blocchi di informazione e quindi ad una complessiva
lentezza rispetto al parlato, dall‘altro il suo diverso valore pragmatico porta invece alla concentrazione di una
storia per fini rappresentativi. Il dialogo cinematografico deve conciliare questi due parametri per certi aspetti
opposti, in ogni caso diversi, alla velocità e alla dispersione del dialogo reale. La naturalezza dialogica, quindi,
deve essere intesa come il risultato di una ricreazione linguistica che pur assecondando la lentezza e la
concentrazione filmica, offra tuttavia un‘impressione di spontaneità. Tutto ciò può essere raggiunto con l‘uso di
sapienti elisioni e di opportune ridondanze che imitino procedimenti propri del parlato o con l‘impostazione
sintatica degli enunciati.
87
sistema de sinais do filme (imagens, palavras escritas e orais, barulhos e sons), não
somente os diálogos dos atores. 80
Sendo assim, torna-se imprescindível o estudo das características da fala fílmica com
relação à fala escrita e oral, tendo como base as contribuições de Fabio Rossi (2007, p. 7-16),
o qual esclarece que a fala fílmica se enquadra na categoria da língua transmitida (língua dos
meios de comunicação) 81, isto é, veiculada por um sistema técnico de reprodução sonora e/ou
visual. Entre as características principais dos ―transmitidos‖, sobretudo do fílmico, estão sua
natureza intermédia entre escrito e falado e a tendência à simplificação, à atenuação das
variedades e à normatização linguística. Os principais aspectos da língua transmitida podem,
então, ser resumidos em sete pontos:

não compartilhamento do contexto por parte dos emitentes e destinatários;

unidirecionalidade do ato comunicativo (ausência de feedback);

multiplicidade dos emitentes (produção coletiva da mensagem);

heterogeneidade dos destinatários (destinação de massa da mensagem);

distância entre o momento de preparação do texto, o momento da sua execução
e o da sua recepção;

―simulação‖ da fala espontânea;

presença de um aparato técnico-econômico para a preparação e a transmissão
da mensagem.
Quanto às principais diferenças entre comunicação escrita, falada e filmada,
trazemos o esquema idealizado por Rossi (2007, p. 14):
Tabela 1: Diferenças entre comunicação escrita, falada e fílmica
Diferenças entre comunicação escrita, falada e fílmica
Traços linguísticos
Escrito Oral
Fala
fílmica
Uniformidade das unidades linguísticas (turnos, frases,
enunciados)
-
-
+
Tendência à monologicidade
+
-
+/-
Extensão das unidades (turnos, frases, enunciados)
+
-
+/-
80
Preferisco l‘espressione ―parlato filmico‖ ad altre possibili (―lingua filmica‖, ―lingua filmata‖, ―linguaggio
cinematografico‖, tutte attestate) per ridurre il rischio di equivoci e di interferenze con un altro ambito di studi,
quello semiologico, che con «lingua» e «linguaggio» del film intende un aspetto molto pi complesso: l‘intero
sistema di segni del film (immagini, parole scritte e orali, rumori e suoni), non soltanto le battute degli autori.
81
(SABATINI, 1997).
88
Sobreposições, contaminações e outros‖ acidentes‖ dialógicos
-
+
-
Planejamento, coerência e coesão
+
-
+
Recurso a elementos para e extralinguísticos
-
+
+
Complexidade morfossintática
+
-
+/-
Densidade lexical
+
-
+/-
Presença de dialeto
-
+
+/-
Polarização com base no gênero
+
+
-
Aqui, explicaremos brevemente a terminologia técnica utilizada para elencar as
características principais da língua transmitida e as principais diferenças entre comunicação
escrita, falada e filmada do quadro.
Feedback é a capacidade que o falante tem de perceber e controlar o que está dizendo
e eventualmente se autocorrigir e é um aspecto que está presente somente nos intercâmbios
comunicativos realmente recíprocos, não ocorrendo, portanto, no cinema. O termo
―simulação‖ se refere à natureza realística da fala fílmica, a qual, mesmo que se distancie do
nível coloquial, é sempre mais próxima da fala espontânea do que de um texto escrito, devido
à ausência, no segundo, dos elementos paralinguísticos (pausas, entonações) e
extralinguísticos (tom de voz, gestos e mímica facial). ―Turno‖ ou ―diálogo‖ é uma porção de
texto oral pronunciada por um só locutor e delimitada pela tomada de palavra de outros
locutores ou pelo fim do diálogo. ―Enunciado‖ é uma porção de texto oral que corresponde a
um período ou uma frase no texto escrito. ―Contaminações‖ e ―acidentes dialógicos‖ são
todos os elementos que tornam uma conversação hiper-realística: sobreposições de diálogos,
palavras interrompidas, interjeições (ROSSI, 2007, p. 13-15).
No que diz respeito à ―densidade lexical‖, pode-se dizer que um texto é lexicalmente
denso quando o número de suas palavras cheias (de significado autônomo: substantivos,
adjetivos, verbos, quase todos os advérbios) ultrapassa o número de palavras vazias (palavras
gramaticais: conjunções, preposições, artigos etc.) e quando ele contém poucas repetições.
Rossi (2007, p. 15) comenta que alguns estudos recentes mostram que a fala fílmica se
encontra entre a baixa densidade lexical da fala espontânea e coloquial e a alta densidade da
língua escrita, além de ser mais complexa que a fala, mas menos que a escrita, no que se
refere à sintaxe e à morfologia.
A ―extensão dos turnos e dos enunciados‖ é superior no filme com relação aos
diálogos reais, de tal forma que há muitas cenas em que a fala se aproxima do monólogo.
89
Quanto à diferença de gênero e de estilo (trágico/cômico, mais ou menos literário),
percebe-se que, tanto na escrita quanto na língua falada, há uma maior diversificação
linguística; já a linguagem fílmica é menos polarizada: também nas escolhas lexicais, os
diálogos fílmicos não se distanciam das palavras do vocabulário de base, excluindo ou
reduzindo gírias, dialetalismos, tecnicismos, arcaísmos etc. (ROSSI, 2007, p. 15).
Podemos resumir as ―anomalias‖ linguísticas e textuais do filme: todo filme nasce de
um texto escrito (feito por uma equipe: diretor, roteirista, fotógrafo, montador, atores,
dubladores, produtores etc.), que, só nas últimas fases, se transforma em imagem, o que leva a
uma precariedade da palavra e a um distanciamento da fala cotidiana.
De fato, a fala fílmica é o resultado de uma série de passagens: pode ter como guia o
―tratamento‖ (que articula a estória em blocos narrativos, muitas vezes acompanhados por
esboços de diálogos) ou então o ―roteiro‖ (que amplia o ―tratamento‖, seja com comentários
sobre a divisão das cenas, a ambientação, a cenografia, seja com uma nova versão dos
diálogos etc.).
Portanto, a fala fílmica pode ser definida como um texto simulador da fala
(MANCINI, VEDOVELLI, DE MAURO, 1993, p. 121) que é lido em voz alta ou recitado; é
um texto escrito para ser dito como se não fosse escrito, ou melhor, é uma fala reproduzida
(RAFFAELLI, 1992, p. 152). Desse modo, a fala fílmica, inserida na tipologia geral de
―língua transmitida‖ (SABATINI, 1997) e veiculada por um meio audiovisual, pode se
colocar em uma posição intermediária entre a escrita e a fala, com tendência à simplificação, à
atenuação das variedades, à normatização linguística e à redução dos dialetos para maior
compreensão por parte do público, como já dito anteriormente.
Mas, segundo os estudiosos Sergio Raffaelli (1992), Gian Piero Brunetta (2001) e
Fabio Rossi (1999, 2007), ainda há poucos estudos sobre a fala fílmica, os quais foram
iniciados com Menarini (1955) e Carlo Battisti (1952). O primeiro dedicou à língua do
cinema uma importante seção dos próprios estudos sobre a gíria e o dialeto bolonhês, criando
uma nova disciplina: a «filmologia linguística»; o segundo criou as bases metodológicas da
análise linguística do filme e identificou todos os caminhos, tocando nos problemas do
dialeto, dos desvios da norma, das variabilidades diastrática e diafásica, da dublagem e da
relação entre a imagem e a palavra no cinema.
Será somente nos anos 1970 que a palavra fílmica suscitará interesse entre os
especialistas de cinema e de língua e sairá da marginalidade; como afirmou Brunetta (1970, p.
90
37 apud ROSSI, 1999, p. 43): «O cinema interessou os estudiosos de semiologia e os
estruturalistas, mas não provocou o interesse dos linguistas». 82
Para a sua recuperação historiográfica, contribuíram, de um lado, a rápida
diminuição do preconceito teórico e estético em relação à conexão fílmica da palavra com a
imagem e o aumento da acessibilidade a importantes filmes de um passado recente e dos
primórdios; e, de outro, a aplicação de critérios atualizados pela linguística e pela semiótica à
análise do conjunto verbal dos filmes. Nesse sentido, Rossi (2006, p. 23; 2007, p. 8) afirma
que Sergio Raffaelli e Gian Piero Brunetta foram os primeiros a se ocupar da língua do
cinema italiano e a traçar seu panorama linguístico, seguidos de outros pesquisadores nos
últimos anos.
Quanto ao aspecto metodológico, Fabio Rossi (1999) nos dá apoio na identificação
do critério de coleta e tratamento dos dados. Com base nesses estudos, como já foi dito
anteriormente, o critério de seleção será a escolha dos fenômenos fonéticos considerados
reveladores da variação diafásica (formal/informal) – a frequência de tais traços permitirá a
identificação do nível de formalidade/informalidade das falas fílmicas (diálogos dos atores) de
cada obra em questão.
Com base nestas afirmações, passemos à descrição das etapas seguidas para a
efetivação da análise do nosso corpus.
3.1.1 Observações sobre as transcrições e citações dos filmes
A primeira etapa de nossa análise consistiu na transcrição dos diálogos dos três
filmes escolhidos (Roma città aperta, Il sorpasso, Viaggi di nozze) em que se verifica a
presença do romanesco, o que permitirá a avaliação da frequência dos fenômenos fonéticos.
Ressaltamos que, pelo fato de não se encontrarem disponíveis os roteiros dos filmes, foi
necessário assistir aos mesmos para que então pudéssemos transcrevê-los, contando com o
apoio de uma segunda pessoa, nativa romana.
Rossi (1999, p. 21) afirma que o único modo de analisar diálogos de filmes é
transcrevendo-os, levando-se em conta a impossibilidade de uma fidelidade absoluta. Nesse
sentido, o estudioso baseou-se em Halliday (1992, p. 71), o qual ressalta a importância da
transcrição afirmando que «enquanto a língua falada não for transcrita, permanecemos
inconscientes dela» 83 e sugere também que, devido à impossibilidade de reproduzir todos os
82
Il cinema ha interessato gli studiosi di semiologia e gli strutturalisti, ma sempre rimasto un po‘ estraneo
all‘interesse dei linguisti.
83
finché la lingua parlata non viene trascritta, si resta largamente inconsapevoli di essa.
91
detalhes, o que se deve fazer é «[...] decidir quais características são importantes para o nosso
objetivo e deixar de lado as outras» 84.
Para uma maior legibilidade do texto, adotaremos o alfabeto standard no lugar do
alfabeto fonético. Além disso, ressaltamos que foram abandonados alguns sinais de pontuação
tradicionais (pontos e vírgulas para a descrição das pausas e das entonações da fala), sempre
de acordo com a metodologia de Rossi (1999).
A seguir, apresentaremos de modo esquemático os sinais de transcrição que
utilizaremos com base em Rossi (1999, p. 22-31), que, por sua vez, se fundamentou nos
estudos de Pagliaro (1970), Voghera (1992c), Bazzanella (1994, p. 84-92) e MacWhinney
(1995):
a) *: indica os personagens do filme. O nome do locutor é escrito com letras maiúsculas,
seguido por dois pontos e pelo texto do turno;
b) ?: indica o fim de um enunciado concluído com uma entonação interrogativa
(ascendente ou descendente-ascendente);
c) !: indica o fim de um enunciado concluído com uma entonação exclamativa
(ascendente-descendente);
d) ?!: indica o fim de um enunciado concluído com uma entonação intermédia entre
pergunta e exclamação (antes ascendente e de repente descendente no final do
enunciado);
e) //: substitui o ponto-final. Indica o fim de um enunciado concluído com uma
entonação de tipo assertivo;
f) /: substitui a vírgula. A barra simples indica o fim de uma unidade tonal, não
necessariamente acompanhada de pausa;
g) ...: indica o fim de um enunciado, ou de parte de um enunciado incompleto, deixado
no ar ou pronunciado em tom de hesitação (ascendente), seja por interrupção por parte
de um interlocutor, seja por outro motivo. Os três pontos somente assinalam o fim de
um enunciado se seguidos pela inicial maiúscula (com exceção dos nomes próprios)
ou por outro turno ou por outra cena. Caso contrário, indicam hesitação no âmbito do
mesmo enunciado;
h) #: indica pausa prolongada, de cinco a quinze segundos; e ##: indica pausa mais longa
que quinze segundos. Não são indicadas as pausas com menos de cinco segundos;
84
decidere quali caratteristiche sono importanti per lo scopo al quale si lavora e lasciare fuori le altre.
92
i) [ ]: serve para indicar as porções de texto parcialmente incompreensíveis (seja devido
ao mau estado da trilha sonora, seja por efeitos de sobreposições de vozes e de sons
criados pelo diretor) e não reconstruídas totalmente;
j) [...]: indica texto totalmente incompreensível;
k) < >: indica o fenômeno da sobreposição de turno;
l) « »: indica os trechos de texto somente escritos, e não recitados;
m) ― ‖: indica os trechos de textos lidos, recitados ou cantados;
n) inicial maiúscula: usada no início de cada turno e de cada enunciado, para os nomes
próprios e para os títulos (de canções, livros etc., e em todos os casos previstos pela
norma linguística italiana);
o) cena: como unidade de medida e de referência para as citações, considerou-se, em
primeiro lugar, o turno dialógico – entendido como o trecho de um texto recitado por
um mesmo ator, ainda que endereçado a diferentes interlocutores – e, depois, a cena –
entendida como uma porção de narração fílmica que contém unidade de tempo e de
lugar (se os interlocutores passam de um lugar ao outro sem elipse temporal, a cena
não muda; se na mudança de lugar tem-se uma mudança radical de todos os atores e
da situação, a cena muda), demarcada por pausas longas e, sob uma perspectiva
linguística, por mudança «relevante» de situação comunicativa (as elipses temporais e
espaciais fazem com que o tema dos diálogos mude de uma cena para outra). Segundo
Rossi (1999, p. 27), de um ponto de vista ligado à imagem fílmica, o conceito de cena
é considerado impreciso e sujeito a interpretações subjetivas;
p) nas citações dos filmes do corpus, indicaremos sempre a cena e o turno de onde foi
retirado o trecho: a abreviação c. indica a cena, seguida pelo número da cena. Cada
filme do corpus foi citado de forma abreviada, com a primeira palavra do título (por
exemplo: Roma = Roma città aperta).
Em seu trabalho, Rossi (1999, p. 28-31) indica alguns critérios de transcrição dos
traços fonéticos em casos de distinção de palavras homófonas que serão adotados no presente
trabalho, sendo compartilhados também por D‘Achille (2012) e Trifone (2008):
a) nos polissílabos apocopados, colocou-se sempre o acento (e nunca o apóstrofo:
annà/andare ‗ir‘). Os monossílabos e as formas aferéticas não apresentam acento nem
apóstrofo, a menos que não tenha sido útil distinguir os homófonos: 'o/lo ‗o‘ para
diferenciar da conjunção o ‗ou‘; nu „o so/ non lo so ‗não sei‘; vo‘/vuole ‗quer‘
diferenciado da vo/vado ‗vou‘; „sto(a)/ questo(a) ‗este(a)‘ diferenciados da primeira e
93
da terceira pessoa do presente do indicativo do verbo stare ‗estar‘, mas sti(e)/questi(e)
‗estes(as)‘ sem apóstrofo, já que não homófonos. Para fare ‗fazer‘ e stare ‗estar‘, foi
necessário distinguir três homófonos: fa ‗faz‘ e sta ‗está‘ na terceira pessoa do
presente indicativo; fa‟ ‗faça‘ e sta‟ ‗esteja‘ no imperativo; e fà ‗fazer‘ e stà ‗estar‘ no
infinitivo apocopado. Para dare ‗dar‘ e dire ‗dizer‘, fizeram-se as seguintes distinções:
da‟ ‗dê‘ e di‟ ‗diga‘ no imperativo; e dà ‗dar‘ e di‟ ‗dizer‘ no infinitivo apocopado.
Neste segundo caso, é inevitável a homografia entre o imperativo e o infinito
apocopado di‟, uma vez que a forma acentuada dì quer dizer giorno ‗dia‘. No caso de
palavras constituídas por apenas uma consoante, como, por exemplo, as aféreses dos
monossílabos no romanesco, o autor utilizou o apóstrofo ('l/ il ‗o‘; 'r [= er]/ il ‗o‘; 'n/
non ‗não‘ etc.) para facilitar o reconhecimento destas formas, nem sempre
transparentes em uma leitura inicial. O autor utilizou acentos e apóstrofos todas as
vezes em que havia a necessidade de desambiguar a leitura e a compreensão,
mantendo um critério econômico e homogêneo 85;
b) utilizou-se o j para indicar a pronúncia semiconsonântica da lateral palatal (fijo, mejo);
c) empregou-se š para a pronúncia da sibilante pré-consonântica e para a pronúncia
fricativa da c palatal surda intervocálica: špinaši/spinaci ‗espinafre‘, prešiso/preciso
‗claro‘;
d) empregou-se z para a africação da sibilante: penzo/penso ‗penso‘, falzo/falso ‗falso‘; e
gn para a palatalização de nğ: piagne/piange ‗chora‘ e para mostrar a típica pronúncia
palatal romana de nj + vogal: gnente/niente ‗nada‘;
e) para finalizar, na transcrição de palavras estrangeiras, o autor preferiu manter a grafia
da língua original, com exceção de alguns termos que entraram em uso no italiano e
que já foram adaptados à sua pronúncia, como, por exemplo as palavras occhei ‗ok‘ e
sciampo ‗shampoo‘. Além disso, o autor incluiu na transcrição e na análise somente os
textos de músicas cantados pelos personagens dos filmes, sendo assim considerados
parte integrante do texto fílmico e da trama, e não simples acompanhamento musical
(ROSSI, 1999, p. 30-31).
85
Para o uso do acento e do apóstrofo, o autor (ROSSI, 1999, p. 28) se baseou nos estudos de Serianni (1988, p.
29-30 e 68-69).
94
3.2 Coleta e tratamento dos dados
A análise dos dados da pesquisa será realizada por meio de ferramentas de
quantificação de dados, como o programa AntConc 3.4.4w, criado por Laurence Anthony,
cuja principal característica é listar as ocorrências de uma determinada palavra ou frase de um
corpus.
Os dados coletados no corpus desta pesquisa serão os traços fonéticos presentes nas
falas fílmicas dos personagens em que há a presença de traços fonéticos do romanesco com o
objetivo de verificar o grau de formalidade/informalidade, a partir das transcrições efetuadas
por mim, que constituiu na primeira etapa da análise.
Para a análise propriamente dita, elencamos, a seguir, algumas constatações que
fizemos ao longo de nossa pesquisa que nos levaram naturalmente a algumas escolhas, bem
como a elucidação de alguns critérios utilizados no tratamento dos dados:
 Na impossibilidade de se analisar todos os personagens envolvidos nos três filmes,
correndo o risco de gerar resultados imprecisos e discutíveis, optamos por nos
concentrar somente nos personagens protagonistas que mais utilizaram o romanesco
em suas falas. Desta maneira, para o filme Roma città aperta, escolheremos a
personagem Pina; já no segundo filme, Il sorpasso, o personagem Bruno, e para o
último filme, Viaggi di nozze, serão escolhidos dois dos três protagonistas: Ivano e
Giovannino;
 Partindo sempre das transcrições integrais de cada filme, faremos um primeiro
levantamento dos traços fonéticos relacionados às três variedades presentes no
continuum linguístico romano: variedade alta ou ‗de prestígio‘, variedade média ou
italiano de Roma e variedade baixa ou ‗de menor prestígio‘, apresentadas no item
2.4.2, tendo como base os estudos de De Mauro (1995, p. 159), Trifone (2008, p. 106)
e D‘Achille, Giovanardi (2001). Uma vez identificados os traços e observada a
frequência destes, os agruparemos de acordo com a variedade que lhe pertence. Esses
dados servirão para a confecção dos quadros de ocorrências e frequências dos traços
fonéticos presentes nos três filmes;
 Uma vez feito este levantamento geral, isolaremos das transcrições totais as falas dos
quatro personagens em questão: Pina, Bruno, Giovannino e Ivano e procederemos ao
mesmo tratamento de dados feito anteriormente;
95
 Para podermos chegar a um resultado final, ou seja, à média de ocorrência de cada
traço, quantificaremos também aquelas mesmas palavras sem o traço fonético, sempre
partindo do correspondente em romanesco. Por exemplo, após termos identificado a
frequência da apócope dos verbos no infinitivo, passaremos para a identificação dos
verbos no infinitivo não apocopados nas três conjugações are, ere, ire. Para tanto,
utilizaremos o asterico (*) seguido de are, ere e ire e assim obteremos o total, como
exemplificado pelo programa AntConc 3.4.4w. Na Figura 1 a seguir, apresentamos um
exemplo do uso do programa acima mencionado:
Figura 1: Exemplo do uso do programa AntConc 3.4 4w
Para que o leitor da presente pesquisa possa ter acesso aos três filmes do corpus,
apresentamos a seguir os links dos trechos que foram retirados a partir do canal Youtube:
a) para
Roma
città
aperta,
encontramos
o
link
do
filme
completo:
https://www.youtube.com/watch?v=zCcIpAYLQ8c;
b) para
Il
sorpasso,
encontramos
alguns
trechos:
as
cenas
iniciais
–
https://www.youtube.com/watch?v=O7aIg8dWTo&list=PLMdTmRmI17qWPRmQY1LBjBmCRJFulYSfk&index=2; a cena
que
sucede
a
visita
aos
parentes
de
Roberto
–
https://www.youtube.com/watch?v=PD9NEvnPRz0; a cena em que dão carona a um
senhor: https://www.youtube.com/watch?v=lggFtPoln1A;
96
c) já para Viaggi di nozze, encontramos alguns trechos de cenas entre Ivano e Jessica: em
viagem
de
carro
(O
famo
strano)
–
https://www.youtube.com/watch?v=-
5NUA709xC0&index=4&list=PLr9SDiv9WDGUs3zuPEthmuudd4P-JaU_8; com os
amigos
depois
da
ida
à
https://www.youtube.com/watch?v=HkOFPVXspbQ;
Giovannino,
o
trecho
da
cena
de
e,
discoteca
para
seu
o
–
personagem
casamento
–
https://www.youtube.com/watch?v=pRvOHMWe6jA.
A seguir, no tópico dedicado à análise propriamente dita, comentaremos os traços
fonéticos em que há a presença do romanesco identificados nos três filmes analisados.
97
4 ANÁLISE DO CORPUS
Tendo como base metodológica os estudos de Rossi (1999), faremos, neste capítulo, a
análise da presença do romanesco em três filmes italianos de diferentes períodos: Roma città
aperta (1945), de Roberto Rossellini, Il sorpasso (1962), de Dino Risi e Viaggi di nozze
(1995), de Carlo Verdone. Começaremos com a apresentação da ficha técnica (além do título
e ano), na qual são indicadas as seguintes informações: D. = diretor; R. = roteiristas; I. =
intérpretes principais (seguidos do nome do personagem interpretado em itálico).
Para cada filme, será feita uma sinópse, seguida pelo comentário relativo aos traços
linguísticos descritos no capítulo anterior. A análise dos dados será realizada por meio do
programa AntConc 3.4.4w. Sucessivamente, será apresentada uma tabela com os traços
fonéticos e o número de frequência relativos a cada filme analisado.
4.1 Roma città aperta
4.1.1 Ficha técnica
Roma città aperta, 1945. D.: Roberto Rossellini. R.: Sergio Amidei, Federico Fellini,
Celeste Negarville, Roberto Rossellini. I.: Anna Magnani: Pina; Aldo Fabrizi: Don Pietro
Pellegrini; Marcello Pagliero: Giorgio Manfredi; Maria Michi: Marina Mari; Carla Rovere:
Lauretta; Francesco Grandjacquet: Francesco; Giovanna Galletti: Ingrid; Harry Feist: major
Fritz Bergman; Vito Annichiarico: Marcello; Nando Bruno: Agostino.
4.1.2 Sinópse de Roma città aperta
Entre 1943 e 1944, Roma, sob ocupação nazista, é declarada cidade aberta, para
evitar bombardeios aéreos. Neste cenário, comunistas e católicos aliam-se para combater os
alemães e as tropas fascistas.
Giorgio Manfredi, militante comunista e representante da resistência, foge da polícia
e se refugia na casa de Francesco, um tipógrafo antifascista, o qual, no dia seguinte, deveria se
casar com Pina, uma viúva, mãe de Marcello.
A irmã de Pina, Lauretta, trabalha como artista em uma casa de shows, junto com a
amiga Marina, que no passado foi ligada sentimentalmente a Manfredi; don Pietro, o pároco
local, ajuda os perseguidos políticos e torna-se porta-voz dos partigiani, passando facilmente
pelo controle dos soldados alemães e da SS, sem despertar suspeitas.
98
Manfredi foge a outra perseguição alemã enquanto que Francesco é preso, e, no
momento em que ele sobe no caminhão que o levará embora, Pina sai gritando tentando
alcançá-lo, mas acaba morrendo sob o fogo de metralhadoras na frente de don Pietro e do
filho. Mais tarde, Francesco consegue escapar e se esconde, com Manfredi, na casa de
Marina. Esta, depois uma discussão entre os dois, decide denunciá-los a Ingrid, agente da
Gestapo, em troca de droga. Manfredi, juntamente com don Pietro, é capturado; Francesco
consegue escapar. O primeiro sofre terríveis torturas e morre, enquanto don Pietro é fuzilado
na última cena do filme.
4.1.3 Comentário linguístico
«De todos os filmes neorrealistas, talvez o menos conotado no sentido dialetal seja o
próprio inaugural, o qual gozou, diria também por este motivo, de maior sucesso entre o
público»
86
(ROSSI, 2006, p. 190). Com essas palavras, Fabio Rossi concorda também com
Raffaelli (1992, p. 107) quando este afirma que a refinada modulação linguística de Roma
città aperta parecia responder a intenções mais simbólicas do que realistas; e aqui reportamos
mais uma vez a sua declaração a respeito: «o alemão como código de guerra; o italiano da
consciência, o dialeto dos afetos» 87.
Ainda segundo Rossi (1999, p. 67), a língua de Roma tendeu muito mais para a
formalidade, rica de «costui» ‗ele‘, «coloro» ‗eles‘, «il quale» ‗o qual‘ (don Pietro: «Per
coloro che si sacrificano non è un sacrificio» ‗Para aqueles que se sacrificam não é um
sacrifício‘); de particípios em concordância com o objeto (Marina: «Se tu m‟avessi veramente
amata m‟avresti cambiata» ‗Se você tivesse me amado de verdade, ter-me-ia mudado‘).
Levando em consideração tais pressupostos, iremos nos concentrar somente no
emprego do dialeto, a fim de entender, a partir da transcrição dos diálogos em que há a
presença do romanesco, qual a frequência dos fenômenos fonéticos nas diversas cenas que
envolvem personagens romanos. Transcrevemos, como exemplo, as cenas iniciais do assalto
ao forno, entre romanos, em que percebemos a presença do romanesco. Os diálogos, com
exceção de alguns movimentos assíncronos dos lábios, têm todas as características de uma
conversação ao vivo, como, por exemplo, a presença de sobreposições dialógicas, rumores e
86
Tra tutti i film neorealisti, forse il meno fortemente connotato in senso dialettale è proprio quello inaugurale, il
quale ha goduto, direi anche per questo motivo, del maggior successo tra il grande pubblico.
87
il tedesco come codice della belluinità, l‘italiano della consapevolezza, il dialetto degli affetti.
99
partes de turno pouco compreensíveis. Quanto aos traços fonéticos, estes serão sempre
enfatizados em negrito e itálico para melhor identificação no texto:
(Personagens: *B: Brigadeiro, *A: Agostino, *P: Pina, *M1: mulher 1, *M2: mulher 2, *FF:
funcionária forno, *H: homem)
1*B: Piano/ piano! calma// Calma!! Uffa! Non ne posso più!
2*A: Ma che succede?
3*B: E non lo vedete? Hanno assaltato il forno//
4*A: E voi che fate?
5*B: Eh/ Io purtroppo sono in divisa// (Gritam: Pane! Pane! Brigadiere Volemo er pane!) Ma
che vonno? Io non posso far niente! Questo è furor di popolo! Calma// Io sono impotente//
6*A: Lo so/ lo so/ ma co cento grammi ar giorno....
7*M1: Brutta carogna/ pure li pasticcini ci aveva! Guardate qua!
8*B: Oh/ questo è grave!
9*M2: E poi diceva che non ci aveva farina// Ahó!
10*B: Boni! Però!
11*M1: Ahó Agostino/ perché non te li vai a pijà da te/ eh?
12*A: Io mica posso// io sò sagrestano// Poi vado a finì all‘inferno//
13*M1: Beh/ allora i pasticcini te li magnerai ‘n Paradiso!
14*P: E lasciate stà! Uffa!
15*B: Sora Pina/ ma è una pazzia nel vostro stato!
16*P: E che devo morì de fame?
17*FP: Brigadiere! Aiuto!
18*P: Ma va‘ a mmorì ammazzata va‘!
19*B: V‘accompagno io! ‗Spettate!
20*P: Ah!
21*B: Eccoci arrivati//
22*P: Grazie tanto//
23*B: Dovere.... volete che ve la porti fino a su?
24*P: No//
25*B: È pesante//
26*P: ... faccio io// Ecco/ così pesa meno// (dá um pouco de pão ao Brigadiere)
27*B: Veramente non dovrei... ma c‘ho una fame arretrata! Sora Pì/ ma che dite voi/
esisteranno veramente questi americani?
28*P: Pare de sì//
100
29*B: Già!
30*H: A sora Pì/ le volete l’ova a sedici?
31*P: Ma piantala/ va‘!
32*B: Ma come vi permettete/ in mia presenza! Questa è borsa nera!
33*P: Ahahah/ a brigadié/ lasciate pèrde ch‘ mejo// Arrivederci...
Dentre as razões que levaram ao uso da forma dialetal por Rossellini, Amidei, Fellini
e os outros autores, havia o desejo de «―surpreender‖ e representar acontecimentos autênticos
e atuais», sendo assim obrigatório «assumir uma fisionomia linguística composta e mutável,
às vezes pluridialetal e plurilíngue» 88 (RAFFAELLI, 1992, p. 106), como foi o caso de Roma
città aperta.
De fato, percebemos que o romanesco, colocado em uma posição de ―igualdade‖
com relação a outras línguas, vai estar presente tanto nas falas dos personagens secundários
como nas dos protagonistas, como pudemos perceber na cena anterior. Desse modo, de um
ponto de vista fonético, podemos afirmar que todos os personagens envolvidos na cena, com
exceção do Brigadeiro (que utiliza somente a expressão boni ‗calmos‘ e parece não ser
romano, mas, sim, napolitano), falam um romanesco verossímil, apesar de todas as oscilações
próprias de Roma, devido à pouca distância entre dialeto, italiano regional e italiano standard.
Vejamos os fenômenos fonéticos identificados (lembramos que, na escala de
variedades, mostraremos sempre os exemplos partindo do romanesco, seguido da barra /,
depois o italiano, seguido da tradução em português entre uma aspa „‟):
a) 1 caso de rotacismo de l pré-consonântica no artigo indefinido er/ il ‗o‘ (er pane ‗o
pão‘), e 1 na preposição articulada ar/al ‗ao‘ (ar giorno ‗por dia‘);
b) o artigo definido masculino plural li/i ‗os‘ (li pasticini) se reveza com i ‗os‘ (i pasticini
‗os doces‘);
c) a e protônica permanece no lugar do i toscano na preposição de/di ‗de‘ (e che devo
morì de fame? ‗tenho que morrer de fome‘ e pare de sì ‗parece que sim‘);
d) os verbos no infinitivo são todos com apócope (finì/finire ‗acabar‘, morì/morire
‗morrer‘, stà/stare ‗estar‘, pèrde/perdere ‗perder‘), enquanto que a apócope silábica se
faz presente na primeira pessoa do verbo essere ‗ser‘ (sò sagrestano „sou sacristão‘);
e) os nomes próprios usados na função alocutiva são quase sempre apocopados (1 sora
Pì contra 1 sora Pina ‗senhora Pina‘ ; brigadié/brigadiere ‗brigadeiro‘);
88
―sorprendere‖ e rappresentare vicende autentiche [...] e attuali [...] non poteva non assumere una fisionomia
linguistica composta e mutevole, a volte pluridialetal e plurilingue.
101
f) a lateral palatal é realizada sempre como semiconsoante palatal intensa (pijà/pigliare
‗pegar‘, mejo/meglio ‗melhor‘), e há a passagem de ng a gn em magnerai/mangerai
‗comerá‘ (te li magnerai);
g) 1 caso de monotongação em ova/uova ‗ovos‘ (le volete l‟ova ‗quer ovos‘).
Na cena imediatamente sucessiva, em que Pina conhece Giorgio, amigo de seu futuro
marido, Francesco, percebemos que há uma tentativa de elevação da variedade mais baixa
para a médio-alta, em uma situação formal com estranhos, sendo utilizadas expressões do
tipo: mi dica/ che desidera? ‗diga-me o que deseja?‘; le apro subito/ prendo la chiave eh!
‗abro logo, vou pegar a chave‘ ou ainda mi scusi/... ‗desculpe-me‘; S‟accomodi... Prego!
‗Entre... por favor!‘. Mas, logo após, vemos o retorno à variedade dialetal, quando Pina, a
pedido de Giorgio, chama seu filho Marcello e lhe pede para ir buscar don Pietro:
62*P: Marcello! Marcelloo!! Marcello!
63*M: Che voi?
64*P: Viè giù ‘n momento!
65*M: Non posso!
66*P: Devi andà da don Pietro/ sbrighete!
67*M: E mo c‘ho da fà!
68*P: Viè giù subbito t‘ho detto!
69*M: Uffa...!
70*P: T‘ho detto tante vorte che nun ce devi stà su da Romoletto/
pericoloso... Va‘ da don
Pietro/ cammina...
71*M: Che je devo dì?
72*P: Je devi dì che deve venì qui subbito// Sbrighete// Nun te pèrde pe strada eh!
Nessa breve passagem, podemos observar a forte presença de elementos fonéticos
que comprovam o uso do romanesco em contextos familiares:
a) todos os verbos no infinitivo serão apocopados (andà/andare ‗ir‘, fà/fare ‗fazer‘,
stà/stare ‗estar‘, dì/dire „dizer‘, venì/venire ‗vir‘, pèrde/perdere ‗perder‘);
b) há 2 casos de apócope do verbo venire na 2ª pessoa do imperativo: viè/ vieni ‗vem‘;
c) há 1 caso de apócope em per ‗para‘: pe;
d) há 1 caso de monotongação: voi/ vuoi ‗quer‘;
e) há 2 casos de passagem de a pós-tônica a e nas proparoxítonas: sbrighete/sbrigati
‗apresse-se‘;
102
f) ocorre passagem de b a bb: 2 casos de subbito/subito ‗imediatamente‘;
g) há 1 caso de aférese do artigo indefinido un/„n ‗um‘ e, na negação, 2 casos de nun/non
‗não‘;
h) ocorre o rotacismo de l: vorte/ volte ‗vezes‘;
i) há 2 casos de e protônica em ce/ci ‗lá‘ e te/ti ‗se‘; além de 2 casos de passagem de gl a
j: je/gli ‗lhe‘.
Podemos verificar que, nas cenas antes apresentadas, Pina utilizou variedades
diferentes, modulando-as de acordo com a situação formal ou informal, como na cena em que
conhece Giorgio e quando conversa com o filho, como atestamos anteriormente.
Porém, é interessante observar que, durante sua conversa com Giorgio, Pina muitas
vezes vai da variedade standard a um italiano com alguns traços dialetais; passado o
momento inicial de formalidade entre Giorgio e Pina, esta oscila de uma variedade mais alta
para a médio-baixa: poi stamattina se sò fregati ‘n par de scarpe e ‘na bilancia... ‗hoje de
manhã roubaram um par de sapatos e uma balança‘, em que há a presença de e protônica no
clítico se/si ‗si‘ e na preposição de/di ‗de‘; a apócope do verbo auxiliar essere ‗ser‘ na 1ª do
sing. e 3ª do pl. sò/sono; a aférese dos artigos indefinidos „n/un ‗um‘ e „na/una ‗uma‘, par em
vez de paio ‗par‘:
(Personagens: *P: Pina, *G: Giorgio)
73*P: È andato... don Pietro sarà qui fra poco...
74*G: Oh grazie//
75*P: Stamattina abbiamo assaltato un forno...
76*G: Ah sì?
77*P: Eh/ è il secondo nella settimana...
78*G: Come vanno le donne?
79*P: Oh dio... qualcuna lo sa perché lo fa... ma la maggior parte arraffano più sfilatini che
ponno... uhm... qualcuna... poi stamattina se sò fregati ‘n par de scarpe e ‘na bilancia//
De fato, recordamos que Trifone (2008, p. 106-07) nos fala da presença das três
variedades do continuum linguístico romano identificando diastraticamente os falantes.
Levando-se em conta que a variação diastrática acontece no âmbito das diferentes classes
sociais (BAGNO 2007, p. 46) –, podemos observar e entender as oscilações presentes nas
falas de Pina como características de uma pessoa pouco instruída que se esforça em ―falar
bem‖. A esse propósito, identificamos esse comportamento no estudo de Stefinlongo (2012, p.
103
23) – já mencionadas neste trabalho – quando esta afirma que o italiano de Roma (variedade
média) é falado pelas pessoas instruídas quando não se preocupam em ―falar bem‖, mas
também pelas pessoas não instruídas quando, inversamente, se esforçam em ―falar bem‖. Em
outro diálogo entre Pina e Giorgio, que transcreveremos a seguir, é possível verificar a
alternância de variedades:
(Personagens: *G: Giorgio, *P: Pina)
100*P: È mia sorella!
101*G: Ah/ Sua sorella!!
102*P: Si meraviglia Lei/ eh? Chissà quante bugie gli avrà raccontato... che abita chissà
dove... eh/ se vergogna de noi perché dice che lei fa l‘artista... e noi siamo poveri operai... ma
io non mi ci cambierei con lei...
103*G: Ah/ La capisco...
104*P: No/ mica perché è cattiva... è stupida! Ma... Lei/ come la conosce Lauretta? Oh/ scusi
tanto/ sono indiscreta!
105*G: No... Lauretta è molto amica di una ragazza che io conosco...
106*P: Chi/ Marina?
107*G: Ah/ La conosci?
108*P: Oh/ da quando è nata... La madre faceva la portiera a via Tiburtina/ dove mio padre ci
aveva un negozio da stagnaro... Lei e Lauretta se pò dì che sò cresciute insieme... oh/ ma me
raccomando/ non dica niente a Marina di... di quello che gli ho detto... mi raccomando
proprio/ eh//
Nesta passagem, em que Pina conta a Giorgio que é irmã de Lauretta e que esta e
Marina (ex-caso amoroso de Giorgio) são amigas, percebe-se o predomínio do italiano
standard (presença do pronome de tratamento Lei; de scusi ‗desculpe‘; e de non dica ‗não
diga‘), mas com oscilações para alguns traços fonéticos pertencentes às variedades médiobaixas do continuum linguístico romano: alternância do uso da e protônica na preposição de
(se vergogna de noi ‗tem vergonha de nós‘ em contraposição a non dica niente a Marina di...
di quello che gli ho detto... ‗não diga nada a Marina de... daquilo que lhe falei‘) e no clítico
me (ma me raccomando em contraposição a mi raccomando proprio/ eh ‗eu lhe peço
mesmo‘).
A seguir, apresentaremos a cena em que o filho de Pina (Marcello) chama don Pietro
à sua casa. Com isso, temos o objetivo de mostrar como a língua das crianças muda nos
filmes neorrealitas, considerando as palavras de Rossi (2006, p. 196), quando afirma que «a
104
língua das crianças sempre foi adoçada e italianizada ainda mais artificialmente que a dos
adultos» 89:
(Personagens: *d.P.: don Pietro, *M: Marcello, *A: Agostino)
123*d. P.: Ah/ sei tu? Che miracolo vederti all‘oratorio...
124*M: Ce sò venuto perché mi ci ha mandato mi’ mamma...
125*d. P.: Ha fatto bene! Farà bene anche a te!
126*M: Don Piè.... Fatemi finì de parlà... Dice che dovete venì subito a casa nostra... è ‘na
cosa importante...
127*d. P.: Cosa?
128*M: Io non lo so... con me ha fatto la misteriosa... ma ci dev‘èsse quarcuno a casa de
Francesco...
132*d. P: Perché non vieni pi all‘oratorio?
133*M: E come se fa d’sti momenti a pèrde tempo all‘oratorio?
134*d. P: Ma cosa stai dicendo?
135*M: Lei è un prete/ non può capì/ ma bisogna strìnge un blocco compatto contro il
comune nemico//
136*d. P: Ma d un po‘/ chi te le dice queste cose?
137*M: Me l‘ha detto Romoletto//
138*d. P: Ah Romoletto dice queste cose?
139*M: Don Pié/ me raccomando/ non lo dite a nessuno!
140*M: Ecco Purgatorio!
141*A: Oh/ don Piè...
142*d. P.: Che c‘hai qua?
143*A: Ho fatto spesa...
144*M: Ammappete quanti sfilatini.... che è tutta la [...]
145*A: Neanche un bolino...
146*d.P.: Come mai tanto pane?
147*A: Non so... stamattina hanno voluto festeggià...
148*d. P.: Cosa?
149*A: Non so che festa era... nemmanco er fornaro ce lo sapeva... scusatemi don Piè/ io
vado//
150*M: Ma che sarà ‘sta festa?
89
la lingua dei bambini è sempre stata edulcorata e italianizzata ancora più artificialmente di quella degli adulti.
105
151*d.P.: Uhm... non capisco...
152*M: Speriamo che mi’ madre l‘abbia saputo....
Vejamos, a seguir, os traços fonéticos mais relevantes da cena anterior:
a) todos os casos de apócope silábica nos infinitivos (finì/finire ‗acabar‘, parlà/parlare
‗falar‘,
pèrde/perdere
‗perder‘,
èsse/essere
‗ser‘,
capì/capire
‗entender‘,
strìnge/stringere ‗apertar‘;
b) 2 casos de apócope nos alocutivos (don Piè/ don Pietro);
c) 1 caso de apócope no possessivo (mi‟/mia ‗minha‘);
d) 1 caso de rotacismo do l (quarcuno/qualcuno ‗alguém‘);
e) 2 casos de aférese do pronome demonstrativo (sti/questi ‗nestes‘, „sta/questa ‗esta‘) e
1 caso de aférese do artigo indefinido („na/una ‗uma‘);
f) e protônica na preposição de/di ‗de‘, e 1 caso no clítico me/mi ‗me‘.
Porém, apesar da tentativa por parte do diretor e dos roteiristas de propor uma língua
menos artificial para as crianças, através do uso do dialeto, verificamos ainda falas de
Marcello – como Speriamo che mi‟ madre l’abbia saputo.... ‗tomara que minha mãe tenha
sabido disso‘ – em que vemos a correta utilização do subjuntivo (l‟abbia saputo), pouco
provável na boca de uma criança.
A próxima passagem transcrita por nós relata a volta das crianças para casa em pleno
toque de recolher e a reação furiosa dos pais preocupados. Nesta cena, observa-se o desejo do
autor de aproximar o máximo possível a fala dos personagens à língua coloquial:
(Personagens: *M: Marcello, *G3: Garoto 3, *PG3: pai do G3, *P: Pina, *F: Francesco)
287*G3: Sarebbe mejo che entramo uno alla vorta!
288*M: C‘hai ragione/ entra prima te//
289*P: Ah/ siete qui/ brutte canaje// Sò tornati!
290*PG3: Mascarzoni!
291*P: Adesso v‘acchiappo/ adesso ve concio io pe le feste/ brutte carogne/ a famme morì de
crepa core// Va‘ dentro!
292*F: Vado un momento de là/ sennò succede ‘n macello//
293*P: Guarda come se sò ridotti!
294*D: Dove siete stati?
295*G3: Da Romoletto//
296*P: N‘ vero/ non ce stava nessuno su//
106
297*M: Stavamo giù//
298*D: Giù dove?
299*P: Ma che jelo chiedete a fà? Non vedete che stanno mentendo//
300*PG3: Io l‘ammazzo [...]
301*P: Gli ammazzo io/ gli ammazzo/ de sganassoni... sti du’ delinquenti// Me fate morì...
302*F: Filate a letto voi due/ su! (a Pina) Ma stai bona!
303*P: Eh/ nun se ne pò più/ co sti regazzini!
304*F: Eh/ Vabbè .. Sò regazzini/ no?
Nesta cena, observamos a alta frequência de traços fonéticos do romanesco
pertencentes à variedade mais baixa do continuum linguístico romano. Essa talvez seja a mais
verossímil de todas as cenas do filme, em que verificamos que há o respeito das
características típicas das variantes mais informais do romanesco.
A maior frequência dos fenômenos que serão elencados a seguir mostram, portanto,
uma maior aproximação da fala informal e popular romana, comprovando a presença das
variações diafásica e diastrática nas falas fílmicas. A cena retrata uma situação de tensão dos
pais que esperavam apreensivos os filhos que não voltavam para casa, neste caso, justificaria
o maior uso da variedade dialetal:
a) todos os verbos no infinitivo são apocopados (morì/morire ‗morrer‘; fà/fare ‗fazer‘);
b) o mesmo fenômeno vai se repetir no verbo essere na 3ª pessoa do plural (3 casos de
sò/sono ‗são‘), nas preposições con e per (co/con ‗com‘; pe/per ‗para‘) e no numeral
due (du‟/due ‗dois‘);
c) está presente a e protônica nos clíticos (me/mi ‗me‘; se/si ‗se‘; ce/ci ‗lá‘) e na
preposição de (3 casos de de/di ‗de‘);
d) há 2 casos de e pré-tônica em regazzini/ragazzini ‗crianças‘;
e) há 3 casos de monotongação (core/cuore ‗coração‘; bona/buona ‗tranquila‘; pò/può
‗pode‘);
f) há 2 casos de rotacismo do l (vorta/volta ‗vez; mascarzoni/mascalzoni ‗canalha‘);
g) há 2 casos de passagem de gl a j (canaje/canaglie ‗canalhas‘; jelo/glielo ‗a ele‘).
Antes de concluir as considerações sobre Roma, ressaltamos que, a partir da
verificação da presença de muitos traços fonéticos do romanesco nos diálogos dos atores
(deixamos de fora os aspectos morfológicos, sintáticos, entre outros, por motivos já
explicitados), acreditamos que houve um claro desejo por parte dos roteiristas de colocar o
dialeto nas falas não só dos personagens secundários, mas também nas falas dos
107
protagonistas, com o objetivo de se aproximar da língua falada das pessoas pertencentes à
classe menos favorecida.
Percebemos o desejo dos autores de caracterizar diastraticamente os personagens;
vemos a pessoa instruída que fala um italiano standard e as pessoas do povo que falam a
variedade dialetal, como ocorre com don Pietro e Agostino. Respectivamente, estes
representam, de um lado, a figura do sacerdote – portanto caracterizada pelo uso do italiano
standard – e, de outro, a figura do sacristão – o qual utiliza sempre a variedade mais baixa do
romanesco (evidenciada sempre em negrito e itálico). Vemos essa oposição diastrática entre
os dois personagens no diálogo em que Pina e Agostino esperam don Pietro em sua casa:
(Personagens: *d.P.: don Pietro, *A: Agostino)
195*d.P.: Buonasera Pina/ buonasera... Ti ho detto tante volte che non devi cucinare sulla
stufa... e poi i cavoli...
196*A: Per me se vo’ ce posso cucinà pure i polli//
197*d. P.: Agostino/ non rispodere//
198*A: Ma insomma/ bisogna decìde/ o accennemo la stufa o accennemo la cucina//
199*d. P.: Continua/ continua...
200*A: Sempre libri... non ci avemo i soldi pe comprà da magnà e Lei sempre a comprà i
libri//
201*A: Ma che/ vole uscì ‘n’altra volta? Fra venti minuti c‘ il coprifoco!
202*d.P.: Non importa! I medici e i sacerdoti possono circolare...
203*A: Sì/ pure le levatrici//
204*d.P.: Beh?
205*A: L‘ho letto sul manifesto.... Però lo scuro
facile pijasse ‘na schiopettata... co sti
delinquenti!
Apesar de o ator Aldo Fabrizi ser romano, seu personagem, don Pietro, exprime-se
em italiano standard, com exceção da presença de dois traços do romanesco, sempre no nível
fonético. Como exemplo, temos uma cena em que o personagem fala com uma criança (Uhm/
va bene/ andiamo// Gilberto? Senti tu.... Lèvete... Adesso verrà Agostino/ tu dirigi il gioco...
mi raccomando non fate i cattivi/ eh? ‗Uhm está bem/ vamos// Gilberto? Você... Saia... Agora
virá Agostino/ você comanda o jogo... eu não quero briga/ tá? ) e com Agostino (Ah/ ho
capito// Ecco/ te basteranno// Ah/ entendi// Isso vai te bastar).
Já em todas as falas de Agostino, observamos a presença de traços fonéticos do
romanesco:
108
a) estão sempre presentes as apócopes dos verbos no infinitivo (comprà/comprare
‗comprar‘; decìde/decidere ‗decidir‘; uscì/uscire ‗sair‘; cucinà/cucinare ‗cozinhar‘);
b) estão sempre presentes as apócopes das preposições pe/per ‗para‘; e co/con ‗com‘;
c) ocorre a monotongação de uo (forma apocopada vo‟/vuole ‗quiser‘ com oscilações:
vole/vuole ‗quiser‘; coprifoco/coprifuoco ‗toque de recolher‘);
d) ocorre a aférese do artigo indefinido una ( n‟/una e „na/una ‗uma‘);
e) ocorre a aférese do pronome demonstrativo questo (sti/questi ‗estes‘);
f) há a assimilação progressiva de nd a nn (accennemo/accendiamo ‗acendemos‘);
g) há a passagem de gl a j na combinação infinitivo + clítico (pijasse/pigliarsi ‗levar‘).
Concluindo os comentários sobre o filme Roma città aperta, apresentamos a seguir
um quadro dos traços fonéticos encontrados somente nas falas de Pina, seguidos dos gráficos
que vão explicitar melhor as percentuais de uso das três variedades de Roma pela
personagem.
Tabela 2: Traços fonéticos do personagem Pina do filme Roma Città Aperta
Apócope nos verbos no infinitivo: 36
Ausência
de
apócope
nos
verbos
no
infinitivo: 6
E protônica nos clíticos: me, te, ve, se, ce: 26; Ausência de e protônica nos clíticos: mi, ti,
e na preposição: de: 15
vi, si, ci: 15; e na preposição: di : 8
Apócope no verbo essere: (1ª pes. do sing. e Ausência de apócope no verbo essere (1ª pes.
3ª do pl.: sò): 13; e no verbo venire: (3ª pes. do sing. e 3ª do pl.: sono): 1; e no verbo
do sing.: viè): 4
venire (3ª pes. do sing.: viene): 0
Apócope nos alocutivos: 3
Ausência de apócope nos alocutivos: 29
Apócope nas preposições: co: 4 e pe: 12
Ausência de apócope nas preposições: con: 4
e per: 7
Apócope nos possessivos: mi‟: 1, tu‟: 0; e Ausência de apócope nos possessivos mio: 5,
numeral du‟: 1
tuo: 0; e numeral due: 2
Assimilação nd a nn: 2
Ausência de assimilação nd a nn: 15
Rotacismo de l: 3
Ausência de rotacismo de l: 12
Monotongação de uo: 6
Ausência de monotongação de uo: 3
Aférese vocálica nos artigos indefinidos „n, Ausência de aférese vocálica nos artigos
„no, „na: 10
indefinidos un, una: 7
Aférese nos pronomes demonstrativos: „sto, Ausência
de
aférese
nos
pronomes
109
„sta, sti: 2
demonstrativos: questo, questa, questi: 2
Lex Porena: 0
Ausência de Lex Porena: em tudo
Palatalização de gli a j: 8
Ausência de palatalização de gl a j: 11
Agrupando os traços para as respectivas variedades média e baixa, percebemos que,
para a variedade média, tanto a apócope silábica nos verbos no infinitivo, quanto a e protônica
nos clíticos e na preposição, e a apócope nos verbos essere e venire são mais presentes do que
os correspondentes sem o traço: são 36 casos de apócope nos verbos no infinitivo e 6 casos de
ausência. Para o segundo traço: 26 casos nos clíticos e e na preposição di: 15, enquanto que
registram-se 15 casos de ausência nos clíticos e 8 na preposição. Já quanto à apócope no
verbo essere: (sò/sono): 13 casos; e no verbo venire: (viè/ viene): 4, contra 1 sem o traço para
o verbo essere (sono) e nenhum caso para o verbo venire (vieni ou viene).
Outros traços pertencentes à variedade média são: aférese vocálica nos artigos
indefinidos com 10 casos e 7 casos de ausência do mesmo traço; aférese nos pronomes
demonstrativos: 2 casos contra 2 também da ausência do traço. Para o último da variedade
média temos a palatalização de gli a j: 8 casos contra 11 casos de ausência deste traço.
Já quanto à variedade baixa, tanto a apócope nos alocutivos, quanto a apócope nas
preposições e nos possessivos são menos frequentes com relação aos casos em que há a
ausência destes traços, como por exemplo, são 29 casos de ausência da apócope nos
alocutivos contra 3 casos de ocorrência; são 4 casos de con e 7 de per contra 4 de co e 12 de
pe e, por último, são 5 casos de mio e 2 do numeral due, contra 1 de mi‟ e 1 caso do numeral
du‟.
O mesmo acontece com os outros traços pertencentes a esta variedade: a assimilação
de nd a nn acontece 2 vezes contra 15 casos de ausência do mesmo; são 3 ocorrências de
rotacismo de l e 12 sem este traço. O único traço que ocorre mais vezes é a monotongação de
uo: 6 casos contra 3 casos de ausência do mesmo.
Esses números nos mostram que Pina utilizou muito mais a variedade média do que a
baixa em suas falas. Sendo que quase todos os traços pertencentes à variedade baixa foram
utilizados nos momentos de maior intimidade entre romanos e com seu filho, quando lhe diz
para ir buscar don Pietro e, principalmente, quando se enfurece com ele, porque ainda estava
na rua com os outros rapazes em pleno toque de recolher.
Esses dados também indicam a alternância das duas variedades (média e baixa),
como por exemplo, a e protônica nos clíticos se/si ‗se‘, me/mi ‗me‘ e na preposição de/di ‗de‘,
como pudemos observar nos diálogos com Giorgio quando já havia uma maior intimidade
110
entre os dois, que poderia efetivamente acontecer na realidade sociolinguística romana, uma
vez que a distância entre as variedades é menos forte que em outras áreas italianas (ROSSI,
1999, p. 196).
Em seguida, apresentamos os gráficos referentes ao uso e ao não uso de traços
fonéticos por parte de Pina. Os gráficos representam, para cada traço fonético observado, a
porcentagem de casos positivos em relação ao conjunto de casos positivos (presença do traço)
ou negativos (ausência do traço).
Gráfico 1: Uso de traços fonéticos por parte de Pina (filme Roma città aperta) – 1
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Apócope nos verbos no E protônica nos clíticos: Apócope nos verbos Apócope nos alocutivos
infinitivo
me, te, ve, se, ce e na essere (1ª pes. do sing. e
preposição: de
3ª do pl.: sò) e venire (3ª
pes. do sing.: viè)
111
Gráfico 2: Uso de traços fonéticos por parte de Pina (filme Roma città aperta) – 2
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Apócope nas
preposições: co e pe
Apócope possessivos:
mi‘, tu‘, e numeral du‘
Assimilação nd a nn
Rotacismo de l
Gráfico 3: Uso de traços fonéticos por parte de Pina (filme Roma città aperta) – 3
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Monotongação de Aférese vocálica
Aférese nos
uo
nos artigos
pronomes
indefinidos ‗n, ‗no, demonstrativos:
‗na
‗sto, ‗sta, sti
Lex Porena
Palatalização de gl
aj
A seguir, apresentaremos os traços fonéticos e o número de frequência identificados
no filme Roma città aperta.
112
4.1.4 Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Roma città
aperta
Tabela 3: Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Roma città aperta
Apócope
Apócope da sílaba final de verbos no infinitivo
finì (finire): 3; morì (morire): 4; andà (andare): 4; fà (fare): 9; stà (stare): 2; venì (venire): 3;
dì (dire): 6; pèrde (perdere): 3; capì: 2; strìnge (stringere): 1; festeggià (festeggiare): 1; parlà
(parlare): 6; lascià (lasciare): 1; comprà (comprare): 2; decìde (decidere): 1; vénde (vendere):
1; campà (campare): 2; tirà (tirare): 1; dimenticà (dimenticare): 1; vedé (vedere): 2; rómpe
(rompere): 1; litigà (litigare): 1; chiamà (chiamare): 1; preparà (preparare): 1; bussà (bussare):
1; piantà (piantare): 1; mangià (mangiare): 1; trovà (trovare): 1, cucinà (cucinare): 1; rìde
(ridere): 1. Total: 65
Apócope dos verbos
sò (sono): 24; viè (vieni): 7. Total: 31
Apócope pós-vocálica nos adjetivos possessivos mi’ e numerais du’
mi‘ (mia): 3; du‘ (due): 1. Total: 4
Apócope da consoante final nas preposições con e per
co (con): 7; pe (per): 12. Total: 19
Apócope nos alocutivos
sora (signora) Pì: 3; brigadié (brigadiere): 2; ragazzì (ragazzi ou ragazzini): 1; Lauré
(Lauretta): 1; don Piè: 6; Ire (Irene): 1. Total: 14
Passagem de a pós-tônica não final a e
sbrighete (sbrigati): 3; lèvete (levati): 1. Total: 4
Rotacismo de l pré-consonântica
vorte (volte): 1; par (paio): 1; quarche: 1; vorta: 2; er (il): 1; ar (al): 1; mascarzoni
(mascalzoni):1; l‘urtima (l‘ultima): 1; l‘artro (l‘altro): 1; quarcuno (qualcuno): 1; carze
(calze): 1; armeno (almeno): 1. Total: 13
Assimilação progressiva de nd a nn
113
annamo (andiamo): 1; annà (andare): 1; arrivanno (arrivando): 1; accennemo (accendiamo):
1; rm a mm: confessamme (confessarmi): 1; famme (farmi): 1; rc a cc: pensàcci (pensarci):
1; rv a vv: mètteve (mettervi): 1; rs a ss: raccomandasse (raccomandarsi): 1. Total: 9
Aférese
Aférese de sílaba inicial em pronomes demonstrativos
d‘sti (di questi): 1; ‗sta (questa): 3; sti (questi): 4; ‗ste (queste): 3; ‗st‘ (questo): 1. Total: 12
Aférese dos artigos indefinidos
‗n (un): 4; ‗na (una): 1. Total: 5
Aférese da vogal átona inicial
„spettate (aspettate): 1. Total: 1
Aférese vocálica: queda das vogais no início de palavra quando seguidas de consoante
nasal (m, n, gn)
‗nsomma (insomma): 1. Total: 1
Monotongação em ò para o ditongo uò
bono (buono): 2; bona (buona): 1; boni (buoni): 1; coprifoco (coprifuoco): 2; core (cuore): 1;
bonanotte: 2; pò (può): 3; Voi (vuoi)‘: 2; l‘ova (le uova): 1; vo‘ (vuoi): 1. Total: 16
Palatalização de gli a j
mejo (meglio): 4; fijo (fglio): 1; canaje (canaglie): 1; jelo: 1; je (gli): 4; vojo (voglio): 2; pijà
(pigliare): 1; j‘ (a lei): 2; je (a loro): 4. Total: 20
Passagem de a pré-tônica inicial a e
regazzini (ragazzini): 2. Total: 2
Desenvolvimento da nasal palatal (mudança do grupo ng em gn)
magnata (mangiata): 1; magnerai (mangierai): 1; magnà (mangiare):1. Total: 3
E protônica nos clíticos ti, mi, si, ci e na preposição di
ce (ci): 9; de (di): 29; te (ti): 10; me (mi): 11; se (si): 13; fateme (fatemi): 1; ve (vi): 1. Total:
74
Passagem de rr a r
guera (guerra): 1. Total: 1
114
U protônica no lugar de o em non
nun (non): 7. Total: 7
Tabela 4: Comparação das ocorrências da presença e ausência dos traços fonéticos do filme Roma città
aperta
Apócope nos verbos no infinitivo: 65
Ausência
de
apócope
nos
verbos
no
infinitivo: 75
E protônica nos clíticos: me, te, ve, se, ce: 45; Ausência de e protônica nos clíticos: mi, ti,
e na preposição: de: 29
vi, si, ci: 103; e na preposição: di : 51
Apócope no verbo essere: (1ª pes. do sing. e Ausência de apócope no verbo essere (1ª pes.
3ª do pl.: sò): 24; e no verbo venire: (3ª pes. do sing. e 3ª do pl.: sono): 18; e no verbo
do sing.: viè): 7
venire (3ª pes. do sing.: viene): 4
Apócope nos alocutivos: 14
Ausência de apócope nos alocutivos: 76
Apócope nas preposições: co: 7 e pe: 12
Ausência de apócope nas preposições: con:
16 e per: 36
Apócope nos possessivos: mi‟: 3, tu‟: 0; e Ausência de apócope nos possessivos mio: 8,
numeral du‟: 1
tuo: 0; e numeral due: 3
Assimilação nd a nn: 4
Ausência de assimilação nd a nn: 27
Rotacismo de l: 13
Ausência de rotacismo de l: 109
Monotongação de uo: 16
Ausência de monotongação de uo: 32
Aférese vocálica nos artigos indefinidos „n, Ausência de aférese vocálica nos artigos
„no, „na: 5
indefinidos un, una: 25
Aférese nos pronomes demonstrativos: „sto, Ausência
de
aférese
nos
pronomes
„sta, sti: 12
demonstrativos: questo, questa, questi: 28
Lex Porena: 0
Ausência de Lex Porena: em tudo
Palatalização de gli a j: 20
Ausência de palatalização de gl a j: 6
Em seguida apresentamos os gráficos referentes ao uso e não uso de traços fonéticos
no filme Roma città aperta. Os gráficos representam, para cada traço fonético observado, a
porcentagem de casos positivos em relação ao conjunto de casos positivos (presença do traço)
ou negativos (ausência do traço).
115
Gráfico 4: Uso de traços fonéticos no filme Roma città aperta – 1
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Apócope nos verbos no E protônica nos clíticos: Apócope nos verbos Apócope nos alocutivos
infinitivo
me, te, ve, se, ce e na essere (1ª pes. do sing. e
preposição: de
3ª do pl.: sò) e venire (3ª
pes. do sing.: viè)
Gráfico 5: Uso de traços fonéticos no filme Roma città aperta – 2
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Apócope nas
preposições: co e pe
Apócope possessivos:
mi‘, tu‘, e numeral du‘
Assimilação nd a nn
Rotacismo de l
116
Gráfico 6: Uso de traços fonéticos no filme Roma città aperta – 3
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Monotongação de Aférese vocálica
Aférese nos
uo
nos artigos
pronomes
indefinidos ‗n, ‗no, demonstrativos:
‗na
‗sto, ‗sta, sti
Lex Porena
Palatalização de gl
aj
4.2 Il sorpasso
4.2.1 Ficha técnica
Il sorpasso, 1962. D.: Dino Risi. R.: Dino Risi, Ettore Scola, Ruggero Maccari. I.:
Vittorio Gassman: Bruno Cortona; Catherine Spaak: Lilly Cortona; Jean-Louis Trintignant:
Roberto Mariani; Luciana Angiolillo: Gianna; Claudio Gora: Bibì.
4.2.2 Sinópse de Il sorpasso
O início da estória se passa em Roma, em pleno feriado de agosto (ferragosto), com
o personagem Bruno Cortona à procura de um telefone público e de cigarros pela cidade. Na
primeira cena, Bruno, depois de rodar com o seu carro pelas ruas desertas, depara-se com o
estudante de Direito Roberto Mariani na janela de sua casa e lhe pergunta se pode fazer uma
ligação para ele. Roberto, contra a vontade, deixa-o entrar. Depois do telefonema, Bruno
convida o dono da casa para um passeio, e Roberto logo é persuadido a acompanhá-lo na sua
Lancia conversível. A partir deste momento, a vida do estudante mudará radicalmente e para
sempre.
Os dois personagens começam, assim, uma longa viagem, percorrendo a via Aurelia,
estrada que os levará a vários lugares, entre os quais a casa dos parentes de Roberto, o mar e
até a casa da ex-mulher e da filha de Bruno. Para o estudante, esta experiência o fará perder a
visão ingênua sobre a vida, rever alguns conceitos morais e analisar suas relações familiares e
117
amorosas, quase como uma autoanálise, até chegar o trágico final: depois de uma das dezenas
de ultrapassagens arriscadas, para evitar a colisão com um caminhão, o carro acaba caindo de
um precipício. Bruno se joga do carro e consegue, assim, se salvar, enquanto que Roberto não
escapa e morre.
4.2.3 Comentário linguístico
Il sorpasso (no Brasil, ―Aquele que sabe viver‖) é um filme italiano de 1962 dirigido
por Dino Risi e considerado um clássico da comédia à italiana, gênero caracterizado por um
humorismo doce-amargo, geralmente mordaz e crítico no que diz respeito a alguns valores da
pequena e média burguesias italiana. Os temas preferidos deste gênero são a ambição, a
corrupção, a traição, o contraste entre a cultura conformista e os desejos modernistas (ROSSI,
2007, p. 48). Lembramos ainda o que já foi dito por Rossi (2007, p. 48) no capítulo 2 desse
trabalho: na comédia à italiana, o estilo linguístico era ligado quase sempre ao uso dos
italianos regionais, principalmente do romanesco; de fato, podemos perceber que em Il
sorpasso há o uso de um italiano marcado por traços dialetais, como veremos a partir dos
exemplos da transcrição do filme.
Mas, antes de iniciarmos a análise das falas fílmicas, ressaltamos que, de todos os
personagens principais, Bruno Cortona será o único a utilizar o romanesco; os outros
(Roberto, Lilli, Bibì, Gianna, zio Michele, zia Enrica), não sendo romanos, falarão um italiano
standard, conforme as normas gramaticais. A análise, portanto, será centrada principalmente
nas falas de Bruno, com o objetivo de observar qual a frequência da utilização dessa
variedade romana e de verificar o grau de formalidade/informalidade.
A partir da transcrição do filme, percebemos o desejo dos autores de construir um
personagem cuja fala representasse as características sociais de uma classe emergente em
pleno boom econômico. Bruno Cortona é, segundo Brunetta (2010 [1991], p. 322-23), «o
protótipo do italiano novo produzido pelo milagre econômico; é hiperativo, hipermóvel,
hiperloquaz e agressivo»
90
e encarna a ignorância, o desejo de sucesso a qualquer custo e a
vitória do mito do bem-estar, representados pelo automóvel como força motriz econômica e
social de uma nação.
Percebemos também uma caracterização mais psicológica do que social do uso da
língua pelos personagens Bruno e Roberto. Do lado de Bruno, temos uma mistura de italiano
90
il prototipo dell‘italiano nuovo prodotto dal miracolo economico. Un personaggio in stato di eretismo perenne,
iperattivo, ipermobile, iperloquace [...] e agressivo [...].
118
neostandard e romanesco, que vai refletir bem o seu caráter extrovertido, brincalhão: ele
utiliza todo o repertório linguístico do continuum linguístico romano, de acordo com a
situação, seja formal e/ou informal. Podemos constatar isso já a partir das primeiras falas
fílmicas: apesar de a situação inicial pedir um diálogo formal (situação típica italiana), uma
vez que os personagens em cena não se conhecem, os diálogos de Bruno oscilam na direção
da variedade média – embora ele utilize a forma de cortesia Lei ‗o Senhor‘, combinando-a
com os verbos na 3ª pessoa do singular senta ‗escute‘, me lo fa un piacere ‗me faz um favor‘,
se lo recorda ‗se lembra‘, chiede di ‗pergunta de‘, mi fa ‗me faz‘, e use também o imperativo
Le dica ‗Diga-lhe‘, notamos a presença de traços fonéticos do romanesco, como nos diálogos
iniciais entre os dois:
Cena 1 (Personagens: *B: Bruno, *R: Roberto)
1*B: Ei Lei/ dica un po‘... Ahó/ ma che fa/ scappa? Senta/ qui
tutto chiuso/ che c‘ha il
telefono?
2*R: Sì//
3*B: Me lo fa un piacere?
4*R: Sì/ certo...
5*B: Mi fa il 1326624// Chiede di Marcella// Grazie/ eh// Le dica che arivo subito .....
aspetti// Cosí passiamo a prendere gli altri// Se lo ricorda il numero? È facile: 13/ raddoppia
26/ inverte 62 e ci ammolla il 4//
6*R: 1326624// Chiedo di Marcella/ le dico che arriva// Chi arriva/ ma non mi ha neanche
detto il suo nome// Sent /Senta!
7*B: Ha già chiamato?
8*R: No/ pensavo che/ se vuole salire su/ così chiama Lei stesso//
9*B: Buona idea/ che interno è?
10*R: Quattro//
11*B: Arivo// Senta/ mi dia ‘n’occhiata alla macchina/ che qui a feragosto co tutta ‘sta gente
in giro... che ha detto/ interno 4? Vengo/ vengo ..... ―con le pinne il fucile e gli occhiali‖ ....
Arivo!
Notamos alguns traços fonéticos pertencentes à variedade média, ou italiano ―de‖
Roma (TRIFONE, 2008, p. 108), do continuum linguístico romano:
a) a passagem de rr a r: 3 casos de arivo/arrivo ‗estou indo‘, e 1 caso de
feragosto/ferragosto ‗feriado nacional‘;
119
b) a aférese do artigo indefinido „n‟/una ‗uma;
c) a apócope da preposição con: co ‗com‘ (pertencente à variedade baixa).
Tudo isso faz com que essas falas se aproximem de um registro mais informal. De
fato, quando Roberto convida Bruno a subir e telefonar ele mesmo à sua amiga, Bruno
começa a cantar uma famosa música daquela época (―con le pinne il fucile e gli occhiali‖),
sinal evidente de informalidade.
Por outro lado, Roberto encarna o rapaz de família tradicional, ingênuo, tímido e,
portanto, muito formal, ou seja, o oposto de Bruno. Nesse sentido, os autores contrapõem o
italiano standard de Roberto, formal, ao italiano neostandard de Bruno, recheado de traços
regionais locais com tendência à informalidade:
14*B: Scusi tanto// Ma
da mezz‘ora che giro/
tutto chiuso/ Roma sembra ‘n cimitero//
Permette/ Bruno Cortona//
15*R: Roberto Mariani//
16*B: Guardi che l‘ho sporcata/ sò tutto zozzo... Faccio in un momento eh/ abbia pazienza...
studente eh? ―La risoluzione di un atto per eccessiva onerosità‖// Ma che robba è? Procedura
civile// Ai/ un bel mattone... che fa/ studia legge?
17*R: Si/ sono al 4° anno//
18*B: Chi è ‘sta cicciona?
19*R: È mia mamma//
20*B: Ah/ perbacco/ bella donna! Guarda ‘sta burina/ è già uscita! Porco giuda/ sti cornuti/
l‘appuntamento era alle 11 e a mezzogiorno già sò andati via! Se lo sapevo restavo ad Amalfi
invece di famme ‘sta scarpinata... Due ore e mezza de macchina...
21*R: Da Amalfi a qui 2 ore e mezza?
22*B: Eh sì/ mi sono fermato dieci minuti per cambiare le candele/ guarda come me sò
ridotto/ faccio schifo/ mannaggia... Oh scusi/ ho sporcato// Diceva qualcosa?
23*R: Io? Sì/ se vuole... darsi una lavatina...
24*B: Ah/ magari/ grazie// Una sigaretta non ce l‘ha?
25*R: No/ io non fumo//
26*B: Male!
27*R: Guardi il bagno sta....
28*B: Non si preoccupi/ lo trovo da me... sicchè Lei non fuma/ eh? Attento/ le può far male/
sa? Accidenti che bel bagnetto.... che è/ Vietri?
120
29*R: <―La nullità di un atto processuale .... si distingue dall‘annullabilità perché quella può
essere rilevata dal giudice mentre... mentre l‘annullabilità può essere rilevata solo su istanza
della parte interessata...‖>
30*B: <“Guarda come dondolo...‖>
31*R: Ah/ lo devo avvertire di non toccare la mensola .... l‘ha toccata//
32*B: Porc ... ho rotto la mensolina//
33*R: Non si preoccupi...
34*B: Sono veramente sorry.... mi dispiace/ ma stava proprio appiccicata con lo sputo// Che
c‘ ?
35*R: Ma l c‘ qualcuno.....
36*B: Embè?
37*R: No/ è la portiera// Siccome sapevo che erano partiti....
38*B: Che sò amici suoi?
39*R: No/ no/ li conosco così di vista//
40*B: Ah// Abita solo qua?
41*R: Sì/ i miei genitori stanno a Rieti//
42*B: Porca miseria... quando vedo la città deserta così/ co le strade vote/ co i negozi chiusi/
io m‘avvilisco... Lei no?
43*R: Beh/ no/ per studiare è meglio!
44*B: Ah sì/ per studiare sì// Beh/ Le ho fatto perdere tempo/ eh? È ora che me ne vada// Me
sa che me tocca passà il ferragosto co mamma... Grazie di tutto e buona procedura// Non studi
troppo!
45*B: Senta un po‘/ ma Lei/ che fa? Sta tutto il giorno chiuso in casa a studià?
46*R: Sì/ ho gli esami a settembre e sono ancora indietro//
47*B: Vabbé/ ma oggi è feragosto// Mamma dice che il lavoro dei giorni festivi non rende//
48*R: Deve essere vero/ oggi non ho combinato niente oggi/ infatti//
49*B: Pe colpa mia/ lasci almeno che Le offra un aperitivo/ sempre che troviamo un bar
aperto/ naturalmente! <Vieni/ andiamo/ forza!>
50*R: <Non posso! Ma non insista!>
51*B: Ma come non può/ per carità!
52*R: Le chiavi!
53*B: Eccole... le ho prese io/ stavano attaccate allo stipite della porta.... dai cammina/ lo sai
chi ho visto ad Amalfi? Jaqueline Kennedy!
Elencamos, a seguir, os traços fonéticos presentes nas falas de Bruno:
121
a) apócope vocálica das preposições con e per: 2 casos de co/con ‗com‘, e 1 de pe/per
‗por‘;
b) aférese dos pronomes demonstrativos: 3 casos de „sta/questa ‗esta‘, e 1 de sti/questi
‗estes‘;
c) passagem de rr a r: feragosto, mas com oscilação em ferragosto;
d) apócope do infinitivo: 2 casos – passà/passare ‗passar‘, studià/studiare ‗estudar‘;
e) monotongação: 1 caso – vote/vuote ‗vazias‘;
f) e protônica nos clíticos – 2 casos de me/mi ‗me‘ – e na preposição de/di ‗de‘;
g) assimilação progressiva de rm a mm: famme/fammi ‗fazer-me‘.
Mais uma vez, observamos a oposição diafásica entre os dois personagens: sempre
de um ponto de vista fonético, Bruno modula, reveza fenômenos dialetais típicos romanos
com o italiano standard – Ah si/ per studiare si// Beh/ Le ho fatto perdere tempo/ eh? È ora
che me ne vada// Grazie di tutto e buona procedura// Non studi troppo! ‗Ah, sim/ para
estudar, sim/ Bom/ Eu lhe fiz perder tempo, né? Está na hora de ir embora// Obrigado por
tudo e bom procedimento// Não estude demais!‘. Temos os verbos no infinitivo sem apócope;
o emprego da forma de cortesia Lei; o uso do subjuntivo (è ora che me ne vada).
Como podemos verificar nos últimos exemplos, são poucos os casos de fenômenos
fonéticos do romanesco (15 no total), o que nos leva a crer que havia um desejo por parte dos
autores de caracterizar diastraticamente o personagem Bruno como um italiano de classe
média, que tem à disposição todo o leque do repertório linguístico e que tem a capacidade de
escolher a variedade diafásica que mais lhe serve em determinado momento.
No caso dessa cena, Bruno não só é linguisticamente capaz de transformar uma
situação formal em informal (a partir da presença dos traços fonéticos; da passagem do
tratamento formal – Ma come non può/ per carità! ‗Mas como não pode, por favor!‘ – para o
informal; do imperativo na 2ª pessoa do singular tu ‗você‘ – dai cammina/ lo sai chi ho visto
ad Amalfi? Jaqueline Kennedy! ‗vamos, anda, você sabe quem eu vi em Amalfi? Jaqueline
Kennedy!‘), como consegue, com o seu jeito desinibido e intrusivo, convencer Roberto a sair
com ele para um aperitivo.
Já no que tange aos personagens romanos secundários, é relevante ressaltar como os
autores quiseram caracterizá-los diastraticamente, a exemplo da dona do restaurante romano,
que se exprime utilizando muitos traços fonéticos do romanesco no momento em que Bruno
lhe pergunta se o local estava fechado:
Cena 2 (Personagens: *B: Bruno, *D.R: dona do restaurante)
122
64*B: Ma che fate/ avete chiuso?
65*D.R: Nun se magna [...]
66*B: Perché?
67*D.R: Pure noi c‘avemo er diritto de fà vacanza un giorno/ che ve credete//
68*B: Ma quale diritto?
69*D.R: Er diritto de li mortacci tua... e de tu’ nonno!!
70*B: ‘Sto bidone! Beh/ peggio per lei/ ha perso un cliente// Io qua non ci vengo più/ davero//
Nas falas da dona do restaurante, percebemos uma maior frequência dos fenômenos
fonéticos característicos da variedade mais baixa do continuum linguístico romano:
a) rotacismo de l pré-consonântica no artigo masculino singular: er/il ‗o‘;
b) mudança do grupo ng para gn: magna/mangia ‗come‘;
c) apócope do verbo no infinitivo fà/fare ‗fazer‘ e do pronome possessivo tu‟/tuo ‗seu‘;
d) e protônica: 3 casos na preposição de/di ‗de‘ e 2 nos clíticos se/si ‗se‘, ve/vi;
e) u protônica no lugar de o em non: nun/non: 1 caso.
Nesse sentido, segundo Rossi (1999, p. 84-85), uma das características do uso
fílmico do dialeto é a proporção inversa existente entre a importância do personagem e a
frequência dos fenômenos dialetais. De fato, em Il sorpasso, as formas mais dialetais, de um
ponto de vista fonético, estão mais presentes nos personagens secundários (dona do
restaurante) do que no protagonista Bruno que, muitas vezes, utiliza um italiano mais próximo
do neostandard: andiamo em vez de annamo ‗vamos‘; cambiare em vez de cambià ‗trocar‘.
Tal prática sempre esteve presente no cinema italiano, tanto que, na maioria das
vezes, o dialeto teve a função de ―colorir‖, e não de sustentar o discurso narrativo, não sendo
também autenticamente mimetizado – com exceção dos filmes neorrealistas, em que o dialeto
era falado também pelos protagonistas. Segundo Rossi (2006, p. 169), muitos cineastas eram
simpatizantes dessa prática, como, por exemplo, Mario Mattoli, o qual afirmava: «Eu sempre
fui um promotor do dialeto no personagem secundário, porque acredito que dê vida à
história».91
Para concluir sobre o uso do dialeto fílmico, não podemos deixar de lado a questão
da distribuição de alguns fenômenos linguísticos entre homens e mulheres. Com relação aos
fenômenos fonéticos, podemos verificar que, com exceção da dona do restaurante e de
algumas mulheres da estação rodoviária de Civitavecchia, o traço dialetal é quase sempre
91
Io sono stato sempre un fautore del dialetto nel personaggio secondario, perché credo che dia vita alla vicenda
(TINAZZI, 1983a, p. 24).
123
limitado aos homens. Para confirmar o fato – muito conhecido em sociolinguística – de que as
formas diafásica e diastraticamente mais baixas geralmente não se encontram nas mulheres, as
quais adotam variedades de maior prestígio, trazemos a citação de Berruto (1993b, p. 69):
«Diferenças entre homens e mulheres são vistas em comportamentos sociolinguísticos: parece
que as mulheres são, de fato, mais propensas do que os homens a adotar as variantes
normativas ou dotadas de maior prestígio» 92.
Voltando à análise do protagonista Bruno Cortona, observamos também como ele
passará, continuamente, da variedade média à variedade mais baixa e vice-versa, utilizando
um italiano neostandard quando trata de argumentos mais sérios, como trabalho:
(Personagens: *R: Roberto, *B: Bruno)
135*R: Ma è vero che sei nei frigider?
136*B: Sì/ come no? È il ramo mio/ per ora vanno bene// Se domani cambia il mercato/ è
saturo/ io mi cambio/ eh figurati.... Ho fatto una decina di mestieri/ non so... domani vanno i
mobili antichi e io mi metto a battere la campagna e ti scopro la cassapanca del Settecento//
Va forte la pittura e io t‘aggancio Guttuso e cos via...
Repentinamente, o personagem passa para uma situação mais engraçada e informal,
como na cena com o ciclista, utilizando muitos traços da variedade dialetal:
139*B: Fatte ‘na vespa! Vuoi ‘na spinta? E daje! Te voi attaccà? Ahó/ fa‘ come te pare! Non
rientrà tardi!
Neste exemplo, temos 2 casos de infinitivo apocopado: attaccà/attaccare ‗pendurar‘
e rientrà/rientrare ‗volte‘; 3 casos de e protônica nos clíticos: 1 em fatte/fatti ‗compre‘ e 2 em
te/ti ‗se‘; 2 casos de aférese nos artigos indefinidos „na/una ‗uma‘; e 1 caso de monotongação
de uo: voi/vuoi ‗quer‘.
Logo a seguir, Roberto pergunta a Bruno o motivo de estar errando tudo na vida, e
Bruno volta a utilizar o italiano mais formal, com ausência de traços fonéticos, usando, por
exemplo, os verbos no infinitivo sem apócope silábica (salire ‗subir‘, studiare ‗estudar‘,
lotizzare ‗lotear‘); pode ser observada também a ausência da e protônica nos clíticos (mi ‗me‘,
si ‗se‘, ci ‗nos‘) e na preposição (di ‗de‘). O retorno do romanesco ocorrerá somente no final
desta cena, quando Bruno exclama, feliz, que poderá fumar, passando, automaticamente, a
92
Differenze tra uomini e donne sono da vedere in atteggiamenti sociolinguistici: pare che le donne siano infatti
più propense degli uomini, ad adottare le varianti normative ou dotate di maggior prestigio.
124
uma situação mais informal (apócope do alocutivo: Robè/Roberto; assimilação de nd a nn:
annamo/andiano ‗vamos‘; e protônica no clítico: se/si ‗se‘):
Cena 3 (Personagens: *R: Roberto, *B: Bruno)
146*R: Senti/ perché hai detto che sto sbagliando tutto?
147*B: Ah/ beh niente/ così... Ecco/ per esempio/ quando mi hai fatto salire a casa tua/ che
stavi studiando?
148*R: Io ti ho fatto salire? Nullità e annubilità degli atti processuali//
149*B: Ecco lo vedi/ a che serve? Scusa/ sarà roba di cent‘anni fa!
150*R: Anche di mille!
151*B: Meglio ancora! Io capirei/ non so/ studiare diritto spaziale!
152*R: Diritto spaziale?
153*B: Certo! Due astronavi si scontrano... chi è che paga/ no? Oppure... i terreni sulla luna si
possono lotizzare? Hai capito? Vabbé che quando arriva Krushow... già ci trovano le
palazzine delle immobiliarie// Annamo Robè/ se fuma!
Também no início da cena 4 (diálogo 202), quando Bruno conta a Roberto um
episódio de quando era adolescente vivido com sua professora, observamos a utilização de um
italiano muito próximo do neostandard (em vez do típico traço dialetal romano annavo, o
personagem utiliza andavo; prendere no lugar de prénde; si, e não se etc.):
(Personagens: *B: Bruno, *R: Roberto)
202*B: Anch‘io ero timido quand‘ero ragazzino! C‘era un periodo che andavo a prendere
ripetizioni da una maestrina/ Rosa Maltini si chiamava... Maltini eh/ non Maltoni// Una sera le
misi una mano dentro la scollatura// Beh/ lei mi diede un‘occhiata/ ma un‘occhiata tale che
diventai tutto rosso... come un peperone/ te lo giuro!
No diálogo seguinte (204), quando dá carona a um senhor camponês, o personagem
passa automaticamente a usar a variedade dialetal, como podemos verificar a partir dos
exemplos Raccojamo il rottame? Guarda com‟aranca il poraccio!, que contêm traços
pertencentes à variedade médio-baixa: passagem de gl a j em raccojamo/raccogliamo ‗vamos
pegar‘; e enfraquecimento de rr em aranca/arranca ‗caminha‘. Por outro lado, o senhor,
assim como os outros personagens secundários, utilizará mais a variedade dialetal (imagina-se
que ele não seja romano, e sim um camponês da região do Lácio; nota-se que alguns traços
125
correspondem ao romanesco, como, por exemplo: o clítico me/ mi ‗me‘; o possessivo
„sta/questa ‗esta‘; nun modificado para non ‗não‘:
(Personagens: *B: Bruno, *R: Roberto, *S: Senhor)
204*B: Raccojamo il rottame? Forza! Guarda com‘aranca il poraccio!
205*R: Ma/ ma scusa/ ma perché fai così? Si può sapere che gusto ci provi?
206*B: Beh/ così... pe rìde/ no? Per vederlo arancà! Vuoi che gli diamo un passaggio?
Annamo/ forza lavoratore della tera! Fallo salì/ va// ‘nnamo? Forza! Dai/ fallo séde in
mezzo//
207*B: Che vai a vénde le ova nonnè?
208*S: No/ le ho comprate//
209*B: Ahahaha... È simpatico er vecchietto... c‘ha ‘n bel profilo...
210*R: Mi scusi/ ma non potrebbe buttarlo via questo sigaro?
211*S: Perché?
212*R: Non c‘ pi niente//
213*S: Sì/ questo me dura fino a stasera//
214*B: Tu/ le sigarette non ce l‘hai?
215*S: Le sigarette puzzano//
216*B: Mannaggia ahó/ pare ‘no scherzo/ ma qua è da stamatina che non se fuma!
217*S: Tiè//
218*B: Beh/ grazie/ famme accénde Robè! Mejo che niente!
219*S: Ma come/ ‘sta macchina nun cure?
220*B: Ah/ voi córe? Manco accende questo! Mo te faccio vedé io! Attento nonno/ che te
perdi er borsalino! Te piace córe? Vuoi un po‘ de musica? A Robè/ metti ‘sto disco che
divertiamo er villico/ è ‘n appassionato de musica moderna//
Na cena citada, percebe-se claramente a passagem de uma situação mais séria a uma
situação informal nas falas de Bruno, levando-se em conta a quantidade de traços fonéticos
dialetais encontrados. Além dos já citados no parágrafo anterior, temos:
a) a apócope em pe/per ‗para‘ e em todos os verbos no infinitvo: rìde/ridere ‗rir‘,
arancà/arrancare ‗correr‘, salì/salire ‗subir‘, séde/sedere ‗sentar‘, vénde/vendere
‗vender‘, accénde/accendere ‗acender‘, córe/correre ‗correr‘, vedé/vedere ‗ver‘;
b) 2 casos de assimilação de nd a nn: annamo/ andiamo ‗vamos‘;
c) 2 casos de monotongação: voi/vuoi ‗quer‘ (mas com oscilações do tipo vuoi) e
ova/uova ‗ovos‘;
126
d) apócope em todos os alocutivos (2 casos de Robè/Roberto e nonnè/nonnetto
‗vovozinho‘);
e) a passagem de rr a r (tera/terra ‗terra‘), de tt a t (stamatina/stamattina ‗hoje de
manhã‘), de cc a c (machina/macchina ‗carro‘);
f) o rotacismo do l no artigo definido er/il ‗o‘, embora também se observe o uso de il;
g) a e protônica nos clíticos (me/mi ‗me‘; se/si ‗se‘) e na preposição di (2 casos de de/di
‗de‘).
Mas, à medida que os personagens se distanciam de Roma, nota-se que haverá uma
diminuição desses traços fonéticos do romanesco: por exemplo, já na casa dos parentes de
Roberto, Bruno quase sempre fará uso da variedade mais alta do continuum linguístico
romano:
Cena 7 (Personagens: *R: Roberto, *B: Bruno, *ZM: zio Michele, *ZE: zia Enrica)
337*ZM: Robertino!
338*R: Zio Michele...
339*ZM: Attenzione eh!
340*R: Zia Enrica!
341*ZM: Ma che piacere di rivederti!
342*R: Vi presento un...
343*B: Cortona... chanté signora/ molto lieto//
344*ZM: Onoratissimo! Ma accomodatevi!
345*B: Grazie... a che servono sti cosi?
346*ZM: È per lo scolo d‘acqua//
347*B: Ah/ le fognature... interessante!!
348*ZE: Venga/ venga!
349*B: Brava signora/ abbiamo dei bei capelli corvini/ eh? Tipo spagnolo? <Discendenza
spagnola?>
350*ZE: <Barcellona// Sì/ effettivamente la mi mamma era di Barcellona//>
351*B: <Ah/ Barcellona! Ce l‘ho azzeccato... la nonnina ha scherzato con il torero... bella
noce questa// Vedo dei bei mobili da queste parti...>
127
Vemos essa formalidade também na despedida de Bruno e Roberto (no diálogo 435,
Bruno fala com zio Michele utilizando a forma de tratamento tu em vez de Lei), mas com
poucos traços regionais (somente a apócope do verbo essere na 3ª pessoa do plural: sò/sono
‗são‘; e da preposição pe/per ‗per‘):
Cena 7 (Personagens: *R: Roberto, *B: Bruno, *ZM: zio Michele, *ZE: zia Enrica, *EA:
esposa de Alfredo)
429*B: Eh/ mi dispiace interrompere questa bella riunione di famiglia/ ma qui si è fatto
tardi... forza Roberto! Ahó/ che ti sei incantato? Andiamo!
430*R: Ci volevi passare la vita in campagna...
431*B: Eh vabbè/ ma sò tre ore che stiamo qui// <No/ per carità/ lui deve tornare a Roma/ io
c‘ho impegni// Tanto piacere/ arrivederci... Eh/ niente incroci cugino Alfredo/ zia Enrichetta!
432*ZE: <Vi accompagno//>
433*B: <No/ perché vi dovrei disturbare... Hai visto Roberto/ e pure il fattore si vuol
disturbare...>
434*EA: Senta/ Lei che vive a Roma/ com‘ Sophia Loren?
435*B: La Loren... beh ecco/ in un certo senso la metto fra le tombe etrusche e il Monte
Fumaiolo.... <un‘altra volta glielo spiego>... <E l‘orologino lo mando a prendere eh/ al
trasporto ci pensi te... Bacetto zia Enrichetta ... addio Alfredo/ attenti ai contadini... quelli ti
mandano pe stracci ....>
A diminuição do uso dos traços fonéticos nas falas de Bruno será ainda mais
evidente quando eles chegam à casa da sua ex-mulher, Gianna, e da filha, Lilli: a partir desse
momento, Bruno falará um italiano neostandard próximo do standard com a ex-esposa, a
filha e o namorado desta; Roberto será praticamente o único com quem ele ainda falará em
um italiano com alguns traços fonéticos do romanesco (mas com notável diminuição dos
traços) como, por exemplo, quando chegam na casa de Gianna, sua ex-esposa.
Os poucos traços fonéticos nas falas de Bruno com Roberto vão se resumir a alguns
casos de e protônica (2 na preposição de/di ‗de‘ e nos clíticos de levate/levati ‗tira‘ e me/mi
‗me‘), comprovando que a menor frequência do uso do romanesco por parte de Bruno pode
estar ligada também ao desejo de o personagem de demonstrar mais seriedade em certas
situações, através do uso de um italiano mais próximo da variedade alta do continuum, como a
que será citada a seguir:
128
Cena 9 (Personagens: *B: Bruno, *R: Roberto, *G: Gianna)
537*B: Pista! Ahahah... Vai! Bravo/ te stai scafando ... albero/ l‘hai passato fina... Vai piano/
ahó... volta a sinistra/ no sull‘albero!! Vai piano! Frena/ fre frena!
538*B: Ahó/ sei arrivato! Ammapete come te sei ‗mbriacato... dai/ levate la maschera/ forza!
E levate la maschera!
539*R: Però però io non sono ubriaco... <tu lo sei...>
540*B: <Sì/ vabbé sono io>/ però adesso stai calmo e bonino/ eh?
541*R: Ahahah... ma qua non c‘ nessuno....
542*B: Ci sono/ ci sono... solo che se permetti/ a quest‘ora la gente per bene dorme//
543*R: Oh... che ne sai tu della gente per bene?
544*B: Lo vedi se ci sono? Stai buonino eh/ educatino/ mi raccomando!
545*R: Piano/ piano piano.... ―Guarda come dondolo...‖
546*B: Eh/ no... piantala di ridere/ forza/ che sò conosciuto qua// Dai/ stai disinvolto// su/
Cammina dritto!
547*B: Ciao Gianna/ dormivi? <Scusa eh!>
548*G: <Certo!>
549*B: Permetti/ ti presento un amico... Roberto/ questa è mia moglie//
550*R: Molto piacere signora...
551*B: Dai/ levati ‘sta maschera... Non so che gli
successo/
un‘avvocato... una persona
seria... dai...
552*G: Lo vedo...
553*B: Ti dispiace? Passavamo di qui/ allora ho detto al mio amico/ andiamo un momento a
dare un salutino//
554*G: Sì/ va bene/ adesso vi preparo la camera//
555*B: No/ no/ non ti preoccupare Gianna... abbiamo già prenotato la camera in albergo//
556*B: La pianti!
557*B: Mi hai già fatto fà una brutta figura... me pari un ragazzino/ me pari...
558*B: Scusa tanto eh Gianna/ scusa del disturbo...
Na mesma cena, com a chegada da filha, Lilli, e de seu namorado, Bibì, Bruno
abandona definitivamente o uso dos traços romanescos para falar um italiano neostandard
muito próximo do standard falado pelos outros interlocutores:
Cena 9 (Personagens: *B: Bruno, *R: Roberto, *G: Gianna, *L: Lilli, *Bi: Bibì)
129
581*B: Eccola/ questa è Lilli... Aspetta/ aspetta Gianna/ non ti muovere! La ricevo io// Le
voglio parlare io alla pupa// E pure al ragazzetto gli voglio dire due paroline//
582*L: Ciao Bruno/ da dove sbuchi? Ciao mamma...
583*B: Oh Lilli/ vieni un po‘ qua/ fatti vedere... ma che hai fatto/ sei cambiata?
584*L: Mah/ pare che si debba crescere! Buonasera!
585*R: Buonasera!
586*B: Permette/ scusi sa/ sono il padre di Lilli//
587*Bi: Mi chiamo Danilo Borelli//
588*B: Tanto piacere//
589*Bi: Amico Suo?
590*B: Hum hum....
591*R: Roberto Mariani//
592*Bi: Mariani? No/ non conosco nessun Mariani// Romani/ vero?
593*B: Hum hum...
594*Bi: Io a Roma ci vado sempre mal volentieri... è triste/ umida e antilavorativa! Scusino
eh/ ma io la penso così... Si può andare in qualsiasi città e ognuno resta quello che è... Un
genovese un genovese/ un fiorentino un fiorentino... A Roma invece dopo tre giorni/ si
diventa tutti romani...
595*B: Embè/ e allora?
596*G: Che cosa avete fatto stasera?
597*L: Abbiamo fatto un bellissimo giro: Punta Ala/ Cecina/ Livorno/ Viareggio/ Forte dei
Marmi...
598*R: Perbacco!! Tutte in una sera?
599*B: Eggià/ volevano arrivare fino a Taormina ma poi s‘ fatto tardi...
600*Bi: Eccoli i romani... sempre pronti a sfottere il prossimo! ―A piglià pe i fondelli...‖
così che dite voi no? Oh/ intendiamoci... anche noi abbiamo i nostri diffetti... Per esempio
quello di stare a chiacchierare alle due di notte in casa d‘altri... Signora... Signor Cortona...
Buonasera... Ciao Lilli...
601*L: T‘accompagno Bib //
602*B: Bibì?
A partir das citações dos diálogos entre Bruno e Bibì, verificamos o desejo dos
autores de explorar os estereótipos do típico milanês e do romano: nesse caso, Bibì representa
o típico homem de negócios milanês, representante também do boom econômico da classe
empresarial de sucesso, enquanto Bruno é o romano fanfarrão. É relevante observar que a
130
situação em que Bruno se encontra vai obrigá-lo a utilizar a variedade mais alta do seu
repertório linguístico (o fato de Bibì ser namorado da filha, de ser bem mais velho do que ela,
de ser milanês e rico etc.).
Desde o início dessa cena (9), Bruno fala um italiano próximo do standard para
manter uma imagem mais séria de si, além de uma adequada consideração perante a ex-esposa
e a filha – levando-se em conta que, a partir dos diálogos, percebe-se que a sua figura é de
uma pessoa que não assume as próprias responsabilidades (quando Gianna diz que fazia três
anos que ele não via a filha: 579*G: Perché? Che c‟è di strano? Anzi/ vai migliorando...
L‟ultima volta/ tre anni fa sei arrivato vestito da sciatore con la gamba ingessata... ‗Por quê?
O que tem de estranho? Pelo contrário/ está melhorando... A última vez/ três anos atrás você
chegou vestido de esquiador com a perna engessada‘).
O único momento em que vemos a presença de traços do romanesco é na fala de Bibì
quando imita um romano: “A piglià pe i fondelli...” è così che dite voi no? „ ―Zombar‖... é
assim que vocês falam, né?‘. Nesta frase, percebemos a ironia e o sentido pejorativo que o
personagem Bibì emprega ao relacionar o modo de falar dialetal ao estereótipo do romano de
pessoa pouco séria.
Concluímos os comentários sobre o Il sorpasso mostrando a transcrição dos diálogos
entre Bruno e a filha. O primeiro usa um italiano muito próximo do standard, que comprova
seu desejo de manter a figura séria de pai perante a filha (com verbos no subjuntivo: se tu
avessi ‗se você tivesse‘ e no condicional: potrebbe ‗poderia‘, non te ne andresti ‗não iria‘, mi
vorresti far intendere ‗você gostaria que eu entendesse‘; e com a ausência de traços fonéticos
do romanesco):
Cena: 9 (Personagens: *B: Bruno, *L: Lilli, *R: Roberto, *G: Gianna)
603*B: E il nipote/ dove sta?
604*L: Quale nipote?
605*B: No/ dico/ non poteva venire lui? Perché ti ha fatto accompagnare dal nonno?
606*R: Eheheheheh...
607*L: Guarda questo genere di spirito farà ridere il tuo amico ma a me no... proprio per
niente//
608*R: No no no... guardi che io...
609*B:
certo... perché se tu avessi un po‘ del senso dell‘umorismo/ non te ne andresti in
giro con un tipo simile/ eh?
131
610*L: Senti/ il tipo simile è un uomo molto in gamba/ di quelli che hanno sgobbato/ di
quelli che si sono fatti una posizione solida... e hanno tutte le carte in regola per far felice una
donna//
611*B: Beh/ a prescindere dal fatto che tu non sei una donna ma una ragazzina/ uhm? Ti rendi
conto che quello potrebbe avere una figlia buona per tuo padre?
612*L: Non ci sperare... è scapolo!
613*R: Oh/ mi dispiace signora// Adesso raccolgo//
614*G: Lasci/ non si preoccupi//
615*B: Sicché adesso tu mi vorresti far intendere che sei innamorata di quel rudere?
Como podemos constatar, portanto, diante da filha, de Gianna e de Bibì, Bruno é
obrigado a comutar o código, ―subindo‖ à variedade de maior prestígio para se impor perante
os seus interlocutores, no plano psicológico e diastrático. Sendo assim, ele não ―pode‖ falar
em romanesco, pois perderia credibilidade.
Como último exemplo de citação, apresentamos os diálogos entre Bruno e Lilli, em
que esta desabafa com o pai. Em uma fala de Bruno (688), na cena 12, muito próxima do
standard, vemos a utilização da apócope vocálica son/sono ‗verbo auxiliar essere na 1ª
pessoa: estou‘. D‘Achille (1995, p. 406) já havia notado a presença desta forma tronca de son
no romanesco dos anos 1990: «[...] son pode ser considerado pelo falante romano um tipo de
convenção ou um modo de evitar a forma local» 93.
De fato, segundo Ciccotti (2001, p. 298), a presença de son – e não da forma dialetal
sò ou da forma italiana sono – indicaria um deslocamento para o alto, ou seja, conotaria
diastrática e diafasicamente a frase, através do traço tipicamente setentrional son. Isso
demonstraria como, nessa situação, Bruno queria demonstrar ter uma boa imagem, ser um
bom pai:
688*B: Sai Lilli/ son contento di aver una figlia come te! Sai un sacco di cose/ sei
inteligente...decisa... sicura....
Concluindo os comentários sobre o filme Il sorpasso, apresentamos a seguir um
quadro com os traços fonéticos encontrados somente nas falas de Bruno, seguido dos gráficos
93
[...] son può esser considerato dal parlante romano una sorta di compromesso o un evitamento della forma
locale.
132
que vão explicitar melhor os percentuais de uso das três variedades de Roma pelo
personagem.
Tabela 5: Traços fonéticos do personagem Bruno do filme Il sorpasso
Apócope nos verbos no infinitivo: 56
Ausência
de
apócope
nos
verbos
no
infinitivo: 82
E protônica nos clíticos me, te, ve, se, ce: 76; Ausência de e protônica nos clíticos mi, ti, vi,
e na preposição de: 21
si, ci: 186; e na preposição di: 66
Apócope no verbo essere (1ª pessoa do Ausência de apócope no verbo essere (1ª
singular e 3ª do plural: sò): 1; e no verbo pessoa do singular e 3ª do plural: sono): 19; e
venire (3ª pessoa do singular: viè): 1
no verbo venire (3ª pessoa do singular:
viene): 1
Apócope nos alocutivos: 22
Ausência de apócope nos alocutivos: 14
Apócope nas preposições co: 7; e pe: 3
Ausência de apócope nas preposições con:
32; e per: 39
Apócope nos possessivos mi‟: 0 e tu‟: 0; e no Ausência de apócope nos possessivos mio: 6
numeral du‟: 0
e tuo: 4; e no numeral due: 16
Assimilação nd a nn: 8
Ausência de assimilação nd a nn: 37
Rotacismo de l: 1
Ausência de rotacismo de l: 95
Monotongação de uo: 24
Ausência de monotongação de uo: 42
Aférese vocálica nos artigos indefinidos „n, Ausência de aférese vocálica nos artigos
„no, „na: 0
indefinidos un, una: 65
Aférese nos pronomes demonstrativos „sto, Ausência
de
aférese
nos
pronomes
„sta, sti: 26
demonstrativos questo, questa, questi: 23
Lex Porena: 0
Ausência de Lex Porena: em tudo
Palatalização de gl a j: 7
Ausência de palatalização de gl a j: 62
Com base nestes dados expostos, destacamos os resultados mais relevantes. Verificase que há a alternância dos dois traços fonéticos pertencentes à variedade média mais
presentes nas falas de Bruno: a e protônica e a apócope dos verbos no infinitivo. Com relação
à e protônica, nos clíticos me, te, ve, se, ce, temos 76 casos; e na preposição de, 21 (total: 97).
Se analisarmos a ausência deste traço, temos 186 de casos nos clíticos e 66 na preposição
(total: 252). Já a apócope dos verbos no infinitivo aparece 56 vezes contra 82 casos de verbos
no infinitivo não apocopados.
133
Estes números nos mostram que há menos casos de e protônica – 97 no total, contra
252 de casos sem este traço. Com a apócope nos verbos, acontece o mesmo: são mais casos de
verbos no infinitivo não apocopados (82) do que apocopados (56). Também, se pensarmos na
aférese nos pronomes demonstrativos, percebemos que há 26 casos do traço e 23 casos sem o
mesmo traço. Outro traço pertencente à variedade média é a palatalização de gli a j, e há
somente 7 casos em que aparece este traço, contra 62 sem.
Já quanto aos traços pertencentes à variedade de menor prestígio, temos somente 3
casos de apócope das preposições con e per contra 39 casos de ausência do mesmo traço.
Estes dados, juntamente com os comentários feitos anteriormente, mostram que o
personagem Bruno utilizou mais traços pertencentes à variedade média do que os da
variedade mais baixa, sendo que estes últimos foram empregados sempre em situações mais
informais e com pessoas desconhecidas (como o ciclista e o senhor da carona).
Portanto, a nossa hipótese inicial, de que Bruno poderia ser definido como um
italiano instruído, confirmou-se a partir da constatação de que esse personagem é capaz de
revezar traços do neostandard com traços do italiano de Roma e dialetais dentro do
continuum linguístico romano dependendo da situação em que se encontra. Nossa hipótese se
confirma principalmente nas cenas em que Bruno encontra a família, nos momentos mais
sérios, em que há uma forte diminuição dos uso de traços fonéticos do romanesco.
Em seguida, apresentamos os gráficos referentes ao uso e ao não uso de traços
fonéticos por parte de Bruno. Os gráficos representam, para cada traço fonético observado, a
porcentagem de casos positivos em relação ao conjunto de casos positivos (presença do traço)
ou negativos (ausência do traço).
Gráfico 7: Uso de traços fonéticos por parte de Bruno (filme Il sorpasso) – 1
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Apócope nos verbos no E protônica nos clíticos: Apócope nos verbos Apócope nos alocutivos
infinitivo
me, te, ve, se, ce e na essere (1ª pes. do sing. e
preposição: de
3ª do pl.: sò) e venire (3ª
pes. do sing.: viè)
134
Gráfico 8: Uso de traços fonéticos por parte de Bruno (filme Il sorpasso) – 2
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Apócope nas
preposições: co e pe
Apócope possessivos:
mi‘, tu‘, e numeral du‘
Assimilação nd a nn
Rotacismo de l
Gráfico 9: Uso de traços fonéticos por parte de Bruno (filme Il sorpasso) – 3
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Monotongação de Aférese vocálica
Aférese nos
uo
nos artigos
pronomes
indefinidos ‗n, ‗no, demonstrativos:
‗na
‗sto, ‗sta, sti
Lex Porena
Palatalização de gl
aj
4.2.4 Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Il sorpasso
Tabela 6: Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Il sorpasso
Apócope
Apócope da sílaba final de verbos no infinitivo
rìde (ridere):1; vènde (vendere):1; séde (sedere): 1; rientrà (rientrare): 1; uscì (uscire): 3;
passà (passare): 3; chiamà (chiamare): 1; venì (venire): 2; scaricà (scaricare):1; vedé (vedere):
135
3; andà (andare): 2; attaccà (attacà): 1; guardà (guardare): 1; sentì (sentire): 3; fà (fare): 7;
impiccià (impicciare):1; allungà (alungare): 1; superà (superare): 3; dì (dire): 1; parlà
(parlare): 2; fumà (fumare): 1; tirà (tirare): 1; salì (salire): 1; impazzì (impazzire): 1; aspettà
(aspettare): 1; scaricà (scaricare): 1; strillà (strillare): 1; trattà (trattare): 1; dà (dare): 1; ballà
(ballare): 1; morì (morire): 1; sedé (sedere): 1; mètte (mettere): 1; guidà (guidare): 1; mangià
(mangiare): 1; studià (studiare): 1. Total: 55
Apócope dos verbos
sò (sono), 1ª p. do sing. e 3ª pl.: 16; tiè (tieni): 3; viè (vieni): 1. Total: 20
Apócope da consoante final nas preposições con e per
pe (per): 4; co (con): 7. Total: 11
Apócope nos alocutivos: perda da sílaba átona final
Robè (Roberto): 18; nonnè (nonnetto): 1; Michè (Michele); 2; commenda (commendatore): 1.
Total: 22
Apócope silábica da palavra dove
do‘ (dove): 1. Total: 1
Passagem de „rr‟ a „r‟
arancà (arrancare): 1; aranca (arranca): 1; fero (ferro): 1; arivo (arrivo): 3; feragosto
(ferragosto): 4; tera (terra): 1; córe (correre): 2, cure (corre): 1. Total: 14
Passagem de a pós-tônica não final a e
svegliete (svegliati): 1. Total: 1
Rotacismo de l pré-consonântica
na preposição articulada ar (al): 1; e no artigo masculino singular er (il): 6. Total: 7
Assimilação progressiva de nd a nn; rm a mm; rl a ll
sfonno (sfondo): 1; annamo (andiamo): 3; ‗nnamo (andiamo): 3; annà (andare): 1; famme
(farmi): 1; ammazzalli (ammazzarli): 1. Total: 10
Aférese
Aférese de sílaba inicial em pronomes demonstrativos
‗sta (questa): 9 ; sti (questi): 9; ‗sto (questo): 8. Total: 26
Aférese dos artigos indefinidos
136
‗n (un): 10; ‗na (una): 15; ‗no (uno): 1. Total: 26
Aférese silábica
‗nnaggia (mannaggia): 1. Total: 1
Aférese da expressão mortacci tua
‗ccitua: 1. Total: 1
Monotongação em ò para o ditongo uò
vote (vuote): 1; voi (vuoi): 6; move (muove): 1; fori (fuori); bono (buono): 2; bona (buona ):
3; boni (buoni): 1 ; bonino (buonino): 3; omo (uomo): 2; ova (uova): 1; l‘omini (gli uomini):
1; mòviti (muoviti): 2. Total: 23
Palatalização
Palatalização de gli a j
pjà (pigliare): 1; vojo (voglio): 1; je (gli): 2; sbajà (sbagliare): 1; mejo (meglio): 1; raccojamo
(raccogliamo): 1. Total: 7
Palatalização de nj + vogal
gnente (niente): 1. Total: 1
Desenvolvimento da nasal palatal (mudança do grupo ng em gn)
magni (mangi): 1, magnato (mangiato): 1; magna (mangia): 7; spigne (spingere): 2; spigni
(spingi): 1. Total: 12
„E‟ protônica nos clíticos ti, mi, si, ci e na preposição di: E protônica nos clíticos ti, mi, si,
ci e na preposição di
1) te (ti): 33, provate (provati): 1, fidate (fidati): 2, levate (levati): 2, svegliete/ svegliate
(svegliati): 2; beccate (beccati): 1; fatte (fatti): 1; méttete (mettiti): 1; 2); me (mi): 21; famme
(fammi): 3, damme (dammi): 1; dimme (dimmi): 1; 3) se (si): 11; 4) ce (ci): 4; 5) de (di): 24.
Total: 108
Passagem de “b” a “bb” e “g” a “gg”
robba (roba): 1. Total: 1
U protônica no lugar de o em non
nun (non): 1. Total: 1
Passagem de cc a c; de vv a v; de tt a t
137
machina (macchina): 2; davero (davvero): 1; stamatina (stamattina): 1; camina (cammina): 1.
Total: 5
Tabela 7: Comparação das ocorrências da presença e ausência dos traços fonéticos do filme Il sorpasso
Apócope nos verbos no infinitivo: 55
Ausência
de
apócope
nos
verbos
no
infinitivo: 158
E protônica nos clíticos: me, te, ve, se, ce: 84; Ausência de e protônica nos clíticos: mi, ti,
e na preposição: de: 24
vi, si, ci: 243; e na preposição: di : 97
Apócope no verbo essere: (1ª pes. do sing. e Ausência de apócope no verbo essere (1ª pes.
3ª do pl.: sò): 16; e no verbo venire: (3ª pes. do sing. e 3ª do pl.: sono): 34; e no verbo
do sing.: viè): 1
venire (3ª pes. do sing.: viene): 10
Apócope nos alocutivos: 22
Ausência de apócope nos alocutivos: 61
Apócope nas preposições: co: 7 e pe: 4
Ausência de apócope nas preposições: con:
59 e per: 46
Apócope nos possessivos: mi‟: 2, tu‟: 3; e Ausência de apócope nos possessivos mio: 3,
numeral du‟: 0
tuo: 3; e numeral due: 12
Assimilação nd a nn: 8
Ausência de assimilação nd a nn: 83
Rotacismo de l: 7
Ausência de rotacismo de l: 110
Monotongação de uo: 23
Ausência de monotongação de uo: 48
Aférese vocálica nos artigos indefinidos „n, Ausência de aférese vocálica nos artigos
„no, „na: 26
indefinidos un, una: 238
Aférese nos pronomes demonstrativos: „sto, Ausência
de
aférese
nos
pronomes
„sta, sti: 26
demonstrativos: questo, questa, questi: 11
Lex Porena: 0
Ausência de Lex Porena: em tudo
Palatalização de gli a j: 7
Ausência de palatalização de gl a j: 100
Em seguida apresentamos os gráficos referentes ao uso e ao não uso de traços
fonéticos no filme Il sorpasso. Os gráficos representam, para cada traço fonético observado, a
porcentagem de casos positivos em relação ao conjunto de casos positivos (presença do traço)
ou negativos (ausência do traço).
138
Gráfico 10: Uso de traços fonéticos no filme Il sorpasso – 1
29%
28%
27%
26%
25%
24%
23%
22%
Apócope nos verbos no E protônica nos clíticos: Apócope nos verbos Apócope nos alocutivos
infinitivo
me, te, ve, se, ce e na essere (1ª pes. do sing. e
preposição: de
3ª do pl.: sò) e venire (3ª
pes. do sing.: viè)
Gráfico 11: Uso de traços fonéticos no filme Il sorpasso – 2
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Apócope nas
preposições: co e pe
Apócope possessivos:
mi‘, tu‘, e numeral du‘
Assimilação nd a nn
Rotacismo de l
139
Gráfico 12: Uso de traços fonéticos no filme Il sorpasso – 3
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Monotongação de Aférese vocálica
Aférese nos
uo
nos artigos
pronomes
indefinidos ‗n, ‗no, demonstrativos:
‗na
‗sto, ‗sta, sti
Lex Porena
Palatalização de gl
aj
4.3 Viaggi di nozze
4.3.1 Ficha técnica
Viaggi di nozze, 1995. D.: Carlo Verdone. R.: Leonardo Benvenuti, Piero De
Bernardi, Carlo Verdone. I.: Carlo Verdone: Raniero Cotti Borroni, Giovanni De Berardi,
Ivano Vecchiarutti, padre (que celebra o matrimônio de Giovannino e Valeriana); Veronica
Pivetti: Fosca; Claudia Gerini: Jessica Sessa; Cinzia Mascoli: Valeriana Coli; Gloria
Sirabella: Gloria Coli; Edoardo Siravo: Stefano; Nanni Tamma: Adelmo (o pai de Giovanni).
4.3.2 Sinópse de Viaggi di nozze
Viaggi di nozze é um filme de 1995, dirigido por Carlo Verdone, que conta as
histórias de três casais recém-casados, seguindo-os da cerimônia de matrimônio à viagem de
núpcias.
Ivano, jovem arrogante de família enriquecida, casa-se com Jessica, sua cópia exata.
Depois da cerimônia, os dois partem para uma viagem on the road entre hotéis, discotecas e
sexo em todos os lugares, com Ivano provocando a esposa com a famosa pergunta "O famo
strano?". Depois de uma relação sexual fracassada, os dois entram em crise e, depois de tentar
resolvê-la, sem sucesso, o casal se encontra com um casal de amigos romanos e discute no
carro, constatando que não há mais nada de original no mundo do consumismo.
140
O médico Raniero Cotti Borroni pensa em trabalho 24 horas por dia, a ponto de
nunca desligar o celular – nem no altar. Casa-se com a jovem e frágil Fosca, que, logo após o
matrimônio, percebe que cometeu um grande erro. Durante a viagem de núpcias, que Raniero
organizou para que fosse exatamente igual à que tivera com sua primeira esposa, Scilla, Fosca
tenta de todo modo fugir do marido opressor, que, por sua vez, a entedia com suas pieguices –
chega a ponto de programar a posição dos caixões onde os dois serão sepultados na capela da
família. No final, desesperada, Fosca acaba por suicidar-se jogando-se da varanda do hotel em
Veneza, a mesma que o marido e Scilla haviam ocupado na precedente viagem de núpcias.
Já Giovannino e sua esposa, Valeriana, após um interminável sermão do padre
(também interpretado por Verdone) que celebra seu matrimônio, embarcam finalmente em um
cruzeiro no Mediterrâneo, mas, pouco antes de o navio partir, um telefonema inesperado
obriga Giovannino a deixar Valeriana e voltar a Roma: o pai é, de repente, abandonado pela
enfermeira albanesa e Giovannino tem que encontrar um lugar para ele. Enquanto isso,
Valeriana é avisada sobre uma tentativa de suicídio da irmã e também desembarca para
entender o que aconteceu. Giovannino é o único que consegue salvar o próprio matrimônio
com Valeriana, embora os familiares façam de tudo para destruí-lo.
4.3.2 Comentário linguístico
Como ressaltado por Fabio Rossi (2006, p. 393) no item 1.2.2.4, a partir dos anos
1980 o cinema italiano vai mudar muito do ponto de vista linguístico, com a volta da
gravação ao vivo e o uso sempre mais frequente de dialeto não estereotipado pelos cineastas.
Também alguns atores/diretores, considerados os ―novos cômicos‖, como Roberto Benigni,
Massimo Troisi, Francesco Nuti, Carlo Verdone, entre outros, revitalizaram as inserções
dialetais no cinema, que, todavia, nunca renunciou à caracterização dialetal no gênero cômico,
sobretudo nos produtos de consumo.
Com relação aos filmes de Carlo Verdone nos anos 1990, Brunetta (2010, p. 398-99)
afirma que é nesses anos que o ator/diretor fará alguns filmes como Stasera a casa di Alice
(1990), Maledetto il giorno che ti ho incontrato (1992), Al lupo, al lupo (1992) e Perdiamoci
di vista (1994), em que se distanciou de algumas figuras caricaturiais e do uso do romanesco
– presentes em seus primeiros filmes – elementos que serão retomados em Viaggi di nozze
(1995).
141
Para Montini (1997, p. 98), essa volta ao passado é também uma retomada do
transformismo 94 e da estrutura episódica dos filmes de estreia.
De fato, assim como em Un sacco bello (1980) e Bianco, rosso e Verdone (1981),
Viaggi di nozze baseia-se em três histórias paralelas. Neste último, temos como protagonistas
três diferentes casais de esposos, sendo que cada marido é interpretado por Verdone, que
também faz uma quarta aparição no papel de um logorroico padre.
Os três protagonistas verdonianos, de acordo com Montini (1997, p. 98), são
modelados nos outros personagens dos dois filmes estreantes: Ivano, homem de periferia, é a
versão atualizada de Enzo, o valentão de Un sacco bello; o professor Raniero Cotti Borroni é
uma variação de Furio, o insuportável marido de Magda em Bianco, rosso e Verdone; o
tímido Giovannino é, enfim, um ―irmão‖ de Leo e de Mimmo, os dois bons rapazes dos
outros dois filmes antes citados.
Todavia, Montini (1997, p. 98) afirma que, com relação aos dois filmes precedentes,
em Viaggi percebe-se uma maior maturidade cinematográfica: enquanto Un sacco bello e
Bianco, rosso e Verdone conservavam algo de teatral, eram monólogos divertidos, Viaggi di
nozze:
mostra um maior esforço em articular as histórias, tem uma estrutura mais coral, e
nos três episódios emergem prepotentemente os personagens femininos,
interpretados por três jovens atrizes descobertas pelo diretor: Claudia Gerini,
Veronica Pivetti e Cinzia Mascoli. [...] Viaggi di nozze é uma colagem de três
pequenos filmes que se cruzam. 95
Levando em conta tais premissas, começaremos a comentar o último filme do nosso
corpus.
Segundo Montini (1997, p. 98-99), os três personagens masculinos (Ivano, Raniero e
Giovannino) são três personagens simbólicos, três faces da Itália dos anos 1990. Partindo da
visão e transcrição do presente filme, percebemos que, de um ponto de vista linguístico, Carlo
Verdone caracterizou diastraticamente cada um dos protagonistas. Raniero Cotti Boroni,
médico, é a encarnação da Itália cínica, satisfeita, cheia de si, que vai utilizar sempre e
somente a variedade mais alta do continuum linguístico romano, o italiano standard,
independentemente da situação, seja ela formal, como quando fala com um paciente no
celular, no altar da igreja:
94
Em italiano, tal prática é chamada fregolismo, termo vindo do nome de L. Fregoli (1867-1936), ator famoso
transformista e ilusionista. http://www.treccani.it/vocabolario/fregolismo/ (Acesso em 02/12/15).
95
Viaggi di nozze mostra uno sforzo maggiore nell‘articolare le storie, ha una struttura più corale, ed emergono
prepotentemente in tutti e tre gli episodi i personaggi femminili, affidati a tre giovani attrici scoperte dal regista:
Claudia Gerini, Veronica Pivetti e Cinzia Mascoli. [...] Viaggi di nozze è un collage di tre piccoli film che si
intersecano.
142
(Personagens: *R: Raniero, *F: Fosca)
*R: Pronto? No/ non mi disturba affatto/ mi dica!
Ou informal, na noite de núpcias com a esposa Fosca:
*R: Amore Fosca/ ti sei già lavata i denti?
*F: Sì/ Raniero/
*R: Guarda che sul tavolinetto bianco/ accanto al deodorante analcolico/ troverai un rocchetto
di filo interdentale/ zigrinato non cerato/ che è l'ideale per togliere i residui// D'altro canto hai
mangiato quell'insalata di pollo/ che è quanto di più deleterio per la placca dentaria//
Partindo, portanto, da constatação de que nas falas de Raniero estão ausentes traços
fonéticos do romanesco, voltaremos nossa atenção principalmente às falas de Giovannino e
Ivano, uma vez que verificamos a diversa utilização do romanesco nos dois personagens.
Giovannino é o pequeno burguês compreensivo, de índole dócil e boa, caracterizado
como um romano pertencente à classe média que, diferentemente de Raniero e Ivano
96
, vai
utilizar principalmente um italiano neostandard, revezando com traços fonéticos do
romanesco de acordo com a situação e o interlocutor. Na cena inicial do casamento, no
momento do sermão infinito do padre, quando os esposos exprimem nervosismo por correrem
o risco de perder o navio que os levaria à viagem de núpcias pelo Mediterrâneo, podemos
observar que Giovannino responde exasperado ao pedido de Valeriana, utilizando traços
fonéticos pertencentes à variedade média, como a passagem de gl a j (je/gli ‗lhe‘), a e
protônica no clítico ti (te/ti ‗te‘), a aférese do artigo indefinido un („n/un ‗um‘) e a apócope do
infinitivo (3 casos de fà/fare ‗fazer‘):
Cena 4 (Personagens: *Gi: Giovannino, *V: Valeriana)
83*V: Tra due ore parte la nave e non ce la faremo mai/ eh!
84*Gi: Che te devo fà io/eh? Che je devo fà? Che posso fà io/eh? È ‘n pazzo/ è ...
85*V: Vabbè... o glielo dici te/ o glielo dico io...
86*Gi: Eh... zio... scusa tanto/ tra due ore ci parte la nave/ quindi...
87*V: S / c‘ il rischio di perderla....
96
O primeiro vai se exprimir sempre com um italiano standard, e o segundo, com a variedade mais baixa do
continuum linguístico romano.
143
88*Gi: C‘ il rischio di perderla// Eh eh eh... grazie di tutto perché sei stato di cuore/ ci hai
detto delle frasi veramente belle/ noi te ringraziamo tantissimo!!!
Depois (diálogos 86, 88), com o padre, Giovannino utiliza um italiano neostandard
tendendo ao informal: usa a 2ª pessoa do singular tu em vez da 3ª pessoa Lei – o que poderia
indicar intimidade entre os dois, uma vez que eram parentes ([...] zio... scusa tanto [...] ‗tio...
desculpa mesmo...‘) –, com um único caso de e protônica (te/ti ‗te‘), que indicaria a intenção
de Giovannino de se exprimir com veemência: noi te ringraziamo tantissimo!!! ‗nós te
agradecemos muitíssimo!!!‘.
De fato, a caracterização do personagem Giovannino é a de um italiano instruído
que, ao enfrentar momentos de tensão, oscila muitas vezes no continuum, descendo da
variedade média para a variedade baixa, mas com poucas incursões. Vejamos um desses
momentos: quando Giovannino procura o irmão, Ugo (que trabalha como caixa nos Correios),
o qual se recusa a ficar com o pai:
Cena 6 (Personagens: *Gi: Giovannino, *U: Ugo, *S e *S2: senhores que estão na fila, [...]:
vozes de outras pessoas)
210*Gi: Ugo! Ugo! Scusate sono il fratello//
211*S: <Dica signore/ dove va? Per favore/ fate la fila!>
212*Gi:< ... è una questione famigliare importante/ scusate... un minuto solo!> Ugo scusa!
Signora/ per favore/ un minuto solo! Ugo/ si tratta di una cosa importante/ ti devo parlare di
papà// Ti chiedo un minuto//
213*S2: Mica vorrà fare il furbo? [...]
214*Gi: No/no.... su Cristo in croce/ non sono un furbo... Ti chiedo un minuto soltanto per
parlarti...
215*U: Si metta in fila...
216*Gi: Guarda/ è una cosa urgente/ riguarda lui/ è un minuto solo...
217*U: Le ho detto di mettersi in fila...
218*Gi: Mi metto in fila!
224*U: Dica?
225*Gi: Ugo/ papà sta solo/ l‘infermiera albanese se n‘ andata... ‘na tragedia!
226*U: E cercane un‘altra...
227*Gi: E come faccio? Cioè/ sto in viaggio di nozze... Ho lasciato Valeriana sola sulla nave/
è ‘na tragedia!
228*U: E che fai/ me lo molli a me?
144
229*Gi: Ma per dieci giorni/ dai... in fin dei conti papà me ne sono sempre occupato io/ no?
230*U: Eh/ no... tu non te ne sei occupato/ bello... Tu te lo sei oliato per benino!
231*Gi: Ma che dici?
232*U: Sennò mica te la regalava la casa/ e manco il viaggio di nozze ti pagava... A
proposito/ dov‘ che vai/ eh?
233*Gi: Ma dove vado .... Faccio il giretto che fanno tutti/ Tunisi/ Cairo/ Luxor...
234*U: Ah/ Cairo... Santa Marinella/ io! A casa de mi’ socera me lo sò fatto il viaggio di
nozze/ io!
Nesta cena, quando Giovannino tenta passar na frente das pessoas que estão na fila
para falar com Ugo, há a sobreposição de vozes dessas pessoas, barulhos, partes de turno
pouco compreensíveis, todas estas características que indicariam uma conversação ao vivo.
Ugo, por sua vez, utiliza um italiano muito formal com o irmão (Si metta in fila ‗Coloque-se
em fila‘; Le ho detto di mettersi in fila... ‗Eu lhe disse para se colocar em fila‘; dica ‗diga‘), o
que demonstra a sua vontade de manter uma relação impessoal, de distância, com
Giovannino.
Mas, na fala de Ugo, verificamos também a descida na direção de uma variedade
médio-baixa: Ah/ Cairo... Santa Marinella/ io! A casa de mi’ socera me lo sò fatto il viaggio
di nozze/ io! ‗Ah/ Cairo.... em Santa Marinella eu! Na casa da minha sogra eu fiz a viagem de
núpcias‘; neste caso, a utilização de traços fonéticos dialetais, como a e protônica em de/di
‗de‘, a apócope pós-vocálica do possessivo mi‟/mia ‗minha‘, a monotongação de
socera/suocera ‗sogra‘, indica a intenção do personagem Ugo de enfatizar com veemência
que tinha passado a sua viagem de núpcias na casa da sogra, e não como Giovannino, o qual
faria uma viagem de navio pelo mediterrâneo paga pelo pai.
Como resposta à provocação do irmão, Giovannino também utiliza a variedade
dialetal, embora com oscilações que, de acordo Rossi (1999, p. 196), são inerentes a um
típico romano de classe média:
a) 3 casos de verbos apocopados (ricordà/ricordare ‗lembrar‘; mangià/mangiare
‗comer‘; cenà/cenare ‗jantar‘) e um não apocopado (rinfacciare ‗jogar na cara‘);
b) 3 casos de e protônica (1 em de/di ‗de‘; 2 no clítico te/ti ‗te‘), mas não no clítico mi
‗me‘;
c) 2 casos de aférese do artigo indefinido („na/una ‗uma‘).
145
Todos estes traços pertencem à variedade média ou ao italiano ―de‖ Roma; somente
um traço fonético da variedade mais baixa está presente: a apócope da preposição pe/per
‗por‘:
235*Gi: Ma perché devi sempre rinfacciare! Ma perché... perché allora io mi dovrei ricordà
de quella sera/ che ero andato a mangià ‘na pizza/ e tu sei arrivato a casa mia/ quatto/ quatto/
te sei staccato tr ... due quadri/ due quadri/ te sei portato via sei sedie su otto/ dico/ sei su
otto! Roba che ci ha fatto cenà a turno pe ‘na settimana a tutti! Ma è giusto? Non ho finito!
Na cena 12, Giovannino procura a mãe, que vivia separada do pai, para pedir-lhe que
fique com ele, já que não havia obtido nenhum tipo de ajuda por parte dos irmãos. Mais uma
vez, vemos o uso de um italiano neostandard com tendência para a coloquialidade (presença
de palavrões: figlia di puttana ‗filha da puta‘; stronzisimi ‗idiotas‘), com poucos traços
fonéticos do romanesco (somente alguns casos de e protônica):
(Personagens: *Gi: Giovannino, *M: Mãe de Giovannino, *A: advogado)
309*M: Eh... hai litigato con Valeriana?
310*Gi: Ancora no/ ma se va avanti così me divorzio in viaggio di nozze// Mi fai entrare che
ti devo parlare un attimo? È urgentissimo!
311*Gi: Mamma/ guarda/ sto in un‘emergenza che se chiama emergenza rossa/ c‘ho papà
solo qua sulle scale//
312*M: Oddio mio!
313*Gi: Non lo vuole nessuno/
stato abbandonato dall‘infermiera albanese/ questa figlia di
puttana... Sono stato da Ugo/ da Loredana/ da zia Clelia/ dai quei tuoi stronzissimi cugini
Goccialati/ dai Sessa/ dai Saporito// Mamma/ non ci sei rimasta che te/ perciò/ mamma/ fai la
mamma/ salvami il matrimonio!
314*M: Ma Giovanni/ ma cosa ti viene in mente? Sono venticinque anni che siamo separati/
dopo vent‘anni di litigi e di tradimenti! Ormai io per tuo padre sono solo una che lui odia!
Mas, à medida que Giovannino percebe que a mãe não tem intenção nenhuma de
cuidar do pai enquanto ele faz a viagem de núpcias, vai ficando cada vez mais nervoso, e isso
se reflete no aumento da presença do romanesco em suas falas, a partir da utilização também
do traço pertencente à variedade mais baixa do continuum (rotacismo do l: sarvà/salvare
‗salvar‘):
146
336*Gi: Allora/ dove lo mando io/ in uno ospizio? Lo porto in una comunità? Che devo fà? Io
pure me devo sarvà mamma/ dai/ eh?
Já Ivano e sua selvagem esposa, Jessica, são os representantes de uma Itália rica,
vulgar e inculta. Para Montini (1997, p. 99), Verdone percebe bem a transformação do
modelo coatto (pessoa arrogante, vulgar) no tempo, que vai se dar sobretudo através da
linguagem:
Enzo falava sem parar, convencido de dominar a palavra e os seus significados.
Ivano e Jessica comunicam por monossílabos, o vocabulário deles é de uma pobreza
desconcertante; falam por slogans, incapazes de construir uma frase minimamente
articulada. 97
É possível identificar essa pobreza de vocabulário logo na cena inicial, quando, a
pedido dos convidados, os dois personagens tentam fazer um discurso:
(Personagens: *I: Ivano, *J: Jessica, *P: pai de Ivano, *C: convidados, *P2: pai de Jessica, *I:
irmão de Ivano)
47*C: Discorso! Discorso!
48*I: E che ve devo di’? È trovasse sposatii... è ‘na sensazione nova... che te fa sentire
come... come se può di’... te fa sentì proprio strano... eh/ te fa sentì strano... Aa salute!
49*C: Jessica! Jessica!
50*I: Dai/ dai/ dai!
51*J: V‘ha già detto tutto lui!!! Ma che ve devo di’ de più io... Niente... è ‘na sensazione...
nova... che te fa.... strano.... cioè/ che te fa sentì proprio strana! Grazie a tutti comunque/
soprattutto dei regali!
52*I: Grazie veramente!
53*P2: Bella de papà!
54*P: Ammazza che oratori!
55*I: Ma chi ve i scrive i testi a Ivà?!
Se Ivano é incapaz de proferir um discurso articulado, Jessica será sua cópia, sendo
incapaz de proferir um pensamento próprio; ela utilizará quase as mesmas palavras
(sensazione ‗sensação‘, nova ‗nova‘, strana ‗estranha‘) e os mesmos traços fonéticos
97
Enzo parlava in continuazione, convinto di dominare la parola e i suoi significati. Ivano e Jessica comunicano
per monossillabi, il loro vocabolario è di una povertà sconcertante, parlano per slogan, incapaci di costruire una
frase minimamente articolata.
147
presentes na fala de Ivano (diálogos 48 e 51): a e protônica nos clíticos ve/vi ‗para você‘ e na
preposição de/di ‗de‘; a apócope do verbo no infinitivo sentì/sentire ‗sentir‘; a montongação
de uo em nova/nuova ‗nova‘.
Diferentemente de Giovannino, Ivano é caracterizado mais diastrática do que
diafasicamente, uma vez que utiliza somente o romanesco de variedade mais baixa do
continuum linguístico romano, como podemos constatar nos diálogos entre Ivano e Jessica:
Cena 14 (Personagens: *I: Ivano, *J: Jessica)
417*J: A Ivà?
418*I: Oh?
419*J: Viètte a prénde ‘na botta de sole che er cloro te sbianca/ eh?
420*I: Dichi?
421*I: Che me stavi a di’ prima? Perché te fa paura avé ‘n fijo? Perché te cambia aa vita/ te
fa sentì più vecchia/ che è?
422*J: Beh/ la paura de sentì male... E pure l‘idea d’avecce ‘n’antra persona dentro...
423*I: Beh/ ma allora... tu’ madre/ mi’ madre/ er mondo...
424*J: Ah oo so/ ‘nfatti...
425*I: Se t‘uscisse fori ‘n maschio mi piacerebbe chiamallo... o Allan... o Kevin... mejo
Kevin//
426*J: Oo fai pe Kostner?
427*I: Ma più che pe Kostner... oo faccio perché è un nome che me dà ‘n senso de rispetto/
capito? Oo senti come il nome c‘ha possenza/ capito? Kevin! Capito? Me piace!
428*J: Vabbè/ ma tutti maschi devono èsse?
429*I: Vabbè/ allora proponi/ daje! Proponi pure te!
430*J: A me me piacerebbe Maria!
431*I: Ma è ‘n nome da presepio/ Maria/ dai! Ma chi se chiama più Maria?
432*J: A me me piace perché è semplice... È poi nun è vorgare Ivà//
433*J: Che c‘hai ‘n mente Ivà?
434*I: Càricate d‘ossigeno e bùttate ‘n acqua...
435*J: Ma che o voi fà ‘n‘apnea?
436*I: Vojo fà Maria sott‘acqua...
437*J: Davero? Davero Ivà?
438*I: Va‘! Vai! Dentro aa piscina...
439*I: Aa vojo fà strana quaa pupa! Proprio strana!
148
Nesses diálogos verificamos a forte presença de traços fonéticos pertencentes tanto à
variedade média quanto à variedade mais baixa:
Apresentamos os seguintes traços da variedade média:
a) todos os verbos no infinitivo são apocopados: di‟/dire ‗dizendo‘; prénde/prendere
‗tomar‘; sentì/sentire ‗sentir‘; èsse/essere ‗ser‘; avé/avere ‗ter‘; fà/fare ‗fazer‘ (3);
b) 16 casos de e protônica: nos clíticos me/mi ‗me‘ (5); se/si ‗se‘ (1); bùttate/buttati ‗se
joga‘ (1); càricate/caricati ‗carregue-se‘ (1); viètte/ vieniti ‗vem‘ (1); te/ti ‗te‘ (4); e
na preposição de/di ‗de‘ (3);
c) 6 casos de aférese dos artigos indefinidos: „un/uno ‗um‘ ( 4); „n‟/un‟ ‗uma‘ (1) e
„na/una ‗uma‘ (1);
d) palatalização de gli a j: vojo/voglio ‗quero‘ (2); mejo/meglio ‗melhor (1); fijo/figlio
‗filho‘ (1).
E para a variedade baixa temos:
a) 4 casos de apócope dos alocutivos: Ivà/ Ivano ‗Ivano‘;
b) 3 casos de rotacismo de l: 2 no artigo definido masculino er/il ‗o‘, e 1 caso no
adjetivo vorgare/volgare ‗vulgar‘;
c) 8 casos de lex Porena dos quais: 6 casos nos pronomes diretos - oo so/lo so ‗eu sei‘;
oo fai/lo fai ‗você diz‘; oo faccio/lo faccio ‗eu digo‘; oo senti/lo senti ‗tá escutando‘;
o voi/lo vuoi ‗você quer‘. aa vojo/la voglio ‗quero‘ . 1 caso no pronome
demonstrativo quaa/quella ‗aquela‘. 1 caso nos artigos definidos aa/la ‗a‘ e 1 na
preposição articulada aa/alla ‗da‘;
d) 2 casos de monotongação de uo em ò: voi/vuoi ‗quer‘ e fori/fuori ‗fora‘;
e) 2 casos de passagem de vv a v: davero/davvero ‗verdade‘;
f) 2 casos de apócope dos pronomes possessivos: tu‟/tua ‗sua‘ e mi‟/mia ‗minha‘;
g) 2 casos de apócope na preposição pe/per ‗para‘;
h) nun no lugar de non ‗não‘.
O único momento em que Ivano mudará para um registro mais alto será na cena 17,
quando, já em crise, o casal decide inventar uma situação em que não se conhecem. Os dois se
encontram em um restaurante e fingem ser duas pessoas diferentes, socialmente elevadas; esta
nova realidade imaginária vai pedir uma nova relação com o código linguístico por parte
deles. No caso de Ivano, verificamos que em seus diálogos há a tentativa de mudar o código
na direção da variedade mais alta, como podemos ver pela mensagem que envia a Jessica
convidando-a para se sentar à sua mesa: La trovo molto splendida// La posso invitare al mio
149
tavolo? ‗Acho a senhora muito linda// Posso convidá-la para a minha mesa?‘. Jéssica, por sua
vez, se esforça para personificar uma pessoa de classe social elevada utilizando um italiano
standard com o garçom (Mi può dare la penna? ‗Pode me dar a caneta?‘, e Glielo porti pure
‗Entregue [a mensagem] a ele‘), mas entrega a sua origem de pessoa pouco instruída quando
responde por escrito a Ivano: Grazie ma Lei core un po‟ troppo// ‗Obrigada, mas o Senhor
corre demais‘, com a passagem de rr a r – core/corre ‗corre‘.
Depois, Ivano vai, com uma garrafa de champagne, até a mesa onde estava Jessica e
se apresenta procurando utilizar um italiano standard, típico de uma pessoa fina e importante,
mas sem sucesso:
(Personagens: *I: Ivano, *J: Jessica, *Ga: Garçon)
517*I: Le posso offrire un drink de fine pasto?
518*J: Ma io non La conosco...
519*I: Potrebbe essere questa l‘occasione per conoscerci...
520*Ga: Prego...
521*I: Io comunque mi chiamo Ivano!
522*J: Piacere/ Jessica!
523*I: Allora/ come dire... a questo nostro primo incontro!
524*J: S / anche se un incontro un po‘...
525*I: Un po‘?
526*J: Un po‘....
527*I: Strano?
528*J: ‘Nfatti!
529*I: Aa salute!
Nestes diálogos, percebemos que Jessica se esforça para manter o uso do italiano
standard, que encontramos somente a aférese vocálica em „nfatti/infatti ‗é verdade‘; Ivano
tende mais à informalidade: verificamos a presença da e protônica na preposição de e da lex
Porena aa/alla ‗à‘, esta última pertencente à variedade mais baixa.
Nas próximas falas, os dois continuam a encenação, desta vez no carro, com Jessica
contando sua história como se fosse uma pessoa ―culta‖ – os pais seriam professores
universitários e ela estudaria violino no conservatório: (diálogos 540 e 542) Allora/ niente...
mio padre è professore universitario// ‗Então... meu pai é professor universitário‘; Mia
madre/ pure// Io invece studio// Studio al conservatorio// ‗Minha mãe também// Eu estudo//
Estudo no conservatório//‘:
150
(Personagens: *I: Ivano, *J: Jessica)
530*J: Ecco/ grazie/ io abito qui//
531*I: Ma il tempo per un gelatino aa Marina da Massa/ ‘n cono?
532*J: Che ore sono?
533*I: Sono/ le dieci e venti//
534*J: Mi dispiace/ non posso rientrare dopo le dieci e mezzo//
535*I: E vabè...
536*J: Sa/ mio padre un tipo un po‘ all‘antica/ sul vecchio stampo...
537*I: <Hum...>
538*J: Vabbè/ giusto dieci minuti per conoscerci meglio!
539*I:
una buona idea! Senti/ perché non mi parli un po‘ di te/ della tua vita/ di quello che
fai? Eh?
540*J: Allora/ niente... mio padre è professore universitario//
541*I: Cazzo!
542*J: Mia madre/ pure// Io invece studio// Studio al conservatorio//
543*I: <Cosa?>
544*J: <Prima studiavo arpa!>
545*I: <Ah!>
546*J: <Poi/ invece/> mi sono buttata più sul violino// Anche perché pensavo...
Percebemos que Ivano não consegue deixar de lado os traços dialetais, como na fala
531, em que se verifica a presença da lex Porena (aa/alla ‗na‘) e da aférese do artigo
indefinido „n/un ‗um‘; e na fala 541, em que temos a palavra de baixo calão cazzo, que
poderia ter sido substituída por outra expressão de surpresa, como a palavra cavolo ‗caramba‘.
Jessica retoma o uso do dialeto quando Ivano, impaciente, a beija à força, deixando-a
furiosa:
547*J: Ahó! Ma che sta‘ a fà/ a scemo?
548*I: Che sto a fà?
549*J: Hai rovinato tutto!
550*I: De che?
551*J: Tutto hai rovinato!
552*I: Ho rovinato che?
151
553*J: A me me piaceva l‘idea de ‘sto corteggiamento.... sui tempi lunghi... stava a venì bene!
Pareva ‘na cosa vera/ pareva!
554*I: Ma tempi lunghi de che? Sò pure quattro ore che annamo avanti co ‘sta sceneggiata!
555*J: Guarda che er bello era quello! Ch‘era ‘na situazione aperta dove te potevo al limite
mannà pure in bianco! Quello era oo strano! Te invece subito co ‘sta mano! Co quaa lingua/
ahó!
556*I: Certo che sei strana/ eh? Tu’ padre te vó a casa ae dieci e mezzo? Mancano nove
minuti/ famme affonnà l‘acceleratore/ che sto a fà io così? Che sto a fà?
557*J: No/ Ivà/ enne ci esse/ non ci siamo// Aridamme a fede/ va!
558*I: Piate a fede... E piate/ va...
559*J: Mejo....
Vejamos os fenômenos relevantes:
a) todos os verbos no infinitivo foram apocopados (4 casos de fà/fare ‗fazer‘; 1 de
venì/venire ‗ficar‘) e na 3ª pessoa do verbo essere (sò/sono ‗são‘);
b) a e protônica apareceu no lugar da i toscana nos clíticos te, me (5 vezes) e na
preposição de (3 vezes);
c) o único nome próprio usado na função alocutiva aparece apocopado (Ivà/Ivano);
d) o possessivo tuo ‗teu‘ aparece na forma apocopada (tu‟);
e) o desaparecimento da lateral nos artigos e em todos os casos previstos pela chamada
―lex Porena‖ é muito presente: ocorre a vocalização total do l nos artigos definidos (2
casos de a/la ‗a‘), com 1 caso de vogal alongada (oo/lo ‗o‘), e nas preposições
articuladas (1 caso de ae/alle ‗às‘); e 1 caso de assimilação vocálica no pronome
demonstrativo (quaa/quella ‗aquela‘);
f) ocorre o rotacismo do artigo definido (1 caso de er/il ‗o‘);
g) aparecem 3 casos de assimilação progressiva de nd a nn (annamo/andiamo ‗vamos‘,
mannà/mandare ‗mandar‘ e affonnà/ affondare ‗afundar‘);
h) há a passagem de gl a j (mejo/meglio ‗melhor‘), que pode se reduzir a i
(piate/pigliate/pigliati ‗pega‘);
i) tem-se a aférese do artigo indefinido („na/una ‗uma‘) e do pronome demonstrativo
„sta/questa ‗esta‘ e ‗sto/questo ‗este‘);
j) há 2 casos de apócope da preposição (co/con ‗com‘).
A seguir, faremos uma comparação das falas fílmicas de Giovannino e Ivano, com o
objetivo de demonstrar quão significativa é a diferença dos registros utilizados por eles.
152
Para melhor entender essa comparação e ilustrar tudo o que foi dito anteriormente
sobre o diferente emprego do romanesco nas falas dos dois personagens, apresentamos os
percentuais e gráficos. Partimos da descrição dos principais traços dialetais presentes nas falas
de Ivano, à qual se seguem as ocorrências correspondentes em que se verifica a ausência de
tais traços.
Tabela 8: Traços fonéticos do personagem Ivano do filme Viaggi di nozze
Apócope nos verbos no infinitivo: 47
Ausência
de
apócope
nos
verbos
no
infinitivo: 5
E protônica nos clíticos: me, te, ve, se, ce: 48; Ausência de e protônica nos clíticos: mi, ti,
e na preposição: de: 13
vi, si, ci: 3; e na preposição: di : 7
Apócope nos verbos essere: (1ª pes. do sing. Ausência de apócope nos verbos essere (1ª
e 3ª do pl.: sò): 8; e no verbo venire: (3ª pes. pes. do sing. e 3ª do pl.: sono): 1; e no verbo
do sing.: viè): 2
venire (3ª pes. do sing.: viene): 0
Apócope nos alocutivos: 5
Ausência de apócope nos alocutivos: 7
Apócope nas preposições: co: 9 e pe: 4
Ausência de apócope nas preposições: con: 0
e per: 3
Apócope possessivos: mi‟: 1, tu‟: 4; e Ausência de apócope possessivos mio: 3, tuo:
numeral du‟: 4
0; e numeral due: 0
Assimilação nd a nn: 10
Ausência de assimilação nd a nn: 5
Rotacismo de l: 14
Ausência de rotacismo de l: 10
Monotongação de uo: 6
Ausência de monotongação de uo: 1
Aférese vocálica nos artigos indefinidos „n, Ausência de aférese vocálica nos artigos
„no, „na: 25
indefinidos un, una: 14
Aférese nos pronomes demonstrativos: „sto, Ausência
de
aférese
nos
pronomes
„sta, sti: 3
demonstrativos: questo, questa, questi: 7
Lex Porena: 49
Ausência de Lex Porena: 3
Palatalização de gl a j: 21
Ausência de palatalização de gl a j: 1
Em seguida, apresentamos a mesma tabela referente aos traços fonéticos utilizados
por Giovannino e seus correspondentes com a ausência dos mesmos:
153
Tabela 9: Traços fonéticos do personagem Giovannino do filme Viaggi di nozze
Apócope nos verbos no infinitivo: 31
Ausência
de
apócope
nos
verbos
no
infinitivo: 25
E protônica nos clíticos: me, te, ve, se, ce: 29; Ausência de e protônica nos clíticos: mi, ti,
e na preposição: de: 15
vi, si, ci: 42; e na preposição: di : 24
Apócope nos verbos essere: (1ª pes. do sing. Ausência de apócope nos verbos essere (1ª
e 3ª do pl.: sò): 10; e no verbo venire: (3ª pes. pes. do sing. e 3ª do pl.: sono): 11; e no verbo
do sing.: viè): 0
venire (3ª pes. do sing.: viene): 0
Apócope nos alocutivos: 2
Ausência de apócope nos alocutivos: 6
Apócope nas preposições: co: 4 e pe: 2
Ausência de apócope nas preposições: con:
11 e per: 12
Apócope nos possessivos: mi‟: 0, tu‟: 0; e Ausência de apócope nos possessivos mio: 3,
numeral du‟: 0
tuo: 2; e numeral due: 18
Assimilação nd a nn: 2
Ausência de assimilação nd a nn: 19
Rotacismo de l: 1
Ausência de rotacismo de l: 30
Monotongação de uo: 4
Ausência de monotongação de uo: 16
Aférese vocálica nos artigos indefinidos „n, Ausência de aférese vocálica nos artigos
„no, „na: 10
indefinidos un, una: 39
Aférese nos pronomes demonstrativos: „sto, Ausência
de
aférese
nos
pronomes
„sta, sti: 10
demonstrativos: questo, questa, questi: 9
Lex Porena: 0
Ausência de Lex Porena: em tudo
Palatalização de gl a j: 5
Ausência de palatalização de gl a j: 26
Com base nestas duas tabelas, faremos alguns comentários a respeito dos aspectos
que mais nos chamaram a atenção nos dois personagens.
No que diz respeito aos primeiros traços de maior frequência nas falas, pertencentes
à variedade média – a apócope dos verbos no infinitivo e a e protônica –, destacamos a sua
alternância nas falas de Giovannino: 31 casos de apócope contra 25 casos de verbos no
infinitivo não apocopados. Já quanto à e protônica, foram 29 casos deste traço fonético nos
clíticos e 15 na preposição di, num total de 44 casos, contra os 66 casos sem a e protônica (42
nos clíticos e 24 da preposição di).
Já Ivano se comporta diferentemente: são 47 casos de verbos apocopados contra
somente 5 de verbos no infinitivo não apocopados, sendo que estes 5 foram proferidos em
154
duas situações formais – 1 no discurso na festa de casamento (48*I: E che ve devo di’? È
trovasse sposatii... è ‘na sensazione nova... che te fa sentire come... [..] ‗O que eu falo pra
vocês? Estar casado... é uma sensação nova... que te faz sentir como... [...]) e os 4 restantes
(invitare, offrire, essere, dire) quando o personagem encenava ser uma pessoa instruída com
Jessica no restaurante, como verificamos nos diálogos a seguir:
507*(Jessica lê a mensagem de Ivano): ―La trovo molto splendida// La posso invitare al mio
tavolo?‖
517*I: Le posso offrire un drink de fine pasto?
518*J: Ma io non La conosco...
519*I: Potrebbe essere questa l‘occasione per conoscerci...
[...]
523*I: Allora/ come dire... a questo nostro primo incontro!
O mesmo acontece com a e protônica: 61 casos nos clíticos e na preposição di, e
somente 10 casos sem esse fenômeno.
Levando em consideração também os outros aspectos fonéticos, podemos observar
que nas falas de Ivano são respeitadas as características típicas das variantes mais informais
do romanesco, como a assimilação progressiva de nd a nn: temos 10 casos de nn (ex.:
affonnà/affondà/affondare ‗afundar‘) e apenas 5 ocorrências de nd (ex.: andamo/andiamo
‗vamos‘). Em contraposição, Giovannino utiliza esse traço somente 2 vezes, contra 19 casos
de nd (andiamo).
Tendo como base uma escala ideal de variedades (ROSSI, 1999, p. 198), partindo
sempre do romanesco para o italiano, a fala de Ivano seleciona quase sempre as formas
pertencentes ao grau mais baixo. Representamos os vários graus unidos por uma seta [→], de
modo que o degrau das variedades diastráticas e diafásicas mais baixas está sempre à
esquerda da primeira seta de cada série: fà→fare ‗fazer‘; magnà→mangià→mangiare
‗comer‘; vó→voi→vuoi ou vuole ‗quer‘; vor→vol→vole→vuol→vuole ‗quer‘; er→el→il ‗o‘.
Tendo como referência as séries de escalas de variedades exemplificadas, vemos que,
nas falas de Giovannino, os graus mais baixos são minoria, quando não estão totalmente
ausentes – as apócopes do pronome possessivo (mi‟/mio ‗meu‘) e do numeral (du‟/due ‗dois‘),
por exemplo, não aparecem. Já Ivano utiliza 8 vezes o mesmo traço apocopado contra 3 casos
sem a apócope; ocorre também a contraposição entre as formas verbais magnà (variedade
baixa), usada por Ivano, e mangià (variedade média), usada por Giovannino (apenas 1
155
ocorrência). O fenômeno chamado lex Porena não terá nenhuma ocorrência em Giovannino,
contra 49 ocorrências em Ivano (o qual somente em 3 casos não reproduzirá este fenômeno).
Para finalizar, o rotacismo do l aparece somente 1 vez na fala de Giovannino, com
sarvà, enquanto que em Ivano temos 14 ocorrências (contra 10 casos sem o rotacismo). Neste
sentido, tais oscilações do emprego dos traços fonéticos nas falas dos dois personagens podem
acontecer, nos momentos de tensão, ou quando se tem o desejo de enfatizar uma coisa ou
situação.
Em seguida apresentamos os gráficos de comparação do uso e não uso de traços
fonéticos dos personagens do filme. Os gráficos representam, para cada traço fonético
observado, a porcentagem de casos positivos em relação ao conjunto de casos positivos
(presença do traço) ou negativos (ausência do traço).
Gráfico 13: Comparação do uso de traços fonéticos dos personagens do filme Viaggi di nozze – 1
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Apócope nos verbos no E protônica nos clíticos: Apócope no verbo Apócope nos alocutivos
infinitivo
me, te, ve, se, ce e na essere (1ª pes. do sing. e
preposição: de
3ª do pl.: sò) e venire (3ª
pes. do sing.: viè)
Ivano
Giovannino
156
Gráfico 14: Comparação do uso de traços fonéticos dos personagens do filme Viaggi di nozze – 2
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Apócope nas
preposições: co e pe
Apócope possessivos:
mi‘, tu‘, e numeral du‘
Ivano
Assimilação nd a nn
Rotacismo de l
Giovannino
Gráfico 15: Comparação do uso de traços fonéticos dos personagens do filme Viaggi di nozze – 3
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Monotongação de Aférese vocálica
Aférese nos
uo
nos artigos
pronomes
indefinidos ‗n, ‗no, demonstrativos:
‗na
‗sto, ‗sta, sti
Ivano
Lex Porena
Palatalização de gl
aj
Giovannino
Todos esses dados nos levam a acreditar que tais diferenças fonéticas entre
Giovannino e Ivano tenham sido o resultado do desejo de Verdone de representar as duas
diferentes faixas sociais, o que comprovaria a nossa hipótese: de um lado, teríamos o pequeno
burguês, Giovannino, capaz de utilizar todo o repertório linguístico romano – daí a alternância
de traços fonéticos do romanesco, sendo a maior parte deles pertencente à variedade média –;
do outro, teríamos o habitante da periferia, dotado de pouca instrução, Ivanno, que vai utilizar
a variedade mais baixa com poucas oscilações na direção da variedade média, como pudemos
constatar nos números e exemplos acima expostos.
157
Com esta afirmação, apresentamos o último quadro com todos os traços fonéticos
identificados em Viaggi di nozze, e nos encaminhamos para as considerações finais.
4.3.4 Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Viaggi di
nozze
Tabela 10: Ocorrências, frequências dos traços fonéticos presentes no filme Viaggi di nozze
Apócope
Apócope da sílaba final de verbos no infinitivo
lègge (leggere): 1; sse (essere): 5; dist ngue (distinguere): 1; dà (dare): 1; di‘ (dire): 13; sent
(sentire): 5; cantà (cantare): 1; cambià (cambiare): 4; chiùde (chiudere): 1; levà (levare): 1; fà
(fare): 26; passà (passare): 1; scherzà (scherzare): 1; guardà (guardare): 6; ricordà (ricordare):
1; mangià (mangiare): 1; cenà (cenare): 1; piglià (pigliare): 1, individuà (individuare): 1; vedé
(vedere): 1; stà (stare): 8; partì (partire): 2; sapé (sapere): 1; prénde (prendere): 1; avé (avere):
5; barà (barare): 1; ricarburà (ricarburare): 1; parlà (parlare): 2; scarseggià (scarseggiare): 1;
vomità (vomitare): 2; inventà (inventare): 1, ‗nventà: 1; ricr sce (ricrescere): 1; buttà
(buttare): 1; risultà (risultare): 1; desiderà (desiderare): 1; camminà (camminare): 1; venì
(venire): 1; rosicà (rosicare): 1; bàtte (battere): 1; cercà (cercare): 2; attecchì (attecchire): 1;
criticà (criticare): 1; dormì (dormire): 1; imboccà (imboccare): 1; campà (campare): 1; andà
(andare): 2. Total: 116
Apócope dos verbos
sò (sono – 1ª sing. e 3ª pl.): 21; viè (viene): 3. Total: 24
Apócope pós-vocálica nos adjetivos possessivos mi’, tu’ e no numeral du’
tu‘ (tuo/tua): 5; mi‘ (mio/ mia): 2; du‘ (due): 4. Total: 11
Apócope da consoante final nas preposições con e per
pe (per): 12; co (con): 23. Total: 35
Apócope nos alocutivos
Ivà (Ivano): 18; Jè (Jessica): 5; regà (ragazzi): 2; Valerià (Valeriana): 2. Total: 27
Apócope da sílaba final átona de „dove‟
do‘ (dove): 2; ‗ndo‘ (dove): 5; na frente de nasal pré-consonântica: ‗nd‘ (dove): 2. Total: 9
Passagem de a pré-tônica não final a e
158
regazzini (ragazzini): 1. Total: 1
Rotacismo de l pré-consonântica
cor (col): 3; der (del): 3; ar (al): 3; sur (sul): 4; quer (quel): 1; er (il): 11; carza (calza): 1; artra
(altra): 2, mas com oscilações em ‗antra‘ (altra): 3; quarcuno (qualcuno): 1; quarcosa
(qualcosa): 1; vor (vuol): 1; asfarto (alfalto): 1; vorgare (volgare): 1; vorta (volta): 2; risurtà
(risultare): 1; salvà (salvare): 1. Total: 40
Assimilação progressiva de nd a nn; rl a ll; rm a mm
annamo (andiamo): 10; sfonnato (sfondato): 1; quanno (quando): 1; affonnà (affondare): 1;
annamose (andiamocene): 2; annate (andate): 2; annace (andarci): 1; chiamallo (chiamarlo): 1;
falla (farla): 1; mannà (mandare): 1. Total: 21
Aférese
Aférese de sílaba inicial em pronomes demonstrativos
‗sto (questo): 10; ‗sta (questa): 13; sti (questi): 3; ‗st‘ (questa): 1. Total: 27
Aférese dos artigos indefinidos
‗na (una): 32; ‗n (uno, una): 30. Total: 62
Aférese vocálica: queda das vogais no início de palavra quando seguidas de consoante
nasal (m, n, gn)
‗ncazzo (incazzo): 1; ‗nventà (inventare): 1; ‗nventata (inventata): 1; ‗nvece (invece): 1;
‗nfatti (infatti): 7; ‗mazza (ammazza): 2. Total: 13
Monotongação em ò para o ditongo uò
pò (può): 5; nova (nuova): 2; bona (buona): 2; bono (buono): 2; voi (vuoi): 5; socera
(suocera): 1; fori (fuori): 1; buttafori (buttafuori): 2. Total: 20
Palatalização
Palatalização de ng em gn
spigni (spingi): 1; magnà (mangiare): 1. Total: 2
Palatalização de nj + vogal
gnente (niente): 1. Total: 1
Palatalização de gli a j e i
sbajato (sbagliato): 2; sbajata (sbagliata): 2; sbajate (sbagliate): 1; fijo (figlio): 3; fija (figlia):
159
1; dije (dirgli): 1; mejo (meglio): 7; je (gli): 5; vojo (voglio): 6; faje (fargli): 1; pjate (pigliati):
2; moje (moglie): 1; pia (piglia): 1; pija (piglia): 2; tajati (tagliati): 1. Total: 36
E protônica nos clíticos ti, mi, si, ci e na preposição di
1) te (ti): 40; 1) sbrigate (sbrigati): 1; vatte (vatti): 1; caricate (caricati): 1; buttate (buttati): 1;
impiccate (impiccati): 1; sparate (sparati): 1; 2) me (mi): 34; aridamme (ridammi): 1; famme
(fammi); 5; stamme (stammi): 2; 3) ce (ci): 17; riflettice (riflettici): 1; 4) ve (vi): 3;
concentrateve (concentratevi): 1; 5) se (si): 21; trovasse (trovarsi): 1; de (di): 42. Total: 174
Lex Porena
a (la): 23; aa (la, alla): 18; ae (alle): 1; daa (della): 3; quaa (quella): 3; quea (quella): 1; taa (te
l‘ha): 1; eccaa (eccola): 1; maa (me l‘ha): 2; suaa (sulla): 1; a‘ (all‘): 1; o (lo): 9; oo ( lo): 8;
too (te l‘ho): 1; moo (me lo): 1; ch‘ i (con i): 2; i (il,li): 15; ii (li, le): 2; i (gli): 2; sui (sugli): 1;
tii (te li): 1; quei (quegli): 1; e (le): 1; dee (delle): 1. Total: 99
U protônica no lugar de o em non
nun (non): 20 e ni (non): 1. Total: 21
Passagem de cc a c; de vv a v
machina (macchina): 1; davero (davvero): 3. Total: 4
Tabela 11: Comparação das ocorrências da presença e ausência dos traços fonéticos do filme Viaggi di
nozze
Apócope nos verbos no infinitivo: 116
Ausência
de
apócope
nos
verbos
no
infinitivo: 37
E protônica nos clíticos: me, te, ve, se, ce: Ausência de e protônica nos clíticos: mi, ti,
132; e na preposição: de: 42
vi, si, ci: 116; e na preposição: di : 83
Apócope no verbo essere: (1ª pes. do sing. e Ausência de apócope no verbo essere (1ª pes.
3ª do pl.: sò): 21; e no verbo venire: (3ª pes. do sing. e 3ª do pl.: sono): 29; e no verbo
do sing.: viè): 3
venire (3ª pes. do sing.: viene/vieni): 7
Apócope nos alocutivos: 27
Ausência de apócope nos alocutivos: 49
Apócope nas preposições: co: 23 e pe: 12
Ausência de apócope nas preposições: con:
30 e per: 45
Apócope nos possessivos: mi‟: 2, tu‟: 5; e Ausência de apócope nos possessivos mio: 8,
numeral du‟: 4
tuo: 6; e numeral due: 8
160
Assimilação nd a nn: 19
Ausência de assimilação nd a nn: 20
Rotacismo de l: 40
Ausência de rotacismo de l: 118
Monotongação de uo: 20
Ausência de monotongação de uo: 29
Aférese vocálica nos artigos indefinidos „n, Ausência de aférese vocálica nos artigos
„no, „na: 62
indefinidos un, una: 39
Aférese nos pronomes demonstrativos: „sto, Ausência
de
aférese
nos
pronomes
„sta, sti: 26
demonstrativos: questo, questa, questi: 54
Lex Porena: 99
Ausência de Lex Porena: 168
Palatalização de gli a j: 36
Ausência de palatalização de gl a j: 67
Em seguida apresentamos os gráficos referentes ao uso e ao não uso de traços
fonéticos no filme Viaggi di nozze. Os gráficos representam, para cada traço fonético
observado, a porcentagem de casos positivos em relação ao conjunto de casos positivos
(presença do traço) ou negativos (ausência do traço).
Gráfico 16: Uso de traços fonéticos no filme Viaggi di nozze – 1
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Apócope nos verbos no E protônica nos clíticos: Apócope nos verbos Apócope nos alocutivos
infinitivo
me, te, ve, se, ce e na essere (1ª pes. do sing. e
preposição: de
3ª do pl.: sò) e venire (3ª
pes. do sing.: viè)
161
Gráfico 17: Uso de traços fonéticos no filme Viaggi di nozze – 2
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Apócope nas
preposições: co e pe
Apócope possessivos:
mi‘, tu‘, e numeral du‘
Assimilação nd a nn
Rotacismo de l
Gráfico 18: Uso de traços fonéticos no filme Viaggi di nozze – 3
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Monotongação de Aférese vocálica
Aférese nos
uo
nos artigos
pronomes
indefinidos ‗n, ‗no, demonstrativos:
‗na
‗sto, ‗sta, sti
Lex Porena
Palatalização de gl
aj
162
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciamos a presente dissertação relatando nossa experiência pessoal na Itália e o
momento em que despertou em nós o desejo de estudar a realidade linguística italiana através
do cinema, tendo como foco as variedades linguísticas – o romanesco em especial. Como já
dito na introdução, foi determinante para a escolha do tema da nossa pesquisa a disciplina
intitulada Papel da língua na constituição da identidade, que cursamos como aluna especial
com a Profa. Annita Gullo. Tal disciplina nos proporcionou uma visão não só histórica, mas
também sociolinguística dos acontecimentos que atravessaram a Itália até os nossos dias,
levando-nos a investigar o porquê do uso frequente do romanesco na cinematografia daquele
país.
Acreditamos ser relevante ressaltar que, durante esses dois anos de pesquisa,
pudemos ir à Itália três vezes, o que nos permitiu ter contato direto com as obras dos
estudiosos que nos nortearam durante esse percurso de trabalho, a partir de visitas às
bibliotecas de Roma (Biblioteca Nazionale di Roma, Università della Sapienza e Università
Roma Tre e Centro Sperimentale di Roma).
O estudo diacrônico sobre o cinema italiano, apresentado no primeiro capítulo, foi
fundamental para a nossa pesquisa porque pudemos entender a complexa relação existente
entre o cinema, a língua italiana e os dialetos nos vários períodos históricos. Hoje, em pleno
século XXI, podemos afirmar que o cinema, a partir da segunda metade do século passado,
reflete o repertório do italiano nas suas variedades (CICCOTTI, 2001). De fato, hoje, as
novas gerações recuperaram, mesmo que passivamente, um dialeto /italiano dialetal, através
dos testemunhos linguísticos não tanto dos avós, mas dos atores cinematográficos, que é mais
do que sabido sempre exerceram e ainda exercem forte influência sobre o público.
Obviamente, não foi nossa intenção esgotar os assuntos relativos ao tema tratado
aqui, mas somente iniciar o debate sobre o componente verbal no cinema italiano do pósguerra, o qual só começou a ser explorado pelos estudiosos nos últimos quarenta anos
(ROSSI, 2006, p. 23; 2007, p. 8).
Como esclarecido desde o início deste trabalho, focamos a nossa atenção no uso do
romanesco nas falas de três filmes italianos: Roma città aperta (1945), de Roberto Rossellini,
Il sorpasso (1962), de Dino Risi e Viaggi di nozze (1995), de Carlo Verdone, representativos
dos últimos cinquenta anos de história do cinema italiano. A partir dos exemplos dos filmes e
de comentários feitos pelos estudiosos, verificamos que o componente verbal sempre esteve
ligado não só às necessidades comerciais dos produtores, mas também aos acontecimentos
históricos e sociais pelos quais passava a Itália em cada período, os quais determinavam o
163
maior ou menor emprego dos dialetos. E, dentro do panorama do uso dos dialetos, ficou
evidente que o romanesco sempre ocupou um lugar de destaque, sendo, por sua proximidade
estrutural com o italiano, a variedade linguística mais usada e a que mais respondia às
necessidades dos produtores, além da mais compreendida pelo público.
Outro fator que sempre acompanhou e determinou o maior ou menor uso dos dialetos
era a mensagem e a ideologia que os autores queriam transmitir através da obra fílmica. De
fato, verificamos que, no corpus analisado, houve uma atenção por parte dos autores de cada
filme em caracterizar os personagens através do uso do dialeto e/ou da língua italiana. Em
Roma città aperta, o romanesco foi usado para dar voz ao povo romano, em contraposição ao
italiano standard dos pequenos burgueses e dos não romanos. Nesse sentido, verificamos que
os personagens são conotados mais diastraticamente do que diafasicamente, uma vez que o
romanesco esteve mais presente nas situações comunicativas entre romanos e e era utilizado
pelas pessoas das classes menos privilegiadas.
Em Il sorpasso, houve a preocupação em apresentar com um tom crítico a sociedade
daqueles anos, resultado do boom econômico; os autores dedicaram atenção especial à escolha
da língua daquela época, um italiano neostandard/ italiano regional (resultado das
transformações linguísticas de então) mais tendente ao informal, com mais gírias e vocábulos
setoriais, mostrado nas falas de Bruno Cortona.
Já em Viaggi di nozze, Carlo Verdone preocupou-se em fazer um retrato da
sociedade romana dos anos 1990, caracterizando-a diastraticamente através da utilização
diferenciada do italiano standard, do neostandard e do romanesco pelos três casais
protagonistas.
Neste panorama cronológico apresentado sobre o cinema italiano, partimos da
análise dos traços fonéticos presentes nos diálogos dos atores dos três filmes selecionados.
Para tanto, foi imprescindível o estudo da história sociolinguística de Roma abordada no
segundo capítulo. De fato, concordamos com De Mauro quando afirma em Storia linguistica
dell‟Italia unita (1995), que o romanesco sempre foi usado no cinema para caracterizar a
classe mais popular da sociedade.
Tais estudos sociolinguísticos sobre o cinema italiano e sobre o romanesco (capítulos
1 e 2, respectivamente) nos levam a concordar também com a afirmação de que ainda hoje a
oposição entre ―falar bem‖ e ―falar mal‖ em Roma é muito evidente (STEFINLONGO, 2012,
p. 23). Tal oposição é considerada uma verdadeira impressão genética ligada à acentuada
percepção do prestígio linguístico em uma sociedade multiforme e estratificada, de acordo
com Trifone (1992, p. 543).
164
Essa peculiaridade sempre esteve presente na realidade linguística, como pudemos
testemunhar com os primeiros escritos em romanesco (item 2.1): na Iscrizione di San
Clemente, do século XI, já é possível perceber a dicotomia entre latim e vulgar. Também não
podemos nos esquecer das comédias e poemas do século XVII, que apresentam personagens
populares que falam em romanesco e são quase sempre figuras de servos, como visto no item
2.3.1.
Foi possível perceber que essa mesma realidade está presente também no cinema,
através da caracterização dos personagens populares e dos valentões e arrogantes ―coatti” das
periferias romanas, como as figuras de Ivano e Jessica, em Viaggi di nozze. Verificamos que
a maior parte dos traços fonéticos dialetais nas falas fílmicas desses personagens tem uma
conotação diastrática, pois a presença do romanesco vai existir independentemente da
situação. Isto nos remete às palavras de Stefinlongo (2012, p. 25), quando afirma que a
variedade dialetal não passa pelo conceito de função, mas pelo de valor social ou de prestígio
– no sistema sociolinguístico romano, o dialeto é a língua das classes menos privilegiadas,
menos instruídas. Viaggi di nozze é a confirmação disto, pois vai representar claramente a
sociedade romana no que tange ao uso ou não da variedade dialetal: temos Raniero, que vai
utilizar somente a variedade mais alta; Giovannino, que usará a variedade média com algumas
incursões na direção da variedade mais alta e mais baixa; e Ivano, que será incapaz de usar
outro código que não seja a variedade mais baixa.
Sobre a evolução do romanesco, a partir dos estudos de Stefinlongo (2012, p. 19), no
item 2.4.1 vimos como na Roma pós-unitária o crescimento demográfico, resultado dos
contínuos fluxos migratórios, levou a um transbordamento da cidade para uma periferia
sempre maior, até as últimas décadas. Isso favoreceu a ―neomeridionalização‖ linguística, que
alcançou também a classe média, com o aparecimento e a afirmação de alguns traços
fonéticos. É possível perceber essa evolução também no cinema, através das falas de Bruno
Cortona, Giovannino e Ivano, em Il sorpasso e Viaggi di nozze, respectivamente. Os três
personagens utilizam traços do romanesco pertencentes à variedade médio-baixa,
acompanhando a evolução ao utilizar dois traços significativos que se afirmaram no século
XX: a redução definitiva de rr a uma só consoante r (guera/guerra ‗guerra‘) e o
enfraquecimento e/ou o desaparecimento de l nos artigos, nas preposições articuladas, nos
pronomes pessoais e nos demonstrativos (lex Porena), sendo que este último fenômeno é
amplamente utilizado por Ivano.
Outro fator relevante no que concerne à evolução do uso do romanesco no cinema
nos últimos anos foi o aumento do número de histórias ambientadas na periferia romana dos
165
anos 1990 e, consequentemente, o retorno do romanesco integral, como relatado no item
1.2.2.4. É neste contexto de periferia entendida como uma rede sociolinguística fechada
(CICCOTTI, 2001, p. 313) que Verdone caracteriza Ivano e Jessica, incapazes de utilizar
outra variedade que não o romanesco, independentemente da situação comunicativa em que
se encontrem.
No Capítulo 4, quisemos evidenciar alguns aspectos, como a identificação do
continuum linguístico romano nas falas fílmicas analisadas. Observar e identificar a sua
presença nos diálogos dos atores foi importante para a nossa pesquisa, pois nos ajudou a
reconhecer as incursões de uma variedade para outra nos momentos de passagem de uma
situação formal a uma situação informal e vice-versa. De fato, a partir dos vários exemplos
apresentados na análise das falas, pudemos perceber como a falta de contraposição entre a
língua italiana e o romanesco, bem como a pequena distância entre os vários níveis do
repertório linguístico favorecem tais incursões dos falantes, dependendo da situação, como
pudemos verificar nas falas de Pina (Roma città aperta), Bruno (Il sorpasso) e Giovannino
(Viaggi di nozze).
Outro aspecto que colhemos a partir da análise das falas fílmicas de Il sorpasso e
Viaggi di nozze (no episódio de Giovannino) foi a distância entre a língua dos personagens
masculinos – mais tendente ao regionalismo – e a língua dos personagens femininos – mais
formal. Diferenças análogas foram encontradas também na língua dos personagens
secundários: mais dialetal do que a dos protagonistas. Estas últimas características não se
encontram em Roma città aperta devido ao desejo ideológico dos autores de colocar o dialeto
em uma posição de igualdade com relação ao italiano e às outras línguas.
Podemos, portanto, deduzir que, assim como não existe um único italiano falado,
escrito ou transmitido, mas muitos ―italianos‖, também existirão vários tipos de fala fílmica.
Contudo, como visto no item 3.1, reconhecemos algumas tendências gerais do cinema: a
simplificação, a atenuação das variedades, a normalização linguística e a redução dos dialetos
para maior compreensão por parte do público.
Observar a presença do romanesco ao longo dos cinquenta anos de história do
cinema e da sociedade italiana foi uma experiência ímpar, de grande contribuição para a
compreensão da realidade sociolinguística romana que, intuitivamente, já tínhamos – e que se
firmou com a leitura das obras dos autores apresentados no decorrer desse trabalho.
Esperamos que a relevância desse estudo tenha sido demonstrada através da
abordagem da relação entre língua italiana e dialetos no cinema, tendo como carro-chefe a
sociolinguística, que permitiu a interpretação do retrato da sociedade italiana através da
sétima arte.
166
Concluímos esta dissertação com a pretensão de que nosso trabalho possa servir de
―norte‖ para outras pesquisas no campo sociolinguístico e identitário italiano.
167
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