Identidades negras em diáspora

Transcrição

Identidades negras em diáspora
Identidades negras em diáspora:
Narrativas da negritude através de músicas dos anos 1960 e 1970
Rafaela Capelossa Nacked1
Resumo
Sob a chave dos Estudos Culturais da diáspora, a pesquisa de Iniciação
Científica “Identidades negras em diáspora: Narrativas da negritude através de
músicas dos anos 1960 e 1970” tratam de experiências polifônicas de África
nas Américas em quatro países: Brasil, Estados Unidos, Jamaica e Cuba a
partir de seus grandes atores: os sujeitos afro-diaspóricos e as suas
elaborações musicais. Nos anos 1960 e 1970, a solidariedade entre os povos
negros tomou corpo nos movimentos culturais de todo o Atlântico Negro, num
elogio ao corpo, rítmica e musicalidades negras, valorizando suas narrativas de
orgulho e sofrimento na diáspora. A pesquisa pretende lançar um olhar para
universo audiovisual da diáspora negra enquanto expressão não formal e não
escrita destes sujeitos diante da modernidade. Observa como essas
musicalidades
manifestam
diversamente
as
preocupações
políticas
e
identitárias das diásporas em novos e diferentes locais da cultura, a
historicidade e o memorialismo presentes nessas narrativas sejam elas
gospels, sambas, salsas ou reggaes.
Palavras chave: música, Diáspora negra, identidade.
As músicas da diáspora negra sintetizam as experiências históricas dos
negros, criando um corpo único de reflexões sobre a modernidade e seus
dissabores. Apresentam uma apropriação não apenas do ritmo, mas de uma
profunda consciência reflexiva e crítica da condição dos negros na diáspora.
Neste sentido, a inovação técnica, a síncope e a inadequação do ritmo em
1
Graduanda em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
relação à melodia configuram não só uma forma de insubordinação cultural - da
recusa à colonização: corpo que dança e se expressa performaticamente
através dessas rítmicas entra em contato com o self e apropria-se das suas
experiências e de seus antepassados no Novo Mundo.
As experiências dos escravos e seus descendentes com a modernidade
e seus produtos culturais constituem uma reelaboração mergulhada numa
complexa
rede
de
seus
saberes
e
viveres
realocados,
alimentado
transversalmente pelas memórias de África, pelas trocas culturais feitas em
terra com outros povos e por uma infinita reelaboração da identidade nutrida
pelo conflito racial e identitário, bem como pelos deslocamentos secundários à
diáspora: cenário em que a distância da terra natal, a brutalidade de um
cotidiano racializado e os intensos encontros culturais conferem criatividade e
geram prazer através de formas culturais capazes de aliviar a tensão e a
ansiedade do racismo e do estranhamento da nova terra, como nos aponta
Paul Gilroy.
No mapa transnacional da diáspora, as formas de expressão e de estilo
têm evidentemente semelhanças e especificidades. A apropriação, cooptação e
a rearticulação seletiva de ideologias, culturas e instituições europeias, junto a
um patrimônio africano, conduziram a inovações linguísticas na esterilização
retórica do corpo, a formas de ocupar um espaço social alheio, a expressões
potencializadas, a estilos de cabelo, posturas, gingados e maneiras de falar
bem como meios de constituir e sustentar o companheirismo e a comunidade 2
Nos anos 1960 e 1970, solidariedade entre os povos negros, pensada
por Du Bois e Garvey tomou corpo nos movimentos culturais de todo o
Atlântico Negro. Alimentados pelas lutas pelos direitos civis negros nos
Estados Unidos, os Freedom Rides, a produção musical em massa da Motown,
a ascensão dos movimentos Black Power, do funk e do soul music, o elogio ao
corpo, as cabelos e às rítmicas negras, as velhas teorias de raça e
solidariedade racial encontraram um vetor não só político, mas musical que
abarcava todo o Atlântico negro em suas manifestações de orgulho e
2
HALL, Stuart. Da diáspora – Identidades e mediações culturais.Belo Horizonte: Ed. UFMG,
2006, pp. pp 324-325.
restauração das heranças da África através de recursos polifônicos. Nas artes,
a reação anti-colonial produziu uma estética nova, dedicada a libertar estes
corpos da moral civilizadora, reconstituindo e reinventando uma linguagem de
valorização e celebração da negritude, de um corpo mais solto, sensual, sem
medos em relação ao si mesmo. Os intelectuais que elaboraram essa estética
inverteram o sistema de valores Ocidental, europeu e branco, responsável pelo
fracasso do Ocidente, valorizando as cores, os corpos e as linguagens corporal
e musical de África. Assim, visavam descolonizar não só as artes, mas o corpo,
a imagem e a memória numa estética comprometida em forjar um diálogo com
o passado dos negros da diáspora.
No Brasil, diferente dos Estados Unidos e da Jamaica, esse desejo de
volta a África se manifestou não no desejo de concretizar este sonho, mas na
adoção de nomes, termos e na vontade de extrair a negritude que já residia
dentro da brasilidade, a partir da retomada dos afoxés, da revalorização do
candomblé, da valorização do corpo e da moda afro, experiências que devem
ter sido satisfatórias, pois não demandaram uma volta literal para a África. Nos
casos cubano e brasileiro, o retorno é metafórico, abstrato, mas se afirma
enquanto uma experiência profunda de contato com questões que haviam sido
obscurecidas e travestidas por uma mentalidade racista.
O resgate de figuras como Zumbi e Xica da Silva, temas de música
recorrentes de Jorge Ben, apresentadas por ele como personagens guerreiras
e orgulhosas do passado colonial brasileiro solidificam a identidade afro dos
brasileiros, conectando-os aos antepassados e suas lutas. O candomblé, que
segundo Antonio Risério, foi adotado pela contracultura e pela tropicália
enquanto símbolo aparece com força total nas canções de Caetano Veloso,
Gilberto Gil e muitos outros.
Jóias, roupas exóticas
Das Índias, Lisboa e Paris
A negra era obrigada
A ser recebida como uma grande senhora
Da corte Do Reis Luís! Da corte Do Reis Luís! 3
No caso cubano, assim como no brasileiro, a música continuou a ter
uma presença fundamental e constitutiva das manifestações afro-diaspóricas, e
os seus sacerdotes a serem, assim como os músicos laicos, protetores e
disseminadores dessas memórias orais de África no Novo Mundo.
Na cultura musical do Ocidente, a música é sacra, mas não o órgão que
a executa. Não é isto que se vê no mundo das músicas sacras dos africanos.
Os atabaques do terreiro são sacralizados, investidos de uma energia
espiritual. O que significa que na esfera do sagrado jeje-nagô ou lucumí, os
instrumentos musicais não são apenas objetos que produzem sons, mas peças
plenas de encanto. Mesmo a madeira de que são feitas as baquetas deve vir
de determinadas árvores. E assim como os instrumentos são submetidos a um
processo sacralizador, a pessoa, para tocá-los, tem que passar por um
processo iniciático4.
A música nessa realidade cubana e brasileira, além de ser um recurso
fundamental das transmissões de memórias da diáspora negra, conseguiu
manter o seu caráter celebratório, acompanhados de danças e cantos que
reconstituem
memórias
inconscientemente
de
uma
reconstituída
África
pelos
perdida
corpos
e
consciente
dançantes
de
e
seus
descendentes. A gira da macumba brasileira, os infinitos giros da salsa cubana,
do samba, do merengue, do carnaval, suas baianas giratórias e portabandeiras e mestre-sala circulantes, são significantes da volta, signos
inconscientes do desejo de retorno. No entanto, não expressam tão somente
suas raízes, mas sua experiência no Novo Mundo.
Em meados dos anos sessenta fez muito sucesso em Cuba um músico
chamado Pedro Izquierdo, conhecido como Pello, El Afrokán. Izquierdo foi o
criador de um ritmo chamado Mozambique que foi uma verdadeira febre
3
4
Jorge Ben, Xica da Silva. África Brasil,Universal Music ,1976
RISERIO. Antonio. A utopia brasileira e os movimentos negros. São Paulo: Editora 34, 2007,
p. 294.
nacional. O Mozambique, ainda que música secular, bebia na fonte do
repertório Yorubá e IYesá. No Disco “Pello El Afrokán: um sabor que canta” a
banda performatiza melodias litúrgicas inteiras da Santería com novas e
seculares letras. A melodia “La pillé”, é baseada numa canção devocional a
Oyá. Suas letras em Yorubá “Oya, L`Oya e adi-e adi-e oya” foram
transformadas pelo compositor em “Mama Lola é, La pollé, La pillé mamá”.
Outro exemplo é a gravação da música “Ara-ñakiña, uma música baseada no
ritmo do son, mas o título provém da frase “Bara ñakiñá, ñakiña loro, bana
ñakiña”que é cantada repetidamente por praticantes da Santería quando
preparam para o sacrifício um pássaro para os orixás5.
Capa do disco “Maria Caracoles” , de 19646.
Os norte-americanos, envolvidos em conflitos raciais e na luta por
Direitos Civis se voltaram a África, numa narrativa marcada em alguns
momentos pela celebração do orgulho racial, em canções icônicas como
“Mississippi Goddam”, “Young, gifted and black”, de Nina Simone ou a
regravação de “Strange Fruit” da mesma artista - em outros por um orgulho
mediado por um intenso esforço integrador que caracteriza a estética da
gravadora Motown.
O mergulho dos negros americanos em seu universo estético foi
profundo, e marcou a diáspora com uma série de práticas corporais, entre elas
o penteado Black Power. Através do cabelo, os negros da diáspora
estabelecem conexões entre si e com os ancestrais. Assim, tranças e
5
MOORE, Robin D. Music & revolution – cultural chance in socialist Cuba. Los Angeles:
University of California Press, 2006, p.184.
6
Disponivel em: http://siserompesecompone.blogspot.com/2010/08/pello-el-afrokan-mariacaracoles.html
penteados étnicos de todos os tipos foram incorporados. Homens e mulheres
deixaram seus cabelos crescerem “ao natural”, abandonando alisamentos e
outras químicas. O cabelo mediava, de certa forma, uma relação de
subserviência ou recusa em relação ao padrão-estético dominante. O estilo do
cabelo afirmava-se então como ato político. “Entre 1964 e 1966, pessoas de
cor e negros tornaram-se pessoas negras. E essas pessoas escolheram de
forma esmagadora adotar uma nova estética visual identificada como negra,
uma estética que não somente incorporava uma alternativa ao cabelo liso, mas
realmente a celebrava. Em meados dos anos sessenta, o cabelo negro sofreu
a maior mudança desde que os africanos chegaram na América. A percepção
do cabelo deixou de ser um estilo e se tornou uma afirmação. E, com ou sem
razão, negros e brancos passaram a crer que a maneira como os negros
apresentavam seu cabelo dizia alguma coisa sobre sua posição política. O
cabelo passou a simbolizar ou um movimento contínuo em direção à integração
no sistema político americano ou um clamor crescente pelo poder negro e pelo
nacionalismo negro(...) Foi uma época em que o cabelo assumiu uma posição
central – tal como os cartazes, emendas constitucionais e passeatas- na
definição de uma identidade negra frente ao mundo exterior 7.
Nas lutas contra a segregação nos Estados Unidos a igreja negra
protestante teve um papel importante. As lutas por Direitos Civis marcaram a
retomada e a reinterpretação de spirituals e músicas gospel tradicionais como
as músicas “Keep your hands on the plow” e “This little light of mine”. Em sua
releitura, essas músicas tornaram-se canções de protesto. Para o Professor
Milmoth Harrison, especialista no tema, “Keep your eyes on the prize”, baseada
em “Keep your hands on the plow” é exemplo muito claro de como os afroamericanos foram capazes de lançar mão de um repertório cultural que eles já
tinham, recolhê-lo e reutilizá-lo. “A música une as pessoas, coloca-as no
mesmo passo, [isso ocorreu] de uma forma bem mais significativa do que se
7
BIRD,Tharps. Hair story: untangling the roots of black hair in America, p. 51. IN: GIACOMINI,
Sonia Maria. A Alma da festa – família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte
do Rio de Janeiro, o Renascença Clube. Belo Horizonte: Ed AFMG; Rio de Janeiro Ed.
IUPERJ: 2006, PP. 202-203.
tivessem reunido essas pessoas para ensiná-las um novo conjunto de músicas
inéditas8.
A canção “This little light of mine”, originalmente uma música gospel
escrita por Harry Dixon, na década de 1920, chegou à luta por Direitos Civis
sem sofrer modificações no seu texto. A luz espiritual a qual ela se refere (this
little light of mine/I am gonna let it shine/ everywere I go/ I am gonna let it
shine9), transformou-se na luz do orgulho negro, na luz que ilumina os
caminhos dos militantes negros na busca a igualdade. Transformada em seu
significado, tornou-se bandeira dos que estavam engajados com as marchas e
os sit-ins, como podemos ver no depoimento da militante por Direitos Civis Lula
Joe Williams, de Montgomery, cidade central nessa narrativa negra do norte.
Eu lembro de estar nas ruas e de alguns caras dizerem
“essas crianças não deveriam estar na rua, precisam estar
em casa”, sabe? Dizendo: “eles não precisam estar aqui
marchando”. Nós olhávamos pra eles e cantávamos: “This
little light of mine, I am gonna let it shine, this little light of
mine, I am gonna let it shine”. E nós seguíamos adiante,
por que não estávamos com medo de ninguém e
queríamos ter certeza de que eles soubessem que não
estávamos com medo. E quanto mais eles diziam que nós
precisávamos ir para casa, mais alto nós cantávamos 10!”
Na pesquisa foi verificada uma grande preocupação dessas populações
de, em registros musicais, resgatar não só as formas polifônicas de África, mas
também registrar a sua narrativa pelos mares desse Atlântico e os dramas e
prazeres dessa nova vivência. Desse, modo elaboraram letras voltadas à
8
Transcrição do comentário do Professor Milmoth Harrison. IN: GUTENTAG, Bill;
STURMAN,Dan. Soundtrack for a revolution. Produzido por Danny Glover. Estados Unidos,
2009. Documentário. Som
9
Disponível em: www.lyrics/com/this-little-light-of-mine
10
Relato de Lula Joe Willians. IN: GUTENTAG, Bill; STURMAN,Dan. Soundtrack for a
revolution. Produzido por Danny Glover. Estados Unidos, 2009. Documentário. Som.
documentação do presente, a recordação do passado e revisitaram canções
antigas com ressonância e perspectivas contemporâneas. Um exemplo
interessante desse memorialismo é a música “Buffalo Soldier” de Bob Marley,
que trata de rememorar a luta dos negros americanos na Guerra Civil do país.
Já nas primeiras estrofes, a música demonstra a importância que os rastas dão
à História “If you know your history/Then you would know where you coming
from/Then you wouldn't have to ask me/Who the heck do I think I am11?”.
I mean it, when I analyze the stench
To me, it makes a lot of sense
How the Dreadlock Rasta was the Buffalo Soldier
And he was taken from Africa, brought to America
Fighting on arrival, fighting for survival
A aproximação do “dreadlock rasta” com o “Buffalo Soldier” estabelece
claramente uma genealogia do pertencimento comum de África e, ao mesmo
tempo, torna evidente que esta origem comum implica num sentimento de
solidariedade e semelhança. Buffalo Soldier era o nome do Décimo Regimento
da Cavalaria dos Estados Unidos em 1866, durante a Guerra Civil norteamericana, termo que se popularizou e se estendeu a todos os demais
regimentos negros. Assim, é através da historicidade e do memorialismo
coletivo que as redes da diáspora se fortalecem e tomam uma perspectiva
transnacional, já que as fronteiras deixam de configurar limites para a
solidariedade racial.
(...)o que tinha sido uma antipatia moral e econômica
contra as injustiças do poder colonial tornou-se mais franco
politicamente. A insistência Rastafári na importância
fundamental da história aprofundou a percepção de Marley
sobre um mundo dividido além do Caribe. Sua contra11
Disponível em: www.lyrics.com/buffalo-soldier
história operaria numa escala planetária (...). Um Rastafári
poderia fluentemente explicar os 400 anos da saga do
capitalismo racial12.
As capas dos discos Soul Rebels (1970), Survival (1979) e Uprising
(1980)13 demonstram o apoio de Marley e sua banda às guerrilhas africanas, à
independência dos países da diáspora, ao levante contra o sistema e ao panafricanismo. A música Africa Unite, do disco Survival, explicita este apoio e
congrega os negros a da diáspora para retornar a África. “Back to Africa” não
esteve nas agendas cubanas nem brasileiras, que optaram por celebrar
rítmicas e mímicas ancestrais. Os negros da América anglo-saxã, no entanto,
dialogando o Êxodo, ressignificaram a sua experiência nas Américas a partir
dessa narrativa bíblica.
“[...]
versão
da
História
no
Velho
testamento
Lá
encontramos o análogo, crucial para a nossa História, do
“povo escolhido”, violentamente levado à escravidão no
“Egito” e de seu “sofrimento” nas mãos da “Babilônia; da
liderança de Moisés, seguida do Grande Êxodo – o
movimento do povo de Jah” – que os livrou do cativeiro, e
de retorno a Terra Prometida. Esta é a ur-origem daquela
grande narrativa de libertação, esperança e redenção do
12
GILROY, Paul. Could You Be Loved? Bob Marley, Anti-Politics and Universal Sufferation.
Critical Quarterly, volume 47, 2005, p. 237.
12
Disponíveis em: http://bobmarley.com/music.php.
Novo Mundo, repetida continuadamente ao longo da
escravidão – o Êxodo tem fornecido sua metáfora
dominante a todos os discursos libertadores negros do
Novo Mundo. Muitos creem que essa narrativa do Velho
testamento seja muito mais potente para o imaginário dos
povos negros do novo mundo do que a assim chamada
história do Natal14.
Como selecionou James B. Stewart, há uma série de músicas lançadas
depois dos primeiros sucessos do Movimento por Direitos Civis que utilizam a
metáfora do trem que, em sua perspectiva, tinham uma característica secular e
representavam a unidade dos negros, enquanto passageiros do mesmo trem
em direção à justiça racial15. Entre elas: “People get ready” dos Impressions,
“Friendship train” de Gadys Knight and the Pips em 1969 e escrita por Norman
Whitfield e Barret Strong e “Love train” (1972), dos O’Jays, escrita por Kenny
Gamble e Leon Huff.
Nestas narrativas, a ideia de deslocamento e viagem está implícita,
características essas que Paul Gilroy em “O Atlântico Negro” lembra serem
fundamentais, constitutivas nas narrativas da diáspora negra e que Stuart Hall
reitera enquanto ur-origem e metáfora dominante aos discursos libertadores
negros no Novo Mundo. Embora essas músicas tenham tido apelo e sucesso
“pop”, nem por isso abriram mão da sua estética particular. Como observa
Stuart Hall: “Não importa o quão deformadas, cooptadas e inautênticas sejam
as formas como os negros e as tradições e comunidades negras pareçam ou
sejam representadas na cultura popular, nós continuemos a ver essas figuras
repertórios, aos quais a cultura popular recorre, as experiências que estão por
trás delas. Em sua expressividade, sua musicalidade, sua oralidade e na sua
rica, profunda e variada atenção à fala; em suas intenções vernaculares e
HALL, Stuart. Da diáspora – Identidades e mediações culturais.Belo Horizonte: Ed. UFMG,
2006, pp 28-29.
14
STEWART, James B. “Message in the Music: Political Commentary in Black Popular Music
from Rhythm and Blues to Early Hip Hop,” in “The History of Hip Hop”. Special Issue of the
Journal of African American History.
15
locais, em sua rica produção de contranarrativas e, sobretudo, em seu uso
metafórico do vocabulário musical, a cultura popular negra tem permitido trazer
à tona, até nas modalidades mistas e contraditórias da cultura popular
mainstream, elementos de um discurso que é diferente – outras formas de vida,
outras tradições de representação16”.
A postura e o comportamento anti-colonial nos comunicam a força, mas
também a fragilidade de concepções de cultura baseadas na raça. Através de
penteados, rítmicas, danças e polifonias, esses negros reconectaram- se a
uma África imaginada, sonhada e desejada, mas também expressaram suas
particularidades e vivências no Novo Mundo. Ao visitar o universo audiovisual
sua africanidade, ainda que guiados por conceitos essencialistas de raça,
entravam em contato com releituras diaspóricas – mestiças e híbridas - de
África. Expressavam a sua brasilidade, cubanidade e latinidade, revisitaram
seu passado colonial. Os americanos e jamaicanos, ao procurar suas raízes,
clamavam por Jesus e Lord, deuses do Ocidente17. Ambiguamente, as formas
culturais elaboradas neste percurso, com o diálogo com África intensificado
devido a potência do pensamento afrocentrista e a emergência das
independências, acaba por evidenciar não só a raiz vernácula comum, mas
revelar também os diferentes locais da cultura, histórias, enredos e desenredos
em que essas vivências se elaboraram.
Referências
BIRD,Tharps. Hair story: untangling the roots of black hair in America, p. 51. IN:
GIACOMINI, Sonia Maria. A Alma da festa – família, etnicidade e projetos num
clube social da Zona Norte do Rio de Janeiro, o Renascença Clube. Belo
Horizonte: Ed AFMG; Rio de Janeiro Ed. IUPERJ: 2006.
HALL, Stuart. Da diáspora – Identidades e mediações culturais.Belo Horizonte: Ed. UFMG,
2006, pp.323-324.
16
17
Ver em: RISERIO. Antonio. A utopia brasileira e os movimentos negros. São Paulo: Editora
34, 2007.
GILROY, Paul. Could You Be Loved? Bob Marley, Anti-Politics and Universal
Sufferation. Critical Quarterly, volume 47, 2005.
HALL, Stuart. Da diáspora – Identidades e mediações culturais.Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 2006
MOORE, Robin D. Music & revolution – cultural chance in socialist Cuba. Los
Angeles: University of California Press, 2006.
RISERIO. Antonio. Carnaval: As cores da Mudança. Revista do CEAO, nº 16.
EDUFBA, Salvador-Ba. 1995.
RISERIO. Antonio. A utopia brasileira e os movimentos negros. São Paulo:
Editora 34, 2007.
STEWART, James B. “Message in the Music: Political Commentary in Black
Popular Music from Rhythm and Blues to Early Hip Hop,” in “The History of Hip
Hop”. Special Issue of the Journal of African American History.
Filmografia
GUTENTAG, Bill; STURMAN,Dan. Soundtrack for a revolution. Produzido por
Danny Glover. Estados Unidos, 2009. Documentário. Som.
Discografia
Jorge Ben, Xica da Silva. África Brasil,Universal Music ,1976
Infografia
Disponível em: www.lyrics.com/buffalo-soldier
Disponível em: www.lyrics/com/this-little-light-of-mine
Disponivel em:http://siserompesecompone.blogspot.com/2010/08/pello-elafrokan-maria-caracoles.html
Disponíveis em: http://bobmarley.com/music.php.

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