A Branca de Neve e os sete anões
Transcrição
A Branca de Neve e os sete anões
A Branca de Neve e os sete anões Era Inverno, e a neve caía como se fosse uma leve penugem... Uma jovem rainha cosia, sentada defronte da janela enquadrada de madeira de ébano. Quando olhou para os flocos brancos que esvoaçavam, picou-se num dedo e três gotas de sangue vermelho caíram na neve. A rainha formulou então um desejo: – Ah! Como eu gostava de ter uma filha, linda, com a tez branca como a neve, uns lábios vermelhos como o sangue e uns cabelos negros como o ébano. Algum tempo depois, a rainha teve uma filha. A tez era branca como a neve, os lábios eram vermelhos como o sangue e os cabelos negros como o ébano... Chamaram-lhe Branca de Neve. Mas a rainha morreu quando ela nasceu. Passou um ano, e o rei voltou a casar. A sua segunda mulher era muito bonita, mas era também muito orgulhosa e vaidosa. Não suportava a ideia de qualquer mulher poder ser mais bonita do que ela... Todos os dias a rainha ia mirar-se no seu espelho mágico e perguntava-lhe: – Espelho mágico, meu lindo espelho mágico. Quem é a mais bela de todo o reino? E o espelho respondia-lhe sempre: Senhora rainha, vós sois a mais bela de todo o reino. A rainha ficava muito contente com essa resposta; sabia que o espelho nunca mentia. Mas entretanto Branca de Neve foi crescendo e cada dia ficava mais bonita... Um dia, a rainha interrogou o espelho, que lhe respondeu: Senhora rainha, vós sois a mais bela deste lugar... Mas a beleza de Branca de Neve não podeis igualar! Então a rainha ficou verde de medo e ciúme. Começou a detestar Branca de Neve. O ciúme ia crescendo no seu coração, como a erva má cresce nos campos, envenenando-lhe a vida, tirando-lhe o sono. E cada vez que via Branca de Neve, odiava-a um pouco mais. Já não suportando mais, mandou vir um caçador e disse-lhe: – Leva Branca de Neve para a floresta, não quero vê-la nunca mais! Mata-a e traz-me o coração e o fígado como prova. O caçador levou Branca de Neve para a floresta, mas, quando desembainhou o punhal para a matar, ela disse-lhe: – Gentil caçador, não me mates! Eu vou para o interior da floresta e nunca mais volto! Como ela era muito bonita, o caçador teve pena dela. – Foge, menina! – disse-lhe, convencido de que os animais da floresta iriam devorá-la. Levou à rainha o coração e o fígado de um pequeno javali como prova da morte da Branca de Neve. A rainha mandou o seu cozinheiro prepará-los e comeu-os, julgando estar a comer a Branca de Neve... A pobre rapariga, sozinha no meio do bosque, ficou cheia de medo. Correu pela floresta até cair a noite. Os animais selvagens rondavam, mas não lhe fizeram mal. Correu, correu, enquanto as suas pernas permitiram. Viu então uma casinha e entrou para descansar. Nessa casinha todas as coisas eram muito pequeninas; era tudo muito bonito e muito limpo. Viu uma mesinha coberta com uma toalha branca, com sete pratinhos, sete colherinhas, sete faquinhas e sete copinhos. Muito arrumadas, encostadas à parede, viu sete caminhas cobertas com colchas muito brancas. Branca de Neve tinha muita fome e muita sede, e então tirou um bocadinho de legumes e de pão de cada pratinho, e bebeu uma gota de vinho de cada copinho, pois não queria tirar tudo à mesma pessoa! Depois, porque estava muito cansada, quis deitar-se numa cama. Mas a primeira cama era muito grande, a segunda muito pequena... e foi experimentando todas. A sétima tinha bom tamanho. Deitou-se e adormeceu. Quando caiu a noite, os sete anões que habitavam naquela casa regressaram do trabalho na montanha. Acenderam as sete lanterninhas e viram que estava lá alguém... Disse o primeiro: – Quem é que se sentou na minha cadeira? O segundo disse: – Quem é que tirou comida do meu prato? O terceiro disse: – Quem é que tirou um bocado do meu pão? O quarto disse: – Quem é que tirou legumes do meu prato? O quinto disse: – Quem é que usou o meu garfo? O sexto disse: – Quem é que usou a minha faca? O sétimo disse: – Quem é que bebeu do meu copo? Depois o primeiro viu que a sua cama estava desarrumada. – Quem é que esteve a dormir na minha cama? – disse ele. Os outros aproximaram-se a correr e todos gritaram: – Na minha cama também se deitou alguém! O sétimo, quando olhou para a sua cama, viu Branca de Neve a dormir. Pegaram nas lanterninhas para iluminarem o rosto da menina. – Que linda que ela é! – disseram os sete. Deitaram-se sem a acordarem. Chegaram-se todos um bocadinho para o lado para arranjarem espaço para o sétimo anão, e assim se passou a noite. De manhã, quando Branca de Neve acordou, teve medo. Mas os anões olhavam para ela com simpatia. Perguntaram-lhe como se chamava. – Chamo-me Branca de Neve – disse ela. E contou-lhes que a madrasta tentara matá-la. – Fica cá connosco – propuseram-lhe os anões. – Se quiseres arrumar a casa, cozinhar, fazer as camas... não te faltará nada. Mas cuidado com a tua madrasta, ela pode descobrir que estás cá. Não deixes ninguém entrar! Branca de Neve aceitou de bom grado e arrumou a casa toda. De manhã os sete anões foram para a montanha, onde procuravam ouro, e quando à noite regressaram, a refeição estava pronta. A rainha julgava que Branca de Neve estava morta, pois comera o seu fígado e o seu coração. No entanto, um dia interrogou o seu espelho mágico e ele respondeu-lhe: Senhora rainha, vós sois a mais bela deste lugar… mas para lá dos montes do sol, na casa dos sete anões, vive Branca de Neve, cuja beleza não podeis igualar! A rainha sabia que o espelho nunca mentia, e percebeu que o caçador a tinha enganado: Branca de Neve ainda estava viva! O ciúme invadiu o seu coração, e ela não tinha sossego. Inventou então nova maneira de matar Branca de Neve... Disfarçada de velha vendedeira, atravessou as sete montanhas por detrás das quais viviam os sete anões e bateu à porta da casa: – Tenho coisas muito boas para vender! – disse ela. – Tenho cordões de todas as cores! «É uma velhinha simpática, vou deixá-la entrar», pensou Branca de Neve; abriu a porta e comprou-lhe um lindo cordão de seda. – Minha menina – disse a velha – deixe-me pôr-lhe o cordão como deve ser. A mulher passou o cordão pelo corpete de Branca de Neve, e depois apertou-o tanto que ela deixou de poder respirar e caiu como morta. – Agora, já não és a mais bela! – gritou a velha, que se afastou da casa rapidamente. À noite, os sete anões regressaram. Ficaram apavorados quando viram a sua querida Branca de Neve estendida no chão, sem vida. Notaram que o seu corpete estava demasiado apertado, e cortaram o cordão. Branca de Neve recuperou os sentidos. – Foi a rainha má que te quis matar... – disseram eles a Branca de Neve. – Tememos que ela regresse, por isso não deixes entrar ninguém enquanto cá não estamos. Quando voltou ao castelo, a rainha interrogou o espelho: – Espelho, espelho meu, há no reino alguém mais belo do que eu? E o espelho respondeu: Senhora rainha, vós sois a mais bela deste lugar… mas para lá dos montes do sol, na casa dos sete anões, vive Branca de Neve, cuja beleza não podeis igualar! Ao ouvir estas palavras, a rainha sentiu o coração estoirar de fúria e tentou encontrar outro modo de matar Branca de Neve. Por meio de feitiçaria, fabricou um pente envenenado, disfarçou-se novamente de velha vendedeira, atravessou as sete montanhas e bateu à porta da casa dos sete anões. Branca de Neve viu pela janela que ela se aproximava e disse-lhe: – Continue o seu caminho, não posso abrir a porta a ninguém. – Mas podes ver o que aqui trago... – disse a velha e mostrou-lhe o pente. – Deixa-me entrar que eu penteio-te. Então Branca de Neve deixou a velha entrar para a pentear, mas mal o pente tocou nos seus cabelos, o veneno fez efeito e a menina caiu no chão sem sentidos. – És um prodígio de beleza, mas agora acabou-se! – disse a madrasta que se afastou rapidamente. Por sorte, estava quase na hora de os anões regressarem... Quando viram Branca de Neve inanimada, desconfiaram da rainha má; procuraram, e logo encontraram o pente envenenado. Mal o tiraram dos cabelos da Branca de Neve, ela recobrou os sentidos e contou-lhes o que se tinha passado. Eles recomendaram-lhe novamente que não abrisse a porta a ninguém. Quando chegou ao palácio, a rainha interrogou novamente o seu espelho mágico: – Espelho, espelho meu, há no reino alguém mais belo do que eu? E o espelho respondeu: Senhora rainha, vós sois a mais bela deste lugar… mas para lá dos montes do sol, na casa dos sete anões, vive Branca de Neve, cuja beleza não podeis igualar! Ao ouvir estas palavras, a rainha tremeu de fúria e raiva. – Branca de Neve tem de morrer – gritou ela – nem que para isso também eu tenha de morrer! E num local sombrio, que ninguém conhecia, preparou uma maçã envenenada; depois disfarçou-se de camponesa, atravessou as sete montanhas, bateu à porta da casa dos sete anões... Branca de Neve debruçou-se à janela e disse: – Não posso abrir a porta a ninguém! Os sete anões proibiram-me! – Pior para ti – disse a camponesa –, vou vender as minhas maçãs a outra pessoa. Mas ao menos deixa-me oferecer-te uma... – Não – disse Branca de Neve. – Não posso aceitar nada. – Tens medo de ser envenenada? – perguntou a camponesa. – Olha, vou partir a maçã em duas partes; eu fico com a metade branca e tu com a metade vermelha! Branca de Neve olhava para a maçã e estava tentada. Quando viu a camponesa a comer a metade da maçã, estendeu a mão e pegou na outra metade. Mal trincou a maçã, caiu morta no chão. A rainha olhou para ela com olhos maliciosos, riu e troçou: – Branca como a neve, vermelha como o sangue, negra como o ébano... Desta vez nem os anões te podem reanimar! Ao chegar ao palácio, a malvada mulher interrogou o seu espelho, e ele finalmente respondeu: Senhora rainha, vós sois a mais bela do reino. Então, o ciumento coração da rainha repousou um pouco, mas um coração ciumento nunca tem verdadeiro repouso... À noite, quando os anões regressaram a casa, viram Branca de Neve estendida no chão, sem respirar. Procuraram descobrir alguma coisa envenenada, mas não encontraram nada. A sua querida Branca de Neve estava morta! Sentaram-se todos em volta dela e choraram durante três dias; depois, prepararam-se para a enterrar. Mas ela continuava fresca como se estivesse viva, com as faces rosadas como sempre. – Não podemos enterrá-la na terra negra! – disseram. Fizeram um caixão de vidro, deitaram-na lá dentro e escreveram por cima o nome dela com letras de ouro, acrescentando que era filha de um rei. Depois levaram o caixão para o cimo da montanha e, revezando-se, fizeram a guarda junto dela. Também os animais vinham chorar Branca de Neve... Branca de Neve ficou muito tempo, muito tempo, no seu caixão, sempre muito bonita, sempre como se estivesse apenas a dormir. Ora aconteceu passar por ali o filho de um rei, que parou na casa dos anões, para lá pernoitar. Viu o caixão no cimo da montanha e lá dentro a bela Branca de Neve. E leu o que estava escrito a letras de ouro. – Dêem-me esse caixão, e eu dou-vos tudo o que quiserem! – disse ele aos anões. – Nem que nos desse todo o ouro do mundo! – responderam os anões. – Então, ofereçam-mo, porque não poderei viver sem Branca de Neve. Quero venerá-la como a minha bem-amada. Ao ouvi-lo dizer estas palavras, os bons anões tiveram piedade dele e ofereceram-lhe o caixão. Mas os servidores do príncipe que o transportavam aos ombros, tropeçaram num tronco de árvore e a sacudidela fez saltar da boca de Branca de Neve o pedaço de maçã que ela trincara. Abriu os olhos, levantou a tampa do caixão e levantou-se. Estava novamente viva! – Onde estou? – perguntou. – Junto de mim – disse o príncipe. – Amo-te mais do que tudo neste mundo. Vem comigo para o castelo do meu pai. Serás a minha mulher. Então Branca de Neve sentiu que o amava e foi com ele. As núpcias foram preparadas com grande pompa e magnificência. A rainha má também foi convidada. Adornada com os seus mais belos atavios, olhou para o espelho e perguntou-lhe: – Espelho, espelho meu, há no reino alguém mais belo do que eu? O espelho respondeu: Senhora rainha, vós sois a mais bela deste lugar… Mas a beleza da jovem soberana não podeis igualar! A perversa mulher, mergulhada em ódio, teve tanto medo que perdeu a cabeça: levada pela curiosidade, não resistiu a ir ao casamento para ver a jovem rainha. Ao reconhecer Branca de Neve, ficou pregada ao chão. Então, o castigo que a madrasta tantas vezes merecera por ter querido matar Branca de Neve abateu-se sobre ela. Dando meia volta, saiu a correr do castelo, e consta que caiu num precipício, morrendo da queda, pois nunca mais foi vista por aquelas paragens. E Branca de Neve e o príncipe viveram muitos e muitos anos de um feliz casamento. O meu livro de contos Marie Tenaille (org) Porto, Asa Editores, 2001