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 PUBL I CAÇÕ E S D A F U N D AÇÃO R O B I N S O N
23
Conflitos sociais em Portalegre no tempo dos Robinson
Social conflicts in Portalegre during the Robinson period
PUBLICAÇÕES DA FUNDAÇÃO ROBINSON N.º 23
ROBINSON FOUNDATION PUBLICATIONS No. 23
Conflitos sociais em Portalegre no tempo dos Robinson
Social conflicts in Portalegre during the Robinson period
Portalegre, Fevereiro de 2012 Portalegre, February 2012
AUTOR
AUTHOR
A correspondência relativa a colaboração,
permuta e oferta de publicações deverá ser dirigida a
All correspondence to be addressed to
António Ventura
Fundação Robinson
Robinson Foundation
CONSELHO DE CURADORES
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Adelaide Teixeira (Presidente) (Chair), Ana Manteiga, Antero Teixeira,
Joaquim Mourato, António Ceia da Silva, Rui Cardoso Martins,
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Fundação Robinson
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Publicações da Fundação Robinson
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António Ventura, Carlos Serra, João Carlos Brigola, Luísa Tavares Moreira,
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EDITOR
António Camões Gouveia
ADMINISTRAÇÃO DAS PUBLICAÇÕES
PUBLICATIONS ADMINISTRATOR
Alexandra Carrilho Barata
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Jorge Maroco Alberto
TRADUÇÃO
TRANSLATED BY
David Hardisty (inglês) (english), Pedro Santa María de Abreu (espanhol)
(spanish)
REVISÃO
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António Camões Gouveia, Célia Gonçalves Tavares, Jorge Maroco Alberto,
Odete Mateus Rolo
IMPRESSÃO
PRINTED BY
Tipografia Lessa
DEP. LEGAL 341 413/12
ISSN 1646-7116
Na capa, fotografia de
Cover photograph by
António Ventura (colecção pessoal) (private collection)
4
Nota de abertura
Opening note
Nota de apertura
Presidente do Conselho de Curadores | Chair of the Council of Curators
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Conflitos sociais em Portalegre no tempo dos Robinson
Social conflicts in Portalegre during the Robinson period
Conflictos sociales en Portalegre en la época de los Robinson
António Ventura
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Antologia: os conflitos sociais de Portalegre na imprensa (1893-1920)
Anthology: social conflicts of Portalegre in the press (1893-1920)
Antología: los conflictos sociales de Portalegre en la prensa (1893-1920)
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Síntese: resumos e palavras-chave
Abstracts and key-words
Resúmenes y palabras clave
Nota de abertura
Opening note
ADELAIDE DE AGUIAR MARQUES TEIXEIRA
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PORTALEGRE
E DO CONSELHO DE CURADORES DA FUNDAÇÃO ROBINSON
MAYOR OF PORTALEGRE AND HEAD OF THE BOARD OF TRUSTEES
OF THE ROBINSON FOUNDATION
Publicações da Fundação Robinson 23, 2012, p. 4-5, ISSN 1646-7116
4
No passado dia 17 de Setembro de 2011, em brilhante, sintética, original e valorativa intervenção, lembrava o Professor
Julián Sobrino (Universidade de Sevilha) que todas as Fábricas são um conflito, de interesses, de saberes, de sexos, de
pequenos e grandes poderes. Afinal, as Fábricas dão corpo às
realidades da vivência humana dos grupos e das suas sociabilidades, as Fábricas são corpos sociais vivos!
Na sua constante colaboração com a Fundação Robinson
o Professor António Ventura (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) dá-nos agora conta dessa vida na conflitualidade nascida das realidades laborais em que se opõem
Operários e Patrões. O estudo e a riquíssima antologia que
o suporta, enriquecem o nosso conhecimento da Fábrica
Robinson na dimensão humana do operariado e, ao mesmo
tempo, dão conta da sua integração no tecido local através da
amostragem feita a partir da assinalável riqueza da imprensa
periódica em Portalegre.
As Publicações da Fundação Robinson, mais uma vez, dão
a lume trabalho científico e possibilidades de investigação
futura e continuam a mostrar como a Fábrica era o pólo sócioeconómico de um grande Espaço Robinson.
5
On 17 September 2011, in a brilliant, concise, original
and evaluative intervention, Professor Julian Sobrino (of
the University of Seville) reminded us that all Factories are
a conflict of interests, knowledge, gender, and small and
large powers. After all, Factories embody the realities of
living human groups and their social relations, such that
Factories are living social bodies!
In his on-going collaboration with the Robinson Foundation, Professor António Ventura (of the Faculty of Letters of the University of Lisbon) now gives us this account
of the experience of conflict born of the working realities which brought Workers and Employers against each
other. The study and the rich anthology underpinning it,
enriches our knowledge of the Robinson Factory in terms
of the human dimension of its workers and, at the same
time, recounts their local integration by sampling from the
remarkable richness of the periodical press in Portalegre.
The Publications of the Robinson Foundation, once again,
have enlightened academic work and future research possibilities and continue to show how the Factory was the
socio-economic hub of a large Robinson Space.
Conflitos sociais em Portalegre no tempo dos Robinson
Social conflicts in Portalegre during the Robinson period
António Ventura
FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULTY OF LETTERS OF THE UNIVERSITY OF LISBON
Publicações da Fundação Robinson 23, 2012, p. 6-33, ISSN 1646-7116
Uma cidade laboriosa e progressiva
O concelho de Portalegre, que compreendia a capital de
distrito com o mesmo nome, conheceu uma expansão considerável a partir de 1860. Tinha então 6.433 habitantes,
número que passou para 7.039 em 1878, 10.538 em 1890
e 18.500 em 1900, segundo os respectivos censos. As duas
freguesias urbanas, Sé e São Lourenço, contavam com 9.303
habitantes, o que traduz um decréscimo que se explica,
segundo cremos, pela gravíssima crise que a partir de 1891
afectou a indústria e o comércio locais. Outro elemento
que se destaca é um certo equilíbrio entre a população citadina e a rural. A cidade encontrava-se rodeada por pequenas
povoações, lugares, quintas e montes onde a par de algumas
grandes herdades, em especial nas freguesias de Fortios e de
Urra, coexistia a pequena propriedade rural e a agricultura
de subsistência.
A cidade foi crescendo para Este, pelo arrabalde de São
Francisco e Corro – hoje Praça da República – a partir da Porta
de Alegrete, e para Norte, em direcção ao Rossio do Espírito
Santo. Essa progressão para Norte efectuou-se a partir da
Porta da Deveza, fronteira ao Rossio e à Mouraria, já situada
fora do burgo amuralhado.
Pelas ruelas medievais e pelas novas que se foram construindo, frente à Fábrica Robinson, existia um numeroso conjunto de artesãos, alfaiates, sapateiros, carpinteiros, chocalheiros, cesteiros, cuja tradição se perdia na distância dos séculos e que deram nome a diversas ruas —
dos Canastreiros, Sapateiros, Chocalheiros — e os operários — corticeiros, na sua maioria, mas também de alvanéus, padeiros e tecelões — que conferiam à cidade um
cunho marcadamente industrial. Pela Rua da Cadeia (tramo
da actual Rua do Comércio), Pracinha, Rossio, Rua do Mercado e Rua dos Canastreiros (depois do Infante D. Manuel
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An industrious and progressive city
The district of Portalegre, including the district capital with the same name, expanded considerably from
1860 onwards. Its population that year was 6,433 inhabitants, a figure that rose to 7,039 in 1878, 10,538 in 1890
and 18,500 in 1900, according to the respective censuses.
The two urban parishes, Sé and S. Lourenço, contained
9,303 inhabitants, which represented a decrease which
it is believed can be explained by the serious crisis that
affected local industry and commerce from 1891. Another
element that stands out is a certain balance between the
urban and rural population. The city was surrounded by
small villages, places, farms and montes where in addition
to a few large farms (herdades), especially in the parishes
of Fortios and Urra, there also coexisted small estates and
subsistence agriculture.
The city grew to the East, through the suburb of
S. Francisco and Corro – nowadays the Praça da República square – from the Porta de Alegrete, and northwards
towards the Rossio do Espírito Santo square. This northward
progression took place from the Porta da Deveza, which
bordered on Rossio and the Mouraria – the ancient Moorish quarter - which was situated outside the walled town.
The medieval streets and the newer ones that were
built, opposite the Robinson Factory, contained a large
number of artisans, tailors, shoemakers, carpenters, bellmakers, and basket weavers, whose traditions have been
lost in the distant centuries and who gave their name to
several streets – the Basket Weavers (Canastreiros), Shoemakers (Sapateiros), Bellmakers (Chocalheiros) - and workers – cork workers mostly, but also masons, bakers and
weavers - which gave the city a markedly industrial flavour.
Various types of shops, taverns, grocery stores, delicates-
e 31 de Janeiro), surgiam estabelecimentos comerciais de
diversos ramos, tabernas, mercearias, salsicharias, lojas
de tecidos, tabacarias e cafés. Existia uma certa vida mundana e boémia em redor daqueles últimos, com realce para
a Tabacaria Estrela, ou para a loja de Frederico Porto, em
ambos casos sedes de tertúlias regulares. Novos bairros
foram construídos nos finais do século XIX. Um deles, iniciativa de dois operários — Joaquim Dias Ferreira e Bernardino José Rainho — começou a ser construído em 3 de
Abril de 1895 e ainda hoje conserva os nomes dos seus
fundadores que já ninguém recorda: «Ferreira e Rainho».
O segundo, empreendimento individual, de Joaquim Lopes
Pires, comerciante e proprietário da loja «O Novo Mundo»,
conhecido como «Joaquim da Bola», começou a ser construído em 3 Janeiro de 1898 e foi concluído em 1900.
O abastecimento de água foi melhorado com a construção de
uma canalização desde os Maguetos, aprovada pela Câmara
Municipal em 1894 e feita sob projecto do engenheiro Filipe
Canavarro. As obras decorreram entre 1895 e 1896, importaram em 9.505$000 réis, chegando a água à cidade a 1 de
Maio de 1897. A iluminação pública, iniciada em 1855 com
azeite e melhorada dez anos depois com petróleo, passou em
1901 a utilizar a energia eléctrica.
Por outro lado, o desenvolvimento da cidade foi acompanhado pela instalação de novos serviços: delegações da Caixa
Económica Portuguesa (Dezembro de 1887) e do Banco de
Portugal (1 de Abril de 1891). A primeira contava em 1901
com 472 depositantes e um total de 124.247$297 réis. Em
Maio de 1898, o Banco de Portugal instalou-se numa casa
própria, comprada por 5.000.000$000 réis. Em 1900 foram
tomadas 1305 letras no valor de 337.908$592 réis sobre o
país, e 131.983$550 sobre o estrangeiro. Os lucros da agência
de Portalegre foram de 10.934$804 réis.
sens, fabric stores and tobacconists were to be found on
Rua da Cadeia (nowadays forming part of Rua do Comércio),
Pracinha, Rossio, Rua do Mercado and Rua dos Canastreiros
(after Infante D. Manuel and 31 de Janeiro). There was a certain worldly bohemian life about the latter, with an emphasis on the Estrela Tobacconist, and Frederico Porto’s store,
both of which hosted regular evening salons (tertúlias).
New neighbourhoods were built in the late nineteenth
century. One, the initiative of two workers - Joaquim Dias
Ferreira and Bernardino José Rainho – started construction work on 3 April 1895 and still retains the names of
its founders that nobody remembers any longer: “Ferreira
& Rainho”. The second, an individual enterprise carried
out by Joaquim Pires Lopes, merchant and owner of the
“O Novo Mundo” (New World) store, and known as “Joaquim
da Bola”, started on 3 January 1898 and was completed in
1900. The water supply was improved with the construction of a pipeline from Maguetos which was approved by
the City Council in 1894 and carried out by the engineer
Filipe Canavarro. The works took place between 1895 and
1896, and amounted to 9,505$000 réis, the water reaching
the town on 1 May 1897. Public lighting, which began in
1855 with olive oil and improved ten years later through
the use of petroleum, began to use electricity in 1901.
In addition, the city’s development was accompanied
by the installation of new services: branches of the Caixa
Económica Portuguesa (December 1887) and the Banco de Portugal (1 April 1891). The first had 472 depositors in 1901 and
a total of 124,247$297 réis. In May 1898, the Banco de Portugal moved into its own premises, bought for 5,000,000$000
réis. In 1900, 1305 bills were taken to the amount of
337,908$592 réis nationally, and 131,983$550 abroad. The
profits of the Portalegre branch were 10.934$ 804 réis.
8
George William Robinson (1813-1895).
A Indústria
A indústria era, na passagem do século XIX para o seguinte,
o elemento mais dinâmico da vida portalegrense. Os lanifícios, outrora florescentes e com momentos de glória a partir
do último quartel do século XVIII, conheceram tempos difíceis durante o reinado de D. Maria I e depois, no tempo das
Invasões Francesas, entraram definitivamente em decadência.
A suspensão de pagamentos da Fábrica Larcher & Sobrinhos,
em 1868, arrastou na sua queda a Companhia da Fábrica Nacional de Portalegre, lançando no desemprego cinco centenas de
operários. O golpe de misericórdia foi desferido em 1896 com
a falência da Companhia da Fábrica de Lanifícios de Portalegre,
constituída em 1889 no Porto com capitais nortenhos, onde
avultavam os do Banco União. Desse universo industrial portalegrense em crise, a única excepção era a fábrica de cortiça do
inglês George Robinson, fundada em meados do século XIX, e
que assumiu, no último quartel de oitocentos, o papel de principal entidade empregadora. José Frederico Laranjo afirmava
no Parlamento, nesses tempos de crise aguda, que o desemprego em Portalegre só não atingiu proporções dramáticas graças à Fábrica Robinson, que absorveu grande parte da mão-deobra na preparação de cortiça1.
Os inquéritos industriais oficiais não nos transmitem
uma imagem fiel das diversas actividades industriais e artesanais da cidade. O inquérito de 1881 é muitíssimo incompleto, incluindo apenas elementos sobre quatro empresas
com o respectivo pessoal operário e ficando de fora as mais
importantes, cujos proprietários se recusaram a responder.
A 20 de Março de 1880, as fábricas de Portalegre dirigiram
uma representação à Câmara dos Deputados protestando contra o novo imposto sobre a renda, assinado por George Robinson, Honório Fiel de Lima, e pelos gerentes das «fábricas de
lanifícios e curtumes» José António Duro, Ramiro Marçal &
9
Industry
At the end of the nineteenth and the beginning of the
twentieth century, the most dynamic element of Portalegre life was its industry. Woollen manufacturers, which
once flourished and experienced glorious moments from
the last quarter of the eighteenth century onwards, also
experienced hard times during the reign of D. Maria I and
then, during the Napoleonic wars, went into a definitive
decline. The suspension of payments by the Larcher &
Sobrinhos Factory in 1868, also dragged down the Companhia da Fábrica Nacional de Portalegre, leading to the unemployment of five hundred workers. The final blow was
struck in 1896 with the bankruptcy of the Companhia da
Fábrica de Laníficios de Portalegre, which had been established in Oporto in 1889 with capital from the North of
Portugal, especially of the Banco União. The only exception to the crisis experienced by industry in Portalegre
was the cork factory of the Englishman George Robinson, which had been founded in the mid-nineteenth century, and which took on the role of principal employer in
C.ª, Manuel de Jesus Costa, Genoveva Amélia Cerejo e Costa
& Irmão2. Este documento inclui um quadro com o número de
trabalhadores de todas as fábricas da cidade:
the last quarter of the nineteenth century. José Frederico
Laranjo stated in Parliament that in these times of acute
crisis, unemployment in Portalegre had not reached dramatic proportions only thanks to the Robinson Factory,
Estabelecimentos
Fábrica de Cortiça
de George Robinson
Operários Operárias
Total
treat cork1.
260
420
680
Companhia da Fábrica Nacional
de Lanifícios de Portalegre
147
Fábrica de Lanifícios
e Curtumes de Portalegre
108
39
147
Fábrica de Lanifícios
de Ramiro Marçal & C.ª
44
20
64
Fábrica de Lanifícios e Moagens
de Manuel Joaquim Costa
25
18
43
Fábrica de Tecidos
da viúva de Vicente Cerejo
4
12
16
Fábrica de Massas
de Costa & Irmão
5
–
5
593
550
1143
Total
which had absorbed much of the manpower in order to
41
188
The official industrial surveys do not give us an accurate picture of the various industries and handicrafts in
the city. The 1881 survey is rather incomplete, and only
includes information about four companies and the respective information about their workers, leaving out some of
the most important companies, whose owners refused to
answer. On 20 March 1880, the Portalegre factories sent
representatives to the Chamber of Deputies to protest
against the new income tax, signed by George Robinson,
Honório Fiel de Lima, and the managers of the “woollen
factories and tanneries” José António Duro, Ramiro Marcal
& C.ª, Manuel de Jesus Costa, Genoveva Amélia Cerejo and
Costa & Irmão2. This document included a table outlining
the number of employees in each of the factories in the city:
O associativismo
O associativismo desenvolveu-se na segunda metade do
século XIX, fruto de uma nova sociabilidade facilitada pelo
liberalismo, bem diferente da situação anterior, onde predominavam as corporações com uma estrutura rígida.
Costa Goodolphim refere a existência, na segunda metade
do século XIX, de três associações: o Montepio Fraternidade Portalegrense, a Associação dos Artistas e o Montepio
Euterpe3. O primeiro foi fundado em 1855 por iniciativa de
António José Cardoso, com estatutos aprovados por Alvará
Régio de 2 de Maio daquele ano. A segunda datava de 1866 e
levou uma vida apagada, com raras referências na imprensa
da época. A terceira, a Sociedade Filarmónica Euterpe, criada
Establishments
Workers Workers
(M)
(F)
Total
Fábrica de Cortiça de George Robinson
(George Robinson Cork Factory)
260
420
680
Companhia da Fábrica Nacional de Lanifícios
de Portalegre (National Woollen Factory
of Portalegre)
147
41
188
Fábrica de Lanifícios e Curtumes de Portalegre
(Portalegre Wool and Leather Factory)
108
39
147
Fábrica de Lanifícios de Ramiro Marçal & C.ª
(Ramiro Marçal & C.ª Woollen Factory)
44
20
64
Fábrica de Lanifícios e Moagens de Manuel
Joaquim Costa (Manuel Joaquim Costa
Woollen Manufacturing and Mills)
25
18
43
Fábrica de Tecidos da viúva de Vicente Cerejo
(Textile Factory of Vicente Cerejo’s widow)
4
12
16
Fábrica de Massas de Costa & Irmão
(Costa & Irmão Pasta Factory)
5
–
5
593
550
1143
Total
10
Transporte de cortiça em viatura
movida a vapor, propriedade de
George Wheelhouse Robinson.
Transporting cork in a steam-powered
vehicle, property of George Wheelhouse
Robinson.
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em 1860 e ainda existente, esteve na base do Montepio
Euterpe Portalegrense, com estatutos aprovados em 18664.
Mas a verdade é que existiram muitas outras agremiações,
das quais a mais importante surgiu em 1888: o Montepio
Operário e Artístico Portalegrense, com uma grande maioria
de operários corticeiros. Os três montepios estavam abertos
a toda a população, dedicando-se ao auxílio dos associados e
seus familiares em caso de doença, empréstimo sobre penhores, incluindo também uma componente recreativa, com bailes, festas anuais, espectáculos vários e bazares. O teatro atingiu uma notável expansão, — promovido em especial pelo
Montepio Euterpe —, fundando-se na cidade diversos grupos amadores, por vezes com instalações próprias, com uma
intensa actividade até à década de vinte do século XX5.
Em 1896 surgia outra associação, a Sociedade União Operária, sob a égide de George Weelhouse Robinson e de outras
personalidades locais, com uma enorme adesão por parte do
operariado local que se traduziu na existência de 450 sócios
apenas um mês após a sua fundação. Foi a primeira associação a ultrapassar o mutualismo, apontando como objectivos
o «recreio, a confraternização, a instrução e a ilustração». Pre-
Associational Life
Associations developed in the second half of the nineteenth century, as the result of a new sociability facilitated
by liberalism, quite unlike the previous situation where
rigidly structured corporations predominated.
Costa Goodolphim refers to the existence of three
associations in the second half of the nineteenth century:
The Montepio Portalegre Brotherhood (Montepio Fraternidade Portalegrense), the Artists Association (Associação dos
Artistas) and the Montepio Euterpe3. The first was founded
in 1855 through the initiative of António José Cardoso,
with its statutes being approved by Royal Charter of 2 May
of that year. The second dated from 1866 and had a discrete existence, with few references to it in the press of
the time. The third, the Euterpe Philharmonic Society, was
founded in 1860 and still exists, and formed the basis of
the Montepio Euterpe Portalegrense, with its statutes being
approved in 18664. But the truth is that there were many
other associations, the most important of which appeared
in 1888: the Montepio Portalegre Worker and Artist association (Montepio Operário e Artístico Portalegrense), which
contained a large majority of cork workers. The three
Montepio associations were open to everybody, and were
Saída dos operários da Fábrica
Robinson.
Workers leaving the Robinson Factory.
focused on helping their members and their families with
illnesses, loan pledges, and also included a recreational
component, with dances, annual festivals, various shows
and bazaars. Theatre achieved a remarkable growth - particularly promoted by Montepio Euterpe – and several
amateur groups were set up in the city, sometimes with
their own premises, and there was intense activity in this
area until the nineteen twenties5.
In 1896 another association was established, the
Sociedade União Operária (Workers’ Union Society), under
12
Vista geral do interior da Fábrica
Robinson.
General view inside the Robinson Factory.
via duas categorias de associados: os ordinários, que deveriam ser exclusivamente operários, e os honorários, provenientes de outras classes, que não tinham direito a voto nas
assembleias e não podiam ser eleitos para os corpos sociais.
A Cooperativa Operária Portalegrense foi fundada em 1898
(estatutos aprovados em 14 de Dezembro) por 41 trabalhadores da Fábrica Robinson, dos quais apenas um – o escriturário
e republicano Manuel Maria Ceia –, não era corticeiro. A causa
próxima desta fundação foi a falta de pão e a sua carestia,
ciclicamente sentida e minimizada pelo contrabando daquele
género alimentício a partir de Espanha. Rapidamente, a cooperativa se expandiu e diversificou a sua actividade, ocupando
um lugar de primeiro plano na actividade comercial citadina
que culminou, em 1905, com a inauguração de um grande
edifício próprio para sua sede. A análise das profissões dos
13
the aegis of George Wheelhouse Robinson and other local
personalities, which the local working class joined in large
numbers such that the Society already had 450 members
only a month after being founded. It was the first association to go beyond mutualism, with its objectives being
“recreation, fellowship, education and illustration”. There
were two categories of member: the standard one, exclusively for workers, and honorary membership, for those
from other classes, who were not entitled to vote at meetings and could not be elected to its governing bodies.
The Portalegre Workers’ Cooperative (Cooperativa
Operária Portalegrense) was founded in 1898 (its statutes
being approved on 14 December) by 41 workers from the
Robinson factory, of which only one - the republican clerk
Manuel Maria Ceia - was not a cork worker. The immedi-
100 primeiros sócios da Cooperativa dá-nos uma percentagem de 76% de operários, maioritariamente corticeiros.
Outras agremiações que merecem referência são o Centro Recreativo de Portalegre (1877), a Associação dos Bombeiros Voluntários de Portalegre (1899)6, com enorme projecção social, e a Associação Comercial e Industrial de Portalegre, fundada em 1899 depois de várias tentativas infrutíferas
iniciadas em 1890, e que foi sempre um ponto de encontro
de várias correntes políticas, onde conviviam monárquicos e
republicanos como Boaventura Rodrigo de Matos, Frederico
Porto, José Mendes Gil, António Augusto Niny e Tiago Morgado, sempre sob a tutela consensual de George Weelhouse
Robinson7.
As associações mais activas – Montepio Operário, Sociedade União Operária e Cooperativa Operária – eram influenciadas pelo Partido Progressista e por alguns republicanos.
ate issue for this foundation was the cyclical lack of bread
Administradores da fábrica com alguns
operários corticeiros.
and the resulting famine, which was minimized by smug-
Factory administrators with some of the cork
workers.
gling bread from Spain. The cooperative quickly expanded
and diversified its activity, occupying a major position in
the city’s commercial activity that culminated with the
opening of a large building of its own to serve as its headquarters in 1905. An analysis of the occupations of the
first 100 members of the Cooperative shows that 76%
were manual workers, mostly cork workers.
Other associations that merit a mention are the Portalegre Recreational Centre (Centro Recreativo de Portalegre - 1877), the Portalegre Association of Volunteer Firefighters (Associação dos Bombeiros Voluntários de Portalegre
- 1899)6, which had an enormous social base, and the Portalegre Commercial and Industrial Association (Associação Comercial e Industrial de Portalegre), founded in 1899
after several unsuccessful attempts dating back to 1890,
which remained a meeting point for various political currents, with monarchists and republicans such as Boaventura Rodrigo de Matos, Frederico Porto, José Mendes Gil,
António Augusto Niny and Tiago Morgado, always under
the consensual tutelage of George Wheelhouse Robinson7.
The most active associations – the Montepio Workers
(Montepio Operário), the Workers’ Union Society (Sociedade
União Operária) and the Workers Cooperative (Cooperativa
Operária) - were influenced by the Progressive Party and by
some Republicans.
The economic importance of these associations was
not insignificant. Let us consider the situation in 1901.
The Portalegre Workers’ Cooperative (Cooperativa Operária
Portalegrense), founded in 1898, showed a movement of
12,390$000 réis for consumption and 14,480$000 réis for
George Wheelhouse Robinson
(1857-1932).
purchases, with 312 members. The Montepio Portalegre
14
15
O peso económico destas associações não era despiciendo.
Vejamos a situação em 1901. A Cooperativa Operária Portalegrense, fundada em 1898, tinha um movimento de 12.390$000
réis de consumo e 14.480$000 réis de compras, com 312 associados. O Montepio Operário Artístico Portalegrense, fundado em 1888, tinha 399 sócios, com 6.604$700 réis de capital e 1.400$000 de rendimento. O Montepio Fraternidade, fundado em 1855, tinha 240 sócios, com 6.000$000 réis de capital e 1.100$000 de rendimento. O Montepio Euterpe, fundado
em 1866 pela Sociedade Filarmónica Euterpe, tinha 127 sócios,
com 2.900$000 réis de capital e 400$000 de rendimento. O Hospital da Misericórdia tinha um rendimento de 5.885$320 réis.
O Asilo da Infância Desvalida, fundado em 1863, tinha um fundo
nominal próprio de 14.000$000 réis e sustentava 30 crianças
do sexo feminino. As Confrarias do Santíssimo Sacramento das
Freguesias da Sé e de São Lourenço e as do Bonfim e do Senhor
dos Aflitos tinham um capital nominal de 14.000$000 réis.
Realizavam-se três feiras por ano: na última quarta-feira
do mês de Janeiro, predominantemente vocacionada para a
transacção de gado suíno e popularmente conhecida como
«Feira dos Porcos»; 1 a 3 de Junho, conhecida como «Feira das
Cerejas»; 13 a 15 de Setembro, a mais antiga, instituída por
alvará régio de 3 de Agosto de 1753, conhecida como «Feira
das Cebolas». Quanto ao mercado, havia dois semanais: às
quartas-feiras, no Corro, Praça do Príncipe Real, depois Praça
da República, tendo as obras começado em 1884 e terminado
em 1894; desde 3 de Abril de 1853, aos Sábados, no Rossio.
A actividade comercial era intensa. Para além do gado, que se
vendia em grande quantidade entre Dezembro e Março, em
especial suínos, exportava-se salsicharia, – famosa pela sua
qualidade –, cortiça preparada e em rolha, massas, alpergatas, azeite, frutas, madeiras, fazendo aumentar muito o tráfego através do caminho-de-ferro. A ligação entre a cidade e
Artistic Workers (Montepio Operário Artístico Portalegrense),
founded in 1888, had 399 members, with 6,604$700
réis capital and 1,400$000 réis of income. The Montepio Brotherhood (Montepio Fraternidade), founded in
1855, had 240 members, with 6,000$000 réis capital and
1,100$000 of income. Montepio Euterpe, founded in 1866
by the Euterpe Philharmonic Society (Sociedade Filarmónica
Euterpe), had 127 members, with 2.900$000 réis capital and 400$000 réis of income. The Misericordia Hospital had an income of 5,885$320 réis. The Asylum for Disadvantaged Children (Asilo da Infância Desvalida), founded
in 1863, had a nominal reserve fund of 14,000$000 réis
and was raising 30 female children. The Confrarias do Santíssimo Sacramento das Freguesias da Sé e de São Lourenço e as
do Bonfim e do Senhor dos Aflitos had a nominal reserve capital of 14,000$000 réis.
Three fairs were held annually: the first, on the last
Wednesday of January, predominantly focused on buying
and selling swine and popularly known as the “Pig Fair”;
the second, from 1-3 June, known as the “Cherries Fair”;
the third, from 13-15 September, and the most ancient,
established by royal decree on 3 August 1753, was known
as the “Onions Fair”. A market was held twice weekly:
on Wednesdays, in Corro, Praça do Principe Real, then
later named Praça da República Square, which improvement works started in 1884 and finished in 1894; from
3 April 1853 on Saturdays in Rossio. Commercial activity
was intense. In addition to livestock, which sold in large
numbers between December and March - especially swine
- sausages were exported - which were famous for their
quality – as well as treated cork and cork stoppers, pasta,
sandals, olive oil, fruits and wood, with the railway helping to considerably boost traffic. The connection between
16
a estação era feita por 120 veículos e 200 animais de carga,
burros, cavalos e mulas. Em 1899, Portalegre exportou para
diversos pontos do país 1.000.000 toneladas de rolhas, 300
toneladas de cortiça em prancha, raspada e cozida, 300 toneladas de farinha e sêmeas, 70 toneladas de massas alimentícias e mais de 100 toneladas de enchidos.
the city and the station was made by 120 vehicles and 200
pack animals, donkeys, horses and mules. In 1899, Portalegre exported 1,000,000 tons of cork , 300 tons of cork
board, which had been shaved and stitched, 300 tons of
flour and bran, 70 tons of pasta food products and more
than 100 tons of stuffed sausages to various parts of the
country
O sindicalismo
Durante o século XIX não há notícia da existência de associações de classe em Portalegre. Apenas registámos uma tentativa nesse sentido, embora frustrada, em 1893, por parte
dos corticeiros, sob orientação do Partido Republicano.
O Primeiro de Maio começou a ser comemorado a partir de
1893, com sessões alusivas, música, representações teatrais
e outras iniciativas mais festivas que reivindicativas. A exemplo de outras regiões do país, também em Portalegre o associativismo sindical operário conheceu um surto significativo,
acompanhado por uma conflitualidade cada vez maior.
Vejamos de forma sumária a situação em cada uma das
diferentes classes.
A Associação dos Empregados de Comércio e Indústria, a
mais antiga, foi fundada em 1908, com uma forte influência
republicana e uma composição algo híbrida, reunindo empregados e patrões.
Barbeiros – há notícia de reuniões da classe em 1903, mas
sem a fundação de qualquer associação.
Professores – em 1904 realizaram-se reuniões e a participação em congressos nacionais, mas apenas de carácter
pedagógico.
Os trabalhadores das tipografias fundaram a Associação
dos Compositores e Impressores em 1909, mas esta teve uma
vida efémera e acabou por ser dissolvida. Em 1915 surge a Liga
das Artes Gráficas, ligada à respectiva Federação Nacional.
17
Trade Unionism
During the nineteenth century there aren’t news articles concerning the existence of workers associations in
Portalegre. Only one such attempt to establish such a body,
albeit a frustrated one, was recorded in 1893, by the cork
workers, under the guidance of the Republican Party. The
First of May began to be celebrated from 1893 onwards
with sessions alluding to events, music, plays and other
more festive initiatives. As was the case with other regions
in Portugal, Portalegre also witnessed a significant surge in
trade union associations, accompanied by growing conflict.
Let us briefly consider the situation for each of the
different trades.
The Association of Employees of Industry and Commerce (Associação dos Empregados de Comércio e Indústria),
the oldest, was founded in 1908 with a strong Republican influence and a somewhat hybrid formation, bringing
together employees and employers.
Barbers - there were reports of meetings in 1903, but
without any organisation being formed.
Teachers - in 1904 there were meetings and participation in national conferences, but only of a pedagogic
nature.
Printing workers founded the Union of Composers and Printers (Associação dos Compositores e Impressores)
in 1909, but this was short-lived and was eventually dis-
Bandeira da Associação dos Corticeiros
de Portalegre.
solved. In 1915 the League of Graphic Arts (Liga das Artes
Flag of the Portalegre Cork Workers
Association.
Gráficas) appeared, connected to the respective National
Federation.
Cork workers - in addition to the aforementioned
failed attempt of 1893, the press refers to activities in
1904 to set up a cork workers trade union, which reached
the stage of having its statutes approved and having its
own premises, but references to the organisation ceased
in the following year. In December 1910, still with the
echoes of the Republican Revolution to be heard, the Cork
Workers Trade Union (Associação de Classe dos Corticeiros)
Corticeiros – para além da já referida tentativa gorada de
1893, a imprensa refere diligências, em 1904, para a fundação de uma associação corticeira, que chegou a ter estatutos aprovados e sede própria; mas a partir do ano seguinte
cessam quaisquer alusões a tal respeito. Em Dezembro de
1910, ainda sob os ecos da revolução republicana, fundouse a Associação de Classe dos Corticeiros, a mais importante
de quantas existiram na cidade8, que inaugurou uma escola
nocturna em Julho de 1911 e se filiou na federação nacional
respectiva.
Sapateiros – a Associação de Classe dos Manufactores de
Calçado teve os seus estatutos aprovados em Dezembro de
1911.
Pedreiros – ainda no ano de 1911 foi fundada a Associação
de Classe dos Alvanéus.
Trabalhadores Rurais – a respectiva associação iniciou os
seus trabalhos em 1912.
Carpinteiros – a respectiva associação foi fundada em
Fevereiro de 1913.
Padeiros – a Associação dos Manipuladores de Pão é mais
tardia, datando de 1916.
was established, the most important of those in the city8,
which opened a night school in July 1911 and joined their
respective national federation.
Shoemakers – the Footwear Manufacturers Trade
Union (Associação de Classe dos Manufactores de Calçado) had
its statutes approved in December 1911.
Masons – they also established the Masons trade
union (Associação de Classe dos Alvanéus) in 1911.
Rural Workers - their trade union began its work in
1912.
Carpenters - their trade union was founded in February 1913.
Bakers - the Union of Bread Handlers (Associação dos
Manipuladores de Pão) came later, dating from 1916.
In 1912, the year that the Portalegre Workers Cooperative (Cooperativa Operária Portalegrense) opened a school
on its premises, the workers’ trade unions had the following union members: rural, 300; cork workers, 250, footwear manufacturers, 150; masons, 1209. That same year
the first issue of the weekly O Semeador, of a libertarian
orientation, was published and which was the pulpit of
18
Em 1912, ano em que a Cooperativa Operária Portalegrense inaugurou uma escola nas suas instalações, as associações operárias de Portalegre tinham a seguinte população sindicada: rurais, 300; corticeiros, 250; manufactores de
calçado, 150; alvanéus, 1209. Naquele mesmo ano saía o primeiro número do semanário O Semeador, de orientação libertária, onde pontificava Emílio Costa, que foi uma presença
constante até 1914 em sessões e conferências promovidas
pelas diversas associações de classe.
O sindicalismo revolucionário progrediu em alguns sectores operários da cidade. Em 1914 fundava-se o Núcleo da
Juventude Sindicalista. A expansão do associativismo rural
na região também foi notável. Em 1913 existiam associações de trabalhadores rurais em Avis, Arronches, Castelo de
Vide, Barbacena, Elvas, Terrugem, Santa Eulália, Vila Boim,
S. Vicente, Vila Fernando, Porto da Espada, Santo Aleixo,
Amieira, Nisa e Portalegre10. Mas nesta cidade nunca existiu
qualquer jornal sindical, ao contrário de Elvas, onde se destaca pela sua qualidade e longevidade o «quinzenário defensor do caixeirato português», Solidariedade11, que ali se publicou entre 1918 e 1929, num total de 234 números.
Emílio Costa, a constant presence until 1914 in sessions
and conferences organised by various trade unions.
Revolutionary trade unionism made progress in some
areas of the city. In 1914 the Centre for Trade Union Youth
(Núcleo da Juventude Sindicalista) was set up. The expansion
of rural unionism in the region was also notable. In 1913
there were rural workers unions in Avis, Arronches, Castelo de Vide, Barbacena, Elvas, Terrugem, Santa Eulália, Vila
Boim, S. Vicente, Vila Fernando, Porto da Espada, Santo
Aleixo, Amieira, Nisa and Portalegre10. But this city never
had any union newspaper, unlike Elvas, which was noted for
the quality and longevity of its “biweekly defender of the
Portuguese shop assistant”, Solidariedade11, which was published between 1918 and 1929, to form a total of 234 issues.
Social struggles
One element that allows us to assess the greater or
lesser degree of development of workers’ trade unions
going beyond the mutualistic stage, to move to a different stage of self-affirmation, was the outbreak of labour
disputes and, more particularly, strikes, defined by Arthur
Fontaine as “a concerted cessation of work by employees
Lutas sociais
Um dos elementos que nos permite avaliar o maior ou
menor grau de desenvolvimento do associativismo operário e da ultrapassagem da fase mutualista, passando para
uma outra, mais reivindicativa, é a eclosão de conflitos laborais, mais exactamente de greves, definidas por Arthur Fontaine como «uma cessação concertada do trabalho por parte
dos assalariados com vista a obter ou melhoria da sua situação material ou a reparação de um dano que eles consideram
como dirigido contra a sua dignidade». A ocorrência de movimentos grevistas, a sua frequência, natureza e intensidade
19
in order to obtain or improve their material situation, or
repair a damage which they consider has been directed
against their dignity”. The occurrence of strike movements, their frequency, nature and intensity are indicators of the degree of willingness to fight, and may relate
to other economic and social realities (mutual associative
action and resistance, for example).
I therefore studied labour disputes which occurred in
Portalegre - the district - from the late nineteenth century
until 1920 using for this, firstly, the local press. Then, as
need arose, the national press.
são indicadores do grau de disposição para a luta, podendo
relacionar-se com outras realidades económicas e sociais (o
associativismo mutualista e de resistência, por exemplo).
Estudamos, pois, os conflitos laborais ocorridos em Portalegre – concelho – desde os finais do século XIX até 1920 utilizando para tal, em primeiro lugar, a imprensa local. Depois,
pontualmente, a imprensa nacional.
Em 1890, segundo uma informação do Inquérito Industrial publicado no ano seguinte, a Fábrica Robinson ocupava
cerca de 1100 operários, o que a convertia no maior centro empregador do concelho. É natural que fossem os corticeiros os protagonistas maiores do associativismo portalegrense, desde o Montepio Operário à Sociedade União Operária, Cooperativa Operária e mesmo a já referida tentativa
frustrada de fundação de uma associação de classe. Por isso, a
maioria das greves ocorreram na fábrica de cortiça Robinson.
Mas também se registaram conflitos laborais noutras unidades fabris, de maior ou menos dimensão, como se pode ver na
relação em anexo. Sobre cada uma delas incluímos as notícias
surgidas na imprensa. No entanto, um caso deve ser sublinhado pela sua gravidade e envolvimento de diversas classes.
In 1890, according to information from the Industrial
Inside the Robinson Factory.
Survey published the following year, the Robinson factory
employed about 1100 workers, which made it the largest
employer in the district. It is natural that the cork workers
had the largest workers’ associations in Portalegre from
the Montepio Workers (Montepio Operário) to the Workers’ Union Society (Sociedade União Operária) and even the
aforementioned unsuccessful attempt to found a trade
union. Therefore, most of the strikes occurred in the Robinson cork factory. But there were also disputes in other
manufacturing plants, on a greater or less scale, as shown
in the list in the appendix. The news items on these which
were published in the press have been included. However,
one case must be underlined due to its seriousness and the
involvement of various trades.
The agitation of 1912
Although the occurrence of strikes in the city was
very spaced out in time, a new phenomenon, which had
accompanied the change of regime in 1910, was stirring in the fields, felt throughout the whole of the Alentejo and the Ribatejo, with strikes of farm workers, the
A agitação de 1912
Se bem que a ocorrência de greves na cidade foi muito
espaçada no tempo, um fenómeno novo, que acompanhou a
mudança de regime em 1910, foi a agitação nos campos, sentida em todo o Alentejo e parte do Ribatejo, com greves de
trabalhadores rurais, celebração de contratos de trabalho e a
formação de associações de classe, que também se fez sentir
na região, mais concretamente em Castelo de Vide, Cabeço
de Vide, Elvas, Arronches, Campo Maior, Crato e Barbacena.
A greve dos rurais de Évora, em Janeiro de 1912, a que se
seguiu uma greve geral na cidade e uma forte intervenção
Interior da Fábrica Robinson.
creation of labour contracts and the formation of trade
unions, which was also felt in the region, and specifically
in Castelo de Vide, Cabeço de Vide, Elvas, Arronches,
Campo Maior, Crato and Barbacena. The strike of the
rural workers of Évora, in January 1912, followed by a
general strike in the city and the strong intervention on
the part of the authorities, generated a solidarity movement of local trade unions in Portalegre, which staged a
demonstration near the Civil Government building, during which eight workers were arrested, tried on 16 May
and released12.
20
21
22
Interior da Fábrica Robinson,
destacando-se o edifício de escolha
das rolhas.
Inside the Robinson Factory, featuring the
building where the stoppers were selected.
das autoridades, gerou em Portalegre um movimento de solidariedade das associações de classe locais, que promoveram
uma manifestação junto ao edifício do Governo Civil, durante
a qual foram detidos oito trabalhadores, julgados a 16 de
Maio e libertados12.
Igualmente graves foram os incidentes registados em Barbacena, em torno de uma disputa ancestral a propósito de terrenos que o povo considerava seus e que estavam na posse da
família Andrade13, durante os quais foi gravemente ferido o
Dr. Rui de Andrade, e que levaram à demissão do governador
civil, Dr. José de Andrade Sequeira.
Não fugindo à regra, os jornais republicanos foram unânimes no ataque aos grevistas eborenses, muito em especial o
portalegrense Intransigente – não confundir com o seu homónimo de Lisboa, de Machado Santos – dirigido pelo deputado
republicano Baltazar Teixeira, que se referia aos acontecimentos nestes termos: «mas saibam-no todos, o que é certo,
o que nós sabemos de fonte seguríssima é que a grande maioria do operariado não aderiu voluntariamente à greve, nem
simpatiza com o movimento, e só largou o trabalho constrangido pelas ameaças — algumas das quais, segundo parece se
tornaram já um facto — dos seus iniciadores»14. Visão diametralmente oposta tinha o semanário O Semeador, dirigido
por Fernando Costa, irmão de Emilio Costa, que no seu primeiro número, num artigo intitulado «Os monárquicos e
os republicanos», afirmava a certo ponto: «desde a Implantação da República, que muitos republicanos vêem nas greves e clamações operárias, manejos de monárquicos. Nós
somos dos que acreditamos nos bons desejos dos amantes
do passado em perturbarem o mais possível a vida do novo
regime, servindo-se para isso dos trabalhadores. E não nos
repugna acreditar que nalguns movimentos, bem poucos e
na província sobretudo, a sua intervenção tenha sido efec23
Equally serious were the incidents recorded in Barbacena, about an ancient dispute in regard to lands which
the people considered theirs which were in the tenure in
the Andrade family13, during which Dr. Rui de Andrade
was seriously wounded, which led to the resignation of the
Civil Governor, Dr. José de Andrade Sequeira.
Not being an exception to the rule, the Republican
newspapers were unanimous in attacking the striking
Évora workers, most notably the Portalegre Intransigente –
not to be confused with its namesake in Lisbon, owned by
Machado Santos - led by the Republican Member of Parliament Baltazar Teixeira, who referred to the events in these
terms: “but everyone knows what is right, what we know
from a sure source is that the vast majority of the workers did not voluntarily join the strike, nor sympathise with
the movement, and only left their work due to threats some of which , according to what seems to have become a
fact – coming from its initiators”14. This view was diametrically opposed to that of the weekly O Semeador, run by
Fernando Costa, brother of Emílio Costa, who in his first
issue, in an article entitled “The monarchists and republicans”, at one point stated that: “Since the establishment
of the Republic, many republicans see the workings of the
monarchists in the strikes and clamouring of the workers.
We are those who believe in the good wishes of the lovers
of the past to disrupt the life of the new regime as much
as possible, if this serves the workers. And it does not disgust us to believe that for some movements, very few and
mainly in the province, such intervention has been effective. But we also believe, and here we differ from those
Republicans - that the vast majority of movements have
been free from intervention from reactionaries, despite
their wishes. This comes from ourselves who, we feel,
tiva. Mas acreditamos também, e aqui divergimos daqueles republicanos — que a grande maioria dos movimentos
tem estado livre duma intervenção dos reaccionários, apesar dos bons desejos destes. Isto provém de nós, conhecermos, parece-nos, melhor o movimento operário, que muitos
republicanos que dele falam... desde a proclamação da República (...)15». No mesmo número, sob o título de «Vida Operária», comentavam-se os acontecimentos de Évora: «Todavia,
o governo vê-se atrapalhado em inventar as provas que dizia
possuir, e não encontra meios de sofismar sequer as suas
acusações. Alguns deputados, em pleno parlamento, lançaram sobre os trabalhadores de Évora aquela calúnia, os quais,
para protestar contra os aleives que lhes assacaram, deviam
ter realizado no domingo passado um comício, tendo convidado para assistir, os deputados acusadores, afim de pessoalmente ouvirem as afirmações terminantes daqueles companheiros, mostrando a sua acção directa e livre na última
greve16».
Os trabalhadores de Portalegre não ficaram indiferentes
aos acontecimentos de Évora. Convocada pelas Associações
de Classe dos Corticeiros, Manufactores de Calçado e Alvanéus, realizou-se na Cooperativa Operária Portalegrense, no
dia 20 de Janeiro de 1912, uma reunião de apoio aos trabalhadores em greve; nela usaram da palavra vários operários que
se referiram aos últimos acontecimentos. Finda a reunião,
«um número extraordinário de pessoas» no dizer de um jornal da época17 dirigiu-se para o Governo Civil da cidade, onde
manifestaram ao governador o seu completo apoio aos grevistas de Évora, solicitando que esta posição fosse comunicada
ao governo. Também foi enviado um telegrama.
Um incidente veio, no entanto, perturbar a manifestação pacífica, com a prisão de oito trabalhadores acusados de
insultos contra o governador civil e de incitamento à violên-
know the workers’ movement better, which many Republicans have spoken about ... since the proclamation of the
Republic (...)15”. In the same issue, under the title of “The
Worker’s Life”, there were comments on the events which
took place at Évora: “However, the government finds
itself hampered in inventing the evidence which they have
claimed to possess, and not even find ways to avoid their
charges. Some deputies, in parliament itself, have spoken such calumny against the workers from Évora, who,
in protest against the treacheries imputed to them, should
have held a rally last Sunday, and invited those accusing
deputies to attend, in order to personally hear the statements of those companions, who have shown their direct
and free action in the last strike16”.
Workers in Portalegre were not indifferent to the
events in Évora. Invited by Trade Unions of Cork Workers,
Footwear Manufacturers and Masons, a support meeting
for the striking workers was held in the Portalegre Workers Cooperative on 20 January 1912, a meeting to support
workers on strike. Several workers spoke during the meeting and mentioned the latest events. After this meeting,
“an extraordinary number of people” as reported by a newspaper at that time17 went to the Civil Governor of the city,
where they expressed to the Governor their full support for
the strikers in Évora, requesting that this position be communicated to the government. It also sent a telegram.
An incident, however, disturbed the peaceful demonstration, with the arrest of eight workers accused of abuse
against the civil governor and incitement to violence. They
were: Gervásio Augusto Madeira, António Teixeira, Manuel
Esquetim, Carlos Pereira Ramos, Joaquim Maria Carrapiço, António Soares, Francisco Cabecinha and Domingos
Batista. They would continue to be detained for 51 days
24
cia. Foram eles: Gervásio Augusto Madeira, António Teixeira, Manuel Esquetim, Carlos Pereira Ramos, Joaquim
Maria Carrapiço, António Soares, Francisco Cabecinha e
Domingos Batista. Iriam permanecer 51 dias detidos até
ao julgamento que só se efectuou a 16 de Maio de 1912.
Em reunião expressamente convocada para o efeito, a
Associação da Classe dos Corticeiros resolveu: «Socorrer
pecuniariamente os corticeiros que estão presos, na cadeia
desta cidade, a ordem de um ex-governador civil, liberal e
tolerante, por este se achar ofendido com algumas palavras proferidas na manifestação operária de protesto contra as prepotências do governador civil de Évora, pela ocasião da última greve; promover uma sessão comemorativa
do 1.º de Maio18». O Semeador ironizava: «Desconhece-se
por enquanto, o fim que tencionam dar aos presos políticos de Portalegre. Como o espírito liberal que os processou se virou agora para os afonsistas fácil é profetizar-lhes
o futuro»19. O semanário O Sindicalista publicava uma correspondência de Portalegre:
until their trial, which only took place on 16 May 1912.
At a meeting convened expressly for that purpose,
the Cork Workers Trade Union passed the following resolution: “Provide financial help to the cork workers imprisoned in the city jail, on the order of a liberal and tolerant ex-civil governor, as he took offence at some of the
words spoken during the workers’ protest demonstration
against the oppression of the civil governor of Évora, on
the occasion of the last strike; to promote a commemorative session of the 1st of May18”. O Semeador mockingly
stated: “The end they intended to give the political prisoners of Portalegre is at present unknown. As is the liberal spirit that is charging then and which has now turned
to the Afonsists, so easy it is to predict their future19”. The
weekly The Trade Unionist (O Sindicalista) published an
account from a Portalegre correspondent:
“The movement of last January showed how much
the Portuguese working class is capable of when confronted with the danger that threatens working brothers,
«O movimento de Janeiro último mostrou de quanto é
capaz a classe operária portuguesa ante o perigo que ameace irmãos de trabalho, pois que em face dos acontecimentos de Évora, toda ela, reconhecendo quanta justiça e razão
assistia aos nossos camaradas em luta com o monstro maldito do capitalismo e massacrados barbaramente pelas
patas dos cavalos e pelas balas das carabinas, se levantou
num enérgico e belo protesto, proclamando a greve geral, e
prontos a ir onde fosse necessário.
Os governantes de hoje, esquecendo as palavras de
ontem, serviram-se de processos indignos para inutilizarem alguns dos nossos companheiros que mais luz têm
derramado sobre o povo operário, prendendo a esmo, visto
25
since in view of the events at Évora, it recognises the justice and correctness of our comrades in their struggle with
monstrous damned capitalism and brutally massacred by
the hooves of the horses and the bullets of the rifles, yet
stood firm to make a fine energetic protest, proclaiming a
general strike, and ready to do what was necessary.
The rulers of today, forgetting the words of yesterday,
used undignified means to immobilise some of our comrades
who have shed more light on the working people, arresting
them at random, since what was needed was to arrest workers who were speaking the truth, as they were not comfortable with this. And how Portalegre could not forego the chance
to contribute to that famous line of criminals, to the tune of
que o que era preciso era prender operários que dizem as verdades, que a eles não convém. E como Portalegre não podia
passar sem dar um contingente para essa célebre fita de criminosos, contribui com o bonito número de oito camaradas
de diversas classes a saber: três corticeiros, quatro sapateiros
e um barbeiro, que há vinte dias se conservam presos, sem
se saber qual será o destino que tencionam dar-lhes. É necessário que os operários portugueses saibam que não é só em
Lisboa e em Évora que estão operários presos, porque Portalegre, apesar de ser uma terra onde quase todos os homens
são liberais e conscientes, também os tem que são vitimas do
mesmo movimento, e irmãos de trabalho, sendo conveniente
que essa generosa subscrição aberta para minorar um pouco a
sorte dos companheiros presos e das suas famílias, chegue até
à cadeia desta terra, aonde há criminosos terríveis, a quem se
arbitrou a fiança de 200$000 réis, enquanto a quem fabrica
bombas e faz ir casas pelo ar se lhes estabelece a fiança de
500$000 réis!
A toda a classe operária, e ao Sindicalista aqui deixo o
meu apelo para que a todos se socorra igualmente, mostrando assim que entre nós não existe distinção e que somos
igualitários»20.
eight comrades, from the following professions: three cork
Vista geral da Fábrica Robinson a partir
dos Covões.
workers, four shoemakers and a barber, who have been kept
General view of the Robinson Factory from
Covões.
in prison for twenty days, without knowing the fate intended
for them. It is necessary that Portuguese workers know that
it is not only in Lisbon and Évora where workers have been
arrested, because in Portalegre, despite it being a land where
men are almost all liberal and aware, also has its victims of
the same movement, and working brothers, it is appropriate that this generous subscription is opened to relieve some
of the lot of our arrested colleagues and their families, who
have been sent to the prison in that area, where there are terrible criminals, with a bail set at 200$000 réis, while those
who manufactures bombs and blow houses into the area
have had their bail set at 500$000 réis!
To the whole working class, and to the Sindicalista here
I leave my call for everyone to help equally and to show
that there is no distinction between us and that we are
egalitarian”20.
Finally, O Semeador provided some more information:
“They say it is on the 17th of the current month that
there will be the trial of the political prisoners in this city.
Por fim, O Semeador dava mais algumas informações:
Through information received from a friend, it seems
there is some rigmarole in this process, which confirms
«Dizem que é no dia 17 do corrente o julgamento dos presos políticos desta cidade. Por informações de um amigo,
parece-nos existir, qualquer tramóia neste processo, o que
vem confirmar a nossa desconfiança sobre a parte carregada
que os presos sofrerão, para dar largas a uma vingança política
e em especial reaccionária para satisfação de muitos talassas
que por aí abundam a pregar mais francamente e com mais
segurança no êxito, do que no tempo da monarquia, o exter-
our suspicion of the loaded way in which the prisoners are
suffering, giving vent to a political and reactionary vengeance to the satisfaction of many reactionaries that abound
there and who can preach more freely and more safely in
success, than in the time of the monarchy, of the extermination of those who dare to mess with certain idols... This
is said since, contrary to what we had said, it was not the
former civil governor of this district who had these impris-
26
27
mínio de quem se atrever a bulir com certos ídolos... Vem isto
a propósito de que, ao contrário do que tínhamos dito, não
foi o ex-governador civil deste distrito quem mandou executar essas prisões a seu talante e nem fez selecção de culpados,
tendo somente participado a ocorrência para provocar a respectiva devassa.
Portanto são outros elementos, os responsáveis pela parcialidade e injustiça que se notam no fruto das investigações.
Senão, digam como se deve encarar o facto de não ser pronunciado um cocheiro de gente rica, alcunhada esta de talassa,
o qual tão saliente se mostrou na manifestação, que foi logo
tomado como suspeito de estar ali assalariado para provocar
tumultos e comprometer manifestantes?
Era caso escuro, esta distinção, mas como positivamente
já sabemos que ela não obedeceu, assim como outras variantes de investigação, à interferência directa do ex-governador
civil, mas sim aos investigadores que só reservaram a tolerância para quem soube andar, não duvidamos em aplicar o adágio «pelo dedo se conhece o gigante» para tirarmos os devidos
corolários do idealismo de certos espíritos...»21.
A 17 de Maio realizava-se, finalmente, o julgamento dos
detidos.
onments carried out at his pleasure and did not even select
the guilty parties, as his role was just that of reporting the
event which caused the respective inquiry.
Thus it is other elements, those encharged with partiality and injustice that should be made note during the investigations. Otherwise, say how you cannot be labelled a coachman of the rich, and dubbed a reactionary, and say what was
so noteworthy in the demonstration that led to them immediately being seized and suspected of being employed there
to provoke rioting and endanger the demonstrators?
It is a dark affair, this distinction, but as we know
positively that it was not done, as well as other means of
investigation, by the direct interference of the former civil
governor, but rather the investigators who only reserved
their tolerance for those who knew their path, we have
no hesitation in applying the adage “by the finger ye shall
know the giant” to reach the necessary conclusions regarding the idealism of certain spirits...”21.
The trial of the detainees was finally held on 17 May.
The Trial
The eight workers were accused of offences against
the actual Civil Governor, Dr. José de Andrade Sequeira,
O Julgamento
Os oito trabalhadores eram acusados de ofensas ao então
Governador Civil, Dr. José de Andrade Sequeira, crime esse
punido pelo artigo 181° do Código Penal. O Dr. António de
Sampaio pediu escusa de ser nomeado defensor oficial dos
réus, pelo que foi substituído pelo Dr. Almeida e Sousa.
Depois de uma reunião prévia com os réus, o Dr. Almeida e
Sousa apresentou no tribunal um requerimento que foi exarado em acta22 (ver antologia, texto n.º 33).
a crime punishable by Article 181 of the Criminal Code.
Dr. António de Sampaio was asked to be excused from
being named the official defender of the accused, and was
replaced by Dr. Almeida e Sousa. After a preliminary meeting with the accused, Dr. Almeida e Sousa presented a petition to the court as recorded in the minutes (see anthology, text no. 33) 22.
After hearing the Public Prosecutor, the judge agreed
and granted the petition. It was necessary, however, for
28
Ouvido o Agente do Ministério Público, o Juiz anuiu e deferiu o requerimento. Era necessário, porém, que os arguidos
pagassem a fiança, caso contrário teriam de recolher à cadeia.
O Dr. Almeida e Sousa ofereceu-se para ficar por fiador,
tendo os trabalhadores saído em liberdade.
O julgamento suscitou diversas reacções.
O correspondente de O Sindicalista, que assinava com as
iniciais VT, comentava:
the defendants to make bail, otherwise they would have
to have gone back to prison.
Dr. Almeida e Sousa offered to stand surety, and
workers were freed.
The trial elicited various reactions.
The correspondent of O Sindicalista, signing his articles with the initials VT, commented:
“The day of May 16 was anxiously waited for, when
«Esperava-se ansiosamente aqui pelo dia 16 de Maio em
que deviam ser julgados oito camaradas nossos acusados de
crimes para eles desconhecidos, de delitos que não cometeram, a acusação feita; tendo como testemunhas policiais,
chauffeurs, médicos, administradores e livres-pensadores era,
de que os arguidos tinham insultado a autoridade; pois nós,
não negando que a mesma fosse insultada, afirmamos que
não foram os presos, como o confirmaram alguns. Estes nossos camaradas limitaram-se a protestar energicamente contra
as prepotências de que tinham sido vítimas os nossos camaradas de Évora. Mas como é necessário ferir os mais decididos, forjam-se facilmente as acusações e os crimes.
Depois de 51 dias de reclusão em verdadeiras jaulas como se
fossem feras perigosas, foram conduzidos ao tribunal. Os nossos camaradas acompanhados de oficiais de diligências, atravessaram serenamente a cidade, sorrindo, entre uma compacta multidão onde vimos muitos olhos marejados de lágrimas. Aberta a audiência, o advogado dr. Almeida e Souza fez
uma magnífica defesa, terminando ele próprio por afiançar os
presos em 200$000 réis cada um, até à execução do decreto de
amnistia, o que produziu em todos uma bela impressão.
Tendo recuperado finalmente a liberdade, nós os saudamos assim como a todos os camaradas encarcerados pelos
mesmos crimes!»23.
29
eight of our comrades were to be judged on crimes
unknown to them and of which they had been accused,
of offences they had not committed, but the charges for
which had been brought; using as witnesses the police,
chauffeurs, doctors, administrators and freethinkers it was
charged that the defendants had abused the authorities; on
our part, while not denying that they had been insulted, we
affirmed that it had not been the prisoners that had done
this, as some of these had confirmed, but that our comrades
had limited themselves to strongly protesting against the
oppression that our comrades from Évora had been victims
of. But as it is necessary to hurt the most resolute, crimes
and accusations were easily forged.
After 51 days of confinement in actual cages, like dangerous beasts, they were taken to court. Our comrades,
accompanied by bailiffs, serenely crossed the city, smiling
out on a compact crowd where we saw tears in many eyes.
Open the hearing, the lawyer Dr. Almeida e Souza made a
magnificent defence, finishing off by ensuring bail for the
prisoners at 200$000 réis for each of them, followed by the
execution of the decree of amnesty, which produced a fine
impression in all.
Having finally regained your freedom, we salute you
and all our comrades jailed for the same crimes!”23.
30
Trabalhadores de uma fábrica de
azulejos de Portalegre (c. 1920).
Workers from a Portalegre Tile Factory
(c. 1920).
Relação cronológica dos conflitos sociais
em Portalegre entre 1893 e 1920
Chronological list of social conflicts in Portalegre
1893 | 17 a 19 de Junho
Envolvendo operários da Fábrica da Companhia
de Lanifícios de Portalegre.
A suspensão de trabalho tinha como objectivo
o aumento salarial, o que foi conseguido.
1893 | 17 to 19 June
1899 | 18 de Abril
Operários da fábrica de cortiça Robinson.
Pela libertação de um operário preso durante a acção
que visava impedir a saída para Espanha de matéria-prima,
quando a fábrica apenas laborava, por falta da mesma,
três dias por semana. O movimento não foi dirigido
contra a entidade patronal, que até teve um papel
conciliador. O operário foi libertado.
1899 | 18 April
1901 | 9 a 14 de Julho (?)
Operários da Fábrica de Lanifícios de George
Wheelhouse Robinson.
Paralisação reivindicando aumento salarial ou trabalho
garantido naquele empresa ou na fábrica de cortiça. A entidade
patronal recusou. Desconhece-se como terminou o conflito.
1901 | 9 to 14 July (?)
between 1893 and 1920
Involving workers from the Portalegre Wool Factory
(Fábrica da Companhia de Lanifícios de Portalegre)
Work was suspended with the aim of increasing wages,
which was achieved.
Workers from the Robinson cork factory.
To release a worker arrested during the action that
sought to prevent raw material being sent to Spain,
when the factory was only operational for three days
a week due to a lack of this. The movement was not
directed against the employer, who even played
a conciliatory role. The worker was released.
Workers from the George Wheelhouse Robinson
Wool Factory (Fábrica de Lanifícios de George
Wheelhouse Robinson).
Stoppage demanding a salary increase or a guaranteed
job at the company or at the cork factory. The employer
refused. It is unknown how the conflict ended.
1904 | 17 de Dezembro. Seguida de lock-out
até 20 do mesmo mês.
Operários da Fábrica de cortiça Robinson.
Contra o despedimento de um operário e pela transferência
de um empregado, que foi espancado pelos grevistas.
A entidade patronal despediu 11 trabalhadores, acusados
de «cabeças de motim», que foram posteriormente
readmitidos.
31
1904 | 17 December. Followed by the lock-out
until the 20th of the same month.
Workers from the Robinson cork factory.
Against the dismissal of a worker and the transfer
of an employee who was beaten by the strikers.
The employer fired 11 workers on charges of being
“ringleaders”, who were later readmitted.
1911 | 9 de Janeiro
Chamuscadores da Chacina de Joana Serra.
Paralisação envolvendo 12 trabalhadores, em solidariedade
com um companheiro doente, que a entidade patronal
despedira. Intervenção da polícia que dispersou
os grevistas. As autoridades comprometeram-se
a assegurar a subsistência do trabalhador em causa.
1911 | 9 January
Workers at the Joana Serra Slaughterhouse.
Stoppage involving 12 workers, in solidarity with a fellow
worker, who had been fired by the employer. Police
intervention to disperse the strikers. The authorities
undertook to ensure subsistence for the worker.
1911 | 25 July, followed by the lock-out
1911 | 25 de Julho, seguida de lock-out
até 27 do mesmo mês.
Operários da fábrica de cortiça Robinson.
Contra o despedimento de duas operárias, uma das quais
dirigente sindical. Formaram-se piquetes de greve
e uma comissão negociou com a entidade patronal.
Foram presos e depois expulsos da cidade dois operários
corticeiros de Estremoz que vendiam rolhas, acusados
de incitamento à violência.
until the 27th of the same month.
Workers from the Robinson cork factory.
Against the dismissal of two workers, one of whom
was a trade union leader. Picket lines were formed and
a commission negotiated with the employer. Two cork
workers from Estremoz, who were selling cork stoppers,
were arrested and then expelled from the city, accused
of inciting violence.
1912 | 29 January
1912 | 29 de Janeiro
Diversas classes. Em solidariedade com os trabalhadores
rurais de Évora.
Various sectors. In solidarity with the rural workers
of Évora.
1914 | 30 March
1914 | 30 de Março
Operários da fábrica de cortiça de Abílio Baptista
Pela manutenção dos salários.
Workers from the Abílio Baptista cork factory
To keep their salaries.
1920 | September
1920 | Setembro
Operários da fábrica de lanifícios de Oliveira Meca
(antiga Fábrica Pequena).
Por aumento salarial.
Factory workers from the Oliveira Meca Wool Factory
(Fábrica de laníficios de Oliveira Meca), formerly the
Fábrica Pequena).
Over a pay increase.
32
NOTAS
NOTES
1
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
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14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
33
Diário das Sessões da Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 27 de Janeiro de
1892, p. 13.
Representação dirigida à câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa pelos
Representantes de todas as Fábricas de Portalegre. Portalegre: Tip. Portalegrense,
1880.
GOODOLPHIM, Costa – A Associação. História e Desenvolvimento das Associações
portuguesas. Lisboa: Tipografia Universal, 1876, p. 72.
Sobre este tema veja-se o trabalho de PISTOLA, Renato – “A Banda e a Cidade.
A História da Sociedade Musical Euterpe da sua Fundação à actualidade”.
Publicações da Fundação Robinson, n.º 17 (Novos Habitantes. Sociedade Musical
Euterpe). Portalegre: Fundação Robinson, no prelo.
CONDE, José Martins dos Santos – O Teatro em Portalegre. Portalegre: ed. do
autor, 1989.
VENTURA, António – Bombeiros Voluntários de Portalegre - 100 Anos de História.
Portalegre: Associação de Bombeiros Voluntários de Portalegre, 1998.
VENTURA, António – “A Fundação da Associação Comercial e Industrial de
Portalegre”. A Cidade, Revista Cultural de Portalegre. Portalegre: Atelier de Artes
Plásticas, Junho de 1982, I Série, n.º 5, pp. 36 e 37.
VENTURA, António – Os Corticeiros de Portalegre. Actas Sindicais (1910 - 1920).
Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 1987.
VENTURA, António – O Sindicalismo no Alentejo. A tournée de propaganda de 1912.
Lisboa: Seara Nova, 1977. pp. 85 e 86.
VENTURA, António – Subsídios para a História do Movimento Sindical Rural no Alto
Alentejo (1910 – 1914). Lisboa: Seara Nova, 1976, p. 159.
CARVALHO, António José Torres de – Notas para a História do Jornalismo em
Elvas. Elvas: Tipografia Progresso, 1932, p. 5., folheto n.º 9.
VENTURA, António – Subsídios para a História do Sindicalismo rural no Alto
Alentejo (1910 - 1914). Lisboa: Seara Nova, 1976, pp. 17 a 38.
BARROSO, Joaquim Dias – Os Motins de Barbacena. Elvas: Tipografia Progresso,
189.
Intransigente, n.º 316 de 21 de Janeiro de 1912.
O Semeador, n.º1, de 16 de Março de 1912.
Idem.
Ver antologia, texto n.º 31: O Distrito de Portalegre, n.º 1939, de 31 de Janeiro de
1912.
O Semeador, n.º 2, de 24 de Março de 1912.
O Semeador, n.º 7, de 27 de Abril de 1912.
O Sindicalista, n.º 73, de 21 de Abril de 1912.
O Semeador, n.º 8, de 4 de Maio de 1912.
O Distrito de Portalegre, n.º 1970, de 19 de Maio de 1912.
O Sindicalista, n.º 78, de 26 de Maio de 1912.
Diário das Sessões da Câmara dos Senhores Deputados, session on 27 January
1892, p. 13.
2
Representação dirigida à câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa
pelos Representantes de todas as Fábricas de Portalegre. Portalegre: Tip.
Portalegrense, 1880.
3
GOODOLPHIM, Costa – A Associação. História e Desenvolvimento das
Associações portuguesas. Lisbon: Tipografia Universal, 1876, p. 72.
4
On this matter see the work of PISTOLA, Renato – “A Banda e a Cidade.
A História da Sociedade Musical Euterpe da sua Fundação à actualidade”.
Publicações da Fundação Robinson, No. 17 (Novos Habitantes. Sociedade
Musical Euterpe). Portalegre: Fundação Robinson, in press.
5
CONDE, José Martins dos Santos – O Teatro em Portalegre. Portalegre: ed.
by the author, 1989.
6
VENTURA, António – Bombeiros Voluntários de Portalegre - 100 Anos de
História. Portalegre: Associação de Bombeiros Voluntários de Portalegre,
1998.
7
VENTURA, António – “A Fundação da Associação Comercial e Industrial
de Portalegre”. A Cidade, Revista Cultural de Portalegre. Portalegre: Atelier de
Artes Plásticas, June 1982, I Série, nº 5, pp. 36 and 37.
8
VENTURA, António – Os Corticeiros de Portalegre. Actas Sindicais (1910 1920). Lisbon: Instituto de Ciências Sociais, 1987.
9
VENTURA, António – O Sindicalismo no Alentejo. A tournée de propaganda de
1912. Lisbon: Seara Nova, 1977. pp. 85 and 86.
10
VENTURA, António – Subsídios para a História do Movimento Sindical Rural
11
CARVALHO, António José Torres de – Notas para a História do Jornalismo
12
VENTURA, António – Subsídios para a História do Sindicalismo rural no Alto
no Alto Alentejo (1910 – 1914). Lisbon: Seara Nova, 1976, p. 159.
em Elvas. Elvas: Tipografia Progresso, 1932, p. 5., folheto nº 9.
Alentejo (1910 - 1914). Lisbon: Seara Nova, 1976, pp. 17 - 38.
13
BARROSO, Joaquim Dias – Os Motins de Barbacena. Elvas: Tipografia
Progresso, 189.
14
Intransigente, n.º 316 of 21 January 1912.
15
O Semeador, No. 1, of 16 March 1912.
16
Idem.
17
See anthology, texto No. 31: O Distrito de Portalegre, No. 1939, 31 January
18
O Semeador, No. 2, 24 March 1912.
1912.
19
O Semeador, No. 7, 27 April 1912.
20
O Sindicalista, No. 73, 21 April 1912.
21
O Semeador, No. 8, 4 May 1912.
22
O Distrito de Portalegre, No. 1970, 19 May 1912.
23
O Sindicalista, No. 78, 26 May 1912.
Antologia: os conflitos sociais de Portalegre
na imprensa (1893-1920)
Anthology: social conflicts of Portalegre in the press (1893-1920)
Publicações da Fundação Robinson 23, 2012, p. 34-59, ISSN 1646-7116
34
N.º 1
Greve na Companhia da Fábrica Nacional
de Lanifícios de Portalegre (1893)
N.º 3
Pedido de aumento salarial dos operários
da Companhia de Lanifícios de Portalegre (1893)
Greve pacifica
Foi attendida a gréve pacifica dos operarios da Companhia de
Lanifícios de Portalegre. Já esta semana receberam o augmento
requerido. É digna de todo o elogio a digna direcção pela forma
honrosa com que resolveram a justa pretenção dos operarios.
Alguns operarios da fabrica da Companhia de Lanificios de Portalegre, vulgo Fabrica Pequena pediram augmento de salario. Não
ha esperança que os operarios sejam ouvidos. A questão está
pendente de resolução da direcção.
Comércio do Alentejo, n.º 67, 25 de Junho de 1893
Comércio do Alentejo, n.º 68, 7 de Julho de 1893
N.º 2
Greve na Companhia da Fábrica Nacional
de Lanifícios de Portalegre (1893)
Grève pacifica
Na fabrica Pequena de lanifícios houve, ao que nos dizem, uma
tentativa de grève entre os operarios, parecendo obedecerem a
um plano, a que fossem incitados.
Foram todos, ou quasi todos pedir augmento de salario ao sr.
commendador Duro, o qual, nos termos os mais prudentes,
lhes prometteu apresentar a sua reclamação ao sr. director de
mez, mas fazendo-lhes vêr as poucas probabilidades do seu
bom exito n’este momento em que a companhia, a braços com
a demorada crise que tem assoberbado todas as classes, todas
as industrias, deminuiu os ordenados a todos os empregados
superiores.
É do nosso dever aconselhar os operarios a que saibam moderar as suas aspirações, embora justas em absoluto, e aguardar a
sua realisação para occasião mais opportuna e conveniente.
O Distrito de Portalegre, n.º 483, 21 de Junho de 1893
35
N.º 4
Greve na Fábrica Robinson (1898)
A questão da cortiça
Antes de quaesquer consideração, que o caso suggere o que pela
expansão de certas doutrinas ahi em fermentação preocupam
todos os espiritos sensatos, exporemos os factos taes quaes
nos foram transmittidos por pessoas de toda a imparcialidade
e confiança.
Um proprietario, natural d’esta cidade, mas rezidente em Evora, commetteu a venda da sua cortiça ao sr. W. Robinson, e, não
tendo chegado a accordo sobre o preço, vendeu-a a um industrial hespanhol. Este pretendia transportal-a para a sua fabrica
em Albuquerque, e os operarios, ao terem d’isso conhecimento,
reuniram-se em numero approximado de cem, nas immediações d’esta cidade, com o fim de obstar á sahida da cortiça.
O digno commissario de policia dirigiu-se logo com alguns
guardas ao local, onde os operarios se achavam reunidos, tentou persuadil-os da illegalidade do seu procedimento, e, exgotados todos os meios suasorios, deteve um operario, que se lhe
dirigira por forma inconveniente, e conduziu-o á esquadra.
No dia seguinte, pela manhã, á hora da abertura da fabrica, todos os operarios reunidos ás portas do estabelecimento accordaram em não entrar para as officinas, sem que o seu companheiro de trabalho, preso no dia anterior, fosse solto; e, como
este movimento ameaçasse degenerar em protesto hostil ao
acto da auctoridade, o sr. commissario pediu a intervenção da
força armada para dispersar a multidão d’operarios.
N’isto interveio o sr. W. Robinson, que, vendo baldados os seus
esforços para que os operarios entrassem para as officinas, chegou a ameaçal-os, segundo nos informaram, mas não podendo
nós garantir esta informação, de que fecharia a fabrica, se não
lhe obedecessem.
Então dirigiu se o sr. Robinson ao sr. Commissario, que, a instancias d’aquelle, declarou que só poria em liberdade o operario
detido, se este fizesse certas declarações perante todo o operariado e se o sr. Robinson se responsabilisasse pela ordem.
Por esta forma terminou toda a questão.
Pela nossa posição, na imprensa, não podemos nem devemos
deixar de fazer algumas considerações ácerca d’este acontecimento, embora ellas desagradem á classe operaria, porque preferimos incorrer no seu desagrado a occultar-lhe a verdade,
falseando a nossa missão jornalística.
As leis do paiz permittem que qualquer proprietario ou industrial venda para fóra do paiz a sua cortiça em bruto.
Fazem-no os srs. W. Robinson, Bucknall, Esperança, fal-o quem
quer.
Portanto o proprietário, que vendeu a cortiça em questão a um
hespanhol, praticou um acto permittido pelas leis do paiz; e o
operarios, que a isso se queriam oppor, praticavam um acto
não só contrario á lei, mas contrario á liberdade.
Liberaes antes de tudo, contrarios a todos os privilegios, havemos de estar sempre ao lado do homem ou da classe que seja
victima do despotismo, quer essa classe seja a dos proletarios,
porque ante a liberdade todas as classes são eguaes, nenhuma
tem mais direitos que outra, todas tem obrigações reciprocas a
cumprir.
Por muito respeitaveis que sejam os direitos da classe operaria,
não o são menos os dos proprietarios; e, se aquella quer que
respeitem os seus, deve respeitar os dos outros. Só assim haverá ordem, haverá progresso, haverá liberdade.
Julga se offendida a classe corticeira, porque a lei permitte a
exportação da cortiça em bruto?
Tambem ao nosso coração de portuguez, dóe e dóe profundamente que nós não saibamos explorar as nossas riquezas naturaes. Tambem a nós nos dóe que os nossos governos não tenham sabido proteger as nossas industrias, que o mesmo seria
proteger a classe operaria, defendendo-a da concorrencia dos
industriaes estrangeiros com pesadas contribuições sobre a exportação da cortiça em bruto.
Mas este mal, que preza não só sobre a classe corticeira, mas
sobre todo o paiz, não vem do proprietario, vem da lei, vem da
falta de bons e favoraveis tratados de commercio com as nações
importadoras das nossas melhores e mais ricas industrias – a
cortiça e o vinho.
Queixe se por tanto o operario da lei, da falta de bons tratados
de commercio, proteste por todas as fórmas legaes junto dos
governos; mas d’ahi a insurgir-se contra o proprietario portuguez, que ao abrigo d’essa lei vende a sua cortiça para fóra do
reino, fazendo o que fazem todos, até os proprios estrangeiros,
é o que não podemos applaudir, mas devemos até censurar
para bem da ordem e do progresso, para bem do nome do operario portalegrense.
Contra a permissão da exportação da cortiça em bruto protesta
n’esta hora a classe corticeira do paiz, representada n’um comicio havido ha pouco em Lisboa. Contra tal permissão protestamos nós também, ao lado d’essa classe, porque entendemos,
como ella, que é justo, que é legitimo, que é patriota esse protesto.
Não podia, nem devia a classe operaria estranhar que o sr. commissario procedesse, como procedeu. Elle não fez mais do que
cumprir em dever, o dever que tem a auctoridade de garantir a
todo o cidadão o exercicio de um direito, como era o que tinha
o proprietario de vender a cortiça a quem e como quizesse.
Não estava na alçada da auctoridade revogar uma lei, um contacto feito entre Hespanha e Portugal, e por tanto não era d’ella
que o operario devia exigir a satisfação da sua justa aspiração.
36
Tem a classe operaria dado sobejas provas de muita cordura, de
muito tino, a contrastar com a de outros pontos do paiz. Mantenha se pois n’essa linha de conducta, que assim ha-de ter sempre
a sympathia, o respeito e consideração de todas as outras classes.
M.
O Distrito de Portalegre, n.º 765, 20 de Abril de 1898
N.º 5
Greve na Fábrica Robinson (1898)
Questão corticeira. Narrativa
No dia 12 do corrente pela 1 hora da tarde cerca de cem operarios corticeiros foram representar ao sr. governador civil d’este
districto que os seus camaradas raspadores iam ficar sem trabalho, porque nas fabricas de cortiça da cidade faltava materia
prima que deva soffrer as operações profissionaes d’estes operarios; mas que esta crise imminente de trabalho, dos seus camaradas, se conjurava se se conseguisse que a importante
quantidade de cortiça comprada aqui aos srs. Barahonas pelo
industrial corticeiro de Albuquerque, D. Julião Olhoa, fosse cosida e raspada pelos operarios raspadores de Portalegre, no que
havia não só remedio á miseria prevista d’estes operarios, mas
beneficio ao comprador, pois que a cortiça cosida e raspada era
alliviada d’uma parte absolutamente inutil e muito redusido o
seu peso, sendo mais facil o transporte para Hespanha e ahi
menos pesado o direito de entrada, se houvesse de ser pago.
Pediram os operarios ao sr. governador civil que se interessasse
s. ex.ª pelo conseguimento do meio que expunham de conjurar
a crise proxima dos seus companheiros de trabalho. S. ex.ª prometteu interessar-se por esta causa.
No dia 14, partiu para Albuquerque um operario raspador, delegado dos seus camaradas, para pedir a D. Julião Olhoa que
permitisse que a cortiça que tinha comprado em Portalegre
fosse cosida e raspada n’esta cidade, fundamentando o pedido
nas razões já expostas ao sr. governador civil de Portalegre.
37
No dia 16, foi uma commissão de operarios corticeiros pedir ao
guarda da cortiça comprada por D. Julião Olhoa, que não deixasse sahir cortiça alguma para Hespanha sem nova ordem de
D. Julião, porque se esperava que este accedesse ao pedido que
lhe dirigiram os raspadores das fabricas de cortiça de Portalegre por intermedio de um seu delegado.
No dia 17 regressou a Portalegre o delegado dos raspadores
com a noticia de não ter encontrado D. Julião Olhoa que estava
ausente de Albuquerque, mas que o encarregado da fabrica
d’este industrial lhe promettera que dentro de oito dias chegaria a Portalegre a resposta de D. Julião ao pedido dos operarios
corticeiros d’este [sic] cidade.
Á tarde espalhou-se a noticia da chegada de carros hespanhoes
para conduzirem a cortiça a Albuquerque. Correram-lhe ao encontro os operarios, pedem aos carreiros que não levem a cortiça, obrigando-se o fabricante João Baptista Rainho a pagarlhes o transporte da cortiça. Tambem o sr. Rainho offereceu
gratuitamente as caldeiras e officinas da sua fabrica para ahi
ser cosida e raspada a cortiça antes de conduzida para Hespanha, como era desejo dos operarios corticeiros de Portalegre.
Os carreiros declararam nada decidir sem ordem de D. Julião a
quem iam telegraphar o occorrido. Telegrapharam. Cerca das
9 horas da noite pediram auxilio á policia para lhes garantir o
carregamento e sahida da cortiça que vinham buscar.
Esgotados os meios suasorios para conseguirem o deferimento
da sua pretensão, dispunham-se os operarios a uma resistencia
ostensiva á sahida da cortiça antes de cosida e raspada.
Em presença da policia, reclamada pelos carreiros hespanhoes
os operarios protestaram em nome da miseria proxima dos
seus camaradas raspadores contra a sahida da cortiça em bruto, crua, e queriam saber dos carreiros se tiveram resposta ao
telegramma e que resposta veio, se tinha vindo.
A policia intimou os operarios a dispersarem. Protestaram elles
de novo contra a sahida da cortiça. A policia não se conformou
com a forma do protesto e prendeu o operario Joaquim António Carvalho, que só no dia seguinte pôde explicar as suas pala-
vras; depois de uma noite passada na policia, dormindo n’uma
maca por não haver outra cama.
Por causa d’estes acontecimentos a auctoridade officiou ao sr.
commandante militar pedindo-lhe que tivesse de prevenção
uma força de cincoenta praças.
No dia 18 de manhã, os operarios de ambos os sexos da fabrica
de rolhas do sr. George W. Robinson, sabendo que o operario
Carvalho ainda estava preso, declararam que não trabalhavam
sem ser posto em liberdade o seu companheiro.
Em vista d’esta attitude dos operarios, foi reclamado pela auctoridade o auxilio da força militar que sahiu do quartel, sendo
recebida com vivas pelos operarios.
Avisado do occorrido o sr. George W. Robinson correu este á
sua fabrica de rolhas, e informando-se da causa da attitude dos
operarios, entrou immediatamente em conferencia com as auctoridades, afim de pôr-se termo ao conflicto de forma pacifica
e digna de todos que n’elle estavam envolvidos.
D’estas conferencias resultou a explicação das palavras que o
Carvalho proferiu quando foi preso e do protesto que os operarios formularam pela sahida da cortiça. Esta explicação resumiu-se na affirmação das razões do protesto que deixamos referido.
Á vista d’esta explicação, não havendo motivo para manter preso o Carvalho foi este posto em liberdade. Os operarios entraram logo nas officinas, e restabeleceu-se o socego publico.
Á tarde os carros hespanhoes seguiram para Albuquerque sem
impedimento, carregados de cortiça.
O sr. George W. Robinson interessando-se mais uma vez pelos
operarios corticeiros conseguiu no dia 20 que o resto da cortiça
comprada aqui por D. Julião Olhoa e ainda não transportada
para Hespanha seja cosida e raspada na sua fabrica, de Portalegre, antes de ser conduzida a Albuquerque, como se pretendia.
Ficaram assim satisfeitos os operarios cuja pretensão, encaminhada do principio com são criterio, não daria logar aos acontecimentos narrados.
O Distrito de Portalegre, n.º 765, 20 de Abril de 1898
N.º 6
Greve na Fábrica Robinson (1898)
Por causa da cortiça
A falta de protecção efficaz ás nossas industrias e de vigilancia
ao trabalho manual, teem por vezes dado origem a conflictos
muito serios e de graves consequencias.
É aos governos que impende curar com a maxima attenção deste assumpto, promulgando leis não de repressão e de força,
mas leis que beneficiem o operariado e o proprietario, leis que
por consequencia evitem no todo aquelles conflictos, concorrendo desta forma para a ordem publica e para o desenvolvimento e aperfeiçoamento das industrias nacionaes.
Não peçamos ao estrangeiro o que em abundancia temos em
casa.
Vem isto a propósito d’esse pequeno movimento dos operarios
da fabrica do sr. W. Robinson, na 3ª feira ultima.
Narremos singelamente os factos, taes como elles nos foram
contados, visto que não fomos testemunhas presenciaes.
Os operarios tiveram conhecimento da venda de cortiça feita
por um rico proprietario desta cidade, mas residente em Evora,
ao industrial hespanhol sr. Julião Olhoa, de Albuquerque e resolveram manifestar-se conta a sahida da cortiça por isso que
era trabalho que lhes fugia, e salarios que deixavam de ganhar.
N’este intuito e reconhecendo a legalidade do contracto começaram por dirigir uma carta ao sr. Olhoa, em que lhe pediam
que a cortiça antes de sahir do reino fosse cosida e raspada,
carta que um operario levou pessoalmente a Albuquerque, indo
no domingo uma commissão ao sitio dos Telheiros pedir ao
guarda da cortiça que não deixasse carregar esta sem que viesse
a resposta d’Albuquerque.
Na 2ª feira de manhã chegou a resposta. O sr. Olhoa, por motivos que allegava, não podia aceder ao pedido.
Os operarios então considerando que sendo a cortiça cosida e
raspada em Portalegre era um beneficio para elles e também
para o dono della, por isso que diminuía consideravelmente de
38
pezo, tornando a conducção mais barato, deliberaram esperar
ao fundo da rua d’Elvas os carros que o sr. Olhoa mandasse,
impedindo que elles levassem a cortiça, não sahindo d’este proposito senão em presença da força.
Queriam os operarios chamar com esta sua attitude a attenção
das auctoridades e do governo para o facto da exportação da
cortiça em bruto, tão contraria á industria corticeira a aos interesses do operariado.
Conseguiram o seu fim, pois que lograram tornar conhecida a
sua intenção.
Ás 4 horas da tarde de 2ª feira chegaram 8 carreiros hespanhoes.
A commissão informou-os do que havia, pelo que um d’elles
dirigiu-se ao telegrapho a participar o facto ao sr. Olhoa.
O operario Carvalho avisou em seguida os seus companheiros
que estavam na fabrica e na festa da Senhora da Penha para
estarem ao fundo da rua d’Elvas ás 6 horas da tarde.
Dois carreiros ficaram aguardando a resposta ao telegramma e
os demais seguiram para os Telheiros, a fim de darem descanço
ás parelhas.
Como a resposta se demorasse resolveram reunir-se ás 8 na Sociedade Operaria, o que fizeram.
Seriam 8 e meia quando foram avisados de que os dois hespanhoes se haviam retirado para os Telheiros acompanhados de
policia.
Suppondo ter já chegado a resposta, dirigiram-se para a estrada de Sant’Anna vinte e tantos operarios a averiguar do que se
passava.
O sr. commissario, seguido de 6 guardas, não os deixou continuar o seu caminho, intimando-os a retroceder e a dispersar.
Foi então que o operario Carvalho disse: «somos vencidos pela
força; protesto contra isto» = querendo com estas palavras significar que protestava em nome de todos contra sahida da cortiça para o reino visinho. A phrase, porem, parecia ser dirigida
ao sr. commissario, pelo que esta auctoridade, para se fazer respeitar, deu voz de prisão ao operario Carvalho, que foi conduzi-
39
do á esquadra onde esteve até ás 5 horas da manhã, hora a que
foi removido para a cadeia.
Effectuada a prisão, mandaram os operarios uma commissão
ao sr. commissario pedindo a soltura do seu companheiro, que
segundo diziam, nenhuma intenção tivera em desrespeital-o e
offendel-o.
Foi nesta occasião que sahiu do quartel uma força de capitão, o
que sendo visto pelos operarios, estes levantaram vivas ao
exercito e ao regimento 22, apparecendo quasi em seguida o
sympathico e opulento industrial W. Robinson, que informando-se do que havia e de qual tinha sido a intenção do operario
Carvalho ao fazer o seu protesto, prometteu envidar desde logo
todos os seus esforços para conseguir a sua liberdade.
O operario explicou a sua phrase e sahiu da cadeia ás 9 e meia.
Tout est bien qui finit bien.
- O sr. Robinson com a benefica actividade e com zelo com que
sempre tem tratado dos interesses dos seus operarios conseguiu que o resto da cortiça fosse aqui cosida e raspada, dando
elle em Hespanha egual quantidade para não prejudicar também os interesses dos operarios d’Albuquerque.
- No domingo ás 3 horas da tarde no jardim da Sociedade operaria reunem os corticeiros para assentarem nas bases d’uma
associação de classe, a exemplo de tantas outras que se acham
constituidas no paiz.
Pertencendo a um partido conservador, limitamo-nos a lamentar os factos ocorridos, desejando sinceramente que a excitação de paixões ceda o logar á acalmação sempre necessaria em
assumptos d’esta indole.
Esperamos que o digno Comissario não se afastará das regras
da prudencia, inseparavel da bem entendido [sic] energia, e
que o operariado portalegrense, que em varias crises se tem
ostentado disciplinado e ordeiro, não pretenderá agora dar
uma prova de desrespeitar os alheios direitos.
Correspondência de Portalegre, n.º 92, 23 de Abril de 1898
N.º 7
Greve na Fábrica Robinson (1898)
A questão da cortiça
No numero anterior do Districto, n’um artigo firmado - M -,
conta-se a tentativa de alguns operarios corticeiros de Portalegre d’impedirem a sahida para Hespanha de cortiça em bruto,
porque queriam que em Portugal se reduzisse a obra, fornecendo assim trabalho a operarios portuguezes. O articulista mostra muito judiciosamente que por lei é livre a todos venderem a
cortiça das suas propriedades como, onde, e a quem melhor poderem e que os operarios não devem contrariar pela força essa
liberdade legal. E isto não póde soffrer contradicção.
Accrescenta porem o artigo: «Tambem a nós nos dóe que os
nossos governos não tenham sabido proteger as nossas industrias, que o mesmo seria proteger a classe operaria, defendendo-a da concorrencia dos industriaes estrangeiros com pesadas
contribuições sobre a exportação da cortiça em bruto.»
É sancto o sentimento que dicta estas palavras e a idéa parece á
primeira vista razoável, mas a sciencia e a experiencia e a pratica das nações são-lhe completamente contrarias. Uma nação
que quer fomentar a sua riqueza não lança contribuições sobre
a exportação; seria ficar vencida, no mercado do mundo, pelas
nações que têem o mesmo producto, e desanimar essa producção no interior do paiz.
Decerto que seria melhor que a nossa cortiça fosse para fóra em
obra do que em bruto, mas era preciso que toda a cortiça que
pudessemos produzir e manufacturar incontrasse lá fóra mercado facil e remunerador; depende isso de tractados de commercio, como bem diz o articulista; mas tractados de commercio não basta que um governo os saiba fazer, é preciso que os
outros governos os queiram, e uma nação não tem meio de
lh’os impôr; há de pois resignar-se a exportar o que lhe sobra,
não pela fórma que lhe seria mais util, mas por aquella por que
lh’a acceitam; Portugal e as outras nações que produzem cortiça quereriam exportal-a toda manipulada, era esse o interesse
de todos, do proprietario, do fabricante, dos operarios, do estado, do paiz inteiro, mas se uma nação teimar em difficultar a
entrada da cortiça manipulada, como fazem, por exemplo, os
Estados Unidos, ha algum meio de os obrigar a levantarem essas difficuldades?
Se se prohibisse por lei ou se difficultasse a exportação da cortiça em bruto, sem haver mercado para toda a cortiça que o paiz
produz, depois de manipulada, arruinavam se ao mesmo tempo os proprietarios de arvores de cortiça, os fabricantes e os
operarios, aquelles porque lhes diminuiam os compradores do
seu producto, os fabricantes e os operarios, porque, em se não
podendo dar vasão á cortiça fabricada, em se não podendo vender, a fabrica fechava e os operarios ficavam sem trabalho; não
basta fabricar, é preciso que o que é fabricado se venda para a
fabricação continúe.
Isto não quer dizer que não se recorra a governos e ao parlamento para que elles façam esforços para tentarem abrir mercados á cortiça em obra; mas não tenham os operarios a idéa
falsa de que se melhora a sua situação prohibindo ou difficultando a venda, a exportação da cortiça em bruto.
A Suecia produz ferro; o que diriam os operarios portuguezes
se ella não deixasse de lá sahir o ferro em bruto; se quizesse que
todo sahisse já em obra? Sahe o ferro em bruto para diversas
nações e de o trabalharem vivem em todas ellas muitos operarios.
Nós não produzimos algodão o que diriam os operarios portuguzes se os paizes que o produzem prohibissem que fosse exportado em bruto?
O mundo economico é uma vasta associação, uma vasta confraternidade, é preciso conciliar os interesses de todos, a liberdade de todos, e não olhar e não querer simplesmente a d’alguns
ou d’algumas clases.
Na questão da cortiça estará alguma coisa nas forças dos
governos, mas está tambem muito na dos industriaes, que, variando as applicações da cortiça, não fazendo só fabricas de
rolhas, mas de tapetes, das mil coisas a que a cortiça se póde
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destinar, lhe podem dar um mercado mais amplo dentro e fóra
do paiz; com prohibições de sahida, quer á força, que teriam de
ser repellidas pela força, quer por lei, que cahiria por inepta, é
que se não faz nada.
O Distrito de Portalegre, n.º 766, 27 de Abril de 1898
N.º 8
Greve na Fábrica Robinson (1899)
A questão da cortiça
«Não podemos nem devemos deixar de fazer algumas considerações ácerca d’este acontecimento, embora ellas desagradem á
classe operaria, porque preferimos incorrer no seu desagrado a
ocultar-lhe a verdade, falseando a nossa missão jornalística.»
Demais sabíamos nós, ao escrever aquellas linhas no nosso penultimo numero, que haviamos de incorrer nas iras da classe
operaria, porque a pobre e santa liberdade está ahi soffrendo
tractos de interpretação que a deixam a escorrer sangue, e a
Justiça só é reconhecida como tal, quando não castiga os que a
ultrajam.
A classe, ao lado da qual temos estado sempre em todas as conjuncturas que a mim tem recorrido, a classe, que por isso talvez
me honrou com diplomas de merito e com considerações que
muito me penhoram vem agora injuriar-me, publicamente,
n’um jornal, attribuindo as nossas observações ácerca da questão da cortiça a falta de sentimentos de justiça, a que, no dizer
d’ella, somos avessos.
É a eterna licção da Historia!
Não presenceámos os factos por nós relatados, e por isso recorremos á informação de pessoas sensatas e que pela sua posição
sabiam como os factos eram narrados por um e outro lado, não
entrando no numero d’essas pessoas o digno sr. commissario
de policia.
Se houvesse alguma inexatidão involuntaria no que dissémos
podia a classe operaria restabelecer a verdade dos factos, mas o
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que não devia era recorrer á injuria, se essa inexactidão em
nada influia para que fossem justos, justissimos, todos os reparos que fizemos ao procedimento dos que se queriam oppor
pela força ao exercicio de um direito, garantido pelas leis e pela
justiça.
E na verdade admittindo que os factos se dessem, como diz o
grupo de operarios nem por isso seriam differentes as nossas
observações.
Era justo, era legal o procedimento de taes operarios? Deve a
auctoridade n’um paiz livre permittir que qualquer classe perturbe pela força o direito das outra classes?
Esta é que é a questão, esta é que é a pergunta que cada um
deve dirigir á sua consciência.
Interroguem-n’a e se ella lhes responder que a razão está do
lado dos operarios que assim procedem, isto é, que não é justo
que o proprietario venda a estrangeiros a sua cortiça antes de
ser raspada no paiz, porque essa venda assim fere os interesses
da classe operaria, digam-nos o que lhes responderia a consciencia se os negociantes e industriaes se oppozessem a que
dessem entrada na cidade os generos destinados á sua cooperativa com o fundamento de que o exercicio d’esse direito dos
operarios prejudicava profundamente os interesses do commercio e da industria? O que lhe responderia a consciencia se
os operarios hespanhoes, quando se deu o grande e lamentavel
incendio da fabrica do sr. Robinson, se oppuzessem a que este
trouxesse de Hespanha para Portugal a cortiça de que precisava
para a laboração da sua fabrica?
Nós responderiamos que os negociantes e industriaes portuguezes e que os operarios hespanhoes praticavam um acto contra a lei, contra o direito e contra a justiça, assim como agora
condemnámos o procedimento dos que se queriam oppor pela
força ao exercicio do direito de um proprietario; e apostamos
em que o operario responderia n’aquelle caso, como nós.
Ora justiça que quer Deus para si e o Diabo para os outros, será
justiça muito boa, mas nós repudiamol-a como a um Monstro
de fauces abertas para tragar todo o progresso da humanidade.
Mas dizem: «Mas nós nunca nos insurgimos contra a saída da
cortiça, só se pedia trabalho para raspadores, trabalho de grande conveniencia do comprador o ser feito cá.
Por isso, só se pedia o que era justo.»
Isto não é logica.
Pedir-se em termos legaes ao comprador da cortiça que a deixe
raspar no paiz por ser mais economico, é realmente um pedido
justo, mas obrigal-o a que o faça, contra sua vontade, não será
uma injustiça?
Que teem os outros com os negocios do comprador, que elle
ganhe ou perca?
Quando se dirigiram em commissão ao sr. governador civil,
quando escreviam ou telegraphavam ao comprador, os operarios realmente faziam um pedido por fórma legal; mas vir para
a estrada publica á noite, em numero de 20 ou 100 (como quizerem) esperar os carros que haviam de conduzir a cortiça a
Hespanha, chama-se a isto – pedir?
A auctoridade exorbitou, intimando os operarios a dispersarem-se?
«Mas, acrescentam os operarios, um operario foi preso, porque,
dispersando já, protestou contra a afronta do sr. commissario
mandar carregar as armas a seis policias.»
Onde está a afronta?
Se os operarios reagissem contra a ordem da auctoridade, de
que serviriam as armas se não estivessem carregadas?
Mas o operario não se revoltou, dizem, apenas protestou.
Por isso foi apenas detido e depois solto, o que de certo lhe não
succederia, se se revoltasse.
O sr. commissario, estando todos os operarios em greve e a proclamar junto da fabrica que não entravam para as officinas sem
ser solto o seu companheiro, o sr. commissario não quiz receber toda a commissão e recebeu apenas um dos seus membros,
porque, se procedesse de modo differente, não procederia
como manda a lei, procederia por medo, por coacção, e ai! de
nós todos, ai! tambem da classe operaria, se chegassemos a
tempo em que a justiça se administrasse por tal fórma.
Aconselham-nos a que não façamos politica em casos d’estes.
Isto não se commenta. Pois se quizessemos fazer politica, não
comprehende toda a gente que o nosso interesse politico seria pormo-nos ao lado da classe mais numerosa de Portalegre?
Não o fizemos e preza nos termos de estar do lado opposto a
uma classe, digna de respeito, consideração e de todo o apoio,
quando está dentro da lei e da ordem; e se voluntariamente
tomamos esta attitude, foi para não perdermos ensejo de lhe
prestar um grande serviço, que talvez mais tarde me agradecerão, de os não deixar transviar do caminho que teem sempre
seguido e que póde levar esta cidade ao maior auge de prosperidade, porque o futuro de Portalegre depende do futuro das
nossas industrias – corticeira e fabril –, e, sem ordem, sem respeito pelas leis constituidas, não poderemos chegar aquelle
grande desideratum.
Eu sei que a classe operaria tem deante de si um grande problema a resolver, eu sei que ha injustiças sociaes que os habitos de
muitos seculos têm vindo a accumular, eu sei que sobre ella
pezam muitas forças contra as quaes precisa de unir-se para
reagir; mas, por isso mesmo que algumas das reivindicações do
operariado têm por fundamentos o direito, a justiça e a razão,
é que a classe operaria tem obrigação indeclinavel de se instruir, e de se impor á consideração universal pelo respeito ao
direito e justiça das outras classes.
Estamos bem com a nossa consciencia, embora entristecidos
por tão mal comprehenderem os que nos deviam ficar agradecidos. São as nossas ultimas palavras.
O Distrito de Portalegre, n.º 767, 4 de Maio de 1899
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N.º 9
Greve na Fábrica de Lanifícios Robinson (1901)
Gréve em Portalegre
Declararam-se em greve os operarios da fabrica de lanifícios do
sr. Robinson.
Dirigiu-se-nos uma grande commissão d’esses operarios que
nos vieram expor a causa da sua attitude. Allegaram que os preços por que estão sendo recompensados os seus trabalhos são
diminutos e que por serem os seus salarios incompativeis com
a subsistencia de suas familias não podiam continuar no desempenho das suas funcções.
Disseram mais que tinham procurado o sr. Robinson a pedir
lhe melhoria de condicções e que este cavalheiro não accedera
aos seus rogos. Que em vista d’estes factos resolviam pedir o
auxilio da auctoridade superior do districto para os auxiliar
n’esta campanha que se affigura de toda a justiça.
Esta noticia chegou-nos muito tarde e á hora do jornal entrar
na machina. Não podemos, pois, alongarmo-nos nas considerações que desejavamos sobre este assumpto de alta importancia para a cidade.
Promettemos voltar a elle no proximo numero e no entanto
fazemos ardentes votos par que a questão se redima em breve
e a contento de todos, operarios e patrões.
O Distrito de Portalegre, n.º 881, 10 de Julho de 1901
N.º 10
Greve na Fábrica de Lanifícios Robinson (1901)
Greve
Os operarios tecelões da fabrica do sr. G. W. Robinson julgando-se lesados nos seus interesses de operarios, encarregaram
uma commissão de pedir ao sr. Robinson o seguinte:
1.º Trabalho permanente na fabrica de lanificios ou na fabrica de
cortiça com tanto que cessassem as longas paragens que soffriam.
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2.º Não podendo ceder ao primeiro pedido, desejavam um augmento no salario, de forma que, no tempo de trabalho podessem realisar economias para se manterem no tempo em que
não ha que fazer.
Não podendo ou não desejando o sr. Robinson, acceitar nenhum dos alvitres propostos, os tecelões abandonaram o trabalho e até á hora em que escrevemos, apesar de se moverem
influencias junto do sr. Robinson defendendo a causa dos operarios, a gréve mantem-se.
É um acontecimento deplorável que muito nos magôa o coração e fazemos votos para que o conflicto tenha uma solução
agradavel tanto para os operarios como para o sr. Robinson.
A Plebe, n.º 305, 14 de Julho de 1901
N.º 11
Greve na Fábrica Robinson (1901)
Incidente
Na sexta feira passada, pelas 9 horas da manhã, os operarios
rolheiros da importante fabrica do sr. Weelhouse Robinson levantaram-se em protesto contra a saida d’um operario despedido, o sr. Cyriaco, e exigiram a mudança d’um empregado da
pezagem de quadros, o sr. Joaquim do Nascimento. Como não
fossem attendidos na sua reclamação resolveram abandonar o
trabalho, e, lançando-se ao alludido empregado espancaramno, chegando ainda a feril-o.
Parece, porém, que felizmente no escriptorio achavam-se os srs.
Herbert e Milner Robinson, patrões, que evitaram que o incidente tivesse mais funestas consequencias, serenando os exaltados
animos e fazendo com que os operarios voltassem ao trabalho.
Testemunha presencial que nos deu estas informações, demonstrou-nos que aos operarios, d’esta vez, não assistiu razão
e justiça no seu pedido.
Está no caracter d’este jornal defender seja qual fôr a pretensão
que seja caracterisadamente justa mas aos operarios , lembra-
mos a cordura, pois que com ella poderão conseguir os seus
direitos e interesses, quando nelles sejam lesados.
Ao entrar na machina o nosso jornal fomos informados que o
sr. Robinson mandou fechar a sua fabrica até nova ordem.
rios apontados como cabeças de motim. O nosso ilustre amigo estimou deveras a solução da reabertura da fábrica, o que
certamente agravou as condições económicas de algumas famílias.
A Plebe, n.º 485, 18 de Dezembro de 1901
O Distrito de Portalegre, n.º 1213, 21 de Dezembro de 1904
N.º 12
Greve na Fábrica Robinson (1904) [grafia actualizada]
N.º 14
Greve na Fábrica Robinson (1904)
À Última Hora
Chegou à nossa redacção a triste notícia de ter sido fechada até
segunda ordem a fábrica de rolhas do sr. George Robinson.
Parece que a causa é motivada por ter sido despedido um operário e os seus companheiros pedirem para que se anulasse tal
determinação que achavam infundada.
Sentimos deveras que se desse tal facto e oxalá se harmonize
tudo para bem dos operários e patrões.
Incidente
Reabriu na última terça-feira (20) a importante fábrica de rolhas do Sr. Robinson, entrando para o trabalho todos os operários excepto 11, que não foram admitidos por serem considerados cabeças de motim.
O Distrito de Portalegre, n.º 1212, 18 de Dezembro de 1904
N.º 15
Greve na Fábrica Robinson (1904)
N.º 13
Greve na Fábrica Robinson (1904)
Uma comissão de operários da fábrica de rolhas do Sr. Robinson foi, no último Domingo (23-12-1904), agradecer ao Sr. Diniz Sampaio, digno Governador Civil substituto, o interesse
que Sua Excelência tomou na resolução do incidente que se deu
há dias naquele estabelecimento entre o operariado duma das
oficinas e de que havia resultado a expulsão de 11 operários,
que já foram readmitidos.
Operários de Portalegre
Como noticiámos, no dia 17 do corrente, por causa de questões
entre o pessoal operário, foi mandada fechar até nova ordem a
fábrica de rolhas do Sr. George Robinson & Cª. O facto produziu, como era de prever, sensação na cidade, e tanto mais que se
propalaram logo boatos de que estavam iminentes acontecimentos graves.
O nosso prezado amigo Sr. Dr. Diniz Sampaio, digno Governador Civil substituto em exercício, depois de algumas conferências com a direcção da fábrica, alcançou a promessa de
que na segunda-feira, dia 20, recomeçaria o trabalho na mesma fábrica, o que sucedeu, porém, ser excluídos onze operá-
A Plebe, n.º 486, 25 de Dezembro de 1904
A Plebe, n.º 487, 1 de Janeiro de 1905
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N.º 16
Greve na chacina de Joana Serra (1911)
Notícias de Portalegre
Companhia de Matança em Greve – Intervenção da Polícia
Janeiro 10 – Um grupo de chamuscadores de porcos empregados na chacina da Senhora D. Joana Serra pôs-se ontem em
greve, tomando como pretexto um facto que, a ser verdadeiro,
merece toda a aceitação e o mais justo reparo. Nesse grupo, que
é constituído pelos trabalhadores Paulo José Alegria, João
da Rosa Gouveia, Francisco Gouveia, João Alves, Francisco
Doutor, António Gouveia, Joaquim Caixeirinho, Caetano
Tafeixa, António Maria Cardoso, Manuel Coutinho, António
Merendeira e António Maria Cardoso, tinha por companheiro
um tal Nicolau Manuel, homem de 42 anos de idade, que há um
mês foi atacado de um ataque cerebral, ficando quase cego.
Este infeliz homem trabalhou durante 28 anos na referida chacina, sendo ele o encarregado da matança e desmancha do gado
suíno. Como se inutilizasse e não pudesse continuar o exercício
das suas funções, a proprietária da chacina despediu-o e daí
proveio a indignação do restante pessoal que ontem mesmo
procurou a senhora D. Joana Serra, propondo-lhe o seguinte
alvitre:
Manter o seu desgraçado companheiro comprometendo-se
eles a fazer o seu serviço. Não entendeu, porém, a senhora
D. Joana, que persistiu na sua resolução e ordenou que o lugar
fosse preenchido por outro indivíduo de nome José Costa.
Os grevistas, vendo que o seu alvitre tinha sido rejeitado e que
a nomeação do novo empregado redundaria em grave prejuízo
para o seu companheiro de trabalho, redobraram os protestos e
foram juntar-se ontem à noite nas imediações da chacina, onde
se travaram de grande alteração com o empregado da mesma
chacina João Meira, e de cuja altercação se apurou ser ele o verdadeiro culpado do que estava sucedendo.
As ameaças iam passando a vias de facto quando a polícia interveio serenando os ânimos e dispersando a grande quantida-
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de de curiosos que ali tinham ocorrido aos gritos dos manifestantes. O grupo foi depois ao Governador Civil falar com o
Senhor Administrador do Concelho, a quem expôs todos os
factos, pedindo-lhe ao mesmo tempo que fizesse todos os possíveis para que o José Costa saísse, sem o que não retomariam
os seus lugares. A autoridade prometeu advogar a sua pretensão envidando também os melhores esforços para garantir a
subsistência do desventurado Nicolau Manuel, a favor de quem
os grevistas tão honestamente se declararam.
Diário de Notícias, n.º 16223, 12 de Janeiro de 1911
N.º 17
Greve na fábrica Robinson (1911)
Em Portalegre
A gréve da fabrica Robinson
Há dias foi alarmada a fabrica de cortiça Robinson com um boato escandaloso entre o encarregado da oficina das mulheres
João Pereira, e uma mulher casada.
Chegando aos ouvidos do industrial, este, por sua vez, se havia
de dar a maior atenção ao assunto, fez ezátamente o contrario,
avolumando mais o escandalo, pela fórma seguinte: despediu
imediatamente as operarias Carolina Salvaterra e Amalia Bispo, por estas se lhe terem dirigido a pedir-lhe que retirasse o
encarregado da oficina, e que tambem todas as suas companheiras desejavam que a sua oficina não mais fosse dirigida por
homems, mas sim por uma mulher, para evitar escandalos ou
ruim fama.
Por este motivo alvoraçou-se o resto do pessoal da fabrica, que
protestou energicamente contra aquele despedimento, visto
tratar-se tambem de uma vingança por aquelas companheiras
serem assíduas leitoras e propagandistas de jornaes libertarios.
O industrial, com ferocidade infame, e para não tirar a força ao
encarregado, mandou logo tocar o apito e parar a fabrica intimando a saída ao pessoal no prazo de 10 minutos – faz lembrar
a espulsão dos jesuitas no tempo do Marquez de Pombal – e ao
toque do apito ficou alarmada a cidade, pois que não é costume
tocar às 11 horas, aglomerando-se grande massa de povo em
frente a fabrica afim de ver do que se tratava.
Começaram então aqui as infamias torpes lançadas, com todo
o arrojo ás faces honradas de quem tudo produz.
Após a saída da fabrica, resolveram os camaradas corticeiros
reunir em assembléa geral afim de nomearem a respetiva comissão para entrevistar o industrial sobre o assunto; mas qual
não foi o espanto da comissão, que esperava receber uma resposta não só satisfatoria mas tambem delicada, quando o industrial, com modos de inglez sem educação portugueza, responde da seguinte forma:
«Escusam-se de se cançar, pois que amanhã, se quizer, posso
lançar fogo á fabrica, e, como tenho muito dinheiro e muito
que comer, vou-me embora e vocês cá ficam a morrer de fome.
E olhem que sou capaz de o fazer».
Esta foi a linda fórma como a beleza do industrial recebeu
quem tanta riqueza lhe tem dado…
A comissão voltou á Associação a dár a resposta, que foi tão
agradavel que a assembleia resolveu declarar-se em gréve, sendo nomeadas numerosas comissões de vigilancia para durante
a noute se vigiasse a fabrica, a fim de evitar qualquer desastre,
causado por qualquer mal intencionado, ou mesmo por ordem
do proprio patrão, visto a sua declaração. Uma outra comissão
dirigiu-se ao governador civil, a participar o caso.
Este cavalheiro, por sua vez, depois de larga discussão, declarou que não consentia a gréve senão nestas condições: Quem
não quizer trabalhar não trabalha, e não admito que os senhores impeçam a entrada a quem quizer trabalhar, pois se o fizerem procederei.
Os operarios indignaram-se com esta resposta e resolveram levar ávante o seu intento em favor das despedidas.
Dirijindo-se á Associação, o governador civil tentou iludir o
pessoal, dizendo-lhe que fosse trabalhar de manhã e não se importasse que o industrial despedisse alguem ou fechasse as
quatro oficinas, como tencionava, pois que alguma coisa se arranjaria…
Vendo, porém, o governador civil que os seus planos eram frustrados, teve então a triste ideia de insultar a classe com esta
ameaça pouco propria de um sensato republicano, como se declára:
Se os senhores continuam no firme proposito de seguirem com
a gréve, eu passo da benevolencia á violencia e mando sair o
regimento 22, mando vir cavalaria e mais tropa, se fôr preciso,
e mando fuzilar aqueles que não quizerem retomar o trabálho.
Foi-lhe dito pelos camaradas Jacinto Bettencourt e José Miranda se esse procedimento pertencia á républica moderna,
pois que na republica antiga combatia-se o fuzilamento, especialmente quando o proletario reclamava melhoria de situação.
Pelo menos assim o diziam os grandes homens quando, em palanques apregoavam o evangelho da liberdade, igualdade e fraternidade. Mas o governador civil, no seu firme proposito de
defender o capital, - como todos os outros – declarou que na
qualidade de governador civil se entendesse que o fazia, pois
que as leis da republica lh’o permitiam.
Agora digo eu a todos os camaradas sincéros que tornem a andar pelas ruas da cidade feitos burros de Cacilhas, com gente
d’esta ao cólo. A gréve seguia bem, sem ninguem se deixar iludir por promessas ou ameaças.
As vigias durante a noite, não cessaram de observar a fabrica,
impedindo a passagem a quem se aprocima d’ela sem primeiro
ser reconhecido como cidadão de páz. Ao romper da manhã,
começa a aglomerar-se o operariado em frente da fabrica, á espera das resoluções do industrial.
As operarias, por sua vez, avançam á frente dos homens e vãose postar, em cordão em frente da porta da fabrica, na intenção
de não deixarem entrar ninguem, afim de não ser furada a gréve.
Mas qual não é o espanto de todos quando aparece o guardaportão João José d’Oliveira, que brusca e indecorósamente,
ofende as desgraçadas filhas de cada um, arremessando-lhes
46
valentes empurrões. Pagaria bem caro o atrevimento se não se
metesse imediatamente para o interior da fabrica.
Dão as 6 horas. Ouve-se tocar o apito chamando ao trabalho,
quando aparece novamente o tal guarda-portão, que diz, em
alta voz: quem quizer trabalhar, entre. Todos ficaram nos seus
logares, escéto estes dois camaradas: Côrte Real e João Mendes. Estes amigos tiveram o arrojo de pular por cima das mulheres, que se encontravam sentadas, indo meter-se na fabrica.
Como mais ninguem tivesse entrado, o industrial chamou as
mulheres despedidas e aconselhou-as a irem para casa e a virem só quando as mandasse chamar, dizendo então que o resto
do pessoal podia entrar.
Levantam-se grandes protestos e gritos de «Ou trabalha tudo
ou ninguem».
Resolveu o industrial mandar parár as maquinas, para vêr se ás
9 horas alguem entraria.
A esta hora é que foi atraiçoada a greve, pelos belos camaradas
que tanta moral apregoaram dentro da associação, sendo estes
os primeiros que desrespeitaram o cordão das mulheres, invadindo a fabrica e dando origem a que outros camaradas fossem
levados na onda. Esses camaradas são os seguintes: Estevão
Manuel Godinho, Abibal Francisco, Manuel Ruben, António
Baláco, Francisco Carrapóla, Manuel da Horta, António da Ribeira de Niza, João Mendes, Augusto Bageira, José Marcelino e
José Mendes Mourato.
Á entrada d’estes amarelos houve grandes protestos e gritos de
fóra com os traidores da gréve!
Novamente torna o governador civil a chamar a comissão e declarou que já tinha conferenciado com o patrão e que estava
resolvido que ás 2 horas todos fossem trabalhar e que ninguem
era despedido.
Ás 2 horas todo o pessoal entrou para a fabrica, e, depois de
todos estarem nos seus logares, despediu as duas mulheres e o
camarada João Pilatos, e fechou as quatro oficinas, cujos operarios mais se tinham imposto a favor das mulheres, ficando
umas duzentas pessoas na rua.
47
Tudo isto foi vingança do industrial, auciliado pela autoridade.
Á noite, como se tivesse desconfiado que um gesto que o indusrial fez com um cavalo marinho que trazia, fosse de ameaça aos
operarios, houve discussão sobre este ponto, entre os diversos
camaradas. Os operarios António Curto e Augusto Penso, que
tinhão vindo de Estremoz vender aqui rolhas, disseram uma
cousa que é verdadeira, que se o caso se tivesse dado com os operarios corticeiros de outros lados a greve não se furava, nem o
industrial tinha o arrojo de insultar os operarios. Foi o suficiente
para logo a policia os prender, inventando que os nossos camaradas tinham dito que eram capazes de ir matar o industrial.
As testemunhas provam ser uma falsidade.
Os nossos camaradas de Estremoz encontram-se incomunicaveis.
O industrial pensando bem na ofensa que tinha feito, e julgando que será chamado a contas, mandou chamar a comissão e
disse-lhe que a ia processar por ela ter declarado que ele, industrial, tinha dito que ia largar fogo á fabrica. A comissão, porém,
não se atemorisou.
Se ela só disse a verdade!
Carlos Pereira Ramos.
O Sindicalista, n.º 39, 6 de Agosto de 1911
N.º 18
Greve na Fábrica Robinson (1911)
Grave incidente
Hontem, pelas 11 horas da manhã, ouvimos tocar o apito da
fabrica de rolhas do sr. Robinson e como extranhassemos o facto, por ser fóra do costume, procuramos saber o que se passava.
Informaram-nos de que devido a um caso pouco edificante passado entre um mestre, João Pereira e uma mulher, levara as
operarias a manifestar de que prescindiam nas suas officinas
de homens encarregados das mesmas visto terem uma sua collega com identico encargo.
Como não tivesse deferimento o pedido das operarias, estas
pediram aos seus collegas as secundassem na sua causa, á qual
elles adheriram, sahindo das officinas.
Em virtude de tal resolução, o sr. Robinson, mandou fechar a
fabrica até resolver o assumpto.
N’uma reunião realisada no salão da Cooperativa apoz o incidente foi nomeada uma commissão para se entender com o sr. Robinson. D’essa commissão fazem parte os srs. Antonio Gaspar de
Pina, Antonio da Silva, José Maria Miranda, Ignacio Miranda,
José dos Remedios, João Lourenço da Silva, Francisco Ferreira,
José Carlos, Antonio Severo, Pedro Caroço e José Maria Frazóa.
Á hora do nosso jornal entrar na machina nada mais podemos
adeantar.
O que desejamos é que tudo se resolva a contento de todos.
O Distrito de Portalegre, n.º 1885, 26 de Julho de 1911
N.º 19
Greve na Fábrica Robinson (1911)
Pela cidade
Greve na fabrica Robinson
Hontem pelas 11 horas da manhã ouviu-se em toda a cidade o
apito da fabrica. Este facto anormal produziu na cidade uma
enorme sensação e de todos os pontos accorreu ao local da fabrica uma quantidade muito numerosa de gente julgando que
havia incendio.
Felizmente não era esse o motivo; mas infelizmente era um
facto também grave que originára aquelle toque extemporaneo
que alarmou a cidade inteira.
Historiemos:
O operário, João Pereira, encarregado d’uma officina de rolhas
á machina era accusado de nas horas de descanso praticar a occultas na officina acções menos licitas.
Este facto provocou os protestos de todas as operarias daquella
officina as quaes nomearam uma comissão que foi expor o as-
sumpto ao sr. Robinson e pedir-lhe não só a expulsão d’aquelle
encarregado mas a substituição de todos os encarregados das
officinas das rolheiras por mulheres edoneas e competentes
que as ha em todas as officinas.
O sr. Robinson, prometteu tomar a queixa em consideração e
effectivamente, pouco depois o mestre ou encarregado João Pereira era substituido por outro encarregado Joaquim Baptista.
Como esta deliberação não satisfazia por completo aos desejos manifestados pelas operarias, estas resolveram abandonar o trabalho e pedir o auxilio dos seus companheiros de
trabalho aderindo muitos operarios. Como o sr. Robinson visse a attitude do operariado determinou o encerramento da
fabrica e foi por esse motivo que tocou o apito ás 11 horas da
manhã.
Logo que os operarios sairam reuniram se homens e mulheres,
em sessão permanente numa das salas da Cooperativa Operaria
Portalegrense e ali depois do assunto ser discutido, usando da
palavra varios operarios deliberaram:
Nomear uma comissão de operarios para falar com o sr. Robinson a qual por proposta votada pela assemblêa ficou assim
constituída:
António Gaspar Pina, representante dos encarregados; Antonio da Silva e José Lourenço Miranda, Pedro Caroço, Ignacio
Augusto Miranda, José dos Remedios, João Lourenço da Siva,
Francisco Ferreira, José Carlos, António Sevéro e José Maria
Frazoa.
Deliberaram dar conta á Assemblêa Geral do resultado do da
conferencia com o sr. Robinson numa sessão marcada para as
6 horas da tarde na mesma sala da Cooperativa.
Em seguida encerrou-se a sessão ficando em sessão permanente de vígilancia uma commissão composta dos operários srs:
Lourenço, Patricio, Joaquim Caldeira, Domingos Ruivo, Humberto Ribeiro de Albuquerque, Lourenço Mouro e Innocencio
Baptista.
Ás 7 horas da tarde tornou a reunir a assembleia geral da Associação dos Corticeiros para tomar conhecimento da resposta
48
que o sr. Robinson tinha dado á comissão que o procurou no
escriptorio ás 5 horas da tarde.
A resposta do sr. Robinson ás reclamações dos seus operarios
feita pela voz da comissão foi:
- Que mantinha a substituição do encarregado por outro; mas
que não aceitava as condições que lhe eram indicadas.
- Que não acedendo ao que ele desejava, ele poderia deitar fogo
á fabrica, porque era rico e que eles operarios ficavam reduzidos á mizeria.
Esta resposta causou uma grande impressão na assembléa usando da palavra muitos oradores e deliberando-se que a mesma
comissão fosse conferenciar com o sr. governador civil expondolhe todos os factos para que a primeira autoridade do distrito
visse a fórma corréta como eles procediam e a fórma como o sr.
Robinson tinha recebido e respondido ás suas reclamações.
Deliberaram mais nomear uma comissão de 20 operários para
vigiar a fabrica sendo 10 para entrar de serviço de noite e outros 10 para entrar de serviço de dia.
É claro que depois destes factos ficou declarada a greve geral.
Os operarios vão publicar um manifesto, expondo ao publico as
causas que os leva a esta situação.
O Intransigente, n.º 262, Portalegre, 26 de Julho de 1911
N.º 20
Greve na Fábrica Robinson (1911)
Portalegre
Camarada redactor:
Por meio de telegrama que se expediu, não podia esclarecer-se
que se expediu tudo porque nos ficava muitissimo por dizer.
N’uma reunião magna que se realisou no salão nobre da cooperativa de consumo; ficou nomeada uma comissão de seis membros, para estar de vigilancia permanente, e para esclarecer por
meio de um oficio á Federação o que s passou na reunião e explicar-vos os pormenores que deram ocasião ao conflicto.
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Deu-se o caso da seguinte forma: – Ha aqui uma oficina de machinas de fazer rolhas por meio de vapor, que tinha á frente o
celebre encarregado João Pereira, a quem patrão mandava fechar todas as oficinas á hora da refeição deixando dentro algumas operarias que habitam no campo.
O dito João Pereira, abusando das ordens do industrial tendo
uma como favorita, e sendo afeiçoada d’elle, ás horas prohibidas fechava a porta ficando elle e ella dentro, isto foi observado
por algumas companheiras foi o que ocasionou ellas protestarem, e nomearam uma comissão a ir manifestar o seu descontentamento ao industrial não só para tirarem aquelle encarregado daquella oficina de mulheres.
Deu-se o caso no dia 24 estando um dos patrões um tanto de
accordo mas manifestando ao mesmo tempo o desejo que tinha
de conferenciar com o seu primo Williams Robinson tirando
aquelle encarregado, mas nomeando outro em sua substituição
no dia 25.
A mesma commissão de mulheres foi entrevistar o industrial
Williams obtendo resposta negativa, dizendo-lhe ao mesmo
tempo, que fossem trabalhar do contrario fechava a oficina, derivando d’ahi novos protestos não só daquella oficina com dos
rolheiros mecanicos e quadradores manuaes, determinando
nomear uma commissão composta de dez membros para manifestar ao industrial o seu descontentamento pela forma pouco
correcta como respondeu á commissão de mulheres, não chegando porem essa commissão a conferenciar com o industrial
devido a elle não dar tempo a isso por mandar tocar o apito
para que o pessoal sahisse o que se fez. Mandou em seguida
encerrar o portão dizendo, que aceitava uma commissão ás
5 horas da tarde afim de resolver o conflicto.
Como não coubéssemos na associação foi a razão que reunimos
na cooperativa. Foi ali deliberado nomear a commissão que ficasse de ir conferenciar com industrial, isto depois de haver acalorada discussão e algumas propostas que depois mandaremos dizer.
Como esta já vai longa, amanhã seguem informações da resposta do industrial.
Pela comissão. Saude e revoloção social.
Pelo secretario da comissão permanente.
Humberto R. Albuquerque
Por causa dos abusos commetidos pelo encarregado da officina
da lixa para com as mulheres declararam-se em greve como fica
dito os operarios corticeiros da importante fabrica do sr. George Robinson.
Os grevistas reclamam a sahida d’aquella officina do encarregado, o industrial porem recusa-se a isso. N’este momento estão
reunidos na cooperativa operaria os operarios afim de deliberarem o que entenderem conveniente para a solução da gréve.
O governador civil que interveiu no assumpto espera conseguir
bons resultados. Eram de prever os factos que agora se dão tendo sido o encarregado quem os provocou.
C.
Á ultima hora conta-nos, que a greve está em vias de solução,
com o que nos congratulamos por se tratar d’uma questão de
moralidade.
tencia para si e para a sua familia, era um gravissimo desastre
para todos a paralisação do trabalho, que d’uma forma muito
grave se havia de reflectir em todo o commercio local.
Já aqui o dissemos. Para se fazer uma gréve é necessario a preparação antecipada. Pela accumulação de fundos de resistencia
e saber se o que se deseja dos patrões é justo, attendendo aos
interesses geraes do operariado que reclama.
A quetão ventilada era no antender de muitos operarios de importancia relativamente mediocre e por isso talvez não encontrou o apoio geral de todos os companheiros.
Aclaração
Pede-nos o sr. João Manoel Dias Fereira, operário despedido da
fabrica do sr. W. Robinson para no intuito de despezas boatos
menos verdadeiros, propalados a respeito da sua interterencia
na greve, que não é verdade ter este andado nas officinas comunican com os seus companheiros a largarem o trabalho, mas
unicamente faria parte d’uma commissãs que devia falar com o
sr. Robinson á própria hora do comflito; mas que não dhegou a
falar por ter tocado o apito e terem sahido todos da fabrica.
O Corticeiro, n.º 3114, 29 de Julho de 1911, p. 4
O Intransigente, n.º 263, Portalegre, 30 de Julho de 1911
N.º 21
Greve na Fábrica Robinson (1911)
N.º 22
Greve na Fábrica Robinson (1911)
Gréve na fabrica Robinson
Já na quinta feira, 27, entrou na sua normalidade o trabalho na
fabrica de cortiça do sr. Robinson.
A greve cahiu por falta de solidariedade entre os operarios, falta que elles explicam por não ter fundamento apreciavel as reclamações das suas companheiras grevistas.
Foi portanto uma gréve furada em que perderam terreno
aquelles que trabalham pela emacipação do operariado.
Entretanto folgamos que se restabelecesse o trabalho porque a
paralisaçãs da fabrica, desde que o operariado não está preparado para uma resistencia e lucta com falta de meios de subsis-
Gréve dos operarios rolheiros
O facto culminante da semana foi a gréve do operariado da fabrica de rolhas do sr. George W. Robinson.
Na terça feira ultima por 11 horas da manhã, inesperadamente, tocou o apito da fabrica, o que deu logar a alamar-se a cidade
inteira.
O que dera motivo ao toque fora o seguinte:
De ha tempos existia entre os operarios a desconfiança de que
o encarregado da officina de rolhas á machina, em que se empregam mulheres, João Pereira, entretinha relações ilicitas
com uma operaria, e que nas horas do descanço, esta ficava no
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edificio e com ella o encarregado. Este facto trazia indignadas
as restantes companheiras, que formaram uma commissão
para traduzir as suas queixas perante o patrão.
Parece que as recebeu o sr. Dawson, que mandou para lá o operario Joaquim Baptista em substituição do Pereira.
Tendo pedido, porem, as operarias a substituição dos encarregados de todas as officinas de mulheres por operarias, e vendo que
não eram satisfeitos os seus desejos, visto o patrão ter declarado
que o serviço não podia ser feito por mulheres, estas resolveram
abandonar o trabalho e foram pelas demais officinas pedir a
adhesão dos companheiros. O sr. Robinson vendo, então, a attitude do seu operariado depois de lhes indicar que retomassem o
trabalho, não sendo attendido, mandou evacuar a fabrica.
Os operarios sairam, e, numa sala da Cooperativa Operaria,
trataram do assumpto, constituindo-se uma commissão nomeada para se entender com o sr. Robinson, e outra commissão de
vigilancia que ficasse em sessão permanente para tratar da resolução da gréve.
A commissão foi recebida ás 6 horas da tarde pelo sr. Robinson
e ás 7 horas, na séde da Associação de Classe dos Corticeiros,
esta commissão dava conta aos companheiros do seu mandato,
que se resume no seguinte: O patrão mantinha a resolução tomada, quanto ao encarregado, não acceitava a condição imposta e abriria a fabrica para os que quizessem trabalhar.
Effectivamente, no dia seguinte, tocava ás horas costumadas o
apito, não entrando senão poucos operarios, porque as mulheres, em frente de portão do edificio, de mãos dadas e em linha,
evitavam a entrada dos companheiros. Esta situação não se
manteve completa, ao apito das 2 horas da tarde, em que já a
policia compareceu e uma grande parte do operariado entrou,
retomando o trabalho.
Esta resolução de os operarios voltarem ás officinas deve-se a
que uma grande parte d’elles não se coadunavam com o movimento grévista.
No dia de quinta feira já o serviço estava completamente normalisado, sendo despedidos sómente um operario e duas operarias.
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Notas
Foram presos dois indivíduos que dizem ser operarios rolheiros em Extremoz e estavam incitando os operarios á gréve e a
praticar violencias, sendo enviados para juízo.
- A proposito d’uma phrase que se attribue ao sr. Robinson foram chamados ao escriptorio d’aquelle industrial alguns operarios.
- Para a solução rapida da greve, muito contribuiram os esforços empregados pelo sr. governador civil, que, encarregado pelos operarios, se entendeu directamente com o sr. Robinson.
A Plebe, n.º 827, 30 de Julho de 1911, p.3
N.º 23
Greve na Fábrica Robinson (1911)
Pela policia
– Por serem arguidos como incitadores á greve que ha dias se
declarou na fabrica do sr. Robinson e por terem feito ao mesmo
industrial, manifestações criminosas, foram enviados para o
poder judicial, os operarios Antonio Nunes Curto, natural de
Lisboa e Augusto Maria Penso, natural de Extremoz.
A Plebe, n.º 827, 30 de Julho de 1911, p. 4
N.º 24
Greve na Fábrica Robinson (1911)
Occorrencias policiaes
Foram autuados e entregues ao poder judicial, Augusto Maria
Penso, rolheiro, natural e residente em Estremoz, e Antonio
Nunes Curto, d’egual profissão, natural de Lisboa, residente
em Estremoz, por terem incitado á greve os operarios rolheiros
da fabrica do Sr. Robinson, e terem feito manifestações com
intuito criminoso.
O Distrito de Portalegre, n.º 1886, 30 de Julho de 1911, p. 3
N.º 25
Greve na Fábrica Robinson (1911) [grafia actualizada]
Ocorrências policiais
Foram enviados ao poder judicial Augusto Maria Penso, natural de Estremoz, e António Nunes Curto, natural de Lisboa,
arguidos de incitarem à greve os operarios da fábrica de rolhas
de George Robinson e de terem feito manifestações criminosas
ao mesmo industrial.
O Intransigente, n.º 263, Portalegre, 30 de Julho de 1911, p. 3
N.º 26
Greve na Fábrica Robinson (1911)
Portalegre
Camarada redactor:
Peço-lhe a fineza de dar publicidade no jornal «O Corticeiro»
bastante conceituado afim de fazer constar a todas as classes
trabalhadoras o que se acaba de passar aqui n’esta localidade
entre os operarios corticeiros, e o capital.
Há dias foi alarmado o pessoal da fabrica de cortiça do Robinson com a noticia de que na officina das mulheres o encarregado João Pereira, mantinha dentro da fabrica relações amorosas
com uma mulher casada.
Pois bem o industrial Robinson em vez de attender o pedido
dos operários Carolina Salvaterra e Amelia Bispo afim de que
o encarregado fosse retirado d’aquella officina despediu as
referidas operarias, que reclamavam como medida moralisadora que aquelle fosse substituído por uma mulher. Nada
mais justo.
Porém o industrial Robinson, protestante e moralista género
inglez, aproveitando a occasião pretendeu vingar-se das referidas operarias por ellas serem leitoras assiduas dos jornaes libertarios. Os operarios protestaram contra o injusto despedimento motivo porque o industrial fechou a fabrica mandando
sahir o pessoal no prazo de dez minutos. Isto deu-se pelas
11 horas da manhã ficando logo toda a cidade alarmada com o
facto.
Começa aqui a obra maldita do industrial e da auctoridade
como se vae ver.
Os operarios em face do insolito procedimento do industrial
reuniram na cooperativa operario e ali nomearam uma commissão afim de ir entrevistar o industrial procedendo em tudo
com a maior correcção. Eis o que respondeu o industrial á commissão segundo é voz corrente: – Escusam de se cançar porque se
eu entender e me dér na vontade vou amanhã á fabrica e lanço fogo
a tudo aquilo porque é meu e como tenho muito dinheiro e muito que
comer vou-me embora e vocês ca ficam a morrer de fome, e olhem
que sou capaz de o fazer. Tal foi, conforme constou, o que disse o
industrial aos operarios que o teem enriquecido. A commissão
voltou á assembléa a dar conta do seu mandato, que recebeu a
resposta indignadamente declarando-se em gréve e nomeando
commissões de vigilancia afim de evitar, que algum mal intencionado deitasse fogo á fabrica ou ainda o proprio industrial
em virtude das declarações feitas á commissão. Uma outra
commissão, foi conferenciar com o governador civil participando-lhe o facto e pedindo providencias.
Vejamos agora o que o governador civil disse á commissão.
Eu não consinto a gréve senão nas condições seguintes: Quem não
desejar trabalhar não trabalha, não admittindo de modo algum que
se impeça a entrada a quem quizer trabalhar, senão se fizer assim
procederei contra os que desacatarem estas ordens. Isto indignou
os operarios que tentaram manter a gréve a todo o transe.
O governador civil andou illudindo a classe corticeira dizendolhe que fosse trabalhar de manhã e que não se importasse se
alguem era despedido ou se fechavam quatro officinas como
affirmava o industrial. Para se ver como elle cumpriu a sua palavra ahi vae uma amostra dos resultados da gréve.
O camarada Emilio José Gazalho foi despedido, pois o governador civil disse aos operarios que não fizessem gréve, que elle
lhes arranjaria um emprego o que não fez.
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Como o governador civil visse que os seus planos eram frustrados, começou por dizer, que ia mandar sahir o regimento do
22, cavallaria e toda a tropa que fosse precisa e mandaria carregar sobre os grévistas se elles não retomassem o trabalho e que
os manadaria fusilar se tanto fosse necessário.
A estas palavras responderam os camaradas Jacintho Betencourtt
e José Miranda, que a moderna republica portugueza empregava
processos de fusilamento, como as antigas republicas e que isso
era a negação de tudo quanto tinham apregoado os falsos democratas da liberdade, egualdade e fraternidade. O governador civil
disse, que se assim procedia era porque tinha poderes para isso.
Agora perguntamos nós aos corticeiros será ou não tudo isto á
paga condigna dos operários terem incesado as auctoridades
republicanas?
Revejam-se na licção dos factos!... Durante a noite do dia em
que se deu a gréve commissões de vigilancia rondavam a fabrica não deixando circular senão aquelles a quem reconheciam
serem inofensivos. Pela manhã os operarios em massa com as
operarias a frente aglomeraram-se em frente da porta da fabrica formando um cordão afim de impedir que alguem podesse
furar a gréve. O guarda portão João José d’Oliveira, mais conhecido pelo Pá-de-Pana começou a empurrar as mulheres fazendo-as afastar do portão o que lhe ia custando bem caro a
ousadia se não se refugia no interior da fabrica.
Ás 6 horas toca o apito para a entrada na fabrica sendo então
dito pelo referido Pá-de-Pana, que o industrial tinha auctorisado a entrada a quem o desejasse fazer. Só dois operários entraram saltando por cima das mulheres que se encontravam sentadas, Côrte Real e João Mendes, não respeitando assim as
resoluções da assembléa geral e abusando das mulheres como
se fossem cousa inutil.
Como mais ninguém tivesse entrado o industrial chamou as
mulheres que tinham sido despedidas aconselhando-as a retirar para casa e irem quando elle as mandasse chamar e o resto
do pessoal podia entrar. Então levantaram-se protestos e gritos ou trabalhavam todos ou ninguem.
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N’estas circumstancias o industrial mandou parar as machinas
para abrir ás 9 horas afim de ver se alguem queria entrar.
A esta hora entraram os operários seguintes: Estevão Godinho
(O Pé Descalço) Annibal Francisco, Manuel Bolvi, Antonio Bajaco,
Francisco Carrejola, Manoel da Horta, Antonio da Ribeira de Niza,
João Mendes, Augusto Bagina, José Marcelino, José Mendes e
Mourato. Quando entraram na fabrica foram apodados de traidores. Depois d’isto foi pelo governador civil chamada a commissão
sendo-lhe dito que estava já resolvido com o industrial que ás duas
horas fosse tudo trabalhar e que ninguem seria despedido.
Ás duas horas da tarde tudo entrou para a fabrica e depois todos se encontrarem nos seus logares despediu as duas mulheres já citadas e João Pilatos e mandou fechar as quatro officinas que mais tinham auxiliado as mulheres.
Tudo isto se passou com auxilio da auctoridade que se comprometeu a exemplo de Ferreira do Amaral a que ninguem seria
perseguido se elles se submetessem.
Á noite como se desconfiasse que um gesto que fez o industrial
com um cavallo marinho era d’ameaça para os operários houve
discussão entre camaradas Antonio Curto e A. Penso que tinham vindo de Estremoz vender rolhas e alguns corticeiros
d’esta cidade a quem disseram, que se a gréve se tivessé dado
n’outra parte nem a gréve era furada, nem se consentia que o
industrial insultasse os operarios.
Pois foi isto o bastante para que fossem presos tendo-se inventado para justificar as prisões, e mantel-os-incommunicaveis
que elles haviam dito que eram capazes de matar o industrial, o
que é falso como se prova com testemunhas.
O industrial tendo reconhecido que tinha feito tolice em dizer
á commissão, que deitaria fogo á fabrica se assim o entendesse,
mandou chamar os camaradas que compõem a commissão e
que são: José Miranda, Francisco Ferreira, Ignacio Miranda,
João Lourenço da Silva, Antonio Severo, José dos Remedios,
José Maria Frazôa e Pedro Caroço de que os ia processar em
consequencia de terem propalado que elle deitaria fogo á fabrica se assim o entendesse.
Segundo nos consta, a commissão está no firme proposito de
manter o que disse não temendo ameaças e dizer tão sómente
a verdade.
Honra lhe seja feita.
Carlos Pereira Ramos
O Corticeiro, n.º 115, 5 de Agosto de 1911, pp. 3-4
N.º 27
Greve na Fábrica Robinson (1911)
Portalegre
Camarada redactor: Não posso de maneira alguma deixar de
lhes relatar o que se passou n’esta cidade em uma gréve que
durou dia e meio sendo eu secretaria da Associação dos Corticeiros onde era bastante estimada, hoje porem é possível que
tal não succeda por que vejo os traidores são mais estimados
que os companheiros leaes.
Em consequência da gréve fui despedida juntamente com outra
companheira e um companheiro ficando nós sem pão e na miseria. Sômos victimas d’uma vingança do industrial, esse
monstro maldito que tudo esmaga com o capital que possue.
Eu desculpo os camaradas que não souberam manter a gréve
com dignidade prejudicando-nos impensadamente desejando
nós porem que nos auxiliem em tudo o que lhe seja possivel.
Agora camarada redactor vou esclarecel’o ácerca do que originou a gréve.
Na officina das machinas de quadrar e fazer rolhas estava um
encarregado que mantinha relações com uma mulher casada,
alem d’este encarregado outros tem havido que também teem
tido amantes o que é vergonhoso para os nossos sentimentos
de mulheres honestas. Tanto dentro da fabrica como fóra d’ella
aquella officina tinha uma reputação escandalosa. Para por termo a este estado de cousas fomos expor ao industrial os factos
que narrâmos dizendo elle que seriamos attendidas. No outro
dia porem disse que ele é que mandava na sua casa e não acce-
dia ao nosso pedido do encarregado ser substituido por uma
mulher, que as ha na officina mais habilitadas que os homens.
E’ preciso que se saiba que o pae do industrial quando veio para
Portalegre apenas trazia a camisa no corpo.
Portanto, pedimos a todos os camaradas corticeiros que nos
auxiliem na medida das nossas forças.
As victimas da gréve Carolina Piedade Salvaterra, Amelia Augusta Frazôa e João Manuel Dias Pereira.
N. R. A todos os camaradas corticeiros, Associações de classe,
Secções e Comités, que desejem auxiliar aquelles camaradas
podem remeter os donativos para Carolina Piedade da Salvaterra, Rua Alexandre Herculano em frente do salão Paraizo,
Portalegre.
Camarada redactor:
Pedimos-lhe que rectifique parte da materia contida na correspondencia d’esta cidade assignada por Carlos Pereira Ramos; e
que se refere ás palavras trocadas entre o industrial Robinson e
a commissão dos grevistas, que não é a expressão da verdade.
O periodo da correspondencia que pedimos para rectificar é
este: – Escusam de se cançar porque se eu entender e me der na
vontade, vou amanhã á fabrica e lanço fogo a tudo aquillo porque é
meu e como tenho muito dinheiro e muito que comer vou-me embora
e vocês ca ficam a morrer à fome, e olhem que sou capaz d’isso, Ora
isto não é verdade, porque o industrial não poderia proferir
taes palavras. No dia 24 do mez passado foi uma commissão de
quatro operarias conferenciar com o industrial sr. Dosen, dando este as providencias seguintes:
Substituição do encarregado João Pereira por outro não sendo
as referidas operarias despedidas n’aquellla occasião e sim duas
depois do conflicto. O resto do artigo é quasi todo n’este theor,
pelo que não agradou á classe corticeira por não ser a expressão
da verdade. Como membros da commissão vimos esclarecer a
situação no que entendemos ser justo,
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A commissão.
Antonio Casemiro da Silva, A rogo de José Carlos, por não saber bem ler nem escrever, Humberto Ribeiro d’Albuquerque,
Antonio José Severo, Pedro Manuel Caroço e José dos Remedios.
O Corticeiro, n.º 116, 12 de Agosto de 1911, p. 3
N.º 28
Greve na Fábrica Robinson (1911)
Portalegre
Camaradas: Apoz a solução de qualquer gréve bem ou mal succedida é necessário redobrar de energia e seguir com mais firmeza a propaganda do ideal redemptor da nossa emancipação
social, que se aproxima de nós vertiginosamente.
É preciso n’estes casos conhecer os verdadeiros traidores que
urdem na sombra e tentam introduzir na nossa classe a intriga
originando recriminações mutuas pelo mau sucesso gréve.
N’este momento é o que aqui está succedendo, por isso camaradas, alerta contra os traidores, abramos bem os olhos, descubramos quem são os desorganisadores do nosso trabalho de
emancipação do jugo patronal, e então mostral’os perante o publico votando-os ao desprezo. Consta, que uns certos indivíduos tentam expulsar de Portalegre um nosso companheiro e que
entre os promotores d’essa explusão há protestantes, catholicos e alguns corticeiros. Sendo assim, muito teremos que conversar com os que no seu tabernaculo pregam contrictos o
amor e a tolerancia entre os homens e na vida mostram ter
coração de fera.
Conversaremos também com os corticeiros que andam feitos
locaios da Republica esquecendo a camaradagem que devem
manter pondo-se incondicionalmente ás ordens dos patrões.
Diz-se também, que alguns elementos preponderantes entre a
classe corticeira foram prestar vassalagem ao industrial Robinson.
Será verdade?
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Se assim fór é o cumulo do rebaixamento moral d’aquelles camaradas.
Camaradas: Reparem bem no dia d’amanhã, os vossos companheiros vão sendo pouco a pouco expulsos pelo industrial apezar d’este se dizer tolerante e fechar os olhos no tabernaculo e
pregar o amor entre todos os irmãos.
E acaso a Associação dos Corticeiros protesta? Não, submetesse! Que vergonha para todos nós, que fazemos uma figura tristissima perante todos os corticeiros do paiz tendo a nossa associação interdicta pelo industrial. Continuaremos.
A. E.
O Corticeiro, n.º 117, 19 de Agosto de 1911, p. 4
N.º 29
Greve na Fábrica Robinson (1911)
Portalegre
Como covardes e poltrões se portaram dois esbiros aggredindo
o nosso companheiro Carlos Pereira Ramos. Pelas circunstancias que revestiram a aggressão viu-se claramente, que os auctores da proeza foram instrumentos passivos d’alguem que tem
todo o interesse em mandar provocar e offender o nosso amigo
Ramos e preparar a sua expulsão.
Descanse porem o mandatario e os seus rafeiros, que o facto de
pretender inutilizar os operarios, que não lhe agradam, não impede que nós livres das mãos dos grandes liberaes da joven Republica continuemos na defeza dos ideaes que tanto vos assusta e vos confundem. Continuae pois na vossa tarefa ignobil,
que não callareis nunca a voz dos opprimidos, que a toda a hora
echoará para vos apontar os vossos crimes e despotismo de democratas intolerantes.
Baldado trabalho o de aliciar com falsa rethorica defensores que em
vez de rehabilitarem comprometem. Vamos fazer a autopsia moral
aos traidores da nossa classe e verão depois os camaradas sinceros
que os rafeiros do Grão Turco são em tudo eguaes ao seu dono.
Segundo nos informam um dos indicados capoeiras é habil em
manejar o punhal, logo não será surpreza alguma, que n’um
futuro proximo tenhamos a registar algum crime.
A.E
O Corticeiro, n.º 119, 2 de Setembro de 1911, p. 4
N.º 30
Solidariedade com os trabalhadores rurais de Évora
(1912)
Em Portalegre
O operariado d’esta cidade, por uma fórma cordata e ordeira, e
movido por um nobre sentimento de solariedade, depois de haver reunido na Cooperativa, resolveu ir junto do sr. governador
civil, para por intermedio de s. ex.ª protestar perante o sr. ministro do Interior contra o que pelas noticias que tinha, julgava
os abusos das autoridades d’Évora, pedindo que elas fossem
demetidas e manifestando ao mesmo tempo o seu apoio moral,
aos grevistas da capital alentejana.
No Governo Civil, que desde que o sr. José d’Andrade Sequeira
desempenha o cargo de primeiro magistrado do distrito, é uma
verdadeira casa do povo e onde sua ex.ª recebe sempre todos os
que o procuram dentro da puresa das suas normas de bom republicano, entrou uma comissão delegada da multidão operaria, que
aguardava nos baixos do edifício, na segunda feira pelas 14 horas.
Exposto pela comissão o fim a que se propunha, o sr. governador civil por forma amavel e atenciosa que a todos os comissionados muito cativou, trocadas breves impressões, gentilmente
acedeu em expedir ao sr. ministro do Interior, um telegrama
com a exposição do que os operarios desejam.
A seguir, a comissão deu conta a quantos a aguardavam da forma carinhosa por que havia sido recebida, resolvendo voltar
para a Cooperativa a aguardar os acontecimentos.
E de facto a grande massa dos manifestantes para ali se encaminhou.
Uma pequena parte, porem, ficou á porta do governo civil, deixando transparecer claramente a estulta pretenção de que se
devia exigir que o ministro respondesse imediatamente ao telegrama que lhe havia sido enviado! Parece impossivel, mas é verdade!
Este pequeno grupo, porem, dos manifestantes, já não eram os
verdadeiros operarios. Era gente mais que suspeita nos seus
propositos e intenções de mistura com conhecidos frequentadores da taberna ás segundas feiras e mais dias da semana.
Á hora habitual, o chefe do districto, saía do edifício do governo civil, sendo imediatamente rodeado por quantos ainda ali se
encontravam, a quem explicou pela forma mais presuasiva a
impossibilidade de obter uma resposta imediata ao telegramma que, a pedido da comissão, havia expedido.
Parecendo ficar todos convencidos, s. ex.ª dirige-se ao automovel que o aguardava e sem que ninguem de ponderação o suspeitasse, levanta-se enorme e agressiva gritaria.
Desce novamente do carro o chefe do distrito, e não fazendo
uso da força de policia que ali se encontrava, com uma prudencia que nem todos seriam capazes de manter, dirige-se para o
meio do grupo, interpela frente a frente os manifestantes mais
exaltados, que cobardemente declinam a responsabilidade dos
gritos que haviam soltado.
Retira-se s. ex.ª e pelas costas, quando já não podia ouvir, nova
algazarra se levanta, que deixou indignados a ponto de estarem
iminentes conflitos pessoais, muitos que no local se encontravam.
Horas depois, corria na cidade, que o governador civil se visto
obrigado a fugir!
O boato infame e infamante, as boas almas, os refinadissimos
tratantes que mentem sem sombras d’escrupulo, para conspurcar a dignidade dos que tanto a presam como J. Andrade Sequeira que é mais que suficientemente brioso, que não foge nas
ocasiões de perigo, como mais de uma vez em sua vida tem provado, com risco da propria existencia, em momentos dificeis de
campanhas do ultramar!
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– No dia seguinte os cabeças de motim foram enviados para
juizo.
– Entre a grande massa operaria, e por honra sua, foi asperamente comentada, e não perfilhada, a atitude dos desordeiros
manifestantes.
A Plebe, n.º 827, 3 de Janeiro de 1912, p. 3
N.º 31
Solidariedade com os trabalhadores rurais de Évora
(1912)
Adhesão operaria
Na ultima segunda feira reuniram no Salão da Cooperativa
Operaria Portalegrense, as associações de classe dos Corticeiros, Manufactores de calçado e Alvaneos, fazendo uso da palavra differentes oradores das mesmas colectividades, que trataram dos tristes acontecimentos na cidade d’Evora.
Em seguida, n’um numero extraordinario de pessoas, encaminharam-se para o Governo Civil, onde foram estar com o chefe
do districto, solicitando de sua ex.ª, dignasse telegraphar ao
governo, que as associações ali representadas em grande numero adheriram aos seus companheiros em greve na cidade de
Evora e por isso eram seus desejos de que fossem satisfeitos os
pedidos por elles apresentados ao governo.
Foi enviado telegramma n’este sentido.
O Distrito de Portalegre, n.º 1939, 31 de Janeiro de 1912, p.2
N.º 32
Solidariedade com os trabalhadores rurais de Évora
(1912)
Portalegre
Em cousequencia do telegrama que de ahi recebemos quando
da gréve geral, os corticeiros, sapateiros e alvaneos reuniram
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na cooperativa em assembleia geral lavrando-se um protesto
contra as violencias das auctoridades em Evora, que foi levado
ao Governador Civil, com quem se trocaram algumas palavras
irritantes motivo porque em 29 de março foram presos e processados tres corticeiros soçios da associação, quatro sapateiros e um barbeiro.
Pedimos á Federação Corticeira nos indique a melhor forma de
procedermos nesta conjuntura.
A Direção
N. R. Muito brevemente a Federação Corticeira vae occupar-se
desse e outros assuntos que se prendem com os acontecimentos de janeiro findo, fazendo todo o possivel para que se remedeem todos os inconvenientes que houver.
O Corticeiro, n.º 146, 13 de Abril de 1912, p. 4
N.º 33
Solidariedade com os trabalhadores rurais de Évora
(1912)
Pelo tribunal
Estava marcado para o dia 17 do corrente o julgamento em processo correcional de Gervasio Augusto Madeira, Antonio Teixeira, Manuel Esquetim, Carlos Pereira Ramos, Joaquim Maria
Carrapiço, Antonio Soares, Francisco Cabecinha e Domingos
Batista, todos d’esta cidade, acusados pelo Agente do Ministerio Publico de terem ofendido por palavras o Doutor José
d’Andrade Sequeira, quando exercia as funções de Governador
Civil d’este distrito, crime previsto e punido pelo artigo 181.º
do Codigo Penal.
Como nenhum dos arguidos tivesse advogado constituido, foilhes pelo Meritissimo Juiz nomeado advogadi oficioso o
Dr. Antonio Sampaio que á ultima hora pediu escusa.
Encontrando-se n’essa ocasião presentes dois advogados, o
digno juiz encarregou da defêsa o mais velho d’eles – Dr. Almei-
da e Souza – o qual declarou que aceitava a defêsa, mas que
precisava de uma conferencia previa com os arguidos, visto que
apenas conhecia um d’eles e precisava de os ouvir sobre a defèsa que tinham a apresentar.
Com a devida autorisação, passou o referido advogado a conferenciar com os arguidos e, finda essa conferencia, voltaram a
sala do tribunal, ditando em seguida o Dr. Almeida e Souza o
seguinte requerimento, que foi exarado na acta:
«Na sessão da Camara dos Deputados de 14 de Maio corrente
foi apresentado um projecto de lei, assinado por vários
deputados, cujo texto consta do jornal Diario de Noticias
n.º 16705, de 15 do corrente mez, pelo qual se aclarava e interpretava a lei de 4 do corrente sobre a amnistia concedida a todos os individuos implicados em casos de gréve que estivessem
presos ou tivessem sido pronunciados á data da promulgação
d’essa lei.
Tal projecto foi aprovado n’aquela camara, como se vê do Sumário da sessão da mesma Camara de 14 de Maio corrente, a paginas 1039, 1.ª coluna, embora a comissão de legislação criminal
lhe tenha introduzido quaesquer alterações na redacção, como
se do referido Sumário.
Transitou esse projecto para o Senado e tambem mereceu a sua
aprovação, como se póde ver no jornal Diario de Noticias de ontem 16 do corrente, n.º 16706.
Vê-se pois que o Congresso da Republica tornou extensiva a
amnistia concedida pela citada lei de 4 de Maio a todos os factos puniveis, que, relacionando-se directamente com casos de
gréve, os tenham precedido, acompanhado ou seguido e que
não tenham importado crime de homicidio nem qualquer dos
crimes previstos na lei de 30 d’Abril ultimo.
E, porque todos os arguidos n’este processo o são precisamente
porque, no pleno uso do seu direito de cidadãos livres, protestaram com fundamento que se lhes afigurou justo, e reclamaram do então governador civil deste distrito que solicitasse
providencias da autoridade superior relativamente aos casos
da gréve d’Evora, facto que se deu justamente no dia em que
essa gréve estava na sua fase mais aguda, não póde restar duvida de que este processo, como d’éle se vê passim, teve por causa
inicial um caso de gréve que foi a sua origem; e portanto, por
esta relação intima de causa para efeito, deve aproveitar aos
arguidos a aclaração já decretada pelo Congresso, á qual, para
ser lei d’este paiz, apenas falta a promulgação do Chefe do Estado, que tudo leva a crer, será feita dentro d’um praso de poucos dias.
N’estas condições seria inutil e até pouco equitativo que, decretada, como está, pelo Congresso uma aclaração à lei da amnistia oitada, este tribunal fizesse hoje este julgamento para –
quem sabe? – amanhã o ilustre juiz ter de lhe aplicar uma
amnistia.
Acresce que a já bastante longa prisão de sete dos arguidos não
deve ser agravada com a tortura d’um julgamento, que constitue um suplicio para os reus sem ser util á sociedade.
E já que – donde menos era de esperar – houve tão pouca generosidade para com estes infelizes filhos do povo, bem dignos
de melhor sorte; já que a sorte foi tão descaroavel para com
eles que os atirou durante quasi dois mezes para a escuridão
d’uma cadeia – emquanto outros mais felizes, tendo aliás praticado actos mais censuraveis do que estes, ficaram impunes e
andam gosando o sol acalentador desta suave primavera –,
justo é que pelo menos quando uma amnistia, cheia de generosidade està prestes a ser-lhes proveitosa, este tribunal mostre
a mesma generosidade e compaixão, como testemunho eloquente de que aqui dentro não se sabe o que é paixão e mau
humor, mas apenas impéra a serenidade calma que dignifica, e
o respeito pelos altos principios da justiça, que, ainda não
existam nas leis, são patrimonio da consciencia colectiva e
muito especialmente dos magistrados encarregados da aplicação das mesmas leis.
N’estes termos requere-se que este julgamento seja adiado até
que transformada que seja em lei a ampliação já decretada pelo
Congresso sobre amnistia, se veja se ela é ou não aplicavel aos
arguidos».
58
O meretissimo juiz, ouvido o Agente do Ministerio Publico que
declarou nada ter a opôr, deferiu ao requerido, adiando o julgamento e em seguida lembrou aos arguidos não afiançados que,
por força da lei, êles tinham novamente de recolher á cadeia, a
não ser que consseguissem arranjar fiador. o que muito agradavel lhe seria, atentas as circumstancias especiaes em que se encontram.
Levantou-se então o dr. Almeida e Sousa, seu advogado, e declarou que sendo ele a causa d’este adiamento não podia consentir
que, por virtude do seu modo de ver como advogado os arguidos
tivessem de soffrer mais tempo de prisão, embora preventiva, e
que, desejando assumir completa responsabilidade pelos seus
actos e opiniões, se oferecia como fiador de todos os sete reus
não afiançandos, apesar de não os conhecer, e que n’esse sentido
ia ser apresentado, como foi, requerimento ao meritissimo juiz.
Prestada a fiança que estava arbitrada em 200$00 réis para
cada reu, foram estes postos em liberdade.
O facto produziu no auditorio, que era numeroso, grande sensação. Quando o sr. dr. Almeida e Souza, sabia do Tribunal o
povo louvava sua ex.ª pela nobre acção e ao abraçal-o, o distincto advogado disse: Não quero manifestações, não quero manifestações d’especie alguma.
59
Os arguidos foram depois a casa do sr. dr. Almeida e Souza,
agradecer o grande favor, que sua ex.ª lhes acabava de fazer.
O Distrito de Portalegre, n.º 1970, 19 de Maio de 1912
N.º 34
Greve na Fábrica Pequena (1920)
Em Portalegre estão em greve os operários da fiação
Os operarios da fabrica de fiação, conhecida como Fabrica Pequena e pertencente ao Sr. Oliveira Meca, do Porto, estão em
greve há dias. Os operários, que ganham uns salarios de 1$40 a
1$80 pediram um aumento de 40%; o proprietario da fabrica
concedeu-lhes 10% mas com a condição de trabalharem mais
2 horas por dia.
Os operarios publicaram um manifesto dando explicações ao
publico e declararam a gréve. Os salarios são insignificantes e a
concessão de 10% é pouco menos que irrisorio, atendendo à
carestia da vida que, por assim dizer, cada hora se faz sentir
mais e mais.
A Pátria, n.º 1061, Lisboa, 11 de Setembro de 1920, p. 5
Resumos e palavras-chave
Abstracts and keywords
Resúmenes y palabras clave
Publicações da Fundação Robinson 23, 2012, p. 60-61, ISSN 1646-7116
60
PORTUGUÊS
ENGLISH
ESPAÑOL
Conflitos sociais em Portalegre
no tempo dos Robinson
Social Conflicts in Portalegre
during the Robinson period
Conflictos sociales en Portalegre
en la época de los Robinson
Nesta edição das Publicações da Fundação Robinson
focam-se os conflitos sociais e laborais ocorridos
no concelho de Portalegre entre os finais do século
XIX e 1920, tendo por base documental a imprensa
local e nacional. Durante este período destacam-se
no tecido industrial portalegrense a indústria corticeira e de lanifícios, ambas de tradição secular e
empregando milhares de operários. É sobretudo
no seio destas unidades industriais que, a par das
novas sociabilidades promovidas pelo liberalismo,
se vão formando movimentos organizados de classes – como os corticeiros – que reivindicam direitos sociais compatíveis com sua condição operária
e que manifestam uma solidariedade de classe até
então desconhecida.
This issue of the Publications of the Robinson Foundation is focused on the social and labour conflicts
which occurred in the district of Portalegre between
the late nineteenth century and 1920, based on documentation from the local and national press. During this period the cork and woollen industries were
particularly strong in the Portalegre industrial fabric, both with a centuries-long tradition and which
employed thousands of workers. It is mainly within
these industrial sectors, alongside the new sociability promoted by liberalism, that class movements
were formed – such as that of the cork workers claiming social rights compatible with their working
condition and showing a hitherto unknown class
solidarity.
En este número de las Publicaciones de la Fundación
Robinson se enfocan los conflictos sociales y laborales acaecidos en la región de Portalegre de finales
del siglo XIX a 1920, teniendo como base documental la prensa local y nacional. Durante este periodo
se destacan, entre las industrias de Portalegre,
la industria corchera y las lanas, ambas de tradición secular y que empleaban a miles de obreros.
Es sobre todo en el seno de estas unidades industriales donde, junto a las nuevas relaciones sociales animadas por el liberalismo, se van formando
movimientos organizados de clases – como los corcheros – que reivindican derechos adecuados a su
condición obrera, y que manifiestan una solidaridad de clase desconocida hasta entonces.
Palavras-chave
Séculos XIX e XX
Portalegre
Indústria
Operariado
Associativismo
Sindicalismo
Lutas Sociais
Greves
Keywords
Nineteenth and twentieth centuries
Portalegre
Industry
Working class
Associational Life
Trade Unionism
Social struggles
Strikes
Palabras-clave
Siglos XIX y XX
Portalegre
Industria
Obreros
Asociativismo
Sindicalismo
Luchas Sociales
Huelgas
61
Investimos no seu futuro
NETUR

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