ESP 13-02-19 C3 - Casa Imperial do Brasil

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ESP 13-02-19 C3 - Casa Imperial do Brasil
%HermesFileInfo:C-3:20130219:
O ESTADO DE S. PAULO
TERÇA-FEIRA, 19 DE FEVEREIRO DE 2013
Cidades/Metrópole C3
Múmia de imperatriz é maior surpresa
Nem historiadores sabiam que Dona Amélia está com pele, órgãos internos e até globos oculares intactos em plena cripta do Ipiranga
Uma das principais revelações
do estudo foi o fato de que Dona
Amélia de Leuchtenberg, segunda mulher de Dom Pedro I, foi
mumificada – um dado até aqui
desconhecido de sua biografia. A
imperatriz, que morreu em Lisboa em 1876 e cujos restos mortais foram trazidos à cripta do
Ipiranga em 1982, conserva pele
eórgãos internosintactos.Cabelos, cílios, unhas, globos oculares e órgãos como o útero estão
preservados.
“É uma das múmias em melhorestado deconservaçãojáencontradas no País. Agora, preci-
samos pesquisar para entender
exatamente por que ela ficou assim e, mais importante ainda,
compreender melhor quem foi
essa mulher, uma imperatriz esquecida na História do Brasil”,
diz a arqueóloga Valdirene Ambiel, responsável pelas pesquisasna cripta do Ipiranga.“Quando atrouxeram à cripta, em 1982,
dizia-se que ela estava ‘preservada’,masninguémsabiaquepoderia ser considerada múmia.”
As causas exatas da mumificação de Amélia ainda estão sendo
investigadas – isso não era comum entre a nobreza de Portu-
gal. “Pode ter sido um ‘acidente
de percurso’. Ela foi tratada para
ficar conservada alguns dias, para o funeral, e isso acabou inibindo o processo de decomposição”, diz Valdirene. Os exames
no Hospital das Clínicas revelaram uma incisão na jugular da
imperatriz. Por ali, foram injetados aromáticos como cânfora e
mirra. “Certamente, ajudou a
anular a decomposição.”
Outro fator que contribuiu foi
o sepultamento. “A urna foi tão
hermeticamente lacrada que
não havia micro-organismos para a decomposição. É irônico
que tenha acontecido justamentecomAmélia,quepediuexpressamente um funeral simples, no
qual não se costumava preparar
osmortos”,explicaValdirene,referindo-se ao testamento de
Amélia de Leuchtenberg, no
qual consta o pedido de um enterro sem ostentações. O documento, porém, só foi lido após o
funeral, quando a mumificação
já havia sido preparada.
Após passar pelo aparelho de
tomografia do Instituto de Radiologia e de receber uma biópsia,aimperatrizfoi“remumificada” – ela recebeu novo processo
deembalsamamento,semelhante ao qual havia passado 136 anos
antes. Valdirene também foi a
responsável por preparar e aplicarnamúmiaumasoluçãosemelhante à usada em Portugal no
século 19 (500g de naftalina,
500g decânfora, 300g de manganato de potássio, 2,5 litros de álcool a 92%, 2 litros de formol e
500g de timol). Com gaze e algodão, passou a mistura em todas
as partes visíveis da imperatriz –
face, pés, mãos e pescoço. “Tambémpassamosasoluçãonaslaterais do corpo preservado, para
que receba o tratamento por ab-
sorção. Nas costas, ficou do jeito
que estava, já que não podíamos
levantá-la do caixão”, conta.
Com a descoberta, o caixão de
Dona Amélia recebeu um visor
de vidro, que permitirá – apenas
a pesquisadores – observar seu
estado de conservação. No plano que apresentou à Prefeitura,
Valdirene se propõe a fazer visitas semanais à cripta, para checar a preservação da múmia.
“Faz parte do projeto de preservaçãodosrestosmortaisdafamília imperial. Precisamos tomar
conta das descobertas.” / EDISON
VEIGA e VITOR HUGO BRANDALISE
DO
JA
POR DENTRO DA CRIPTA IMPERIAL
CONJUNTO ESCULTÓRIO
QUE SIMBOLIZA A
LIBERDADE
Monumento à
independência abriga
a cripta imperial
●
Pela primeira vez em quase 180 anos, os restos mortais do
primeiro imperador brasileiro, Dom Pedro I foram exumados para
estudos. Também foram abertas as urnas funerárias de suas duas
mulheres: as imperatrizes Dona Leopoldina e Dona Amélia
PIRAS QUE SÃO
ACENDIDAS APENAS
NO 7 DE SETEMBRO
CONJUNTO REPRESENTA
“OS INCONFIDENTES
MINEIROS DE 1889”
CONJUNTO REPRESENTA
“OS REVOLUCIONÁRIOS
PERNAMBUCANOS DE 1817”
.D
AV
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CA
RI
R.
T
FE
Rio Ipiranga
Bandeira
nacional
Monumento
IPIRANGA
PEDRO I
LEOPOLDINA
AMÉLIA
Ele entrou para os livros de
História por ter proclamado a
Independência do País
A primeira imperatriz brasileira
nasceu na Áustria. Era uma
mulher caridosa e culta
Dom Pedro I casou-se com Dona
Amélia em 1829, três anos
depois da morte de Leopoldina
Parque da
Independência
DIOGO ANTÔNIO FEIJÓ
JOSÉ BONIFÁCIO
PAINEL “INDEPENDÊNCIA
OU MORTE”
Museu
Paulista
N
As urnas
A cripta
Os exames médicos
realizados no primeiro
imperador do Brasil
confirmam a historiografia
oficial, cheia de relatos de seu
espírito inquieto e com
registro de pelo menos dois
grandes acidentes de cavalo
O estudo contradiz a história de
que Dona Leopoldina teria sido
derrubada de uma escada no
palácio da Quinta da Boa Vista e
fraturado o fêmur. Nas análises
no Instituto de Radiologia da USP,
não foi constatada fratura nos
ossos da imperatriz
Nem os descendentes da família
imperial imaginavam que Dona
Amélia, a segunda mulher de
Dom Pedro I, estava mumificada.
Para os médicos envolvidos na
pesquisa, o fato de ela ter os
órgãos preservados abre várias
possibilidades de estudo
A CRIPTA FOI
CONSTRUÍDA EM
1953. UM ANO
DEPOIS RECEBEU
OS DESPOJOS DA
IMPERATRIZ
LEOPOLDINA. EM
1972, FOI A VEZ DE
D. PEDRO I E EM
1984 DE D. AMÉLIA
PEDRO I
LEOPOLDINA
OS RESTOS MORTAIS
ESTAVAM EM 3 URNAS,
ALÉM DO SARCÓFAGO
DE GRANITO
URNA INTERNA:
CAIXÃO SIMPLES
DE MADEIRA
AMÉLIA
ACESSO PÚBLICO
URNA EXTERNA:
ESQUIFE DE
MADEIRA
ELABORADO
O estudo
Cada caixão foi levado ao tomógrafo do Instituto
de Radiologia do Hospital das Clínicas
FACULDADE DE MEDICINA DA USP
FOTOS: VALTER MUNIZ E VICTOR HUGO MORI
URNA INTERMEDIÁRIA:
CHAPAS DE CHUMBO
DOBRADAS
SARCÓFAGO
DE GRANITO
TOMÓGRAFO
IMAGEM 3D DO DETALHE DAS MÃOS DE AMÉLIA
Imagens em 3D estão sendo
criadas em computador por
médicos especialistas do
Hospital das Clínicas. Elas
devem evidenciar detalhes
dos três personagens
históricos estudados
PLACA DA ORDEM DA
TORRE E DA ESPADA,
ENCONTRADA DENTRO DO
CAIXÃO DE DOM PEDRO I
FOTOS DE VALTER MUNIZ
Objetos recuperados
COMENDA DA ORDEM DA
TORRE E DA ESPADA,
ENCONTRADA DENTRO DO
CAIXÃO DE DOM PEDRO I
BRINCOS DA DONA
LEOPOLDINA, COM GEMA DE
RESINA, ENCONTRADOS NO
CAIXÃO DA IMPERATRIZ
INFOGRÁFICO: EDUARDO ASTA, RUBENS PAIVA E JONATAN SARMENTO /ESTADÃO
FONTE: ESTUDO DE MESTRADO DESENVOLVIDO PELA HISTORIADORA E ARQUEÓLOGA VALDIRENE DO CARMO AMBIEL
‘Se vivesse hoje, Dom Pedro I seria um playboyzinho’
Asquasecincohorasdetomografias e ressonâncias magnéticas
nosossosde DomPedro Irevelaram fraturas em quatro costelas
– marcas ósseas de dois acidentes a cavalo que o imperador sofreuno século 19 – uma emjunho
de 1823, quando caiu em uma ladeira do Rio, e outra em 1829, de
uma carruagem conduzida por
ele.“Issofoiperfeitamenteconstatado pelos exames”, afirma o
médico patologista Carlos Augusto Pasqualucci, diretor do
Serviço de Verificação de Óbitos
da Capital e professor da Facul-
dade de Medicina da USP.
O que os exames não demonstraramfoiumafraturadeclavícula, o que desmente relatório médico escrito após a quedas de
1823. “É compreensível o erro no
laudo, já que a fratura em questão é na primeira costela, que fica protegida pela clavícula. É até
difícil entender como ele conseguiu quebrar ali”, explica a arqueóloga responsável pelo estudo, Valdirene Ambiel.
Para o historiador Paulo
Rezzutti, autordolivro Titíliae o
Demonão, que mostra a corres-
TOSÃO DE OURO,
ENCONTRADO
DENTRO DO CAIXÃO
DE DOM PEDRO I
pondência trocada entre Dom
Pedro I e sua amante Domitília
de Castro, a Marquesa de Santos, as fraturas dão detalhes da
personalidade do imperador.
“Eleeraumapaixonadoporvelocidade. Desconfio que, se vivesse hoje, seria um playboyzinho
pilotando uma Harley Davidson
pelas estradas. E, bom, não devia
ser muito bom ‘piloto’, já que vivia caindo.”
Asfraturas ajudam aexplicar o
fato de a autópsia de Dom Pedro
I, conforme os arquivos da Torre
do Tombo, mencionarem que a
tuberculose, sua causa mortis,
atacou apenas um dos pulmões.
“Quando há múltiplas fraturas
nas costelas, isso tende a dificultar o movimento inspiratório
nesse pulmão”, explica Luiz FernandoFerrazdaSilva,especialista em patologia pulmonar da Faculdade de Medicina da USP. “O
bacilo da tuberculose gosta de
áreas com muito oxigênio. Logo,
acabounão‘atacando’oladoprejudicado.”
Magra. Em relação a Dona Leo-
poldina, Valdirene avalia que a
imagem consagrada pela iconografia oficial – de que ela era um
tanto rechonchuda – não coincide com a verdade. “O natural dela era ser magra. A preservação
daespinhanasal indicapossibilidadedetraçosdelicados”,justifica. “Quando ela morreu, não podemos afirmar se era obesa ou
não. Mas, pela ossatura, o normal seria que fosse uma pessoa
esguia.” Talvez o fato de ela ter
vivido grávida na maior parte do
tempo em que morou no Brasil
tenha contribuído para que fosse retratada sempre como uma
mulher gorda. “Com gravidezes
seguidas, não tinha como manter um corpo normal. E, por ser
originária de Viena, reclamava
sempre do calor do Rio, passava
mal. Isso causa inchaço.”
Asnovevezesemqueficougrávida nos nove anos de casamento com Dom Pedro I (sete filhos
e dois abortos) deixaram marcas
também na boca de Leopoldina.
Exames de arcada dentária revelaram que ela tinha alguns abscessos dentários (lesões na raiz
dos dentes), causados, segundo
o odontolegista que participou
da pesquisa, por deficiência de
cálcio–sintomacomumamulheres que têm uma gravidez seguida da outra. / E.V. e V.H.B.

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