o sindicalismo docente no Mato Grosso do Sul e no Paraná
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o sindicalismo docente no Mato Grosso do Sul e no Paraná
Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho, Ano 17, nº 27, 2012, 87-111 Estrutura sindical e cenário político: o sindicalismo docente no Mato Grosso do Sul e no Paraná Andréa Barbosa Gouveia e Marcos Ferraz Introdução: disputa sindical e marco institucional Desde Thompson (1987), a classe é compreendida como a resultante de um fazer-se a si mesma, assim como, o produto da construção de uma cultura própria, ou seja, é no fazer-se, no desenvolvimento e na consolidação de uma cultura que se definem interesses políticos e se concretiza a consciência de classe. Torna-se mais pertinente, portanto, relacionar estrutura e ação sindical, não como dois polos opostos e/ou definidores de uma dada realidade social, mas como pontos de mútua influência. É com esta percepção que, neste texto, estrutura sindical será interpretada em um sentido, até certo ponto, restritivo e limitado, de marco institucional que define legal e corporativamente o universo político e social da representação sindical. Nesse sentido, a estrutura sindical revela, portanto, uma consolidação institucional de um acúmulo de iniciativas e de ações de atores políticos reais, no interior de conflitos políticos e sociais concretos. Mas, também, a partir desta consolidação institucional, organiza o conjunto possível das escolhas das ações seguintes, visto que delimita um universo simbólico e representativo. A estrutura sindical, assim compreendida, como a institucionalização de um fazer-se e de um conjunto de práticas culturais, não se torna contraditória ao pensamento de Thompson. Estrutura, neste texto, volta-se a destacar, é uma fotografia da institucionalização das práticas e da cultura viva de um coletivo político. 88 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho Portanto, analisar o sindicalismo não se resume a glorificar ou lamentar sua aproximação ou distanciamento da revolução redentora. Analisar o sindicalismo é decifrar e compreender a ação de atores específicos, com necessidades materiais presentes, inseridos em perspectivas de futuro concretas, envolvidos em conflitos políticos reais e no interior de marcos institucional e cultural delimitados. Offe e Wiesenthal (1984) já deixavam evidente esta compreensão ao falar da necessidade de uma teoria sociológica do oportunismo para explicar a história sindical, desde que o oportunismo não seja compreendido como “uma atitude ou uma estrutura, mas como uma estratégia racional (...)”. (Offe; Wiesenthal, 1984: 110). No caso especificamente brasileiro, é preciso destacar a forte regulamentação jurídica que pesa sobre as relações entre capital e trabalho, desde a sanção da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)1, por Getúlio Vargas. Independente das interpretações que possam ser feitas, cabe registrar, ao menos, três componentes desta estrutura: a unicidade sindical de base, o imposto sindical e o caráter normativo da Justiça do Trabalho (Boito Jr., 1991; Comin, 1995; Almeida, 1996). Mas dentro desta estrutura institucional, oportunidades de ação racional se ofereceram ao sindicalismo brasileiro. É na junção de estrutura e de ação racional dos sindicatos que se pretende explicar os passos e tropeços dos trabalhadores no Brasil. Ao olhar para o sindicalismo docente, se pode exemplificar, com particularidades empíricas, o que até aqui se apresentou através de uma explanação teórica. Legalmente, este quadro institucional corporativo que tão bem descreve a estrutura sindical brasileira, não pesa sobre o sindicalismo docente público, visto que este não é regulado pela CLT e que a Constituição brasileira nada prescreve como modelo de organização sindical dos servidores públicos. Mas a força de irradiação da cultura e das práticas desenvolvidas pelo sindicalismo de trabalhadores do setor privado para o setor público, em função da sua eficácia racional, não pode ser menosprezada, como registram Ferraz e Gouveia (2009). Sindicalismo docente Um elemento comum às diferentes perspectivas sobre a história da educação no Brasil é o registro do caráter sacerdotal como era encarada a atividade docente. Do professor tutor, que colocava sua casa à disposição de seus pupilos no período colonial e no império, à fatídica Estrutura sindical e cenário político... 89 frase, de autoria incerta, que diz que as professoras não ganham mal, são apenas mal casadas, a descrição da profissão, como algo ligado à vocação e à arte e não ao trabalho, construiu o simbolismo do sacerdócio e constituiu-se como um recorrente obstáculo para a consolidação dos interesses trabalhistas e classistas de docentes e outros profissionais da educação. Nesse sentido, é sempre impreciso – e até certo ponto aleatório – tentar fixar uma data ou um período em que se pode falar de um movimento coletivo dos professores e demais profissionais da educação. Alguns autores apontam os movimentos liberais ao redor de Anísio Teixeira, nos anos de 1930. Outros falam sobre a movimentação em torno da LDB na década de 1940. Esta é inclusive a perspectiva da própria Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE. Há, ainda, aqueles que reivindicam as greves do final dos anos de 1970 e início de 1980, ou mesmo o período de fundação dos sindicatos, legalmente constituídos, após a Constituição de 1988. Aqui, contudo, propõe-se que esta origem não é localizável em nenhuma data precisa, mas se encontra ao longo do processo de universalização do ensino fundamental, com a consequente massificação do profissional da educação. E para fazer eco a Thompson (1987), o sindicalismo docente não surgiu em um belo e preciso dia da primavera, mas é o fazer-se contínuo e, muitas vezes, contraditório de um conjunto de atores ao redor do campo educacional (Cunha, 1981; Vicentini; Lugli, 2009). Há, sem dúvida, polêmica ao redor deste fazer-se, visto que autores, como Ferreira Jr. e Bittar (2006), ou Abramo (1986), colocaram acento inverso neste processo, vendo a massificação como a fragilização do movimento, devido à pouca perspectiva intelectual, ou mesmo, de ascensão social das camadas populares. Assim, afirmam Bittar e Ferreira: Do ponto de vista da extração social, a nova categoria dos professores públicos do ensino básico resultou, fundamentalmente, de duas vertentes da estrutura de classes da sociedade brasileira contemporânea. A primeira foi constituída por aqueles que sofreram um processo de mobilidade social vertical descendente, ou seja, pertenciam a certas camadas da burguesia ou das altas classes médias e foram proletarizados econômica e socialmente no curso da monopolização que as relações de produção capitalistas tomaram nas últimas décadas. Já a segunda originou-se de determinadas frações das classes médias baixas ou das camadas dos trabalhadores urbanos que se beneficiaram da expansão 90 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho da educação universitária, a partir dos anos de 1970, e efetivaram uma mobilidade vertical ascendente na pirâmide da estrutura social (Ferreira Jr.; Bittar, 2006: 1158). A leitura sobre a duplicidade de origem social que forma a categoria de professores públicos brasileiros é correta, mas é na interpretação sobre as consequências políticas desta duplicidade que se monta a polêmica. E aí, incorporando o argumento de Abramo (1986), Ferreira Jr. e Bittar vão reproduzir a seguinte afirmação: Essa segunda [vertente] – para quem ser professor significa quase o apogeu na escala de ascensão social – passa a ter, diante dos problemas da educação e dos problemas da sua corporação profissional, uma atitude bastante diferente da primeira, que se proletarizou no trabalho. A segunda camada, que talvez hoje, em certos centros urbanos do país, constitua a maioria, tem-se mostrado, de certa forma, conservadora e pouco afeita à luta por modificações e transformações na educação e na sociedade (Abramo, 1986: 78-79). No entanto, na perspectiva aqui proposta, a massificação do recrutamento dos novos professores, mesmo ocasionando esta duplicidade de origem social, significa a transformação da vocação e do sacerdócio em trabalho de base assalariada, impulsionando a consolidação de um interesse coletivo propriamente trabalhista. De certa forma, esta visão negativa da categoria, no sentido de sua limitação cultural e de suas baixas aspirações sociais – que Abramo (1986) explicita e que Ferreira Jr. e Bittar (2006) reforçam – reproduz, tardiamente (algo como cinquenta anos depois), o debate sobre a impossibilidade de um movimento operário brasileiro (devido ao compadrio, à ignorância, à sua origem rural) que, desde a metade da década de 1970, foi vencido nos trabalhos sobre o sindicalismo operário. Assim, seja a partir de 1930, na década de 1940, nos anos de 1970 ou no pós-constituinte, é durante o processo de universalização do ensino fundamental e na consequente estruturação de uma ampla rede de ensino, envolvendo os diferentes níveis federativos, que uma consciência profissional, coletiva e, em alguns momentos, de classe, se consolidou. Nesta perspectiva, as greves dos finais dos anos de 1970 e de toda a década de 19802 são menos um marco zero, e mais um momento significativo em que o amadurecimento de uma consciência coletiva se manifesta na forma de ações coordenadas e com sentido político e trabalhista para os profissionais da educação. Estrutura sindical e cenário político... 91 Quando falamos sobre o sindicalismo docente, portanto, é preciso ter em consideração algumas de suas características específicas. Legalmente, o sindicalismo docente público existe somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que reconheceu o direito de sindicalização dos servidores públicos. Sua prática sindical, no entanto, reúne a experiência passada (anterior a 1988), de organização de professores em instituições associativas de caráter mais recreativo e assistencial que propriamente trabalhista (Gadotti, 1996; Vicentini; Lugli, 2009), e o intenso diálogo, ao longo das greves de fins de 1970 e dos anos de 1980, com setores dos trabalhadores já organizados sindicalmente, no bojo do novo sindicalismo (Nogueira, 2005). Em termos nacionais, há que se agregar ainda a experiência de mobilização construída em torno das conferências brasileiras de educação (CBEs)3 que reuniam um grande campo de defensores do sistema público de ensino. Entre estes estava a Confederação dos Professores do Brasil (CPB), atualmente CNTE. Aconteceram cinco sessões das CBEs que antecederam a formulação de propostas para a Constituinte de 1988 e para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996. A primeira, CBE/1980 (abril), em São Paulo, com 1,4 mil participantes; a segunda, CBE/ 1982 (junho), em Belo Horizonte, com 2 mil participantes; a terceira, CBE/1984 (outubro), com 5 mil participantes; a quarta, CBE/1986 (setembro), em Goiânia, com 6 mil participantes; e a quinta, CBE/1988 (agosto), em Brasília, com 6 mil participantes (Cunha, 1995: 94). Das quatro primeiras conferências, resultou a emenda popular apresentada ao capítulo da educação na constituinte, e da última, resultou o Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, apresentado em 1988 e acompanhado por milhares de assinaturas, ainda que sem o caráter de projeto de iniciativa popular. Nesses termos, é preciso compreender que a participação ativa dos sindicatos de professores na definição das políticas de financiamento da educação, na formulação das redes de ensino, na estruturação do sistema, nos debates sobre as políticas pedagógicas são centrais para a sua prática sindical, e não apenas uma prática agregada a uma centralidade das ações voltadas para as questões corporativas e trabalhistas. De certa forma, o debate sobre as condições de trabalho docente engendrou questões centrais da política educacional. Assim, definições como número de alunos por turma, forma de organização do tempo escolar, definição do projeto pedagógico de escolas e de sistemas de ensino demandam participação dos docentes diretamente e ocupam as pautas dos sindicatos de 92 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho professores. Mais que isto. São definições que têm sido disputadas, não apenas no âmbito dos processos de negociação tradicionais entre o poder público e os sindicatos, em momentos específicos de negociações salariais – que como uma aproximação do sindicalismo do setor privado se dá em momentos definidos como data-base através de leis municipais/estaduais ou por acordo entre sindicatos e poder público –, mas as condições de trabalho podem ser negociadas, também, no âmbito de outros processos que não são tratados como negociações trabalhistas, a priori. Por exemplo, a definição de leis específicas de dimensionamento de pessoal nas redes de ensino, no âmbito da formulação de planos municipais/estaduais de educação ou ainda nos conselhos municipais/estaduais de educação, quando estes produzem normatizações específicas para a oferta educacional local. A junção, entre uma possibilidade jurídica tardia de organização sindical e uma vinculação quase genética entre problemas de condições de trabalho dos docentes e definições da política educacional, produz um desafio à capacidade de interpretação da realidade, por parte do pesquisador. Acrescente-se ainda que, apesar da existência do sindicalismo de servidores públicos (incluído o sindicalismo docente, legitimamente reconhecido), não há nenhuma base jurídica sólida que regule as relações entre o Estado-patrão e o servidor-trabalhador. O direito à sindicalização dos servidores públicos foi garantido, em 1988, através da Constituição, que, no inciso VI, do seu artigo 37, dispõe: “é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical” (Brasil, 1988: 13). No entanto, a legislação é omissa sobre a estrutura organizativa para a efetivação desse direito. Assim, a forma de organização dos sindicatos de servidores públicos, entre eles os professores, seguiu apenas as próprias iniciativas de sindicalistas e servidores – estas pautadas pela cultura sindical anterior (Ferraz; Gouveia, 2009) – e a jurisprudência que foi se formando, quando algum setor do movimento sindical recorria à Justiça para definir disputas de base ou de reconhecimento de representação. Assim, na prática, ainda que inspirada pela estrutura celetista, os sindicatos de professores se organizaram a partir de iniciativas múltiplas, que resultaram em formas estruturais diferenciadas, através do território nacional. Este é um dos fatores que torna tão interessante o estudo comparativo entre os sindicatos docentes dos diferentes entes federados do território nacional. Estrutura sindical e cenário político... 93 Não se trata de olhar para a respectiva estrutura sindical docente como definidora inconteste da ação sindical, mas compreendê-la como resultante das definições históricas realizadas por dirigentes e militantes, frente às oportunidades que apareceram. Oportunidades que foram aproveitadas, tanto em função de possíveis resultados concretos que eram vislumbrados, como pelos valores políticos e ideológicos que orientavam as escolhas4. O mato grosso do sul O Mato Grosso do Sul foi criado como uma nova unidade da Federação a partir de Lei Federal Complementar nº 31, de 11 de outubro de 1977, tem sua primeira eleição parlamentar em 1978, mas só começa a existir oficialmente, a partir de 1º de janeiro de 1979, com a instalação da Assembleia Legislativa e a posse do primeiro governador, Harry Amorim Costa. Três características deste período nos parecem interferir diretamente na organização sindical docente do Mato Grosso do Sul. São elas: instabilidade jurídica na relação entre Estado e professores (Ferreira Jr., 2003; Biasotto; Tetila, 1991); instabilidade política em nível estadual (Ferreira Jr., 2003); e estabilidade política relativa, em nível municipal (Biasotto; Tetila, 1991). No que diz respeito à instabilidade jurídica, basta salientar que, em um período de pouco mais de seis meses, os professores foram estatutários e contratados temporários do antigo Mato Grosso uno; celetistas do Mato Grosso do Sul; e estatutários e contratados temporários do Mato Grosso do Sul. Esta instabilidade de enquadramento funcional foi fundamental para consolidar um forte sentimento de interesse comum que está na base da construção da identidade profissional dos professores do Mato Grosso do Sul. Como corretamente apontam Ferreira Jr. (2003) e Biasotto e Tetila (1991), o espírito da época, de enfrentamento à ditadura e de renascimento do sindicalismo nacional (é o mesmo período das grandes greves do ABC Paulista), é elemento constitutivo do movimento e inspirou muitos militantes. Mas sociologicamente, é preciso reunir a este ideário do movimento, como o chama Biasotto e Tetila, uma base material de interesse capaz de sedimentar a ação coletiva. As péssimas condições salariais são sem dúvida parte desta base material, mas a completa insegurança jurídica impedia qualquer previsão ou regularidade na vida futura dos professores. É nestes termos que a instabilidade jurídica se torna importante para o debate. 94 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho Em relação à instabilidade política estadual, entre 1º de janeiro de 1979 e 15 de março de 1983, ou seja, no período de apenas um mandato, o Mato Grosso do Sul teve três governadores oficiais (Harry Amorim Costa, Marcelo Miranda e Pedro Pedrossian), além do duas vezes interino Londres Machado. A ausência de uma liderança capaz de constituir uma hegemonia no interior da elite do estado nascente criou possibilidades de ações para os professores. Principalmente, ao longo dos governos de Harry Amorim Costa e Marcelo Miranda, os professores foram recebidos como possíveis aliados frente à oposição ferrenha liderada por Pedrossian. A fragilidade política dos dois primeiros governadores foi aproveitada pela mobilização contínua dos professores, transformando suas lutas em resultados concretos visíveis para toda a população. Este fenômeno conferiu reconhecimento imediato para entidades recém-nascidas, como foi o caso da ADP – Associação Douradense de Professores5 (futuro Simted – Sindicato Municipal dos Trabalhadores em Educação de Dourados), e da Feprosul – Federação de Professores de Mato Grosso do Sul6 – e, logicamente, também para suas lideranças. É preciso ainda registrar que esta instabilidade política estadual não se limitava à elite econômica do novo estado. Ela também se manifestou entre os próprios professores, visto que, na passagem do Mato Grosso uno, para o Mato Grosso do Sul, não havia nenhuma entidade dos professores que pudesse legitimamente reivindicar a representação estadual da categoria. Os conflitos entre a ACP – Associação Campograndense de Professores – e as demais entidades municipais resultaram em um cenário que inviabilizou qualquer debate de unificação na forma de uma associação estadual (Ferreira Jr., 2003; Biasotto; Tetila, 1991). Se por um lado, a instabilidade política estadual, criou espaço político para os professores, por outro, transformava cada acordo estabelecido com um governador, em fantasia para o governador seguinte. Portanto, a falta de previsibilidade do jogo político estadual criou também um cenário de insegurança para as ações das lideranças dos professores. Não havia condições de nenhum compromisso de longo prazo, estabelecendo um cenário típico do dilema do prisioneiro. Este é o contraponto em relação aos municípios, já que nestes existia uma relativa estabilidade. Tal cenário é visível na relação estável entre as lideranças dos professores de Dourados e representantes do poder legislativo local. O presidente da Câmara de Dourados, em 1978, Sultan Rasslan, foi um dos professores que iniciaram as articulações Estrutura sindical e cenário político... 95 para a fundação da ADP. A própria Câmara de Vereadores foi o palco de várias reuniões onde se debateram a criação da ADP, como relatam Biasotto e Tetila (1991), dois professores que ajudaram a fundar a associação. Esta estabilidade nos parece importante como pano de fundo para compreender o formato estrutural e institucional que tomaria o sistema de representação de interesses dos professores no estado. Afinal, a ADP, como entidade que daria origem ao Simted, nasceu no cenário de um jogo político estável no município e extremamente impreciso e imprevisível no plano estadual, seja nas relações com o estado, como em relações com as demais associações de professores. Neste cenário, os âmbitos estadual e municipais ofereciam oportunidades imediatas, e mesmo futuras, completamente diferentes para o desenvolvimento da ação sindical. Naquela reinava a incerteza e a impossibilidade de um compromisso legítimo, enquanto nesta governava a estabilidade e a previsibilidade de atores sociais reconhecidos, facilitando ações de concertação social. O Paraná O Paraná é um estado bastante mais antigo, se comparado com o Mato Grosso do Sul, visto que foi fundado na metade do século XIX. Quando, portanto, a Constituição Federal de 1988 autoriza a organização sindical dos servidores públicos, consequentemente dos professores, o estado já contava com uma história própria construída por estes sujeitos, um conjunto de atores sociais legitimamente reconhecidos e um quadro institucional estável. Ainda assim, o cenário político dos anos 1980, com o final da ditadura militar, desestabilizou algumas das relações previamente estabelecidas e torna o período rico em mobilização social em torno da educação. A eleição de José Richa, pela legenda do PMDB, em 1982, foi um marco em termos de políticas educacionais de uma perspectiva democrática, ainda que com forte conteúdo populista (Cunha, 1995). O projeto educacional do grupo do PMDB agregava uma perspectiva de fortalecimento do sistema público de ensino, a garantia da gratuidade de acesso à escola7 e a ampliação da participação da comunidade escolar na gestão mediante instauração de eleição de diretores de estabelecimentos escolares. Contudo, os canais de diálogo com as entidades representativas dos professores não sofreram alterações significativas. 96 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho Neste período, a organização dos professores no estado se fazia em diferentes associações. A Associação de Professores do Paraná (APP) já era a maior organização, pois tinha unificado, em 1981, a ação de três associações: a própria APP, a Associação dos Professores Licenciados do Paraná (APLP) e a Associação do Pessoal do Magistério do Paraná (APMP). É a APP que se pronuncia durante o governo Richa sobre a política educacional estadual, tanto em termos de reivindicações salariais quanto com avaliação sobre o processo de eleição de diretores. Para Cunha (1995), havia certa convergência entre bandeiras da política educacional dos movimentos de professores e o plano de governo de José Richa no momento inicial da eleição, porém as expectativas dos professores foram rapidamente frustradas. As expectativas de pronta reposição das perdas salariais, acumuladas ao longo da crise do milagre brasileiro, e de aumentos salariais logo se frustraram, como nos demais estados, principalmente naqueles onde foram eleitos governadores comprometidos com a democratização da sociedade. Para os professores paranaenses, as medidas de política educacional estavam a ser definidas sem a participação de suas entidades, ainda que fossem ao encontro de seus interesses (Cunha, 1995: 246). A continuidade do governo do PMDB no estado é marcada por greves importantes do magistério. Em 1986, a inflação descontrolada, com consequente perda salarial, levou os professores a mais uma greve por salários, primeira no governo Richa, porém a quarta desde a eclosão do ciclo de greves em 1978. A greve termina com o acordo em torno do piso de três salários-mínimos, acordo este que foi descumprido, o que desencadeou nova greve dois anos depois. Esta greve, em 1988, longa e marcada por forte conflito com o governo de Álvaro Dias, também do PMDB, foi reprimida com violência policial no dia 30 de agosto. Este dia passou a ser um marco na história do movimento de professores no estado. Na rede estadual, como se pode perceber, há um processo consistente de organização já nos anos de 1980. Esta característica, até certo ponto, é recorrente nos diversos estados brasileiros, inclusive no Mato Grosso do Sul, apesar da instabilidade macropolítica registrada no item anterior. Esta mesma consistência organizativa pode ser observada em alguns municípios, que já mantinham redes de ensino próprias, caso da capital Curitiba, por exemplo. Por força da regra vigente durante o regime militar, ao assumir o governo do Estado, o governador José Richa Estrutura sindical e cenário político... 97 nomeou o prefeito da capital (Maurício Fruet, também do PMDB). A política educacional em Curitiba, capital do estado, também ganhou marcas mais democráticas. Porém, neste caso, com uma interlocução, segundo Cunha (1995), mais forte com o movimento organizado dos professores. Nesse período, os professores de Curitiba estavam organizados na Associação Municipal do Magistério Municipal de Curitiba (AMMC). A Associação foi interlocutora importante para a formulação da legislação de eleição direta de diretores de escola, e no desenho legal do Estatuto do Magistério, que definiu, entre outras questões, pagamento pela maior habilitação e carga horária de trabalho semanal, incluindo hora atividade para os professores. Em 1988, a AMMC se transformou em Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba (Sismmac), à luz da nova Constituição. Sindicalismo docente em dois estados : base para uma sociologia comparada De início, portanto, como resultante da diferente história política dos dois estados, podem-se observar algumas diferenças conjunturais que não foram de menor relevância para as escolhas realizadas, por professores e demais trabalhadores da educação. A primeira diferença diz respeito à instabilidade política, no plano estadual, no caso sul mato-grossense, que não tinha paralelo no Paraná. Da mesma forma, no primeiro imperava uma instabilidade jurídica, que não se apresenta no segundo. Já quanto à relativa estabilidade política no plano municipal, era comum aos dois estados. Por fim, a maior antiguidade do Estado do Paraná, enquanto ente federado autônomo, ofereceu possibilidade de unificação de uma entidade estadual, possibilidade que havia sido explorada e conquistada pela luta dos trabalhadores em educação do referido estado. Em outras palavras, a APP era legitimamente reconhecida, pelos professores e demais atores sociais, como representante estadual dos docentes. Esta entidade, legitimamente aceita como representante estadual, não existia, neste momento, no Mato Grosso do Sul. Sob essas diferenças, no momento de consolidação da representação corporativa dos professores – greves do final dos anos de 1970 e início de 1980 – não é de se estranhar que tenham emergido formatos institucionais diferentes para a representação de interesses. Nas investigações comparativas, entre os estados de Mato Grosso do Sul e Paraná, foram 98 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho encontrados alguns formatos de estrutura sindical que merecem registro. O caso paranaense, como se verá, parece reproduzir a estrutura que se encontra na maioria dos estados brasileiros, mas o Mato Grosso do Sul oferece certo desafio à imaginação sociológica. O esquema que se segue apresenta a estrutura organizativa do sindicalismo docente no Paraná: Organização Sindical de Professores no Paraná Sindicato Municipal (Rede Municipal) Sindicato Estadual (Rede Estadual) Associação Municipal (Rede Municipal) A representação de interesses dos professores se organiza em duas ramificações separadas. Para os professores da Rede Estadual de Ensino, há um Sindicato Estadual de Professores da Rede Estadual. No caso paranaense, este sindicato é a APP-Sindicato. O mesmo acontece em São Paulo com a APEOESP (Nogueira, 2005; Gerolmo, 2009), no Rio Grande do Sul com o CPERS-Sindicato (Bulhões; Abreu, 1992) e em outros estados do território nacional. Nas maiores redes municipais de ensino, os professores se encontram organizados e representados através de sindicatos municipais. É o caso de Sismmac e Sismmar – Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Araucária –, em Curitiba e Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba. Por fim, em cidades, onde não existe um sindicato municipal de professores, o Sindicato Estadual, em parceria com associações municipais de professores, representa os docentes destas redes municipais específicas. É o que acontece entre a APP-Sindicato e a Associação de Professores de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba (Ferraz; Gouveia, 2009). Não há uma federação estadual de professores ou trabalhadores em educação. Em relação ao Mato Grosso do Sul, este modelo de representação não foi reproduzido. A estrutura de organização sindical não segue os desenhos das redes municipais e estadual de ensino. O esquema, que se segue, demonstra o que ocorre no estado do Centro-Oeste: Estrutura sindical e cenário político... 99 Organização Sindical de Professores no Mato Grosso do Sul Federação Estadual (Redes Estadual e Municipais) Sindicato Municipal (Rede Estadual) Sindicato Municipal (Rede Municipal) A representação dos professores, no caso do Mato Grosso do Sul, se estrutura preferencialmente no nível municipal, independente da rede de ensino em que o professor atua. A representação estadual é apenas derivada para a Federação, a partir do poder concentrado nos sindicatos municipais. Esta estrutura lhe confere características peculiares que desafiam o pensamento e a interpretação sociológica, pois a lógica de sua organização não se encontra no enquadramento jurídico dos seus representados, mas na divisão federativa do estado. Este fato sugere uma relação potencialmente diferente entre as funções de representação corporativo-trabalhista e de formulador de políticas públicas que caracterizam os sindicatos de professores, pois a organização dos trabalhadores não tem correspondência com o seu paralelo na estrutura da organização patronal. Mas as variações estruturais não param por aí. Se o Paraná parece reproduzir o modo organizativo majoritário dos outros estados, quando se observa a cidade de São José dos Pinhais também na Região Metropolitana de Curitiba, se encontra uma exceção, na estrutura, que a princípio seria a modelar. Neste caso, é rompida a organização pela categoria profissional, pois trabalhadores em educação estão reunidos aos demais servidores públicos do município. Foi preciso elaborar mais um esquema para conseguir resumir a realidade revelada pela descoberta empírica: 100 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho Organização Sindical de Professores no Paraná, com São José dos Pinhais SINSEP Coletivo de Trabalhadores em Educação Sindicato Municipal (Rede Municipal) Sindicato Estadual (Rede Estadual) Associação Municipal (Rede Municipal) No caso de São José dos Pinhais, um virtual Sindicato de Trabalhadores em Educação da Rede Municipal está no interior do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São José dos Pinhais – Sinsep, na forma de um coletivo de educação. Neste caso, mesmo sendo um sindicato da base cutista, o Sinsep contraria as ideias tanto dos ramos de atividade como das categorias profissionais, e segue em sentido contrário ao da maioria dos sindicatos de servidores que separaram, principalmente, os ramos de educação e saúde. Estruturas com diferenças significativas podem ser resultado de orientações políticas singulares de lideranças políticas específicas, em momentos específicos. Em outras palavras, é preciso compreender as conjunturas históricas nas quais cada ator social pode se movimentar. Não basta, portanto, verificar, simplesmente, as identidades ideológicas de cada direção sindical. É preciso verificar, também, em que conflitos o sindicato esteve envolvido, assim como que atores sociais ele combateu ou com quais ele se viu obrigado a estabelecer alianças. Mais uma vez estamos diante da necessidade de uma teoria sociológica do oportunismo do qual nos fala Offe e Wiesenthal (1984). Legalmente, como instituições propriamente sindicais que representam interesses corporativos, o sindicalismo docente público passou a existir somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Como já foi registrado, isto significou diálogo com a experiência passada, com outras formas de associativismo docente (Vicentini; Lugli, 2009), e diálogo com a organização de outros trabalhadores no contexto do novo sindicalismo. Se o diálogo com o novo sindicalismo conferiu algumas características sobre o movimento docente, como a organização de base e a Estrutura sindical e cenário político... 101 mobilização da categoria ao redor de datas-base8, por exemplo; as práticas anteriores a 1988, que eram desenvolvidas pelas antigas associações nacionais, estaduais e municipais de professores, também deixaram suas marcas. Para Nogueira (2005), a forte estrutura recreativa e mesmo assistencialista de boa parte dos sindicatos de professores é devedora deste passado. Mas para Gadotti (1996) e Monlevade (1990), há outra característica destes sindicatos que deriva deste passado e se transformou em marca específica de sua ação política. Os sindicatos de professores são portadores de uma antiga tradição de intervenção direta e ativa na formulação de políticas públicas, como já foi estruturalmente registrada em parágrafos anteriores. Esta prática se intensifica, principalmente, ao longo dos anos de 1990, com os novos espaços institucionais abertos pela Constituição de 1988. Com o novo texto constitucional e um conjunto de leis infraconstitucionais, os sindicatos de professores passaram a ter assento em um conjunto de conselhos ligados aos temas da educação, em que podemos destacar tanto os conselhos nacional, estaduais e municipais de educação como os conselhos de acompanhamento e controle social do Fundef, e posteriormente, Fundeb (Ferraz; Gouveia, 2009).9 Esta tradição antiga talvez explique porque a atuação junto ao Estado, no papel de formulador e fiscalizador da política pública, não se dê a partir de uma política defensiva da categoria. Ao contrário de outros sindicatos de trabalhadores do setor privado, principalmente no interior da CUT – que vão ampliar sua ação ao redor das políticas públicas, em ação típica do que ficou conhecido como Sindicalismo Cidadão10, em um momento de refluxo da ação sindical – os sindicatos de professores intensificam a sua participação nas políticas educacionais, em um momento de forte ascensão de suas lutas. É preciso registrar que, ainda que as greves de fins dos anos de 1970 e início dos anos de 1980 sejam fundamentais para a organização dos professores (Nogueira, 2005; Gerolmo, 2009; Ferreira Jr., 2003; Biasotto; Tetila, 1991; Bulhões; Abreu, 1992), ao contrário do sindicalismo metalúrgico e bancário, os professores atravessaram todos os anos de 1990 na ofensiva, ampliando suas taxas de filiação (Cardoso, 2003) e aumentando o seu poder no interior da Central (Ferraz, 2012), a ponto de atingirem a presidência da CUT no início dos anos 2000. Afirmar que o sindicalismo docente está em um momento de ascensão nos anos de 1990 carrega certo grau de polêmica, visto que ampla 102 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho literatura registra exatamente o contrário. Este texto não tem a pretensão de colocar um fim neste debate, mas nos parece que é possível sustentar tal argumento. Ainda que o crescimento das taxas de filiação não seja suficiente, por si só, para decretar o sentido deste movimento, ele é dado empírico relevante para o debate. Da mesma forma, a votação de leis, como a Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), e como a Emenda Constitucional 14/1996 e a Lei 9.424/1996 que instituíram e regulamentaram o Fundef, pode ser interpretada nos dois sentidos: seja como a derrota do movimento docente, pois não atingiu todas as suas reivindicações, seja como vitória, pois logrou institucionalizar parâmetros de organização da atividade docente e do financiamento da educação que se encontravam fora de um marco legal mais preciso. Da mesma forma, os mesmos anos de 1990, em parte, em função da obrigatoriedade estabelecida na Lei do Fundef, significaram a conquista de planos de carreira em várias redes estaduais e municipais de ensino. Portanto, o que se registra aqui é que, enquanto na área privada se desmontava o marco legal, em sentido evidente de perda de direitos para os trabalhadores, no setor público – em especial no campo educacional – a conjunção, ainda que contraditória, de neoliberalismo e democratização de alguns aspectos do Estado, a partir do marco constitucional, não tem um sentido tão evidente e incontroverso. Por isso, é possível apontar o sentido ascendente do movimento de professores, tanto em alguns aspectos propriamente das relações de trabalho como de gestão democrática do sistema de ensino. Nesses termos, é preciso compreender que a participação ativa dos sindicatos de professores na definição das políticas de financiamento da educação, na formulação das redes de ensino, na estruturação do sistema e nos debates sobre as políticas pedagógicas é central para a sua prática sindical, e não apenas uma prática agregada à centralidade das ações voltadas para as questões corporativas e trabalhistas. Este envolvimento, portanto, com a estruturação das políticas públicas, assim como das redes municipais e estaduais de ensino, nos colocam mais uma questão que pode explicar parte da diferenciação estrutural entre os sindicatos docentes: o ritmo da municipalização das suas redes de ensino. O processo de ampliação da municipalização é comum a todas as unidades federadas nos anos de 1990. Os casos de Mato Grosso do Sul e do Paraná não são tão diferentes, mas chamam a atenção pelo fato de os dois estados já apresentarem participação substantiva das redes munici- 1.343.749 890.985 14.042 283.808 2.532.584 53% 35% 1% 11% Rede municipal Rede federal Rede particular Total Rede estadual Rede municipal Rede federal Rede particular 1996 Rede estadual Dependência Administrativa 13% 0,1% 40% 47% 2.650.814 344.664 3.636 1.057.382 1.245.132 2005 12% 0,2% 39% 49% 2.636.726 321.686 4.794 1.018.323 1.291.923 2009 14% 0,2% 29% 57% 562.064 78.513 967 163.337 319.247 1996 14% 0,2% 34% 52% 618.935 88.334 993 209.450 320.158 2000 13% 0,2% 38% 49% 612.008 82.347 978 231.223 297.460 2005 Mato Grosso do Sul Fonte: Censo Escolar Microdados de 1996, 2000, 2005, 2009 (tabulados pelo autor). 12% 0,3% 36% 52% 2.821.614 334.464 8.289 1.013.587 1.465.274 2000 Paraná Matrículas na educação básica Paraná e Mato Grosso do Sul Tabela 1 13% 0,2% 42% 45% 574.982 75.144 1.124 238.691 260.023 2009 Estrutura sindical e cenário político... 103 pais nas matrículas no início daquela década, quando o mecanismo de redistribuição de recursos via Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e Valorização do Magistério – Fundef – ainda não estava em curso. Tal característica pode ser observada na tabela abaixo: 104 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho Os dados da Tabela 1 permitem observar que, apesar de uma distribuição da matrícula muito similar entre as dependências administrativas nos dois estados em 2009, o ponto de partida da divisão da matrícula entre rede estadual e redes municipais é um pouco diferenciado. Em 1996, no caso paranaense, as redes municipais já participavam com 35% da oferta de vagas. No caso sul-mato-grossense, este percentual era de 29%. O ponto de chegada, em 2009, é respectivamente 39% para o caso paranaense e 42% para o sul-mato-grossense, ou seja, um ritmo mais intenso de crescimento das redes municipais, no segundo estado. Nos dois casos, a esta expansão da matrícula municipal corresponde uma diminuição da oferta da rede estadual, assim, para o trabalho docente, fica evidente uma mudança de local de oferta de trabalho. As redes federal e particular, nos dois casos, participam com a menor parte das matrículas, ainda que chame a atenção certa estabilidade da oferta de vagas federais no Mato Grosso do Sul e uma participação sempre um ponto percentual a mais da oferta da rede privada neste estado, comparativamente ao que ocorre no Paraná. Ao que interessa a este trabalho, ou seja, as especificidades das oportunidades para a organização da representação docente, o dado relevante é a intensidade do ritmo de transferência das matrículas da rede estadual para a municipal. Como em 1996, a municipalização do Paraná já estava quase concluída, houve uma estabilização das matrículas na rede estadual, que passaram a diminuir em ritmo lento. A hipótese explicativa é que tal estabilização nas duas redes pode ter possibilitado campo seguro de atuação política para sindicatos tanto municipais como estaduais. No entanto, o ritmo de diminuição das matrículas na rede estadual de Mato Grosso do Sul pode ter tornado a base política da rede estadual mais instável para a ação de um sindicato de base estadual, facilitando a incorporação dos professores desta rede aos sindicatos municipais que tinham uma base em expansão para a sua atuação. Neste sentido, o movimento das matrículas, ao longo dos anos de 1990, pode ter reforçado a tendência que havia sido aberta pela conjuntura política dos anos de 1970 e 1980. Esta hipótese, contudo, não oferece elementos para explicar o comportamento do Sinsep, em São José dos Pinhais. Outro elemento relevante, para a comparação entre os dois estados, é o pouco tempo que separa a criação do Estado do Mato Grosso do Sul, da fundação dos sindicatos docentes, a partir de 1988. Não se trata aqui de esgotar um debate sobre a fundação do Estado do Mato Grosso Estrutura sindical e cenário político... 105 do Sul, seja em seus aspectos históricos de falência do regime militar e de suas necessidades tecnocráticas de estabelecer um Estado Modelo, seja de seus aspectos políticos ao redor das diversas disputas entre as frações da elite do antigo Mato Grosso uno. Este não é o espaço adequado, devido à dimensão do problema, e nem os autores se sentem capacitados para tal empreitada. No entanto, é preciso demarcar características sociológicas e políticas deste processo que parecem influenciar diretamente a organização sindical dos professores no Mato Grosso do Sul, e mais especificamente, o Simted. Entre estas se destacam: a) o fato de o estado, sendo um ente relativamente novo na Federação, não contar com uma entidade de representação estadual dos professores legitimamente aceita pela sociedade local; b) a instabilidade político-institucional que a separação entre os estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul engendrou, especialmente, considerando a situação do funcionalismo público; e c) uma cultura política fortemente marcada por relações tradicionais (Ferraz, 2011). Em resumo, um cenário político e institucional diferenciado parece influenciar diretamente a forma de organização da representação de interesses, a ponto de moldar estruturas sindicais diferentes nos respectivos estados. Esta hipótese do cenário político e institucional pode ser explicativa também para o caso de São José dos Pinhais. A origem do Sinsep remete a uma entidade que nasceu como associação dos professores e, posteriormente, se transformou em associação dos servidores. Na fala dos sindicalistas, revelou-se uma dificuldade política da associação dos professores. Para os dirigentes, o poder autoritário e machista, da referida cidade metropolitana, fazia com que a direção do município não recebesse as “professorinhas”, pois não viam nelas liderança política. Tal explicação sugere problemas políticos concretos e locais, que condicionaram a estrutura organizativa. Por fim, o caso da APP-Sindicato e dos outros sindicatos municipais do Paraná, como Sismmac e Sismmar, encontram estabilidade e tradição de debate político, tanto no município como no estado. Tanto a APP, ainda como associação sem representação sindical, quanto a AMMC, que deu origem ao Sismmac, já contavam, neste momento, com legitimidade social, tanto junto aos docentes de suas respectivas redes de ensino como diante do poder de Estado. Esta estabilidade pode ter empurrado as decisões de como estruturar a organização dos trabalhadores mais para o aspecto da eficácia de mobilização, em função da unificação de interesses trabalhistas frente a um mesmo patrão. Nesse sentido, re- 106 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho sultando em uma estrutura de corte mais corporativo, dentro da tradição de políticas de concertação social, como nos vários outros estados da Federação. Neste ponto, a título de uma conclusão prévia, retomamos o argumento inicial. Na ausência de uma legislação que definisse minuciosamente a estrutura de representação dos servidores públicos, no pós-constituinte de 1988, os sindicatos docentes se organizaram, de acordo com interesses concretos precisos, mas aproveitando cada oportunidade que se oferecia. Em alguns momentos, procurando a ampliação de sua base de representação, como nos momentos de fusão de algumas associações ou mesmo de sindicatos de docentes e técnicos da educação, em outros, aproveitando fragilidades políticas da elite dirigente ou mesmo cenários favoráveis para a unificação de determinados interesses corporativos muito delimitados. Esta realidade moldou uma estrutura de representação variável, de diferentes formatos, nos diversos estados e municípios brasileiros. Estrutura variável que não pode ser explicada somente a partir dos compromissos ideológicos que orientavam os atores sociais ou mesmo da sua intencionalidade, mas que necessita de uma descrição das oportunidades políticas e sociais reais que se ofereceram ao longo da história de cada uma das entidades. O estudo comparativo entre sindicatos de diferentes redes, que se iniciou aqui, e que se espera se estenda em conjunto com outros pesquisadores, tem muito a revelar sobre as práticas de resistência dos trabalhadores docentes e dos demais trabalhadores da educação. Assim como comparações cada vez mais detalhadas, capazes de encontrar novas singularidades empíricas, poderão explicitar, também, estratégias de influenciar o poder público e os processos de redistribuição de capital simbólico em nossa sociedade. Processo que tanta importância tem no desenrolar da luta de classes e na própria construção da cultura e dos hábitos das classes sociais. (Recebido para publicação em dezembro de 2011) (Versão definitiva em abril de 2012) (Aprovado em maio de 2012) Estrutura sindical e cenário político... 107 Bibliografia Abramo, Perseu. (1986), “O professor, a organização corporativa e a ação política”, in Denice Bárbara Catani et al. (orgs.), Universidade, escola e formação de professor. 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Ainda que a regulamentação das relações de trabalho no Brasil tenha se iniciado anteriormente à sanção da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, esta se tornou um marco regulatório referência, pois tanto se sistematizou de forma mais orgânica um conjunto de iniciativas regulatórias anteriores como se estabeleceu a espinha dorsal para as iniciativas posteriores. É com este sentido que ela é encarada no presente texto. 2. O final dos anos de 1980 marca a crise que colocaria fim ao regime ditatorial que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Eram elementos desta crise um declínio nas taxas de crescimento econômico do país e um arrocho salarial. Tal contexto impulsionou diversas greves de trabalhadores que a partir de demandas trabalhistas se politizaram e se transformaram em elementos fundamentais para a derrubada da ditadura. Estas greves estão na origem do Partido dos Trabalhadores – PT, da Central Única dos Trabalhadores – CUT, e da trajetória política de Luís Inácio Lula da Silva. 3. A constituição de um campo de defesa de um projeto de educação pública pode ser perseguida desde as primeiras CBEs organizadas nos anos 1920 pela Associação Brasileira de Educação (ABE), porém o perfil de intelectuais liberais preocupados com a educação brasileira afasta este percurso do debate proposto neste artigo, ainda que as CBEs dos anos 1980 sejam uma retomada explícita da experiência anterior à ditadura militar. 4. A opção pelo imposto sindical, por exemplo, em tese, se ofereceu a todos os sindicatos de professores e demais trabalhadores da educação, mas apenas poucos sindicatos, como o Sintego – Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás, fizeram esta opção. 5. A ADP foi criada em 07 de maio de 1978. 6. A Feprosul foi fundada em 07 de abril de 1979, atualmente se chama Federação dos Trabalhadores em Educação do Mato Grosso do Sul – Fetems. 7. A Lei 5.692/71 em vigência naquele momento permitia a cobrança de taxas escolares dos alunos que não comprovassem impossibilidade de contribuição. O Paraná proibiu a cobrança de qualquer taxa em 1984. A Constituição de 1988 posteriormente tornaria todo o ensino oficial gratuito. 8. Data-base é o período do ano em que patrões e empregados se reúnem para negociar questões salariais e trabalhistas, ao redor dos acordos coletivos de trabalho. Como o período da data-base é definido legalmente, a partir da CLT, patrões e empregados estão obrigados a negociarem as condições de trabalho neste período. A recusa de uma das partes pode motivar que a resolução do conflito seja realizada pela Justiça. A data-base é uma das reivindicações mais antigas dos servidores públicos, para que o poder público seja obrigado a negociar pelo menos uma vez por ano. Em alguns estados e municípios, a data-base foi conquistada oficialmente, através de legislação ordinária. 9. Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e Valorização do Magistério. Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. 110 Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho 10. Entende-se Sindicalismo Cidadão, aqui, na perspectiva de Véras de Oliveira (2002) que o define como uma prática sindical que prioriza três eixos de atuação: a) a atuação propriamente trabalhista de representação de interesses; b) a atuação como responsável ativo pelo processo de democratização do Estado, através da fiscalização e da formulação de políticas públicas; c) a atuação como executor de políticas públicas. A partir desta conceituação de Véras de Oliveira, as ações que podem ser caracterizadas como Sindicalismo Cidadão é muito vasta e variável em cada caso concreto. Estrutura sindical e cenário político... 111 Resumo O debate sociológico brasileiro sobre a estrutura sindical é majoritariamente marcado pela regulamentação imposta pela CLT e pelos temas da unicidade sindical, imposto sindical e poder normativo da Justiça do Trabalho. Do ponto de vista estritamente legal, o sindicalismo docente público escapa a este quadro de análise. Tal realidade, legalmente menos restritiva, possibilitou a construção de organizações sindicais estruturalmente diferentes em diversos pontos do território nacional. O presente trabalho faz uma análise comparativa entre a estrutura sindical docente constituída em dois estados da Federação: Mato Grosso do Sul e Paraná. As diferenças são explicadas pelos diferentes processos políticos e institucionais que marcam a história dos trabalhadores docentes nestes diferentes estados. Palavras-chave: sindicalismo docente, estrutura sindical, Mato Grosso do Sul, Paraná. Abstract The Brazilian sociological debate on the union structure is framed mostly by the regulations imposed by the Consolidation of the Labor Code (CLT), including the union unity (unicidade sindical), the union tax (imposto sindical) and the Labor Justice regulatory power. From a strictly legal point of view, the teachers’ public unionism does not fit into this analytical framework. Its action and organization are much less regulated, which has led to unions that are structurally different in many parts of the country. The article presents a comparative analysis of the teachers’ union structure created in two states of the Brazilian Federation (Mato Grosso do Sul and Paraná). The differences between them are explained by diverging political and institutional processes in the teachers’ history. Keywords: teacher unionism, union structure, Mato Grosso do Sul, Paraná.