o sindicalismo docente no Mato Grosso do Sul e no Paraná

Transcrição

o sindicalismo docente no Mato Grosso do Sul e no Paraná
Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho, Ano 17, nº 27, 2012, 87-111
Estrutura sindical e cenário
político: o sindicalismo
docente no Mato Grosso do
Sul e no Paraná
Andréa Barbosa Gouveia e Marcos Ferraz
Introdução:
disputa sindical e marco institucional
Desde Thompson (1987), a classe é compreendida como a resultante de um fazer-se a si mesma, assim como, o produto da construção
de uma cultura própria, ou seja, é no fazer-se, no desenvolvimento e na
consolidação de uma cultura que se definem interesses políticos e se
concretiza a consciência de classe. Torna-se mais pertinente, portanto,
relacionar estrutura e ação sindical, não como dois polos opostos e/ou
definidores de uma dada realidade social, mas como pontos de mútua
influência. É com esta percepção que, neste texto, estrutura sindical será
interpretada em um sentido, até certo ponto, restritivo e limitado, de
marco institucional que define legal e corporativamente o universo político e social da representação sindical.
Nesse sentido, a estrutura sindical revela, portanto, uma consolidação institucional de um acúmulo de iniciativas e de ações de atores
políticos reais, no interior de conflitos políticos e sociais concretos. Mas,
também, a partir desta consolidação institucional, organiza o conjunto
possível das escolhas das ações seguintes, visto que delimita um universo simbólico e representativo. A estrutura sindical, assim compreendida,
como a institucionalização de um fazer-se e de um conjunto de práticas
culturais, não se torna contraditória ao pensamento de Thompson. Estrutura, neste texto, volta-se a destacar, é uma fotografia da institucionalização das práticas e da cultura viva de um coletivo político.
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Portanto, analisar o sindicalismo não se resume a glorificar ou
lamentar sua aproximação ou distanciamento da revolução redentora.
Analisar o sindicalismo é decifrar e compreender a ação de atores específicos, com necessidades materiais presentes, inseridos em perspectivas
de futuro concretas, envolvidos em conflitos políticos reais e no interior
de marcos institucional e cultural delimitados. Offe e Wiesenthal (1984)
já deixavam evidente esta compreensão ao falar da necessidade de uma
teoria sociológica do oportunismo para explicar a história sindical, desde que o oportunismo não seja compreendido como “uma atitude ou uma
estrutura, mas como uma estratégia racional (...)”. (Offe; Wiesenthal,
1984: 110).
No caso especificamente brasileiro, é preciso destacar a forte regulamentação jurídica que pesa sobre as relações entre capital e trabalho, desde a sanção da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)1, por
Getúlio Vargas. Independente das interpretações que possam ser feitas,
cabe registrar, ao menos, três componentes desta estrutura: a unicidade
sindical de base, o imposto sindical e o caráter normativo da Justiça do
Trabalho (Boito Jr., 1991; Comin, 1995; Almeida, 1996). Mas dentro
desta estrutura institucional, oportunidades de ação racional se ofereceram ao sindicalismo brasileiro. É na junção de estrutura e de ação
racional dos sindicatos que se pretende explicar os passos e tropeços dos
trabalhadores no Brasil. Ao olhar para o sindicalismo docente, se pode
exemplificar, com particularidades empíricas, o que até aqui se apresentou através de uma explanação teórica.
Legalmente, este quadro institucional corporativo que tão bem
descreve a estrutura sindical brasileira, não pesa sobre o sindicalismo
docente público, visto que este não é regulado pela CLT e que a Constituição brasileira nada prescreve como modelo de organização sindical
dos servidores públicos. Mas a força de irradiação da cultura e das práticas desenvolvidas pelo sindicalismo de trabalhadores do setor privado
para o setor público, em função da sua eficácia racional, não pode ser
menosprezada, como registram Ferraz e Gouveia (2009).
Sindicalismo
docente
Um elemento comum às diferentes perspectivas sobre a história
da educação no Brasil é o registro do caráter sacerdotal como era encarada a atividade docente. Do professor tutor, que colocava sua casa à
disposição de seus pupilos no período colonial e no império, à fatídica
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frase, de autoria incerta, que diz que as professoras não ganham mal,
são apenas mal casadas, a descrição da profissão, como algo ligado à
vocação e à arte e não ao trabalho, construiu o simbolismo do sacerdócio
e constituiu-se como um recorrente obstáculo para a consolidação dos
interesses trabalhistas e classistas de docentes e outros profissionais da
educação.
Nesse sentido, é sempre impreciso – e até certo ponto aleatório
– tentar fixar uma data ou um período em que se pode falar de um movimento coletivo dos professores e demais profissionais da educação.
Alguns autores apontam os movimentos liberais ao redor de Anísio Teixeira, nos anos de 1930. Outros falam sobre a movimentação em torno
da LDB na década de 1940. Esta é inclusive a perspectiva da própria
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE. Há,
ainda, aqueles que reivindicam as greves do final dos anos de 1970 e início de 1980, ou mesmo o período de fundação dos sindicatos, legalmente
constituídos, após a Constituição de 1988. Aqui, contudo, propõe-se que
esta origem não é localizável em nenhuma data precisa, mas se encontra
ao longo do processo de universalização do ensino fundamental, com
a consequente massificação do profissional da educação. E para fazer
eco a Thompson (1987), o sindicalismo docente não surgiu em um belo
e preciso dia da primavera, mas é o fazer-se contínuo e, muitas vezes,
contraditório de um conjunto de atores ao redor do campo educacional
(Cunha, 1981; Vicentini; Lugli, 2009).
Há, sem dúvida, polêmica ao redor deste fazer-se, visto que autores, como Ferreira Jr. e Bittar (2006), ou Abramo (1986), colocaram
acento inverso neste processo, vendo a massificação como a fragilização
do movimento, devido à pouca perspectiva intelectual, ou mesmo, de ascensão social das camadas populares. Assim, afirmam Bittar e Ferreira:
Do ponto de vista da extração social, a nova categoria dos professores
públicos do ensino básico resultou, fundamentalmente, de duas vertentes da estrutura de classes da sociedade brasileira contemporânea.
A primeira foi constituída por aqueles que sofreram um processo de
mobilidade social vertical descendente, ou seja, pertenciam a certas camadas da burguesia ou das altas classes médias e foram proletarizados
econômica e socialmente no curso da monopolização que as relações
de produção capitalistas tomaram nas últimas décadas. Já a segunda
originou-se de determinadas frações das classes médias baixas ou das
camadas dos trabalhadores urbanos que se beneficiaram da expansão
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da educação universitária, a partir dos anos de 1970, e efetivaram uma
mobilidade vertical ascendente na pirâmide da estrutura social (Ferreira
Jr.; Bittar, 2006: 1158).
A leitura sobre a duplicidade de origem social que forma a categoria de professores públicos brasileiros é correta, mas é na interpretação
sobre as consequências políticas desta duplicidade que se monta a polêmica. E aí, incorporando o argumento de Abramo (1986), Ferreira Jr. e
Bittar vão reproduzir a seguinte afirmação:
Essa segunda [vertente] – para quem ser professor significa quase o
apogeu na escala de ascensão social – passa a ter, diante dos problemas da educação e dos problemas da sua corporação profissional, uma
atitude bastante diferente da primeira, que se proletarizou no trabalho.
A segunda camada, que talvez hoje, em certos centros urbanos do país,
constitua a maioria, tem-se mostrado, de certa forma, conservadora e
pouco afeita à luta por modificações e transformações na educação e na
sociedade (Abramo, 1986: 78-79).
No entanto, na perspectiva aqui proposta, a massificação do recrutamento dos novos professores, mesmo ocasionando esta duplicidade
de origem social, significa a transformação da vocação e do sacerdócio
em trabalho de base assalariada, impulsionando a consolidação de um
interesse coletivo propriamente trabalhista. De certa forma, esta visão
negativa da categoria, no sentido de sua limitação cultural e de suas baixas aspirações sociais – que Abramo (1986) explicita e que Ferreira Jr.
e Bittar (2006) reforçam – reproduz, tardiamente (algo como cinquenta
anos depois), o debate sobre a impossibilidade de um movimento operário brasileiro (devido ao compadrio, à ignorância, à sua origem rural)
que, desde a metade da década de 1970, foi vencido nos trabalhos sobre
o sindicalismo operário.
Assim, seja a partir de 1930, na década de 1940, nos anos de 1970
ou no pós-constituinte, é durante o processo de universalização do ensino fundamental e na consequente estruturação de uma ampla rede de ensino, envolvendo os diferentes níveis federativos, que uma consciência
profissional, coletiva e, em alguns momentos, de classe, se consolidou.
Nesta perspectiva, as greves dos finais dos anos de 1970 e de toda a década de 19802 são menos um marco zero, e mais um momento significativo em que o amadurecimento de uma consciência coletiva se manifesta
na forma de ações coordenadas e com sentido político e trabalhista para
os profissionais da educação.
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Quando falamos sobre o sindicalismo docente, portanto, é preciso
ter em consideração algumas de suas características específicas. Legalmente, o sindicalismo docente público existe somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que reconheceu o direito de sindicalização dos servidores públicos. Sua prática sindical, no entanto, reúne
a experiência passada (anterior a 1988), de organização de professores
em instituições associativas de caráter mais recreativo e assistencial que
propriamente trabalhista (Gadotti, 1996; Vicentini; Lugli, 2009), e o intenso diálogo, ao longo das greves de fins de 1970 e dos anos de 1980,
com setores dos trabalhadores já organizados sindicalmente, no bojo do
novo sindicalismo (Nogueira, 2005).
Em termos nacionais, há que se agregar ainda a experiência de
mobilização construída em torno das conferências brasileiras de educação (CBEs)3 que reuniam um grande campo de defensores do sistema
público de ensino. Entre estes estava a Confederação dos Professores do
Brasil (CPB), atualmente CNTE. Aconteceram cinco sessões das CBEs
que antecederam a formulação de propostas para a Constituinte de 1988
e para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996. A primeira,
CBE/1980 (abril), em São Paulo, com 1,4 mil participantes; a segunda,
CBE/ 1982 (junho), em Belo Horizonte, com 2 mil participantes; a terceira, CBE/1984 (outubro), com 5 mil participantes; a quarta, CBE/1986
(setembro), em Goiânia, com 6 mil participantes; e a quinta, CBE/1988
(agosto), em Brasília, com 6 mil participantes (Cunha, 1995: 94). Das
quatro primeiras conferências, resultou a emenda popular apresentada ao
capítulo da educação na constituinte, e da última, resultou o Projeto de
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, apresentado em 1988
e acompanhado por milhares de assinaturas, ainda que sem o caráter de
projeto de iniciativa popular.
Nesses termos, é preciso compreender que a participação ativa
dos sindicatos de professores na definição das políticas de financiamento
da educação, na formulação das redes de ensino, na estruturação do sistema, nos debates sobre as políticas pedagógicas são centrais para a sua
prática sindical, e não apenas uma prática agregada a uma centralidade
das ações voltadas para as questões corporativas e trabalhistas. De certa
forma, o debate sobre as condições de trabalho docente engendrou questões centrais da política educacional. Assim, definições como número de
alunos por turma, forma de organização do tempo escolar, definição do
projeto pedagógico de escolas e de sistemas de ensino demandam participação dos docentes diretamente e ocupam as pautas dos sindicatos de
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professores.
Mais que isto. São definições que têm sido disputadas, não apenas
no âmbito dos processos de negociação tradicionais entre o poder público e os sindicatos, em momentos específicos de negociações salariais
– que como uma aproximação do sindicalismo do setor privado se dá em
momentos definidos como data-base através de leis municipais/estaduais ou por acordo entre sindicatos e poder público –, mas as condições
de trabalho podem ser negociadas, também, no âmbito de outros processos que não são tratados como negociações trabalhistas, a priori. Por
exemplo, a definição de leis específicas de dimensionamento de pessoal
nas redes de ensino, no âmbito da formulação de planos municipais/estaduais de educação ou ainda nos conselhos municipais/estaduais de educação, quando estes produzem normatizações específicas para a oferta
educacional local.
A junção, entre uma possibilidade jurídica tardia de organização
sindical e uma vinculação quase genética entre problemas de condições
de trabalho dos docentes e definições da política educacional, produz um
desafio à capacidade de interpretação da realidade, por parte do pesquisador. Acrescente-se ainda que, apesar da existência do sindicalismo de
servidores públicos (incluído o sindicalismo docente, legitimamente reconhecido), não há nenhuma base jurídica sólida que regule as relações
entre o Estado-patrão e o servidor-trabalhador. O direito à sindicalização
dos servidores públicos foi garantido, em 1988, através da Constituição,
que, no inciso VI, do seu artigo 37, dispõe: “é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical” (Brasil, 1988: 13).
No entanto, a legislação é omissa sobre a estrutura organizativa
para a efetivação desse direito. Assim, a forma de organização dos sindicatos de servidores públicos, entre eles os professores, seguiu apenas
as próprias iniciativas de sindicalistas e servidores – estas pautadas pela
cultura sindical anterior (Ferraz; Gouveia, 2009) – e a jurisprudência
que foi se formando, quando algum setor do movimento sindical recorria à Justiça para definir disputas de base ou de reconhecimento de
representação. Assim, na prática, ainda que inspirada pela estrutura celetista, os sindicatos de professores se organizaram a partir de iniciativas
múltiplas, que resultaram em formas estruturais diferenciadas, através
do território nacional. Este é um dos fatores que torna tão interessante
o estudo comparativo entre os sindicatos docentes dos diferentes entes
federados do território nacional.
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Não se trata de olhar para a respectiva estrutura sindical docente
como definidora inconteste da ação sindical, mas compreendê-la como
resultante das definições históricas realizadas por dirigentes e militantes,
frente às oportunidades que apareceram. Oportunidades que foram aproveitadas, tanto em função de possíveis resultados concretos que eram
vislumbrados, como pelos valores políticos e ideológicos que orientavam as escolhas4.
O
mato grosso do sul
O Mato Grosso do Sul foi criado como uma nova unidade da Federação a partir de Lei Federal Complementar nº 31, de 11 de outubro
de 1977, tem sua primeira eleição parlamentar em 1978, mas só começa
a existir oficialmente, a partir de 1º de janeiro de 1979, com a instalação da Assembleia Legislativa e a posse do primeiro governador, Harry
Amorim Costa. Três características deste período nos parecem interferir
diretamente na organização sindical docente do Mato Grosso do Sul.
São elas: instabilidade jurídica na relação entre Estado e professores
(Ferreira Jr., 2003; Biasotto; Tetila, 1991); instabilidade política em nível estadual (Ferreira Jr., 2003); e estabilidade política relativa, em nível
municipal (Biasotto; Tetila, 1991).
No que diz respeito à instabilidade jurídica, basta salientar que,
em um período de pouco mais de seis meses, os professores foram estatutários e contratados temporários do antigo Mato Grosso uno; celetistas
do Mato Grosso do Sul; e estatutários e contratados temporários do Mato
Grosso do Sul. Esta instabilidade de enquadramento funcional foi fundamental para consolidar um forte sentimento de interesse comum que
está na base da construção da identidade profissional dos professores do
Mato Grosso do Sul. Como corretamente apontam Ferreira Jr. (2003) e
Biasotto e Tetila (1991), o espírito da época, de enfrentamento à ditadura e de renascimento do sindicalismo nacional (é o mesmo período das
grandes greves do ABC Paulista), é elemento constitutivo do movimento
e inspirou muitos militantes. Mas sociologicamente, é preciso reunir a
este ideário do movimento, como o chama Biasotto e Tetila, uma base
material de interesse capaz de sedimentar a ação coletiva. As péssimas
condições salariais são sem dúvida parte desta base material, mas a completa insegurança jurídica impedia qualquer previsão ou regularidade na
vida futura dos professores. É nestes termos que a instabilidade jurídica
se torna importante para o debate.
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Em relação à instabilidade política estadual, entre 1º de janeiro de
1979 e 15 de março de 1983, ou seja, no período de apenas um mandato,
o Mato Grosso do Sul teve três governadores oficiais (Harry Amorim
Costa, Marcelo Miranda e Pedro Pedrossian), além do duas vezes interino Londres Machado. A ausência de uma liderança capaz de constituir
uma hegemonia no interior da elite do estado nascente criou possibilidades de ações para os professores. Principalmente, ao longo dos governos de Harry Amorim Costa e Marcelo Miranda, os professores foram
recebidos como possíveis aliados frente à oposição ferrenha liderada por
Pedrossian. A fragilidade política dos dois primeiros governadores foi
aproveitada pela mobilização contínua dos professores, transformando
suas lutas em resultados concretos visíveis para toda a população. Este
fenômeno conferiu reconhecimento imediato para entidades recém-nascidas, como foi o caso da ADP – Associação Douradense de Professores5
(futuro Simted – Sindicato Municipal dos Trabalhadores em Educação
de Dourados), e da Feprosul – Federação de Professores de Mato Grosso
do Sul6 – e, logicamente, também para suas lideranças.
É preciso ainda registrar que esta instabilidade política estadual
não se limitava à elite econômica do novo estado. Ela também se manifestou entre os próprios professores, visto que, na passagem do Mato
Grosso uno, para o Mato Grosso do Sul, não havia nenhuma entidade
dos professores que pudesse legitimamente reivindicar a representação
estadual da categoria. Os conflitos entre a ACP – Associação Campograndense de Professores – e as demais entidades municipais resultaram
em um cenário que inviabilizou qualquer debate de unificação na forma
de uma associação estadual (Ferreira Jr., 2003; Biasotto; Tetila, 1991).
Se por um lado, a instabilidade política estadual, criou espaço político para os professores, por outro, transformava cada acordo estabelecido com um governador, em fantasia para o governador seguinte. Portanto, a falta de previsibilidade do jogo político estadual criou também
um cenário de insegurança para as ações das lideranças dos professores.
Não havia condições de nenhum compromisso de longo prazo, estabelecendo um cenário típico do dilema do prisioneiro.
Este é o contraponto em relação aos municípios, já que nestes
existia uma relativa estabilidade. Tal cenário é visível na relação estável entre as lideranças dos professores de Dourados e representantes do
poder legislativo local. O presidente da Câmara de Dourados, em 1978,
Sultan Rasslan, foi um dos professores que iniciaram as articulações
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para a fundação da ADP. A própria Câmara de Vereadores foi o palco
de várias reuniões onde se debateram a criação da ADP, como relatam
Biasotto e Tetila (1991), dois professores que ajudaram a fundar a associação. Esta estabilidade nos parece importante como pano de fundo
para compreender o formato estrutural e institucional que tomaria o sistema de representação de interesses dos professores no estado. Afinal,
a ADP, como entidade que daria origem ao Simted, nasceu no cenário
de um jogo político estável no município e extremamente impreciso e
imprevisível no plano estadual, seja nas relações com o estado, como em
relações com as demais associações de professores.
Neste cenário, os âmbitos estadual e municipais ofereciam oportunidades imediatas, e mesmo futuras, completamente diferentes para o
desenvolvimento da ação sindical. Naquela reinava a incerteza e a impossibilidade de um compromisso legítimo, enquanto nesta governava a
estabilidade e a previsibilidade de atores sociais reconhecidos, facilitando ações de concertação social.
O Paraná
O Paraná é um estado bastante mais antigo, se comparado com o
Mato Grosso do Sul, visto que foi fundado na metade do século XIX.
Quando, portanto, a Constituição Federal de 1988 autoriza a organização
sindical dos servidores públicos, consequentemente dos professores, o
estado já contava com uma história própria construída por estes sujeitos,
um conjunto de atores sociais legitimamente reconhecidos e um quadro
institucional estável. Ainda assim, o cenário político dos anos 1980, com
o final da ditadura militar, desestabilizou algumas das relações previamente estabelecidas e torna o período rico em mobilização social em
torno da educação.
A eleição de José Richa, pela legenda do PMDB, em 1982, foi um
marco em termos de políticas educacionais de uma perspectiva democrática, ainda que com forte conteúdo populista (Cunha, 1995).
O projeto educacional do grupo do PMDB agregava uma perspectiva de fortalecimento do sistema público de ensino, a garantia da gratuidade de acesso à escola7 e a ampliação da participação da comunidade escolar na gestão mediante instauração de eleição de diretores
de estabelecimentos escolares. Contudo, os canais de diálogo com
as entidades representativas dos professores não sofreram alterações
significativas.
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Neste período, a organização dos professores no estado se fazia em diferentes associações. A Associação de Professores do Paraná
(APP) já era a maior organização, pois tinha unificado, em 1981, a ação
de três associações: a própria APP, a Associação dos Professores Licenciados do Paraná (APLP) e a Associação do Pessoal do Magistério
do Paraná (APMP). É a APP que se pronuncia durante o governo Richa
sobre a política educacional estadual, tanto em termos de reivindicações
salariais quanto com avaliação sobre o processo de eleição de diretores.
Para Cunha (1995), havia certa convergência entre bandeiras da política
educacional dos movimentos de professores e o plano de governo de
José Richa no momento inicial da eleição, porém as expectativas dos
professores foram rapidamente frustradas.
As expectativas de pronta reposição das perdas salariais, acumuladas ao longo da crise do milagre brasileiro, e de aumentos salariais
logo se frustraram, como nos demais estados, principalmente naqueles onde foram eleitos governadores comprometidos com a democratização da sociedade. Para os professores paranaenses, as medidas
de política educacional estavam a ser definidas sem a participação
de suas entidades, ainda que fossem ao encontro de seus interesses
(Cunha, 1995: 246).
A continuidade do governo do PMDB no estado é marcada por
greves importantes do magistério. Em 1986, a inflação descontrolada,
com consequente perda salarial, levou os professores a mais uma greve
por salários, primeira no governo Richa, porém a quarta desde a eclosão
do ciclo de greves em 1978. A greve termina com o acordo em torno do
piso de três salários-mínimos, acordo este que foi descumprido, o que
desencadeou nova greve dois anos depois. Esta greve, em 1988, longa
e marcada por forte conflito com o governo de Álvaro Dias, também do
PMDB, foi reprimida com violência policial no dia 30 de agosto. Este
dia passou a ser um marco na história do movimento de professores no
estado.
Na rede estadual, como se pode perceber, há um processo consistente de organização já nos anos de 1980. Esta característica, até certo
ponto, é recorrente nos diversos estados brasileiros, inclusive no Mato
Grosso do Sul, apesar da instabilidade macropolítica registrada no item
anterior. Esta mesma consistência organizativa pode ser observada em
alguns municípios, que já mantinham redes de ensino próprias, caso da
capital Curitiba, por exemplo. Por força da regra vigente durante o regime militar, ao assumir o governo do Estado, o governador José Richa
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nomeou o prefeito da capital (Maurício Fruet, também do PMDB).
A política educacional em Curitiba, capital do estado, também
ganhou marcas mais democráticas. Porém, neste caso, com uma interlocução, segundo Cunha (1995), mais forte com o movimento organizado
dos professores. Nesse período, os professores de Curitiba estavam organizados na Associação Municipal do Magistério Municipal de Curitiba
(AMMC). A Associação foi interlocutora importante para a formulação
da legislação de eleição direta de diretores de escola, e no desenho legal
do Estatuto do Magistério, que definiu, entre outras questões, pagamento
pela maior habilitação e carga horária de trabalho semanal, incluindo
hora atividade para os professores. Em 1988, a AMMC se transformou
em Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba (Sismmac), à luz da nova Constituição.
Sindicalismo
docente em dois estados : base para uma
sociologia comparada
De início, portanto, como resultante da diferente história política dos dois estados, podem-se observar algumas diferenças conjunturais que não foram de menor relevância para as escolhas realizadas, por
professores e demais trabalhadores da educação. A primeira diferença diz respeito à instabilidade política, no plano estadual, no caso sul
mato-grossense, que não tinha paralelo no Paraná. Da mesma forma, no
primeiro imperava uma instabilidade jurídica, que não se apresenta no
segundo. Já quanto à relativa estabilidade política no plano municipal,
era comum aos dois estados. Por fim, a maior antiguidade do Estado
do Paraná, enquanto ente federado autônomo, ofereceu possibilidade de
unificação de uma entidade estadual, possibilidade que havia sido explorada e conquistada pela luta dos trabalhadores em educação do referido
estado. Em outras palavras, a APP era legitimamente reconhecida, pelos
professores e demais atores sociais, como representante estadual dos docentes. Esta entidade, legitimamente aceita como representante estadual,
não existia, neste momento, no Mato Grosso do Sul.
Sob essas diferenças, no momento de consolidação da representação corporativa dos professores – greves do final dos anos de 1970 e início de 1980 – não é de se estranhar que tenham emergido formatos institucionais diferentes para a representação de interesses. Nas investigações
comparativas, entre os estados de Mato Grosso do Sul e Paraná, foram
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encontrados alguns formatos de estrutura sindical que merecem registro.
O caso paranaense, como se verá, parece reproduzir a estrutura que se
encontra na maioria dos estados brasileiros, mas o Mato Grosso do Sul
oferece certo desafio à imaginação sociológica. O esquema que se segue
apresenta a estrutura organizativa do sindicalismo docente no Paraná:
Organização Sindical de Professores no Paraná
Sindicato Municipal
(Rede Municipal)
Sindicato Estadual
(Rede Estadual)
Associação Municipal
(Rede Municipal)
A representação de interesses dos professores se organiza em duas
ramificações separadas. Para os professores da Rede Estadual de Ensino, há um Sindicato Estadual de Professores da Rede Estadual. No caso
paranaense, este sindicato é a APP-Sindicato. O mesmo acontece em
São Paulo com a APEOESP (Nogueira, 2005; Gerolmo, 2009), no Rio
Grande do Sul com o CPERS-Sindicato (Bulhões; Abreu, 1992) e em
outros estados do território nacional. Nas maiores redes municipais de
ensino, os professores se encontram organizados e representados através
de sindicatos municipais. É o caso de Sismmac e Sismmar – Sindicato
dos Servidores do Magistério Municipal de Araucária –, em Curitiba e
Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba. Por fim, em cidades,
onde não existe um sindicato municipal de professores, o Sindicato Estadual, em parceria com associações municipais de professores, representa os docentes destas redes municipais específicas. É o que acontece
entre a APP-Sindicato e a Associação de Professores de Colombo, na
Região Metropolitana de Curitiba (Ferraz; Gouveia, 2009). Não há uma
federação estadual de professores ou trabalhadores em educação.
Em relação ao Mato Grosso do Sul, este modelo de representação
não foi reproduzido. A estrutura de organização sindical não segue os
desenhos das redes municipais e estadual de ensino. O esquema, que se
segue, demonstra o que ocorre no estado do Centro-Oeste:
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Organização Sindical de Professores no Mato Grosso do Sul
Federação Estadual
(Redes Estadual e Municipais)
Sindicato Municipal
(Rede Estadual)
Sindicato Municipal
(Rede Municipal)
A representação dos professores, no caso do Mato Grosso do Sul,
se estrutura preferencialmente no nível municipal, independente da rede
de ensino em que o professor atua. A representação estadual é apenas
derivada para a Federação, a partir do poder concentrado nos sindicatos municipais. Esta estrutura lhe confere características peculiares que
desafiam o pensamento e a interpretação sociológica, pois a lógica de
sua organização não se encontra no enquadramento jurídico dos seus
representados, mas na divisão federativa do estado. Este fato sugere uma
relação potencialmente diferente entre as funções de representação corporativo-trabalhista e de formulador de políticas públicas que caracterizam os sindicatos de professores, pois a organização dos trabalhadores
não tem correspondência com o seu paralelo na estrutura da organização
patronal.
Mas as variações estruturais não param por aí. Se o Paraná parece
reproduzir o modo organizativo majoritário dos outros estados, quando
se observa a cidade de São José dos Pinhais também na Região Metropolitana de Curitiba, se encontra uma exceção, na estrutura, que a
princípio seria a modelar. Neste caso, é rompida a organização pela categoria profissional, pois trabalhadores em educação estão reunidos aos
demais servidores públicos do município. Foi preciso elaborar mais um
esquema para conseguir resumir a realidade revelada pela descoberta
empírica:
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Organização Sindical de Professores no Paraná, com São José dos Pinhais
SINSEP
Coletivo de Trabalhadores
em Educação
Sindicato Municipal
(Rede Municipal)
Sindicato Estadual
(Rede Estadual)
Associação Municipal
(Rede Municipal)
No caso de São José dos Pinhais, um virtual Sindicato de Trabalhadores em Educação da Rede Municipal está no interior do Sindicato
dos Servidores Públicos Municipais de São José dos Pinhais – Sinsep, na
forma de um coletivo de educação. Neste caso, mesmo sendo um sindicato da base cutista, o Sinsep contraria as ideias tanto dos ramos de atividade como das categorias profissionais, e segue em sentido contrário ao
da maioria dos sindicatos de servidores que separaram, principalmente,
os ramos de educação e saúde.
Estruturas com diferenças significativas podem ser resultado de
orientações políticas singulares de lideranças políticas específicas, em
momentos específicos. Em outras palavras, é preciso compreender as
conjunturas históricas nas quais cada ator social pode se movimentar.
Não basta, portanto, verificar, simplesmente, as identidades ideológicas
de cada direção sindical. É preciso verificar, também, em que conflitos o
sindicato esteve envolvido, assim como que atores sociais ele combateu
ou com quais ele se viu obrigado a estabelecer alianças. Mais uma vez
estamos diante da necessidade de uma teoria sociológica do oportunismo do qual nos fala Offe e Wiesenthal (1984).
Legalmente, como instituições propriamente sindicais que representam interesses corporativos, o sindicalismo docente público passou
a existir somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Como já foi registrado, isto significou diálogo com a experiência passada, com outras formas de associativismo docente (Vicentini; Lugli,
2009), e diálogo com a organização de outros trabalhadores no contexto
do novo sindicalismo.
Se o diálogo com o novo sindicalismo conferiu algumas características sobre o movimento docente, como a organização de base e a
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mobilização da categoria ao redor de datas-base8, por exemplo; as práticas anteriores a 1988, que eram desenvolvidas pelas antigas associações
nacionais, estaduais e municipais de professores, também deixaram suas
marcas. Para Nogueira (2005), a forte estrutura recreativa e mesmo assistencialista de boa parte dos sindicatos de professores é devedora deste
passado. Mas para Gadotti (1996) e Monlevade (1990), há outra característica destes sindicatos que deriva deste passado e se transformou em
marca específica de sua ação política. Os sindicatos de professores são
portadores de uma antiga tradição de intervenção direta e ativa na formulação de políticas públicas, como já foi estruturalmente registrada em
parágrafos anteriores.
Esta prática se intensifica, principalmente, ao longo dos anos de
1990, com os novos espaços institucionais abertos pela Constituição de
1988. Com o novo texto constitucional e um conjunto de leis infraconstitucionais, os sindicatos de professores passaram a ter assento em um
conjunto de conselhos ligados aos temas da educação, em que podemos
destacar tanto os conselhos nacional, estaduais e municipais de educação como os conselhos de acompanhamento e controle social do Fundef,
e posteriormente, Fundeb (Ferraz; Gouveia, 2009).9
Esta tradição antiga talvez explique porque a atuação junto ao Estado, no papel de formulador e fiscalizador da política pública, não se dê
a partir de uma política defensiva da categoria. Ao contrário de outros
sindicatos de trabalhadores do setor privado, principalmente no interior
da CUT – que vão ampliar sua ação ao redor das políticas públicas, em
ação típica do que ficou conhecido como Sindicalismo Cidadão10, em
um momento de refluxo da ação sindical – os sindicatos de professores intensificam a sua participação nas políticas educacionais, em um
momento de forte ascensão de suas lutas. É preciso registrar que, ainda
que as greves de fins dos anos de 1970 e início dos anos de 1980 sejam
fundamentais para a organização dos professores (Nogueira, 2005; Gerolmo, 2009; Ferreira Jr., 2003; Biasotto; Tetila, 1991; Bulhões; Abreu,
1992), ao contrário do sindicalismo metalúrgico e bancário, os professores atravessaram todos os anos de 1990 na ofensiva, ampliando suas
taxas de filiação (Cardoso, 2003) e aumentando o seu poder no interior
da Central (Ferraz, 2012), a ponto de atingirem a presidência da CUT no
início dos anos 2000.
Afirmar que o sindicalismo docente está em um momento de ascensão nos anos de 1990 carrega certo grau de polêmica, visto que ampla
102
Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
literatura registra exatamente o contrário. Este texto não tem a pretensão
de colocar um fim neste debate, mas nos parece que é possível sustentar
tal argumento. Ainda que o crescimento das taxas de filiação não seja
suficiente, por si só, para decretar o sentido deste movimento, ele é dado
empírico relevante para o debate. Da mesma forma, a votação de leis,
como a Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), e como
a Emenda Constitucional 14/1996 e a Lei 9.424/1996 que instituíram e
regulamentaram o Fundef, pode ser interpretada nos dois sentidos: seja
como a derrota do movimento docente, pois não atingiu todas as suas
reivindicações, seja como vitória, pois logrou institucionalizar parâmetros de organização da atividade docente e do financiamento da educação que se encontravam fora de um marco legal mais preciso.
Da mesma forma, os mesmos anos de 1990, em parte, em função da obrigatoriedade estabelecida na Lei do Fundef, significaram a
conquista de planos de carreira em várias redes estaduais e municipais
de ensino. Portanto, o que se registra aqui é que, enquanto na área privada se desmontava o marco legal, em sentido evidente de perda de
direitos para os trabalhadores, no setor público – em especial no campo
educacional – a conjunção, ainda que contraditória, de neoliberalismo e
democratização de alguns aspectos do Estado, a partir do marco constitucional, não tem um sentido tão evidente e incontroverso. Por isso,
é possível apontar o sentido ascendente do movimento de professores,
tanto em alguns aspectos propriamente das relações de trabalho como de
gestão democrática do sistema de ensino.
Nesses termos, é preciso compreender que a participação ativa dos
sindicatos de professores na definição das políticas de financiamento da
educação, na formulação das redes de ensino, na estruturação do sistema
e nos debates sobre as políticas pedagógicas é central para a sua prática
sindical, e não apenas uma prática agregada à centralidade das ações
voltadas para as questões corporativas e trabalhistas. Este envolvimento, portanto, com a estruturação das políticas públicas, assim como das
redes municipais e estaduais de ensino, nos colocam mais uma questão
que pode explicar parte da diferenciação estrutural entre os sindicatos
docentes: o ritmo da municipalização das suas redes de ensino.
O processo de ampliação da municipalização é comum a todas as
unidades federadas nos anos de 1990. Os casos de Mato Grosso do Sul e
do Paraná não são tão diferentes, mas chamam a atenção pelo fato de os
dois estados já apresentarem participação substantiva das redes munici-
1.343.749
890.985
14.042
283.808
2.532.584
53%
35%
1%
11%
Rede municipal
Rede federal
Rede particular
Total
Rede estadual
Rede municipal
Rede federal
Rede particular
1996
Rede estadual
Dependência
Administrativa
13%
0,1%
40%
47%
2.650.814
344.664
3.636
1.057.382
1.245.132
2005
12%
0,2%
39%
49%
2.636.726
321.686
4.794
1.018.323
1.291.923
2009
14%
0,2%
29%
57%
562.064
78.513
967
163.337
319.247
1996
14%
0,2%
34%
52%
618.935
88.334
993
209.450
320.158
2000
13%
0,2%
38%
49%
612.008
82.347
978
231.223
297.460
2005
Mato Grosso do Sul
Fonte: Censo Escolar Microdados de 1996, 2000, 2005, 2009 (tabulados pelo autor).
12%
0,3%
36%
52%
2.821.614
334.464
8.289
1.013.587
1.465.274
2000
Paraná
Matrículas na educação básica Paraná e Mato Grosso do Sul
Tabela 1
13%
0,2%
42%
45%
574.982
75.144
1.124
238.691
260.023
2009
Estrutura sindical e cenário político...
103
pais nas matrículas no início daquela década, quando o mecanismo de
redistribuição de recursos via Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino e Valorização do Magistério – Fundef – ainda não estava em
curso. Tal característica pode ser observada na tabela abaixo:
104
Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
Os dados da Tabela 1 permitem observar que, apesar de uma distribuição da matrícula muito similar entre as dependências administrativas nos dois estados em 2009, o ponto de partida da divisão da matrícula
entre rede estadual e redes municipais é um pouco diferenciado. Em
1996, no caso paranaense, as redes municipais já participavam com 35%
da oferta de vagas. No caso sul-mato-grossense, este percentual era de
29%. O ponto de chegada, em 2009, é respectivamente 39% para o caso
paranaense e 42% para o sul-mato-grossense, ou seja, um ritmo mais
intenso de crescimento das redes municipais, no segundo estado.
Nos dois casos, a esta expansão da matrícula municipal corresponde uma diminuição da oferta da rede estadual, assim, para o trabalho
docente, fica evidente uma mudança de local de oferta de trabalho. As
redes federal e particular, nos dois casos, participam com a menor parte
das matrículas, ainda que chame a atenção certa estabilidade da oferta
de vagas federais no Mato Grosso do Sul e uma participação sempre um
ponto percentual a mais da oferta da rede privada neste estado, comparativamente ao que ocorre no Paraná.
Ao que interessa a este trabalho, ou seja, as especificidades das
oportunidades para a organização da representação docente, o dado relevante é a intensidade do ritmo de transferência das matrículas da rede
estadual para a municipal. Como em 1996, a municipalização do Paraná já estava quase concluída, houve uma estabilização das matrículas
na rede estadual, que passaram a diminuir em ritmo lento. A hipótese
explicativa é que tal estabilização nas duas redes pode ter possibilitado campo seguro de atuação política para sindicatos tanto municipais
como estaduais. No entanto, o ritmo de diminuição das matrículas na
rede estadual de Mato Grosso do Sul pode ter tornado a base política da
rede estadual mais instável para a ação de um sindicato de base estadual, facilitando a incorporação dos professores desta rede aos sindicatos
municipais que tinham uma base em expansão para a sua atuação. Neste
sentido, o movimento das matrículas, ao longo dos anos de 1990, pode
ter reforçado a tendência que havia sido aberta pela conjuntura política
dos anos de 1970 e 1980. Esta hipótese, contudo, não oferece elementos
para explicar o comportamento do Sinsep, em São José dos Pinhais.
Outro elemento relevante, para a comparação entre os dois estados, é o pouco tempo que separa a criação do Estado do Mato Grosso do
Sul, da fundação dos sindicatos docentes, a partir de 1988. Não se trata
aqui de esgotar um debate sobre a fundação do Estado do Mato Grosso
Estrutura sindical e cenário político...
105
do Sul, seja em seus aspectos históricos de falência do regime militar e
de suas necessidades tecnocráticas de estabelecer um Estado Modelo,
seja de seus aspectos políticos ao redor das diversas disputas entre as
frações da elite do antigo Mato Grosso uno. Este não é o espaço adequado, devido à dimensão do problema, e nem os autores se sentem capacitados para tal empreitada. No entanto, é preciso demarcar características
sociológicas e políticas deste processo que parecem influenciar diretamente a organização sindical dos professores no Mato Grosso do Sul, e
mais especificamente, o Simted. Entre estas se destacam: a) o fato de o
estado, sendo um ente relativamente novo na Federação, não contar com
uma entidade de representação estadual dos professores legitimamente
aceita pela sociedade local; b) a instabilidade político-institucional que
a separação entre os estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul
engendrou, especialmente, considerando a situação do funcionalismo
público; e c) uma cultura política fortemente marcada por relações tradicionais (Ferraz, 2011).
Em resumo, um cenário político e institucional diferenciado parece influenciar diretamente a forma de organização da representação de
interesses, a ponto de moldar estruturas sindicais diferentes nos respectivos estados. Esta hipótese do cenário político e institucional pode ser
explicativa também para o caso de São José dos Pinhais. A origem do
Sinsep remete a uma entidade que nasceu como associação dos professores e, posteriormente, se transformou em associação dos servidores.
Na fala dos sindicalistas, revelou-se uma dificuldade política da associação dos professores. Para os dirigentes, o poder autoritário e machista,
da referida cidade metropolitana, fazia com que a direção do município
não recebesse as “professorinhas”, pois não viam nelas liderança política. Tal explicação sugere problemas políticos concretos e locais, que
condicionaram a estrutura organizativa.
Por fim, o caso da APP-Sindicato e dos outros sindicatos municipais do Paraná, como Sismmac e Sismmar, encontram estabilidade e
tradição de debate político, tanto no município como no estado. Tanto a APP, ainda como associação sem representação sindical, quanto a
AMMC, que deu origem ao Sismmac, já contavam, neste momento, com
legitimidade social, tanto junto aos docentes de suas respectivas redes de
ensino como diante do poder de Estado. Esta estabilidade pode ter empurrado as decisões de como estruturar a organização dos trabalhadores
mais para o aspecto da eficácia de mobilização, em função da unificação
de interesses trabalhistas frente a um mesmo patrão. Nesse sentido, re-
106
Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
sultando em uma estrutura de corte mais corporativo, dentro da tradição
de políticas de concertação social, como nos vários outros estados da
Federação.
Neste ponto, a título de uma conclusão prévia, retomamos o argumento inicial. Na ausência de uma legislação que definisse minuciosamente a estrutura de representação dos servidores públicos, no pós-constituinte de 1988, os sindicatos docentes se organizaram, de acordo com
interesses concretos precisos, mas aproveitando cada oportunidade que
se oferecia. Em alguns momentos, procurando a ampliação de sua base
de representação, como nos momentos de fusão de algumas associações
ou mesmo de sindicatos de docentes e técnicos da educação, em outros,
aproveitando fragilidades políticas da elite dirigente ou mesmo cenários
favoráveis para a unificação de determinados interesses corporativos
muito delimitados. Esta realidade moldou uma estrutura de representação variável, de diferentes formatos, nos diversos estados e municípios brasileiros. Estrutura variável que não pode ser explicada somente
a partir dos compromissos ideológicos que orientavam os atores sociais
ou mesmo da sua intencionalidade, mas que necessita de uma descrição
das oportunidades políticas e sociais reais que se ofereceram ao longo da
história de cada uma das entidades.
O estudo comparativo entre sindicatos de diferentes redes, que
se iniciou aqui, e que se espera se estenda em conjunto com outros
pesquisadores, tem muito a revelar sobre as práticas de resistência dos
trabalhadores docentes e dos demais trabalhadores da educação. Assim
como comparações cada vez mais detalhadas, capazes de encontrar novas singularidades empíricas, poderão explicitar, também, estratégias de
influenciar o poder público e os processos de redistribuição de capital
simbólico em nossa sociedade. Processo que tanta importância tem no
desenrolar da luta de classes e na própria construção da cultura e dos
hábitos das classes sociais.
(Recebido para publicação em dezembro de 2011)
(Versão definitiva em abril de 2012)
(Aprovado em maio de 2012)
Estrutura sindical e cenário político...
107
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Estrutura sindical e cenário político...
109
Notas
1. Ainda que a regulamentação das relações de trabalho no Brasil tenha se iniciado anteriormente à sanção da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
esta se tornou um marco regulatório referência, pois tanto se sistematizou
de forma mais orgânica um conjunto de iniciativas regulatórias anteriores
como se estabeleceu a espinha dorsal para as iniciativas posteriores. É com
este sentido que ela é encarada no presente texto.
2. O final dos anos de 1980 marca a crise que colocaria fim ao regime ditatorial
que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Eram elementos desta crise um
declínio nas taxas de crescimento econômico do país e um arrocho salarial.
Tal contexto impulsionou diversas greves de trabalhadores que a partir de
demandas trabalhistas se politizaram e se transformaram em elementos fundamentais para a derrubada da ditadura. Estas greves estão na origem do
Partido dos Trabalhadores – PT, da Central Única dos Trabalhadores – CUT,
e da trajetória política de Luís Inácio Lula da Silva.
3. A constituição de um campo de defesa de um projeto de educação pública
pode ser perseguida desde as primeiras CBEs organizadas nos anos 1920
pela Associação Brasileira de Educação (ABE), porém o perfil de intelectuais liberais preocupados com a educação brasileira afasta este percurso do
debate proposto neste artigo, ainda que as CBEs dos anos 1980 sejam uma
retomada explícita da experiência anterior à ditadura militar.
4. A opção pelo imposto sindical, por exemplo, em tese, se ofereceu a todos os
sindicatos de professores e demais trabalhadores da educação, mas apenas
poucos sindicatos, como o Sintego – Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás, fizeram esta opção.
5. A ADP foi criada em 07 de maio de 1978.
6. A Feprosul foi fundada em 07 de abril de 1979, atualmente se chama Federação dos Trabalhadores em Educação do Mato Grosso do Sul – Fetems.
7. A Lei 5.692/71 em vigência naquele momento permitia a cobrança de taxas
escolares dos alunos que não comprovassem impossibilidade de contribuição. O Paraná proibiu a cobrança de qualquer taxa em 1984. A Constituição
de 1988 posteriormente tornaria todo o ensino oficial gratuito.
8. Data-base é o período do ano em que patrões e empregados se reúnem para
negociar questões salariais e trabalhistas, ao redor dos acordos coletivos
de trabalho. Como o período da data-base é definido legalmente, a partir
da CLT, patrões e empregados estão obrigados a negociarem as condições
de trabalho neste período. A recusa de uma das partes pode motivar que a
resolução do conflito seja realizada pela Justiça. A data-base é uma das reivindicações mais antigas dos servidores públicos, para que o poder público
seja obrigado a negociar pelo menos uma vez por ano. Em alguns estados e
municípios, a data-base foi conquistada oficialmente, através de legislação
ordinária.
9. Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e Valorização
do Magistério. Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.
110
Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho
10. Entende-se Sindicalismo Cidadão, aqui, na perspectiva de Véras de Oliveira
(2002) que o define como uma prática sindical que prioriza três eixos de atuação: a) a atuação propriamente trabalhista de representação de interesses;
b) a atuação como responsável ativo pelo processo de democratização do
Estado, através da fiscalização e da formulação de políticas públicas; c) a
atuação como executor de políticas públicas. A partir desta conceituação de
Véras de Oliveira, as ações que podem ser caracterizadas como Sindicalismo Cidadão é muito vasta e variável em cada caso concreto.
Estrutura sindical e cenário político...
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Resumo
O debate sociológico brasileiro sobre a estrutura sindical é majoritariamente marcado pela regulamentação imposta pela CLT e pelos temas da unicidade sindical, imposto sindical e poder normativo da Justiça
do Trabalho. Do ponto de vista estritamente legal, o sindicalismo docente público escapa a este quadro de análise. Tal realidade, legalmente menos restritiva, possibilitou a construção de organizações sindicais
estruturalmente diferentes em diversos pontos do território nacional. O
presente trabalho faz uma análise comparativa entre a estrutura sindical
docente constituída em dois estados da Federação: Mato Grosso do Sul
e Paraná. As diferenças são explicadas pelos diferentes processos políticos e institucionais que marcam a história dos trabalhadores docentes
nestes diferentes estados.
Palavras-chave: sindicalismo docente, estrutura sindical, Mato
Grosso do Sul, Paraná.
Abstract
The Brazilian sociological debate on the union structure is framed
mostly by the regulations imposed by the Consolidation of the Labor
Code (CLT), including the union unity (unicidade sindical), the union
tax (imposto sindical) and the Labor Justice regulatory power. From a
strictly legal point of view, the teachers’ public unionism does not fit
into this analytical framework. Its action and organization are much less
regulated, which has led to unions that are structurally different in many
parts of the country. The article presents a comparative analysis of the
teachers’ union structure created in two states of the Brazilian Federation (Mato Grosso do Sul and Paraná). The differences between them
are explained by diverging political and institutional processes in the
teachers’ history.
Keywords: teacher unionism, union structure, Mato Grosso do
Sul, Paraná.