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D6 CULTURA
DOMINGO, 10 DE DEZEMBRO DE 2006
O ESTADO DE S.PAULO
Literatura Novela:
+
9
Uma história de mistério
Antes injustiçada, A Senhoria, intrigante obra de Dostoievski, é reeditada com tradução de Fátima Bianchi
A escritora Clarice Lispector
REPRODUÇÃO
narrado alucinadamente,
num jorro contínuo.
A trama frenética passa a
concentrar-se na pessoa de
Múrin,masatéofinalomistérionãosedesvendacompletamente. Sabe-se que vinha da
região do Volga e que está
sempre lendo livros antigos,
inclusive livros manuscritos,
daseitadosvelhoscrentes,isto é, da população que não
aceitavaasinovaçõesnaliturgia introduzidas no século 17
pelopatriarcaNícon.Aomesmo tempo, era considerado
um feiticeiro, lidava também
com livros de magia negra e
prediziaofuturodaspessoas.
O linguajar de Múrin está marcado também por essa procedência, e é sempre
Boris Schnaiderman
ESPECIAL PARA O ESTADO
A novela de Dostoievski, A Senhoria, publicada recentemente pela Editora 34, em tradução
de Fátima Bianchi, a partir do
texto russo, é um exemplo típicodeobramalrecebidapelacrítica,mascujaimportânciaparece crescer com o tempo. Atacada violentamente por Bielínski,
o crítico russo de maior prestígio na época, ela realmente não
se enquadrava na “escola natural” russa, que se caracterizava
pela descrição, com toques de
protesto social, da vida das pessoas pobres, apesar das limitações impostas pela censura.
EmA Senhoria, os ambientes
são realmente miseráveis, mas
o personagem central, Ordinov, é um indivíduo da nobreza,
um intelectual, que obteve recentemente seu primeiro título
universitário, e que vive em
verdadeira indigência, completamente entregue aos estudos
e a devaneios de solitário.
Aliás, é somente no final da novela que o leitor fica sabendo:
ele estava preparando uma
vasta obra sobre a história da
Igreja. Habita a periferia da capital, onde as ruas são sujas e
mal conservadas e já se sente a
proximidade do meio rural.
Pouco antes da publicação
da história, em 1847, Bielínski
havia escrito: “Na arte não deve
haver nada de obscuro e incompreensível;suasobrasestãoacima dos assim chamados ‘acontecimentos reais’ justamente
porque o poeta ilumina com a
chama de sua fantasia todos os
RITMO CADENCIADO
DA NARRATIVA
SE APROXIMA DE
TEXTO EM VERSOS
O CRÍTICO RUSSO
BIELÍNSKI ATACOU
O TRABALHO SEM
DÓ NEM PIEDADE
meandros íntimos de seus heróis, todas as motivações ocultas de seus atos, retira do acontecimento por ele narrado tudo o que é obra do acaso, apresentando aos nossos olhos apenas o essencial, como resultado inevitável da causa eficiente.” Ora, a trama de A Senhoria
parece justamente um desmentido a esta afirmação.
Ordinov entra numa igreja
do bairro e ali fica impressionado com a figura de uma jovem
bela e pensativa, acompanhada
de um ancião magro e pálido.
Logo depois, surge-lhe a necessidade de alugar um quarto e
ele acaba indo morar num cubículo, separado do senhorio por
umtabique.Eosenhorioerajustamente o estranho par que encontrara na igreja.
Tendo adoecido, foi tratado
por sua bela vizinha e inicia-se
assim, com rapidez incrível,
uma intriga amorosa. “Meu irmão”, “irmãzinha”, é como eles
se tratam, mas acabam abraçando-se e beijando-se na cama
O AUTOR – Graça e encanto da narrativa tem muito a ver com a indefinição, com seu tom vago e ambíguo
do cubículo. Há então referências a uma antiga tradição russa, bratânie, isto é, confraternização, segundo a qual um guerreiro se declarava irmão de um
companheiro de armas, e eles
celebravam o ato bebendo vinho de uma mesma taça que se
chamava bratina (de brat, irmão). Há referências seguidas
a outros fatos da tradição russa,inclusivetransposiçãodeantigas lendas. O próprio ritmo da
narrativa, aos poucos, se torna
cadenciado, aproximando-se
de um texto em versos.
Em plena fase de exaltação
amorosa, Ordinov espia por
uma fresta do tabique e vê o ancião pálido estendido na cama e
Katierina deitada num banco
ao lado, abraçando-lhe o peito,
reclinada sobre ele.
O mistério se mantém. Era
sua filha? Esposa? E o velho,
quem era? Depois de assistir
àquela cena, Ordinov irrompe
no compartimento do senhorio,
e o velho, enfurecido, atira nele
com uma carabina, mas erra o
disparo e acaba caindo ao solo,
numa crise epiléptica.
Depois, numa hora de arrebatamento, Katierina relata a
Ordinov os acontecimentos de
uma noite horrível: sua mãe,
muito doente, quase moribunda, a amaldiçoa e lhe atira ao
rosto que ela é bastarda, filha
de Múrin; há um incêndio que
seiniciadepoisqueesteseintroduz no quarto de Katierina; seguem-se a morte do dono da casa e a fuga de Katierina, levada
por ele em seu cavalo. Tudo isto
com carinho especial que
ele se refere ao grande rio, a
“mãezinha Volga” (em russo, rieká, rio, é feminino).
Em toda a extensão da novela mantém-se o mistério
em torno de sua pessoa. A
própria relação entre ele e
Katierina aparece de modo
não muito explícito: o leitor é
levado a concluir tratar-se
de incesto, na base de falas
entrecortadas da mãe, tudo
num clima de pesadelo. História quase fáustica, que termina de modo estranho.
Ordinov muda de residência e fica sabendo, pelo
seu amigo Iarosláv Ilitch,
que a polícia descobriu no
prédio em que Múrin morava com Katierina uma quadrilha de ladrões, dos quais
ele era o chefe. Mas, em seguida, o amigo se desdiz:
“Múrin não pode ser um deles. Há exatamente três semanas voltou com a mulher
para casa, para a sua pátria...” E a graça e encanto
desta narrativa tem muito a
ver com a indefinição, com
seu tom vago e ambíguo.
Nas abordagens historicistas da crítica, houve muita especulação sobre a sua
relação com o romantismo,
com Gogol, com Hoffmann
e outros. Sem que se negue
a relevância de tudo isso, parece mais importante, porém, pensar em como ela se
relaciona com a obra ulterior de Dostoievski, com Memórias do Subsolo e Os Irmãos Karamazov, entre outros. O posfácio de Fátima
Bianchi, a tradutora, é uma
reflexão aguda neste sentido, amparada em sólida pesquisa bibliográfica. ●
Boris Schnaiderman
é tradutor, escritor
e crítico literário
revista das revistas
Das idéias de Espinosa à irreverência de Capote
Edição especial de
A Hora da Estrela
●●● Hoje, às 17 h, na Livraria da
Travessa do Shopping Leblon
(Rua Afrânio de Melo Franco,
290, loja 205) será o lançamento da edição especial de A Hora
daEstrela, de Clarice Lispector,
com leitura de trechos do livro
pelo ator Pedro Paulo Rangel e
bate-papo com as pesquisadoras Licia Manzo e Tereza Montero, estudiosas da obra da escritora. O evento, gratuito e
aberto ao público, é uma homenagem à eterna dama da literatura brasileira, no dia em que
completaria 86 anos. O livro ganha uma edição especial pela
editora Rocco, com direito a novo projeto gráfico e dois CDs
contendo o texto integral do romance, na voz de Pedro Paulo
Rangel e participação especial
da cantora Maria Bethânia.
Música erudita
em destaque
O Sesc São Paulo e o Goethe Institut – em parceria com
o Centro de Arte e Mídia de
Karlsruhe (ZKM), a Bienal de
Munique (Festival Internacional de Ópera Contemporânea)
e a Petrobrás – dão início neste
ano um projeto de ópera multimídia sobre a Amazônia, com
estréia prevista para 2010 na
BienaldeMunique.Hoje éoúltimo dia para conferir o Seminário Ensaios Amazônicos, no
SescAvenida Paulista, com inscrições gratuitas. Mais informações pelo tel. 3179-3700. A
série Concertos Internacionais –
GrandesObras encerraa temporada 2006 na terça, às 21 h, no
Teatro São Bento (Lgo. São
Bento, s/nº, tel. 3328-8793)com
a apresentação do quinteto de
cordas suíço Ensemble Astor.
●●●
Arnaldo Antunes, música e livros
Muitos livros e
autógrafos
●● Amanhã a psicanalista Sonia Azambuja autografa o livro Presenças e Ausências (HePsykhe, 216 págs., R$ 40) na Livraria da Vila (Rua Fradique
Coutinho, 915, tel. 3814-5811)
das 18h30 às 21h30. O livro trata não apenas de psicanálise –
a autora discute cultura e o
processo da simbolização como um todo. Sonia é membro
do Instituto de Psicanálise da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Na mesmo local e horário, Arnaldo Antunes lança, na quarta-feira, o
livro Como É Que Chama o Nome Disso (Publifolha, 392 págs., R$ 59). Na obra estão reunidos poemas, ensaios e letras
de música, além de um ensaio
introdutório do professor Antonio Medina Rodrigues.
Apoio à arte e à
tecnologia
●●● O núcleo de Arte e Tecnolo-
Cult reúne ensaios filosóficos e reflexivos, além de resgatar a figura do escritor norte-americano
DIVULGAÇÃO
Karla Dunder
Considerado o filósofo dos filósofos, Baruch de Espinosa é o
assunto de um dossiê publicado
pela revista Cult deste mês. Os
filósofos Marilena Chauí, José
Eduardo Marques Baioni e HomeroSantiagodedicam-seàleiturareflexivadaobradeEspinosa, levando em conta, principalmente,seusaspectosrevolucionários. A edição também está
recheada com uma entrevista
com Gerald Clarke, biógrafo do
escritor norte-americano TrumanCapote,quecedeuumacarta inédita do extravagante autor de A Sangue-Frio endereçada à estilista Gloria Vanderbilt.
Espinosa foi excomungado
pela assembléia dos anciãos
que dirigia a comunidade judai-
ca de Amsterdã aos 24 anos. O
Tratado Teológico-Político,
uma obra destinada à defesa da
liberdade de expressão, foi considerado pelo sínodo calvinista
como pernicioso e abominável
para a verdadeira religião.
Após sua morte, em 1678, o governo holandês proibiu a divulgação do conjunto da obra do
filósofo. Por que Espinosa causa tanta polêmica? De acordo
com Marilena Chauí “a filosofia
espinosiana é a demolição do
edifíciofilosófico-políticoerguidosobreofundamentodatranscendência de Deus, da Natureza e da Razão, voltando-se tambémcontraovoluntarismofinalista que sustenta o imaginário
da contingência nas ações divinas, naturais e humanas”.
JoséEduardoMarquesBaio-
CAPOTE – Obra ganha destaque
ni destaca que Espinosa voltou
à cena filosófica nas três últimas décadas do século 18. “Ser
pró ou contra Espinosa – passará a significar, precisamen-
te, escolhas ou opções teóricas
características, com conseqüências em todas as esferas
da vida intelectual.” Por fim,
Homero Santiago traça um paralelo entre o pensamento de
René Descartes e Espinosa.
Anos após o lançamento do
A Sangue Frio, este é o ano que
Truman Capote volta aos holofotes. O sucesso do filme Capote é somado ao lançamento dos
livros Travessia de Verão editado pela Objetiva e pela coletânea 20 Contos de Truman Capote, pela editora Companhia das
Letras. Parece que a obra do
escritor começa a se sobressair no País. A personalidade
exuberante de Capote muitas
vezes se sobrepõe ao trabalho
do escritor.Como destacaobiógrafo Gerald Clarke, em entre-
vista a Cult, “as pessoas tendem a confundir o escritor
com sua obra, e a personalidade espalhafatosa de Capote, muitas vezes, obscurece
as suas qualidades como autor. Hoje, 20 anos após sua
morte, os jovens leitores,
que não se recordam de Capote como personalidade, é
que descobrem sua obra”.
Vale a pena ler a entrevista com o professor e diretor
do Centro de Pesquisas Históricas na École dês Hautes
Etudes, na França, Roger
Chartier. O pesquisador discute as mudanças no objeto
livro diante dos avanços da
informática, ao mesmo tempo que destaca a facilidade
de acesso a bibliotecas antes restritas a poucos. ●
gia do Itaú Cultural (telefone
2168-1776) prorrogou o prazo
dasinscrições parao Programa
Rumos Arte Cibernética 2006
para até quinta-feira. A seleção
dos projetos será feita por uma
comissãoautônoma deespecialistas em duas carteiras: Apoio
à Produção de Obra em Arte e
Tecnologia e Apoio à Pesquisa
Acadêmica. No dia 18 de março
de 2007 serão divulgados os resultados. Os contemplados receberão um comunicado por
e-mail ou poderão conferir pela
internet:www.itaucultural.org.
br/rumos2006.OprogramaRumos tem como objetivo mapear, apoiar e difundir a produção desse segmento no País.
Correspondência para o
Cultura: Av. Engenheiro Caetano
Álvares, 55, CEP 02598-900;
fax. (0--11) 3856-2935;
e-mail: [email protected]