l`o sse rvator e romano - Paróquia Nossa Senhora da Conceição

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l`o sse rvator e romano - Paróquia Nossa Senhora da Conceição
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L’OSSERVATORE ROMANO
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Cidade do Vaticano
Ano XLVII, número 24 (2.418)
quinta-feira 16 de junho de 2016
Ao Programa alimentar mundial o Papa recordou que a falta de alimentos deriva da distribuição iníqua dos recursos
Não se acostumar com a fome
E convidou a remover os obstáculos que impedem as ajudas e os planos de desenvolvimento
A falta de alimentos não é «fruto de
um destino cego», mas de uma «distribuição egoísta e mal feita dos recursos», recordou o Papa durante a
visita à sede do Programa alimentar
mundial (Pam), onde foi na manhã
de segunda-feira, 13 de junho, por
ocasião da abertura da sessão anual
do conselho executivo da agência da
Onu comprometida na luta contra a
fome. No discurso pronunciado em
frente dos representantes de diversos
governos do mundo, Francisco convidou com força a não se acostumar
com as tragédias que atingem a humanidade e a não considerar a pobreza «como um dado da realidade
entre tantos», esquecendo, ao contrário, que «a miséria tem um rosto:
tem o rosto de uma criança, o rosto
de uma família, o rosto de jovens e
idosos», mas também «o rosto da
falta de oportunidade e de trabalho
de muitas pessoas», o rosto «das migrações forçadas, das casas abandonadas e destruídas».
O Pontífice voltou a afirmar com
clareza que a subnutrição «não é algo natural, não é um dado óbvio
nem evidente». Pelo contrário, é a
consequência de uma «mercantiliza-
ção dos alimentos» que causa exclusão e leva a «habituar-se ao supérfluo e ao desperdício quotidiano de
alimentos». Todavia «far-nos-á bem
recordar que o alimento que se desperdiça é como se o roubássemos à
mesa do pobre, daquele que tem fome». Um convite a «refletir sobre o
problema da perda e do desperdício
de alimentos, a fim de identificar soluções e modalidades que, enfren-
E
11
Pastoral da escuta
A discriminação das pessoas com
deficiência mental é algo muito
feio, sobretudo quando acontece
numa paróquia. Ajudado pelos leigos, o sacerdote deve ao contrário
acolher e ouvir todos — sem desculpas — ajudando cada um a compreender a fé, o amor e a aproximar-se
dos sacramentos para que todos
possam conhecer Deus, afirmou o
Papa Francisco dialogando com um
A Igreja rejuvenesce
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PÁGINAS 10
No congresso da Cei sobre os deficientes o Pontífice recomendou o acolhimento
Carta da Congregação para a doutrina da fé
É errado contrapor uma «Igreja da
caridade» a uma «Igreja da instituição», porque os «dons carismáticos»
e «os dons hierárquicos» provêm do
mesmo Espírito e são «dados a fim
de contribuir, de maneiras diversas,
para a edificação da Igreja» — lê-se
na carta da Congregação para a doutrina da fé Iuvenescit ecclesia, apresentada na manhã de 14 de junho, na
Sala de imprensa da Santa Sé.
tando seriamente este problema, sejam veículo de solidariedade e de
partilha com os mais necessitados».
Do Papa veio também um firme
apelo a «desburocratizar a fome»,
removendo os obstáculos que impedem que os planos de desenvolvimento e as iniciativas humanitárias
realizem os seus objetivos. O Pontífice denunciou em particular o «estranho e paradoxal fenómeno» devi-
do ao qual as ajudas às vítimas da
guerra e da fome são estorvadas ao
passo que as armas «circulam com
uma arrogância e quase absoluta liberdade em muitas partes do mundo». Deste modo, afirmou, «quem
se nutre são as guerras e não as pessoas». E assim «as vítimas multiplicam-se, porque o número das pessoas que morrem de fome e exaustas
se acrescenta ao dos combatentes
que morrem no campo de batalha e
ao dos numerosos civis falecidos durante os conflitos e nos atentados».
Daqui o pedido dirigido aos Estados, solicitados a incrementar «decididamente a vontade efetiva de cooperar com o Programa alimentar
mundial» para poder assim permitir
«que se realizem projetos sólidos e
consistentes e programas de desenvolvimento a longo prazo» a fim de
debelar aquela que Francisco — no
sucessivo encontro com o pessoal da
agência — definiu «uma das maiores
ameaças à paz e à serena convivência
humana».
grupo de deficientes que na manhã
de sábado, 11 de junho, na sala
Paulo VI, participaram no congresso
promovido pela Cei.
Posto de lado o texto do discurso preparado e respondendo de forma improvisada às perguntas, Francisco convidou as comunidades
cristãs a praticar «a pastoral do ouvido», fazendo com que seja garantida uma preparação adequada para
os sacramentos com uma linguagem
compreensível a cada pessoa, para
que todos tenham a mesma possibilidade de receber os sacramentos. E
recordou que Pio X deu indicações
para distribuir a comunhão às
crianças, transformando assim a diversidade em igualdade, porque sabia que a crianças compreendem,
talvez de outro modo: com efeito,
cada um, afirmou o Papa, tem uma
forma diferente de conhecer as coisas, mas todos podem conhecer
Deus. Por esta razão, acrescentou,
um pároco não pode rejeitar um
deficiente dizendo que não entende.
Todos somos diferentes, realçou
ainda, contudo muitas vezes temos
medo das diversidades porque são
sempre um desafio. Na realidade,
seria mais fácil ignorar as diversida-
des e desenrascar-se dizendo hipocritamente «somos todos iguais»,
deixando de lado quem não é. Ao
contrário as diversidades são uma
riqueza, um desafio que não deve
assustar. O segredo é reunir o que
temos. Para expressar esta atitude,
o gesto mais bonito e profundo é
precisamente o aperto de mão, que
está a indicar uma troca recíproca
de dons.
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A dignidade da vocação médica
Mais coração nas mãos
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Santa Maria Madalena
Primeira testemunha
da ressurreição
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quinta-feira 16 de junho de 2016, número 24
Apresentação da Iuvenescit ecclesia na Sala de imprensa da Santa Sé
Como águia
GERHARD MÜLLER
m antigo mito — do qual encontramos um eco nos salmos (103, 5) e em santo Ambrósio (Hexameron, V, 18) — descreve
a capacidade que as águias têm de
se renovar, de rejuvenescer e assim
de viver mais prolongadamente, desafiando o desgaste do tempo.
O salmo 103 diz expressamente
que, quando segue Deus, o homem
«renova como a sua juventude a
águia». Ao contrário, santo Ambrósio identifica esta ave majestosa —
que seria capaz de se regenerar sozinha — com Jesus Cristo, «que renova a sua juventude ressuscitando da
morte».
Com efeito, diante da constatação
de que tudo está destinado irremediavelmente a envelhecer e acabar, o
homem procurou desde sempre algo
ou alguém que o pudesse ajudar a
permanecer jovem. É precisamente
este o desafio que devem enfrentar
todas as instituições que desejam
perdurar na história: ser jovens com
o passar do tempo, ou seja, renovarse, permanecendo elas mesmas, sem
mudar a sua identidade nem se
adulterar.
Exatamente esta capacidade de
desafiar o desgaste do tempo e a
morte pertence à fascinação originária com que o Evangelho, desde os
primórdios, soube atrair milhares de
homens.
A este propósito, um célebre padre da Igreja, Irineu de Lião, convida-nos a preservar com esmero «a fé
que recebemos da Igreja» porque, se
ela for conservada íntegra, «sob a
ação do Espírito de Deus, como um
depósito de grande valor fechado
num vaso precioso, rejuvenesce continuamente e faz rejuvenescer até o
recipiente que a contém» (Adversus
Haereses, 3, 24, 1).
A este respeito, também o Evangelho se refere ao «vinho novo» que
deve ser conservado em «odres novos» (cf. Mc 2, 22). A fé cristã —
quando é realmente acolhida e conservada — graças à ação do Espírito
Santo, tem esta capacidade singular
de trazer a novidade humana e de
fazer rejuvenescer.
Inclusive o Santo Padre Francisco
já nos recordou muitas vezes que «a
novidade do Evangelho é algo novo
na própria lei, ínsita na história da
salvação. E trata-se de uma novidade
que vai além das nossas pessoas e
renova as estruturas» (Homilia na
Capela da Domus Sanctae Marthae, 6
de julho de 2013).
É esta a perspetiva adequada para
compreender a carta aos bispos da
Igreja católica Iuvenescit ecclesia (Ie),
sobre a relação entre dons hierárquicos e carismáticos, que constitutivamente são postos ao serviço da vida
e da missão eclesial.
U
O próprio título, que retoma o íncipit do documento, fala-nos desta
capacidade que o Espírito Santo tem
de levar a rejuvenescer a Igreja e,
juntamente com ela, todas as pessoas, as relações e os lugares que decidem aceitá-lo.
Foi o Concílio Vaticano II que nos
voltou a propor esta bonita verdade:
«O Espírito conduz a Igreja à verda-
O símbolo da águia miniaturizado no
«Book of Kells»
(séc. IX)
de total (cf. Jo 16, 13), unifica-a na
comunhão e no ministério, enriquece-a e guia-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos, adornandoa com os seus frutos (cf. Ef 4, 11-12;
1 Cor 12, 4; Gl 5, 22). Pela força do
Evangelho Ele rejuvenesce a Igreja e
renova-a continuamente, levando-a à
união perfeita com o seu Esposo»
(Lumen gentium, 4).
O nascimento de tantas agremiações, associações e movimentos ecle-
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GIOVANNI MARIA VIAN
diretor
Giuseppe Fiorentino
vice-diretor
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siais, assim como de tantos institutos
de vida consagrada, depois do Concílio Vaticano II, levou-nos a redescobrir concretamente o alcance eclesial desta afirmação conciliar. Em
particular, pudemos constatar que «a
forte capacidade agregativa de tais
realidades representa um testemunho
significativo de que a Igreja não
cresce por proselitismo mas por atra-
Redação
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ção» (Ie, 2). Pois bem, para todas
estas agregações eclesiais já chegou
o tempo da «maturidade eclesial»
(Ie, 2).
A tal propósito é preciso dizer
que, se «nunca faltou a manifestação
de diferentes carismas ao longo da
secular história eclesial» (Ie, 9), durante o período pós-conciliar assistimos a um florescimento inesperado
e impetuoso de muitas destas realidades, favorecendo também o difun-
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don Sergio Pellini S.D.B.
diretor-geral
dir-se de uma reflexão sobre os carismas, como nunca se tinha visto
antes na história da Igreja.
Com efeito o texto atual, que já
alcançou a sua fisionomia definitiva
depois de muitos anos de reelaboração — o estudo começou no ano
2000 — tenciona inserir-se no âmbito
desta consideração dos carismas, como momento importante que traça
algumas linhas fundamentais para
relançar de modo correto e adequado a sua reflexão.
Em particular, pareceu necessário
oferecer aos pastores e aos fiéis uma
consideração certa e encorajadora da
relação entre estes dons, que estimulou a vida da Igreja, de modo especial com o nascimento, no passado
recente, de novos «movimentos» e
de novas comunidades eclesiais.
Como se evoca de maneira explícita na introdução, esta carta tenciona relevar «os elementos teológicos e
eclesiológicos que podem favorecer
uma participação ordenada das novas agregações na comunhão eclesial, para o pleno compromisso missionário da Igreja inteira».
A finalidade do presente documento consiste em favorecer — através de uma aprofundada consciência
acerca dos elementos essenciais relativos aos dons hierárquicos e carismáticos, e para além de oposições
ou justaposições estéreis — uma sua
ordenada comunhão, relação e sinergia, em vista de um renovado impulso missionário eclesial e daquela
«conversão pastoral» à qual o Papa
Francisco nos exorta continuamente
(cf. Evangelii gaudium, 25).
Neste sentido, o texto concentra a
sua atenção nas principais problemáticas teológicas, sem a pretensão de
abordar demasiado as numerosas
questões pastorais e práticas que
muitas vezes surgiram. Ele gostaria
de apresentar uma visão de conjunto, oferecendo ao mesmo tempo critérios básicos para enfrentar as mencionadas questões e, em particular,
para favorecer um «discernimento
das novas agregações eclesiais» em
vista do seu «reconhecimento eclesial» (Ie, 17).
O quadro inspirador direto do
projeto em exame — como dissemos
mais acima — é o trecho conciliar de
Lumen gentium (n. 4), onde se se
afirma que o Espírito, que vive no
corpo eclesial e no coração dos fiéis
comum num templo, introduz a
Igreja na plenitude da verdade, unificando-a na comunhão e no ministério, enriquecendo-a e guiando-a
com diversos dons hierárquicos e carismáticos, adornando-a com os seus
frutos, de tal forma que a própria
Igreja se configure como «um povo
que deriva a sua unidade da união
do Pai e do Filho e do Espírito SanCONTINUA NA PÁGINA 3
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número 24, quinta-feira 16 de junho de 2016
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Solo de Zaldivar, «Pentecostes» (1998, detalhe)
Carta da Congregação para a doutrina da fé
A Igreja rejuvenesce
Os dons hierárquicos e os dons carismáticos são «coessenciais» para a
vida da Igreja. É este o conceito
fundamental ao redor do qual se desenvolve a carta da Congregação para a doutrina da fé Iuvenescit ecclesia
(«A Igreja rejuvenesce»), apresentada a 14 de junho na Sala de imprensa da Santa Sé. A publicação do documento — a 15 de maio, solenidade
de Pentecostes — foi determinada
pelo Papa Francisco no dia 14 de
março na audiência concedida ao
cardeal prefeito Ludwig Müller, que
assinou o texto juntamente com o
arcebispo secretário Luís Francisco
Ladaria Ferrer.
A carta é dirigida aos bispos e
analisa «a relação entre dons hierárquicos e carismáticos para a vida e a
missão da Igreja». Os primeiros são
os conferidos pelo sacramento da ordenação (episcopal, sacerdotal, diaconal), e os segundos são distribuídos livremente pelo Espírito Santo.
Em particular, o texto aprofunda
as questões teológicas que derivam
da relação entre instituição eclesial e
novos movimentos e agregações, insistindo sobre a harmoniosa conexão
e acerca da complementariedade dos
dois sujeitos, sempre no âmbito de
uma «participação fecunda e ordenada» dos carismas à comunhão da
Igreja. Portanto, não se trata de
«dons que autorizam a evitar a obediência à hierarquia eclesial» nem
«conferem o direito a um ministério
autónomo».
Por conseguinte, «dons de importância irrenunciável para a vida e a
missão eclesial», os carismas autênticos devem visar «a abertura missionária, a necessária obediência aos
pastores e à imanência eclesial». Por
isso, uma sua «contraposição ou justaposição» com os dons hierárquicos
seria um erro. Com efeito, não é
preciso opor uma Igreja «da instituição» a uma Igreja «da caridade»,
porque na Igreja «até as instituições
essenciais são carismáticas», e «os
carismas devem institucionalizar-se
para ter coerência e continuidade».
Deste modo, ambas as dimensões
«concordam juntas a tornar presente
o mistério e a obra salvífica de Cristo no mundo».
Portanto, as novas realidades devem alcançar a «maturidade eclesial» que inclui a sua plena valorização e inserção na vida da Igreja,
sempre em comunhão com os pastores e em atitude de constante atenção às suas indicações. De facto, a
existência de novas realidades — frisa
a carta — enche o coração da Igreja
de «alegria e gratidão», mas chama-
as também a «relacionar-se positivamente com todos os outros dons
presentes na vida eclesial», a fim de
que sejam «promovidos com generosidade e acompanhados com vigilante paternidade» pelos pastores para
«concorrer ao bem da Igreja e à sua
missão evangelizadora». De resto, «a
dimensão carismática nunca pode
faltar à vida e à missão da Igreja».
Mas como reconhecer um documento carismático autêntico? O documento evoca o discernimento, tarefa que é de «pertinência da autoridade eclesiástica», e indica alguns
dos seus critérios específicos: ser instrumento de santidade na Igreja;
comprometer-se na difusão missionária do Evangelho; confessar plenamente a fé católica; testemunhar
uma comunhão praticável com toda
a Igreja, acolhendo com leal dispo-
Intervenção do cardeal Müller
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 2
to», segundo a célebre expressão de
Cipriano de Cartago (cf. De oratione dominica, 23).
Um dos pontos fulcrais deste documento é, sem dúvida, a afirmação
da coessencialidade entre os dons
hierárquicos e carismáticos, uma
coessencialidade que pertence à
«constituição divina da Igreja fundada por Jesus» (Ie, 10). Além disso, «na Igreja até as instituições essenciais são carismáticas e, de resto,
os carismas devem de certo modo
institucionalizar-se para ter coerência e continuidade. Assim ambas as
dimensões, derivadas do mesmo Espírito Santo pelo próprio Corpo de
Cristo, concorrem juntas para tornar
presentes o mistério e a obra salvífica de Cristo no mundo» (Ie, 10).
Tal coessencialidade encontra a
sua raiz última na relação inseparável entre o logos divino encarnado
e o Espírito Santo (cf. Ie, 11), testemunhando que, na mesma perspetiva revelada pelos planos de Deus,
não é lícito opor uma «Igreja do
Espírito» a uma «Igreja da instituição», porque os dons hierárquicos e
carismáticos estão sempre inseridos
uns nos outros, e sempre relacionados reciprocamente, embora de modo hierárquico. Isto não impede
que, por causa da natural fragilidade humana — e das inevitáveis infidelidades aos planos de Deus que
dela derivam — efetivamente a na-
tural tensão dialógica entre estes
dons se tenha muitas vezes transformado, e possa sempre transformar-se, em dialética.
Contudo, na quinta parte do texto fala-se também da prática eclesial da relação entre dons hierárquicos e carismáticos. Aqui, depois de
ter evocado a necessidade de uma
inserção concreta das realidades carismáticas na vida pastoral de cada
Igreja, releva-se a prática da «boa
relação entre os vários dons na
Igreja» (Ie, 20), antes de tudo na
sua posição no contexto das relações entre Igreja universal e Igrejas
particulares, valorizando o princípio
peculiar de unidade eclesial que é o
ministério petrino.
Além disso, a este propósito não
podemos deixar de relevar que, no
fecundo período eclesial que se seguiu ao Concílio Vaticano II, de
modo concreto foi precisamente o
sucessor de Pedro que favoreceu a
comunicação e a comunhão entre
dons hierárquicos e carismáticos a
nível da Igreja universal, valorizando a propagação missionária dos
movimentos e das novas comunidades eclesiais no âmbito das diversas
Igrejas particulares, de maneira especial naquelas que necessitavam
de uma nova evangelização.
Esta constatação poderia iluminar-nos profeticamente, também no
que se refere à perspetiva e às modalidades de atuação — das periferias rumo ao centro, e vice-versa —
da tão almejada renovação sinodal,
para a qual o Papa Francisco nos
convida continuamente. O que já se
experimentou a tal propósito constitui uma riqueza de património
eclesial que pode oferecer orientações seguras e úteis neste sentido.
Gostaria de encerrar esta minha
breve intervenção, referindo-me a
um dos trechos conclusivos do
Evangelho de Marcos (cf. 16, 5 ss.).
O evangelista observa que no primeiro dia depois do sábado, um jovem vestido de branco, presente
diante do túmulo vazio de Jesus,
convida as mulheres piedosas a não
ter medo e a transmitir aos discípulos o bom anúncio que «o Crucificado ressuscitou!».
Neste semblante de jovem, aprazme vislumbrar a face mais autêntica
da Igreja, capaz de se renovar e de
se rejuvenescer sempre, até no meio
das provações e das intempéries da
história, para anunciar a todos os
homens a boa nova — Jesus ressuscitou! — convidando-os assim a não
ter medo, porque Ele é mais forte
do que o mal e a morte.
Este é o testemunho que, através
da sua comunhão concreta, são
chamados a oferecer hoje, para a vida da Igreja e para o bem do mundo, os dons hierárquicos e carismáticos. Este é o testemunho que,
com humildade e coragem, gostaríamos de oferecer, pobres como somos, também todos nós.
nibilidade os seus ensinamentos
doutrinais e pastorais; reconhecer e
estimar os demais componentes carismáticos na Igreja; aceitar com humildade os momentos de provação
no discernimento; obter frutos espirituais como caridade, alegria, paz,
humanidade; observar a dimensão
social da evangelização, cientes do
facto que «a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais
abandonados da sociedade não pode
faltar numa autêntica realidade eclesial».
Além disso, a carta especifica outros dois critérios fundamentais a
considerar pelo reconhecimento jurídico das novas realidades eclesiais,
segundo as formas estabelecidas pelo Código de direito canónico. O
primeiro é «o respeito pela peculiaridade carismática de cada agregação
eclesial», de modo a evitar «coerções jurídicas» que «mortifiquem a
sua novidade». O segundo concerne
«o respeito do regimen eclesial fundamental», favorecendo «a inserção
praticável dos dons carismáticos na
vida da Igreja», mas evitando que
eles se concebam como uma realidade paralela, sem uma referência ordenada aos dons hierárquicos.
O documento da Congregação
para a doutrina da fé evidencia também como a relação entre dons hierárquicos e carismáticos deve considerar «imprescindível e constitutiva
a relação entre Igreja universal e
Igrejas particulares». Isto significa
que os carismas são concedidos a toda a Igreja, mas que a sua dinâmica
«só pode realizar-se no serviço a
uma concreta diocese». Não só: eles
representam inclusive «uma possibilidade autêntica» para viver e desenvolver a vocação cristã de cada um,
quer no matrimónio, no celibato sacerdotal ou no ministério ordenado.
Também a vida consagrada «colocase na dimensão carismática da Igreja», pois a sua espiritualidade pode
tornar-se «um recurso significativo»
tanto para o fiel leigo como para o
sacerdote, ajudando ambos a viver
uma vocação específica.
Na conclusão a carta exorta a
olhar para Maria, «mãe da Igreja»,
modelo de «plena docilidade à ação
do Espírito Santo» e de «límpida
humildade»: com a sua intercessão,
formulam-se votos de que «os carismas abundantemente distribuídos
pelo Espírito Santo entre os fiéis sejam docilmente acolhidos por eles e
produzam frutos para a vida e a
missão da Igreja e para o bem do
mundo».
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página 4
As respostas de Francisco às perguntas no encontro na sala Paulo
quinta-feira 16 de junho de 2016, número 24
VI
Riqueza da diversidade
Apresentamos a seguir a nossa tradução das respostas do Santo Padre às
três perguntas que lhe foram feitas, na
manhã de sábado, 11 de junho, na Sala Paulo VI, durante o encontro com os
participantes no congresso para as pessoas deficientes.
A primeira pergunta era muito, muito profunda. E falava das diversidades. Todos somos diversos: não há
uma pessoa que seja igual a outra.
Há algumas diversidades maiores ou
mais pequenas, mas todos somos diversos. E ela, a jovem que fez a pergunta, dizia: «Muitas vezes temos
medo das diversidades». Assustamnos. Porquê? Porque ir ao encontro
de uma pessoa que tem uma diversidade não digamos forte, mas grande, é um desafio, e qualquer desafio
assusta. É mais cómodo não se mo-
ver, é mais cómodo ignorar as diversidades e dizer: «Somos todos
iguais, e se há alguém que não é tão
“igual”, deixemo-lo de lado, não vamos ao seu encontro». É o medo
que cada desafio nos causa; cada desafio nos amedronta, causa-nos medo, torna-nos um pouco receosos.
Mas não! As diversidades são precisamente a riqueza, porque eu tenho
uma coisa, tu tens outra, e com estas
duas fazemos uma coisa melhor,
maior. E assim podemos ir em frente. Pensemos num mundo no qual
todos são iguais: seria um mundo tedioso! É verdade que algumas diversidades são dolorosas, todos o sabemos, aquelas que têm raízes nalgumas doenças... mas também as diversidades nos ajudam, nos desafiam
e nos enriquecem. Por isso, nunca se
deve ter medo das diversidades: esse
é precisamente o caminho para melhorar, para sermos melhores e mais
ricos.
E como se faz isto? Pondo em comum o que temos. Pôr em comum.
Há um gesto lindíssimo que nós,
pessoas humanas temos, um gesto
que fazemos quase sem refletir, mas
muito profundo: apertar a mão.
Quando eu aperto a mão, ponho em
comum contigo aquilo que tenho —
se for um aperto de mão sincero —
dou-te a mão, dou-te aquilo que é
meu e tu dás-me o que é teu. E isto
faz muito bem a todos. E pensemos
que todas as vezes que eu aperto a
mão a outro, dou algo de meu e recebo algo dele. Também isto nos faz
crescer. Isto é o que que me vem como resposta à primeira pergunta.
Esqueci alguma coisa da primeira
pergunta, mas respondo agora com
No congresso promovido pela Cei o Papa recordou que a exclusão empobrece a comunidade
Tesouros escondidos
«Na debilidade e na fragilidade
escondem-se tesouros capazes de
renovar as nossas comunidades
cristãs». Frisou o Papa Francisco no
discurso preparado e entregue aos
participantes no congresso para as
pessoas deficientes promovido pela
Conferência episcopal italiana,
recebidos em audiência na manhã de
sábado 11 de junho, na sala Paulo
VI.
Amados irmãos e irmãs!
Recebo-vos por ocasião do vigésimo quinto aniversário da instituição
do Setor para a Catequese das pessoas deficientes da Secção Catecismo
Nacional Italiano. Uma ocasião que
estimula a renovar o compromisso
para que as pessoas deficientes sejam plenamente acolhidas nas paróquias, nas associações e nos movimentos eclesiais. Agradeço-vos as
perguntas que me dirigistes e que
mostram a vossa paixão por este
âmbito da pastoral. Ele requer uma
dupla atenção: a consciência da
educabilidade para a fé da pessoa
com deficiência, até grave e gravíssima; e a vontade de a considerar
um sujeito ativo na comunidade em
que vive.
Estes irmãos e irmãs — como demonstra também este Congresso —
não estão apenas em condições de
viver uma experiência genuína de
encontro com Cristo, mas são também capazes de a testemunhar aos
outros. Muito foi feito no cuidado
pastoral dos deficientes; é preciso ir
em frente, por exemplo reconhecendo melhor a sua capacidade apostólica e missionária, e antes ainda o
valor da sua «presença» como pessoas, como membros vivos do Corpo eclesial. Na debilidade e na fragilidade escondem-se tesouros capazes de renovar as nossas comunidades cristãs.
Na Igreja, graças a Deus, registra-se uma atenção difundida à deficiência nas suas formas física,
mental e sensorial, e uma atitude de
acolhimento geral. Contudo as nossas comunidades ainda têm dificuldade de praticar uma verdadeira inclusão, uma participação plena que
se torne finalmente habitual, normal. E isto exige não só técnicas e
programas específicos, mas antes de
tudo reconhecimento e acolhimento
dos rostos, certeza tenaz e paciente
de que cada pessoa é única e irrepetível, e cada rosto excluído é um
empobrecimento da comunidade.
Também neste campo é decisivo
o envolvimento das famílias, as
quais pedem não só para serem
acolhidas, mas estimuladas e encorajadas. As nossas comunidades
cristãs sejam «casas» nas quais
qualquer sofrimento encontre compaixão, onde cada família com a
sua carga de dor e canseira se possa
sentir compreendida e respeitada na
sua dignidade. Como observei na
Exortação apostólica Amoris laetitia,
«a atenção prestada tanto aos migrantes como às pessoas com deficiência é um sinal do Espírito. Pois
ambas as situações são paradigmáticas: põem especialmente em questão o modo como se vive, hoje, a
lógica do acolhimento misericordioso e da integração das pessoas frágeis» (n. 47).
No caminho de inclusão das pessoas deficientes ocupa naturalmente
um lugar decisivo a sua admissão
aos Sacramentos. Se reconhecermos
a peculiaridade e a beleza da experiência que fazem de Cristo e da
Igreja, devemos por conseguinte
afirmar com clareza que elas estão
chamadas à plenitude da vida sacramental, até na presença de graves disfunções psíquicas. É triste
constatar que nalguns casos permanecem dúvidas, resistências e até rejeições. Muitas vezes se justifica a
rejeição dizendo: «mas ele não entende», ou então: «não precisa».
Na realidade, com esta atitude,
mostra-se que não se compreendeu
deveras o sentido dos Sacramentos,
e de facto negam-se às pessoas deficientes a prática da sua filiação divina e a participação plena na comunidade eclesial.
O Sacramento é dom e a liturgia
é vida: ainda antes de ser compreendida racionalmente, ela exige ser
vivida na especificidade da experiência pessoal e eclesial. Neste sentido, a comunidade cristã está chamada a trabalhar para que cada batizado possa fazer a experiência de
Cristo nos Sacramentos. Por conseguinte, seja preocupação viva da
comunidade fazer com que as pessoas deficientes possam experimentar que Deus é nosso Pai e nos
ama, que tem predileção pelos pobres e pequeninos através de gestos
simples e diários de amor dos quais
são destinatários. Como afirma o
Diretório Geral para a Catequese: «O
amor do Pai para com estes filhos
mais frágeis e a presença contínua
de Jesus com o seu Espírito nos
dão a certeza confiante de que toda
pessoa, por mais limitada que seja,
é capaz de crescer em santidade»
(n. 189).
É importante prestar atenção
também à colaboração e ao envolvimento das pessoas deficientes nas
assembleias litúrgicas: estar na assembleia e dar o próprio contributo
à ação litúrgica com o canto e com
gestos significativos, contribui para
apoiar o sentido de pertença de cada um. Trata-se de fazer crescer
uma mentalidade e um estilo que
evite preconceitos, exclusões e marginalizações, favorecendo uma fraternidade efetiva no respeito da diversidade apreciada como valor.
Amados irmãos e irmãs, agradeço-vos quanto fizestes nestes vinte e
cinco anos de trabalho ao serviço
de comunidades cada vez mais acolhedoras e atentas aos homens. Ide
em frente com perseverança e com
a ajuda de Maria Santíssima nossa
Mãe. Rezo por vós e abençoo-vos
de coração; e também vós, por favor, rezai por mim.
esta que me fez Serena. Serena põeme em dificuldade, porque se eu
disser o que penso... Disse pouco,
três/quatro linhas, mas disse-as com
vigor! Serena falou de uma das coisas mais desagradáveis que existem
entre nós: a discriminação. É uma
coisa muito desagradável! «Tu não
és como eu, tu vai para lá e eu para
cá». «Mas, eu queria fazer a catequese...» — «Nesta paróquia não.
Esta paróquia é para aqueles que são
parecidos, não há diferenças...». Esta
paróquia é boa ou não? [Sala:
Não!]. O que deve fazer o pároco?...
Converter-se? É verdade que se tu
quiseres receber a comunhão, deves
ter uma preparação; e se não compreenderes esta língua, por exemplo
se fores surdo, deves ter a possibilidade naquela paróquia de te preparares com a linguagem dos surdos.
Isto é importante! Se fores diverso,
também tu tens a possibilidade de
ser melhor, isto é verdade. A diversidade não diz que quem tem cinco
sentidos que funcionam bem é melhor de quem — por exemplo — é
surdo-mudo. Não! Isto não é verdade! Todos temos a mesma possibilidade de crescer, de ir em frente, de
amar o Senhor, de fazer coisas boas,
de compreender a doutrina cristã, e
todos temos a mesma possibilidade
de receber os sacramentos. Entendestes? Quando, há muitos anos —
há cem ou mais — o Papa Pio X disse que se devia dar a comunhão às
crianças, muitos se escandalizaram.
«Mas aquela criança não compreende, é diversa, não entende bem...».
«Dai a comunhão às crianças», disse
o Papa, e transformou uma diversidade em igualdade, porque ele sabia
que a criança compreende de outra
forma. Quando entre nós há diversidades, compreende-se de outra maneira. Também na escola, no bairro,
cada um tem a sua riqueza, é diverso, é como se falasse outra língua. É
diverso, porque se expressa de maneira diferente. E este facto é uma
riqueza. O que Serena disse acontece muitas vezes; acontece muitas vezes e é uma das coisas mais desagradáveis, mais feias das nossas cidades,
da nossa vida: a discriminação. Até
com palavras ofensivas. Não se pode
ser discriminado.
Cada um de nós tem um modo
diferente de conhecer as coisas: um
conhece de um modo, outro de outro, mas todos podemos conhecer
Deus. [Uma menina aproxima-se do
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número 24, quinta-feira 16 de junho de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
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O Santo Padre denunciou a mentalidade social que marginaliza doentes e pessoas com deficiência
Com o remédio do sorriso
Pela primeira vez na praça de São Pedro a leitura do Evangelho foi também dramatizada por um grupo de pessoas com
deficiências intelectivas a fim de permitir que o texto fosse compreendido sobretudo por quantos têm um déficit cognitivo.
Aconteceu na manhã de domingo, 12 de junho, durante a missa celebrada pelo Papa Francisco por ocasião do jubileu dos
doentes e das pessoas deficientes. O serviço litúrgico e as leituras tiveram como protagonistas precisamente as pessoas
deficientes: entre os ministrantes estavam alguns jovens com a síndrome de Down e entre os diáconos havia um jovem
alemão surdo. Além disso a primeira leitura foi proclamada, em espanhol, por um deficiente enquanto que a segunda, em
inglês, foi lida em braile por uma jovem cega. Na praça de São Pedro expôs-se o quadro quinhentista de Nossa Senhora
“salus infirmorum”, conservado na igreja de Campo Marzio em Roma, invocada como ajuda de todas as pessoas afligidas
por doenças. Antes da celebração, foram apresentados alguns testemunhos num espaço de encontro e confronto denominado
«Quando sou débil é que sou forte». Por fim, depois de a ter evocado na homilia, no final da missa o Papa Francisco
praticou prolongadamente «a terapia do sorriso», saudando na praça os doentes e deficientes e quem os acompanhava.
«Estou crucificado com Cristo; já
não sou eu que vivo, mas é Cristo
que vive em mim» (Gl 2, 19). O
apóstolo Paulo usa palavras muito
fortes para expressar o mistério da
vida cristã: tudo se resume no dinamismo pascal de morte e ressurreição
recebido no Batismo. De facto cada
um, pela imersão na água, é como se
tivesse morrido e fosse sepultado
com Cristo (cf. Rm 6, 3-4), e quando reemerge dela, manifesta a vida
nova no Espírito Santo. Esta condição de renascidos envolve a vida inteira, em todos os seus aspetos; também a doença, o sofrimento e a
morte ficam inseridos em Cristo, encontrando n’Ele o seu sentido último. No dia de hoje, jornada jubilar
dedicada a todos aqueles que carregam os sinais da doença e da deficiência, esta Palavra de vida tem
uma ressonância especial na nossa
assembleia.
Na realidade todos nós, mais cedo
ou mais tarde, somos chamados a
encarar e, às vezes, a lutar contra as
fragilidades e as doenças, nossas e
alheias. E como são diferentes os
rostos com que se apresentam estas
experiências, tão típica e dramaticamente humanas! Mas sempre nos
colocam, de forma mais aguda e
premente, a questão do sentido da
vida. Perante isso, no nosso íntimo,
pode algumas vezes sobrevir uma
atitude cínica, como se fosse possível
resolver tudo suportando ou contando apenas com as próprias forças;
outras vezes, pelo contrário, colocase toda a confiança nas descobertas
da ciência, pensando que certamente
Apelo no Angelus
Luta contra a escravidão
do trabalho infantil
No final da missa na praça de São Pedro, na qual participaram mais de
cinquenta mil pessoas, o Papa Francisco guiou a recitação do Angelus e
pronunciou as seguintes palavras.
Amados irmãos e irmãs!
Ontem, em Vercelli, foi proclamado Beato o sacerdote Giacomo Abbondo, que viveu no século XVIII, apaixonado por Deus, culto, sempre disponível para os seus paroquianos. Unamo-nos à alegria e à ação de graças
da Diocese de Vercelli. E também à de Monreale, onde hoje é beatificada
a irmã Carolina Santocanale, fundadora das Irmãs Capuchinhas da Imaculada de Lourdes. Nascida numa família nobre de Palermo, abandonou
os confortos e fez-se pobre entre os pobres. De Cristo, sobretudo na Eucaristia, hauriu a força para a sua maternidade espiritual e a sua ternura
para com os mais débeis.
No contexto do Jubileu dos doentes realizou-se nos dias passados em
Roma um Congresso internacional dedicado aos cuidados das pessoas atingidas pelo mal de Hansen. Saúdo com gratidão os organizadores e os participantes e desejo uma frutuosa dedicação à luta contra esta doença.
Celebra-se hoje o Dia mundial contra o trabalho infantil. Renovemos todos unidos o esforço para remover as causas desta escravidão moderna,
que priva milhões de crianças de alguns direitos fundamentais e as expõe
a graves perigos. Hoje há no mundo tantas crianças escravas!
Saúdo com afeto todos os peregrinos que vieram da Itália e de vários
países para este dia jubilar. Agradeço de modo especial a vós, que quisestes estar presentes na vossa condição de doença ou deficiência. Dirijo um
sentido obrigado também aos médicos e aos agentes da saúde que, nos
«Postos de saúde» preparados junto das quatro Basílicas Papais, estão a
oferecer consultas especializadas a centenas de pessoas que vivem nas
margens da cidade de Roma. Muito obrigado!
A Virgem Maria, à qual nos dirigimos agora em oração, nos acompanhe sempre no nosso caminho.
deverá haver, nalgum lugar da terra,
um remédio capaz de curar a doença. Infelizmente não é assim; e ainda
que existisse tal remédio, seria acessível a muito poucas pessoas.
A natureza humana, ferida pelo
pecado, traz inscrita em si mesma a
realidade da limitação. Conhecemos a
objeção que se levanta, sobretudo
nestes tempos, à vista de uma vida
marcada por graves limitações físicas; considera-se que é impossível
ser feliz uma pessoa enferma ou deficiente, porque incapaz de realizar o
estilo de vida imposto pela cultura
do prazer e da diversão. Num tempo
como o nosso, em que o cuidado do
corpo se tornou um mito de massa e
consequentemente
um
negócio,
aquilo que é imperfeito deve ser
ocultado, porque atenta contra a felicidade e a serenidade dos privilegiados e põe em crise o modelo dominante. É melhor manter tais pessoas segregadas em qualquer «recinto» — eventualmente dourado — ou
em «reservas» criadas por um compassivo assistencialismo, para não estorvar o ritmo de um bem-estar falso. Por vezes chega-se a sustentar
que é melhor desembaraçar-se o
mais rapidamente possível de tais
pessoas, porque se tornam um encargo financeiro insuportável em
tempos de crise. Na realidade, porém, como é grande a ilusão em que
vive o homem de hoje, quando fecha
os olhos à enfermidade e à deficiência! Não compreende o verdadeiro
sentido da vida, que inclui também
a aceitação do sofrimento e da limitação. O mundo não se torna melhor quando se compõe apenas de
pessoas aparentemente «perfeitas»
(para não dizer «maquilhadas»),
mas quando crescem a solidariedade,
a mútua aceitação e o respeito entre
os seres humanos. Como são verdadeiras as palavras do Apóstolo: «O
que há de fraco no mundo é que
Deus escolheu para confundir o que
é forte» (1 Cor 1, 27)!
O Evangelho deste domingo (Lc
7, 36 — 8, 3) apresenta também uma
situação particular de fraqueza. A
mulher pecadora é julgada e marginalizada pelos circunstantes, mas Jesus acolhe-a e defende-a «porque
muito amou» (v. 47). Tal é a conclusão de Jesus, atento como está ao
sofrimento e às lágrimas daquela
pessoa. A sua ternura é sinal do
amor que Deus reserva àqueles que
sofrem e são excluídos. Não existe
apenas o sofrimento físico; entre as
patologias mais frequentes nos dias
de hoje conta-se uma que tem a ver
precisamente com o espírito: é um
sofrimento que envolve a alma tornando-a triste, porque carente de
amor. A patologia da tristeza. Quando se experimenta a deceção ou a
traição nas relações importantes, então descobrimo-nos vulneráveis, fracos e sem defesas. Consequentemente torna-se muito forte a tentação de
se fechar em si mesmo e corre-se o
risco de perder a ocasião da vida:
amar apesar de tudo. Amar apesar de
tudo.
Aliás, a felicidade que deseja cada
um pode exprimir-se de muitos modos, mas só é possível alcançá-la se
se for capaz de amar. Esta é a estrada. É sempre uma questão de amor,
não há outra estrada. O verdadeiro
desafio é o de quem ama mais.
Quantas pessoas com deficiência e
enfermas se reabrem à vida, logo
que descobrem que são amadas! E
quão grande amor pode brotar de
um coração, mesmo só através de
um sorriso! A terapia do sorriso. Então a própria fragilidade pode tornar-se conforto e apoio para a nossa
solidão. Jesus, na sua paixão, amounos até ao fim (cf. Jo 13, 1); na cruz,
revelou o Amor que se dá sem limites. Que poderíamos nós censurar a
Deus, nas nossas enfermidades e tribulações, que não esteja já impresso
no rosto do seu Filho crucificado?
Ao seu sofrimento físico, juntam-se a
zombaria, a marginalização e a lástima, enquanto Ele responde com a
misericórdia que a todos acolhe e
perdoa: «fomos curados pelas suas
chagas» (Is 53, 5; 1 Pd 2, 24). Jesus é
o médico que cura com o remédio
do amor, porque toma sobre Si o
nosso sofrimento e redime-o. Sabemos que Deus pode compreender as
nossas enfermidades, porque Ele
mesmo foi pessoalmente provado
por elas (cf. Hb 4, 15).
O modo como vivemos a doença
e a deficiência é indicação do amor
que estamos dispostos a oferecer. A
forma como enfrentamos o sofrimento e a limitação é critério da nossa
liberdade em dar sentido às experiências da vida, mesmo quando nos
parecem absurdas e não merecidas.
Por isso, não nos deixemos turbar
por estas tribulações (cf. 1 Ts 3, 3).
Sabemos que, na fraqueza, podemos
tornar-nos fortes (cf. 2 Cor 12, 10) e
receber a graça de completar em nós
o que falta aos sofrimentos de Cristo
em favor do seu corpo, que é a Igreja (cf. Cl 1, 24); um corpo que, à
imagem do corpo do Senhor ressuscitado, conserva as chagas, sinal da
dura luta que trava, mas chagas
transfiguradas para sempre pelo
amor.
L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 16 de junho de 2016, número 24
Telefonema do Papa aos participantes na peregrinação a pé de Macerata a Loreto
Noite de caminho
«Desejo-vos uma noite de caminho,
oração, alegria e fraternidade», disse o
Papa Francisco telefonando no final da
tarde de 11 de junho aos participantes
na trigésima oitava peregrinação a pé
de Macerata a Loreto (Itália), depois
da celebração eucarística de abertura
presidida pelo cardeal Edoardo
Menichelli, arcebispo de Ancona-Osimo,
no estádio «Helvia Recina» de
Macerata.
Boa tarde, prezados amigos!
O Bispo disse-me que aí chove. Mas
até a chuva é uma bênção, porque é
má mas também boa! São dois aspetos. É má porque incomoda, mas é
boa porque representa a figura da
graça de Deus que desce sobre nós.
Agora começais a percorrer o caminho; um caminho que durará a noite
inteira. Mas também a vida é um caminho. Nenhum de nós sabe quanto
durará a própria vida, mas é um caminho.
Caros amigos, dou-vos a minha
bênção e desejo-vos uma noite de caminho, oração, alegria e fraternidade,
e com o olhar fixo em Nossa Senhora
e na Eucaristia, que haveis de receber
amanhã. Agora, todos juntos, rezemos a Nossa Senhora: Ave Maria...
E quando alguém pensa em levar
uma vida sem caminhar... Não se
pode levar uma vida permanecendo
parado. A vida é para caminhar, para fazer algo, para ir em frente, para
construir uma amizade social, uma
sociedade justa, para proclamar o
Evangelho de Jesus.
Esta noite estou próximo de vós,
próximo de vós na oração; acompanho-vos e desejo-vos uma noite de
oração e alegria. Haverá certamente
também um pouco de sofrimento,
mas isto supera-se com a esperança
do encontro, amanhã, com Jesus Eucaristia.
Abençoo-vos! Caminhai sempre
na vida; nunca pareis, mas permanecei sempre a caminho. A vida é assim!
E orai também por mim, a fim de
que eu não me detenha, mas continue a ir pelo caminho, o caminho
que o Senhor me indicará como o
percorrer.
Congresso internacional sobre a lepra
Sem discriminação nem indiferença
Ainda hoje persistem «o antigo estigma do leproso e os comportamentos sociais e sanitários consequentes». Foi a denúncia do cardeal Robert Sarah, prefeito da
Congregação para o culto divino e
a disciplina dos sacramentos, no
discurso pronunciado no congresso
sobre o tema «Por uma cura holística das pessoas atingidas pelo mal
Riqueza da diversidade
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 4
Papa]. Vem. vem... Esta é corajosa!
Vem... Esta não tem medo, arrisca,
sabe que as diversidades são uma riqueza; arrisca, e deu-nos uma lição.
Esta nunca será discriminada, sabe
defender-se sozinha! Eis. Serena,
não sei se respondi à tua pergunta.
Na paróquia, na Missa, nos Sacramentos, todos são iguais, porque todos têm o mesmo Senhor: Jesus, e a
mesma mãe: Nossa Senhora. Compreendeste?
[Aproxima-se outra menina] Vem.
vem... Outra corajosa.
O padre que falou antes fez algumas perguntas que estão relacionadas com o que disse Serena: como
acolher todos. Mas se tu... — não
digo a ti, porque sei que tu acolhes
todos — mas pensai num sacerdote
que não acolhe todos: que conselho
daria o Papa. «Fecha a porta da
Igreja, por favor!». Ou todos, ou
ninguém. «Mas não — pensemos
naquele padre que se defende —
não, padre, não, não é assim; eu
compreendo todos, mas não posso
acolher todos porque nem todos
são capazes de compreender...» —
«Tu não és capaz de compreender!». O que o padre tem que fazer,
ajudado pelos leigos, pelos catequistas, por muitas pessoas, é ajudar todos a compreender: a compreender
a fé, a compreender o amor, a compreender como ser amigo, a compreender as diferenças, a compreender como as coisas são complementares, um pode dar uma coisa e outro pode contribuir com outra. Isto
significa ajudar a compreender. E tu
usaste duas palavras belas: acolher e
ouvir. Acolher, ou seja, receber todos, todos. E ouvir todos. Digo-vos
isto. Penso que hoje na pastoral da
Igreja se fazem tantas coisas boas,
tantas: na catequese, na liturgia, na
caridade, com os doentes... tantas
coisas boas. Mas há uma coisa que
se deve fazer mais, também os sacerdotes, os leigos, mas sobretudo
os sacerdotes devem fazer mais: o
apostolado de ouvido: ouvir! «Mas
padre, é tedioso ouvir, porque são
sempre as mesmas histórias, as mesmas coisas...» — «Mas não são as
mesmas pessoas, e o Senhor está no
coração de cada uma delas, e tu deves ter a paciência de ouvir». Aco-
Concedo-vos a minha bênção.
Que vos abençoe Deus Todo-Poderoso, Pai e Filho e Espírito Santo. E
por favor, nãos vos esqueçais de rezar por mim. Um abraço a todos!
Um abraço, e orai por mim.
Boa noite!
lher e ouvir. Todos. E penso que
com isto respondi às perguntas.
Eu tinha preparado um discurso
para vós, e o Prefeito [da Casa Pontifícia] entregá-lo-á para que seja
conhecido por todos. Porque ler um
discurso é também um pouco tedioso... E há um momento, quando se
lê um discurso, em que, com uma
certa astúcia, começamos a olhar
para o relógio, como que para dizer: «Mas quando ele para de falar?». Por isso o discurso ides lê-lo
vós.
Agradeço-vos muito este diálogo,
esta visita, esta beleza das diversidades que fazem comunidade: uma dá
à outra e vice-versa, e todas fazem a
unidade da Igreja. Muito obrigado.
E rezai por mim.
[Aproxima-se um menino] Vem,
vem também tu...
Agora, ficai sentados quietinhos,
e como bons filhos rezemos à Mãe,
a Nossa Senhora. Todos juntos rezemos a Nossa Senhora. Ave Maria...
[Bênção]
E por favor, rezai por mim. Obrigado.
de Hansen respeitadora da sua dignidade», que se realizou no Augustinianum em Roma nos dias 10 e 11
de junho.
Até ao final do século XX os
doentes de lepra, recordou o purpurado abrindo os trabalhos do encontro — promovido pelo Pontifício Conselho para a pastoral no
campo da saúde juntamente com
as fundações O bom samaritano e
Nippon, em colaboração com as
fundações Raoul Follereau e Sasakawa Memorial Health e com a
Soberana Ordem militar de Malta
— «foram vítimas da exclusão social, com a perda do trabalho, o
afastamento da família e da comunidade, até à reclusão forçada nos
leprosários». Para muitas das populações atingidas «o estigma moral e as práticas de exclusão pertencem a uma herança que é difícil
de debelar». Paradoxalmente, observou o cardeal, hoje é mais fácil
«debelar a doença do que o preconceito social que ainda circunda
um mal, ao qual Cristo pessoalmente, e outros grandíssimos santos» como Francisco de Assis, padre Damião e Madre Teresa de
Calcutá dedicaram «uma atenção
especial, lutando contra os sinais
físicos do mal e contra os terríveis
medos e ideias que estão ligados à
lepra».
O arcebispo presidente Zigmunt
Zimowski enviou aos participantes
uma mensagem lida por monsenhor Dariusz Giers, oficial do dicastério. No texto o prelado frisou
que o congresso deseja evidenciar
que o mal de Hansen «não pode
ser uma patologia da qual ter medo nem esquecida como não podem ser esquecidas as pessoas que
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L’OSSERVATORE ROMANO
número 24, quinta-feira 16 de junho de 2016
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Francisco recordou que a dignidade da vocação médica não pode ser sacrificada em nome da eficiência
Mais coração nas mãos
A falsa compaixão humilha as pessoas e chega a aprovar a morte do doente
«Colocai mais coração nestas mãos»: o
Papa citou as palavras de são Camilo
de Lellis, ao receber em audiência os
dirigentes das ordens dos médicos da
Espanha e da América Latina, na
manhã de 9 de junho, na Sala
Clementina.
Gentis senhoras e senhores
bom dia!
Sinto-me feliz por me encontrar com
todos vós, membros das Associações
médicas latino-americanas. Agradeço
ao doutor Rodríguez Sendín, Presidente da Organização médica colegial espanhola, as suas cordiais palavras.
Este ano a Igreja católica celebra
o Jubileu da Misericórdia; é uma
boa ocasião para exprimir reconhecimento e gratidão a todos os agentes
da saúde que, com a sua dedicação,
proximidade e profissionalismo às
pessoas atingidas por uma doença,
possam tornar-se verdadeira personificação da misericórdia. A identidade e o compromisso do médico não
se funda só na sua ciência e competência técnica mas também e, sobretudo, no seu comportamento compassivo — padece-com — e misericordiosos para com quantos sofrem no
corpo e no espírito. A compaixão
num certo sentido é a própria alma
da medicina. A compaixão não é pena, é sofrer-com.
Na nossa cultura tecnológica e individualista, a compaixão nem sempre é bem vista; às vezes é até desprezada porque significa submeter a
pessoa que a recebe a uma humilhação. E não falta nem sequer quem se
esconde por detrás de uma presumível compaixão para justificar e aprovar a morte do doente. Mas não é
assim. A verdadeira compaixão não
marginaliza ninguém, não humilha a
pessoa, não a exclui, nem considera
a sua morte algo bom. A verdadeira
compaixão assume. Sabeis bem que
isto significaria o triunfo do egoísmo, daquela «cultura do descartável» que rejeita e despreza as pessoas que não satisfazem determinados padrões de saúde, de beleza e
de utilidade. Apraz-me abençoar as
mãos dos médicos como sinal de reconhecimento a esta compaixão que
se torna carícia de saúde.
A saúde é um dos dons mais preciosos e desejados por todos. Na tradição bíblica foi sempre evidenciada
a proximidade entre a salvação e a
saúde, assim como as suas recíprocas
e numerosas implicações. Gosto de
recordar o título com o qual os padres da Igreja costumavam chamar
Cristo e a sua obra de
salvação: Christus medicus, Cristo médico. Ele
é o Bom Pastor que
cuida da ovelha ferida e
conforta a enferma (cf.
Êx 34, 16); Ele é o Bom
Samaritano que não
prossegue deixando a
pessoa ferida na beira
da estrada mas, movido
pela compaixão, cuida
dela e assiste-a (cf. Lc
10, 33-34). A tradição
médica cristã inspirouse sempre na parábola
do Bom Samaritano. É
um identificar-se com o amor do Filho de Deus, que «passou fazendo o
bem e curando todos os oprimidos»
(cf. At 10, 38). Quanto bem faz ao
exercício da medicina pensar e sentir
que a pessoa enferma é o nosso próximo, que é da nossa mesma carne e
do nosso mesmo sangue, e que no
seu corpo dilacerado se reflete o
mistério da carne do próprio Cristo!
«Todas as vezes que fizestes isto a
um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes» (Mt 25, 40).
A compaixão, este sofrer-com, é a
resposta adequada ao valor imenso
da pessoa enferma, uma resposta feita de respeito, compreensão e ternura, porque o valor sagrado da vida
do doente nunca desaparece nem se
obscurece, mas resplandece com
mais força exatamente no seu sofrimento e na sua vulnerabilidade. Como se compreende bem a recomendação de são Camilo de Lellis para
assistir os doentes. Ele disse: «Colocai mais coração nestas mãos». A
fragilidade, a dor e a doença são
uma provação difícil para todos, até
para o pessoal médico, são um apelo
à paciência, ao padecer-com; portanto não se pode ceder à tentação funcional de aplicar soluções rápidas e
drásticas, movidos por uma falsa
compaixão nem por meros critérios
de eficiência e de poupança económica. É a dignidade da vida humana
que está em jogo; e também a dignidade da vocação médica. Volto ao
que disse sobre a bênção das mãos
dos médicos. E mesmo se no exercício da medicina, tecnicamente falando, é necessária a assepsia, no núcleo da vocação médica a assepsia
vai contra a compaixão; a assepsia é
um auxílio técnico necessário no
exercício mas nunca deve condicionar o essencial do coração compassivo. Nunca deve condicionar o «colocar mais coração nas mãos».
Queridos amigos, garanto-vos a
minha estima pelo esforço que realizais a fim de enobrecer todos os dias
a vossa profissão e acompanhar, conservar e valorizar o imenso dom representado pelas pessoas que sofrem
por causa da doença. Garanto a minha oração por vós: podeis praticar
muita bondade, tanto bem; por vós
e pelas vossas famílias — porque
muitas vezes as vossas famílias devem acompanhar, apoiando a vocação do médico, homem ou mulher
que seja, que é como um sacerdócio.
E peço-vos também que não deixeis
de rezar por mim, que tenho algo de
médico. Obrigado.
Aos jovens que participaram no curso de verão organizado pelo Observatório vaticano
Questão de justiça
O estudo da água no sistema solar e
noutras partes: foi dedicado a este
tema o décimo quinto curso de verão
organizado pelos padres jesuítas do
Observatório vaticano, cujos
participantes foram recebidos pelo
Santo Padre na manhã de sábado 11
de junho na Sala do Consistório.
Queridos amigos!
Sinto-me feliz por vos receber, professores e alunos do Curso de verão
organizado pelos Padres Jesuítas do
Observatório Vaticano. A participação qualificada de pessoas provenientes de vários países e de diferentes culturas é sinal de que a diversidade pode enriquecer também o trabalho de pesquisa em âmbito científico. Agradeço ao Padre Paul Mueller, Vice-Diretor do Observatório,
assim como aos professores que se
disponibilizaram para vos acompanhar, jovens astrónomos, na complexa e maravilhosa atividade de perscrutar o universo, dom incomparável
do Criador. O meu reconhecimento
dirige-se também a quantos, com a
sua generosidade, contribuíram para
tornar possível esta escola internacional.
O Papa Leão XIII fundou o Observatório Vaticano em 1891, exatamente há 125 anos, também para
confirmar quanto a Igreja era amiga
da «ciência verdadeira e fundada,
quer humana quer divina» (Motu
proprio Ut mysticam, 14 de março de
1891). Em todos estes anos, esta Instituição científica esforçou-se por
realizar as finalidades para as quais
foi fundada, servindo-se de novos
instrumentos, assim como do diálogo e do confronto com outros centros de pesquisa.
O facto de vos terdes reunido para este curso de verão mostra que o
desejo de compreender o universo,
criado por Deus, e o nosso lugar nele, é comum a homens e mulheres
que vivem em contextos culturais e
religiosos bastante diferentes. Todos
nós vivemos sob o mesmo céu; e todos somos movidos pela beleza que
se revela no cosmos e se reflete também nos nossos estudos sobre os
corpos e as substâncias celestes.
Desta forma estamos unidos pelo
desejo de descobrir a verdade sobre
como se move este universo maravilhoso, aproximando-nos cada vez
mais do seu Criador.
Por isso é deveras bom e providencial que esta décimo quinto curso de verão se ocupe do estudo da
água no sistema solar e noutras partes. Todos sabemos quanto a água é
essencial aqui na terra: para a vida,
para nós seres humanos, para o trabalho... Dos mais pequeninos flocos
de neve às cascatas, dos lugares e
dos rios aos oceanos imensos, a água
fascina-nos com o seu poder e ao
mesmo tempo com a sua humildade.
As grandes civilizações tiveram início nas margens dos rios, e também
hoje o acesso à água pura é um problema de justiça para o género humano, ricos e pobres.
Queridos irmãos e irmãs, o trabalho do cientista exige grande dedica-
ção, que pode ser longa e cansativa.
Contudo ele pode e deveria ser uma
fonte de alegria. Desejo-vos que saibais cultivar em vós esta alegria, que
anima o vosso trabalho científico, e
que é a razão pela qual não podeis
deixar de a partilhar com os vossos
amigos, as vossas famílias, as vossas
nações, assim como com a comunidade internacional dos cientistas
com os quais trabalhais. Faço votos
por que sintais sempre a alegria da
pesquisa e de partilhar os seus frutos, com humildade e fraternidade.
Com estes votos, invoco sobre vós e
sobre a vossa atividade a bênção do
Senhor. E peço-vos por favor que rezeis por mim.
L’OSSERVATORE ROMANO
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Gratidão das mulheres
quinta-feira 16 de junho de 2016, número 24
Maria Madalena
na miniatura de um Exultet
Finalmente
apóstola
LUCETTA SCARAFFIA
esde há quase dois mil anos era evidente para todos a presença decisiva
diante do sepulcro vazio de Maria
Madalena, a primeira que deu a boa nova da
ressurreição: precisamente ela, uma mulher.
Mas parece deveras que ninguém se tinha
apercebido. Ao longo dos séculos surgiram
até histórias misóginas, como aquela segundo
a qual Jesus tinha aparecido antes de tudo a
uma mulher porque as mulheres falam mais e
assim a notícia ter-se-ia difundido mais depressa. Além disso, alguns importantes comentadores questionaram-se sobre como o
ressuscitado tivesse descuidado a sua mãe,
chegando até a imaginar uma aparição a Maria antes do encontro com Madalena, de modo a restabelecer uma hierarquia que se considerava alterada.
Sobre Maria de Magdala, precisamente devido à sua evidente proximidade a Jesus, tinham até surgido vozes preocupantes, a ponto de fazer dela o símbolo da transgressão sexual, relançado por lendas tenazes, ainda hoje
vivas: muitos recordam a Madalena no filme
de Martin Scorsese A última tentação de Cristo, e certamente muitos mais leram O código
da Vinci, best seller fundado precisamente sobre o presumível segredo do matrimónio entre
ela e Jesus.
De resto Madalena é a única protagonista
importante da história sacra a ser representada um pouco seminua na iconografia, e quase
sempre com os cabelos ruivos, por muito tempo considerados sinal de desordem sexual.
Em síntese, mesmo se era considerada santa,
representavam-na quase como símbolo oposto
à imagem virginal de Maria, vestida de branco e de azul. A ponto que entre as feministas
dos anos setenta começou a difundir-se o costume de chamar Madalena às suas filhas, em
sinal de rebelião à tradição religiosa. Ao contrário foi mais clarividente a tradição popular,
que imaginou uma sua viagem marítima até
ao litoral meridional da França: para evangelizar, precisamente como os outros apóstolos,
uma parte do mundo então conhecido. Foi
tão longo e difícil o caminho que levou à
aceitação da verdade, uma verdade simples
mas expressiva de uma mensagem que muitos
não queriam ouvir: ou seja, que para Jesus as
mulheres eram iguais aos homens sob o ponto de vista espiritual, porque têm o mesmo
valor e capacidades. Portanto foi tão difícil
admitir que Madalena era uma apóstola, a
primeira entre os apóstolos aos quais o Senhor ressuscitado se manifestou. Por isso precisamente ela, ou melhor, da restituição do lugar que lhe compete na tradição cristã, pode
partir finalmente o reconhecimento do papel
das mulheres na Igreja. O Papa Francisco
compreendeu-o claramente, e deste modo iniciou um processo que nunca mais poderá ser
interrompido.
Surpreende que a data do documento seja
do dia no qual se celebra o Sagrado Coração
de Jesus: uma devoção difundida por uma
mulher, Margarida Maria Alacoque, e relançada com paixão por muitas santas do século
XIX, como Francisca Cabrini. Estas são outras
confirmações de que as mulheres sempre estiveram na Igreja, desempenharam papéis importantes e contribuíram para a construção da
tradição cristã.
Então, da parte de todas as mulheres
cristãs do mundo, um obrigado ao Papa
Francisco, porque com a instituição da nova
festa de Santa Maria Madalena lhes reconhece o mérito.
D
Mensageira
ARTHUR RO CHE*
Por desejo expresso do Papa Francisco, a Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos publicou um decreto a 3 de junho de 2016,
solenidade do Sagrado Coração de Jesus, com o
qual a celebração de santa Maria Madalena, hoje
memória obrigatória, será elevada no Calendário
romano geral à categoria de festa.
A decisão inscreve-se no atual contexto eclesial,
que exorta a refletir mais profundamente sobre a
dignidade da mulher, a nova evangelização e a
grandeza do mistério da misericórdia divina. João
Paulo II dedicou uma grande atenção não só à importância das mulheres na própria missão de Cristo e da Igreja, mas também, e com relevo especial,
à peculiar função de Maria de Magdala como primeira testemunha que viu o ressuscitado e primeira mensageira que anunciou aos apóstolos a ressurreição do Senhor (cf. Mulieris dignitatem, 16).
Esta importância prossegue hoje na Igreja — manifestada pelo atual compromisso de uma nova
evangelização — que deseja acolher, sem distinção
alguma, homens e mulheres de todas as raças, povos, línguas e nações (cf. Ap 5, 9), para lhes anunciar a boa nova do Evangelho de Jesus Cristo,
acompanhá-los na sua peregrinação terrena e lhes
oferecer as maravilhas da salvação de Deus. Santa
Maria Madalena é um exemplo de verdadeira e
autêntica evangelizadora, isto é, de uma evangelista que anuncia a jubilosa alegria central da Páscoa
(ver a coleta de 22 de julho e o novo prefácio).
O Papa Francisco tomou esta decisão precisamente no contexto do Jubileu da Misericórdia para significar a relevância desta mulher que demonstrou um grande amor a Cristo e por ele foi
muito amada, como afirmam Rábano Mauro (dilectrix Christi et a Christo plurimum dilecta, no prefácio do De vita beatae Mariae Magdalenae) e santo Anselmo de Canterbury (electa dilectrix et dilecta
electrix Dei, no Oratio LXXIII ad sanctam Mariam
Magdalenam). Certo é que a tradição cristã no
Ocidente, sobretudo depois de são Gregório Magno, identifica na mesma pessoa Maria de Magdala, a mulher que derramou o perfume na casa de
Simão, o fariseu, e a irmã de Lázaro e Marta. Esta
interpretação continuou e teve influência nos autores eclesiásticos ocidentais, na arte cristã e nos textos litúrgicos relativos à santa. Os bolandistas expuseram amplamente o problema da identificação
das três mulheres e prepararam o caminho para a
reforma litúrgica do Calendário Romano. Com a
atuação da reforma, os textos do Missale Romanum, da Liturgia horarum e do Martyrologium Romanum referem-se a Maria de Magdala.
Certamente Maria Madalena participou no grupo dos discípulos de Jesus, seguiu-o até aos pés
da cruz e, no jardim onde se encontrava o sepulcro, foi a primeira testis divinae misericordiae (Gregório Magno, Homiliae in evangelia, 11, 25, 10). O
evangelho de João narra que Maria Madalena
chorava, porque não tinha encontrado o corpo do
Senhor (cf. 20, 11); e Jesus teve misericórdia dela
fazendo-se reconhecer como mestre e transformando as suas lágrimas em alegria pascal.
Os textos bíblicos e litúrgicos da nova festa podem ajudar-nos a compreender melhor a importância hodierna desta santa, que tem a honra de
ser a prima testis da ressurreição do Senhor
(Hymnus, ad laudes matutinas), a primeira que viu
o sepulcro vazio e ouviu a verdade da sua ressurreição. Cristo tem especial consideração e misericórdia por Maria Madalena, que manifesta o seu
amor a ele procurando-o no jardim com angústia e
dor, com «lágrimas de humildade», como diz santo Anselmo na oração citada. A tal propósito, desejo mencionar o contraste entre as duas mulheres
presentes no jardim do paraíso e no jardim da ressurreição. A primeira difundiu a morte onde havia
vida; a segunda anunciou a vida a partir de um sepulcro, lugar de morte, como observa Gregório
Magno: Quia in paradiso mulier viro propinavit
mortem, a sepulcro mulier viris annuntiat vitam.
Além disso, é precisamente no jardim da ressurreição que o Senhor diz a Maria Madalena: Noli
me tangere. Foi um convite dirigido não só a Maria
mas a toda a Igreja a entrar numa experiência de
fé que supera qualquer apropriação materialista e
compreensão humana do mistério divino. Tem um
alcance eclesial e é uma boa lição para cada discípulo de Jesus: não procuremos seguranças humanas nem títulos mundanos, mas a fé em Cristo vivo e ressuscitado.
Precisamente por ter sido testemunha ocular de
Cristo ressuscitado, Maria Madalena foi também a
primeira que deu o seu testemunho diante dos
apóstolos. Cumpriu o mandato do ressuscitado:
«Vai ter com os meus irmãos e diz-lhes (...) Maria
Madalena correu para anunciar aos discípulos que
ela tinha visto o Senhor e contou o que ele lhe tinha falado» (Jo 20, 17-18). Deste modo ela tornouse evangelista, isto é, mensageira que anuncia a
boa nova da ressurreição do Senhor; ou, como diziam Rábano Mauro (De vita beatae Mariae Magdalenae, XXVII) e são Tomás de Aquino (In Ioannem evangelistam expositio, III, 6), apostolorum apostola, porque anuncia aos apóstolos o que por sua
vez eles anunciarão a todo o mundo.
Com razão o doctor angelicus usa este termo
aplicando-o a Maria Madalena: ela é testemunha
de Cristo ressuscitado e anuncia a mensagem da
ressurreição do Senhor, como os outros apóstolos.
Portanto, é justo que a celebração litúrgica desta
mulher tenha o mesmo grau de festa dado à celebração dos apóstolos no Calendário romano geral e
que sobressaia a sua missão especial, que é exemplo e modelo para todas as mulheres na Igreja.
*Arcebispo secretário da Congregação
para o culto divino e a disciplina dos sacramentos
número 24, quinta-feira 16 de junho de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
página 9
A memória litúrgica de santa Maria Madalena torna-se festividade
Primeira testemunha da ressurreição
O Papa Francisco estabeleceu que a partir de 22 de julho deste ano a memória
litúrgica de santa Maria Madalena seja elevada ao grau de festa no Calendário
romano geral. A decisão do Sumo Pontífice tenciona levar a Igreja a «refletir de
forma mais profunda sobre a dignidade da mulher, a nova evangelização e a
grandeza do mistério da misericórdia divina», como se lê no decreto da Congregação par o culto divino e a disciplina dos sacramentos, do qual publicamos aqui o
texto original em latim e, em seguida, a tradução em português.
DECRETUM
DECRETO
Resurrectionis dominicae primam
testem et evangelistam, Sanctam
Mariam Magdalenam, semper Ecclesia sive Occidentalis sive Orientalis,
summa cum reverentia consideravit,
etsi diversimode coluit.
Nostris vero temporibus cum Ecclesia vocata sit ad impensius consulendum de mulieris dignitate, de nova Evangelizatione ac de amplitudine mysterii divinae misericordiae bonum visum est ut etiam exemplum
Sanctae Mariae Magdalenae aptius
fidelibus proponatur. Haec enim
mulier agnita ut dilectrix Christi et a
Christo plurimum dilecta, “testis divinae misericordiae” a Sancto Gregorio Magno, et “apostolorum apostola” a Sancto Thoma de Aquino
appellata, a christifidelibus huius
temporis deprehendi potest ut paradigma ministerii mulierum in Ecclesia.
Ideo Summus Pontifex Franciscus
statuit celebrationem Sanctae Mariae
Magdalenae Calendario Romano generali posthac inscribendam esse
gradu festi loco memoriae, sicut
nunc habetur.
Novus celebrationis gradus nullam secumfert variationem circa
diem, quo ipsa celebratio peragenda
est, quoad textus sive Missalis sive
Liturgiae Horarum adhibendos, videlicet:
A Igreja, tanto no Ocidente como
no Oriente, reservou sempre a máxima reverência a Santa Maria Madalena, primeira testemunha e evangelista da Ressurreição do Senhor, celebrando-a contudo de modos diversos.
Na nossa época, dado que a Igreja é chamada a refletir de forma
mais profunda sobre a dignidade da
mulher, a nova evangelização e a
grandeza do mistério da misericórdia
divina, pareceu oportuno também
que o exemplo de Santa Maria Madalena fosse mais convenientemente
proposto aos fiéis. Com efeito, esta
mulher, conhecida como aquela que
amou Cristo e foi também muito
amada por Cristo, chamada por São
Gregório Magno «testemunha da
misericórdia divina» e por São Tomás de Aquino «apóstola dos apóstolos», hoje pode ser vista pelos fiéis
como paradigma da missão das mulheres na Igreja.
Por conseguinte, o Sumo Pontífice Francisco estabeleceu que doravante a celebração de Santa Maria
Madalena deve ser inscrita no Calendário Romano Geral com o grau
de festa, e não já de memória, como
é hoje.
O novo grau celebrativo não comporta variação alguma para o dia no
qual realizar a própria celebração,
nem para os textos do Missal e da
a) dies celebrationis Sanctae Mariae Magdalenae dicatus idem manet, prout in Calendario Romano invenitur, nempe 22 Iulii;
b) textus in Missa et Officio Divino adhibendi, iidem manent, qui in
Missali et in Liturgia Horarum statuto die inveniuntur, addita tamen
in Missali Praefatione propria, huic
decreto adnexa. Curae autem erit
Coetuum Episcoporum textum Praefationis vertere in linguam vernaculam, ita ut, praevia Apostolicae Sedis recognitione adhiberi valeat,
quae tempore dato in proximam
reimpressionem proprii Missalis Romani inseretur.
Ubi Sancta Maria Magdalena, ad
normam iuris particularis, die vel
gradu diverso rite celebratur, et in
posterum eodem die ac gradu quo
antea celebrabitur.
Contrariis quibuslibet minime
obstantibus.
Ex aedibus Congregationis
de Cultu Divino et Disciplina
Sacramentorum
die 3 mensis Iunii, in sollemnitate
Sacratissimi Cordis Iesu.
ROBERT Card. SARAH
Praefectus
ARTURUS RO CHE
Archiepiscopus a Secretis
Liturgia das Horas que devem ser
adotados, ou seja:
a) o dia dedicado à celebração de
Santa Maria Madalena permanece o
mesmo, como já aparece no Calendário Romano, isto é, 22 de julho;
b) os textos que devem ser usados
na Missa e no Ofício Divino permanecem os mesmos contidos no Missal e na Liturgia das Horas no dia
indicado, com o acréscimo no Missal
do prefácio próprio, anexo a este decreto. A Conferência dos Bispos
ocupar-se-á da tradução do texto do
prefácio na língua vernácula, de tal
modo que, com a prévia aprovação
da Sé Apostólica, possa ser usado e
a seu tempo inserido na próxima reedição do próprio Missal Romano.
Onde Santa Maria Madalena, segundo o direito particular, é legitimamente celebrada num dia e com
um grau diferente, também no futuro será celebrada no mesmo dia e
com o mesmo grau.
Não obstante qualquer disposição
contrária.
Congregação
para o Culto Divino
e a Disciplina dos Sacramentos
3 de junho de 2016, solenidade
do Sagrado Coração de Jesus.
ROBERT Card. SARAH
Prefeito
ARTHUR RO CHE
Arcebispo Secretário
O texto latino do prefácio
Publicamos em seguida o prefácio que deverá ser acrescentado aos textos litúrgicos do Missal Romano para a celebração da festa de santa Maria Madalena.
Præfatio: de apostolorum apostola
Vere dignum et iustum est,
æquum et salutáre,
nos te, Pater omnípotens,
cuius non minor est misericórdia quam potéstas,
in ómnibus prædicáre per Christum Dóminum nostrum.
Qui in hortu maniféstus appáruit Maríæ Magdalénæ,
quippe quae eum diléxerat vivéntem,
in cruce víderat moriéntem,
quæsíerat in sepúlcro iacéntem,
ac prima adoráverat a mórtuis resurgéntem,
et eam apostolátus offício coram apóstolis honorávit
ut bonum novæ vitæ núntium
ad mundi fines perveníret.
Unde et nos, Dómine, cum Angelis et Sanctis univérsis
tibi confitémur, in exsultatióne dicéntes:
Sanctus, Sanctus, Sanctus Dóminus Deus Sábaoth...
Em Vercelli a beatificação do padre Giacomo Abbondo
Pároco de todos
Instrução popular e exercícios espirituais. Foi o binómio que caracterizou os mais de trinta anos — de 1757 a
1788 — de ministério desempenhado em Tronzano pelo
pároco padre Giacomo Abbondo, beatificado no sábado 11 de junho na catedral de Vercelli. «Pastor segundo
o coração de Cristo, inteiramente dedicado à paróquia,
às almas, à Igreja»: assim o recordou na homilia o cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação para as
causas dos santos, que presidiu ao rito em representação do Papa.
«Em tempos difíceis — frisou o purpurado — soube
responder com sabedoria e fortaleza a um triplo desafio. Antes de tudo, contrastou o iluminismo, harmonizando fé e razão, pondo no centro da sua pastoral o
conhecimento do evangelho e o anúncio da Palavra.
Através da Companhia da doutrina cristã favoreceu a
instrução popular e com frequência, durante o inverno,
ia pessoalmente fazer a catequese a domicílio nas granjas distantes da cidade. Promoveu os exercícios espirituais e as missões populares».
Além disso «se opôs ao rigor do jansenismo, favorecendo a participação nos sacramentos de adultos e
crianças, incentivando as devoções populares. Permitiu
o acesso das crianças à Eucaristia, antecipando deste
modo a decisão histórica de são Pio X . De Clemente
XIII obteve a indulgência plenária para quantos se
aproximaram dos sacramentos na festa de Nossa Senhora do Carmo, que se tornou para o povo uma espécie de “Páscoa de verão”». Devoto do Sagrado coração
e da Imaculada, padre Abbondo «era confessor paciente e misericordioso, apresentando aos fiéis a esperança
do prémio no paraíso. Foi pároco zeloso e conduziu
uma vida exemplar reconhecida por todos como santa».
Por fim, o terceiro elemento evocado pelo cardeal
celebrante, o beato «contrastou a difusão do galicanismo, manifestando uma espécie de veneração pelo Papa. De facto, vivia em plena fidelidade ao magistério
pontifício, em filial obediência ao bispo, em diligente
tensão pela santificação das almas».
Atualizando a reflexão o cardeal Amato evidenciou
que «formação religiosa, vida sacramental e devoção ao
Papa» foram as três características do beato. De resto,
observou, «os santos nunca estão fora da moda, porque são formados por Jesus, sempre presente no meio
de nós como caminho, verdade e vida». E o padre Giacomo «enriquece ulteriormente o panorama da santidade sacerdotal piemontesa».
É comovedor o elogio dos 74 chefes de casa reunidos depois da sua morte, que exaltavam o «senhor pároco padre Jaopo Abbondo de imortal memória pela
perspicácia do seu talento, pela profundidade da sua
doutrina, pela santidade da sua vida, pela suprema
prudência no seu comportamento e pelo incansável
exercício do seu ministério pastoral». Com efeito, graças a ele, concluiu o cardeal Amato, «a paróquia de
Tronzano tornou-se uma comunidade-modelo».
L’OSSERVATORE ROMANO
número 24, quinta-feira 16 de junho de 2016
página 10/11
Apelo do Papa ao Programa alimentar mundial
Não se acostumar com a fome
A falta de alimentos não é «fruto de um
destino cego» mas «de uma egoísta e má
distribuição dos recursos». Disse o Papa
no discurso pronunciado na abertura da
sessão anual da junta executiva do
Programa alimentar mundial, onde foi na
manhã de segunda-feira, 13 de junho.
Agradeço à Diretora Executiva, Senhora Ertharin Cousin, ter-me convidado a
inaugurar a Sessão Anual de 2016 do
Conselho Executivo do Programa Alimentar Mundial, bem como as palavras
de boas-vindas que me dirigiu. De
igual modo saúdo a Embaixadora Stephanie Hochstetter Skinner-Klée, Presidente desta importante assembleia que
reúne os Representantes dos vários governos chamados a tomar medidas concretas na luta contra a fome. E ao mesmo tempo que saúdo a todos vós aqui
reunidos, agradeço tantos esforços e
compromissos com uma causa que não
pode deixar de nos interpelar: a luta
contra a fome que sofrem muitos dos
nossos irmãos.
Há pouco rezei diante do «Muro da
Memória», testemunha do sacrifício feito pelos membros deste Organismo,
dando a sua vida para que, mesmo no
meio de complexas vicissitudes, não
faltasse o pão aos famintos. Memória
que devemos manter para continuar a
lutar, com o mesmo vigor, pela meta
tão ansiada da «fome zero». Aqueles
nomes gravados à entrada desta Casa
são um sinal eloquente de que o Pam,
longe de ser uma estrutura anónima e
formal, constitui um válido instrumento
da comunidade internacional para empreender atividades sempre mais vigo-
rosas e eficazes. A credibilidade de uma
instituição não se baseia nas suas declarações, mas nas ações realizadas pelos
seus membros. Baseia-se nos seus testemunhos.
No mundo interconectado e hipercomunicativo em que vivemos, as distâncias geográficas parecem encurtar-se.
Temos a possibilidade de contacto quase simultâneo com o que está a acontecer no outro lado do planeta. Graças às
tecnologias da comunicação, aproximamo-nos de muitas situações dolorosas;
e tais meios podem ajudar (e têm ajudado) a mobilizar para gestos de compaixão e solidariedade. Paradoxalmente, contudo, esta aparente proximidade
criada pela informação, vemo-la diluirse de dia para dia. O excesso de informação de que dispomos gera gradualmente a habituação à miséria; ou seja,
pouco a pouco tornamo-nos imunes às
tragédias dos outros, considerando-as
como qualquer coisa de «natural»; em
nós gera-se — desculpai o neologismo —
a «naturalização» da miséria. São tantas as imagens que nos invadem onde
vemos o sofrimento, mas não o tocamos; ouvimos o pranto, mas não o consolamos; vemos a sede, mas não a saciamos. Assim, muitas vidas entram a
fazer parte de uma notícia que, em
pouco tempo, acabará substituída por
outra. E, enquanto mudam as notícias,
o sofrimento, a fome e a sede não mudam, permanecem. Esta tendência — ou
tentação — exige de nós um passo a
mais e, por sua vez, revela o papel fundamental que instituições como a vossa
têm no cenário global. Hoje não pode-
mos dar-nos por satisfeitos apenas com
o facto de conhecer a situação de muitos dos nossos irmãos. As estatísticas
não nos saciam. Não é suficiente elaborar longas reflexões ou submergir-nos
em discussões infindáveis sobre as mesmas, repetindo continuamente argumentos já conhecidos por todos. É necessário «desnaturalizar» a miséria, deixando de considerá-la como um dado
entre muitos outros da realidade. Porquê? Porque a miséria tem um rosto.
Tem o rosto de uma criança, tem o rosto de uma família, tem o rosto de jovens e idosos. Tem o rosto da falta de
oportunidades e de emprego de muitas
pessoas, tem o rosto das migrações forçadas, das casas abandonadas ou destruídas. Não podemos «naturalizar» a
fome de tantas pessoas; não nos é lícito
afirmar que a sua situação é fruto de
um destino cego contra o qual nada
podemos fazer. Quando a miséria deixa
de ter um rosto, podemos cair na tentação de começar a falar e discutir sobre
«a fome», «a alimentação», «a violência», deixando de lado o sujeito concreto, real, que continua ainda hoje a
bater às nossas portas. Quando faltam
os rostos e as histórias, as vidas começam a transformar-se em números e assim, pouco a pouco, corremos o risco
de burocratizar o sofrimento alheio. As
burocracias ocupam-se de procedimentos; a compaixão – não a pena, mas a
compaixão, o padecer com –, pelo contrário, põe-nos em campo em prol das
pessoas. E, nisto, acho que temos muito trabalho a fazer. Juntamente com todas as ações já em curso, é necessário
Na saudação conclusiva
Coragem dos mártires
Na conclusão da visita, no encontro com os funcionários do
Programa alimentar mundial, o Papa pôs de lado o discurso
preparado e dirigiu aos presentes a seguinte saudação.
Eu deveria pronunciar um discurso em espanhol, mas a
maioria de vós não compreende esta língua, mas sim o italiano, porque vive na Itália. E os discursos são também tediosos! Assim eu confio o discurso, para que vos seja entregue depois, à Senhora, e direi algumas palavras que me
vêm espontâneas do coração.
A primeira coisa que desejo dizer-vos, no meu mau italiano, é obrigado. Obrigado porque fazeis o trabalho escondido, o trabalho «por detrás», aquele que não se vê,
mas que torna possível que tudo vá por diante. Vós sois como os fundamentos de um prédio: sem fundamentos o prédio não está em pé. Tantos projetos, tantas coisas podem
ser feitas, e fazem-se no mundo, na luta contra a fome, e
fazem-nos muitas pessoas corajosas. Mas isto graças ao vosso apoio, à vossa ajuda escondida. Os vossos nomes encontram-se apenas no elenco do pessoal — e no fim do mês, no
do ordenado — mas além disso ninguém sabe como vos
chamais. Contudo os vossos nomes tornam possível este
grande trabalho, este grande trabalho da luta contra a fome. Graças a um pequeno trabalho, a um pequeno sacrifício, um vosso sacrifício escondido, pequeno ou grande,
tantas crianças podem comer, muita fome é saciada. Agradeço-vos muito.
Quando ouvi a Diretora do Programa falar, pensei para
comigo: esta é uma mulher corajosa! E penso que todos
vós tendes esta coragem: a coragem de levar por diante
uma obra «por detrás dos bastidores» e ajudar. Há a coragem daquelas pessoas que se veem, porque num corpo há
os pés, as mãos e também o rosto: vê-se o rosto, mas os pés
não se veem porque estão dentro dos sapatos; mas vós sois
os pés, as mãos, que amparam a coragem de quantos vão
em frente, que apoiaram também a coragem dos vossos
«mártires» digamos assim, das vossas testemunhas. Nunca
esqueçais os nomes daqueles que estão escritos ali, na entrada. Eles puderam fazer aquelas coisas devido à coragem
que tinham, à fé que tinham no trabalho, mas também porque eram amparados pelo vosso trabalho. Muito obrigado.
E peço-vos que rezeis por mim, para que também eu possa
fazer algo contra a fome. Obrigado!
Francisco recomendou aos funcionários do Pam que não se deixem sufocar pelos dossiês
Ameaça à paz
«A fome é uma das maiores ameaças à
paz e à serena convivência humana»,
afirmou o Papa no discurso preparado e
entregue aos funcionários do Programa
alimentar mundial durante o encontro do
dia 13 de junho.
Senhoras e senhores, amigos todos,
bom dia!
trabalhar por «desnaturalizar» e desburocratizar a miséria e a fome dos nossos
irmãos. Isto exige de nós, em diversa
escala e a diferentes níveis, uma intervenção em que apareça como objetivo
dos nossos esforços a pessoa concreta
que sofre e tem fome, mas que encerra
também uma imensa riqueza de energias e potencialidades que devemos
ajudar a concretizar.
1. «Desnaturalizar» a miséria
Quando estive na Fao, por ocasião
da II Conferência Internacional sobre a
Nutrição, disse que uma das graves incoerências que estávamos chamados a
considerar é o facto de haver comida
suficiente para todos mas «nem todos
podem comer, enquanto o desperdício,
o descarte, o consumo excessivo e o
uso de alimentos para outros fins estão
diante dos nossos olhos» (Discurso à
Plenária da Conferência, 20/XI/2014).
Fique claro que a falta de comida
não é uma coisa natural, não é um dado óbvio nem evidente. O facto de hoje, em pleno século XXI, muitas pessoas
sofrerem deste flagelo deve-se a uma
egoísta e má distribuição dos recursos,
a uma «mercantilização» dos alimentos. A terra, maltratada e abusada, continua em muitas partes do mundo a
dar-nos os seus frutos, continua a brindar-nos com o melhor de si mesma; os
rostos famintos lembram-nos que desvirtuamos os fins da terra. Um dom,
que tem finalidade universal, tornamolo um privilégio de poucos. Fizemos
dos frutos da terra — dom para a humanidade — mercadoria de alguns, gerando assim exclusão. O consumismo —
que permeia as nossas sociedades — induziu a habituar-nos ao supérfluo e ao
desperdício diário de comida, a que
por vezes já não somos capazes de dar
o justo valor e que se situa para além
de meros parâmetros económicos. Farnos-á bem recordar que o alimento desperdiçado é como se fosse roubado à
mesa do pobre, de quem tem fome. Esta realidade solicita-nos a refletir sobre
o problema da perda e desperdício de
alimentos, a fim de individuar vias e
modalidades que, enfrentando seriamente tal problemática, sejam veículo
de solidariedade e partilha com os mais
necessitados [cf. Catequese de 5 de junho de 2013: Insegnamenti, I/1 (2013),
280].
2. Desburocratizar a fome
Devemos dizê-lo sinceramente! Há
questões burocratizadas; há ações que
estão «engarrafadas». A instabilidade
mundial que vivemos é bem conhecida
por todos. Nos tempos recentes, são as
guerras e as ameaças de conflito o que
predomina nos nossos interesses e debates. E assim, perante a diversa gama
de conflitos existentes, parece que as
armas tenham adquirido uma preponderância de tal modo fora do comum,
que acantonaram totalmente outras maneiras de solucionar as questões em liça. Esta preferência já está de tal modo
enraizada e assumida, que impede a
distribuição de alimentos nas zonas de
guerra, chegando mesmo à violação dos
princípios e diretrizes mais basilares do
direito internacional, cuja vigência reCONTINUA NA PÁGINA 12
Estou contente por me encontrar convosco num clima simples e familiar, reflexo do estilo que anima a vossa entrega ao serviço de tantos irmãos nossos, que hoje encontram em vós um
dos rostos solidários da humanidade.
Quero também lembrar os vossos colegas que, espalhados por todo o mundo, colaboram com o Programa Alimentar Mundial. A todos vós, obrigado pela calorosa amizade e as boasvindas.
A Senhora Diretora Executiva explicou-me a importância do trabalho que
realizais com grande competência e
não poucos sacrifícios, de forma generosa, mesmo em situações duras e
muitas vezes inseguras por causas naturais ou humanas. A amplitude e gravidade dos problemas enfrentados pelo Pam exigem-vos que prossigais colocando entusiasmo em tudo o que fazeis, sem vos poupardes, sempre prontos a servir. Para isso, conta muito a
Os povos da fome interpelam os da opulência
Distância dramática
GUALTIERO BASSETTI
á uma dramática distância entre aqueles países, sobretudo
do mundo ocidental, onde assistimos a uma proliferação contínua
dos direitos individuais, por vezes confundidos com desejos e novas necessidades, e aquelas nações, sobretudo da
Ásia e da África, onde ao contrário, está ausente até o direito mais elementar
à vida: ter pão para poder viver.
Há pouco mais de um mês, fiz uma
visita ao Malavi. Com efeito, há cerca
de trinta anos a diocese de Perúsia desenvolveu uma relação de solidariedade
com a diocese de Zomba que levou à
construção de dois hospitais, dispensários de saúde, cinco creches e um politécnico. O Malavi é um dos países mais
pobres do mundo, onde dez por cento
da população é soropositiva e onde, no
passado mês de abril, no silêncio da
opinião pública mundial, foi declarado
o estado de catástrofe natural. Há mais
de um ano uma terrível seca, que atinge também as nações confinantes —
Moçambique, Zimbabue, Zâmbia — está a atormentar a vida daqueles países.
À espera que cheguem as ajudas humanitárias das Nações Unidas, a vida de
muitas pessoas está em perigo e as populações que vivem nos territórios internos do Malavi correm o risco de
morrer de fome. Não se trata de uma
metáfora ou de um jogo de palavras. É
a dramática realidade: morrer de fome.
«Os povos da fome interpelam hoje
de modo dramático os povos da opu-
H
lência» escreveu Paulo VI na Populorum
progressio. Depois de quase cinquenta
anos aquele apelo ainda é válido, interroga-nos profundamente. Hoje cerca de
oitocentos milhões de pessoas, em todo
o mundo, continuam a sofrer a fome.
Na homilia do Corpus Christi, o Papa
Francisco recordou «os santos e as santas que “se partiram” a si mesmos, a
própria vida, para “dar de comer” aos
irmãos». Eis que ajudar estas populações que estão a morrer de fome, «oferecer-lhes os poucos pães e peixes que
temos; receber o pão partido pelas
mãos de Jesus e distribuí-lo a todos» é
um caminho para a santidade. É quanto nos ensina, por exemplo, uma santa
da nossa época que pude conhecer pessoalmente: madre Teresa de Calcutá.
Em 1979, a fundadora das missionárias da caridade, falando por ocasião
da atribuição do prémio Nobel da paz,
disse diante de uma plateia silenciosa e
admirada: «Não sei se alguma vez vistes a fome. Eu vi-a muitas vezes». E
depois contou uma experiência comovedora na qual se encontrou a ajudar,
dando um pouco de arroz, uma família
hindu e uma muçulmana. A fome, como nos ensina a madre Teresa, não tem
cor, raça nem religião. Pode atingir
qualquer um.
Eu pertenço à geração de italianos
que depois do fim da segunda guerra
mundial viveu literalmente «a fome». E
tenho uma recordação clara do que significa não ter comida. Não podemos
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formação permanente, uma intuição
perspicaz e sobretudo um grande sentido de compaixão, sem o qual tudo o
mais careceria de força e razão de ser.
O Pam depositou nas vossas mãos
uma alta missão. O bom êxito da mesma depende em grande parte de não
se deixar vencer pela inércia, mas pôr
em tudo capacidade de iniciativa, imaginação e profissionalismo, a fim de
procurar cada dia vias novas e eficazes
para vencer a subalimentação e a fome
que sofrem muitos seres humanos em
várias partes do mundo. São eles que
nos pedem para lhes prestarmos a nossa atenção. Por isso, é importante que
não vos deixeis sufocar pelos dossiês e
consigais descobrir que, por trás de
cada folha, há uma história particular,
muitas vezes dolorosa e delicada. O
segredo é ver, por trás de cada expediente, um rosto humano que pede
ajuda. Ouvir o grito do pobre permitir-vos-á que não vos fecheis em frios
formulários. Tudo é pouco para derrotar um fenómeno assim terrível como
a fome.
Esta é uma das maiores ameaças à
paz e a uma serena convivência humana. Uma ameaça que não podemos
contentar-nos apenas com denunciá-la
ou estudá-la; é preciso enfrentá-la com
decisão e resolvê-la urgentemente. Cada um de nós, segundo a respetiva
responsabilidade, deve agir na medida
das próprias possibilidades a fim de se
alcançar uma solução definitiva para a
miséria humana que degrada e corrói
a existência de um número enorme de
nossos irmãos e irmãs. E, na hora de
ajudar aqueles que cruelmente a padecem, ninguém é demais nem pode li-
mitar-se a apresentar uma desculpa,
pensando que é um problema que o
ultrapassa ou não lhe diz respeito.
O desenvolvimento humano, social,
técnico e económico é o caminho obrigatório para garantir que cada pessoa,
família, comunidade ou povo possa
enfrentar as próprias necessidades. Isto diz-nos que devemos trabalhar, não
por uma ideia abstrata nem por uma
defesa teórica da dignidade, mas por
tutelar a vida concreta de cada ser humano. Nas áreas mais pobres e deprimidas, isso significa dispor de comida
em caso de emergências, mas também
possibilitar o acesso a meios e instrumentos técnicos, a postos de trabalho,
ao microcrédito, e assim procurar que
a população local reforce a sua capacidade de resposta a crises que possam
improvisamente surgir.
Quando digo isto, não me refiro
apenas às questões materiais. Trata-se,
antes de mais nada, de um compromisso moral que permita olhar com
responsabilidade para a pessoa que tenho ao meu lado, bem como para o
objetivo geral de todo o Programa.
Vós sois chamados a sustentar e defender este compromisso através de um
serviço que poderia, mas só à primeira
vista, parecer puramente técnico. Ao
contrário, o que realizais são ações que
precisam de uma grande força moral a
fim de contribuir para a edificação do
bem comum em cada país e em toda a
comunidade internacional.
Face a tantos desafios, perante os
perigos e problemas que surgem continuamente, fica-se com a impressão de
que o futuro da humanidade consistirá
apenas em dar resposta a provas e riscos cada vez mais interligados e difíceis de prever tanto na sua amplitude
como na sua complexidade. Bem o sabeis por experiência própria. Mas isto
não nos deve desanimar. Animai-vos e
ajudai-vos uns aos outros para não
deixardes entrar no vosso coração a
tentação do desânimo ou da indiferença. Ao contrário, acreditai firmemente
que a ação diária de todos vós está a
contribuir para transformar o nosso
mundo num mundo com rosto humano, num espaço cujos pontos cardeais
sejam a compaixão, a solidariedade, a
ajuda mútua e a gratuidade. Quanto
maior for a vossa generosidade, a vossa tenacidade, a vossa fé, tanto mais a
cooperação multilateral poderá encontrar soluções adequadas para os problemas que muito nos preocupam,
ampliar perspetivas parciais e interessadas e abrir novos caminhos à esperança, a um equitativo desenvolvimento humano, à sustentabilidade e à luta
por conter as desigualdades económicas injustas que tanto ferem os mais
vulneráveis.
Sobre cada um de vós, vossas famílias e o trabalho que desempenhais no
Pam, invoco abundantes bênçãos divinas.
Peço-vos que rezeis por mim, cada
um no seu íntimo, ou pelo menos,
quando pensardes em mim, que o façais de modo positivo. Preciso muito
disso. Obrigado!
L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 16 de junho de 2016, número 24
Visita ao Programa alimentar mundial
Há necessidade
de sonhadores
Há necessidade de sonhadores para
concretizar o objetivo de erradicar a
fome do planeta, porque por detrás
da palavra «fome» escondem-se o
sofrimento e a morte de milhões de
pessoas. O Papa Francisco fez-se voz
de tantos rostos anónimos de homens e mulheres de todas as línguas,
culturas, nacionalidades, que têm em
comum o drama de viver na própria
pele as consequências da fome. Não
podia haver ocasião melhor da visita
ao Programa alimentar mundial
(Pam) das Nações Unidas, realizada
na manhã de segunda-feira 13 de junho, na sede geral da agência em
Roma.
Trata-se da primeira vez que um
Pontífice visita o Pam. E este encontro acontece no ano em que a agência internacional começa o trabalho
para alcançar os dezassete objetivos
de desenvolvimento sustentável que
encontraram de acordo todos os Estados-membros das Nações Unidas.
Em particular, no centro dos esforços está o objetivo «fome zero» até
2030. Um compromisso que exige
não só recursos materiais mas também humanos. Precisamente para recordar as tantas pessoas que pagaram até com a vida o desempenho
da sua missão, foi colocado na entrada da sede da agência o «muro
da memória». Uma espécie de lápide com os nomes gravados de quem
deu a vida durante o serviço ao
Pam. O Papa parou diante do muro,
enquanto duas crianças — Amal
Johan, de seis anos, e Lorenzo Benedetti, de sete — lhe ofereceram composições floreais que depois colocaram aos pés da lápide.
Recebido por monsenhor Chica
Arellano, observador permanente
junto das organizações e organismos
das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura, por Ertharin
Cousin, diretora executiva, e por
Stephanie Hochstetter Skinner-Klée,
presidente do conselho de administração do Pam, o Papa saudou os
ministros de quatorze Estados e organismos internacionais: Andorra,
Argentina, Burquina Faso, Chade,
República Democrática do Congo,
El Salvador, Etiópia, União europeia, França, Gâmbia, República do
Quirguistão, Lesoto, Somália e Sudão do Sul. Depois dialogou com o
diretor executivo, Ramiro Armando
de Oliveira Lopes da Silva, e com o
presidente do conselho de administração. No final o Pontífice assinou
o livro de honra do Pam. Antes de
entrar no Auditorium para saudar a
assembleia, encontrou-se com alguns
membros da comunidade «Zero
Hunger».
Não se acostumar com a fome
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monta a muitos séculos atrás. Encontramo-nos assim perante um fenómeno estranho e paradoxal: enquanto as ajudas e os planos de desenvolvimento se veem obstaculizados por intrincadas e incompreensíveis decisões políticas, por tendenciosas visões ideológicas ou por insuperáveis barreiras alfandegárias,
as armas não; não importa a sua
origem, circulam com uma liberdade jactanciosa e quase absoluta em
muitas partes do mundo. E assim
nutrem-se as guerras, não as pessoas. Nalguns casos, usa-se a própria fome como arma de guerra. E
as vítimas multiplicam-se, porque o
número das pessoas que morrem de
fome e depauperação soma-se ao
dos combatentes que morrem no
campo de batalha e a tantos civis
mortos nos conflitos e nos atentados. Temos plena consciência disto,
mas deixamos que a nossa consciência se anestesie tornando-se
desta forma insensível, porventura
recorrendo a palavras para se justificar (tais como: não se pode enfrentar tantas tragédias) que é a
anestesia mais grave. Assim, a força
transforma-se no nosso único modo
de agir; e o poder, no objetivo perentório a alcançar. As populações
mais frágeis não só padecem os
conflitos bélicos, mas ainda veem
travado todo o tipo de ajuda. Por
isso, urge desburocratizar tudo
quanto impeça que os planos de
ajuda humanitária alcancem os seus
objetivos. Nisto, vós tendes um papel fundamental porque precisamos
de verdadeiros heróis capazes de
abrir sendas, lançar pontes, simplificar procedimentos de modo que o
acento seja posto no rosto de quem
sofre. Para esta meta se devem
orientar igualmente as iniciativas da
comunidade internacional.
Não é questão de harmonizar interesses, que permanecem ancorados a visões nacionais centrípetas
ou a egoísmos inconfessáveis. Tratase, antes, de que os Estados membros incrementem decididamente a
sua vontade real de cooperar para
estes fins. Por esta razão, será muito importante que a vontade política de todos os países membros consinta e incremente decididamente a
vontade efetiva de cooperar com o
Programa Alimentar Mundial, para
que este possa não só responder às
urgências, mas também realizar
projetos sólidos e consistentes e
promover programas de desenvolvimento a longo prazo, segundo as
solicitações de cada um dos governos e de acordo com as necessidades dos povos.
Com a sua trajetória e atividade,
o Programa Alimentar Mundial demonstra que é possível coordenar
conhecimentos científicos, decisões
técnicas e ações práticas com os esforços destinados a mobilizar recursos e a distribuí-los equitativamente, isto é, respeitando as exigências
de quem os recebe e a vontade do
doador. Este método pode e deve
garantir, nas áreas mais deprimidas
e pobres, o adequado desenvolvimento das capacidades locais e eliminar gradualmente a dependência
externa, consentindo ao mesmo
tempo de reduzir a perda de alimentos, para que nada se desperdice. Numa palavra, o PAM é um válido exemplo de como se pode trabalhar em todo o mundo para erradicar a fome através de uma melhor
atribuição dos recursos humanos e
materiais, fortalecendo a comunidade local. Neste sentido, encorajovos a prosseguir. Não vos deixeis
vencer pelo cansaço (que é tanto),
nem permitais que as dificuldades
vos façam desistir. Acreditai naquilo
que fazeis e continuai a fazê-lo com
entusiasmo, que é o modo como
pode germinar com força a semente
da generosidade. Permiti-vos o luxo
de sonhar. Precisamos de sonhadores que façam avançar estes projetos.
Fiel à sua missão, a Igreja Católica quer trabalhar em concertação
com todas as iniciativas que visam
a salvaguarda da dignidade das
pessoas, especialmente de quantas
estão feridas nos seus direitos. Para
se tornar realidade esta prioridade
urgente da «fome zero», assegurovos todo o nosso apoio e sustentáculo para favorecer todos os esforços empreendidos.
«Tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber». Nestas palavras, temos uma
das máximas do cristianismo; mas
esta frase, independentemente de
credos e convicções, poderia ser
oferecida como regra de ouro para
os nossos povos: tanto para um povo, como para a humanidade inteira. A humanidade joga o seu futuro
na capacidade que tem de assumir
a fome e a sede dos seus irmãos.
Nesta capacidade de socorrer o faminto e o sedento, podemos medir
o pulso da nossa humanidade. Por
isso desejo que a luta para erradicar
a fome e a sede dos nossos irmãos,
e juntamente com os nossos irmãos,
continue a interpelar-nos; que não
nos deixe dormir e nos faça sonhar
(as duas coisas juntas); que nos interpele para se buscar criativamente
soluções de mudança e transformação.
E que Deus Todo-Poderoso sustente com a sua bênção o trabalho
das vossas mãos. Obrigado!
No auditorium a presidente Hochstetter Skinner-Klée abriu oficialmente a assembleia especial da sessão
anual da junta executiva do organismo. Na saudação de boas-vindas disse que a presença do Pontífice é um
sinal inestimável do seu apoio à causa do Pam. A presidente renovou
também o compromisso de todos os
funcionários em relação a quantos sofrem a fome, com a promessa de continuar a fazer o máximo a fim de erradicar este drama do mundo. Em seguida, também a diretora executiva
Cousin dirigiu ao Papa uma breve
saudação, na qual frisou que o planeta possui os alimentos, o conhecimento, a capacidade e as competências não só para fazer face aos desafios da insegurança alimentar e da
subalimentação, mas para pôr fim à
fome. O que serve, acrescentou, é a
necessária vontade pública global de
enfrentar com urgência esta grande
falência na humanidade comum. No
final do discurso, Cousin ofereceu ao
Papa um desenho, obra de um jovem
do Sri Lanka. Por sua vez o Pontífice
ofereceu um medalhão de bronze que
representa São Martinho no gesto de
doar parte do seu manto a um pobre.
Antes de se deslocar ao «jardim
da paz» para saudar as crianças da
creche com os seus pais e com os
empregados do Pam, o Papa encontrou-se com alguns funcionários que
testemunham as dificuldades e o espírito de sacrifício requeridos durante as missões. Jok Kuol, do Sudão
do Sul, de religião católica, trabalha
desde há onze anos no Pam. É um
assistente logístico e está comprometido no projeto «Less». Quando era
criança beneficiou das refeições fornecidas às escolas do Pam, e do
mesmo modo, pôde alimentar-se
quando era refugiado no campo Dadaab no Quénia. Alessandra Piccolo,
ao contrário, é uma jovem italiana
que começou a trabalhar com o Pam
como estagiária. Desempenhou serviço na República Centro-Africana
durante a recente crise e no Nepal
depois da emergência do terramoto.
Sara Adam, somali, chefia o desenvolvimento comercial das transferências em numerário e do apoio local.
Trabalha na sede geral, e o seu marido, Jakob Kern, é também ele membro do Pam e está ativo na Síria.
Durante a visita o Papa foi acompanhado entre outros, pelo cardeal
Pietro Parolin, secretário de Estado,
pelos arcebispos Angelo Becciu,
substituto da Secretaria de Estado,
Paul Richard Gallagher, secretário
para as relações com os Estados, e
Georg Gänswein, prefeito da Casa
Pontifícia.
número 24, quinta-feira 16 de junho de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
página 13
À Comunhão mundial das Igrejas reformadas o Papa falou da missão de unidade dos cristãos
Como ânforas que matam a sede
Um novo convite a caminhar «rumo à
meta da unidade dos cristãos» foi
dirigido pelo Papa Francisco a uma
delegação de representantes da
Comunhão mundial das Igrejas
reformadas, recebida em audiência na
manhã de 10 de junho, na biblioteca
do Palácio apostólico.
Estimados irmãos e irmãs!
É de coração que vos dou as boasvindas e agradeço a vossa visita:
«Graça e paz a vós da parte de
Deus nosso Pai e do Senhor Jesus
Cristo!» (1 Cor 1, 3). Estou grato em
particular ao Senhor Secretário-Geral pelas suas palavras.
O nosso encontro de hoje é um
passo ulterior do caminho que caracteriza o movimento do ecumenismo;
um caminho abençoado e repleto de
esperança, ao longo do qual nós
procuramos viver cada vez mais em
conformidade com a oração do Senhor, «para que todos sejam um só»
(Jo 17, 21).
Já passaram dez anos desde que
uma delegação da Aliança Mundial
das Igrejas Reformadas visitou o
Distância
dramática
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 10
nem devemos esquecer isto. A indiferença e o silêncio dos meios de
comunicação é, de facto, um dos
aspetos piores desta chaga. «A
maior miséria não é a fome ou a
lepra — dizia sempre a madre Teresa — mas a sensação de ser indesejável, rejeitado, abandonado por
todos». Não podemos esquecer
aquelas pessoas que João Paulo II
chamava os «derrotados da vida»
e daquelas vítimas inocentes da
«cultura do descarte», como repete hoje o Pontífice.
Neste ano jubilar devemos sentir-nos mais participantes das necessidades destas pessoas que, para viver, aliás, para sobreviver,
contam com a ajuda fundamental
de todos os que praticam as obras
de misericórdia. Sabem-no bem as
dezenas de voluntários que todos
os anos vão a Zomba e que, experimentando a importância e a eficácia da solidariedade humana, regressam a casa com uma hierarquia de valores e prioridades absolutamente diversa da que tinham
quando partiram. Por conseguinte,
os desejos que se transformam em
direitos na sociedade do consumo
estão dramaticamente distantes do
profundo significado da vida que
se pode sentir nestas missões.
Chegou à minha mesa uma mensagem que sintetiza esta situação:
«Há quem tem tudo e chora por
uma coisa que não conseguiu obter. E há quem nada possui, mas
sorri e agradece todos os dias pela
coisa mais preciosa de que dispõe:
a vida».
meu predecessor, Papa Bento XVI.
Entretanto, a histórica unificação entre o Conselho Ecuménico Formado
e a Aliança Mundial das Igrejas Reformadas, que teve lugar em 2010,
ofereceu um exemplo tangível de
progresso rumo à meta da unidade
entre os cristãos, e serviu de encorajamento para muitos no caminho do
ecumenismo.
Hoje devemos dar graças a Deus
sobretudo pela nossa fraternidade
reencontrada que, como escrevia são
João Paulo II, «não é a consequência
de um filantropismo liberal nem de
um vago espírito de família, mas está enraizada no reconhecimento do
único Batismo e na consequente exigência de que Deus seja glorificado
na sua obra» (cf. Carta Encíclica Ut
unum sint, 42). É nesta comunhão
espiritual que católicos e reformados
podem promover um crescimento
comum, para servir melhor o Senhor.
Um motivo específico de gratidão
é a recente conclusão da quarta fase
do diálogo teológico entre a Comunhão Mundial das Igrejas Reformadas e o Pontifício Conselho para a
Promoção da Unidade dos Cristãos,
sobre o tema A justificação e a sacramentalidade: a comunidade cristã como
promotora de justiça. É-me grato
constatar que o relatório final evidencia oportunamente o vínculo necessário entre a justificação e a justiça. Com efeito, a nossa fé em Jesus
impele-nos a viver a caridade através
de gestos concretos, capazes de incidir sobre o nosso estilo de vida, sobre os nossos relacionamentos e sobre a realidade que nos circunda.
Com base no acordo acerca da doutrina da justificação, existem numerosos setores em que reformados e
católicos podem colaborar para dar
um testemunho comum do amor misericordioso de Deus, verdadeiro antídoto contra o sentido de desorientação e à indiferença que nos parecem circundar.
Efetivamente, hoje experimentamos com frequência uma «desertificação espiritual». Sobretudo onde se
vive como se Deus não existisse, as
nossas comunidades cristãs são chamadas a ser «ânforas» que dessedentam com a esperança, presenças capazes de inspirar fraternidade, encontro, solidariedade, amor genuíno
e abnegado (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 86-87); elas
têm o dever de acolher e reavivar a
graça de Deus, sem se fechar em si
mesmas mas abrindo-se à missão.
Com efeito, não é possível comunicar a fé vivendo-a de maneira isolada ou em grupos fechados e separa
dos, numa espécie de falsa autonomia e de imanentismo comunitário.
Se agirmos assim não seremos capazes de saciar a sede de Deus que nos
interpela e que sobressai também de
múltiplas e novas formas de religiosidade. Às vezes, elas correm o risco
de secundar o isolamento em nós
mesmos e nas nossas necessidades,
favorecendo uma forma de «consumismo espiritual». Portanto, se os
homens do nosso tempo «não encontrarem... uma espiritualidade que
os cure, liberte, encha de vida e de
paz, e ao mesmo tempo que os chame à comunhão solidária e à fecundidade missionária, acabarão enganados por propostas que não humanizam nem dão glória a Deus» (cf.
ibid., n. 89).
Há urgente necessidade de um
ecumenismo que, juntamente com o
esforço teológico em vista de recompor as controvérsias doutrinais entre
os cristãos, promova uma comum
missão de evangelização e de serviço.
Indubitavelmente, já existem numerosas iniciativas e boas colaborações
em vários lugares. Mas todos nós
podemos fazer ainda mais, juntos,
para dar um testemunho vivo «a todo aquele que nos perguntar a razão
da nossa esperança» (cf. 1 Pd 3, 15):
transmitir o amor misericordioso do
nosso Pai, que recebemos de graça e,
generosamente, somos chamados a
dar de graça.
Caros irmãos e irmãs, enquanto
vos renovo a minha gratidão pela
vossa presença e pelo vosso compromisso ao serviço do Evangelho, manifesto o desejo a fim de que este
encontro constitua um sinal eficaz
da nossa determinação perseverante
a caminhar juntos em peregrinação
rumo à plena unidade. O nosso encontro comum possa animar todas
as comunidades reformadas e católicas a continuar a trabalhar unidas
para transmitir o júbilo do Evangelho aos homens e às mulheres do
nosso tempo. Deus vos abençoe!
Instituído pelo Pontífice
Um comité distribuirá fundos da coleta para a Ucrânia
O Papa Francisco dispôs a instituição de um comité encarregado da distribuição dos fundos angariados com a
coleta que ele mesmo estabeleceu para a Ucrânia no domingo, 24 de abril, em todas as igrejas europeias. Foi o
conteúdo da carta enviada recentemente pelo cardeal secretário de Estado Pietro Parolin a D. Jan Sobiło, bispo
auxiliar de Kharkiv-Zaporizhia, nomeado ao mesmo
tempo presidente do comité. A ação humanitária — denominada «o Papa pela Ucrânia» — foi promovida depois dos trágicos eventos bélicos na Ucrânia oriental, a
favor das populações atingidas ou refugiadas noutras
partes do país. Para apoiar esta ação o Papa ofereceu
também a sua contribuição pessoal. O dinheiro obtido
da coleta destina-se «exclusivamente ao benefício da população vítima da guerra, sem distinção de religião, confissão ou pertença étnica».
Precisamente para providenciar a distribuição dos fundos, o Papa decidiu constituir in loco um comité «técnico», composto por um presidente e quatro membros. O
presidente nomeará três dos membros, enquanto um será
indicado de comum acordo pela Caritas internationalis e
pelo Pontifício Conselho Cor unum. O mandato do comité será de um ano, renovável se for necessário. A sede
será na cúria da diocese de Kharkiv-Zaporizhia e os
agentes serão todos voluntários, a fim de que os fundos
recolhidos sejam efetivamente em vantagem das populações atingidas. Depois, importantes as indicações da carta sobre a escolha das intervenções a realizar: as propostas deverão vir antes de tudo «das assembleias inter-religiosas ou interconfessionais existentes em cada área ou
de cada bispo, inclusive não católicos, onde não existirem tais assembleias». Contudo, poderão ser examinadas
também propostas provenientes de outras organizações.
Tratando-se de uma iniciativa pessoal do Papa, são referentes últimos do projeto a Secretaria de Estado e o
Pontifício Conselho Cor unum, que terá a supervisão
«técnica» da atuação, através da nunciatura apostólica
na Ucrânia.
L’OSSERVATORE ROMANO
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quinta-feira 16 de junho de 2016, número 24
Missas matutinas em Santa Marta
Quinta-feira
9 de junho
A santidade
da negociação
É preciso viver «a santidade pequenina da negociação», ou seja, aquele
«realismo sadio» que «a Igreja nos
ensina»: isto é, trata-se de rejeitar a
lógica do «isto ou nada» e de empreender o caminho do «possível»
para nos reconciliarmos com os outros. Com uma pequena nota de ternura: durante a homilia uma criança
começou a chorar, mas Francisco
imediatamente tranquilizou os pais:
«Não vos preocupeis, porque a pregação de uma criança na igreja é
mais bonita do que a do sacerdote,
do bispo e do Papa. Deixai estar:
deixai-a chorar, porque é a voz da
inocência que faz bem a todos nós».
Para a sua reflexão, o Papa inspirou-se no excerto do Evangelho de
Mateus (5, 20-26), proposto pela liturgia: «Jesus está no meio do seu
povo e ensina aos discípulos, ensina
a lei do povo de Deus». Com efeito,
«Jesus é o legislador que Moisés tinha prometido: “Virá alguém depois
de mim...”». Portanto, ele é «o verdadeiro legislador, aquele que nos
ensina como deve ser a lei para sermos justos». Mas «o povo estava
um pouco desorientado, confuso,
porque não sabia o que fazer e
aqueles que ensinavam a lei não
eram coerentes». E é o próprio Jesus
quem lhes diz: «Fazei o que dizem,
mas não o que fazem». De resto,
«não eram coerentes na sua vida,
não eram um testemunho de vida».
Assim «Jesus, neste trecho do Evangelho, fala sobre superar: “A vossa
justiça deve superar a dos escribas e
dos fariseus”». Portanto, «a este povo um pouco prisioneiro desta gaiola sem saída, Jesus indica o caminho
para sair: sempre sair por cima, superar, ir além».
E nesta direção, explicou Francisco, Jesus «cita como primeiro exemplo — cita muitos, não? — o primeiro
mandamento: amar a Deus e amar
ao próximo: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás, um dos
mandamentos de amor ao próximo,
“Mas eu digo-vos: todo aquele que
se irar contra seu irmão será castigado pelos juízes. Aquele que disser a
seu irmão: Raca, será castigado pelo
Grande Conselho. Aquele que lhe
disser: Louco, será condenado ao fogo da Geena”».
Substancialmente, Jesus afirma
que «é pecado não só matar», mas
também «insultar e ofender» o irmão. E «faz bem ouvir isto», acrescentou o Papa, precisamente «neste
tempo em que estamos tão acostumados aos qualificativos e usamos
um vocabulário muito criativo para
insultar os outros». Por conseguinte,
também ofender «é pecado, é matar». Porque «é dar uma bofetada
na alma do irmão, na dignidade própria do irmão», pronunciar algo como: «não te importes, este é um
louco, um estúpido», e «muitos outros palavrões que dizemos, com
muita caridade, aos outros». Isto, repetiu o Pontífice, «é pecado».
Francisco observou que «Jesus resolve» as dúvidas «deste povo deso-
O embaixador da Malásia
apresentou as credenciais
Na manhã de quinta-feira
9 de junho, o Papa Francisco
recebeu em audiência Sua Ex.cia
o Sr. Tan Sri Bernard Giluk
Dompok, novo embaixador
da Malásia, para a apresentação
das cartas com as quais
foi acreditado junto da Santa Sé
Sua Ex.cia o Senhor Tan Sri Bernard Giluk Dompok, novo embaixador
da Malásia junto da Santa Sé, nasceu em Penompang, Kota Kinabalu,
Sabah, a 7 de outubro de 1949.
Formado em administração do território (University of East London
Bsc., 1978), e académico na Royal Institution Chartered Surveyors
(FRICS), desempenhou os seguintes cargos: avaliador, departamento do
Território & Sondagem, Sabah (1978-1980); ministro das Finanças do Estado de Sabah (1985 — maio 1990); ministro da Agricultura e Pesca do
Estado de Sabah (julho 1990 — 1992); ministro no departamento do primeiro-ministro da Malásia (agosto 1994 — 1995); ministro do Turismo do
Estado de Sabah (1995-1998); primeiro-ministro do Estado de Sabah
(1998-1999); ministro do departamento do primeiro-ministro da Malásia
(1999-2008); ministro das Plantações e Produtos básicos (2008-2013); presidente do Penampang Community College (2014-2016); presidente do
Instituto para o Progresso económico indígena (1994-2003); presidente do
Centro de formação juvenil Montfort (desde 1999 até hoje); presidente do
Fundo para a tutela do Bornéu (desde setembro de 2013 até hoje), consultor, Instituto para o Progresso económico indígena (desde 2004 até
hoje); patrocinador, Federação do Conselho das Escolas missionárias da
Malásia.
rientado e prisioneiro olhando para
cima: a lei. E vai além, vincula o
comportamento do povo com a adoração a Deus e diz: “Se vais ao altar
a oferecer um dom e tens um problema com o irmão, ou o irmão há
algo contra de ti, vai antes ter com o
irmão, reconcilia-te”». Isto «é superar a lei e o que diz é uma justiça
superior à dos escribas e dos fariseus».
«Quantas vezes na Igreja ouvimos
isto, quantas vezes!» constatou o Papa, recordando que não é raro ouvir
frases do tipo: «Mas aquele sacerdote, aquele homem, aquela mulher da
ação católica, aquele bispo, aquele
Papa dizem-nos “deves fazer assim!”
e ele mesmo faz o contrário». Isto é
precisamente «o escândalo que fere
o povo e não deixa que o povo de
Deus cresça, que progrida. Não liberta». Também «aquele povo —
prosseguiu — tinha visto a rigidez de
escribas e fariseus», a ponto que
«quando vinha um profeta que lhes
dava um pouco de alegria perseguiam-no e até o matavam: não havia lugar para os profetas ali».
Por esta razão «Jesus diz aos fariseus: “Matastes os profetas, perseguistes os profetas: aqueles que traziam o ar puro”». Jesus, «como disse na sinagoga de Nazaré, veio para
nos trazer o ano de graça, a libertação, a verdadeira libertação: a de Jesus». Para Francisco, «a generosidade, a santidade é sair mas sempre
sempre se elevando: sair elevandose» Esta «é a libertação da rigidez
da lei e também dos idealismos que
não nos fazem bem».
«Jesus conhece-nos muito bem —
explicou o Papa — e conhece o modo como fomos criados porque ele é
o criador, conhece a nossa natureza». Eis que nos sugere: «Se tens
um problema com um irmão — diz a
palavra “adversário” — procura pacificar-te». Assim o Senhor «ensinanos também um realismo sadio:
muitas vezes não podes chegar à
perfeição, mas pelo menos faz o que
for possível, procura um acordo para
não chegar ao tribunal». É este o
«realismo sadio da Igreja católica:
ela nunca ensina “isto ou aquilo”».
«A Igreja diz: “isto e isto”». Resumindo, «cria a perfeição: reconciliate com o teu irmão, não o insultes,
ama-o, mas se houver algum problema pelo menos encontra um acordo
de modo que não expluda a guerra«. Eis o «realismo sadio do catolicismo». Ao contrário «não é católico
mas herético» dizer: «ou isto ou nada».
«Jesus — garantiu Francisco — sabe sempre caminhar connosco, dános o ideal, acompanha-nos rumo ao
ideal, liberta-nos desta prisão da rigidez da lei e diz-nos: “Fazei até ao
ponto que podeis chegar”. E ele
compreende-nos bem». Este «é o
nosso Senhor, aquele que nos ensina» dizendo-nos: «Por favor, não
vos insulteis nem sejais hipócritas:
ides louvar a Deus com a mesma
linguagem com a qual insultais o irmão? Não, isto não se faz, mas fazei
o que podeis pelo menos para evitar
a guerra entre vós, encontrai um
acordo». E, acrescentou o Papa,
«permito-me dizer esta palavra que
parece um pouco estranha, é a santidade pequena da negociação: não
posso tudo, mas quero fazer tudo,
então faço um acordo contigo, pelo
menos não nos insultemos, não façamos a guerra e vivamos todos em
paz».
«Jesus é grande — disse o Pontífice na conclusão — e liberta-nos de
todas as nossas misérias, inclusive
daquele idealismo que não é católico». Por isso «peçamos ao Senhor
que nos ensine, primeiro, a sair de
qualquer rigidez, mas sair por cima,
a fim de poder adorar e louvar a
Deus; que nos ensine a reconciliarnos entre nós; e também, que nos
ensine a pôr-nos de acordo até ao
ponto que o possamos fazer».
Sexta-feira
10 de junho
De pé
em silêncio, em saída
Os cristãos estão «de pé» para acolher Deus, em paciente «silêncio»
para ouvir a sua voz e «em saída»
para o anunciar aos outros, conscientes de que a fé é sempre «um
encontro». Estas três atitudes encorajam e relançam a vida de quantos
se sentem subjugados pelo medo
nos momentos mais difíceis. «Nós
sabemos que a fé não é uma teoria,
nem sequer uma ciência: é um encontro», disse Francisco logo no início da homilia. A fé «é um encontro
com Deus vivente, com o Deus vivo,
com o Criador, com o Senhor Jesus,
com o Espírito Santo, é um encontro». Assim, explicou, na primeira
leitura, tirada do primeiro livro dos
Reis (19, 9.11-16) «ouvimos o encontro do profeta Elias com Deus». E
«o profeta Elias tem uma longa história, é um vencedor: lutou muito
pela fé, porque o povo de Israel se
tinha afastado da fidelidade».
Ainda mais, acrescentou o Papa,
«para usar uma palavra do Evangelho, também Jesus o diz ao povo de
Israel, tinha-se tornado uma “geração adúltera”: por um lado queria
adorar Deus e por outro os ídolos».
E há «uma expressão que o profeta
Elias diz ao povo: “até quando coxeareis sobre os dois pés?”». Usa
precisamente a imagem do «coxear
com os dois pés: não estar parados
nem com Deus nem com os ídolos,
ter os pés em dois barcos, como nós
dizemos, na linguagem diária, “estar
de bem com Deus e com o diabo”».
«Elias lutou tanto contra esta situação do povo e venceu: venceu
uma luta forte contra os quatrocentos profetas dos ídolos, venceu-os no
monte Carmelo e matou-os todos
com a força de Deus: ele é o vencedor». Mas depois Elias «desceu do
monte e ouviu a notícia de que a
rainha Jezebel, mulher cruel e sem
escrúpulos, o queria matar por isso,
porque ela era idólatra». Então Elias
«teve medo». Precisamente «ele, o
vencedor, o grande, teve medo daquela mulher e foi-se embora: fugiu». Um medo que «o abate». A
ponto que Elias se interroga porquê:
«Fez tanto e no final sempre a mesma história: fugir e defender-me dos
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número 24, quinta-feira 16 de junho de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
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Missas em Santa Marta
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idólatras». E assim parece que ele
«não se reanima mais: melhor a
morte, e entra em depressão profunda. Jaz por terra, à sombra de uma
árvore, e deseja morrer; entra naquele sono que antecede a morte, o sono da depressão».
Mas eis que «o Senhor envia o
anjo despertá-lo: «Levanta-te! Come
um pouco de pão e bebe um pouco
de água”». E Elias obedece, mas
«depois continua a dormir». O anjo
«volta pela segunda vez» convidando-o de novo a levantar-se. E, quando está de pé, «chega outra palavra:
“Sai!”». Por conseguinte, «para encontrar Deus é necessário voltar à situação na qual o homem se encontrava no momento da criação: de pé
e a caminho». Porque «assim nos
criou o Senhor: à sua altura, à sua
imagem e semelhança, e a caminho». Com efeito, o Senhor diz:
Vai, vai em frente, cultiva a terra, fála crescer, e multiplica-te». E disse
também: «Sai, vai ao monte e permanece lá na minha presença». Eis
que «Elias se pôs de pé e, uma vez
em pé, sai».
No Evangelho, em particular «na
parábola do filho pródigo», encontra-se a mesma situação. É a realidade na qual se encontra precisamente
aquele filho, «quando estava deprimido e observava os porcos que comiam bolotas e ele tinha fome». Naquele momento «pensou em seu pai
e disse a si mesmo: “erguer-me-ei e
irei” ter com meu pai». Repetem-se
estas palavras: “levanta-te” e “sai”».
Por conseguinte, Elias «subiu ao
monte para encontrar o Senhor e eis
que o Senhor passou». E «como
passou o Senhor? Como passa o Senhor? Como posso encontrar o Senhor para ter a certeza que é ele?»
perguntou Francisco, relendo a página do Antigo Testamento: «Antes de
tudo houve um vento impetuoso e
tão forte que derrubava tudo e despedaçava as rochas diante do Senhor, mas o Senhor não estava no
vento». Por isso «o Senhor não estava naquele tumulto, naquela majestade, não estava». E ainda, «depois
do vento, um terramoto, mas o Senhor não estava no terramoto; depois do terramoto, um fogo, mas o
Senhor não estava no fogo». Elias
«olhava, aguardava o Senhor: tanta
confusão, tanta majestade, tanto movimento e o Senhor não estava ali».
Finalmente, «depois do fogo, um
sussurrar de uma brisa ligeira ou,
precisamente como está no original,
“o fio de um silêncio sonoro”. E o
Senhor estava ali».
«Para encontrar o Senhor é preciso entrar em nós mesmos e sentir
aquele “fio de um silêncio sonoro”»,
porque «ele nos fala ali». E «o que
acontece?». Encontramos a resposta
naquele «vai!», porque o Senhor
«nos dá a missão» como a Elias:
«Coragem, volta aos teus passos,
não tenhas medo da rainha, volta ao
teu caminho, rumo ao deserto e ungirás um como um rei, outro como
um rei e Eliseu como profeta teu sucessor». Para Elias «há a missão» a
cumprir.
E a missão de Elias sugere «três
coisas claras». «Para ir ao encontro
do Senhor, de pé e saindo de nós
mesmos, a caminho», a primeira coi-
sa clara é precisamente o estar «de
pé e a caminho». O segundo aspeto
é «ter a coragem de esperar aquele
sussurro, aquele “fio de silêncio sonoro”, quando o Senhor fala ao coração e nos encontramos». O terceiro aspeto é a «missão». Um convite
a voltar aos próprios passos para ir
«em frente».
Eis «a mensagem que este trecho
da Escritura nos ensina hoje», afirmou Francisco, recordando: «Devemos procurar sempre o Senhor: todos nós sabemos como são os maus
momentos, momentos que te fazem
desanimar, sem fé, obscuros, nos
quais não vemos o horizonte, não
somos capazes de nos erguer, todos
o sabemos!». Mas «é o Senhor que
vem, nos restabelece com o pão e
com a sua força e nos diz “levanta-te
e vai em frente, caminha!”». Por isso, «para encontrar o Senhor devemos estar assim: de pé e a caminho»; depois «esperar que ele fale:
coração aberto». E ele nos dirá “sou
eu”; e nesse momento a fé fortalecese». Mas a fé «é para mim, para que
eu a guarde? Não, deve ser levada a
outros, para ungir os outros, para a
missão». Por conseguinte, «de pé e
a caminho; em silêncio para encontrar o Senhor; e em missão para levar esta mensagem, esta vida aos outros». É precisamente esta a vida do
cristão, que podemos ver aqui, neste
trecho do primeiro livro dos Reis».
Ao concluir, o Pontífice rezou para que «o Senhor nos ajude sempre:
ele está sempre pronto para nos ajudar a pormo-nos de pé». E mesmo
se cairmos, devemos ter a força de
nos «erguermos» para «estar a cami-
nho, não fechados, não dentro do
egoísmo do nosso conforto: ser pacientes, a fim de aguardar a sua voz
e o encontro com ele e depois ser
corajosos na missão e anunciar aos
outros a mensagem do Senhor».
Terça-feira
14 de junho
O último degrau
No caminho do cristão «não há lugar para o ódio»: se, como «filhos»,
os crentes quiserem «assemelhar-se
ao Pai», não devem limitar-se à simples «letra da lei», mas viver cada
dia o «mandamento do amor». Chegando até a «rezar pelos inimigos»:
isto é ao «último degrau» ao qual é
necessário subir para curar o «coração ferido pelo pecado». O Papa
Francisco evidenciou que Jesus, invertendo a ideia de «próximo», veio
para levar a lei à «plenitude». De
facto, Jesus — disse — não «veio para cancelar a lei», culpa da qual foi
acusado pelos seus inimigos, mas
para «a levar à plenitude». Toda
«até ao último jota».
Com efeito, na época os doutores
da lei davam-lhe «uma explicação
demasiado teórica, casuísta». De facto, explicou o Pontífice, era uma visão «na qual não havia o coração
próprio da lei, que é o amor» conce-
Credenciais do embaixador
do Senegal
Na manhã de sexta-feira,
10 de junho, o Papa
Francisco recebeu
em audiência Sua Ex.cia
o Sr. Léopold Diouf, novo
embaixador do Senegal,
para a apresentação
das cartas com as quais
foi acreditado
junto da Santa Sé
Sua Ex.cia o Senhor Léopold Diouf, novo embaixador do Senegal junto da Santa Sé, nasceu em Ndiongolor, em 1953.
Formou-se em diplomacia (Centre d’Études Diplomatiques et Stratégiques — C.E.D.S. em Paris, 2002), e desempenhou os seguintes cargos: Professor de Letras modernas no Colégio Saint-Michel de Dakar
(1972-1974); Tirocínio de Oficial de Polícia; Chefe da Polícia Judiciária
e Comissário Adjunto de Ziguinchor (1975-1977); Chefe do Departamento de Regulamentação e da Polícia Judiciária junto da Secção da
Segurança Pública (1977-1979); Tirocínio para Comissário de Polícia
(1979-1980); Chefe da Segurança Urbana do Comissariado Central de
Saint-Louis (1980-1984); Comissário circunscricional de Rebeuss (19841985); Comissário circunscricional de Pikine (1985-1987); Comissário
Urbano de Ziguinchor (1987-1990); Comissário Central de Thiès (19901991); Comissário Central de Dakar (1991-1994); Comissário Central de
Kaolack (1994-1998); Comissário Especial do Aeroporto Internacional
Léopold Sédar Senghor (1998-2000); Diretor da Segurança Nacional
(2000-2005); Diretor-Geral da Segurança Nacional (2005-2007); Primeiro Conselheiro de embaixada junto do Quirinal, Itália (2008-2011);
Presidente do Conselho de Vigilância da Autoridade do Aeroporto Internacional Léopold Sédar Senghor de Dakar (2011-2012); e Embaixador na República da Guiné (2012 — março de 2016).
dido por Deus «a nós». No centro
já não havia o que no Antigo Testamento era «o maior mandamento»
— ou seja «amar a Deus, com todo o
coração, com todas as forças, com
toda a alma, e o próximo como a ti
mesmo» — mas uma casuística que
só procurava compreender: «Podemos fazer isto? Até a que ponto se
pode fazer isto? E se não pudermos?».
Portanto, Jesus «inspirando-se nos
mandamentos» procura recuperar «o
verdadeiro sentido da lei para o levar à sua plenitude». Assim, por
exemplo, em relação ao quinto mandamento, recorda: «Foi dito “não
matarás”. É verdade! Mas se tu insultas o teu irmão, estás a matá-lo».
Isto explica que «há muitas formas,
tantas maneiras de matar». Assim
«aperfeiçoa a lei». E ainda: «Se o
teu irmão te pedir uma roupa, dálhe também o teu manto! E se ti pedir para caminhar um quilómetro
com ele, caminha dois!». Isto é, Jesus — comentou o Papa — pede sempre algo «mais generoso», porque o
«amor é mais generoso que a letra,
que a letra da lei».
Esta «obra» de aperfeiçoamento
não serve só «para o cumprimento
da lei, mas é um trabalho de cura do
coração». Nos trechos evangélicos
nos quais Jesus continua a explicação dos mandamentos, disse Francisco, «há um caminho de cura de um
coração ferido pelo pecado original». E é um caminho proposto a
todos, porque «todos nós temos o
coração ferido pelo pecado, todos».
E dado que Jesus recomenda que sejamos «perfeitos como é perfeito o
vosso Pai celeste», para «nos assemelharmos ao Pai», para sermos deveras «filhos», devemos seguir precisamente «esta senda de cura».
Retomando o trecho evangélico
proposto pela liturgia tirado do
Evangelho de Mateus (5, 43-48) —
no qual Jesus recorda: «Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar o teu inimigo», mas acrescenta: «Eu, porém,
vos digo: amai os vossos inimigos!»
— o Papa frisou que nesta estrada
«não há lugar para o ódio». O nível
eleva-se cada vez mais: Jesus primeiro «exorta-nos a doar mais aos nossos irmãos e amigos», agora também
«aos nossos inimigos». Com efeito
«o último degrau desta escada» rumo à cura traz consigo a recomendação: «Rezai pelos que vos perseguem».
Um mandamento — «rezar pelos
inimigos» — que nos pode desorientar, pois, «pela ferida que todos nós
temos no coração», vem-nos naturalmente a vontade de desejar «alguma
coisa de desagradável» a um inimigo
que, por exemplo, fala mal de nós.
Mas «Jesus diz-nos: “Não, não! Reza por ele e faz penitência por
ele”».
Neste sentido o Pontífice narrou
que quando era jovem ouvia falar
«de um dos grandes ditadores do
mundo no período pós-guerra», do
qual se dizia: «Que Deus o leve ao
inferno o mais depressa possível!».
Se do coração saía de maneira imediata este sentimento, o mandamento novo ao contrário exortava: «ReCONTINUA NA PÁGINA 16
L’OSSERVATORE ROMANO
página 16
Três
CD s
quinta-feira 16 de junho de 2016, número 24
para ver o mundo
Cardeal e músico
MARCELLO FILOTEI
música, antes de tudo, é um
modo de olhar para o mundo.
Ao abrir uma partitura a primeira sensação que temos é que o
autor fez o melhor que pôde para
nos deixar algo que nos diz respeito
diretamente como seres humanos e
indivíduos. Confrontar-nos com ele
significa perscrutar o seu pensamento, tentando descobrir por que sen-
A
tiu a necessidade de escrever as suas
ideias, confiando-as ao papel que temos diante de nós. Se quisermos
executar deveras a música sem nos
limitarmos a ordenar as notas uma
depois da outra, primeiramente é
preciso ter uma visão da existência,
depois estudar a técnica e por fim
procurar unir as duas coisas.
O olhar do cardeal Lorenzo Baldisseri sobre a vida e os povos que
conheceu, viajando pelo mundo, é
Carreira paralela
Será apresentada no
dia 30 de junho em
Roma e no mês de julho em Londres, uma
confecção da Libreria
Editrice Vaticana com
três CD s musicais que
propõem gravações de
execuções de piano
realizadas pelo cardeal
Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do Sínodo dos bispos. Publicamos a apresentação
contida na confecção
inteiramente dedicada
ao purpurado, natural
de Barga, na província de Lucca (Itália). Baldisseri é doutor em Direito
Canónico e obteve a Licenciatura em Teologia Dogmática. Límpida «voz
branca», da qual existem algumas gravações, ele foi aluno de canto do
maestro Amedeo Salvini (Pisa). Recebeu o bacharelado em Canto Gregoriano no Pontifício Instituto de Música Sacra (Pims) e, embora não tenha recebido o diploma, formou-se em piano com os seguintes maestros:
Enzo Borlenghi (Isntituto Musical Luigi Boccherini, Lucca); Bruno
Aprea (Pims); Vitória Alfaro (Paraguai); e, no Brasil, com Beatriz Salles,
em Brasília, e com o diretor de Orquestra João Carlos Martins, em São
Paulo. Gravou vários CD s, DVD s e apresentou vários concertos no Brasil,
em Portugal e na Itália.
Missa em Santa Marta
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 15
zai por ele». Certamente, acrescentou Francisco, é «mais fácil rezar
por alguém que está distante, por
um ditador afastado, que rezar por
aquele que me insultou». E no entanto é precisamente isto que «Jesus nos pede».
Temos vontade de perguntar:
«Mas, Senhor, para que tanta generosidade?». Jesus dá-nos a resposta precisamente no trecho evangélico: «Deste modo sereis os filhos do vosso Pai no céu». Se deste modo «age o Pai», assim somos
chamados a agir para ser «filhos».
Isto é, esta «cura do coração», «leva-nos a tornar-nos filhos». E que
faz o Pai? «Faz nascer o sol tanto
sobre os maus como sobre os bons,
e faz chover sobre os justos e sobre
os injustos» pois «é Pai de todos».
Outra objeção: mas Deus é pai
inclusive «daquele delinquente, daquele ditador?». A resposta é clara:
«Sim é pai! Como é meu pai! Ele
nunca nega a sua paternidade!». E
se quisermos «assemelhar-nos» a
ele, devemos caminhar «nesta vere-
da». Com efeito, Jesus conclui o
sermão dizendo: «Sede perfeitos
como é perfeito o vosso Pai». Isto
é, explicou o Pontífice, «é-nos proposto um caminho sem fim», porque «todos os dias devemos fazer
algo assim». A tal propósito, Francisco sugeriu a todos «algo prático», ou seja, perguntar-se: «rezo
pelos meus inimigos ou desejo-lhes
alguma coisa desagradável?». São
suficientes «cinco minutos, não
mais» para me questionar: «Quem
são os meus inimigos? Os que me
fizeram mal? Os que eu não amo?
Ou com os quais estou em desacordo? Quem são? Rezo por
eles?». Cada um, acrescentou o Papa, «dê uma resposta». E concluiu:
«Que o Senhor nos conceda a graça» de «rezar pelos inimigos; por
quantos não gostam de nós; por
quem nos feriu e nos persegue»,
com «nome e sobrenome». E veremos que esta oração dará dois frutos: ao nosso inimigo «fazendo-o
melhorar, pois a oração é poderosa», e a nós «tornando-nos mais filhos do Pai».
objetivo e compassivo, sem ser melífluo. Como homem sabe bem no
que acreditar, sabe o que quer e tem
uma ideia exata sobre a maniera de
o realizar. Como músico não poderia
ser diferente, ou não seria um músico. Nos três CD s que gravou nos últimos dez anos de atividade pianística vê-se um fio vermelho evidente:
sentimento sim, sentimentalismo
não. A atividade de núncio apostólico em países como Haiti, Paraguai,
Índia, Nepal e Brasil ensinou-lhe,
entre outras coisas, que em situações
difíceis devemos oferecer uma esperança e um pedaço de pão. Um sem
o outro não basta . E o mesmo
acontece com a arte e, no específico,
com a música. Portanto, não surpreende que o primeiro dos três CD s tenha início com o Prelúdio das Bachianas Brasileiras número 4 de Heitor Villa-Lobos, nas quais o compositor do Rio de Janeiro, de 1930 a
1945, uniu à música clássica elementos populares do seu país — o pão
de cada dia — com o estilo rigoroso
de Bach — a esperança perene. Rigor e impulso lírico: talvez um caso,
mas de qualquer modo um sinal forte. E depois quiçá o caso nem exista.
O primeiro florilégio pianístico,
gravado em 2007, propõe autores famosos e outros menos conhecidos
como Michal Kleofás Oginski, político e compositor polaco que viveu
dos meados de 1700 às primeiras décadas de 1800, falecido em Florença
onde se retirou depois de várias vicissitudes. E precisamente na interpretação da sua Polaca número 13 em
la menor, que tem como subtítulo
«despedida da Pátria», começa-se a
sentir um pouco de nostalgia. Aquela melancolia subtil de quem está
distante das próprias origens, num
lugar que ama, do qual compartilha
muito, que tenta fazê-lo próprio,
mas que não é a sua casa. O primeiro CD dá a impressão de uma viagem
contínua. Começando pelos dois extratos da Suite española de Isaac Albéniz, Granada e Astúrias, pensados
precisamente para descrever as diversas regiões ibéricas e os respectivos
estilos musicais. E ao lado do arrebatamento espanhol, por contraste,
apresentam-se as reflexivas Gnossienne, de Erik Satie, a primeira e a
quarta, onde a própria ausência de
indicações de tempo metronómico
proporciona ao executante uma
grande liberdade. Baldisseri usa-a
toda, restituindo um andamento
quase hierático, uma direção exata,
mas deixando as melodias completamente suspensas. Tudo vém de longe mas fala a nós, um por um. Essas
notas que flutuam sem encontrar um
ponto de chegada talvez sejam exatamente nós mesmos, borboletas que
não acham um lugar onde pousar.
Satie é assim: quando inicia parece
que não te diz respeito, mas depois
quanto mais avança tanto mais te interpreta dentro, e quando tentas interrompê-lo é demasiado tarde. O
CD conclui-se com uma peça de Vittorio Monti, músico e viajante napolitano que se tornou famoso pela sua
Csárdás, uma rapsódia em estilo
húngaro, da qual o executante evidencia mais a introdução lenta e patética do que a continuação agreste e
desenfreada como acontece com
mais frequência.
No segundo CD, publicado em
2011, o pensamento torna-se ainda
mais objetivo e afiado. O percurso é
claro: quanto mais se enxuga melhor
é. Enxugar significa ir ao sentido
profundo do texto musical. Passa-se
através de Puccini, Mozart, Liszt e
Debussy, mas uma demonstração da
mudança é o retorno às Bachianas
Brasileiras número 4 de Heitor VillaLobos, desta vez não o Prelúdio mas
a Ária, o terceiro dos quatro movimentos. Aqui a distância temporal é
evidente, o som torna-se mais essencial, a expressão mais linear, o supérfluo é eliminado. Nenhuma concessão à escuta fácil. Sentido das
proporções.
A leitura sóbria prossegue também nos três trechos chopinianos
que finalizam a coletânea, e não era
fácil. De facto, se alguma coisa há
de fácil, é tornar melífluo Chopin,
especialmente quando se trata de
obras muito conhecidas como o Noturno opera 9 número 2. O próprio
autor executava-o com contínuas intervenções nos adornos, por conseguinte hoje temos mais de dez versões dele. Querendo poder-se-ia exagerar com o andamento sognante,
apoiando-o delicadamente no incidir
do baixo. Baldisseri, ao contrário,
age sobre o aspeto íntimo, sobre a
densa trama de mudanças míninas
que se repetem sem solução de continuidade. Aposta na essência. Uma
escolha clara.
Na mesma direção move-se a última coletânea, gravada em 2012 e publicada em 2015. Passaram alguns
anos desde as primeiras duas e sente-se. A experiência não passa em
vão entre os dedos de um pianista.
A vida não passa em vão entre as
chagas da música. O que muda não
são as capacidades técnicas, mas a
maneira de olhar para a realidade.
Aqui, ao lado dos amados Mozart,
Debussy e Chopin, pela primeira
vez aparecem dois compositores que
entre eles não poderiam ser mais
distantes: Astor Piazzolla e Johann
Sebastian Bach. De um lado a melancolia, do outro a sólida certeza no
futuro. Em Adios Nonino Piazzolla
olha para o horizonte, na direção de
um lugar que talvez nem exista, onde haja ainda algo ou alguém que
amámos e perdemos para sempre.
Baldisseri respeita a dor, mas enfrentando-a com olhos límpidos: não é
preciso chorar, a vida é assim. Por
sua vez Bach, até então evocado só
através de Villa-Lobos, com a Cantata 147 exorta a uma esperança nova:
um futuro melhor é certo mas não
esperemos que chegue sem esforço.
O círculo fecha-se com um Rachmaninov juvenil, o Prelúdio opera 3 número 2 e que o autor executou em
1892 naquela que depois considerou
a sua estreia como pianista. Sessenta
e dois toques de extrema dificuldade
técnica, através dos quais Baldisseri
se move sem nunca deixar de «cantar», de evidenciar o aspeto lírico,
sobretudo onde é mais árduo: no
agitado central. A visão do cardeal
parece clara: salvar-se é possível,
mas difícil. O músico não podia ser
diferente, ou não teria sido um músico.
número 24, quinta-feira 16 de junho de 2016
L’OSSERVATORE ROMANO
página 17
Um olhar
lúcido e aberto
«As três mães» (Roma, Santa Maria Antiqua, séc. VIII)
No centro Maria com o menino dentro de uma amêndoa
e lateralmente Santa Ana com Maria menina
e santa Isabel com São Joaninho
ENZO BIANCHI
LUCETTA SCARAFFIA
orquê a emancipação das
mulheres nasceu como projeto político e cultural, e se
impôs no decorrer do tempo, só
nos países de matriz cristã, apesar
de secularizados e, ao contrário,
nos países de tradição religiosa diversa conhece muitas dificuldades?
Esta simples pergunta deveria fazer entender como o vínculo entre
emancipação das mulheres e cristianismo é estreito desde as origens.
De facto, a história ensina que
só o cristianismo ofereceu às mulheres um quadro de possibilidades iguais às dos homens nunca
antes realizado. Toda a história do
cristianismo, sobretudo do catolicismo, está marcada por vigorosas
presenças femininas, que confirmam com o passar do tempo a
sua novidade inicial. Mesmo se as
resistências de sociedades e culturas fortemente dominadas pelo
machismo sufocaram, ou pelo menos atrasaram, esta aspiração à
igualdade entre os sexos inerente à
P
Do último banco
para o seu interior, a fim de realizar uma «profunda teologia da
mulher» e redescobrir ensinamentos e valores que tinha esquecido
ou que não quis ver. (...)
Esta inevitável redefinição dos
papéis — para a qual a Igreja pode
contribuir muito, revendo e reconsiderando a teoria da complementariedade entre os sexos — é uma
das experiências mais novas e
O livro
Foi publicado Dall’ultimo banco. La Chiesa, le donne, il sinodo (Veneza, Marsilio, 2016, 110 páginas). Publicamos excertos do último capítulo do livro e a recensão escrita pelo prior de Bose.
Desenho para «Le Monde», de Giulia D’Anna Lupo, tirado da capa do livro
tradição cristã, que começou a realizar-se só a partir do século XIX .
Como aconteceu com outras sementes de mudança contidas nos
evangelhos, as relativas à realidade
feminina agiram por si só, mencionando o evangelho de Marcos (4,
26-29). Neste caso, independentemente da intenção das hierarquias
encarregadas de transmitir a mensagem, que frutificou com o tempo nos países de cultura cristã.
Assim hoje, a Igreja vê restituída do exterior a mensagem originária que tinha esquecido, com a
demonstração que o Espírito sopra
e age onde quer. Deste modo, a
Igreja é interpelada — precisamente como repetiu muitas vezes o Papa Francisco — a olhar de novo
complexas que a humanidade deve
enfrentar, e é importante que seja
tratada conscientemente, e não só
suportada. Portanto, é necessário
que a complementariedade entre
os sexos que a Igreja defende seja
revista, aliviada da rigidez dos papéis preestabelecidos, imaginada e
praticada de maneira mais dinâmica e criativa, correspondente às diversas fases da vida.
Numa cultura que, em relação a
esta mudança, só conhece opções
opostas, a adesão ou a crítica, a
Igreja pode desempenhar um papel construtivo importante precisamente graças ao facto de que ela
nunca negou a importância e a riqueza da procriação quer na vida
humana quer, sobretudo, na rela-
ção de casal. Sem dúvida, no centro do problema da nova família a
questão é a falta de reconhecimento social e cultural que é atribuído
à procriação como valor. Propor o
dilema entre criação de qualquer
tipo (a criação de uma linha de
roupas, de um novo prato ou de
uma marca publicitária...) e procriação — desvalorizando a segunda a favor da primeira — com efeito, significa negar valor ao papel
biológico da mulher, e impeli-la a
assumir um papel masculino. Ao
contrário, a procriação deveria ser
considerada uma riqueza essencial
para toda a comunidade humana.
Remover a procriação da esfera
da produtividade humana significa
considerá-la uma forma de escravidão, uma espécie de dificuldade
aviltante. E isto acontece também
com todas as atividades que por
tradição são femininas, como a
educação das crianças, o cuidado
dos doentes e dos idosos. Realidades que hoje são delegadas a pessoas que pertencem às classes sociais mais baixas, incapazes ou impossibilitadas de aceder a outros
trabalhos. Deste modo, tudo o
que outrora constituía o papel feminino é monetizado e desprezado. Então é óbvio que as jovens
procurem fugir de tal sorte, sem
pensar contudo que assim lhes é
negada a possibilidade de criar
novas e profundas relações humanas. Acabando por viver numa sociedade desumana, que nega valor
à solidariedade, à gratuitidade, à
riqueza de uma reciprocidade não
monetizada. (...)
O inteiro conjunto destas novidades impõe uma reconsideração
geral da ideia de matrimónio e de
família que a Igreja propõe e defende. Com efeito, é necessário
pensar numa espécie de novo contrato humano entre mulheres e homens que inclua todas as dimensões da existência. Assim como é
necessário reconsiderar a função e
a responsabilidade maternas. E estar prontos para entender como
tudo isto pode mudar inclusive a
natureza da relação entre pais e filhos.
Hoje fala-se muito da ausência
do pai. Sem dúvida, isto é verdaCONTINUA NA PÁGINA 18
Nas igrejas da minha infância e adolescência as mulheres estavam sempre nos
primeiros bancos, imediatamente atrás
ou ao lado das crianças, enquanto no
fundo da igreja – geralmente nem sequer
sentados nos bancos, mas de pé do lado
da porta – estavam os homens. No entanto, o título provocatório usado por
Lucetta Scaraffia para o seu último livro,
«Do último banco», seria apropriado para ilustrar o papel da mulher também na
Igreja pré-conciliar. Foi do último banco
da sala que a autora seguiu os trabalhos
do sínodo dos bispos sobre a família, e
foi com aquela visão que examinou com
sagacidade e competência não tanto a
prolongada marginalização da mulher na
Igreja católica, quanto o empobrecimento que a inteira Igreja sofreu por este
motivo. Os títulos dos capítulos desta reflexão sobre «a Igreja, as mulheres e o
sínodo» são amargamente negativos —
Sem história, Sem mulheres, Sem sexo,
Sem futuro — mesmo se a impressão que
se extrai dessas páginas não é absolutamente desanimadora.
Certamente, a premissa de Corrado
Augias acentua deliberadamente o céu
fechado que parece dominar a Igreja, todavia dá a impressão de que isto força o
pensamento de Lucetta Scaraffia que
permanece lúcido e aberto, capaz de suscitar mais amargura do que resignação e
de incutir mais esperança do que desencanto. Uma virtude rara da autora é não
nivelar a questão sobre a falta de ordenação de mulheres e, ao contrário, de se
dedicar a expor com pertinência as razões de quem como ela «afirma que a
emancipação das mulheres na Igreja pode, aliás, deve realizar-se sem passar pelo
sacerdócio, isto é, que tenha um sentido
manter este último posto avançado da
diferença».
Assim o discurso não se deixa enredar
na reivindicação estéril de acesso a papéis e estilos de comportamento masculinos por parte das mulheres mas analisa
mais a fundo o proprium das mulheres e
a riqueza que toda a Igreja adquiriria
com uma sua valorização como tais. Esta
acentuação sobre a diversidade dos carismas e sobre a inoportunidade de fáceis
homologações é um precioso estímulo
também para uma reflexão sobre o papel
de todos os batizados — homens e mulheres — frequentemente relegados para o
último banco ou de qualquer maneira
excluídos das mesas decisórias da Igreja
católica. Foi pelo menos a partir do Vaticano II que a Igreja católica começou a
falar de «apostolado dos leigos» mas depois os confinou, prescindindo do sexo,
nos recintos daquela que outrora se chamava a «Igreja discente».
Destas páginas de Lucetta Scaraffia —
idealizadora e coordenadora do suplemento mensal «mulheres igreja mundo»
ligado a L'Osservatore Romano — brota
um apelo genuíno à Igreja para que encontre, com as mulheres e graças também a elas, um vigor e uma genialidade
para viver, anunciar e testemunhar o
Evangelho, que uma estrutura demasiado
submissa à mentalidade mundana — a
partir da machista de outrora até à reivindicadora e eficientista dos nossos dias
— fez desaparecer. Talvez, se conseguíssemos substituir o estar sentados nos bancos — quer sejam os primeiros ou os últimos — com um caminho realizado juntos, o anúncio da Palavra no mundo
contemporâneo encontraria o impulso
perdido.
L’OSSERVATORE ROMANO
página 18
quinta-feira 16 de junho de 2016, número 24
Em Monreale o cardeal Angelo Amato beatificou Maria de Jesus Santocanale
Nobreza e miséria
Chamavam-lhe «dom Bosco de
saia» porque seguia de modo particular os jovens que demonstravam
sinais de vocação, os quais preparava
com lições especiais sobre a oração e
o serviço litúrgico. É Maria de Jesus
Santocanale, fundadora da congregação das irmãs capuchinhas da
Imaculada de Lourdes, cujo perfil
foi traçado pelo cardeal Angelo
Amato, durante o rito presidido em
representação do Papa Francisco no
dia 12 de junho, na catedral de
Monreale (Itália).
«Os testemunhos — disse o prefeito da Congregação para as causas
dos santos — referem-se também ao
tratamento gentil e cativante aos jovens, que fascinava com anedotas e
narrações tiradas da Bíblia, as quais
lhes apresentava em capítulos, mantendo viva a sua atenção durante
muitos dias». O cardeal comparou a
nova beata a uma chama que «ardia
sem se consumir», como «um fogo
sagrado, já desde menina, que a nobreza, a riqueza, os passeios de carroça e as múltiplas distrações dos
abastados do seu tempo não conseguiram apagar». A religiosa dizia
frequentemente às suas irmãs que
«no amor a Deus não é suficiente
caminhar mas é preciso voar». E fazia-o com «o olhar dirigido ao céu»,
manifestando «uma confiança ilimitada na divina providência».
O purpurado recordou que ela suportava tudo, desde as incompreensões e calúnias, até às oposições, na
certeza de que «um dia seria recompensada pela bondade misericordiosa de Deus». Alguns testemunhos
referiram sobre um seu «martírio
sem sangue». Até os seus parentes
«a evitavam porque se tinha posto
entre “os mendigos”». Mas ela dizia
que «a verdadeira nobreza não consiste na posição social, mas nos sentimentos de um coração educado na
escola do Evangelho».
De alguns episódios transparece a
grande caridade da religiosa. Em
particular, ajudou uma jovem de origens humildes que se envergonhava
tanto da pobreza da sua família que
se tornou intratável. Para evitar que
Do último banco
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 17
de, mas também este fenómeno só
reflete o modo que cada sociedade
tem de conceber a procriação e,
por conseguinte, a maternidade. A
Igreja teve sempre a coragem de
defender a especificidade feminina
ligada à maternidade, denunciando
a batalha ideológica para libertar a
mulher do «feminino» que lhe
concerne para a fazer aceder ao estatuto abstrato de indivíduo. A
Igreja contrastou sempre a ideia de
que a mulher pudesse tornar-se
«um homem como qualquer outro». E que pudesse alcançar a
igualdade com o homem negando
a sua realidade biológica e o próprio corpo.
Todavia, ela não soube dar mais
um passo, isto é, explicar e realizar
no seu interior a igualdade na diferença. De facto, por ser crível, a
Igreja, que apoia a igualdade de
todos os seres humanos como filhos de Deus, não obstante as suas
diferenças, não pode deixar de realizar no próprio interior a igualdade em relação às mulheres.
É preciso compreender que no
nosso tempo se abriu uma grande
discrepância entre algumas das
fundamentais aspirações humanas
— como ter um filho e o criar num
mundo humano — e a possibilidade de as realizar.
É suficiente um único exemplo:
os milhares de cadeados que devastam os parapeitos das pontes nas
mais importantes cidades do mundo. São horríveis, concordo, mas
também é verdade que cada um
deles representa a esperança de um
casal de permanecer juntos para
sempre. Constituem um modelo,
visível a todos, da tensão entre a
aspiração profunda de cada um e a
realidade que depois estes casais,
em grande parte efémeros, são chamados a viver.
Para lançar um olhar crítico sobre a cultura homologada e renovar as identidades sem cair num
sem futuro amorfo, serve um ponto
de vista feminino radicado na tradição cristã. Já são muitos — sobretudo jovens — os que estão a compreender que a visão cristã é a única deveras livre, revolucionária em
relação aos pesados condicionamentos culturais aos quais estamos
submetidos. Mas só se esta visão
for culta na sua dimensão dinâmica
e criativa, aberta ao ponto de vista
feminino.
É este o passo que a Igreja espera hoje, ao qual conduziu o paciente trabalho do Espírito. Desde o final da década de setenta o teólogo
Yves Congar, depois cardeal, estava
plenamente ciente disto, quando
escreveu: «A dualidade e a unidade
complementar de ação que constatámos e evidenciámos entre Cristo
e o Espírito Santo refletem-se na
dualidade e na unidade sinfónica e
dinâmica do homem e da mulher
na sociedade e na Igreja». No que
diz respeito à Igreja, mas também
à sociedade, acrescentava que «um
determinado esquecimento do Espírito Santo e da pneumatologia
provocaram a instauração de um tipo patriarcal e de uma prevalência
do masculino. Agora a Igreja encontra-se diante de uma dupla tarefa: por um lado, tornar-se mais
plenamente masculina e feminina, e
por outro, salvar os valores femininos sem manter as mulheres num
gineceu de qualidades atraentes e
passivas, do qual elas querem sair
para ser tratadas simples e autenticamente como pessoas». Passaram
quase quarenta anos, mas desde
então pouco, ou nada, mudou e
ainda há muitíssimo a fazer.
os outros «a pudessem irritar, a beata abrigou-a em
casa, assistindo-a como
uma filha». A sua caridade
exprimia-se consolando os
aflitos: mães, jovens esposas, viúvas, adolescentes
«iam ter com ela para receber uma palavra de consolação e a garantia da oração». Também com os sacerdotes era sempre disponível para os ouvir. O padre Cesare Vitale, sacerdote
de Cinisi, dizia que devia a
sua vocação à madre, que
sempre chamou «matruzza
mia» (minha mãezinha). A
beata ficou impressionada
com a triste situação da pequena cidade de Cinisi,
cheia de pobres e doentes
abandonados e descuidados. Por isso «dedicou a sua vida a
aliviar os sofrimentos das pessoas
aflitas. Com frequência, ela mesma
dava voltas a pedir esmolas, solicitando às famílias abastadas que a
ajudassem, doando aos pobres e
doentes alimentos, roupas, assistência».
O cardeal Amato citou o testemunho da irmã Maria Bianca Manzella,
que recordou a particular atenção
que a beata dedicava aos doentes.
De facto, além «das palavras e do
encorajamento a suportar os sofrimentos, ela prestava o seu serviço
direto sem a preocupação de um
possível contágio, tratando-se frequentemente de chagas gangrenosas
que ela, às vezes, beijava com sentido de profunda piedade como se se
tratasse da pessoa de Cristo». Todos
os dias, disse o purpurado, apresentava-se à porta do instituto um idoso
muito pobre. Para poder dar-lhe algo de comer a beata «planejou a
subtração de uma colher de sopa de
cada prato das suas religiosas a fim
de obter um para ele, bem cheio,
que oferecia ao pobre infeliz». Tinha um amor de mãe também pelas
irmãs. Às enfermas oferecia uma refeição saborosa e leve. Recomendava
à cozinheira que preparasse bem os
alimentos porque a saúde das irmãs
era preciosa para o seu apostolado.
Seguindo o exemplo de são Francisco «animava as festas com uma mesa abundante e saborosa».
A sua caridade sublima-se no perdão, como demonstra a sua atitude
em relação à mestra das noviças que
«era particularmente severa com as
jovens em formação e além disso criticava a madre continuamente». Não
obstante o sofrimento compreensível,
quando a religiosa adoeceu gravemente «foi a madre quem permaneceu ao seu lado, confortando-a e servindo-a por três longos meses».
Distinguiu-se de modo particular
pela sua atitude de humildade face
às incompreensões e provações que
suportou sem recriminar. Apesar de
ser fundadora e superiora-geral limpava o chão, tirava o pó, preparava
os vasos na igreja, socorria os pobres
a domicílio prestando-lhes os cuidados mais humildes e delicados. Não
se envergonhava de tratar com os ignorantes, com as pessoas de baixa
condição social nem de ir pela cidade carregando alforjes, pedindo esmolas e um pedaço de pão.
Sem discriminação nem indiferença
CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 6
foram atingidas por ela». Renovando o apelo lançado por ocasião do
dia mundial dos doentes de lepra, o
arcebispo exortou a um compromisso comum a fim de que «sejam ampliadas as atividades de informação
e prevenção», mas sobretudo favorecidos, como gesto de verdadeira
compaixão, «a reinserção social e o
trabalho de quem se curou».
Nas conclusões do congresso internacional lê-se que a ab-rogação
em todas as partes do mundo das
leis discriminatórias em relação a
quem sofre do mal de Hansen já se
tornou «urgentíssima e não adiável».
Quatro as recomendações conclusivas que sobressaíram dos trabalhos.
A primeira é que «os líderes de todas as religiões, nos seus ensinamentos, escritos e discursos contribuam
para a eliminação da discriminação
contra as pessoas atingidas por este
mal». Ao contrário, no que diz respeito aos princípios e orientações
aprovados pela assembleia geral das
Nações Unidas em 2010 para a eliminação da discriminação contra as
pessoas doentes e os membros das
suas famílias, foi sublinhada a necessidade de «encorajar os Estados a
fazer grandes esforços», concretizando os princípios «com planos operacionais específicos que envolvam as
pessoas doentes». Portanto, reafirmou-se a necessidade de mudar as
políticas «familiares, laborais, escolares, desportivas e de qualquer outro
tipo que discriminam direta ou inderetamente» os doentes. Por fim, foi
julgado fundamental «implementar
a pesquisa científica para desenvolver novos medicamentos» e obter
«melhores instrumentos diagnósticos».
L’OSSERVATORE ROMANO
número 24, quinta-feira 16 de junho de 2016
página 19
INFORMAÇÕES
Audiências
O Papa Francisco recebeu em audiências particulares:
De D. Jean-Paul Mathieu, ao governo pastoral da Diocese de Saint-Dié
(França), em conformidade com o
cânone 401 § 1 do Código de Direito Canónico.
No dia 9 de junho
O Senhor Cardeal Giovanni Battista
Re, Enviado Especial ao XI Congresso Eucarístico Nacional da Argentina; D. Fernando Chica Arellano,
Observador Permanente junto das
Organizações e Organismos das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (F.A.O., I.F.A.D., P.A.M.); e
D. Paolo Rudelli, Observador Permanente junto do Conselho da Europa.
Suas Ex.cias os Senhores Zion Evrony, Embaixador de Israel; e Piotr
Nowina-Konopka, Embaixador da
Polónia, ambos em visita de despedida.
No dia 10 de junho
Os Senhores Cardeais Gerhard
Ludwig Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé; e Fernando Filoni, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos.
No dia 11 de junho
Os Senhores Cardeais Leonardo
Sandri, Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais; Marc Ouellet, Prefeito da Congregação para os
Bispos; e Anthony Olobunmi Okogie, Arcebispo Emérito de Lagos
(Nigéria).
Suas Ex.cias o Doutor Michel Roy,
Secretário-Geral da Caritas Internationalis; e a Senhora Lidia Guerreo.
No dia 15 de junho
O Senhor Cardeal Jean-Luis Tauran,
Presidente do Pontifício Conselho
para o Diálogo Inter-religioso.
Ereção de Ordinariado
Sua Santidade erigiu:
Nomeações
Centro Pastoral Universitário, simultaneamente eleito Bispo Titular de
Seleuciana.
(França). Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 27 de junho de 1992.
D. Marek Forgáč nasceu a 21 de janeiro de 1974, em Košice (Eslováquia). Foi ordenado Sacerdote no dia
19 de junho de 1999.
Prelados falecidos
No dia 9 de junho
O Sumo Pontífice nomeou:
A 14 de junho
A 9 de junho
Núncio Apostólico na Argélia e na
Tunísia, D. Luciano Russo, até esta
data Núncio Apostólico em Ruanda.
Bispo da Diocese de Goroka (Papua-Nova Guiné), o Rev.do Pe. Dariusz Kałuża, M.S.F.
D. Dariusz Kałuża, M.S.F., nasceu
em Pszczyna (Polónia), a 5 de novembro de 1967. Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 5 de maio de 1993.
Ordinário para os fiéis católicos
orientais residentes na Espanha, D.
Carlos Osoro Sierra, atualmente Arcebispo de Madrid.
A 15 de junho
Bispo da Diocese de Saint-Dié
(França), o Rev.do Pe. Didier Berthet, do clero da Diocese de Nanterre, até agora Reitor do Seminário de
Saint-Sulpice (Issy-les-Moulineaux).
D. Didier Berthet nasceu a 11 de
junho de 1962 em Boulogne-Bilancourt
Renúncias
O Santo Padre aceitou a renúncia:
No dia 9 de junho
De D. Francesco Sarego, S.V.D., ao
governo pastoral da Diocese de Goroka (Papua-Nova Guiné), em conformidade com o cânone 401 § 1 do
Código de Direito Canónico.
No dia 15 de junho
D. Carillo Gritti, religioso do instituto missões Consolata, Bispo prelato de Itacoatiara (Brasil).
O ilustre Prelado nasceu a 12 de
maio de 1942 em Martinengo (Itália).
Recebeu a Ordenação sacerdotal a 24
de junho de 1967. Missionário na
Amazônia desde 1979, foi nomeado
Bispo Prelado de Itacoatiara no dia 5
de janeiro de 2000, tendo recebido a
Ordenação episcopal a 19 de março do
mesmo ano.
A 11 de junho
Enviado Especial ao XVII Congresso
Eucarístico Nacional do Brasil, que
será celebrado em Belém de 15 a 21
de agosto, o Senhor Cardeal Cláudio Hummes, O.F.M., Arcebispo
Emérito de São Paulo e Prefeito
Emérito da Congregação para o Clero.
Membro da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano,
o Senhor Cardeal Beniamino Stella,
Prefeito da Congregação para o Clero.
Consultor do Pontifício Conselho
«Justiça e Paz», o Doutor Juan Grabois, co-fundador do Movimento
dos Trabalhadores Excluídos e da
Confederação da Economia Popular,
Docente de Teoria do Estado e de
Prática Profissional, respetivamente
na Universidade de Buenos Aires e
na Universidade Católica Argentina.
Auxiliar de Košice (Eslováquia), o
Rev.do Padre Marek Forgáč, até hoje
Vice-Decano da Faculdade Teológica
de Košice e Diretor Espiritual do
Congregação para as causas dos santos
Promulgação de decretos
Na manhã de 14 de junho o Papa
Francisco recebeu em audiência
particular sua eminência o senhor
cardeal Angelo Amato, S.D.B., prefeito da Congregação para as causas dos santos. Durante o encontro, o Pontífice autorizou a Congregação a promulgar os seguintes
decretos relativos:
— ao martírio dos servos de
Deus José Álvarez-Benavides y de
la Torre, decano do cabido da catedral de Almería, e 114 companheiros, assassinados por ódio à fé de
1936 a 1938;
— às virtudes heróicas do servo
de Deus António Cirilo Stojan, arcebispo de Olomouc; nascido a 22
de maio de 1851 e falecido no dia
29 de setembro de 1923;
— às virtudes heróicas do servo
de Deus Vicente Garrido Pastor,
A 9 de junho
O Ordinariado para os fiéis católicos orientais residentes na Espanha,
desprovidos de Hierarquia própria.
Adormeceu no Senhor:
Encontro de bispos portugueses e espanhóis
Comunicar sem autorreferencialidade
Os responsáveis da comunicação nas conferências episcopais portuguesa
e espanhola encontraram-se recentemente em Ponta Delgada (Portugal),
sublinhando a necessidade de incluir nos seus projetos de comunicação
também «as ideias que provêm de fora». «Se abandonarmos a autorreferencialidade — lê-se num comunicado conjunto — poderemos encontrar contribuições preciosas para o nosso trabalho sobre a comunicação
indo ao encontro de quantos habitam nas periferias existenciais». No
documento divulgado no final, os bispos afirmaram que «o serviço de
comunicação na Igreja deve ser desempenhado com profissionalismo,
superando o modelo unidirecional e baseando-se na confiança». Neste
sentido, o Papa Francisco «representa um modelo precioso para todos
os comunicadores».
sacerdote diocesano e fundador do
instituto secular das Operárias da
Cruz; nascido no dia 12 de novembro de 1896 e falecido a 16 de abril
de 1975;
— às virtudes heróicas do servo
de Deus Paulo Maria Guzmán Figueroa (no século: José Bardomiano
de Jesus), sacerdote professo dos
Missionários do Espírito Santo e
fundador das Missionárias eucarísticas da Santíssima Trindade; nascido
a 25 de setembro de 1897 e falecido
no dia 17 de fevereiro de 1967;
— às virtudes heróicas do servo
de Deus Luís Lo Verde (no século:
Filipe), clérigo professo da ordem
dos Frades menores conventuais;
nascido no dia 20 de dezembro de
1910 e falecido a 12 de fevereiro de
1932;
— às virtudes heróicas do servo
de Deus Bernardo da Anunciação
(no século: Bernardo de Vasconcelos), clérigo professo da ordem de
São Bento; nascido a 7 de julho de
1902 e falecido no dia 4 de julho
de 1932;
— às virtudes heróicas da serva
de Deus Maria Elisa Oliver Molina, fundadora da congregação das
irmãs da Virgem Maria do Monte
Carmelo; nascida no dia 9 de julho
de 1869 e falecida a 17 de dezembro de 1931; e
— às virtudes heróicas da serva
de Deus Maria de Jesus do Amor
Misericordioso (no século: Maria
de Jesus Guízar Barragán), fundadora das Servas guadalupanas de
Cristo sacerdote; nascida a 11 de
novembro de 1899 e falecida no dia
6 de janeiro de 1973.
L’OSSERVATORE ROMANO
página 20
quinta-feira 16 de junho de 2016, número 24
Na audiência geral o Papa falou sobre a cura do cego de Jericó
De mendigos a discípulos
Vencer a tentação de se sentir incomodado perante refugiados e migrantes
«De mendigos a discípulos»: esta é a
«passagem» que os cristãos são
chamados a fazer a exemplo do cego de
Jericó, o qual depois de ser curado
«segue os passos do Senhor, entrando a
fazer parte da sua comunidade». Ao
recordar o episódio evangélico narrado
por Lucas, o Papa convidou os fiéis
reunidos na praça de São Pedro para
a audiência geral de quarta-feira 15 de
junho a evitar em particular a
tentação do «incómodo» perante os
necessitados, doentes, refugiados e
migrantes.
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Um dia Jesus, aproximando-se da cidade de Jericó, fez o milagre de restituir a vista a um cego que mendigava sentado à beira do caminho
(cf. Lc 18, 35-43). Hoje queremos
compreender o significado deste sinal porque diz respeito diretamente
também a nós. O evangelista Lucas
narra que aquele cego estava sentado
à beira do caminho, pedindo esmola
(cf. v. 35). Um cego naqueles tempos
— mas também até há pouco tempo
— podia viver só de esmola. A figura
deste cego representa muitas pessoas
que, inclusive hoje, se encontram
marginalizadas por causa de uma
deficiência física ou de outro tipo.
Está afastado da multidão, está ali
enquanto as pessoas passam atarefadas, absortas em seus pensamentos e
em tantas coisas... E a estradas, que
podem ser um lugar de encontro,
para ele são ao contrário um lugar
de solidão. Uma multidão que passa... E ele sozinho.
É triste a imagem de um marginalizado, sobretudo no pano de fundo
da cidade de Jericó, o maravilhoso e
luxuriante oásis no deserto. Sabemos
que precisamente a Jericó chegou o
povo de Israel no final de um longo
êxodo do Egito: aquela cidade representa a porta de entrada na terra
prometida. Recordemos as palavras
que Moisés pronuncia naquela circunstância: «Se houver no meio de
ti um pobre entre os teus irmãos, em
uma de tuas cidades, na terra que te
dá o Senhor, teu Deus, não endurecerás o teu coração e não fecharás a
mão diante de teu irmão pobre; pois
nunca faltarão pobres na terra, e por
isso dou-te esta ordem: abre tua mão
ao teu irmão necessitado ou pobre
que vive em tua terra» (Dt 15, 7.11).
É estridente o contraste entre esta
recomendação da Lei de Deus e a situação descrita pelo Evangelho: enquanto o cego gritava invocando Jesus, as pessoas repreendiam-no para
que calasse, como se não tivesse direito de falar. Não têm compaixão
por ele, aliás, ficam incomodados
com os seus gritos. Quantas vezes
nós, ao ver muita gente na estrada —
gente necessitada, doente, que não
tem o que comer — ficamos incomodados. Quantas vezes, quando nos
deparamos com numerosos migrantes e refugiados, ficamos incomodados. É uma tentação que todos temos. Todos, até eu! É por isso que a
Palavra de Deus nos admoesta recordado-nos que a indiferença e a hostilidade tornam cegos e surdos, im-
pedem que vejamos os irmãos e não
permitem que reconheçamos o Senhor neles. Indiferença e hostilidade. E por vezes esta indiferença e
hostilidade transformam-se também
em agressões e insultos: «mandai
embora toda esta gente!», «pondeos noutro lugar!». Esta agressão é a
mesma que faziam as pessoas quando o cego gritava: «mas, vai-te embora, por favor, não fales, não grites».
Observemos um pormenor interessante. O Evangelista diz que alguém no meio da multidão explicou
ao cego o motivo da presença de toda aquelas pessoas dizendo: «Passa
Jesus, o Nazareno!» (v. 37). A passagem de Jesus está indicando com o
mesmo verbo com o qual no livro
do Êxodo se fala da passagem do
anjo exterminador que salva os Israelitas na terra do Egito (cf. Êx. 12,
23). É a «passagem» da Páscoa, o
início da libertação: quando Jesus
passa, há sempre libertação, sempre
salvação! Portanto, ao cego é como
se fosse anunciada a sua Páscoa.
Sem se deixar atemorizar, o cego
grita várias vezes em direção a Jesus
reconhecendo-o como o Filho de
David, o Messias esperado que, secundo o profeta Isaías, teria aberto
os olhos aos cegos (cf. Is 35, 5). Diferentemente da multidão, este cego
vê com os olhos da fé. Graças a ela
a sua súplica tem grande eficácia.
Com efeito, ao ouvir a sua voz, «Jesus parou e mandou que lho trouxessem» (v. 40). Deste modo, Jesus
tira o cego da beira do caminho e
coloca-o no centro da atenção dos
seus discípulos e da multidão. Pensemos também nós, quando estivemos em situações difíceis, inclusive
em situações de pecado, como foi o
próprio Jesus quem nos pegou pela
mão e nos tirou da beira da estrada
para nos doar a salvação. Realiza-se
assim uma dúplice passagem. Primeiro: as pessoas tinham anunciado
uma boa nova ao cego, mas não
queriam ter nada a ver com ele; agora Jesus obriga todos a tomar consciência de que o bom samaritano
implica pôr no centro do próprio ca-
minho aquele que estava excluído.
Segundo: por sua vez, o cego não
via, mas a sua fé abre-lhe o caminho
da salvação, e ele depara-se no meio
de quantos desciam pelas ruas para
ver Jesus. Irmãos e irmãs, a passagem do Senhor é um encontro de
misericórdia que une todos à volta
d’Ele para permitir que reconheçamos quem necessita de ajuda e de
conforto. Jesus passa também na
nossa vida; e quando passa Jesus, eu
dou-me conta, é um convite a aproximar-me d’Ele, a ser mais bondoso,
a ser um cristão melhor, a seguir Jesus.
Jesus dirige-se ao cego e pergunta-lhe: «Que queres que eu faça por
ti?» (v. 41). Estas palavras de Jesus
são surpreendentes: o Filho de Deus
agora está em frente do cego como
um servo humilde. Ele, Jesus, Deus,
diz: «Mas, que queres que eu faça
por ti? Como queres que eu te sirva?». Deus faz-se servo do homem
pecador. E o cego responde a Jesus
já não chamando-lhe «Filho de David», mas «Senhor», o título que a
Igreja desde o início aplica a Jesus
Ressuscitado. O cego pede para poder voltar a ver e o seu desejo é
atendido: «Recupera a vista! Vai, a
tua fé te salvou» (v. 42). Ele mostrou a sua fé invocando Jesus e querendo absolutamente encontrá-lo, is-
to trouxe-lhe em dom a salvação.
Graças à fé agora pode ver e, sobretudo, sente-se amado por Jesus. Por
esta razão, a narração termina referindo que o cego «começou a seguilo glorificando Deus» (v. 43): tornase discípulo. De mendigo a discípulo, também este é o nosso caminho:
todos nós somos mendigos, todos.
Precisamos sempre de salvação. E
todos nós, todos os dias, devemos
dar este passo: de mendigos a discípulos. Deste modo, seguindo o Senhor entra a fazer parte da usa comunidade. Aquele que queriam silenciar, agora testemunha em voz alta o seu encontro com Jesus de Nazaré, e «todo o povo, vendo isto,
deu louvor a Deus» (v. 43). Acontece um segundo milagre: o que ocorreu ao cego faz com que também o
povo veja. A mesma luz ilumina todos unindo-nos na oração de louvor.
Assim Jesus infunde a sua misericórdia sobre todos os que encontra:
chama-os, faz com que venham ter
com ele, reúne-os, cura-os e iluminaos, criando um novo povo que celebra as maravilhas do seu amor misericordioso. Deixemo-nos também
nós chamar por Jesus, e deixemonos curar por Jesus, perdoar por Jesus, e vamos atrás de Jesus louvando
a Deus. Assim seja!
No final da audiência geral o Santo
Padre pronunciou entre outras as
seguintes palavras.
Queridos peregrinos de língua portuguesa, de coração vos saúdo a todos, nomeadamente ao grupo da
diocese de Limeira, desejando-vos
neste Ano Jubilar a graça de experimentar a força do Evangelho da mi-
sericórdia que transforma, que faz
entrar no coração de Deus, que nos
torna capazes de perdoar e olhar o
mundo com mais bondade. Assim
Deus vos abençoe a vós e às vossas
famílias.
Dentre os grupos linguísticos presentes
o Papa recebeu a saudação, escrita à
mão numa carta, pelos detidos do
cárcere de máxima segurança de
Campo Grande no Brasil, que lhe foi
trazida pelo padre Hernanni Pereira
da Silva, que é também capelão do
hospital pediátrico local, que hospeda
trezentas crianças doentes de tumor.