Excertos para análise

Transcrição

Excertos para análise
LEAL CONSELHEIRO
O QUAL FEZ DOM DUARTE,
Pela graça de Deos Rei de Portugal e do Algarve
,
e
Senhor de Ceuta
,
SEGUIDO
DO LIVRO DA
Que
fez
o
HINA1A
mesmo
Rei
DE BEI CAVALGAR TODA SELLA,
o qual
,
começou em sendo
Infante
;
PRECEDIDO
DUMA 1NTRODUCÇÃO, ILLUSTBADO COM
VABIAS NOTAS, E PUBLICADO DEBAIXO DOS AUSPÍCIOS
Do Excel lentíssimo Senhor Visconde de Santarém,
Sócio da Academia Real das Sciencias de Lisboa, do Instituto de França, etc-, ele.
FIELMENTE TRASLADADO DO MANUSCRITO CONTEMPORÂNEO,
QCE SE CONSERVA NA RIBLIOTHECA REAL DE PARI/, REVISTO, ADDICION ADO COM NOTAS PQILOLOGlCAS
E
DAS PALAVRAS E PURASES ANTIQUADAS E OBSOLETAS QUE NELLE SE ENCONTRÃO,
IMPHEi-SO
í.
DE
J.
I.
Cl
*
M
*
ROQUETE,
PRESBYTERO.
ijMW**
PARIZ,
EM CASA DE
J.
E
P.
AILLALD,
II,
QUAI VOLTAI BE
EM PORTUGAL.
EM CASA UE TODOS OS MERCADORES UE LIVROS
DE LISBOA PORTO E COIMBRA
.
MDCCCXLI1.
UM CLOSS ARIO
<Em nome
sua graça
oe
nosso ôenljor 3lju Xpo, com
c
òe
,
sua nurg Sancta iHabrr
nossa ôenljora Santa Movia, Começasse
o
trautaoo que se cljama Ceai (Conselheiro
oqual fez
Dom Cíiuarte,
íteg ò( fJortugal
g^j^.H^ys^uyto
e
pclla graça òc
òo SUçjarue
Cepta,
a
Eapnlja
Dona Ceouor sua
e
Deos
Senljor
mnpo
requerimento òa
;
íic
exrellente
molljer.
prezada e amada Raynha Senhora, vos
me
requerestes que juntamente vos mandasse sereia
ver alguas cousas que avia scriptas per boo regi-
^ mento de nossas conciencias e vontades; e posto
ivé-rsVqug saiba, graças a nosso Senhor, que de todo
avees
muy
comprido conhecyrnento com virtuosa husança , sa-
tisfazendo a vosso desejo
,
consiirei
que
seria
melhor
forma de huu soo tractado com alguus adimenlos
por vos complazer, e
filhar
em no
;
feicto
em
e assi o fiz
fazendo alguu spaço de cui-
dados com razoado passamento de^tempo.
E
desi
por sentir que,
pensando como sobresto ey de screver, saberia mais desta moral
,
—2—
me
que
sciencia, o
e virtuosa
guardar de fazer cousas
fará
malfeitas, por seerem contrairás do
que screvo, ainda que
seja
obra pêra eu fazer pouco perteecente, posto que a todos estados
seja necessário
saber
como devem seguir virtudes, guardandosse
de pecados e outros falicimentos; e desi por alguus desta pe-
quena
dades
leitura se
poderem prestar, acrecentando em suas bon-
com leuamento de muytos
breves e simprezes
,
nom grande
de
melhor aprendem que das
sotil e
Senhor Deos em grande mercee
e dictos
,
entender e pouco saber,
maao caminho
:
E
altamente scriptas.
teria,
a nosso
sede minha vida,
muytos filhassem proveitosa ensinança
contrairo, ca scripto he
viver de
erros; porque das obras
Aquele, que
faz
,
feitos
nunca o
e
o pecador
em
seu
tornar, guãaça sua alma, e seerlheham
cubertos e relevados grani multidom de pecados
(1).
E
diz nosso
Senhor daquel que guardar seus mandamentos e os ensinar,
,
que será chamado grande no seu Reyno
o
meu
carrego mais
(2).
Porem ainda que
mostrar per obra e pallavra, alguma
seja
parte desejo cobrar de merecimento dos que fazem leituras de
boas e virtuosas ensynanças
,
por
tal
que bem vivendo, per sua
mercee, naquella conta podesse verdadeiramente ser contado.
E porque
o entendimento he nossa virtude
screvi dei
hua breve repartiçom,
(1)
escrevia.
de S. Tiago
(2)
mais fuy ajuntando se-
Dom Duarte mas
á Rainha e mais pessoas da Corte para
Deve pois advertir-se que todas as vezes que
Escriptura que se refere.
tola
principal
Esta maneira de citar as Sagradas Escripturas prova quanto a sua leitura era
familiar não só a EIRei
ejus à
e o
muy
morte
,
:
é o versículo 20
Qui converti feccrit peccatorem ah errore
et operiet
Qui autem fecerit
V, 19. (R.)
que aqui allude
texto a
elle diz,
vitcc
quem
ca scripto he
,
é a
do cap. V da Epis-
sua, salvabit animam
mullitudinem peccatorum. (R.)
et docueril
,
hic
magnas vocabitur
in
regno Calorum. S. Mattli.,
gundo melhor pude fazer. E por seerem alguas cousas sobre si
tempo ha scriptas, nom levam lai forma como se todas juntamente sobreste propósito forom ordenadas.
Ainda que alguas rezoões vão dobradas, serame relevado,
porque o faço querendo todo melhor declarar, avendo em tal
por menor falicimento dobrallas, que onde convém seer
(1); desi porque de minha maão foy
leitura
minguado no screver
todo primeiro scripto
ladadas, dello tanto
bem mostrar
tirando as cousas de fora
(2),
me nom guardey,
em
tra-
tendo mais tençom de
do que screvia que a fremosa
a sustancia
el
e
guar-
dada maneira descrever.
Podelloees (3), se vos praz
ainda que
(1)
me nom
,
chamar
leal
conselheiro, porque
atreva certificar que da
Por esta passagem nos mostra o autor que
em
todos boos (4)
já nos princípios
do século xv°
as
repetições erão contrarias ás regras do estilo. (S.)
(2)
Chamámos a attenção do leitor sobre esta importante
e para admirar vèr
um
tempo da sua mocidade,
obra de philosophia moral
(3) Podelloees
,
particularidade.
Na verdade
Príncipe herdeiro da Coroa, criado nas fadigas das guerras do
e nas dos negócios, occupar-se
,
mas de mais
não só da composição d'uma
escrevêl-a toda de seu próprio
No tempo d'E]Rei Dom Duarte
podèl-o-heis.
,
punho
!
(S.)
no d'Azurara
e ainda
,
não estavão as linguagens dos verbos bem fixadas especialmente
nas segundas pessoas
do plural que ordinariamente fenecião em ees, ades,
ou edes mas no tempo de GIL
VICENTE já tinhão mais regularidade e fenecião, como hoje, em eis ou ais na
Farça
,
,
;
:
intitulada
,
JUIZ
DA BEIRA
,
se lè
:
«
Boa concrusão
»
Que he
»
Que
»
Preso, e que o castigueis.
o
trazeis.
o que vos quereis'
mandeis
vir aqui
Tomo III,
(4)
é
Aorthographia d'esta palavra
»
pag. 169.
é tão incerta
Hamburgo,
1834. (R.)
entre os nossos antigos escritores,
duvidosa a sua pronúncia. No Leal Conselheiro, e mais obras d'ElRei
encontra-se constantemente escrita
que no singular
se acha
como aqui
se lè boos,
sem
alguma vez bom, o que torna incerta
til
a
,
nem
Dom
como
Duarte,
accento, ainda
pronúncia
,
e faz sus-
»
_4—
conselhos, sey que lealmente he todo scripto, quanto
meu
pequeno saber, embargado em todo geeral regimento de justiça, conselhos, e todas outras proveenças
Senhorio, pode percalçar para poer
scripto;
porque alguas cousas
se
tal
)
(1
obra
podem
meus Reynos
de
assi
e
em
brevemète
nom som
razoar que
taaes para screver.
peitar
que haveria omissão do
abreviatura do
lioos,
n
til
no plural, que neste caso como em outros muitos
;
outras boõs, cuja orthographia adoptámos nas correcções d'aquella obra por ser
a mais frequente
porém
;
só a orthographia,
mas
se a
consonância da rima pode servir de regra para fixar não
d'uma palavra sobre que ha dúvida
a pronúncia
com dous
nos a crer que esta palavra se escrevia
oo, os
de Duarte Nunes de Leão se devem pronunciar
com
escrevêssemos ás ou ôs
bòos, e depois a bons
,
a qual
,
inclinâmo-
quaes segundo a orthographia
com um som
accento agudo ou circumflexo
;
forte
,
e
como
que de boos
,
se hoje
se passou a
maneira d'escrever é constantemente seguida por Camões.
A consonância da rima em que nos fundamos além d'outras que não citamos
,
seguinte que se
lé
em GIL VICENTE
.1
Eu
>•
Iremos
e esles
,
publicadas
do Plauto portuguez.
veremos nós.
em Hamburgo em
1834
,
III
pag. 169.
,
que o Editor das obras de GIL
conservou fielmente o texto primitivo
(R.)
Esta palavra, que significa providencia ou previdência, é da lingua
uma
ligeira alteração
com
frequência, e escrita
na orthographia
umas
;
«
:
Mais de ce monde lordenance,
»
Que Dieu par
»
Vault establir et ordenner,
»
Ce convient-il á
sa grani
fin
proveance
menner.
Ronian de
la
romana com
desde Jean de Meung até Amyot se acha usada
vezes Prorance, outras Proteance
sagem d'aquelle notável Romancista do xm° século
Veja-se o Gloss. de
é a
homens bds
lá e
Esta nossa conjectura funda-se na supposição de
VICENTE
,
:
Farça do Juiz da Beira. Tomo
(J)
e
Gomes Eanes d'Azurara na Chronica de Guiné escreve umas vezes
»
la Rose.
Langue Romano de Roquefort.
(R.)
.•
citaremos
uma
pas-
,
—5—
E
filhayo
AB C
por huu
(1 )
palmente para senhores
de taaes
ABChe
seer contados, para os quaaes
A
feito princi-
gente de suas casas, que na theoria
moços devemos
respeito dos sabedores por
em
feitos
e
de lealdade, ca he
sua própria ensinança.
cada
podem entender os poderes e payxoõeS que
huu de nos ha e por o B o grande bem que percal-
çom
os
E
mais por o
;
origem,
bondades
seguidores das virtudes e
(1) Acceitai-o
a
se
,
vem do
que nenhum dos nossos lezicógraphos
recebei-o. Este verbo, a
italiano pigliare
(que
por ho C
e
;
pronuncia
se
pilh are),
mudado
emf;
op
muito frequente entre os nossos escriptores do xiv° e do xv° século, e se acha por
empregado em quasi todas
as accepções
que tem
em
italiano
fixou
era
elles
para provarmos sua
;
identidade nas duas línguas transcreveremos o que diz Alherli no seu Diccionario
che prendere ,
«
Pigliare
>
e nelle stesse
»
di quegli significati
»
§ Pigliare, per accettare, ricevere; ed in questo significato dicesi anche pigliare
»
buona ed
lo stesso
,
maniere; ridurre in sua podestà, o con violenza, o senza
parte. Prendre, recevoir, accepter.
mala
in
que aqui o emprega o
clássica
da
Illustre Autor. Este
nossa litteratura
não nos lembra de o
comprovâo
;
la varietà
distingue delle parole che gli accompagnano. Prendre
si
É justamente
em
;
eis
,
saisir.
in
nesta accepção
desuso na épocha
seu synonimo tomar.
mas sim tomar em seu lugar
ler,
»
verbo começou a cair
e foi substituído pelo
,
:
usandosi tuttaddue questi verbi negli stcssi sensi
Em Gil Vicente
aqui duas passagens que o
:
tomão
«
Porque não
»
Assi a bragas enxutas. «
se
trutas
Tomo
Daqui podeis vos tomar
•<
melhor que vos
»
vier. »
Tomo
Barros talvez só
uma
III, pag. 177.
III, pag. 313.
vez usa d'elle (Cão àe filhar, 4,
f.
129)
,
serve-se
sempre de
tomar, e quando falia de tomar por força emprega mui assisadamente o verbo prear.
Descrevendo o
Guiné,
elle
em
mesmo
facto,
que descrevera Gomes Eannes d'Azurara, na Chronica de
que empregara o \QiboJilhar, na accepção de agarrar, tomar por força,
usa do verbo/jreard^sta maneira
Em Camões são
d'este verbo
,
tão
mui frequentes
pouco usou
era desusado, e que
com
d'elle
razão
:
iE com tudo aindapreárào alguns,
os exemplos.
foi
d
Dec.
I, f. 1.6.
Nunca o Príncipe de nossos poetas usou
Sá de Miranda
;
o
que prova que
já
condemnado ao esquecimento. (R.)
em
seu tempo
dos males e pecados nosso corregimento. Porque destas três
parles mesturadamente
e
,
nom
per ordem
assi
,
he
meu pro-
com devida protestaçom, leixando todo
ao corregimento daquellcs a quem perteecer, ca sobrello mais
pósito de mais trautar
screvo por o que sinto e vejo na maneira de nosso viver que
nem
por studo de livros,
dizer de lealdade
entender, voôtade
,
suindo virtudes, edos pecados
mantém
nos avisando, se
e
a nosso
sey
pois elle
sinto
e a
,
com emenda
e aas pessoas
de sua mercee tem
antre senhores e
tam perfeitamente
outros
(pie
nem ouço que mais e melhor delia husem, dos quaaes
de sa boa graça me outorgou principal regimento, me
muvto obrigado de
a sempre manter e guardar a todos,
vos mais por obrigaçom de grandes razoões, e requeri-
mento de minha boa vontade; porem me praz
nomeado, por
a
podesse (1)
seguindo e pos-
Senhor Deos,
E porque ao presente
outorgada em estes Reynos
servidores, maridos e molheres,
nom
,
outros falicimentos
que se deve guardar.
esta virtude
e
ca per dereito conhecimento de nosso poder,
,
memoria
saber, querer,
ensino de leterados;
assi delia seer
que o nome deste meu scripto concorde com
tal
maneira em que por mercee do Senhor Deos
me
trabalho
sempre viver.
Compre, para
se
passo (2), e pouco de cada hua vez,
(1)
se leer todo de
começo,
bem apontado,
estando
melhor entender, de
Esta maneira d'eserever os pronomes encliticos
era usada não só no
de convertia-se
exemplos
,
,
tempo de Barros, que escreve
ouve-se
,
com dous
ss
sem
,
risca d união
converliasse, ouvesse, etc,
em
especialmente no Castrioto Lusitano de Fr. Raphael de Jesus
com um
só í,
Lisboa, e ultimamente
com
escrevèrão-se
lugar
etc, mas ainda entre os seiscentistas se encontrão muitos
como
se vè
a risca
;
depois
no Diccionario da Academia das Sciencias de
d'uniào
;
e esta é a orthographia mais
conforme
a
razão. (R.)
(2)
Este adverbio,
que hoje
é desusado, ainda
no tempo de GIL VICENTE era da
,
cm
razoado tempo
bem
despostos os que leerem e ouvirem, ca
lendosse doutra guisa, entendo que aos Ieterados (1) parecera
mais symprezmente feito, e aos outros nom tam boo dentender,
porque taaes leituras aos que de semelhantes
nom teem boo
conhecimento mais som para serem ensinados que para despender tempo ou se desenfadar com o livro dcstorias, em que
o entendimento pouco trabalha por entender ou se nembrar.
E
posto que aa primeira pareça non sentirem proveito de o
veer nem ouvir, saibbam que o leer dos boos livros, e boa
conversaçom
faz acrecentar o saber e
virtudes,
como
crece o
corpo, que nunca se conhece, senom passando per tempo
pequeno que era
com
a graça
se acha
E
de
tal leer
pender aquel tempo
de
grande, e o delgado fornido; e assy
do Senhor o boo studo
de simprez faz sabedor, do que
virtuoso.
:
avemos
em bem
,
filhado
bem nom
com boa tençom,
vive, temperado e
três proveitos
:
primeiro, des-
fazer; segundo, acrecentar
em boa
sabedoria; terceiro, por o cuidado, quando estever occioso
avendo lembrança do que leeo
nam
se
oceupar
em
alguus
nom
boos pensamentos, ante retornando ao que aprender acrecentar
em boo
saber e virtudes.
Prazermia que os leedores deste trautado tevessem a maneira
da abelha, que passando per ramos e folhas, nas flores mais
costuma de pousar,
e
nam
e dally filha parte de seu
mantimento;
sejam taaes como aquelles bichos que, Ieixando todas
cousas limpas, nas mais cujas filham toda sua governança.
linguagem ordinária. Na Farça do
«
Falae vos passo, micer.
(1)
á
illustre
»
Tomo
AUTO DA ÍNDIA
III, pag. 35,
Autor impregava esta palavra no
de sábios, e eruditos.
(S.)
diz a Criada
Hamburgo,
mesmo
chegando
E
á janella
:
1834. (R.)
sentido que nós hoje
damos
porquanto alguus vendo quaaesquer pessoas
esto se diz
leendo per livro aquellas cousas, consiiram
,
ou
em que possam
aver boo exemplo, ensino e avisamento, e que achem e vejam
lalicimentos
,
passom per
elles
proveitoso e digno de louvor.
E
sempre reguardando no mais
aquestes aa abelha
apropriados, os quaaes, por acharem
em
esto
devem
seer
que screvo algua
cousa que lhes praza, mais consiirem aa substancia eboa teen-
çom que ao muyto saber nem forma de
porque
razoar,
guardando ao desvairo das pessoas em estado, entender
com
leza,
res-
e sotil-
desejo que razoadamente prouvesse aos mais que o
vissem e recebessem alguu boo conselho
,
lembrança ou avisa-
mento, accordei de levar esta ordem descrever na geeral maneira de nosso fallar.
Porem bem sey que algua
leitura
nom
pode a todos igualmente prazer, ca teem sobrello tanta diferença como no gosto das viandas,
ouvir dos soõs; e a que
e
despraz a alguus por lhe parecer scura, outros a julgam por
simprezmente
feita
e aos
;
que
falia
mamuytos
contra seu propósito e
E posto que a
mynha tenE tal trautado me parece
neira de viver pouco dello se contentom.
esto
nom
çom
,
praza, abastame que Nosso Senhor sabe
que
e
seja feito a
nosso prazer.
que principalmente deve perteecer para homeês da corte, que
algua cousa saibbam de semilhante sciencia
virtuosamente, porque aos outros
lhees praza de o ler,
nem
,
som em
elles
desejem viver
bem penso que nom muyto
de o ouvrir.
E
assy
como se fazem freos
de feições desvairadas, e os que buas bestas
outras
e
nom
bem aderençadas semelhante
;
enfream as
se faz
nas
moraaes ensynanças, antre as quaes esta deve seer contada,
que a muytos porchãa ou algua cousa scura
seer
que alguus por os ensinos
rendo,
ram
,
e
em
este trautado
e
nom
e
praza, poderá
avisamentos, que, Deos que-
seram scriptos, de malfazer
se refrea-
para viver virtuosamente seram enduzidos
;
a qual
»
,
—9—
speranca noni pouco
me
acrecenta boo desejo de o trazer a pro-
veitosa pérfeiçom.
Da outra parte muvtos som
como
taaes
aquelles bichos que
bem feita, ai (i) nom consiirara senom onde acharom que prasmem ou de que scarnecam, ca
esto filham por seu mantiimento. E aquestes bem me prazeria
que o nom Ieessem, conhecendo que neelle assaz poderom achar
leixando toda cousa boa e
para usar de seus maaos costumes.
como
dito he
E porquanto
|esto
screvo,
por comprir vossa võotade com meu prazer e
desenfada mento, querendo a alguus aproveitar, e a nenguem
,
bem seria que fossem scusados
porque som certo que vêem poucas cousas nem obras de que
«mipeecer de o leer e ouvir,
nem recebam proveitosa ensynança e semelhante
fazem os mais de todos nos falecimentos em que muvtos som
derribados, e nas virtudes de que bem nom hiisam
porem
;
lhe praza,
;
seus juizos sobre taaes leituras
Fiz tralladar
em
el
nom devem
seer creudos.
alguus capitullos doutros livros, por
parecer que fariam declaracom e ajuda no que screvia.
começo
me
E no
esto
mostra donde cada huu he tirado, filhando em
exemplo daquel autor do livro do amante, que certas estorias
em
elle
d'elles se
screveo
avisamentos
(1) Esta
(2).
do
E
conhecendo meu saber para esto
palavra, que hoje só é usada
çava a invelhecer,
farça
de que se filham grandes boos conselhos e
,
foi
AUTO DA LUSITÂNIA, onde
«
E
»
Nasce aqui em
»
E
»
Não presuma
»
De dar lamaras
E para
sentir
foro, e
com
que
já
no tempo de CAMÕES come-
bastante graça por GIL
diz o Licenciado
su-
VICENTE na
:
pois o primor inteiro
laes lugares,
lodo o ai he grosseiro,
o sovereiro
doçares.
Tomo
(2)
no
ainda empregada
nom
III, pag. 274.
Hamburgo,
1834. (R.)
que o autor deixasse de indicar algumas vezes o nome dos autores
—
—
10
—
ey por empacho seer ajudado de taaes ditos,
ficiente noni
e
seerem assy compridamente aquy trallatlados, posto que o seu
muy
boo
fremoso razoar,
e
110
por
mym
scripto faça grande
abatimento, porque mais quero aproveitar aos que o virem
mynguada maneira de meu
ca (1) encobrir esta
dos livros que
era então
todos os litteratos conhecião o
(1)
usou
Esta conjuncção
Gil Vicente e
commum
com
Camões
,
nome do
indica
que
do Luto do amante
leitura
a
suíficiente citar
(2).
simplesmente o livro, pois
autor. (S.)
de porque, ou somente que, como depois
a significação
mormente nas
clausulas de muitas de suas estancias
era
,
ao dialecto castelhano e galliziano; correspondendo ao car francez, ao
quar da língua romana
outros escrevião qua
que
porém nos
Este silencio
cita.
mui seguida, que EIRei julgava
screver
e ao latim quare
,
quia
,
e
,
namquc ; Duarte Nunes
conformando-se mais com a etymologia. Além
,
é assas conhecida, tinha
também
como conjuncção comparativa, que
a de que
,
Dom
e alguns
d'esta significação,
do que, ou antes que
que EIRei
é a
,
{quam ,
lat.),
Duarte aqui emprega, e de
que se encontrão muitos exemplos nos Documentos antigos, de que citaremos os
seguintes:
»
«
Asy que parecia
tall
mento de pouca reverença,
P. Ribeiro,
I.
E
»
doutrem, qua
fazede vos
Chron.
Dissert.
em
«
se
guysa
y
\ppendix n° 35, pag.
requerimento seer
com
ea
e Crit.,
mais com jnpito e acata-
zeello de justiça.
Tomo
»
Vej. o
Documento em
Appendix n"VIII, pag. 160.
IV,
entenda eu que avedes moor medo de
em esto que
ai fezerdes
feito
pesarmya ende
88. Neste ultimo
exemplo
muy to.
se
»
reúnem
Tomo
Ibid.,
as
mim
ca
III, Part. II,
duas significações, e os
dous modos d'escrever a palavra , parecendo talvez que a orthographia diversa
foi
aqui
de propósito adoptada para indicar a differença de significado. (R.)
(2)
um
Em
a nota 2 da pagina 3 fizemos notar ao leitor quanto era para admirar
Príncipe na
flor
dos annos
,
e
no meio das fadigas da guerra
occupasse não só da composição de
punho nesta passagem
;
as
,
e
em
um
outras
tal
obra
em que
,
este livro
mais admiráveis lições de polidez, de urbanidade
e outras d'este livro nos revelão
quanto era polida
Monarchas no principio do século XV o
.
(S.)
,
mas também de
,
a escrever pelo seu
abunda nos dá
,
que
e dos negócios, se
este
Soberano
e de modéstia. Estas passagens
e admirável a Corte
de nossos
»
;
114
CAPITOLLO
Da maneira que
'or
fui
XIX.
doente do humor menenconico e dei guareci.
quanto sey que muytos foram, som,
e ao diante
Jseram tocados deste pecado de tristeza, que procede
.ida voontade desconcertada, que ao presente
"ffjçyem os
chamam
mais dos casos doença de humor manenco-
rico (1),
do qual dizem os
físicos
que vem de muvtas
maneiras per fundamentos e sentidos desvairados
mais de três
;
anos continuados fuy dei muyto sentido, e per special mercee de
Nosso Senhor Deos ouve perfeita saúde; com a teençom que
primeiro screvi dalguus desta breve e symprez leitura filharem
proveitosa ensynança e avisamento, prepus de vos screver o
começo, perseguimento
e
cura que dei ouve, por
speriencia a outros seja exemplo; ca
e
nom
que mynha
tal
he pequeno conforto
remédio aos que som desto tocados saberem como os outros
sentirom o que
elles
padecem,
e
ouverom comprida saúde,
porque huu dos seus principaaes sentymentos he pensarem que
Menencorieo, melancólico, porque os nossos antigos dizião menencòria
(1)
rencória; e assim se dizia ainda
Trovas de João Baibato, e de Gil
"
Quassy deos tue dey
"
Em
prazer qual eslava
»
E não
»
Despois ouve menencòria
»
E
tal
vitoria
»
Falia
em
ou me-
faltes
conta
lá
em
passar,
Por perder aquella groria
»
Porque em
Senhora
em que
»
Não has ninguém de
foi. 6i.
:
outra historia
»
estava.
das
tua merencória
»
Canc. Ger.,
,
Dom Manoel, como vemos
Vicente no AUTO DA BARCA DO PURGATÓRIO
no tempo d'ElRei
festa
Gil Fie,
de
tal
gloria
levar.»
Tomo
1 ,
pag. 162. (R.)
,
—
outrem jamais nunca
em que
stado
sentio
tal
antes era.
—
115
fosse tornado a seu
que
E porem
esta desesperança
boo
he hua
grande parte do seu sentimento, da qual por o que screvo ra-
zoadamente
se
devem
tirar, e
também
filhar
pensando que outros de grande stado,
grande conforto
que som theudos em
e
razoada estima, forom desto sentidos, porque nora se desprezam
tanto assy
medes por receberem
padecimento de
tal
tristeza,
pensamento com tanto
tal
quando pensam que
taaes pessoas ja
passarom, porque este desprezo que cada huíi de sy ha he huu
grande aazo de sua
tristeza, o qual tirado, e havida
qualquer
parte de boa speranca, logo começa de aver saúde, e se faz
muyto
desposto pêra receber pêra graça do Senhor Deos perfeita cura.
Quando eu era de
xxij
annos, EIRei
meu senhor
comprido de muytas virtudes, cuja alma Deos
e padre,
aja, despoendosse
mandoume que tevesse carrego
da fazenda, que em sua corte se trau-
pêra filhar a cidade de Cepta,
do conselho, justiça
e
tava (1); porque tanto averia de trabalhar nos feitos que per-
teenciam pêra sua hida, que doutros sem grande necessidade se
nom
entendia curar; eu nora consiirando minha nova hidade e
pouco saber, com dereita obediência, como per mercee de Deos
sempre em todo lhe guardey,
e desi (2)
por grande voontade que
avia de se proceder per o dito feito, recebi
(1)
Trautar,
em lugar
e ainda se encontra
de traclar ou tratar, é mui frequente na Ordenação Aflbnsina
no Cancioneiro. João Gomes
«
Joham Mourato meu Senhor
»
Sages era todo traular
"
Donra bem merecedor
»
Mais inteiro trovador
»
Do que posso
da Ilha diz na sua Confissão
,
:
declarar. >
Canc. Ger.,
(2)
sem outro reguardo
foi.
69 v». (R
)
autor àa.Eufrosina escrevia deshi, depois d'isso, ou antes, além d'isso, outros-
sim. (R.)
)
—
—
116
me pus
(odollos dictos carregos, aos quaaes
descliçom
que na primeira quareesma que logo veeo
,
bem
vyda. Os mais dos dias
das, era na rollaçom
meo
(1) ataa
da fazenda erom com mygo,
Rolaçom
1
em lugar de relação
,
,
que ainda
e
A cabeça
»
Escontra o vendaval
»
Aa porta da rolaçom
"
E também
»
Com que cuidou
com
jantar.
Comer
pouco husava
em
se lá
Mendes Pinto
nhola
,
:
e
elles
Lucena
em
e o
é
mui
:
coraçom
o
troca
tanto mal. »
com os
,
foi.
29 v». (R.)
nossos vizinhos castelhanos do verbo comer
antigo Castelhano dizia-se yantar
,
,
;
e
nós jantar
(
para significar esta
comida
mesma
Academia Hespa-
Vej. Diccionario da
o Vocabulário deSanchez). Não é somente nesta passagem d'ElRei Duarte que
pedirão a EIRei
sam
(3)
poram
lhe
dizem hoje comer
nos fundámos,
»
e
minha
significava antigamente entre nós jantar, fazer a principal
do dia, prandere ; e
comida
uma
elles ataa
muy
Cane. Ger.
Parece que fizemos
(2)
com
os oficiaaes de
frequente no Cancioneiro. Álvaro de Brito diz nas suas Trovas
«
do conselho
dia os
aturava
e retraya-
,
com
,
casa estava ataa xi oras. Monte, caça,
(
meo
vinha co-
e
odiencias per boo spaco
oras da noite; e desque partiom
ix
ou acerca,
dia
aa camera, e logo aas duas oras pos
e veedores
fazia tal
cedo era levantado, e, missas ouvi-
mer (2). E sobre mesa dava
me
assy, fora de boa
mas ainda n'um
Dom
João
II
,
capitulo das Cortes d'Evora de 14SI
«
que os
tabelliães
tabelliães assi ante comer, e depois
mentos para servirem de provas
á parte
,
em que
de comer certas horas do dia.
2a
os povos
sejam nos lugares deputados donde
das Memorias
»
(
Vej.
Docu-
para a Historia e Theoria das
Cortes, pelo Ex mo Snr. Visconde de Santarém, pag. 99. (R.)
(3)
Chamamos
a attençâo do leitor para estas preciosidades históricas que nos
transportão aos princípios do século xv,e nos mostrão
pavão os nossos Príncipes
,
e sobre
admirar vendo este Príncipe na
se
tudo EIRei
flor
Dom
como
em que
vivião, e
se oceu-
Duarte. Não podemos deixar de nos
dos annos abandonar os prazeres da caça para
entregar exclusivamente aos negócios de que a sabedoria de seu grande pai o
havia encarregado.
É na verdade pasmoso
vèl-o assistir á relação, e
mesmo durante
o
jantar dar providencias sobre diversos objectos do serviço, e finalmente passar sete
horas depois todos os dias tratando negócios
com
os
do conselho,
e
com
os vedores
—
117
—
paaco do dicto senhor vesitava poucas vezes, e aquellas por
veer o que el fazia, e de mym lhe dar conta (1). Esta vida con-
tynuey ataa páscoa, quebrando tanto minha voontade que ja
nom sentia alguú prazer me chegar ao coraçom daquelle senque ante
tido
E pensava que
fazia.
aquello da
mudança da
todos, porem
me viinha, e que assy era commuú a
dello me nom curava mes tanto me carregou que fylhey por
grande pena nom poder no coraçom sentir alguú dereyto sentymento de boa folgança. Com esto a tristeza me começou de
crecer, nom com certo fundamento, mes de qualquer cousa que
hydade
;
aazo se desse, ou dalguas fantezias sem razom; e quanto mais
me
aos cuydados
dava tanto com mayores sentydos
,
me
seguia,
nom podendo entender que dalli me viinha, porque eu trabalhava em aquelles carregos por as razoões suso dietas tam de
boa mente, que nam podia pensar que mal me vehesse por
obrar no que me prazia e tam contente era de o fazer.
,
Em
aquesta pena vy vy acerca de dez mezes, a tempos, e mais
porque o dicto Rey, meu Senhor, se veo acerca da
cidade de Lixboa, onde tal pestellença era que poucos dias passavom que me nom fallassem em pessoas conhecidas que de
e
menos;
tramas
tanto
e
(2)
adoeciam
tempo em
e
morriam.
mym se criava
,
E
por esto a tristeza, que de
mais se dobrou
;
e
huu
me
dia
da fazenda nas matérias relativas á administração d'este ramo. E para se repousar
d'estas fadigas
da sua casa
!
,
Que
do seu tempo , e
(1)
entreter-se as duas horas restantes provavelmente sobre os negócios
lições estupendas
a seus suecessores
Dom
em
este Principe
Que modelo
um
tão
deixou neste livro aos Príncipes
digno de imitação
!
(S.)
facto histórico curioso, a saber
que o her-
paço separado d'aquelle que habitava seu augusto pai
Duarte idolatrava
admiração quando
(2)
!
Esta particularidade nos mostra
deiro da Coroa vivia
EIRei
que
falia d'elle
como
,
,
e a
Inchaço, tumor, de struma
,
que
se vê a cada passo pelas expressões de respeito, e
quem
lat.,
ia
dar conta do que fazia
i
ou bubão como hoje dizemos.
(S.)
(R.)
—
deu grande sentymento
queentura
me
que
(1),
—
118
em
híía
perna,
e
em grande
pos
me
mas
E
alteracom.
remediado, que per graça de Nosso Senhor
door com
fez tal
em
fuy logo
breve spaço
huu tam ryjo pensamento com
receo de morte, que nora soomentc temy aquella, mas a que
todos scusar nom podemos, pensando na breveza da vida prerecobrei saúde;
E
sente.
íilhey
em meu coraçom que por
aquel pensamento entrou
,
mezes huu pequeno spaco nunca o
pude
afastar,
tirandome todo prazer, e acrecentandome a mayor
tristeza,
seis
dei
segundo meu juyzo, que aver podia. Este
me
trazia tantas
novas penas que seria largo descrever, e comparar nara as
me
podiria, porque todallas doores pêra esta
nom
saúde, da qual
me
conciencia
muyto
me
E
avia sperança de guarecer.
queria confortar, per o
se
com
demudamento da
fe e
tristeza
era torvado, assy que a todo mal de alma e do corpo
derribava.
Gatom
(3)
:
outro logar
(1)
pareceria (2)
Quentura
:
,
E
por
Quem teme
Quem teme
em
temor
tal
se
pode bem dizer o dicto do
E em
vyda. E de
morte perde quanto vyve.
a
morte perde o prazer da
a
lugar de febre , ainda
foi
usada por Duarte Nunes de Leão. Vej.
Diccionario de Moraes. (R.)
(2)
dizer
Não podemos deixar de notar
me
este solecismo d'ElRei
parecião, porque dores, sujeito d'este verbo, é
criminál-o,
quando autores graves que escreverão
em
Dom
Duarte
;
elle devia
do plural. Mas poderemos nós
tempos
em que
a lingua estava
mais polida, e sua grammatica mais regularizada, ainda eommettêrão similhantes
erros, abusando da figura sj-llepseP! Muitos se poderião apontar,
verbo parecer
fizera
;i
;
daremos porém só
morte d'ElRei
Dom
um
,
tirado de Gil Vicente , o qual
Manoel
,
«
Seus cabellos
,
»
Arrincava e destruía
»
Seus olhos maravilhosos
»
Fontes dagua parecia.
diz
fios
,
fallando da Infanta
o que dissemos
em
a nota 2
:
d'ouro,
;
Gil Vic,
(3) Vej.
mormente acerca do
Tomo
da pag. 38.
III,
pag. 348. (R.)
,
no Romance que
—
nom
feito
119
—
vallera,
segundo entendo, porque com
amygos
fallava, e
das curas,
nem
ouvera conselho, remédio,
nom
nom
que me
esforço
confessores, e
físicos,
prestava cousa (1), e o dos remédios
tam poucos
sentia vantajem, e confortos recebia
como aquel que per enfermidade mortal dos
despe-
físicos
,
,
rado(2), recebe das pai lavras que lhe dizem, ou que per justiça
nom menos
he julgado que logo moira (3), ca
aquel temor,
segundo entendia, era pêra rayra sempre lembrado
mes
a graça
do Senhor Deos,
e de
me outorgou conhecimento que
sayr
em
;
Nossa Senhora Sancta Maria
era enfirraidade e tentaçom do
inmiigo todo cuydado errado que
nom
e sentido
me
viinha.
E determvnev
meu vyver, que
cousa fora da pratica de
eu avva
por boa, e assy sabia, mercees ao Senhor, que per dignos
doutoridade era aprovada; e se morte, vyda, saúde ou enfer-
Em
midade me vehesse, naquella quiz que me achasse.
teençom fuy assy forte que os conselhos d'alguus
diziam que bevesse
lhei', e
Phrase
(1)
"
E não
(2)
vynho pouco auguado, dormisse com mo-
grandes cuidados, todos desprezei
elliptica
;
mesmo
muito usada d'ElRei
prestava cousa nenhuma
,
Dom
(4),
avendo
Duarte; subentende-se nenhuma
ou nenhuma cousa
me
bem
aproveitava.
depressa fui substituída por desesperado. Dos
que, abandonado ou desenganado dos médicos,
No antigo
(R.)
»
em
desperado
físicos
como
,
vale o
ao presente se diz. (R.i
dialecto portuguez-galliziano não se dizia morrer,
moj-rer, e d'ahi as variações moiro e moira,
se
que me
Voz obsoleta conforme ao antigo castelhano, e que vem da palavra romana
Jesper
(3)
leixasse
físicos,
esta
mas sim moirer ou
lugar de morro e morra
,
as quaes ainda
encontrão nas Trovas de Garcia de Resende á morte de Dona Ignez de Castro
também em Sá de Miranda.
«
"
"
»
A
foi. 59 v»,
singeleza e ingenuidade
,
e
dous exemplos tirados dos dous Cancioneiros:
Moyrer. e prazme si Deus me perdon
E non posseu muito uiuer assi.
Que non moyra mui ced en cõ pesar
E moyro meu pola freeira.
Mais nom pola de nogueyra.»
Canc. de C- Stuarl,
(4)
Eis aqui
»
Mas pois eu nunca errey
E sempre merecy mais
»
Deveys poderoso rey
«
>>
Nam
«
Que
80, e 102.
com que o Autor nos
quebrantar vossa
se
ley
moyro quebrantays.
Canc. Ger.,
refere o conselho
»
foi. 221.
(R.)
que os médicos
—
—
120
minha speranca em no Senhor e sua muy Santa Madre;
per parte da razom e da fe solamente ca o sentido e desejo
toda
esto
,
do coraçom todo era derribado a mal
Em
esta
grande doença durey o tempo suso scripto, callan-
dome com
fallavaj e
fazer.
porque a poucas pessoas certas doutoridade
defora em toda minha maneira de viver fazia pequena
ella,
mudança, nem mostramento do que
estado, a
muy
virtuosa
E estando em
sentia.
Raynha minha Senhora
e
,
Deos aja, de peste! lenca se finou
tal
Madre, que
do que eu filhey assy
(1),
grande sentimento que perdi todo receo; a
ella
em
sua infirmy-
me cheguey, e a servy sem alguu empacho como
nom sentisse. E aquesto foy começo de minha cura,
dade sempre
se tal
door
porque sentindo
amym,
de sentir
ella, leixei
e veer
que alguu
spaço fora leixado do dicto cuidado, e recreeeome por algua
E
speranca que viiria a perfeito curamento.
maginaçom
muy
(2)
filhey
mais hua
proveitosa, ca pensey que Nosso Senhor
uma prova de que EIRei Dom Duarte escrevera
em que se desposou com a Infanta Dona Leonor,
lhe derâo contra a melancolia, é mais
este tratado antes
filha
(
d'ElRei
do anno de 1428
Dom Fernando
A Rainha Dona
1)
seu illustre
Em
(2)
filho,
,
de Aragão.
(S.)
Filippa de Lencastre
morreo a
nossos antigos Escriptores, assim
lhanos da
mesma
1
de Julho de 1414, anno
8
idade
vezes temos notado
,
em
erão
como em
mui frequentes
Dom
EIRei
Duarte;
os Dal ianos, Francezes e Caste-
as figuras
umas
de Grammatica, como já por
vezes juntavão syllabas no começo
das dicções, e fazião prolheses (Vej. a nota de pag. 18 e G8)
npliereses
Este uso,
;
e d'este
numero
ou abuso, não
depois ainda estava
em
foi
é maginaçào e maginar,ai
só
vigor,
do tempo d'ElRei
como
se vê
com
;
que
Dom
outras tiravão-nas e faziâo
falta a
primeira syllaba
Duarte, pois quasi
Dom Diogo
:
«
O que posso maginar
"
lio fantesia
»
De
»
Ho maginaçam causada
»
He de lai costellaçam
Que naiu se pode alcançar.
»
Por candays
»
A
>•
perfevçam
Cone. Ger.,
foi.
um
i.
século
frequência no Cancioneiro de Resende.
Citaremos dous exemplos tirados das Trovas de
tara alia
em que
autor d'esta obra, completou 24 annos da idade. (S.)
pos
86 v°. (B.)
quem
perdida
tara
vos
derramada
nam daa
vida:
—
me dava
em meu coraçom por
tanta pena
meus pecados,
sofrer aquella
fallicymentos
e
com
—
121
fazer
emmenda
mvm
que mylhor pêra
,
de
era
paciência e virtuosa maneira, ca recebella
na outra vvda, ou naquesta per deshonra, alevjamento, ou
taaes perdas que bem cmruendar nunca se podem, e perdas
que
daquel mal
nom me
com
como
ficaria.
fosse saão, per
mercee do Senhor Deos, cousa
Eaqueste pensamento
me
deu esforço
a pelle-
como faria contra qualquer cousa contrairá,
ou tentaçom que me vehesse. E desto filhey grande esforço com
jar
tal
cuidado,
paciência e boa sperança, que
som
três cousas pêra tal caso
muvto necessárias.
Porem depois aturei com a dieta doença acerca de três annos
nom tam atiçado, mas cadavez melhorando, nunca porem sentindo huu soo plazer chegar ao coraçom livremente como ante
E
acabado o dicto tempo, per special mercee de Nosso
Senhor Deos eu ouve acertamento destar por spaço de doos
fazia.
,
(1)
mezes fora daficamentos
com boas
dos
sem
folganças,
físicos
nem
(2), e
filhar cada
(1)
Doos ou dos,
homem
em
e
pareciame que daquella guisa per
perde o dereito gosto das viandas,
lugar de dous ou dois, é
por isso o nosso Príncipe por menos portuguez
bastantes serviços fez á língua materna,
Egloga VIII
,
estancia 77, diz elle
•
Com
»
Do
um
:
hespanholismo
bem
mas não
;
afflicção,
,
de-
mas não tenhamos
portuguez era Sá de Miranda, e
isento d'igual
foi
defeito.
Na
dos peixinhos passaras
rio,
nam
dalmocreves.
,
»
foi. iOi v»,
ediç. de 1614.
(R\
Substantivo verbal de aficar, que significa opprimir, apertar, etc.
aqui no sentido translaticio
e
:
Obras de Sd de Mir.
(2)
de saúde, e
huu daquelles conselhos
outras meezynhas; subytamente senty chegar
ao coraçom como devya,
que cada huu
em boa desposiçom
significando
,
como antigamente em
É empregado
castelhano, angustia
dor do animo ou do corpo, angor, arrumna. (R.)
16
—
—
122
pois cobra, que assy perdera e recobrara o dicto sentydo das
folganças e prazer.
saão,
como
E
se de tal
dally avante eu fuy assy perfeitamente
sentimento nunca fora tocado; e ao pre-
me tenho em
sente, graças a Deos, eu
geeral por mais ledo
nom
era ante que da dieta infirmydade fosse sentido. Esto por
filhar aquel prazer assy ryjo
de nova hydade, ca
filha,
em
alguas cousas,
bem penso que desque
mes por grande custume
raçom
como fazem
os
nom
se
passa
as cousas contrarias,
me davam gram torvaçom
vezes
com seguro
,
e
que
tal
que muytas
repousado co-
as passo.
E assy consiirando o bem davantagem que synto desta temperança e fortalleza me tenho na conta suso scripta, o que vos
screvo por acrecentar aos da tristeza geeral tentados boa spe-
rança que muyto lhes
e saúde.
E
fallece, a
qual he fundamento da sua cura
per esta guisa muvtos adoecem de tristeza
sempre reina em seus coraçoões,
e
desperarem de saúde
nunca parecem
gonça
(1)
;
se
matom
huíis por perdas
por o
e
,
ou
se
nom poderem
vaão
a
,
que
sofrer
perder onde
que ouverom cousas de ver,
que lhes aconteceo, nojo, ou medo que sobejo
e
con-
tinuadamente sentem. Porende eu entendo que muytos no que
sobresto tenho scripto, e adiante screvo, ainda que por funda-
mentos desvayrados syntom
a tristeza,
devem com
a graça de
Deos aver esforço, conselho, e avisamento com grande parte de
boa sperança.
(1)
Esta voz, somente
com
a
mudança do
ç
em
z, era
commum
ao antigo dialecto
castelhano; nós de vergonça fizemos vergonha, e os Castelhanos fizerão de tergonza
vergiienza. Vej. Vocabulário de Sanchez. (R.)
,
,
123
—
CAPITOLLO XX.
Dos aazos per que se acrecenta o sentido do humor menencorico
e dos
remédios contra
-^4)S principaacs aazos da
elles.
minha saúde foy traba
'lharme de sentir per quantas partes
me
viinha e
acrecentava o dicto sentimento, e achei que prin-
cipalmente das duas que íbrom o começo,
em
estar
lugar de pestellençaou acerca, e
sobejamente aos atiçados
e
scilicet,
me
dar
grandes cuidados per tempo perlon-
gado; de todo outro nojo, desprazer e sanha, de que ouvesse
ryjo sentido,
me
tornava aquella lembrança da morte com seu
receo, tristeza e tiramento de toda folgança. Doutra qualquer
doença, destemperamento da compreissam, mingua de dormir,
sobejos trabalhos do corpo, e de jejuuns, specialmente de
e
augua, de
fruita
ou semelhantes;
e esso
medes de
pam
reteer as
obras da necessidade per qualquer guisa, dos tempos bruscos e
contrairos ao que desejava, sentia empeecimento de
soo por estar pensando achava
muy
me
apartar
contrairo, posto que a
me demandava. Das
meu
costume, fuy assy regido que nunca delias achei grande mudamente; e por vezes comya daquellas que os físicos chamam
manencoricas, e nom me faziam força, porem muyto nom as
voontade per vezes
husava.
E
viandas, ou per
o bever dagua senti que faz pêra
tal
door empeeci-
mento mas o vynho bem auguado entendo que he melhor que
,
—
o
sem augua, posto que os
conhecendo que per
el
embargar o entender
—
124
físicos sobresto
nunca vyram
faz
o coraçom
cuydado que o mais atormenta,
a perfeita cura,
nom
ledice se
caães, porque acidentalmente recebera
mento
(1)
tal
tornam bugios ou
myngua
de
elle
tal
fazendas;
porem de
quem tem
fazer tal cousa
bem
desejo de
huua das cousas principaaes,
e
porem
tal
daquel
guisa, que
cuydam curar duma infirmidade, caem na servidoom
se
a
ou abeta-
prazer
da bevedice, porque se perdem muytos das almas,
,
mas por
dos sentydos pêra nora padecer tanta tristeza, como
vinho, que como constrangidos tornam a
sora
,
que
seja
vyver,
corpos, e
e
digna de reprehen-
nom menos que
segundo meu juvzo, de toda cousa mal
ou doutra pessoa,
se vezar a
nem
feita
que ouve
se
maao custume, por pensar que pêra
recebem grandes dous beês
Senhor aos semelhantes
que sempre vivem
tristeza e nojos
(2)
:
esto lhe será
em
geeral boa
primeiro, que Nosso
sperança, que pêra todos casos de
presta.
Ahetamento era o substantivo verbal do antigo verbo abetar ou abeter, verbo
commum
romana
,
ao dialecto castelhano, e que vinha A\ibestir, abester ou abeter da lingua
d'onde o antigo francez abétir, e que significava embrutecer, fazer estúpido,
tonto, he bei em reádere. Os Francezes
fizerão
modernos, aproximando-se da etymologia
o verbo hébèter, do latino hebeío
,
e nós
,
art. Abestir, e
bulário de Sanchez, art. Abeter. (R.)
Aos que obrão de similhante
modo
,
latina,
por analogia fizemos embolar, cujo
substantivo verbal é embotamento. Vej. Glossaire de Roquefort
(2)
nem
provee mais de sua graça; segundo,
em melhor
muyto
físicos
desejo que aja, queyra fazer pecado,
remédio, porque do vyver bera e virtuosamente
maneira
cada
era este caso traz empeeciraento;
sentimento se deve guardar, e nunca per conselho de
(1)
nom
que com a bevedice
pêra pequeno spaco logo tornam a sentir tanta
onde
,
tam ryjo aquel
sentir
e a outros
som do conto daquelles que per
mais louvem
Similiter agentibus. (R.)
o Voca-
—
Eo
dicto Rey,
—
125
meu Senhor
e Padre, cuja
alma Deos haja, per
cinquo annos desto foy muyto sentido, avendo principal fun-
damento por hua
cadella danada que o mordeo. E tal pena
sentiaem desembargar, que huú dia recebendo hua informaçom,
nom sabendo
sobre que era
que na maão
sentir
suores lhe veo
e
como
como
a tevesse; e
por
el
nom
lhe queria con-
o querer forçar,
com
fez leixar;
hua cama, ficou por entom fora de
se cousa dello
destabre per semelhante
jamente
o coraçom
afrontamento que per força lha
tal
a lançou sobre
sentido,
,
nom
sentisse.
tal
Eaquel Santo Con-
ouve aqueste sentimento, por sobe-
(1)
se dar aos ciíydados e
desembargos, em tanto que por
semelhante se querer forçar pêra ouvir alguma pessoa destado,
lhe viinha tal agastamento
stevera
em ponto
que
em
de cayr
el
confessou que ja por ello
terra; e
huum
outro
e
nom
se
partindo de sua maneyra virtuosa de vyver receberom boa
saúde.
Contra todos estes acontecymentos eu
seus contrairás e remédios
,
com
me
trabalhava de saber
os quaaes per graça de Nosso
me ajudava o melhor que podia, desta guisa. Dapestelme afastava, e aprendi remédios pêra a curar, e perser-
Senhor
lença
vativos os mylhores que
sentia
que
pude
saber.
Quando dos cuydados
me tornava, como bem podia, por filhar boas folganças
o remediava
;
e se era
de muytos aficamentos de desembargos,
per monte e caça, que fora per dias andasse onde
queressem,
meezinha
(1)
achava
muy
Locução adverbial antiquada,
Esta palavra,
Pêra
os
re-
nojos
proveitoza sentia falia de boos, esages(2)amygos,
que semelhantemente
(2)
grande melhoramento.
me nom
,
eommum á
lingua castelhana
,
e
que vale o mesmo
igualmente. (R.)
mui
familiar aos nossos antigos Escriptores, era da lingua romana,
d'onde veio o sage francez
,
e significava experimentado prudente , sensato, sábio, etc.
,
»
—
126
—
per boos livros de virtuosas ensvnanças que fallera a pro-
leer
pósito do que
bem
pouco tempo per
me
fosse tocado. Desta soo
necessydade
algíía
E
(1).
guardava, salvo
muy
sempre achei
proveitosa boa ocupaçom de honestos e razoados trabalhos do
corpo
e
do entender pêra taaes sentidos,
e a
ociosidade
muyto
contrairá. Se o corpo sentia destemperado, trabalhava por
E
reduzir a boa temperança.
sobre todas estas cousas avya esta
muy
que quando tornava a aquella
pratica,
me
malleciosa renem-
brança com gastamento decoracom, logo lhe consiirava o fun-
damento;
donde
e se podia sentir
Iheproviia; e se o
nom
com remédios
era,
contrairos
entendia, pensava que era destempe-
rança natural do corpo, a qual emmendada, aquel pensamento
me
e tristeza
leixaria
e filhava
;
por
em
ello
mym
spaco
com
menos afrontamento. A myngua do dormyr curava per sono
razoado que depois filhava. No bever pus regra geeral de grande
temperança
com
em
quantidade e
folgança razoada
bem auguado.
emmendava. E
trabalho sobejo
a temperança dos traba-
lhos e do entender, vontade, e do corpo, pêra
do prazer
boa desposiçom
e
toda governança sem esto
dam grande avantagem, porque
nom muyto
guardandosse da fraqueza,
boo regimento
Porem cada huu
preguiça, seguy mento de voontade,
presta.
ou vaã gloria, que som fundamentos de fallecerem
(Vej. Glossário de Roquefort)
Gil
Vicente
,
como
se
Joham Mourato meu Senhor
»
Sages
1
ainda se encontra no Cancioneiro de Resende e
"
Doura bem merecedor
»
Mays
•
Do que posso
)
Não era só a
«
lodo traular
»>
»
inteiro trovador
declarar. »
Canc. Ger.
(
amballas
em
pôde ver nas seguintes citações:
o
em
;
em
,
lição dos
foi.
69 v°
Que o
Ha de
sages mercador
levar ao
mercado
que lhe comprão melhor;
ruim comprador
»
Porque
»
Levar-lhe ruim borcado.
a
Gil Vic,
Tomo
I, pag. 159. (R.)
bons livros que deleitava o Illustre Autor, mas também o
preservativo que buscava contra os nojos era o da boa conversação dos bons
amigos i Expressões admiráveis ditas por
um Príncipe moco,
e herdeiro
e sábios
do throno
!
(S.)
,
—
partes,
em
—
127
todallas cousas a seu
poder com a graça do Senhor
guarde dos erros per sobejo ou fallecimento; ca posto que
se
nom
delles algua cousa senty,
perigosos
;
porem em
quem bem
sev quaaes som peores
muy
esto
nem mais
specialmente deve reguardar
regido, saão, e ledo, per mercee do Senhor, deseja
vyver.
E jejuar nunca
leixei,
segundo meu custume, porque o pade-
cimento de huu dia per outros recebia corregymento.
sança das pirollas
A
hu-
commuus pêra esto achey muyto proveitosa
me a tristeza recrecia, a ellas me tornava,
;
em
e
todo caso que
tomandoas em razoada maneira, segundo eu sentia que conviinha aa desposicom em que eu estava, e sempre delia me achey
pêra esto de grande vantagem
saúde purgar, sangrias,
bem pode
se
e
porem o que bem estever de
vomytos deve muy te scusar, quando
;
fazer.
Contra o tempo contrairo, pensava que viinha per ordenança
de Deos, e que
porem com
paciência o devia sofrer, atendendo
por seu corregimento, consiirando a maneira suso scripta no
pecado da yra sobre a mudança dos tempos, e pareceorae muyto
grande remédio
,
tanto que hua vez
por saão; e posto que
me
governey de
tal
Deos, e de sua
dicto he,
em
(1) Soo, sòo
tigos
,
a qual
em que
,
e
ficava, a qual
tornasse
sempre
por taaes avysamentos eu
me
me
guysa que, per mysericordia de Nosso Senhor
muy
Santa Madre, eu fuy e soo
(1) dello
como
,
toda boa saúde.
ou som era
era
a voz
commum
em am
da primeira pessoa do verbo ser entre os nossos an-
ao dialecto galliziano
as desinências gallegas
substituídas pelas
;
averme
senty, e
despois aquel cuydado
avyao por acidente que da doença
trabalhey por a desprezar
bem me
ou ão
,
em
;
no tempo d'ElRei
Dom
Manoel
on começarão a desapparecer da lingua
dizia-se
sam geralmente, e
já
alguma vez
,
sendo
se encontra
»
,
—
Eaquella
aver sobre
soas, de
ella
—
que vem de muytas partes juntamente, ou
tristeza
per alguu tempo continuado,
c
128
me
parece
boo remédio; ca
se
muyto
forte de soportar
veher morte de taaes pes-
que ajamos ryjo sentydo, per que convém trazer doo,
e leixar festas, tanger, e vestir boas
roupas, de que
se recebe
vem nossa doença, e doutras pessoas chedespezas, a que bem proveer se nom possa,
parte de folgança, e
gadas,
e se
com perdas,
fazem alguas taaes cousas que tocam na honra
todo juntamente ou acerca,
poucos se podem
meu juyzo,
fe,
em
tal
como
esto fere
em
e
boo stado
todas partes,
tempo bem governar. Porem segundo
,
este he seu principal
remédio, avermos firmeza de
pêra qual creamos que todo vem per ordenança de Nosso
Senhor, que he fonte de justiça,
porque devemos daver
em
elle
e
piedade, e myserieordia
boa sperança
,
que muyto
tira
todas tristezas, possuindo caridade, que por todallas cousas da
nom consentira receber tal tristeza que nos emnem grande torvaçom possam trazer. E quando
vida presente
peecimento
taaes se acontecerem,
mos que he
ou qualquer outra
pelleja contra
tristeza,
pensar deve-
que nos convém armar.
Primeiro, das três virtudes suso scriptas, encomendando
muy
specialmente a Nosso Senhor todos nossos feictos, dictos, e
pensamento per esmollas,
e
obras virtuosas, dando carrego a
outras boas pessoas que semelhante por nos o facom; ca esto
he certo que vai muyto
em
todos estes casos.
Segundo, husar das cardiaaes virtudes,
sou
,
como ao presente dizemos o que tudo
:
se
scilicet,
prudência,
mostra pelas seguintes citações dos dous
Cancioneiros:
<i
»
»
»
Senor
n
E por mesura e porque non a
En min senom morte cedo será.
E porque são uosso seruidor.
»
Seiior íremosa por nostro
Canc. de C. Sluarl,
foi. 93 v«.
»
d
Sou na dança muy ayroso
E bom musico também
E também mm gracioso
Mas he a custa dalguem. »
Trov. de Res. no Canc.,
foi. 227. (R.)
.
—
—
129
pêra nos guardar e proveor onde convém
;
justiça, per
que nono
façamos, digamos ou pensemos por cousa que nos venha contra
razom
e dereito
temperança, com que obremos todas cousas
;
tam temperadamente como se de
nom
fossemos
principalmente para soportar os
guerreados; fortelleza (1),
contrairos, e nos proveer
taaes contrairos
em
todo
com
a graça de Nosso Senhor
dos mais proveitosos remédios.
Terceiro, compre proveer a saúde do corpo, porque eu tenho
bem sejom
sentido que ainda que taaes feitos per mostrança
soportados, a compreiçom
porque
gasta e desconcerta,
se
convém de o remediar, assy que com
a mercee de Deos seja
sempre em boo
e fortelleza
stado,
porque a saúde
do corpo da
geeralmente grande ajuda para o esforço do coraçom
acompanhado de
passamos,
cadahuu dia soportam,
e outros
E
fará, se
(1)
bem
e
tal
e tristezas
e todo
devemos sperar que
em
que
se correge (2) pêra os
fym por mercee do Senhor Deos
virtuosamente se governam.
seendo
E devemos
todallas virtudes suso scriptas.
sempre lembrar quantos semelhantes sentvmentos
ja nos
,
a nos se
vallentemente pellejarmos contra este mallecioso
Se o Leal Conselheiro estivesse impresso quando Francisco Dias compoz a sua
analyse sobre os principaes poetas portuguezes, não teria elle incluído no seu escólio
dos substantivos ignorados até ao tempo d'ElRei
com uma pequena alteração d'orthographia,
podia deixar de ser conhecido o
O mesmo dizemos do
foi
mui usada entre nossos
virtude
em que
substantivo defensor, que não só existia
o Mestre d'Aviz defensor do Reino?
Estado,
era
nome d'uma
!
)
,
mas
indicava
como EIRei Dom Duarte no-lo explicou em o
outros se podião ainda apontar,
philologo, senão
mas
para dizer que a lingua portugueza
em
,
antigos;
nem
elles tanto brilharão
e era
muito usado (não
uma ordem ou
cathegona no
capitulo IV, pag. 30. Alguns
só citamos estes, não para criticar aquelle hábil
era mais rica do que se suppõe, o que
(2) Correger,
palavra fortaleza, a qual
Dom Manoel a
bem
em tempo
do nosso Príncipe
se manifesta pelo Leal Conselheiro. (R.)
lugar de corregir ou corrigir, do latim corrigere,
neutra ou reciproca, era do antigo dialecto portuguez-galliziano
,
com
significação
e ainda era
17
usado
»
:
—
nom
coraçom
,
—
em Nosso Senhor Deos
pecado, avendo speraoça
naçom da razom
130
posto que a fraqueza e o derribamento do
nem creamos que sempre
o queira consentvr,
em quanto durar
per determy-
a
lembrança durara o sentydo por
delia
nacer, ca
nom lie assy, porque,
som
lembranças, hua do coraçom, e outra da cabeça; e
as
segundo no começo he
dicto,
duas
porque daquella que do coraçom procede vem gram parte de
taaes sentidos, a qual
nom
muy
ligeiramente as mais das vezes passa,
he para creer que assy dure, como a que da parte da ca-
beça principalmente sentymos.
brança principal daquel
ao coraçom
do Senhor,
a perfeito
cin
,
que he fundamento da
feito,
por
fique, o sentido passara,
E porem tenhamos que
tal
lembrança
nom
passar assy ryjo
;
boos avisamentos, todo
se
lem-
tristeza,
como per alguu tempo he sentyda mas per
e
a
a graça
deve screver que venha
curamento.
tempo (TElRei
Dom
Manoel
,
como
se
pode ver das seguintes passagens tiradas dos
dous Cancioneiros
»
»
>•
Mundo leemos lais e sen sabor
Mundo sem Deus e en que ben non
E mundo lai que non corregera
Ante o ueio sempre enpeorar.
Canc. de C.Stuart,
a
>»
foi. i07 v°.
«
Logo
»
Pois se
»
Ou morte
»
Por mais males
a crucifiquemos
nam quer
correger
cruel lhe
demos
nam
fazer.
Trov. de Diogo Fogaça,
foi. 61 v°. (R.)

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