Nascer Viver - Record Europa

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Nascer Viver - Record Europa
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PÚBLICO
mundo
Anomalia genética
Nascer Viver
menina rapaz
Guevedoces ou machihembras, assim
são chamadas, numa isolada vila da República
Dominicana, as meninas que se transformam em
rapazes na puberdade devido a uma rara doença.
texto Virginia Galván
S
ob todos os aspetos, física
e biologicamente, Johnny
é um homem. No entanto,
o pénis só lhe cresceu
no início da puberdade.
Apesar de parecer inédito,
os casos de meninas que se
transformam em rapazes as guevedoces - tornaram-se
tão comuns em Salinas que
já não são encarados como
algo de anormal.
Nesta isolada vila da
República Dominicana,
estima-se que uma em
cada cinquenta raparigas
venha a desenvolver genitais
masculinos na adolescência.
Johnny, atualmente com
24 anos, nasceu Felecita.
“Lembro-me que costumava
usar um vestido vermelho.
Nasci em casa em vez de ser
no hospital. Eles não sabiam
qual era o meu sexo. Fui para
a escola e usava saia, mas
nunca gostei de me vestir
como uma rapariga. Quando
me compravam brinquedos
de menina nunca brincava
com eles, mas quando via
um grupo de rapazes ia logo
jogar à bola”, contou à BBC.
24
{Pénis aos doze}
Uma anomalia genética
rara está na base desta
transformação, que surge
pela falta da enzima 5-alfa
redutase, que converte a
testosterona numa outra
hormona masculina, chamada
testosterona-dihydro. Por volta
das oito semanas de gestação,
todos os bebés que possuem
o cromossoma Y começam
a produzir esta hormona em
grandes quantidades, o que
leva à formação do órgão
sexual masculino. No caso
das guevedoces, esta enzima
não existe e, como tal, nascem
raparigas com o que parece
ser o órgão sexual feminino.
Assim continuam até à
puberdade, altura em que
é novamente produzida
uma enorme quantidade de
testosterona, provocando
o nascimento do pénis e
testículos e tornando-lhes
a voz mais grossa. Ou seja,
o que deveria acontecer
no útero ocorre apenas 12
anos depois, dando origem
ao nome guevedoces,
vulgarmente traduzido
por 'pénis aos doze'. No
caso de Johnny, aconteceu
aos sete. Foi por diversas
vezes provocado na escola
e chegou a envolver-se em
brigas com os colegas, mas
garante que, quando mudou
de género, ficou “feliz com
a vida”.
{Fármaco para homens}
Esta anomalia começou a
ser estudada na década de
1970, pela norte-americana
Julianne Imperato-McGinley.
A endocrinologista
comprovou que os órgãos
sexuais masculinos das
guevedoces funcionavam
normalmente e que, mesmo
tendo iniciado a vida como
raparigas, sentem-se atraídos
por raparigas, concluindo
que as hormonas do
útero assumem um papel
determinante no que se
refere à orientação sexual.
Imperato-McGinley concluiu
também que as guevedoce
apresentam uma próstata
mais pequena do que a maior
parte dos indivíduos do sexo
masculino. Esta descoberta
levou a diversas pesquisas
na indústria farmacêutica,
culminando com a criação
de um medicamento que
veio ajudar milhões de
homens, o finasteride. O
fármaco bloqueia a ação da
enzima 5-alfa redutase, sendo
usado para tratar a calvície
e o crescimento benigno da
próstata, que pode ocorrer
em idades mais avançadas.
Casos semelhantes aos
das guevedoces foram
reportados nas tribos
Sambia, na Papua Nova
Guiné, onde estas crianças
são apelidadas de turnims
(em tradução livre: 'espera-se
que se tornem homens').
Estas são, com frequência,
rejeitadas e humilhadas pela
sociedade, contrariamente
ao que acontece na República
Dominicana, onde se aceita e
celebra a transição de género.
Em Salinas, acredita-se
que esta transformação
tem persistido ao longo
de várias gerações devido
ao isolamento da vila, cujos
habitantes defendem a
existência de três géneros:
masculino, feminino e
pseudo-hermafrodita.