Raid El Mrabitine

Transcrição

Raid El Mrabitine
Raid El Mrabitine
Nota prévia
Primeiro, as primeiras coisas. Por isso mesmo é essencial uma nota especial e esclarecedora, relativa a esta e
a futuras declarações, que lhe indicará a si que está a ler esta introdução, e é certamente uma pessoa
equilibrada, com responsabilidades e não tem tempo a perder com divagações fora do contexto do real.
Escusa de perder mais tempo e não precisa de passar deste primeiro parágrafo. É que, sempre e quando
escrevo no plural, estou a referir-me a mim, como é óbvio, e à “Orange Machine”, isto é o Defender. Não fui
eu que o batizei, por isso, não só tenho direito a algum desconto, como tem maior valor esse desconto.
Carrapateira
Em 2006, depois do Encontro Ibérico em Góis, fizemos a nossa primeira viagem a Marrocos com a Impala
Adventures do meu amigo Neil Hopkinson. Entre o grupo pouco homogéneo, destacaram-se pelo seu sentido
de humor dois irmãos. Richard, o mais “enthusiastic “da Land Rover é o principal responsável pelo batismo,
nascendo assim, mais uma alma da marca oval.
Hoje de forma carinhosa utilizo Laranjinha ou simplesmente Orange. Ela sem mim não vai a lado nenhum, e
eu sem ela tenho de andar a pé ou de táxi! Portanto, completamo-nos e não seria justo escrever no singular,
que vou daqui para ali, quando no fundo somos uma equipa indissociável.
Raid El Mrabitine
Introdução
O Atlas, o deserto, a pista, a aventura, a paixão e era uma vez “Uma história mal contada”. Não acredito em
finais tristes, nem posso. Basta pensar na minha vida… Assim, à laia de “unfinished business”, o regresso já
estava encomendado, idêntico ao fenómeno da pescada… Antes de o ser, já o era.
Se são estas as razões, as emoções
que motivaram uma nova viagem,
precisavam de novos desafios. O rigor
do Inverno foi a solução. A neve não é
apenas um catalisador da dificuldade,
o encanto da floresta e a beleza da
montanha são multiplicados por um
número do tamanho da dívida!
Aliva-Picos da Europa
Para os mais atentos ao terreno é de
salientar o cuidado que tive em
manter certos pontos, que conjugam
a beleza com a dificuldade, bem como
procurar pistas pouco utilizadas,
pequenas “variantes”, que podem
trazer mais piripiri ao trajeto.
A viagem apesar de ter uma agenda muito revista e um percurso estudado até à exaustão é forçosamente
muito flexível, e como é habitual poderemos ter de improvisar, alterando o caminho ou o local de dormida,
porque não há bela sem senão, e muito provavelmente, sem estar a exagerar, vamos encontrar pistas
cortadas pela neve, especialmente no Médio-Atlas ao longo da floresta dos cedros e nas passagens acima
dos
2000Mts,
onde
todo
o
cuidado
e
previsão
meteorológica
são
poucos.
Ait Khouya
Em contrapartida as passagens pelo Jbel Siroua e pelo Jbel Sahro e principalmente os dois vales do Jbel
Mgoun, onde se encontram Amerzi e El Mrabitine vão dar direito, no mínimo, a muitos UAUS!
Apesar de não ser uma viagem para principiantes há lugar para pelo menos um ou uma, no lugar do
pendura, depois de escrutinado/a pelo Departamento de Recursos Humanos.
Por fim, deixo aqui o convite aos mais audazes e que tenham a possibilidade de dar uma folga à crise, para
se juntarem em mais uma aventura em Marrocos.
Raid El Mrabitine
Etapas
1º Dia: Domingo, 3 Fevereiro
Silves – Tarifa
A saída está prevista da Fissul, após o
almoço de confraternização no Domingo,
por ocasião do Land Algarve, organizado
pelos amigos da Xelb Land.
Optámos por descansar junto à praia de
Tarifa para evitar a travessia noturna do
estreito e habituar o corpo e a mente à
tenda logo na primeira noite!
Silves
2º Dia: 2ª feira, 4 Fevereiro
Tarifa – Barrage Idriss 1er
A travessia do estreito só é encarada como uma rotina por aqueles que a fazem diariamente. Há sempre
pormenores que me captam a atenção, um golfinho que se junta aos amigos que vão a acompanhar a proa,
ou no salão, uma marroquina que contesta o marido. É o primeiro contato com outra cultura, mesmo não
percebendo uma palavra, percebesse o tom igual ao de tantos outros locais.
Após as formalidades da fronteira seguimos ao longo da costa do mediterrâneo, e sem demoras um pouco
antes do Oued Laou, entramos em pista, para que nos lembremos porque estamos aqui!
Talassentane
Daqui até à Barragem de Idriss 1er é um saltinho…
Por isso mesmo não
viramos no alcatrão para
Chefchaouen, mas sim
para a pista de Talembote
a Bab Taza, onde
provavelmente vamos ser
confrontados com a neve
há medida que a altitude
aumentar.
Mesmo que a pista esteja
cortada, e tenhamos de
voltar para trás, não será
impedimento para uma
outra ligação que há já
algum tempo desejamos
concretizar, ao longo da
Barragem de Al-Wahda.
Raid El Mrabitine
3º Dia: 3ª feira, 5 Fevereiro
Barrage Idriss 1er – Senoual
Continuando
em
terreno
acidentado, a transposição para
o Médio-Atlas é feita de uma
forma natural na zona de Sefrou.
A partir deste ponto seguimos “a
rota dos lagos”, e muito em
breve saberemos se teremos
autorização, ou não, da “dona
branca de neve” para percorrer
algumas pistas aqui na floresta
dos cedros.
Azrou
4º Dia: 4ª feira, 6 Fevereiro
Senoual – Assif Melloul
O Médio-Atlas em todo o seu
esplendor! Grandes montanhas
cobertas de diversas espécies de
arvoredo salpicadas de branco.
Hoje é também o dia onde
passaremos pelos celeiros de
Agoudal, esculpidos nas paredes
da falésia, antes de descermos em
direção a Anergui, deixando no
entanto a visita à associação para
o dia seguinte.
Regressamos ao Assif Melloul para
agradecer ao Sr. Ben Ahmou, e
entregar a tão necessitada
motobomba. Apesar da sua
hospitalidade, vamos optar por
um banho quente no acolhedor
Gite de lá Chatedral.
Ait Daoud Ou Moussa
Raid El Mrabitine
5º Dia: 5ª feira, 7 Fevereiro
Assif Melloul – Imilchil
Como é do conhecimento dos menos distraídos e teimosos a pista continua cortada, por isso, temos de
voltar por onde viemos, uma vez que o objetivo é Anergui. Depois das parcas ofertas na associação,
atendendo às necessidades, seguimos em direção a Imilchil, e quando lá chegarmos, não só entramos no
Alto Atlas, como ficaremos de vez convencidos, que tal como nós, o tempo quando aqui chegou, parou.
Anergui
6º Dia: 6ª feira, 8 Fevereiro
Imilchil - Tinerhir
O projeto ideal para o dia de hoje está certamente condenado ao fracasso, e só assim não será se tivermos
muita sorte.
Dois desafios:
O Tizi-n-Ouano a 2995Mts seguido
Arhbalou Bou Ijasis
pela pista de Msemrir para
Tamtattouchte. Se não pudermos
passar no primeiro voltamos para
Agoudal, e descemos pelas
Gargantas do Todra, no entanto, e
apesar de termos alcatrão,
teremos sempre de passar o TiziTirherhouzine a 2700Mts com
neve.
Se não podermos passar no
segundo, descemos até Boumalde
Dades e “voltamos para trás”.
Objetivo residencial Saleh!
Raid El Mrabitine
7º Dia: Sábado, 9 Fevereiro
Tinerhir – El Mrabitine
Será possível atravessar?
Gérard e outros já passaram
o Tizi El Fougani no Inverno e
não tiveram problemas com
a neve, nem com o caudal de
água nas gargantas do Assif
Ameskar, mas em 20 de
Janeiro de 2008, a trágica
história de Mohamed Ait
Khouya preso na tempestade
durante 24 horas para ir
buscar alimentos para a sua
família, tendo acabado por
ficar com as mãos e os pés
congelados e posteriormente
amputados, enquanto o seu
primo Youssef ao seu lado
morre, tendo sido os
homens do alto vale que se
organizaram
para
o
socorrerem e recuperá-lo,
deixa qualquer um, muito
atento com o que temos
pela frente…
No entanto, este é o único
acesso
para
veículos
motorizados para o vale,
dando-nos
maiores
probabilidades de haver
algum
movimento
e
manutenção na pista.
Assif M’Goun
O que é claro, é que estamos a lidar com altitudes elevadas, e todo o cuidado é pouco.
O percurso de hoje é menor para permitir mais tempo para explorar as aldeias do profundo vale, que apesar
de estar a maior altitude do que a Serra da Estrela é ladeado por escarpas com mais de 1200Mts de altura!
O que será que esconde e como será a entrada para o desfiladeiro do Assif Mgoun?! De que forma
poderemos algum dia contribuir para menorizar as dificuldades deste povo, à semelhança do que tem sido
feito por pessoas como François Virot?
Raid El Mrabitine
8º Dia: Domingo,10 Fevereiro
El Mrabitine – Ifoulou
Saímos de um vale isolado ao encontro de outro e das crianças de Amerzi. Se concluirmos com sucesso estas
duas etapas, podemos dizer MISSÃO CUMPRIDA!
Antecipo alguma ansiedade em regressar ao vale rosa e às montanhas negras que o rodeiam, desta vez
pintadas de branco. Pretendemos fazer cerca de 30kms da garganta do Oued Tessaout e descansar em
Ifoulou.
Tagzirt
9º Dia: 2ª feira, 11 Fevereiro
Ifoulou – Amsouzart
Não é fácil encontrar realce depois de
sairmos do Maciço do Mgoun via Oued
Tessaout, no entanto Marrocos é mesmo
assim, quando esperamos que já não há
nada para nos impressionar eis que surge
outra maravilha natural para nos
enfeitiçar, e hoje não será diferente, com a
aproximação ao segundo ponto mais alto
de África.
Passamos “ao largo” de Ouarzazate e bem
pelo meio dos estúdios de cinema. Hoje
fazemos uma sandes mista de alcatrão e
pista, na aproximação ao Maciço do Jbel
Toubkal com os seus 4167Mts de altitude.
Pretendemos ficar no Gite de Amsouzart a
apenas 9km do cume.
Lago d’Ifni
Raid El Mrabitine
10º e 11º Dias: 3ª feira + 4ª feira, 12 e 13 Fevereiro
Amsouzart – Zagora
Ir a Roma e não ver o Papa é pecado. Vir a Amsouzart e não subir até ao Lago de Ifni é pecado capital!
De carro, mula ou a pé não podemos deixar fugir esta oportunidade. Seja hoje ou na véspera será a
meteorologia que o ditará. A 2295mts de altitude o lago encontra-se numa depressão rodeada por altas
montanhas e um trilho dá acesso ao cume via Tizi-n-Ouanoums.
Daqui veremos o Toubkal a apenas 4700mts de distância.
Jbel Siroua
Depois das grandes altitudes poderíamos atrever a imaginar longas planícies verdejantes, não aqui. A
aproximação ao topo do Anti Atlas no Jbel Siroua é feita ao longo dum extenso planalto árido com uma
altitude média de 2200mts. Mais à frente dois passos de montanha, o Tizi-n-Tieta e o Tizi-n-Melloul a
“apenas” 2500mts de altitude.
Antes de descermos em direção ao Oásis de Fint junto ao Assif n’Ait Douchchene (não é engano o duplo
chch) pretendemos seguir numa variante que nos despertou a curiosidade.
A partir das minas de níquel começa lentamente a “cheirar a deserto”, à medida que nos aproximamos ao
leito do Oued El Faija a norte do Jbel Bani, onde vamos certamente entroncar com uma das pistas que
seguem para Zagora.
11º e 12º Dias: 5ª feira + 6ªfeira, 14 e 15 Fevereiro
Zagora – El Mahrech
O porto seguro, os amigos, as compras, os mimos à
Orange e as espetadas de borrego para mim!
É ótimo chegar aqui e excelente partir daqui
retemperados, mas é impossível não sentir alguma
ansiedade com a aproximação ao Jbel Sahro.
Procurei uma entrada “diferente” evitando Nekob, mas
sem evitar o Tizi n’Tazazert. É o regresso a esta pista,
depois de seis anos a explorar outros caminhos desta
fantástica montanha. Mais à frente voltamos ao último
reduto dos Ait Atta em 1933 contra os franceses, para
sermos engolidos pela montanha Bou Gafer no meio de
um cenário dantesco de pedra e rocha.
Uma vez que entremos no vale as maiores dificuldades
ficaram para trás, e será com algum alívio que
reabasteceremos em Alnif. Pela frente e durante os
próximos quatro dias teremos o deserto.
Foi em 2007 a quando do Dakar que não foi rally, que
estivemos no oásis a primeira vez. É sempre com
satisfação que procuramos este refúgio acolhedor.
Bou Gafer
Raid El Mrabitine
13º Dia: Sábado, 16 Fevereiro
El Mahrech – Erg Chebbi
Ouzina
Encontrámos três razões para procurar uma variante ao trajeto “normal”. Primeiro a curiosidade e a vontade
de conhecer um novo caminho com paisagens e encontros diferentes da pista principal entre Taouz e
Zagora. Depois a saída para sul implica a travessia do Lago Maider e a passagem pela junção do Oued Rheris
com o Oued Ziz na zona de Er Remlia, o que nesta altura do ano e até finais de Abril/Maio é povoada por
zonas de areia húmida, quase movediça, o nosso pior pesadelo! Se atascarmos em pleno lago, mais vale
voltar para casa a pé e regressar no fim da Primavera… Por fim, a saída norte é curiosamente coincidente
com o que Pascal caracteriza como, “um dos trajetos de deserto mais bonitos que conheço”.
Ao fim da tarde com alguma sorte e muita cautela vamos procurar um recanto bem no meio das dunas
laranjas do Erg Chebbi e deixarmo-nos absorver pela magia do deserto.
14º Dia: Domingo,17 Fevereiro
Erg Chebbi - Figuig
Mais uma sandes mista nesta
etapa longa que acompanha a
fronteira com a Argélia até ao
antigo posto fronteiriço.
Figuig encontra-se rodeado
de palmeiras e já viu passar
centenas de caravanas de
camelos. Aqui, segundo os
amigos da Land Lousã, os
naturais são hospitaleiros e é
o local ideal para relaxar
depois de um dia longo no
deserto.
Erg Chebbi
Raid El Mrabitine
15º Dia: 2ª feira, 18 Fevereiro
Figuig - Fritissa
A ambição é certamente
uma das causas da desgraça
Chott Tigri
do
bicho
homem,
esperamos que não seja o
caso de hoje, até porque
não estamos condicionados
pelo tempo ao ponto de nos
termos
de
apressar.
Pretendemos
fazer
a
variante Ich e depois seguir
noroeste em direção ao
Chott Tigri, palco de
importantes batalhas.
Este enorme aquífero de
4400km2 abarca os dois
países e foi formado na época do Cretáceo.
Desejamos que a sua travessia nesta altura do ano não seja em nada semelhante ao Lago Iriki.
O final da etapa é feito na zona sul do Planalto de Rekkam rumo a Fritissa, para nos reabastecermos e
pernoitarmos o mais próximo possível do último importante desafio da viagem.
16º Dia: 3ª feira,19 Fevereiro
Fritissa – Jbel Tazzeka
Tamjilt
O
planalto
acaba
abruptamente nesta zona,
nos imponentes 3340mts
da Adrar Bou Nacer.
Não encontrei nenhum
relato
europeu
da
passagem para a vertente
sueste do Jbel Bou Iblane
via Tinesmet. Gandini terá
certamente algo num dos
seus tomos sobre esta
passagem, no entanto, ter
“a papinha toda feita” não
é o pretendido nesta
situação…
Tanto quanto sei, o mestre tem algumas indicações, mas um pouco a sul da zona de Tamjilt, onde nos dias
que correm já chegou o terrível alcatrão.
Por essa altura já iremos notar uma mudança radical na paisagem, devido ao aumento significativo da
pluviosidade, nesta zona mais oriental do Médio Atlas. A estrada leva-nos até à reserva do Jbel Tazzeka.
Raid El Mrabitine
17º Dia: 4ª feira, 20 Fevereiro
Jbel Tazzeka – Peñon de Velez de la Gomera
A Gruta do Friouato ou a
Cascatas de Ras el Oued são
Kaf El Ghar
algumas das atrações da
Reserva Natural do Jbel
Tazzeka.
Na transição para o Rif
Oriental
pretendemos
seguir pela pista até à Gruta
de Kaf El Ghar. Nesta zona
estaremos a explorar um
território mais conhecido
pelo seu cultivo, do que por
qualquer outra coisa.
18º Dia: 5ª feira, 21 Fevereiro
Peñon de Velez de la Gomera – Portimão
Peñon de Velez de la Gomera ou
Peñon de Alhucemas é uma
minúscula ilha ainda sobre
domínio espanhol, e está ligada
ao continente apenas por uma
estreita faixa de areia, o que na
realidade a transforma em
península, mas isso é o que
menos importa.
A última etapa segue ao longo
da costa mediterrânea, em
pleno Rif, onde fomos recebidos
no primeiro dia numa região de
montanhas baixas com colinas e
vales. As aldeias são rodeadas
por amendoeiras, figueiras,
loendros e não só…
A
estrada
persegue
os
contornos da costa, percorrendo
pequenas enseadas, praias de
areia dourada onde as altas
falésias são predominantes.
Depois da fronteira, vem a travessia e a vontade de regressar é imediata.
Insha'Allah que cheguemos aqui!
Peñon de Velez de la Gomera

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