comunidade chupanky e outra vs. la atlantis representantes das
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comunidade chupanky e outra vs. la atlantis representantes das
Equipe 123 COMUNIDADE CHUPANKY E OUTRA VS. LA ATLANTIS REPRESENTANTES DAS VITIMAS 1 Equipe 123 Conteúdo 1. Índice de Justificativas........................................................................................................ 2 1.1 Livros e Artigos ............................................................................................................ 3 1.2 Comissão Interamericana de Direitos Humanos ................................................................ 3 1.3 Corte Interamericana de Direitos Humanos...................................................................... 3 1.4 Corte Européia de Direitos Humanos............................................................................... 5 1.5 Documentos Internacionais ........................................................................................... 5 1.6 Legislação Internacional ................................................................................................ 6 2 Declaração dos Fatos .......................................................................................................... 8 3 Análise Legal...................................................................................................................... 9 3.1 Da Admissibilidade ....................................................................................................... 9 3.2 Questões Introdutórias ................................................................................................10 3.3. O Estado de La Atlantis violou o direito à propriedade das comunidades La Loma e Chupanky. ......................................................................................................................................14 3.4 O Estado de La Atlantis violou o artigo 25 .......................................................................23 3.5 O Estado de La Atlantis violou o direito à vida..................................................................25 3.6 O Estado de La Atantes violou o direito à integridade pessoal ............................................29 3.7 O Estado de La Atlantis não proibiu o trabalho escravo e a servidão ...................................34 4. Dos Pedidos .................................................................................................................36 2 Equipe 123 1. Índice de Justificativas 1.1 Livros e Artigos QUIRONGA, Cecilia Medina. La Convención Americana: teoría y jurisprudencia.Vida, integridad personal, libertad personal, debido proceso y recurso judicial. University of Chile, Faculty of Law, 2003. Págs 28 e 31 1.2 Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH, Informe No. 75/02, Caso 11.140, Mary y Carrie Dann (Estados Unidos). 27 de dezembro de 2002. Págs 14,15, 16 e 19 CIDH, Informe No. 40/04, Caso 12.053, Comunidades Indígenas Mayas del Distrito de Toledo (Belice), 12 de outubro de 2004. Págs 13, 15 e19 CIDH. Informe sobre la Situación de los Derechos Humanos en Equador. Doc. OEA/Ser. L/ V/ II. 96, Doc. 10 , ver. 1, 24 de abril de 1997. Pág 27 CIDH, Democracia y Derechos Humanos en Venezuela. Doc. OEA/Ser.L/V/II, Doc. 54, 30 de dezembro de 2009. Pág 27 1.3 Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH. Caso Cinco Pensionistas Vs. Perú. Fundo, Reparação e Custas. Sentença de 28 de fevereiro de 2003. Págs 10, 23, 24, 32 3 Equipe 123 Corte IDH. Caso Perozo e Otros Vs Venezuela. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 28 de Janeiro de 2009. Pág 10 Corte IDH. Caso Kawas Fernandez Vs Honduras. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 3 de abril de 2009. Pág 10 Corte IDH. Caso Xákmok Kasek Vs Paraguay. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 24 de agosto de 2010. Pág 11, 29 Corte IDH. Caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Fundo, Reparações e Custos. Sentença de 31 de agosto de 2001. Pág 13, 15, 19, 22, 25 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 29 de março de 2006. Pág 14, 15, 22, 30 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 17 de junho de 2005. Pág 14 e 25 Corte IDH. Caso Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 28 de novembro de 2007. Pág 9, 14, 19 Corte IDH. Caso Aboetae Vs. Surinam. Reparações e Custas. Sentença de 10 de setembro de 1993. Pág 9 Corte IDH. Caso Massacre de Plan Sánchez Vs Guatemala. Reparações. Sentença de 19 de novembro de 2004. Pág 9, 12 Corte IDH. Caso Chaparro Álvarez y Lapo Íñiguez vs. Ecuador. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 27 de novembro de 2007. Pág 15 Corte IDH. Caso Fermín Ramírez Vs. Guatemala. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 20 de junho de 2005. Pág 22 4 Equipe 123 Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Reparações e Custas. Sentença de 6 de fevereiro de 2001. Pág 23 Corte IDH. Caso Comunidad Moiwana Vs. Suriname. Exceções Preliminares, Fundo e Reparações. Sentença de 15 de junho de 2005. Pág 10 Corte IDH. Caso de Los Hermanos Gómez Paquiyauri Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 8 de julho de 2004 Pág 25 Corte IDH. Caso Myrna Mack Chang Vs Guatemala. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 25 de novembro de 2003. Pág 25 Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Fondo. Sentença de 19 de novembro de 1999. Pág 25 Corte IDH. Caso Loayaza Tamayo vs Peru. Fondo. Sentença de 17 de setembro de 1997. Pág 31 Corte IDH. Opinião Consultiva 18/03. 17 de setembro de 2003, solicitada pelos Estados Unidos Mexicanos. Pág 32 1.4 Corte Européia de Direitos Humanos Cfr. Eur. Court. H. R, Campbell and Cosans judgment of 25 February 1982, Serie A, no. 48, p. 12, § 26. Pág 31 1.5 Documentos Internacionais 5 Equipe 123 Proposta de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 26 de fevereiro de 1997, em sua 133º sessão, 95º período ordinário de sessões, CP/doc.2878/97 corr. 1. Págs 10, 14 Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais em países independentes, adotado em 27 de junho de 1989 pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho em sua septuagésima sexta reunião, em vigor desde 5 de setembro de 1991, em conformidade com seu artigo 38. Pág 10, 11, 13, 19 Observação Geral Nº 23 (1994): Artigo 27 (direito das minorias), CCPR/C/21/rev.1/Add.5 (1994). Pág 17 Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial ‐ Recomendação geral Nº 23, relativa aos direitos dos povos indígenas, 51º período de sessões, U.N. Doc. HRI/GEN/1/Rev.7 at 248 (1997). Pág 17 Observação Geral Nº 14 (2000), O direito a desfrutar do mais alto nível de saúde. (artígo12), E/C.12/2000/4 Pág 17. Observação Geral Nº 15 (2002): O direito à água (artigos 11 e 12 do Pacto) E/C.12/2002/11. Pág 17 Observação Geral Nº 12 (1999): O direito a uma alimentação adequada (artigo 11), E/C.12/1999/5. Pág 18 1.6 Legislação Internacional 6 Equipe 123 Convenção Americana sobre Direitos Humanos. San José, Costa Rica, 22 de novembro de 1969. Pág 9, 12, 13, 16, 20, 22, 23, 24, 29 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), Adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Assembléia Geral na sua Resolução 2200ª (XXI) de 16 de Dezembro de 1966. Pág 17 Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), Adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2200A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 16 de Dezembro de 1966. Entrada em vigor na ordem internacional: 3 de Janeiro de 1976, em conformidade com o artigo 27.º.Pág 17, 18 7 Equipe 123 2 Declaração dos Fatos Nas ultimas décadas o Estado de La Atlantis se empenhou em uma política de assimilação, de forma a promover casamentos mestiços, criar conflitos e assim dividir e desestruturar as comunidades indígenas. Diante desta política, poucas comunidades indígenas restaram na atualidade.O estado adotou posteriormente, uma política de proteção das culturas existentes na ilha, reconhecendo diversos direitos, o que, no entanto não se demonstrou uma realidade, como os excelentíssimos membros desta Corte poderão notar adiante. O Estado irá iniciar a construção de usina Hidroelétrica, que no entanto ficará localizada em terras pertencentes a duas comunidades indígenas Chupanky e La Loma, que possuem estreita conexão com a terra e com rio Xuxani, que está localizado nessa região e o qual as comunidades se situam a margem. O processo de construção da usina possui 3 fases, a primeira que consiste em realizar acordos com os proprietários dos territórios afetados, a segunda que consiste na etapa de saneamento e construção das represas e a terceira que finalizaria o projeto com a realização da etapa de irrigação, dos testes e início da operação. O Estado concedeu a empresa Turbo Water a concessão para a construção da usina, e integralizou 40% do patrimônio da empresa. O Estado de La Atlantis iniciou o procedimento de negociação com apenas alguns membros da comunidade La Loma, e ofereceu terras alternativas para os membros da comunidade, e ao conseguir realizar acordos com apenas 25% dos membros da comunidade iniciou um processo de expropriação, que obteve como resultado a expulsão dos membros da comunidade de suas terras tradicionais. A comunidade ingressou na justiça contra a medida e obteve resultado contrário a sua demanda, recorrendo da decisão. Até o momento o processo encontra-se pendente. 8 Equipe 123 O Estado procedeu de forma distinta com a comunidade Chupanky, de forma a iniciar as obras apenas com o consentimento desta comunidade, consentimento este, no entanto, apenas para a fase 2. Durante as negociações foi estabelecido que os membros da comunidade poderiam trabalhar na construção da usina e ainda, que este trabalho não ocasionaria uma interferência na manutenção dos seus modos de vidas. Entretanto a jornada de trabalho se tornou progressivamente maior, o que impossibilitou que os trabalhadores mantivessem suas tradições, e ainda, as mulheres da comunidade foram designadas a tarefas em horários distintos a cada dia, fato que também comprometeu a manutenção de seu modo de vida tradicional. Ademais, as horas trabalhadas além do período de trabalho não foram remuneradas e diversos trabalhadores reclamam das condições de trabalho são inadequadas. Neste sentido, quatro mergulhadores sofreram danos físicos em virtude da sua atividade, uma vez que para que seja realizada a atividade de mergulho é necessária uma série de equipamentos de segurança, que não foram providenciados pela empresa que venceu a concessão. Diante dos fatos, a comunidade Chupanky se reuniu e decidiu vetar a continuação das obras, já que não havia autorizado a fase 3 e sem esta não seria possível concluir a construção da Usina. A empresa Turbo Water negou-se a paralisar as obras. A comunidade ingressou com um recurso administrativo, cuja decisão lhe foi desfavorável. Após este fato, ingressou no tribunal de justiça e também não obteve sucesso em sua demanda, fato que se repetiu ao ingressar com recurso no Supremo Tribunal de Justiça. 3 Análise Legal 3.1 Da Admissibilidade 9 Equipe 123 Os requisitos de admissibilidade, enumerados pelo artigo 46 da CADH foram totalmente preenchidos, visto que há o esgotamento dos recursos internos, uma vez que o caso já foi apresentado em ultima instância no Estado de La Atlantis e já teve decisão. Também não há litispendência internacional, uma vez que este caso não foi apresentado em outro organismo internacional, e o prazo máximo de seis meses, entre a decisão final em ultima instância interna e a apresentação do caso a CIDH foi cumprido, visto que a decisão final foi em 15 de dezembro do ano de 2009 e a apresentação do caso a CIDH foi em 26 de maio de 2010. Esta corte é competente para julgar o Estado de La Atlantis pois este ratificou a competência contenciosa da corte em 1995, e dessa forma é competente para julgar os fatos deste presente caso, pois estes ocorreram após o ano de 1955. Esta corte também é competente para julgar a matéria deste caso uma vez que os direitos pleiteados estão na CADH. Por fim o requisito da individualização das vítimas, presente no artigo 35.1 “e” do regulamento da Corte IDH, também foi cumprido, uma vez que de acordo com o artigo 3 da CADH, caso Saramaka vs Suriname 1, Massacre de Plan Sánchez vs Guatemala 2 e Aboetae vs Suriname 3, as comunidades indígenas possuem personalidade jurídica, assim são sujeitas de direito e podem configurar-se como vítimas perante esta Corte. 3.2 Questões Introdutórias Como representantes das vítimas, gostaríamos de alegar as violações aos artigos 21, 25, 4.1, 5.1 e 6.2 da CADH, todos em relação aos artigos 1.1 e 2 desta convenção. 1 Corte IDH. Caso Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 28 de novembro de 2007, par. 214. 2 Corte IDH. Caso Massacre de Plan Sánchez Vs Guatemala. Reparações. Sentença de 19 de novembro de 2004, par. 85. 3 Corte IDH. Caso Aboetae Vs. Surinam. Reparações e Custas. Sentença de 10 de setembro de 1993, par. 19. 10 Equipe 123 Diante do caso apresentado, faz-se necessário tratar de quatro questões preliminares, que serão utilizadas ao longo deste memorial. Primeiramente é importante tratar das diferenças entre as violações a direitos apresentadas pela Comissão e aquelas apresentadas pelos representantes das vitimas, uma vez serão apresentadas neste memorial, violações a artigos que não foram apresentados pela Comissão. De acordo com o caso Cinco Pensionistas vs Peru4, a Corte decidiu que, caso novos direitos sejam apresentados pelos representantes das vitimas, estes devem ser aceitos, a menos que se refiram a direitos que não sejam da Convenção Americana de Direitos Humanos. É preciso esclarecer também que, no caso Perozo e Outros vs Venezuela 5, a Corte manteve esta posição, além de afirmar que os fatos que baseiam as violações a outros direitos apresentados pelos representantes das vitimas não podem ser distintos dos apresentados pela Comissão. Mesmo sentido possuiu o caso Kawas Fernandez vs Honduras 6 também decidiu por sua possibilidade. Em segundo lugar, é preciso estabelecer que o regime jurídico aplicado a comunidade La Loma deve ser o regime jurídico característico de comunidades indígenas já que esta se constitui como uma comunidade indígena, uma vez que assim se autorreconhece. O Projeto da Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas 7 em seu artigo I.2 afirma que a autodeterminação deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os povos aos quais se aplicam a Convenção. Esta também é a disposição encontrada no artigo 2 4 Corte IDH. Caso Cinco Pensionistas Vs. Perú. Fundo, Reparação e Custas. Sentença de 28 de fevereiro de 2003, par. 155. 5 Corte IDH. Caso Perozo e Otros Vs Venezuela. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 28 de Janeiro de 2009, par. 32. 6 Corte IDH. Caso Kawas Fernandez Vs Honduras. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 3 de abril de 2009, par. 127. 7 Proposta de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 26 de fevereiro de 1997, em sua 133º sessão, 95º período ordinário de sessões, CP/doc.2878/97 corr. 1. 11 Equipe 123 do Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais 8. Neste sentido, a Corte determinou, no caso Xákmok Kasek vs Paraguai9 o critério para a determinação se uma comunidade é indígena deve ser a autodeterminação De acordo coma pergunta esclarecedora de número 2, para que uma comunidade seja considera camponesa é necessário que requisite esse status e que atenda aos requisitos do artigo 9 da constituição do Estado de La Atlantis: Serem descendentes dos povos que habitavam o território antes da colonização e conservarem, a maior parte de suas instituições econômicas, culturais e políticas. (i) Os povos indígenas são os que possuem uma vida social, econômica e cultural assentados em seu território ancestral e que reconhecem suas próprias autoridades segundo seus usos e costumes. Ainda, compartilham critérios étnico-linguísticos e de consciência de sua identidade indígena. (ii) Serem descendentes dos povos que habitavam o território antes da colonização e conservarem, a maior parte de suas instituições econômicas, culturais e políticas. Ao analisar o primeiro requisito pode-se perceber que para que este seja preenchido é preciso que a comunidade que o tenha requerido seja indígena, já que segundo o artigo 1 b do Convênio 196 da OIT povos indígenas são aqueles presentes no local antes da colonização e que mantenham suas tradições sociais, econômicas, culturais e políticas. Dessa forma, para alcançar o primeiro requisito para se constituir como comunidade camponesa é preciso que a comunidade possua a mesma configuração daquela tipicamente determinada como indígena. 8 Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais em países independentes, adotado em 27 de junho de 1989 pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho em sua septuagésima sexta reunião, em vigor desde 5 de setembro de 1991, em conformidade com seu artigo 38. 9 Corte IDH. Caso Xákmok Kasek Vs Paraguay. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 24 de agosto de 2010, par. 37. 12 Equipe 123 O segundo critério estabelece diversas características necessárias para a constituição da comunidade camponesa, que são notadamente características indígenas, como a conexão com a terra10, e menciona expressamente que estas devem ser povos indígenas. Dessa forma não restam dúvidas de que as comunidades camponesas, no ordenamento jurídico do Estado de La Atlantis, são comunidades indígenas. Em terceiro lugar é importante delinear que é possível, segundo o caso Massacre de Plan Sanchez vs Guatemala 11 e o artigo 46 da CADH, que seja apresentado a corte documentos de direito internacional como tratados, relatórios e casos de outros sistemas de proteção internacional dos direitos humanos, como forma de vértice interpretativo para o sistema interamericano de direitos humanos. Por fim, como representantes das vítimas reconhecemos o direito do Estado de La Atlantis ao desenvolvimento. A energia elétrica é uma necessidade que o Estado deve garantir para seus cidadãos e para que seu país possa se desenvolver, entretanto este desenvolvimento não pode estar dissociado das garantias mínimas aos direitos humanos. Não é possível que o Estado de La Atlantis sob a égide de desenvolvimento, continue com as graves violações aos direitos humanos que vem cometendo. É preciso que se diferencie desenvolvimento econômico e desenvolvimento humano, o primeiro visa apenas a acumulação de riquezas, a produção de bens, enquanto que o segundo é um processo não apenas de desenvolvimento econômico e tecnológico, mas também de desenvolvimento social e de melhoria na qualidade de vida e no bem estar da população. Dessa forma, o 10 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 17 de junho de 2005, par.63. 11 Corte IDH. Caso Massacre de Plan Sánchez Vs Guatemala. Reparações. Sentença de 19 de novembro de 2004, par. 28. 13 Equipe 123 desenvolvimento do Estado de La Atlantis deve estar em consonância com os direitos humanos. 3.3. O Estado de La Atlantis violou o direito à propriedade das comunidades La Loma e Chupanky. A propriedade das terras tradicionais indígenas é consagrada não apenas na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, como em diversos documentos de direito internacional. O artigo 21 da CADH12 determina o direito à propriedade de forma genérica ao afirmar que toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens. Entretanto, tratando-se de terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas, a proteção da propriedade determinada por este artigo adquire caráter específico, pois protege uma forma de propriedade particular. Segundo o caso Mayagna Awas Tingni vs Nicarágua 13, a proteção baseada na tradição histórica e na posse pelas comunidades indígenas cria um sistema consuetudinário de propriedade da terra, ou seja, um sistema de propriedade que se difere daquele tradicionalmente protegido. A propriedade de terras indígenas é assegurada também no artigo 14.1 do Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais 14, que determina o direito dos indígenas não apenas à terra, mas também à terra que tradicionalmente ocupam; vale dizer, o direito de propriedade não está ligada à posse de uma terra em abstrato, mas sim à terra específica que a comunidade indígena ocupa. 12 Neste ponto e adiante CAHD será a abreviatura que refere-se a Convenção Americana de Direitos Humanos. Corte IDH. Caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Fundo, Reparações e Custos. Sentença de 31 de agosto de 2001, par. 140. 14 Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais em países independentes, adotado em 27 de junho de 1989 pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho em sua septuagésima sexta reunião, em vigor desde 5 de setembro de 1991, em conformidade com seu artigo 38 . 13 14 Equipe 123 Neste sentido, o Projeto da Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas 15 determina, em seu artigo XVIII, o direito ao reconhecimento legal das modalidades diversas e particulares de posse, domínio e uso da propriedade da terra indígena, sendo esta terra indígena, como já dito no parágrafo anterior, a terra que os membros da comunidade tradicionalmente ocupam. Ressalta-se que a díspar deste projeto não ter sido aprovado na Assembléia Geral da OEA, no caso Mary e Carrie Dann vs Estados Unidos da América, a Comissão reconheceu sua validade para interpretação da DADH16. Além disso, é preciso destacar, como pode ser compreendido a partir da leitura dos casos Sawhoyama vs Paraguai 17 e Yakye Axa vs Paraguai18, que este sistema de propriedade consuetudinário abarca uma modalidade de propriedade coletiva ou comunal, que, como pode ser deduzido de seu próprio nome, define que a propriedade não pertence individualmente a cada membro de uma comunidade indígena, no entanto, em sentido oposto, pertence à tribo como um todo. De acordo com o caso Saramaka vs Suriname 19 e com o artigo 6 do Convênio 169 da OIT as populações indígenas possuem direito a uma consulta em relação as ações do Estado em suas terras que causem deslocamento ou inversão. Essa consulta deve ser prévia ser realizada de boa-fé, de forma informada e de acordo com as tradições da população indígena. 15 Proposta de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 26 de fevereiro de 1997, em sua 133º sessão, 95º período ordinário de sessões , CP/doc.2878/97 corr. 1. 16 Informe No. 75/02, Caso 11.140, Mary y Carrie Dann (Estados Unidos). 27 de dezembro de 2002, par. 129. 17 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 29 de março de 2006, par. 94. 18 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 17 de junho de 2005, par. 137. 19 Corte IDH. Caso Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 28 de novembro de 2007, par. 133 a 137. 15 Equipe 123 Entretanto quando o procedimento em questão assume proporções em grande escala é necessário que haja não apenas a consulta, mas também que haja consentimento, e que este seja livre, prévio e informado. Neste sentido a Comissão, no caso Mary e Carrie Dann vs Estados Unidos da América 20, afirmou que os povos indígenas não podem ser retirados de suas terras sem o seu consentimento, e que este deve ser plenamente informado. Ainda se faz necessário esclarecer que, de acordo com o caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñiguez vs Ecuador 21, o conceito de propriedade protegido pelo artigo 21 da Convenção Americana de Direitos Humanos deve ser interpretado de forma extensiva, para abarcar tanto os bens materiais quanto os imateriais. No caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs Nicaragua 22, ficou estabelecido que o conceito de propriedade inclui também o gozo de direitos que derivam de bens materiais. Dessa maneira a violação à propriedade não atinge apenas a terra, que neste caso se constitui como seu objeto direto, mas também todos os bens imateriais e o gozo de direitos que advém da terra. Além disso, é imprescindível destacar que, conforme decidido no caso Sawhoyama vs Paraguai23, o direito à propriedade indígena incorpora também a utilização de seus recursos naturais, ou seja, não se limita à terra, estende-se a seus recursos naturais. Sendo assim, é preciso que se estabeleça neste momento esses bens imateriais e direitos, além dos recursos 20 CIDH, Informe No. 75/02, Caso 11.140, Mary y Carrie Dann (Estados Unidos). 27 de dezembro de 2002, par. 131. 21 Corte IDH. Caso Chaparro Álvarez y Lapo Íñiguez vs. Ecuador. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 27 de novembro de 2007, par. 174. 22 Corte IDH. Caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Fundo, Reparações e Custos. Sentença de 31 de agosto de 2001, par. 144. 23 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fundo, Reparações e Custo. Sentença de 29 de março de 2006, par. 118. 16 Equipe 123 naturais imprescindíveis para os indígenas, para que desta forma se determine o conjunto de bens aos quais uma comunidade indígena possui conectados à posse da sua terra. É certo que esses direitos não são pleiteáveis perante a Corte IDH, uma vez que apenas os direitos enumerados na CADH, nos artigos 8 e 13 do Protocolo de San Salvador e no artigo 7 da Convenção de Belém do Pará podem ser demandados. Entretanto esta ilustre corte deve reconhecer que apesar de não pleiteáveis, esses direitos podem ser utilizados como forma de provar os prejuízos causados pelo Estado de La Atlantis as comunidades La Loma e Chupanky. O direito à cultura configura-se como um bem imaterial das comunidades indígenas. Nos casos Mary e Carrie Dann vs Estados Unidos da América 24 e Comunidades Mayas do Distrito de Toledo (Belice) 25, a Comissão reconheceu que o direito à propriedade, no que tange as comunidades indígenas, assume um caráter particular em consequência da relação especial e dependente que essas comunidades possuem com a terra, não apenas para a subsistência, mas também para manutenção da sua cultura. A cultura também assume aspecto de direito segundo o Comentário Geral de número 23 do Comitê de Direitos Humanos da ONU 26, que afirma que as minorias possuem o direito de usufruir de sua cultura, e que as minorias indígenas, dada a sua conexão profunda com a terra e com os recursos dos quais sua cultura é indissociável, deve ter o direito à propriedade protegido como forma de garantir seu direito a exercer sua cultura. Mesmo entendimento 24 CIDH, Informe No. 75/02, Caso 11.140, Mary y Carrie Dann (Estados Unidos). 27 de dezembro de 2002, par. 128. 25 CIDH, Informe No. 40/04, Caso 12.053, Comunidades Indígenas Mayas del Distrito de Toledo (Belice), 12 de outubro de 2004, par. 113. 26 Observação Geral Nº 23 (1994): Artigo 27 (direito das minorias), CCPR/C/21/rev.1/Add.5 (1994), par. 7 . 17 Equipe 123 possui a Recomendação Geral de número 23 do Comitê para Eliminação da Discriminação Racial 27. Tratando-se de comunidades indígenas, também se pode perceber a caracterização da cultura como direito conectado com a pose da terra na observação Geral de número 11 do Comitê dos Direitos da Criança da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança 28, que retrata a conexão estreita entre o direito da criança em ter sua própria cultura e o direito a terra. O direito à melhor qualidade de saúde possível, enumerado pelo artigo 12 do PIDCP, constitui-se como um direito ao qual o gozo é propriedade das comunidades indígenas em decorrência da pose da terra. A Observação Geral de número 14 do Comitê de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais 29 do Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, deixa essa afirmação clara ao defender que a manutenção da terra e também de seus recursos é fundamental para a garantir o melhor estado de saúde possível de se atingir. Diante da dependência das populações indígenas em relação às suas terras e do caráter comunitário da saúde destas populações, a perda da posse da terra tem como resultado uma grave violação ao direito à saúde desses indivíduos. Os recursos naturais de terras indígenas são bens protegidos pelo artigo 21, como já foi demonstrado anteriormente. A Observação Geral de número 15 do Comitê de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais 30 do Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, no que diz respeito aos artigos 11 e 12 do PIDESC, reforça esse entendimento ao Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial ‐ Recomendação geral Nº 23, relativa aos direitos dos povos indígenas, 51º período de sessões, U.N. Doc. HRI/GEN/1/Rev.7 at 248 (1997), par. 5. 27 28 29 Observação Geral Nº 14 (2000), O direito a desfrutar do mais alto nível de saúde. (artígo12), E/C.12/2000/4, par. 12(b) e 27; 30 Observação Geral Nº 15 (2002): O direito à água (artigos 11 e 12 do Pacto) E/C.12/2002/11, par. 7, 16. 18 Equipe 123 demonstrar a importância do acesso a água para os povos indígenas, que não apenas tem um valor de subsistência, mas também pode ter um valor cultural. Pode-se perceber que o acesso a água constitui-se como propriedade das comunidades indígenas não apenas por ser um recurso natural de suas terras, mas também pela sua ligação cultural, o que torna esse recurso um bem e um direito de especial importância, motivo pelo qual a privação do acesso a água constitui uma grave violação ao direito das comunidades indígenas. O direito a uma alimentação adequada, positivado no artigo 11 do PIDESC, também se configura como um direito pertencente à propriedade das comunidades indígenas em decorrência da posse da terra. Neste sentido, a Observação Geral de número 12 do Comitê de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais 31 do Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais reconhece o acesso à terra como essencial ao direito a uma alimentação adequada, quando se trata de povos indígenas. Podemos concluir que o direito à propriedade em relação a comunidades indígenas não se limita a pose desta erra, e assim abarca também bens imateriais e o gozo de direitos decorrentes da propriedade da terra, além dos recursos naturais que nela se encontram. Sendo assim, como ficou demonstrado, a cultura como bem imaterial e como direito, o direito à saúde, a água como recurso natural e como parte integrante da cultura indígena e o direito à alimentação adequada constituem-se como propriedade das comunidades indígenas. Comunidade La Loma 31 Observação Geral Nº 12 (1999): O direito a uma alimentação adequada (artigo 11), E/C.12/1999/5, par. 13. 19 Equipe 123 Como já afirmado anteriormente, a propriedade indígena possui caráter comunal, dessa forma, conjuntamente com a personalidade jurídica da comunidade indígena que a caracteriza como sujeito de direitos, podemos compreender que a propriedade da terra pertence a comunidade em si. Neste sentido, a Comissão alegou, no caso Mayagna Awas Tingni vs Nicarágua 32, que o direito à terra é coletivo, sendo assim, a terra pertence à tribo e às famílias que gozam de direitos subsidiários. Diante do exposto, afirma-se, primeiramente, que o Estado violou o direito à propriedade da comunidade La Loma ao negar-lhe este direito, atribuindo a propriedade apenas aos indivíduos, o que possibilitou 25% dos proprietários venderem suas terras. Dado que a propriedade da terra é primeiramente da comunidade e somente subsidiariamente de cada indivíduo, o Estado comprou terras sem que aqueles que venderam tivessem legitimidade para vendê-las, uma vez que apenas a decisão dos representantes da comunidade, de acordo com as suas formas de deliberação, poderia acordar a venda da propriedade. A titularidade da propriedade pertence à comunidade, e não aos indivíduos. Em segundo lugar, o Estado violou o direito de propriedade desta comunidade ao retirar, mesmo que após decisão judicial, os indivíduos da sua terra sem o seu consentimento. Como já exposto acima, a de acordo com os casos: Saramaka vs Suriname 33 e Mary e Carrie Dann vs Estados Unidos da América 34 os povos indígenas não podem ser retirados de suas terras sem o seu consentimento, livre, prévio e plenamente informado, uma vez que construção da usina possui proporções de grande escala, o que gera a necessidade de existir não apenas a consulta, mas também que haja o consentimento, livre, prévio e informado. 32 Corte IDH. Caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Fundo, Reparações e Custos. Sentença de 31 de agosto de 2001, par. 140. 33 Corte IDH. Caso Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 28 de novembro de 2007, par. 133 a 137. 34 Informe No. 75/02, Caso 11.140, Mary y Carrie Dann (Estados Unidos). 27 de dezembro de 2002, par. 131. 20 Equipe 123 Neste caso, o Estado de La Atlantis não realizou nem ao menos a consulta, mecanismo necessário para obtenção do consentimento livre, prévio e informado, já que ocorreram apenas tentativas de negociações com alguns dos membros isoladamente, e nunca com a comunidade em si. Em terceiro lugar, o Estado violou o direito à propriedade dos bens estreitamente conectados à posse da terra que, como determinados anteriormente são a cultura, tanto como direito, como bem imaterial, o direito ao acesso a água, tanto como recurso, como parte integrante da cultura, o direito à saúde e o direito a uma alimentação adequada. Notadamente, a comunidade La Loma possui sua cultura e sua subsistência ligada ao rio Xuxani, sendo assim, a ação do Estado viola seu direito à manutenção da sua tradição, já que as novas terras propostas seriam a, aproximadamente, 25 km do rio Xuxani, o que dificultaria, ou impediria o seu ritual dos dois sois e das três luas. O ritual que se dá através da cremação dos mortos seria extremamente difícil, visto que haveria a necessidade de transporte do corpo por 25 km. Dessa maneira não é admissível a transferência da comunidade La Loma para uma terra há 25 km do rio Xuxani, dado a sua importância e caráter essencial para a manutenção da cultura desta comunidade. O afastamento das terras violaria também o direito a saúde, devido ao grave distúrbio que a separação da terra causa nas populações indígenas, como ressaltado anteriormente. Por fim, a separação da terra impediria a manutenção dos métodos de subsistência da comunidade, violando o seu direito a uma alimentação adequada. Pode-se perceber que o Estado de La Atlantis violou além do artigo 21 da CADH, o artigo 1.1 e 2 desta convenção, uma vez que não respeitou os dispositivos da convenção e não 21 Equipe 123 adotou medidas internas para garanti-los, como a realização de consultas com a comunidade La Loma. Comunidade Chupanky O procedimento de construção da usina possui 3 fases, a primeira que consiste em realizar acordos com os proprietários dos territórios afetados, a segunda que consiste na etapa de saneamento e construção das represas e a terceira que finalizaria o projeto com a realização da etapa de irrigação, dos testes e início da operação. É preciso esclarecer que, durante o processo de consulta, os líderes da comunidade Chupanky manifestaram seu consentimento para a fase 2, portanto, não autorizaram o projeto por completo, decidindo que só depois determinariam sua concordância com a fase 3. Dado este esclarecimento, podemos concluir que sem o consentimento da comunidade não será possível a realização da fase 3 que inicia as operações, motivo pelo qual não tem motivo a continuação das obras. O consentimento, como dito anteriormente deve ser livre, prévio e informado. Entretanto o Estado de La Atlantis outorgou a concessão da usina para a empresa Turbo Water antes de consultar a comunidade Chupanky. Além disso, a consulta não foi informada, não teve plena informação, pois como pode-se depreender dos fatos apenas quarta consulta realizada com a comunidade Chupanky contava com um tradutor. O estudo de impactos ambientais foi realizado após a consulta prévia, o que faz com que o consentimento não tenha sido plenamente informado. Por fim diversos aspectos comunicados não foram aplicados, como por exemplo, as condições de trabalho que acabaram por impedir o seu modo de vida, destoando assim da promessa de possibilidade de trabalho com a manutenção dos seus costumes. 22 Equipe 123 Além disso, não houve informação em relação às condições precárias e à falta de segurança, à jornada extra sem pagamento correspondente e às modificações na pesca no rio. Sendo assim, através da falta de plena informação no processo de concordância com a saída das terras, o Estado violou o direito à propriedade dos membros da comunidade. Pode-se perceber que o Estado de La Atlantis violou além do artigo 21 da CADH, o artigo 1.1 e 2 desta convenção, uma vez que não respeitou os dispositivos da convenção e não adotou medidas internas para garanti-los, como, por exemplo, a realização de estudos de impacto ambientais anteriores a consulta ou a contratação de tradutores para o idioma indígena durante todo o procedimento de consulta. 3.4 O Estado de La Atlantis violou o artigo 25 O direito à proteção judicial é consagrado pelo artigo 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, além de outros documentos de direito internacional como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos em seu artigo 14 e o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes em seu artigo 12. No caso Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs Nicarágua 35, a Comissão alega que não basta que os recursos jurídicos existam para que seja configurado o respeito à proteção judicial e assim o respeito ao artigo 25, estes recursos devem ser efetivos. Neste mesmo sentido é a argumentação encontrada nos casos Fermín Ramírez vs Guatemala 36 e Sawhoyamaxa vs Paraguai37. 35 Corte IDH. Caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Fundo, Reparações e Custos. Sentença de 31 de agosto de 2001, par. 104. 36 Corte CIDH. Caso Fermín Ramírez Vs. Guatemala. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 20 de junho de 2005, par. 55. 37 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 29 de março de 2006, par. 74. 23 Equipe 123 Entretanto o fato da decisão ser desfavorável à vitima não caracteriza que esta não tenha tido acesso à proteção judicial efetiva. Pode-se perceber que a análise da efetividade deve levar em conta os procedimentos judiciais, se esses não contém vícios. Outro aspecto importante é a questão da rapidez desses recursos. O caso Ivcher Bronstein vs Peru38 menciona a necessidade de, além de efetivo, o recurso ser rápido. Além disso, no caso Instituto de Reeducacion del Menor vs Paraguai 39, a Comissão afirma que devido às circunstancias dos menores, que possuíam sua integridade física, psíquica e moral, sua liberdade e segurança ameaçados, o recursos deveria ser não só efetivo, como também preencher o critério da rapidez. Comunidade La Loma O Estado violou o artigo 25 em relação à comunidade La Loma, primeiramente, ao não considerar esta como comunidade indígena. Como dito anteriormente, diversos dispositivos de direito internacional, a jurisprudência da Corte e da Comissão Interamericanas e os fatos culturais e históricos deixam claro que esta comunidade se caracteriza como indígena. Dessa maneira, a proteção judicial eficaz se baseia, como já explicitado acima, em um processo sem vícios, que permita uma efetiva salvaguarda dos direitos, o que não ocorre neste caso, uma vez que todo o procedimento jurídico ocorre com normas que não se aplicam à comunidade, tanto durante o processo de desapropriação, quanto durante o processo de recurso em 2006. O Estado também violou o critério de rapidez em relação à proteção judicial. Como pode-se compreender da interpretação do caso Instituto de Reeducación del Menor vs 38 Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Reparações e Custas. Sentença de 6 de fevereiro de 2001, par. 135. 39 Corte IDH. Caso Cinco Pensionistas Vs. Perú. Fundo, Reparação e Custas. Sentença de 28 de fevereiro de 2003, par. 235. 24 Equipe 123 Paraguai40, já citado, situações nas quais haja uma ameaça à integridade física, psicológica, moral, à liberdade e à segurança devem ser particularmente tratadas de forma não apenas eficaz, mas também rápida. Particularmente, em relação às comunidades indígenas, como foi exposto na argumentação em relação ao artigo 21, a retirada da terra causa as ameaças descritas acima, uma vez que a integridade psíquica dos povos indígenas é ameaçada ao serem separados de suas terras tradicionais. Sabe-se que caso a obra da hidroelétrica continue, pode-se chegar a um ponto ao qual não seja mais possível reverter o resultado e, dessa forma, faz-se mister que o recurso judicial seja julgado de forma rápida, o que não ocorreu no caso ora tratado, já que aqui há um recurso pendente desde 2006. Dessa maneira, o Estado violou o artigo 25 ao não proceder com uma proteção judicial de forma rápida. 3.5 O Estado de La Atlantis violou o direito à vida. O direito à vida, enumerado pelo artigo 21 da CADH, é um direito humano fundamental, sustentáculo de todos os demais. Sem este, nenhum outro faz sentido. Dada a importância de tal direito, sua interpretação vem ganhando novos sentidos com o passar do tempo, deixando de ser limitada à responsabilidade Estatal de, por ação ou omissão, garantir a vida. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Corte” ou “Corte IDH”) entende que, o direito à vida ultrapassa o limite da simples existência e contempla a possibilidade de gozo efetivo dos direitos humano. Desse modo, deve ser dada, aos 40 Corte IDH. Caso Cinco Pensionistas Vs. Perú. Fundo, Reparação e Custas. Sentença de 28 de fevereiro de 2003, par. 235. 25 Equipe 123 indivíduos, a possibilidade de viver com qualidade, ter uma existência digna, ao invés de simplesmente sobreviver 41. A Corte entendeu, no caso “Niños de la Calle vs Guatemala”42, que o direito à vida foi violado muito antes da execução das quatro crianças, tendo sua origem na falta de estrutura que o Estado deveria prover para uma vida digna. Tal caso determinou que o direito à vida não pode sofrer qualquer forma de restrição, assim como que o Estado tem a obrigação de garantir as condições para o usufruto das condições mínimas de vida. O caso “Mayagna Awas Tingni vs Nicaragua” 43 trata de uma comunidade indígena que não possuía a demarcação efetiva do seu território. O Estado aproveitou-se dessa situação e outorgou uma concessão de exploração a uma madeireira, fato que prejudicou as atividades de subsistência da comunidade (caça, pesca e agricultura). A Comissão IDH entendeu que, as vidas dos membros da comunidade dependem fundamentalmente das suas atividades de subsistência, devendo, o Estado, resguardá-las. No mesmo sentido a Corte proferiu sua sentença. Determinou que a estreita relação que as comunidades indígenas possuem com a terra devem ser reconhecidas e compreendidas como a base fundamental de sua cultura, sua vida espiritual, sua integridade física e desenvolvimento econômico44. 41 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa V. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 17 de junho de 2005. pár. 161. Corte IDH. Caso de Los Hermanos Gómez Paquiyauri Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 8 de julho de 2004. pár., 128. Corte IDH. Caso “Instituto de Reeducación del Menor” Vs. Paraguay. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 2 de setembro de 2004. pár. 156. Corte IDH. Caso Myrna Mack Chang Vs Guatemala. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 25 de novembro de 2003. pár. 152. Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Fondo. Sentença de 19 de novembro de 1999. pár., 144. 42 Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Fondo. Sentença de 19 de novembro de 1999. Serie C No. 63, pár., 144. 43 CIDH, Alegações perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Mayagna Awas Tingni vs Nicaragua. Referido em: Corte IDH. Caso Mayagna Awas Tingni vs Nicaragua. Fondo, Reparacioones y Costas. Sentença de 31 de agosto de 2001. Par. 140(f). 44 Corte IDH. Caso Mayagna Awas Tingni vs Nicaragua. Fondo, Reparacioones y Costas. Sentença de 31 de agosto de 2001. Par. 149. 26 Equipe 123 O Estado, quando não proporciona às comunidades a possibilidade de manter seus meios de subsistência, está lhe privando o pleno gozo do direito à vida. Uma comunidade sem alimentos perecerá, tendo o direito à vida sido violado. No caso “Yakye Axa vs Paraguai” 45 a Corte afirmou o dever do Estado de adotar medidas positivas, concretas e orientadas para a satisfação do direito a uma vida digna, em especial quando se trata de pessoas em situação de vulnerabilidade. E determinou situações em que há o impacto à dignidade da vida em comunidades indígenas, que são o (i) acesso as terras ancestrais; (ii) acesso aos recursos naturais (iii) água limpa. No presente caso, foi divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais (doravante MARN), o relatório do estudo de impactos ambientais realizado pela Organização de Recursos Energéticos Verdes 46, o qual determinou que a construção da Hidrelétrica provocaria modificações no ecossistema. Isso significa impactos para a fauna e flora. Com a fauna sendo impactada, a comunidade indígena perderá plantas medicinais que utiliza como tratamento para enfermidades. Alagando um território, espécies de animais diminuirão, prejudicando a caça da população indígena. Determinou-se pelos autos deste caso que o nível de peixes do Rio Xuxani diminuiu 47. No caso, dois dos três meios de subsistência da comunidade (caça, pesca e agricultura) foram ou serão afetados pela obra. Os impactos afetarão a cultura da comunidade, pois essa terá que buscar outros meios de alimentação e medicamentos, a sua economia já que parte dela derivava da venda da pesca 48. Fatores que limitam o gozo do direito à vida minimante digna, 45 46 Idem. Par. 167 e 168. Caso hipotético 2012. Comunidade Chupanky e outra vs La Atlantis. Par. 18 47 Idem. Par. 20. 48 Idem. Par. 7. 27 Equipe 123 violando, portanto, o artigo 4° da CADH em prejuízo da comunidade Chupanky. No “Terceiro Informe sobre a Situação de Direitos Humanos no Equador” 49 a Comissão determinou que o Estado deve adotar medidas de proteção para incidentes de contaminação ambiental que ameacem a vida humana. Em caso de infração ao direito à vida, o governo deve responder com medidas apropriadas de investigação e amenizar as violações causadas. O Estado de La Atlantis tinha conhecimento das violações que a construção ocasionaria ao direito à vida da comunidade indígena, contudo nada fez para anular os danos, ou ao menos amenizá-los. A construção da Hidrelétrica não ocasionará a possibilidade de dano ambiental, o estudo de impactos ambientais já garantiu que eles irão ocorrer. No caso presente, o Estado não está cumprindo o seu dever de garantidor dos direitos, como determinado pelo artigo 2 da CADH e sim como o violador, já que, sabendo das violações que ocorrerão não procura amenizá-las. Em verdade, nem ao menos reconhece a violação de tal direito, pois se o fizesse teria acatado o pedido de suspensão da obra feito pelo Conselho de Anciãos. Salienta-se a recomendação n° 6 estabelecida pela Comissão IDH no informe “Democracia e Direitos Humanos na Venezuela” 50, determinadora da prioridade do direito à vida e à integridade pessoal em relação à todos os demais direitos previstos na Convenção. Para assegurar a superveniência de tais direitos deve-se garantir às comunidades indígenas a possibilidade de suspenderem imediatamente as obras que entendam como violadoras de tais direitos. 49 CIDH. Informe sobre la Situación de los Derechos Humanos em Equador. Doc. OEA/Ser. L/ V/ II. 96, Doc. 10 , ver. 1, 24 de abril de 1997. Capítulo VIII. 50 CIDH, Democracia y Derechos Humanos en Venezuela. Doc. OEA/Ser.L/V/II, Doc. 54, 30 de dezembro de 2009.Pár 1137, Recomendação 6. 28 Equipe 123 O Conselho de Anciãos da Comunidade Chupanky manifestou a sua insatisfação com os impactos ambientais ocasionados pela construção e, por entender que havia violação ao seu direito à vida, solicitou a sua paralização á empresa TW e ao Comitê Inter-Setorial. Como resposta a tentativa da comunidade de resguardar seu direito fundamental, a empresa TW ameaçou demitir e processar os trabalhadores indígenas, aumentou o nível de exigência e utilizou-se da sua influência no governo de La Atlantis para remover a comunidade Chupanky, à suas terras alternativas, o mais cedo possível. Com o auxílio da organização não governamental “Morpho Azul” (doravante “ONG”, “ONG Morpho Azul” ou “Morpho Azul”), impetrou recurso administrativo na Comissão de Energia e Desenvolvimento (doravante CED) solicitando a anulação do projeto. O órgão, entretanto, rejeitou o recurso alegando que o processo de consulta prévia havia sido realizado. O caso foi então submetido ao Tribunal Contencioso Administrativo, o qual o indeferiu. Por fim o recurso foi interposto ao Supremo Tribunal de Justiça que o recusou. Como já demonstrado anteriormente, o processo de consulta prévia, entretanto, foi ineficaz, uma vez que não obedeceu o objetivo almejado pela Corte: o consentimento livre e informado da comunidade indígena. O Estado, então, não pode se valer de um processo viciado para dar prosseguimento à obra que vem afetando a vida da comunidade. Conclui-se que o Estado de La Atlantis não apenas violou o direito à vida como também não garantiu os mecanismos necessários para que a comunidade indígena zelasse por ele frente às arbitrariedades estatais. 3.6 O Estado de La Atantes violou o direito à integridade pessoal Segundo o entendimento da ex-juíza da Corte IDH, Cecília Medina Quiroga (doravante “Medina Quiroga”) 51, o que diferencia o Pacto de San José dos demais tratados de direitos humanos no que tange o direito à integridade pessoal é o fato de não tratar apenas de 51 QUIRONGA, Cecilia Medina. La Convención Americana: teoría y jurisprudencia. Vida, integridad personal, libertad personal, debido proceso y recurso judicial. University of Chile, Faculty of Law, 2003. Pág.138. 29 Equipe 123 tortura e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, mas também o direito à integridade psíquica, moral e física, dispostos no artigo 5.1 da CADH. Comunidade La Loma No caso “Xákmók Kásek vs Paraguai” 52, a Corte entendeu que houve violação à integridade psíquica e moral da comunidade indígena. A ausência de território acarretou na impossibilidade da comunidade manter suas atividades de subsistência, fazendo com que houvesse desintegração dos membros da comunidade, que migraram para outras localidades em busca de melhores condições de vida, assim como perda paulatina de sua cultura já que não mais possuíam acesso aos locais onde eram executadas. Esse cenário de incerteza quanto ao futuro e marginalização perante o Estado afetou a honra e a moral da comunidade que se viu completamente abandonada em um cenário calamitoso. O presente caso em muito se assemelha ao da comunidade Xákmók Kásek. O ano de 2012 seria o “Dia Um”, marcado para todas as comunidades Rapstani como o ano da reconciliação, no qual as diversas comunidades, que haviam se desintegrado e lutado entre si devido às ações estatais como a “Política Nacional de Extermínio dos Povos Indígenas”, retornariam a estabelecer contato pelo Rio Xuxani. Tentando superar as políticas de genocídio promovidas pelo Estado, as comunidades Rapstani promoveriam um desenvolvimento acordado. O Estado de La Atlantis, contudo, mais uma vez está agindo nessa comunidade e provocando, mesmo que de forma involuntária, a sua separação. Dessa forma pode-se falar que a Comunidade La Loma sofrerá grandes perdas na sua cultura com o deslocamento, impedindo que se desenvolva da forma como entender por correta. 52 Corte IDH. Caso Comunidade Indígena Xákmók Kasék vs Paraguai.Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 24 de agosto de 2010. Par. 244 30 Equipe 123 A comunidade La Loma foi removida de suas terras e reassentada em acampamentos provisórios, os quais ofereciam apenas as condições mínimas de vida. Sem a possibilidade de exercer seus meios de subsistência, a comunidade encontra-se em estado de miséria, e com os mesmos sentimentos de incerteza quanto ao futuro e marginalização que a comunidade indígena Xákmók Kásek sentiu. Nos casos “Yakye Axa vs Paraguai 53” e “Sawhoyamaxa vs Paraguai 54” a Corte afirmou a necessidade do Estado garantir meios de sobrevivência digna para as comunidades. Esses seriam: (1) água potável para consumo e higienização; (2) atenção médica e medicamentos adequados; (3) alimentos em quantidade, qualidade e variedade; (4) facilitação do serviço sanitário e; (5) escola bilíngue para que a educação das crianças indígenas não fossem afetadas pelas ações estatais. Dentre os critérios estabelecidos, o Estado de La Atlantis não obedeceu nenhum, evidenciando o total abandono da comunidade indígena. Apesar do Estado não poder ser julgado pelos fatos ocorridos antes da ratificação do pacto de San José, não se pode negar que, ao tomar medidas autoritárias e desintegradoras, como o fez no momento que destituiu a comunidade La Loma de suas terras, o sentimento de sofrimento do passado – comunidades separadas e mortes- retorna, ampliando o medo da comunidade de que tais situações voltem a ocorrer. Salienta-se que as mulheres de La Loma foram obrigadas a abandonar sua primeira comunidade devido à ação estatal, fazendo com que sofressem grandes transtornos psicológicos. 53 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 17 de junho de 2005, par. 221 54 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 29 de março de 2006, par. 145(b) 31 Equipe 123 No caso Niños de la Calle, a Corte IDH utilizou um entendimento da Corte Europeia, no caso Campbell and Cosans 55 de que, a criação de uma situação ameaçadora já é suficiente para determinar, ao menos tratamento desumano 56. Por todos os fatos demonstrados, afirma-se que o Estado violou a integridade psíquica e moral da Comunidade indígena La Loma, enumerados no artigo 5.1 da CADH, além dos artigos 1.1 e 2, uma vez que não cumpriu com as disposições da convenção e não adotou medidas para que as violações não ocorressem, ou seja, medidas para proteger os direitos enumerados na carta. Comunidade Chupanky No caso “Loayaza Tamayo” 57 a Corte entendeu que a violação à integridade física, psíquica e moral constitui uma categoria de violação que possui inúmeras gradações variando da tortura até outros tipos de humilhação ou tratamento cruel, desumano ou degradante. No livro “La Convención Americana: teoría y jurisprudencia” 58, Medina Quiroga estabelece os critérios para a determinação de tratamentos violadores do artigo 5, que seriam: (1) conduta exercida por um funcionário público, ou que instigue, tolere ou consinta com a conduta; (2) a intenção do agente; (3) o efeito que a conduta produz nas vítimas: sofrimentos graves, físicos ou mentais e; (4) a finalidade da conduta: obtenção de informação ou confissão, castigo ou intimidação, coação ou discriminação. 55 Cfr. Eur. Court. H. R, Campbell and Cosans judgment of 25 February 1982, Serie A, no. 48, p. 12, § 26. Apud. Corte IDH. Caso Villagrán Morales y otros vs Guatemala. 56 Corte IDH. Caso Niños de la Calle (Villagrán Morales y otros vs Guatemala). Fondo. Sentença de 19 de novembro de 1999. Par. 165 57 Corte IDH. Caso Loayaza Tamayo vs Peru. Fondo. Sentença de 17 de setembro de 1997. Nota de rodapé n°27. 58 QUIRONGA, Cecilia Medina. La Convención Americana: teoría y jurisprudencia. Vida, integridad personal, libertad personal, debido proceso y recurso judicial. University of Chile, Faculty of Law, 2003. Pág. 145 32 Equipe 123 Segundo um relatório médico, produzido pelo grupo “Doctors without Borders” em cooperação com dois médicos licenciados em Atlantis 59 quatro mergulhadores foram diagnosticados com a Síndrome de Descompressão, decorrente da falta de equipamento especializado e por sua falta de qualidade 60. Tal síndrome incapacita o ser humano, que possui dores agudas nas suas costas decorrentes das bolhas que se formaram com as imersões frequentes, longas e profundas. O dano físico é caracterizado como violação ao artigo 5° uma vez que cumpre os requisitos propostos pela ex juíza da Corte IDH. Sabe-se que a violação estatal não ocorre somente pela sua ação, mas também pela sua omissão. A empresa TW possui 40% de capital estatal61, logo esse possuía o dever de estabelecer medidas de precaução para evitar mortes e sofrimento, assim como foi decidido pela Corte no caso “Instituto de Reeducação do Menor” 62. Na opinião consultiva n° 18, através de uma análise do artigo 1.1, salientou-se o princípio do direito internacional de que o Estado responde pelos atos realizados por seus agentes ou pela omissão dos mesmos 63. Mesmo entendimento possuiu a sentença do caso “19 Comerciantes vs Colombia 64”. No presente caso, a fiscalização deveria ter sido feita e, tendo o relatório médico sido divulgado em jornal de grande circulação (El Oscurín Pegri), o Estado ficou ciente da situação e não findou a violação, uma vez que não determinou nenhum tipo de sanção para a empresa TW assim como não determinou a troca de seus equipamentos e a realização de 59 Respostas esclarecedoras 2012. Pergunta 83. 60 Caso hipotético 2012. Comunidade Chupanky e outra vs La Atlantis. Par. 20. 61 Caso hipotético 2012. Comunidade Chupanky e outra vs La Atlantis. Par. 10. Corte IDH. Caso Cinco Pensionistas Vs. Perú. Fundo, Reparação e Custas. Sentença de 28 de fevereiro de 2003, par. 235. 63 Opinião Consultiva 18/03. 17 de setembro de 2003, solicitada pelos Estados Unidos Mexicanos. Par. 76. 62 64 Corte IDH. Caso dos 19 Comerciantes vs Colombia. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 5 de julho de 2004. Par.140 33 Equipe 123 maior quantidade de aulas de mergulho, possibilitando a futura violação do direito à integridade física dos outros três mergulhadores. Por todo o demonstrado, afirma-se que houve violação ao direito à integridade física, enumerado no artigo 5.1 da CADH, em relação aos mergulhadores, membros da Comunidade Chupanky, além dos artigos 1.1 e 2, uma vez que não cumpriu com as disposições da convenção e não adotou medidas para que as violações não ocorressem, ou seja, medidas para proteger os direitos enumerados na carta. 3.7 O Estado de La Atlantis não proibiu o trabalho escravo e a servidão O artigo 6º, da Convenção, estabelece que ninguém pode ser submetido à escravidão ou servidão. Na Convenção sobre a Escravatura, de 1926, é concedida a definição de escravidão como sendo “o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade”. Com o advento de novas formas de escravidão, como a por dívidas, esse conceito foi ampliado pela Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, em 1956, a qual entendia que se determinava escravidão como sendo as situações, nas quais o trabalhador jamais conseguia trocar de emprego, tendo sua liberdade cerceada. No único caso em que a Corte IDH teve a oportunidade de manifestar-se a respeito do ]artigo 6.2, caso “Massacre de Ituango vs Colombia”, a mesma determinou que “los tratados de derechos humanos son instrumentos vivos, cuya interpretación tiene que acompanhar la evolución de los tempos y las condiciones de vida actuales” 65. Seguindo dessa maneira o estabelecido no artigo 29 da CADH, assim como na Convenção de Viena. Com a intenção de melhor determinar o que constituiu “trabalho forçado” e “escravidão” na atualidade, a Corte estabeleceu, no mesmo caso, três requisitos para que a 65 Corte IDH. Caso Massacrse de Ituango vs Colombia Ituango. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentença de 1 de julho de 2006 Par. 155. 34 Equipe 123 conduta se configure como violação ao artigo 6.2: (1) Ameaça de uma pena. Constitui-se pela presença real e atual de uma intimidação que pode assumir formas e gradações heterogêneas, cujas mais extremadas são aquelas que implicam coação, violência física, isolamento, assim como ameaça de morte dirigida à vítima ou a seus familiares; (2)Falta de vontade para realizar o trabalho ou serviço. Consiste na ausência do consentimento ou de livre escolha no início do vínculo trabalhista ou na sua continuação. “Isso pode ocorrer por várias razões, tais como cárcere privado, engano ou coerção psicológica”; o último fator seria o vínculo com agentes estatais. Para que haja o entendimento da escravidão no presente caso é necessário, primeiramente, a análise da questão indígena. Segundo o relatório “Los derechos de los pueblos indígenas y tribales en la práctica”, elaborado pela OIT 66, em alguns casos, o trabalho promovido nas tribos indígenas para o seu sustento passa a ser inviável, seja porque houve modificações no seu território, seja pela natureza da atividade ser sazional. A consequencia, contudo, é a mesma: a busca por empregos fora de suas comunidades. Os dados existentes demonstram que os povos indígenas são discriminados pela sua orígem étnica. Entre os obstáculos e as desvantagens que enfrentam estão incluidas: (i) a impossibilidade de competir em igualdade de condições já que possuem uma educação formal e profissional limitada; (ii) a introdução do indígena no mercado de trabalho em condições precárias, negando-lhes seus direitos trabalhistas mais fundamentais; (iii) remuneração diferenciada e inferior à dos demais trabalhadores. Considerando esse cenário de vulnerabilidade dos povos indígenas pode-se afirmar que houve ameaça aos membros da comunidade Chupanky no momento em que a empresa TW ameaçou-os de demissão se continuassem a reinvindicar diminuição da carga horária, 66 OIT. Los Derechos de los Pueblos Indígenas y Tribales en la Práctic: Una Guía sobre el Conveio No 169 de la OIT. Programa para promover el Convenio Núm. 169 de la OIT (PRO 169). Departamento de Nomas Internacionales del Trabajo, 2009, págs. 153-154. 35 Equipe 123 que no momento do descontentamento correspondia à 15 horas diárias. A empresa, sabendo da necessidade que os indígenas possuíam de continuar trabalhando, devido à ausência de oportunidade, aproveitou-se da situação para exigir trabalhos longos e sem remuneração de horas extras. A falta de vontade de realizar o trabalho ocorreu na continuação do vínculo trabalhista, quando os trabalhadores perceberam que estavam sendo explorados, uma vez que a carga horária acertada no contrato não estava sendo cumprida. A empresa TW, então, enganou a comunidade quando estabeleceu o vínculo contratual, pois prometeu determinadas condições e não as cumpriu. Por fim, o Estado de La Atlantis pode ser declarado como conivente com a prática já que possuía ciência das condições de trabalho dos indígenas, já que teve divulgação no jornal de maior circulação no país, o “El Oscurín Pegri”, e nada fez para coibir as práticas exploratórias. Por todo o exposto, conclui-se que o Estado de La Atlantis violou o direito à proteção contra a Servidão e Trabalho Forçado, garantidos no artigo 6.2 da CADH, assim como os artigos 1.1 e 2, uma vez que não respeitou os direitos da convenção e não adotou medidas internas para que seus direitos fossem cumpridos. 4. Dos Pedidos Comunidade La Loma Os representantes das vítimas respeitosamente solicitam: A finalização de todos os procedimentos de construção da usina, assim como devolução da propriedade da terra. Uma indenização de cunho material e moral, pela perda da posse das terras, destinada aos integrantes da comunidade, no valor de $ 10.000 dólares americanos a cada um. Uma 36 Equipe 123 indenização de cunho material e moral, pela perda da posse das terras, destinada a comunidade em si, no valor de $ 50.000 dólares americanos Uma indenização de morais pelas violações aos demais direitos violados pelo Estado em relação à comunidade, enumerados neste memorial, destina a comunidade em si, no valor de $ 60.000 dólares americanos. Um pedido de desculpas oficial, a ser publicado em um jornal de grande circulação nacional. Comunidade Chupanky A finalização de todos os procedimentos de construção da usina, assim como devolução da propriedade da terra. Uma indenização de cunho material e moral, pelos danos causas aos mergulhadores que tiverem sua integridade física violada, destinada a esses indivíduos, no valor de $ 20 000 dólares americanos a cada um. Uma indenização de cunho material e moral, em razão da violação ao direito de não ser submetido a trabalho forçado, destinada aos indivíduos que não obtiveram pagamento em função de seu trabalho, no valor de $ 10 000 dólares americanos a cada um. Uma indenização por danos morais pelas violações a todos os direitos violados pelo Estado contra a comunidade, enumerados neste memorial, destina a comunidade em si, no valor de $ 50 000 dólares americanos. 37
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