Equipe nº 102 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS

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Equipe nº 102 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
Equipe nº 102
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
COMUNIDADE CHUPANKY E OUTRA
vs.
LA ATLANTIS
DEMANDA
MEMORIAL DOS
REPRESENTANTES DAS VÍTIMAS
2012
Equipe nº 102
ÍNDICE:
I. ABREVIATURAS UTILIZADAS
iv
II. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS
II.a. Documentos legais
vii
II.b. Jurisprudência
xiv
1. DOS FATOS
p. 1
2. DA ADMISSIBILIDADE
p. 3
3. DO MÉRITO
p. 4
3.1 O Estado violou o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (art. 3) em
detrimento da comunidade La Loma
p. 4
3.2 O Estado violou os direitos à propriedade (art. 21) em detrimento das comunidades
Chupanky e La Loma
p. 6
3.2.2. Das violações em prejuízo da La Loma (arts. 21, 22 e 5 c/c 1.1 da CADH)
p. 8
3.3. O Estado violou o direito à participação política (art. 23 CADH) das comunidades
p. 10
3.3.1. O Estado violou o art. 23 c/c 1.1 da CADH em relação à comunidade
Chupanky
p. 11
3.3.1.1. O Estado discriminou as mulheres da comunidade durante o
processo de consulta (art. 23 c/c 1.1 da CADH e art. 7, “a” da Convenção
de Belém do Pará)
p. 12
3.3.2. Violação do art. 23 c/c 1.1 da CADH em detrimento da comunidade La
Loma
3.4. O Estado violou os direitos à proteção contra o trabalho forçado e obrigatório e à
integridade pessoal (arts. 6 e 5 da CADH) em prejuízo de membros da Chupanky p. 15
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3.4.1. Do trabalho forçado infantil (arts. 6 e 5 c/c o arts. 19 e 1.1 da CADH) p. 17
3.4.2. Discriminação de gênero no trabalho forçado (arts. 6 e 5 da CADH c/c 7 da
Convenção Belém do Pará) em detrimento das mulheres da comunidade
Chupanky
p. 18
3.5. O Estado violou os direitos à vida digna, à integridade cultural e ao
desenvolvimento progressivo dos DESC (arts. 4, 5 e 26 c/c 1.1 da CADH) em face de
ambas comunidades
p. 20
3.5.1. Direito à vida digna (art. 4 CADH)
p. 20
3.5.2. Direito à integridade cultural (art. 5 CADH)
p. 22
3.5.3. Desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais
(art. 26 CADH)
p. 23
3.6. O Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial (arts. 8 e 25
c/c 1.1 da CADH) em prejuízo das comunidades Chupanky e La Loma
p. 25
4. DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS
p. 27
5. DAS REPARAÇÕES
p. 28
6. DOS PEDIDOS
p. 30
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I.
ABREVIATURAS UTILIZADAS
art./arts.
Artigo/Artigos
ACHPR
Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos
CADH
Convenção Americana sobre os Direitos Humanos
CEDH
Convenção Européia sobre os Direitos do Homem
CDHNU
Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas
CEDAW
Convenção para a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher
CEPAL
Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe
CESCR
Comitê de direitos econômicos, sociais e culturais
da Organização das Nações Unidas
CIDH
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CIM
Comissão Interamericana da Mulher
Comissão Africana ou CADHP
Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos
Comissão EDH
Comissão Européia de Direitos Humanos
Comitê DH
Comitê de Direitos Humanos da ONU
Convenção de Belém do Pará
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher
iv
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Convênio 138 da OIT
Convênio 182 da OIT
Convênio n. 138 sobre idade mínima para
admissão
no
emprego
da
Organização
Internacional do Trabalho
Convênio n. 182 sobre as piores formas de
trabalho infantil da Organização Internacional do
Trabalho
Corte IDH ou Corte
Corte Interamericana de Direitos Humanos
Corte EDH ou CE
Corte Européia de Direitos Humanos
DADDH
Declaração Americana de Direitos e Deveres do
Homem
DESC
Direitos econômicos, sociais e culturais
DNUDPI
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas
EISA
Estudo de Impacto Social e Ambiental
OC
Opinião Consultiva
ONU
Organização das Nações Unidas
SIPDH
Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos
Humanos
ODMNU
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das
Nações Unidas
OIT
Organização Internacional do Trabalho
Pacto de San Salvador
Protocolo Adicional à Convenção em matéria de
direitos econômicos, sociais e culturais
v
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PIDESC
Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais
PDADPI
Projeto de Declaração Americana dos Direitos dos
Povos Indígenas
vi
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II. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS
II.a. Documentos legais
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. CIDH. Informe: Derecho de los
Pueblos Idígenas y Tribales sobre sus Tierras Ancestrales y Recursos Naturales.
Normas y jurisprudencia del Sistema Interamericano de Derechos Humanos, 30 de
dezembro de 2009. (p. 12)
______. CIDH. Informe: El camino hacia una democracia sustantiva: la participacións
políticas de las mujeres em las Américas. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 79 18 abril 2011.(p.
13)
______. CIDH. Informe Anual 1999, Consideraciones sobre la compatibilidad de las
medidas de acción afirmativa concebidas para promover la participación política de la
mujer con los principios de igualdad y no discriminación. (p.8)
______. CIDH. Acceso a la Justicia e Inclusión Social: El camino hacia el
fortalecimiento de la Democracia en Bolivia. Doc. OEA/Ser.L/V/II, Doc. 34, 28 de
junho de 2007. (p. 5)
______. CIDH. Informe El trabajo, la educación y los recursos de las mujeres: La ruta
hacia la igualdad en la garantía de los derechos económicos, sociales y culturales.
OEA/Ser.L/V/II.143 Doc. 59, 3 noviembre 2011. (p. 14 e 19)
vii
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______. CIDH. Informe sobre los Derechos de las Mujeres en Chile: La Igualdad en la
Familia, el Trabajo y la Política, OEA/Ser.L/V.II.134, 27 de março de 2009. (p. 19)
______. CIDH. Resolución sobre “Protección especial de las poblaciones indígenas.
Acción para combatir el racismo y la discriminación racial”. (p. 21)
______. CIDH. Informe La situación de derechos humanos de los pueblos indígenas en
las Américas, OEA/Ser.L/V/II.108, Doc. 62, 20 de outubro de 2000. (p.25)
______. CIDH. Informe sobre la Situación de Derechos Humanos en Ecuador,
OEA.Ser.L/V/II.96.Doc.10 rev.1, 24 de abril de 1997. (p. 25)
______. CIDH. Informe Anual sobre os Direitos da Criança, 1998. (p. 18)
______. CIDH. Informe Anual, 1991. (p. 18)
______. CIDH. Informe Anual 1984-85. (p. 21)
______. CIDH. Relatório Comunidades Cautivas: Situación del pueblo indígena guaraní
y formas contemporáneas de esclavitud en el Chaco de Bolivia, 2009. (p. 5, 6, 16, 18, 20
e 22)
______.CEPAL. El Aporte de las Mujeres a la Igualdad en América Latina y el Caribe,
X Conferencia Regional sobre la Mujer de América Latina y el Caribe, Quito, 6-9 de
agosto de 2007. (p.19)
viii
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______.CIM. Follow up to The XII Inter-American Conference of Ministers of Labour
(IACML) Final Document Lines of Action and General Recommendations Adopted at
the Follow-up Meeting to the Inter-American Program:Gender and Labour - SEPIA I. –
Incorporation of gender perspective in regional labor policies. “Progress and
Proposals”. 11-12 de dezembro de 2001. (p. 19 e 20)
______. Convenção Americana sobre Direitos Humanos, adotada em 22 de Novembro
de 1969. (p. 16)
______. Projeto de Declaração Americana sobre o Direito dos Povos Indígenas. (p. 4)
______. Carta Democrática Interamericana. Adotada em 11 de setembro de 2001. (p.
13)
______. Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em
Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, "Protocolo de San Salvador",
adotado em 17 de novembro de 1988 (p. 21 e 22)
______. CORTE IDH. Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
LXXXV Período Ordinário de Sessões celebrado de 16 a 28 de novembro de 2009
(p.28)
______. Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. Resolução XXX,
Ata Final, aprovada na IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá, em abril
ix
Equipe nº. 102
de 1948. (p. 13)
______. Projeto de Declaração Americana sobre Direito dos Povos Indígenas.
Aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 26 de fevereiro de
1997, em sua 13330 sessão,durante o 951 Período Ordinário de Sessões. (p. 23)
______. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra
a Mulher. ("Convenção de Belém do Pará") (1994). (p. 13 e 20)
______. Convenção Interamericana sobre a Concessão de Direitos Políticos à mulher.
(p. 13)
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conferência Internacional
do Trabalho, 96.a reunião, 2007. Informe III (Parte 1B). Estudio general relativo al
Convenio sobre el trabajo forzoso, 1930 (núm. 29), y al Convenio sobre la abolición
del trabajo forzoso, 1957 (núm. 105); 93a reunião, 2005. Informe I (B). (p. 16)
______. Los Derechos de los Pueblos Indígenas y Tribales en la Práctica Una Guía
sobre el Convenio No. 169 de la OIT. Programa para promover el Convenio Núm. 169
de la OIT (PRO 169), Departamento de Normas Internacionales del Trabajo, 2009.
(p. 5)
______. Desigualdad de género y pobreza en América Latina, 2003. (p. 19)
______. Convenção n° 169 sobre povos indígenas e tribais em países independentes,
1989. (p. 4, 5, 6, 7, 10, 12, 14, 17, 21 e 23)
x
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______. Convenção n° 182 sobre as piores formas de trabalho infantil, 1999. (p. 18 e
19)
______. Convenção n° 138 sobre idade mínima para admissão no emprego, 1973. (p.
18)
______. Convenção n° 29 sobre o trabalho forçado. (p. 16)
______. Convenção n° 105 sobre a abolição do trabalho forçado. (p. 16)
______. Recomendação n° 146 sobre idade mínima para admissão em empregos (p. 18)
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Recomendação Geral XXIII relativa aos
direitos das populações indígenas, A/52/18, 1997. (p. 10)
______.Fórum Permanente sobre questões indígenas e os ODMNU. Goal 7: Ensure
Environmental Sustainability, 2007. (p. 13 e 22)
______.Fórum Permanente sobre questões Indígenas, El trajo forzoso y los pueblos
indígenas.Informe apresentado pela Relatora Especial Elisa Canqui, Nova York, 16-27
de maio de 2011. (p. 17 e 18)
______. Comitê DESC. Observação Geral 16: La Igualdad de Derechos del Hombre y
la Mujer al Disfrute de los Derechos Económicos, Sociales y Culturales (artículo 3 del
xi
Equipe nº. 102
Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales), 2005. (p. 13)
______. Comitê DESC, Observação Geral 20, La No Discriminación y los Derechos
Económicos, Sociales y Culturales. 2 de julho de 2009. (p. 13)
______. Comitê DESC. General Comment No.7 (1997) on the right to adequate
housing (Article 11.1): Forced Evictions. (E/1992/23, annex III. Par. 8.a). (p. 9 e 10)
______. Comitê DESC. General Comment No.4. The Right to adequate housing
(Art.11(1)). 13 de dezembro de 1991. (p. 25)
______. CEDAW. Recomendação Geral nº 21(13º período de sessões, 1994). (p. 14)
______. CEDAW. Recomendação Geral nº 23 (16º período de sessões, 1997). (p. 13)
______. CED. Decisão 2(54), Australia. 18 de março de 1999. (p. 7)
______. CDHNU. Comentário Geral No. 27 (p. 10)
______. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, 2008.
(p. 4, 6, 16 e 23)
______. Declaração Universal de Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela
resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de
1948. (p. 14 e 16)
xii
Equipe nº. 102
______. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Adotado pela XXI Sessão da
Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966. (p. 14)
______. Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Adotada pela
Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de
dezembro de 1966. (p. 14, 16 e 22)
______. Convenção sobre Erradicação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher. (CEDAW). Adotada em 1979 pela Assembléia Geral das Nações Unidas. (p.
14, 19 e 20)
______.UNESCO. Preambulo da Recomendação sobre Salvaguarda da cultura
tradicional.
(p. 23)
______. Convenção sobre os Direitos da Criança. Adotada em 20 de novembro de
1989 pela Assembléia Geral das Nações Unidas. (p. 18)
______. Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.
Doc. A/CONF.151/26 (1992). (p. 12 e 15)
______.Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravidão e práticas semelhantes
que complementou a Convenção sobre a Escravidão de 1926. (p. 16)
SHELTON, Dinah. Derechos ambientales y obligaciones en el sistema interamericano
xiii
Equipe nº. 102
de derechos humanos. In: Anuario de Derechos Humanos 2010 del Centro de Derechos
Humanos de la Facultad de Derecho de la Universidad de Chile. Santiago: Centro de
Derechos Humanos de la Facultad de Derecho de la Universidad de Chile, 2010. (p. 15)
Banco Mundial, Política Operacional 4.01, Anexo A: Definiciones. (p. 12)
Carta Social Européia Revisada 1996, na Carta dos Direitos Fundamentais da União
Européia. (p. 22)
Estatuto de Roma da Corte Internacional Criminal. (p. 16)
Servicio Alemán de Cooperación Social Técnica, Familias guaraní empatronadas:
análisis de la conflictividad, 2008. (p. 19)
WEISSBRODT, David y Liga contra la Esclavitud, La abolición de la esclavitud y sus
formas contemporáneas, (HR/PUB/02/4), ACNUDH, 2002. (p. 16)
COLÔMBIA, Corte Constitucional. Sentença SEU-039/97, de 3 de fevereiro de 1997
(Magistrado: Antonio Barrera Carbonell). (p. 29)
II.c. Jurisprudência
CORTE IDH. Castillo Petruzzi y otros vs. Peru. Sentença de 04 de Setembro de 1988.
(p. 3)
xiv
Equipe nº. 102
______. Cesti Hurtado vs. Perú. Sentença de 26 de Janeiro de 1999. (p. 3)
______. Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de
2005. (p. 4, 7, 8, 21, 22, 24, 26, 27, 29 e 30)
______. Pueblo Saramaka vs. Paraguay. Sentença de 28 de novembro de 2007. (p. 4,
6, 7, 8, 10, 11, 12, 26 e 27)
______. Loayza Tamayo vs. Perú. Sentença de 31 de janeiro de 1996. (p. 4 e 27)
______. Tribunal Constitucional vs. Perú. Sentença de 24 de Setembro de 1999. (p. 4 e
26)
______. Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai. Sentença de 29 de março de
2006. (p. 7, 10, 22, 24 e 26)
______. Comunidad Indígena Xákmok Kasek vs. Paraguai. Sentença de 24 de agosto
de 2010. (p. 4, 5, 10, 21 e 24)
______. Yatama vs. Nicaragua. Sentença de 23 de junho de 2005. (p. 13 e 14)
______. Comunidad Indígena Moiwana vs. Surinam. Sentença de 15 de junho de 2005.
(p. 5, 9 e 10)
______. Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de 31 de
xv
Equipe nº. 102
agosto de 2001. (p. 7)
______. Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de 11 de
agosto de 2001. (p. 7 e 28)
______. Ricardo Canese vs. Paraguay. Sentença de 31 de agosto de 2004. (p. 8 e 10)
______. Herrera Ulloa vs. Costa Rica. Sentença de 2 de julho de 2004. (p. 8)
______. Ivcher Bronstein vs. Perú. Sentença de 6 de fevereiro de 2001. (p. 8 e 26)
______. “Masacre de Mapiripán” vs. Colombia. Sentença de 15 de Setembro de 2005.
(p. 10 e 18)
______. Masacres de Ituango vs. Colombia. Sentença de 1 de julho de 2006. (p. 17)
______. Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de 29 de julho de 1988. (p. 17,
18, 26 e 27)
______. Rosendo Cantú y otras vs. México. Sentença de 31 de Agosto de 2010. (p. 14
e 18)
______. Servellón García Vs. Honduras. Sentença de 21 de setembro de 2006. (p. 18)
______. Chitay Nech y otros vs. Guatemala. Sentença de 25 de maio de 2010. (p. 18 e
xvi
Equipe nº. 102
29)
______. Ríos y Otros vs. Venezuela. Sentença de 28 de janeiro de 2009 (p. 20)
______. Perozo y otros vs. Venezuela. Sentença de 28 de janeiro de 2009 (p. 20)
______. Masacre de Las Dos Erres vs. Guatemala. Sentença de 24 de novembro de
2009. (p. 18, 29 e 30)
______. González y otras (“Campo Algodonero”) vs. México. Sentença de 16 de
novembro de 2009. (p. 17, 19, 20, 25 e 26)
______. “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros). Sentença de 11 de setembro
de 1999. (p. 3)
______. “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros). Sentença de 19 de novembro
de 1999. (p. 21, 22 e 30)
______. Penal Castro Castro vs. Peru. Sentença de 25 de novembro de 2006. (p. 20 e
21)
______. Montero Aranguren y otros (Retén de Catia) vs. Venezuela. Sentença de 5 de
julho de 2006. (p. 21)
______. Escué Zapata v. Colombia. Sentença de 4 de julho de 2007 (p. 21)
xvii
Equipe nº. 102
______. Baldeón García vs. Perú. Sentença de 6 de abril de 2006. (p. 21)
______. Anzualdo Castro vs. Perú. Sentença de 22 de abril de 2009. (p. 19 e 23)
______. Anzualdo Castro vs. Perú. Sentença de 22 de abril de 2009 (p. 26)
______. “Cinco Pensionistas” vs. Perú. Sentença de 28 de fevereiro de 2003. (p. 26)
______. Godínez Cruz vs. Honduras. Sentença de 20 de janeiro de 1989. (p. 26 e 27)
______. Baena Ricardo y otros vs. Panamá. Sentença de 2 de fevereiro de 2001. (p. 26
e 27)
______. Barrios Altos vs. Perú. Sentença de 14 de março de 2001. (p. 26)
______. Fairén Garbi y Solís Corrales vs. Honduras. Sentença de 26 de junho de 1987.
(p. 27)
______. Genir Lacayo vs. Nicaragua. Sentença de 29 de janeiro de 1997. (p. 25)
______. Valle Jaramillo y otros vs. Colombia. Sentença de 27 de novembro de 2008.
(p. 25 e 26)
______. Tiu Tojín vs. Guatemala. Sentença de 26 de novembro de 2008, par. 96. (p. 26)
xviii
Equipe nº. 102
______. Caesar vs. Trinidad y Tobago. Sentença de 11 de março de 2005. (p. 29)
______. Huilca Tecse vs. Perú. Sentença de 3 de março de 1988. (p. 29)
______.Lopez Mendoza vs. Venezuela. Sentença 1 de setembro de 2011. (p. 27)
______. Aloeboetoe y otros vs. Suriname. Sentença de 10 de setembro de 1993. (p. 29)
______. Bámaca Velásquez vs. Guatemala. Sentença de 22 de fevereiro de 2002. (p.
29)
______. Carpio Nicolle y otros vs. Guatemala. Sentença de 22 de novembro de 2004.
(p. 30)
______. Hermanas Serrano Cruz vs. El Salvador. Sentença de 01 de março de 2005.
(p. 29 e 30)
______. Masacre Plan de Sánchez vs. Guatemala. Sentença de 19 de novembro de
2004. (p. 4, 7 e 30)
______. Claude Reyes y otros v. Chile. Sentença de 19 de setembro de 2006. (p. 15)
______. Kawas Fernández vs. Honduras. Sentença de 3 de abril de 2009. (p. 25)
xix
Equipe nº. 102
______. Garibaldi vs. Brasil. Sentença de 23 de setembro de 2009. (p. 25)
______. OC-18/03 Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados.
17 de setembro de 2003. (p. 8)
______. OC-9/87 Opinião Consultiva OC-9/87 Garantías Judiciales en Estados de
Emergencia (arts. 27.2, 25 y 8 Convención Americana sobre Derechos Humanos). 6 de
outubro de 1987. (p. 26)
______. OC-17/02 Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. 28 de agosto de
2002. (p. 18)
______. Pueblo Indígena de Sarayaku vs. Ecuador. Resolução de 17 de junho de 2005.
(p. 28)
______. Cuatro Comunidades Indígenas Ngöbe y sus miembros vs. Panamá. Resolução
de 28 de maio de 2010. (p. 28)
______. Asunto Belfort Istúriz y otros vs. Venezuela. Resolução de 15 de abril de 2010.
(p. 28)
______. Asunto Giraldo Cardona y otros vs. Colombia. Resolução de 2 de fevereiro de
2010. (p. 28)
CIDH. Mary y Carrie Dann (Estados Unidos), 27 de dezembro de 2002. (p. 7 e 20)
xx
Equipe nº. 102
______. Comunidades Indígenas Mayas do Distrito de Toledo Belice. Decisão de 12 de
outubro de 2004. (p. 12)
______. Pueblo Yanomami vs. Brasil, Informe 12/85. Decisão de 5 de março de 1985.
(p. 26)
______. Norín Catriman y otros (Lonkos, dirigentes y activistas del pueblo indígena
Mapuche) vs. Chile. Decisão de 7 de agosto de 2011. (p. 20)
______. Martín Pelicó Coxic vs. Guatemala. Decisão de 15 de outubro de 2007. (p. 26)
______. MC-Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu vs. Brasil. (p. 28)
CORTE EDH. Taskin and others vs. Turquia. Sentença de 30 de março de 2005. (p. 24)
______. Motta vs. Italy. Decisão de 19 de fevereiro de 1991. (p. 25)
______. Ruiz Mateos vs. Spain Decisão de 23 de junho de 1993. (p. 25)
______. Van der Mussele v. Belgica. Sentença de 23 de novembro de 1983 (p. 16)
______. Siliadin vs. França. Sentença de 26 de Julho de 2005. (p.16)
______. Stummer v. Austria. Sentença de 7 de julho de 2011, pars. 117-118 (p.16)
xxi
Equipe nº. 102
______. Graziani v. Austria. Sentença de 18 de outrubro de 2011 (p. 16)
______. Van Raalte v. the Netherlands. Sentença de 21 de fevereiro de 1997 (p. 20)
______. Willis vs. the United Kingdom. Sentença de 11 de junho de 2002 (p. 20)
______. Okpisz vs. Germany. Sentença de 25 de outubro de 2005 (p. 20)
______. Oršuš and Others vs. Croatia. Sentença de 16 de março de 2010 (p. 20)
ACHPR. Caso Ogoni vs. Nigéria. Publicado em: International and Comparative Law
Quarterly, vol. 52, July 2003, pp. 749-760. (p. 7)
______. The Social and Economic Rights Action Center and the Center for Economic
and Social Rights v. Nigéria, 2001. (p. 24)
CDPC. Ilmari v. Finlândia. Decisão de 8 de novembro de 1994. (p. 15)
xxii
Equipe nº. 102
Senhor Presidente da Honorável Corte Interamericana de Direitos Humanos,
Os representantes das vítimas, em conformidade com o artigo 25 do Regulamento da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH ou Corte), vêm, por meio desta, apresentar
as razões de fato e de direito perante a Corte a fim de que seja declarada a responsabilidade
internacional do Estado de La Atlantis (“Estado” ou “La Atlantis”) pela violação dos direitos
à vida (art. 4); à integridade pessoal (art. 5), às garantias judiciais (art. 8), à propriedade (art.
21), à participação política (art. 23), à proteção judicial (art. 25) e ao desenvolvimento
progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais (“DESC”) (art. 26), em detrimento
das comunidades Chupanky e La Loma, todos relacionados com os arts. 1.1 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (“CADH”). Assim como o direito à proibição do
trabalho forçado e obrigatório (art. 6) em relação aos membros da Chupanky, dos direitos da
criança (art. 19) daqueles membros menores de 18 anos que sofreram trabalho infantil, e que
seja declarada a violação das obrigações da Convenção de Belém do Pará (art. 7) em relação
às mulheres integrantes da comunidade Chupanky. Além disso, o direito ao reconhecimento
da personalidade jurídica (art. 3) e de livre circulação e residência (art. 22) em relação à
comunidade La Loma. Por fim, com fundamento no art. 63.2 da CADH e no art. 27 do
Regulamento da Corte IDH, solicitar-se-á a adoção de medidas provisórias em favor das
comunidades, assim como as devidas medidas de reparação.
1. DOS FATOS
La Atlantis é um país Latino-Americano que possui selva tropical com vasta diversidade
biológica. Nesta região, a mais pobre do país, o Estado pretende construir a Usina
Hidroelétrica Cisne Negro, com a empresa Turbo Water (TW), utilizando o rio Motompalmo.
Na área escolhida para a implementação do projeto vivem as comunidades Chupanky e La
Loma. A primeira é uma comunidade indígena do povo Rapstan. Ocupa tradicionalmente
terras às margens do rio, que considera sagrado, e tem se regido por costumes, tradições,
1
Equipe nº. 102
idioma e organização próprios. Já a comunidade La Loma, formou-se nos anos 80 em
consequência de uma política de miscigenação do governo. As mulheres indígenas
envolvidas nos casamentos mestiços foram expulsas de suas comunidades, formando sua
própria, preservando muitas tradições ligadas à terra e ao rio. O Estado a reconheceu como
camponesa, apesar da controvérsia quanto à identidade dos grupos envolvidos nesta política.
A maior parte dos integrantes de La Loma repudiou a oferta do Estado de terras alternativas
devido à ligação cultural com o rio Motompalmo. O Estado ordenou a ocupação imediata dos
terrenos alojando seus residentes em acampamentos provisórios em condições de pobreza. Os
integrantes manifestaram a vontade de retornar ao território de origem. Membros insatisfeitos
de La Loma reclamaram o direito à propriedade no juízo civil, mas este entendeu não haver
na hipótese titularidade de direitos próprios de comunidades indígenas e tribais.
A comunidade Chupanky foi consultada sobre a obra, através da criação do Comitê InterSetorial (“Comitê”). A consulta, no entanto, foi feita apenas às autoridades da comunidade e
aos homens chefes de família, e os Estudos de Impactos Sociais e Ambientais (EISA) não
foram fornecidos nesta fase. Na quarta reunião, que contou com intérpretes da língua
Rapstaní, aprovou-se a primeira fase do projeto e sua continuação. Os empregos e a
remuneração oferecidos eram distintos para homens e mulheres. Após o início das obras, a
jornada de trabalho dos homens foi aumentada, contrariando o contrato de trabalho. Além
disso, por falta de equipamentos adequados, trabalhadores ficaram incapacitados. Foi também
observada pela comunidade a alteração da pesca na área. Ambas as comunidades
denunciaram as irregularidades cometidas pela empresa TW perante a Comissão de Energia e
Desenvolvimento (“CED”) e o Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais
(“MARN”), mas não tiveram mais respostas.
Por essas razões, a comunidade Chupanky se opôs a implementação das próximas fases do
projeto. A TW aumentou o nível de exigência dos trabalhadores indígenas e ameaçou
2
Equipe nº. 102
removê-los de suas terras prematuramente. A comunidade interpôs recursos administrativos e
judiciários que foram rejeitados e reafirmaram a política do Estado.
Em 26 de maio de 2010 as comunidades apresentaram uma petição perante a CIDH alegando
a violação dos art. 4.1, 5.1, 6.2, 21, 23, 8, 25 e 26 da CADH e as obrigações da Convenção de
Belém do Pará em prejuízo das comunidades Chupanky e La Loma, solicitando reparações
que contemplassem as perspectivas indígena e de gênero. A CIDH considerou violados os art.
1.1, 4.1, 5.1, 6.2, 21 e 25 da CADH em face da comunidade Chupanky, e 5.1, 21 e 25 quanto
à comunidade La Loma. A CIDH solicitou ao Estado medidas de reparação integral em favor
de ambas e a adoção de medidas cautelares, a fim de suspender a obra enquanto não fosse
resolvido o caso. Frente ao descumprimento do Estado, a CIDH apresentou o presente caso
perante a Corte IDH e solicitou a adoção de medidas provisórias.
2. DA ADMISSIBILIDADE
O Estado de La Atlantis ratificou os principais instrumentos regionais e universais de direitos
humanos em 1994 e reconheceu a competência contenciosa da Corte IDH em 1 de janeiro de
1995. Assim, a Corte é competente (i) ratione temporis para analisar violações cometidas a
partir de janeiro de 1995; (ii) ratione materiae para analisar fatos ocorridos no âmbito interno
do Estado e determinar a existência de violações de direitos previstos na CADH e na
Convenção de Belém do Pará;1 e (iii) ratione personae, considerando como vítimas os
membros de ambas as comunidades Chupanky e La Loma assim como as próprias
comunidades. 2 Nesse sentido, não se faz necessária a nomeação individual das vítimas,
considerando o caráter coletivo de seus direitos, a fim de reconhecer toda a comunidade
como parte lesionada. 3 Assim, nos termos do art. 62.3 da CADH, a Corte IDH é competente
1
CORTE IDH. Villagrán Morales vs. Guatemala. Exceções Preliminares de 11 de Setembro de 1997, par. 17;
Castillo Petruzzi y otros vs. Peru. Sentença de 04 de Setembro de 1988, par. 102; Cesti Hurtado vs. Perú.
Sentença de 26 de Janeiro de 1999, par. 45.
2
CORTE IDH. Massacre Plan de Sanchez vs. Guatemala. Sentença de 29 de abril de 2004, par. 86; Comunidade
Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005, par. 188.
3
CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Paraguay. Sentença de 28 de novembro de 2007, par. 188.
3
Equipe nº. 102
para analisar o presente caso.4
3. DO MÉRITO
A crescente necessidade de geração de energia elétrica por meio de novas formas que sejam
compatíveis com a também necessária preservação do meio ambiente vem levando muitos
países a criarem e incentivarem a implementação de projetos de desenvolvimento em seus
territórios. Entretanto, esta necessidade tem gerado conflitos entre a importância econômica e
social de tais projetos e os direitos dos povos e indivíduos que se localizam nas áreas por eles
afetadas e que geralmente são prejudicados. Tal conflito se intensifica quando empresas e
Estados pretendem desenvolver estes projetos em terras tradicionais de comunidades
indígenas e tribais. Internacionalmente, tem se reconhecido, através de instrumentos
específicos e pelo entendimento desta Corte,5 que os direitos destes povos devem incorporar
os valores e a cosmovisão que os diferencia da maioria da comunidade nacional,
especialmente pela relação espiritual que guardam com seu território. Dessa forma, o presente
caso representa uma oportunidade para que esta Corte se manifeste no sentido de assegurar a
especial proteção e interpretação dos direitos de povos indígenas e tribais, além de se
pronunciar, acerca de questões ainda pouco abordadas no SIPDH, como a autonomia do
direito à integridade cultural e a consideração da própria comunidade como vítima da
violação de direitos comunitários.
3.1 O Estado violou o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (art. 3) em
detrimento da comunidade La Loma
O Estado violou o art. 3 da CADH em detrimento à comunidade La Loma uma vez que
outorgou-lhe, através dos Decretos de 1985, o título de camponesa apesar de se tratar, de fato,
de uma comunidade tribal.
4
CORTE IDH. Loayza Tamayo vs. Perú. Sentença de 31 de janeiro de 1996, par. 21; Tribunal Constitucional vs.
Perú. Sentença de 24 de Setembro de 1999, par. 32, 33 e 35.
5
OIT. Convenção 169 sobre Direito dos Povos Indígenas e Tribais; ONU. Declaração sobre Direitos dos Povos
Indígenas; Projeto de Declaração Americana sobre Direito dos Povos Indígenas; CORTE IDH. Comunidad
Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai. Sentença de 24 de agosto de 2010.
4
Equipe nº. 102
La Loma formou-se como consequência da política racista e discriminatória de assimilação
de grupos indígenas, adotada pelo Estado nos anos 80, que gerou casamentos mestiços e
conflitos entre comunidades. Apesar da política de assimilação, manteve muitas das tradições
do povo Rapstan estritamente ligadas ao território e ao rio. Assim, preenche os dois critérios
elementares para a caracterização de um povo como tribal, segundo o entendimento desta
Corte no caso Moiwana, por manter costumes semelhantes aos de povos indígenas, que os
diferenciam dos demais setores da sociedade e por possuir relação especial com a terra
tradicional. 6 Posteriormente, a Corte, no caso Saramaka, definiu um terceiro critério, também
previsto pela Convenção 169 da OIT 7; a autoidentificação do povo e de seus integrantes
como indígenas ou tribais, o qual é também preenchido no presente caso. A autoidentificação
de La Loma como comunidade tradicional é evidente tendo em vista que buscou
internamente a efetividade de seus direitos especiais como o direito à consulta, à realização
de EISA e a divisão dos benefícios. Frisa-se que, ainda que existam distinções conceituais,
comunidades indígenas e tribais são titulares da mesma proteção. 8
Cabe ressaltar ainda o entendimento da CIDH de que o fato da comunidade ter como meio de
subsistência atividades econômicas tipicamente camponesas não é causa excludente de sua
natureza tradicional. 9 Apesar de alguns países utilizarem comumente o termo “camponês”
para, internamente, referirem-se a comunidades indígenas e tribais, a CIDH frisa que povos
tradicionais podem exercer o campesinato como atividade econômica sem se confundirem
com grupos camponeses não indígenas, exatamente pela característica essencial dos povos de
6
CORTE IDH. Comunidad Indígena Moiwana vs. Surinam. Sentença de 15 de junho de 2005, pars. 132-133.
OIT. Convênio 169. Art. 1.
7
OIT. Convênio 169, art. 1.2; Los Derechos de los Pueblos Indígenas y Tribales en la Práctica ‐ Una Guía
sobre el Convenio No. 169 de la OIT. pág. 9; CIDH, Acceso a la Justicia e Inclusión Social: El camino hacia el
fortalecimiento de la Democracia en Bolivia. 28 de junio de 2007, par. 217; Corte IDH. Caso de la Comunidad
Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay, par. 37.
9
CIDH. Relatório Comunidades Cautivas: Situación del pueblo indígena guaraní y formas contemporáneas de
esclavitud en el Chaco de Bolivia (2009), par. 34.
8
5
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tradicionais, qual seja, a relação espiritual com o território. 10 Nesse sentido, não cabe o
possível argumento por parte do Estado de que a comunidade teria tacitamente renunciado
sua natureza tradicional por ter aceitado os subsídios para a realização de atividades de
subsistência; ressalta-se que a comunidade nunca deixou de exercer suas atividades culturais
e espirituais ligadas à terra e ao rio e, portanto, a aceitação dos subsídios apenas reitera a
situação de pobreza e vulnerabilidade em que a comunidade se encontrava, evidenciando a
ausência do Estado na região e, especificamente, a ausência de uma proteção especial aos
povos tradicionais, vítimas do presente caso.
No já mencionado caso Saramaka, a Corte afirma a importância do reconhecimento da
personalidade jurídica das comunidades tradicionais, para que sejam capazes de buscar
internamente seus direitos especiais a partir de uma concepção coletiva, essencial para a
proteção de sua cosmovisão. 11
Nesse sentido, resta claro que o Estado, ao outorgar o título de camponesa à comunidade La
Loma, apesar de suas características específicas de um povo tribal, violou o art. 3 da CADH
e, consequentemente, privou-a da proteção especial12 por parte do Estado.
3.2 O Estado violou os direitos à propriedade (art. 21) em detrimento das comunidades
Chupanky e La Loma
O Estado violou o direito à propriedade comunitária das comunidades, considerado parte do
jus cogens pelo SIPDH,13 na medida em que implementou o projeto Cisne Negro sem
respeitar os critérios de restrição da propriedade de povos indígenas e tribais.
O direito à propriedade tradicional, além de estar previsto de maneira geral na CADH,14 tem
sido protegido pela Corte como forma de garantia da sobrevivência física e cultural das
10
CIDH. Relatório Comunidades Cautivas: Situación del pueblo indígena guaraní y formas contemporáneas de
esclavitud en el Chaco de Bolivia (2009), par. 34.
11
CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Surinam. Op.Cit. pars. 171-175.
12
OIT. Convênio 169 e UNDRIP.
13
CORTE IDH. Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Sentença de 31 de agosto de 2001,
par. 140(d).
14
CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Surinam. Op.Cit. Par. 91.
6
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comunidades indígenas e tribais. 15 Destaca-se que o direito à propriedade comunitária não é
meramente uma questão de posse e produção, 16 mas também base fundamental para o
desenvolvimento da cultura, da vida espiritual, integridade e sobrevivência econômica da
comunidade, 17 com significado coletivo 18, que deve ser preservado como legado cultural para
as gerações futuras.19 Os recursos naturais e todos os locais utilizados pela comunidade para
realização de atividades tradicionais e para desenvolvimento normal de seus modos de vida,
como o rio Motompalmo, fazem parte da propriedade comunitária 20 e devem ser
protegidos. 21
O Estado não cumpriu os requisitos estabelecidos pela Corte para restrição da propriedade
comunitária, que são: i) a restrição deve ser necessária ii); deve constituir fim legítimo em
uma sociedade democrática; iii) deve ser proporcional e; iv) estar prevista em lei. 22 Quanto
ao primeiro requisito, reconhece-se a necessidade de produção do projeto, considerando o
contexto do país, ou seja, a escassez crônica de energia e os problemas econômicos e sociais
dela derivados. Quanto ao segundo requisito, é evidente que o objetivo de se gerar energia em
um Estado em desenvolvimento é legítimo. Entretanto, tal legitimidade é estritamente
relacionada com o respeito aos demais direitos e garantias das comunidades e indivíduos
afetados pelo projeto. 23 o que não ocorreu no presente caso. Tampouco foi cumprido o
terceiro requisito, posto que a restrição não foi proporcional; o Estado não demonstrou ter
15
CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Surinam. Op.Cit. Par. 90.
CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Suriname. Op.Cit par. 90.
17
CORTE IDH. Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay. Op.Cit. par. 113(a); Comunidad Mayagna
(Sumo) Awas Tingni, Op.Cit. Par. 149.
18
CORTE IDH. Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Sentença de 11 de agosto de 2001,
par. 149.
19
CORTE IDH. Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Op.Cit. par. 149; Comunidad
Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Op.Cit. par. 124, 131; Masacre Plan de Sánchez Vs. Guatemala. Op.Cit. par
85.; CIDH. Caso Mary y Carrie Dann (Estados Unidos), 27 de dezembro de 2002, par. 130; CERD. Decisão
2(54) sobre Australia, par. 4.
20
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Op.Cit. par. 124 e 154; Comunidad Mayagna
(Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Op.Cit. Par. 140(f) e 109; Pueblo Saramaka. Vs. Suriname; Op.Cit. Par.
121 e 122. Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Op.Cit. Par. 118 e 121.
21
OIT. Convênio 169, art. 13.2.
22
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Op.Cit. par. 144; Pueblo Saramaka vs. Surinam.
Op.Cit. par. 127.
23
CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Suriname. Op.Cit. Par. 129; CADHP. Ogoni vs. Nigéria.
16
7
Equipe nº. 102
tomado todas as medidas para que a restrição dos direitos dos povos afetados pela
implementação do projeto fossem a mínima possível. Isto fica evidente, tendo em vista que os
únicos estudos prévios às consultas foram de viabilidade, os quais apenas contaram com as
características geográficas da região Chupuncué, sem considerar as necessidades especiais
das comunidades afetadas pelo projeto, devido a sua relação espiritual com a terra. No
mesmo sentido, frisa-se que não houve quaisquer estudos prévios que visassem a restringir e
a minimizar os danos do projeto que, até o presente momento, já causou alterações no meio
ambiente prejudiciais à pesca.24 Além disso, La Atlantis possui outras importantes bacias
fluviais importantes, onde um empreendimento da dimensão de uma hidroelétrica talvez não
gerasse impactos sócio-ambientais tão profundos. 25 Por fim, não há previsão legal interna em
La Atlantis que regule a restrição da propriedade comunitária tradicional, configurando o
descumprimento do quarto requisito.
Resta claro, portanto, que o direito à propriedade comunitária de ambas as comunidades foi
violado pelo Estado de La Atlantis pelo não cumprimento dos requisitos supracitados.
3.2.2. Das violações em prejuízo da La Loma (arts. 21, 22 e 5 c/c 1.1 da CADH)
O Estado violou de forma específica os direitos territoriais de La Loma, em primeiro lugar,
por não ter reconhecido a importância da relação com a terra para o desenvolvimento desta
comunidade. Esta premissa gerou a violação sistemática dos direitos deste povo, que foi
expulso de suas terras tradicionais, através de uma evicção forçada, e realocado em um
alojamento provisório, contra a sua vontade.
A relação da comunidade La Loma com o rio espelha a tradição indígena, preservada pelas
mulheres deste povo que outrora pertenceram ao povo Rapstan, antes da política de
24
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005, par. 145;
Ricardo Canese vs. Paraguay. Sentença de 31 de agosto de 2004, par. 96; Herrera Ulloa vs. Costa Rica. Op.Cit.
par. 127; Ivcher Bronstein vs. Perú. Op.Cit. par. 155.
25
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Op.Cit. par. 145; Ricardo Canese vs. Paraguay.
Sentença de 31 de agosto de 2004, par. 96; Herrera Ulloa vs. Costa Rica. Sentença de 2 de julho de 2004, par.
127; Ivcher Bronstein Vs. Perú. Sentencia de 6 de fevereiro de 2001, par. 155.
8
Equipe nº. 102
assimilação perpetrada pelo Estado. Grande parte desta cultura continuou sendo desenvolvida
pela comunidade e, por isso, a relação com a terra continua exercendo papel fundamental
para os costumes e para a cultura de La Loma. A Corte já afirmou que o afastamento de uma
comunidade tribal de suas terras tradicionais, compromete radicalmente seu modo de vida e o
desenvolvimento de sua identidade cultural. 26 Ainda assim, La Atlantis retirou forçosamente
o povo de seu território a fim de implementar o Projeto Cisne Negro, sem cumprir as
garantias necessárias para exploração das terras tradicionais. 27 Segundo o Comitê DESC, a
evicção forçada se caracteriza pela remoção permanente, contra a vontade das comunidades,
de suas casas, sem a previsão de, ou acesso a formas apropriadas de proteção legal ou de outra
natureza, que estejam de acordo com as previsões de Tratados Internacionais de Direitos
Humanos. 28 Assim, é clara a configuração da evicção forçada no presente caso, tendo em
vista que os procedimentos utilizados pelo Estado para realizar a expropriação não estavam
em consonância com os direitos consagrados pela CADH, posto que não consideraram o
caráter especial da comunidade La Loma e, por isso, não tomaram medidas específicas para
salvaguardar sua especial relação com seu território e com o rio Motompalmo.
Destaca-se que o reassentamento da comunidade no acampamento é provisório, porém a
remoção é permanente, já que o terreno será utilizado para a hidroelétrica. O Comitê DESC
garante a todos a proteção legal contra a evicção forçada29 e compreende ser esta causadora
de danos psicológicos e traumas profundos àqueles que com ela sofrem. Assim, caracteriza-se
também a violação da integridade psíquica dos membros da comunidade que foram
removidos para o alojamento provisório,30 de forma que o Estado violou o art. 5 da CADH.
26
CORTE IDH. Comunidad Moiwana vs. Surinam. Op.Cit. Par. 131 e 133.
CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Surinam. Op.Cit. par. 129.
28
ONU. Comitê DESC. General Comment No.7 (1997) on the right to adequate housing (Article 11.1): Forced
Evictions, par. 8.a.
29
ONU. Comitê DESC. General Comment No.7 (1997) on the right to adequate housing (Article 11.1): Forced
Evictions. Anexo III, par. 8.
30
ONU. Comitê DESC. Comentário Geral No. 7 (1997) sobre direito à moradia adequada (art. 11.1): Evicção
Forçada, p. 113.
27
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Por fim, o art. 22 da CADH também foi violado por La Atlantis, uma vez que essa Corte
entende, assim como a ONU, que o direito de livre circulação e residência consiste no direito
de escolher o seu lugar de residência. 31 Desta forma, o Estado violou este direito ao realizar a
evicção forçada, não permitindo que a comunidade permanecesse vivendo em suas terras
tradicionais, o que se agrava por se tratar de uma comunidade tribal. Caracteriza-se, dessa
forma, a violação dos arts. 21, 5 e 22 c/c 1.1 da CADH em detrimento desta comunidade, na
medida em que não foi reconhecida a sua especial relação com a terra originalmente ocupada
e, portanto, não foram cumpridas as exigências para que a restrição de suas terras se desse de
maneira a respeitar seus direitos como comunidade tribal.
3.3. O Estado violou o direito à participação política (art. 23 CADH) das comunidades
La Atlantis violou o direito à participação política em prejuízo das comunidades, na medida
em que, quanto à Chupanky, o processo de consulta não seguiu os parâmetros internacionais
determinados pelos instrumentos de interpretação da CADH e definidos pela jurisprudência
da Corte IDH, e quanto à La Loma, sequer houve a instalação de qualquer processo de
consulta e de informações.
O direito à participação no processo de consulta, além de constituir uma das garantias para a
restrição do direito à propriedade comunitária, paralelo ao dever de cumprir os 4 já
mencionados requisitos para tal restrição, como já definido por essa Corte,
32
é também um
direito autônomo dos indivíduos 33. No campo de proteção de direitos de povos indígenas e
tribais, os direitos políticos se traduzem na realização, por parte do Estado, de consultas
prévias, livres e informadas, para obter o consentimento das comunidades afetadas.
31
CORTE IDH. Masacre de Mapiripán vs. Colombia. Sentença de 15 de Setembro de 2005, par. 168;
Comunidad Moiwana, Op.Cit. Par. 110; Ricardo Canese. Op.Cit. par. 115; CDHNU. Comentário Geral No. 27.
Par. 4.
32
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay.Op.Cit. par. 151; Pueblo Saramaka vs. Paraguay.
Op.Cit. par. 129; Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai. Sentença de 29 de março de 2006, par. 135;
Comunidad Indígena Xákmok vs. Paraguai. Sentença de 24 de agosto de 2010, par. 157; OIT. Convenção 169
sobre direito dos povos indígenas e tribais. Art. 6o. Recomendação Geral XXIII relativa aos direitos das
populações indígenas, A/52/18, 1997.
33
CADH Art. 23.
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3.3.1. O Estado violou o art. 23 c/c 1.1 da CADH em relação à comunidade Chupanky
O Estado violou o art. 23, pois não forneceu informações suficientes, ao não realizar o EISA,
durante as reuniões nas quais a comunidade aprovou a primeira fase do projeto e sua
continuidade, resultando na ausência de informações suficientemente detalhadas à
comunidade e, portanto, viciando a sua manifestação de consentimento.
A Corte determina requisitos a serem atendidos pelo processo de consulta a comunidades
indígenas e tribais: i) ser de boa-fé; ii) ser prévio; iii) as comunidades serem devidamente
informadas; e iv) ser realizado com o intuito de se chegar a um acordo. 34 Primeiramente, o
Estado não agiu de boa-fé, tendo em vista a ausência das demais garantias para que a consulta
fosse considerada válida e a qual, por sua vez, apenas teve início por conta da pressão de
órgãos internos e internacionais de proteção dos direitos dos povos indígenas e tribais. Além
disso, o Estado também descumpriu o primeiro requisito, posto que a consulta não foi prévia,
pois não foi realizada antes da concessão de exploração das terras tradicionais ou do início do
projeto de geração de energia. 35 O Estado iniciou o processo de consulta apenas em
novembro de 2007, mais de dois anos após ter autorizado a concessão à empresa TW. Isto
demonstra que o processo foi realizado em tempo inoportuno, por não ter ocorrido antes da
concessão. Em relação ao terceiro item, as informações fornecidas pelo Estado, através do
EISA, devem conter dados acerca dos possíveis danos ao meio ambiente e à estrutura social
das comunidades. 36 Todavia, La Atlantis realizou o processo de consulta sem fornecer
qualquer dado relativo ao EISA, que só foi iniciado em fevereiro de 2008, após o
consentimento da comunidade, ocorrido em dezembro de 2007. Destaca-se ainda que o EISA
contou apenas com a participação de peritos. O Estado desrespeitou, assim, os parâmetros
internacionais que determinam ser essencial a participação das comunidades na produção do
EISA, para que possam avaliar as possíveis repercussões ambientais do projeto, avaliar
34
CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Surinam. Op.Cit. par. 133.
Idem.
36
Idem.
35
11
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alternativas e estabelecer medidas apropriadas de mitigação, gestão e seguimento. 37 Além
disso, os estudos, quando finalmente fornecidos à comunidade, não tinham sido traduzidos
para a língua oficial Rapstaní, o que resulta na permanente ausência de informações acerca
dos danos inerentes ao projeto. Cabe ressaltar ainda que o processo de consultas apenas
contou com tradutores para a língua oficial Rapstaní na última reunião e não durante todo o
processo. Assim, o Estado não cumpriu os requisitos do processo de consulta o que torna
inválido o consentimento outorgado anteriormente pela comunidade para a continuação das
obras, descumprindo, portanto, o último dos requisitos para a consulta válida. 38
3.3.1.1. O Estado discriminou as mulheres da comunidade durante o processo de
consulta (art. 23 c/c 1.1 da CADH e art. 7, “a” da Convenção de Belém do Pará)
O Estado não permitiu a participação das mulheres interessadas da comunidade Chupanky
durante o processo de consulta, restringindo-a apenas às autoridades e aos homens chefes de
família, o que implicou discriminação baseada em gênero. Ainda assim, as mulheres, através
do grupo Guerreiras do Arco-Íris, pleitearam os seus direitos, que foram negados novamente
pelo Estado, conforme será abordado posteriormente.
É devido, inicialmente, ressaltar que La Atlantis desrespeitou os principais tratados
internacionais de direitos humanos que reconhecem a igualdade de gênero no gozo do direito
à participação política 39, considerado direito fundamental, 40 uma vez que tal igualdade não
foi garantida pelo Estado às mulheres indígenas.
37
CIDH. Derecho de los Pueblos Indígenas y Tribales sobre sus Tierras Ancestrales y Recursos Naturales.
Normas y jurisprudencia del Sistema Interamericano de Derechos Humanos, par. 245-246; OIT. Convenio 169,
artículo 7.3; Banco Mundial, Política Operacional 4.01, Anexo A: Definiciones, par. 2; ONU. Declaração do
Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, princípio 10.
38
CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Surinam. Sentença de 12 de agosto de 2008, par. 41.
39
CIDH. Informe: El camino hacia una democracia sustantiva: la participacións políticas de las mujeres em las
Américas. 18 abril 2011, par. 7; Carta Democrática Interamericana. Arts. 4 e 9; Declaração Americana de
Direitos e Deveres do Homem. Art. II; Convenção Interamericana para Previnir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher. Art. 5; CEDAW. Art. 1. Recomendação Geral nº 23 que trata da participação política;
Convenção Interamericana sobre a Concessão de Direitos Políticos à mulher. Preâmbulo; Fórum Permanente
sobre questões indígenas e os ODMNU. Goal 7: Ensure Environmental Sustainability, 2007, p. 1.
40
CIDH. Informe: El camino hacia una democracia sustantiva: la participacións políticas de las mujeres em las
Américas. 18 abril 2011; Informe Anual 1999, Consideraciones sobre la compatibilidad de las medidas de
acción afirmativa concebidas para promover la participación política de la mujer con los principios de
igualdad y no discriminación, capítulo V, C.1.
12
Equipe nº. 102
Ademais, o projeto Cisne Negro, obra geradora do dever de consultar do Estado, foi realizado
no marco dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas (“ODMNU”)
com o qual La Atlantis se comprometeu. Destaca-se que a ONU afirma que a perspectiva de
gênero deve estar completamente integrada à implementação e monitoramento de todos os
ODMNU,41 o que claramente não foi respeitado pelo Estado, ao não proporcionar a
participação das mulheres interessadas no processo de consulta do Projeto Cisne Negro,
projeto de geração de energia que integra o Plano Nacional de Desenvolvimento. As
mulheres, nesse contexto, são duplamente vulneráveis, por serem mulheres e por serem
membros de uma comunidade indígena marginalizada. 42
Tampouco cabe o eventual argumento do Estado de que a privação da participação das
mulheres no processo de consulta teria como fundamento o respeito às tradições da
comunidade pois, além de a organização patriarcal ter sido adotada apenas nas últimas
décadas como resultado da política de miscigenação perpetrada pelo Estado e, assim, não
constituindo
propriamente
uma
tradição,
o
Comitê
CEDAW
determina
que,
independentemente dos costumes adotados, o tratamento da mulher deve conformar-se ao
princípio de igualdade. 43 No mesmo sentido, a OIT já determinou que um costume
incompatível com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos não deve ser levado
em conta na aplicação da legislação nacional aos povos interessados. 44 Desta forma, o
suposto costume discriminatório e desigual não deveria ter sido aplicado pelo Estado, em
nome dos princípios vinculantes da igualdade e não discriminação, que alcançaram o status
41
ONU. Fórum Permanente sobre questões Indígenas e os ODMNU’s. Goal 7: Ensure Environmental
Sustainability, 2007, p. 1.
42
CORTE IDH. Yatama vs. Nicaragua. Op.Cit. par. 195; CIDH. Informe: El camino hacia una democracia
sustantiva: la participacións políticas de las mujeres em las Américas. Op.Cit; Comitê DESC. Observação
Geral 16: La Igualdad de Derechos del Hombre y la Mujer al Disfrute de los Derechos Económicos, Sociales y
Culturales, 2005, par. 7; Comitê DESC, Observação Geral 20, La No Discriminación y los Derechos
Económicos, Sociales y Culturales, 2 de julio de 2009, par. 8.
43
CEDAW. Recomendação Geral nº 21(13º período de sesiones, 1994), par. 61.
44
OIT. Convênio 169, art. 8.2.
13
Equipe nº. 102
de jus cogens.45 Ainda, tal argumento reafirma a discriminação de gênero, na medida em que
evidencia o entendimento do Estado de que a cultura do povo Chupanky deve ser definida
apenas por seus integrantes homens, desconsiderando que as mulheres também fazem parte
desta cultura e que, se reclamam seu direito de participação política nas consultas,
demonstram que a discriminação não é parte de suas tradições e não é por elas desejada.
Portanto, La Atlantis deveria ter garantido tratamento não discriminatório que gerasse a
oportunidade para que as mulheres exercessem seu direito à participação política. 46
A Convenção de Belém do Pará, nos arts. 4 (j), 5 e 6, afirma a íntima relação entre
discriminação de gênero no gozo de direitos e a violência contra mulher. A impossibilidade
das mulheres da comunidade Chupanky exercerem os seus direitos políticos, com efeito,
perpetua uma realidade discriminatória que permite diversas formas de violência contra a
mulher. 47 Esta situação se agrava tendo em vista que são as mulheres da comunidade
Chupanky as guardiãs da tradição com a água, ligada à transmutação dos mortos, de forma
que a construção da usina e consequente alagamento do rio, lhes causa dano direto.
Apesar disso, o Estado não apenas não adotou as medidas necessárias para prevenir e
eliminar a discriminação contra as mulheres, mas também as discriminou durante o processo
de consulta e se omitiu frente à denúncia de violação realizada pelas Guerreiras do Arco-Íris.
Evidencia-se, portanto, que o Estado violou o art. 23 c/c com o 1.1 da CADH e o art. 7,
incisos “a” e “b” da Convenção de Belém do Pará.
3.3.2. Violação do art. 23 c/c 1.1 da CADH em detrimento da comunidade La Loma
No que concerne à La Loma, o Estado violou o direito à participação política uma vez que
45
CORTE IDH. Yatama vs. Nicaragua. Sentença de 23 de junho de 2005, par. 6; OC- 18, par. 101.
CORTE IDH. Yatama vs. Nicaragua. Op.Cit. Par. 85; Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes
Indocumentados, par. 101; CIDH. Informe El trabajo, la educación y los recursos de las mujeres: La ruta hacia
la igualdad en la garantía de los derechos económicos, sociales y culturales. 3 de novembro de 2011;
Declaração Universal de Direitos Humanos, arts. 1 e 2; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, arts.
2(1) e 26; Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, arts. 2(2) e 3; Convenção sobre
Erradicação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, art. 1.
47
CORTE IDH. Rosendo Cantú y otra vs. México. Sentença de 31 de agosto de 2010, par. 120; Convenção de
Belém do Pará, art. 5.
46
14
Equipe nº. 102
não realizou consulta, não forneceu informações relativas ao Projeto da Hidroelétrica Cisne
Negro e, tampouco propiciou a participação na elaboração do EISA, sob o argumento de que
a comunidade era camponesa, e não tribal ou indígena, e não teria estes direitos.
Como já mencionado, a comunidade La Loma é tribal e, assim, tem direito ao devido
processo de consulta, com participação de benefícios, e informações, que não foi sequer
iniciado pelo Estado em relação à La Loma. 48
Ressalta-se ainda que todos os cidadãos, e não apenas os membros de comunidade indígena
ou tribal, devem ter: i) acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente, como o
EISA; ii) a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões; e iii) acesso à
justiça. 49 Assim, ainda que o Estado tenha caracterizado La Loma como camponesa,
permanece o dever de estimular e facilitar a participação política da comunidade, garantindo
a sua efetiva participação em qualquer decisão que possa afetá-la, o que foi negado pelo
Estado, através da Ordem 1228/2006. 50 Desta forma, o Estado violou os arts. 23 c/c 1.1 da
CADH por não reconhecer sua natureza tribal e, com isso, não garantir a proteção especial
necessária, ao não informá-la e não consultá-la sobre projeto que a afeta.
3.4. O Estado violou os direitos à proteção contra o trabalho forçado e obrigatório e à
integridade pessoal (arts. 6 e 5 da CADH) em prejuízo de membros da Chupanky
O Estado violou os arts. 6 e 5 uma vez que ofereceu, como forma de divisão de benefícios,
trabalho que se configura como forçado da comunidade indígena, inclusive de crianças,
explorado pela empresa TW, de capital misto, que realiza a obra pública. A exploração do
trabalho afetou a integridade pessoal de alguns membros e discriminou também as mulheres.
48
OIT. Convênio 169, art. 15.2
CORTE IDH. Caso Claude Reyes y otros v. Chile. Sentença de 19 de setembro de 2006. Série C No. 151, par.
86; ONU. Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, princípio 10; SHELTON,
Dinah. Derechos ambientales y obligaciones en el sistema interamericano de derechos humanos. In: Anuario de
Derechos Humanos 2010 del Centro de Derechos Humanos de la Facultad de Derecho de la Universidad de
Chile. Santiago: Centro de Derechos Humanos de la Facultad de Derecho de la Universidad de Chile, 2010, p.
111-127.
50
ONU. Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, principio 10; Comitê de
Direitos Políticos e Civis. Caso Ilmari v. Finlândia. Decisão de 8 de novembro de 1994, par. 9.5.
49
15
Equipe nº. 102
O trabalho forçado explorado em La Atlantis apresenta características muito similares com o
que ocorre com os indígenas no Chaco boliviano: mais de 12 horas de trabalho, salários
abaixo do mínimo nacional, habitam regiões isoladas, marginalizadas e extremamente
pobres.51 Esta situação é considerada pela CIDH como uma manifestação extrema da
discriminação que historicamente os indígenas vem sofrendo e é contrária à DNUDPI. 52 O
trabalho forçado é proibido desde 1930 por vários instrumentos internacionais,53 considerado
direito consuetudinário e jus cogens.54 Desde 1983, a Corte EDH adota os dois requisitos
determinados pela OIT 55 para a caracterização do trabalho forçado, que são: i) a não
voluntariedade; e ii) a ameaça de pena.56 No mesmo sentido, a Corte IDH no paradigmático
caso Masacres de Ituango vs. Colombia, primeiro e único que considerou violado o art. 6 da
CADH, além de adotar os dois requisitos citados, acrescentou também um terceiro: iii) o
vínculo com agentes estatais; todos eles presentes no caso em análise. 57 Quanto ao primeiro
item, a não voluntariedade abrange a relação de trabalho na qual houve o consentimento
inicial, mas que foi fruto de falsas promessas sobre os tipos de condições trabalhistas. 58 Os
membros da comunidade aceitaram a oferta de emprego, porém, as condições de prestação
foram alteradas drasticamente: a jornada dos homens foi aumentada de 9 para 15 horas
51
CIDH. Comunidades Cautivas: Situação do povo indígena Guarani e formas contemporâneas de escravidão
no Chaco da Bolívia. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 58 24 de dezembro de 2009, pars. 97, 139 e 166.
52
CIDH. Comunidades Cautivas: Situação do povo indígena Guarani e formas contemporâneas de escravidão
no Chaco da Bolívia. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 58 24 de dezembro de 2009, par.3; DNUDPI, art. 17.
53
Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral em sua resolução
217 A (III) de 10 de dezembro de 1948; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; Convenção Europeia
de Direitos Humanos; Convenção Americana de Direitos Humanos; Estatuto de Roma da Corte Internacional
Criminal; Convenção n. 29 e 105 da OIT; Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravidão e práticas
semelhantes que complementou a Convenção sobre a Escravidão de 1926.
54
David Weissbrodt y Liga contra la Esclavitud, La abolición de la esclavitud y sus formas contemporáneas,
(HR/PUB/02/4), ACNUDH, 2002, párr. 6.
55
OIT. Convenção n. 29, art. 2.2.
56
CORTE EDH. Van der Mussele v. Belgica. Sentença de 23 de novembro de 1983, par. 35; Siliadin vs. França.
Sentença de 26 de Julho de 2005, par. 116; Stummer v. Austria. Sentença de 7 de julho de 2011, pars. 117-118;
Graziani v. Austria. Sentença de 18 de outrubro de 2011, par. 36.
57
CORTE IDH. Masacres de Ituango vs. Colombia. Sentença de 1 de julho de 2006, pars. 157 e 160.
58
Conferência Internacional do Trabalho, 96a reunião, 2007. Informe III (Parte B). Estudio general relativo al
Convenio sobre el Trabajo Forçoso, 1930 (n.29), y al Convenio sobre la abolición del trabajo forçoso, 1957 (n.
105). Par. 38.
16
Equipe nº. 102
diárias, sem o pagamento de horas extras,59 e para as mulheres, não foram determinados
horários fixos de serviço. Configurando, portanto, as falsas promessas de condições de
trabalho. Quanto ao segundo item, assim que os membros da comunidade denunciaram as
irregularidades, a empresa ameaçou processá-los por descumprimento do contrato de
trabalho, demiti-los e também removê-los o mais rápido possível de suas terras tradicionais
para terras alternativas, caracterizando o requisito de ameaça de pena. Quanto ao terceiro
item, a violação é atribuível aos agentes do Estado, seja por meio de sua participação direta
ou por sua ciência dos fatos. 60 O Estado ofereceu os empregos como forma de divisão de
benefícios do projeto Cisne Negro, havendo, assim, participação direta. Além disso, o Estado
tinha ciência da contratação indígena na realização de obra pública e não adotou medidas
especiais para garantir a proteção efetiva destes trabalhadores 61. Ainda, frente às denúncias
dos trabalhadores indígenas realizadas em 2008 e novamente em 2009, o Estado não
investigou, sancionou ou preveniu tais violações, descumprindo com o seu dever de
diligência, sendo, assim, responsável por elas. 62
Além disso, diante da ausência de prevenção por parte do Estado, alguns trabalhadores
tiveram a sua integridade física violada pela falta de equipamentos especializados, causando
incapacidade parcial. Assim, o Estado falhou no dever de fiscalizar a obra e, assim, de
prevenir tais violações.63 Desta forma, o Estado violou o art. 6 c/c 1.1 em detrimento dos
membros que foram explorados pelo trabalho forçado, e o art. 6 e 5 c/c 1.1 aqueles que ainda
sofreram danos físicos decorrentes da ausência de equipamentos adequados.
3.4.1. Do trabalho forçado infantil (arts. 6 e 5 c/c o arts. 19 e 1.1 da CADH)
59
ONU. Fórum Permanente sobre Questões Indígenas. El Trabajo Forçoso y los pueblos indígenas. 16-27 de
maio de 2011. Par. 5, 6, 9 e 26.
60
CORTE IDH. Masacres de Ituango v. Colombia. Op.Cit. par. 166.
61
OIT. Convenção 169, art. 20.1.
62
CORTE IDH. Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de 29 de julho de 1988, par. 174 a 181; González
y otras (“Campo Algodonero”) vs. México. Sentença de 16 de novembro de 2009, par. 290.
63
CORTE IDH. Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de 29 de julho de 1988, par. 174 a 181.
Convenção 167, OIT, art. 4.
17
Equipe nº. 102
O Estado violou os arts. 6 e 5 c/c 19 e 1.1 da CADH, uma vez que incluiu na exploração do
trabalho forçado na construção da hidroelétrica menores de 18 anos, ou seja, crianças
indígenas, que são especialmente vulneráveis. 64 Assim, o Estado atuou em desconformidade
com a Convenção 138 da OIT que determina que menores de 18 anos não podem trabalhar
em construções.65 Ainda, o trabalho forçado de menores de 18 anos constitui uma das piores
formas de trabalho infantil, conforme a Convenção 182 da OIT. 66 Ainda, as condições de
trabalho impossibilitavam as crianças a darem continuidade a seus estudos 67 e ao modo de
vida próprios de sua idade e cultura. 68 Tal situação é contrária ao interesse superior da
criança, que deveria ser norteador de políticas do Estado,69 e é também prejudicial ao
desenvolvimento físico, psicológico, social e moral delas, violando, portanto, a integridade
pessoal destas crianças. 70 Ao criar e manter essa situação, o Estado dá continuidade a
marginalização e pobreza da nova geração da comunidade indígena. 71 Desta forma, o Estado,
omitiu-se, perante uma das piores formas de trabalho infantil, 72 e não cumpriu seu dever de
prevenir e sancionar estas violações. Portanto, violou os arts. 6 e 5 c/c 1.1 da CADH em
detrimento das crianças da comunidade Chupanky.
3.4.2. Discriminação de gênero no trabalho forçado (arts. 6 e 5 da CADH c/c 7 da
64
CORTE IDH. Rosendo Cantú y otras vs. México. Sentença de 31 de Agosto de 2010, par. 201; OC-17/02 de
28 de Agosto de 2002, par. 101; Servellón García vs. Honduras. Sentença de 21 de setembro de 2006, par 116;
Chitay Nech y otros, Op.Cit. par. 164; Masacre de Las Dos Erres vs. Guatemala. Sentença de 24 de novembro
de 2009, par. 184; OC-17/02, 28 de agosto de 2002, pars. 56, 59, 60, 86 e 93; ONU. Convenção sobre os
Direitos da Criança, art. 1.
65
OIT. Convenção 138, art. 5; Recomendação n. 146, art. 12.1 e art. 9.
66
OIT. Convenção 182, arts. 2 e 3, (a).
67
Art. 29, parágrafo 1 da Convenção sobre o Direito das Crianças; Recomendação n. 146 da OIT, art. 12.1.
68
CORTE IDH. “Masacre de Mapiripán” vs. Colombia. Op.Cit. Par. 152; ONU. Convenção sobre o Direito das
Crianças, art. 32.
69
CIDH. Informe Anual, 1991, cap. IV , ponto I; CIDH. Informe Anual sobre os Direitos da Criança, 1998, cap.
VI ; Preambulo da Convenção 182 da OIT. Convocada em Genebra pelo Conselho de Administração da
Repartição Internacional do Trabalho e reunida naquela cidade em 1o de junho de 1999 em sua octogésima sétima
reunião
70
CORTE IDH. OC-17/02, 28 de agosto de 2002, pars. 56, 59, 60, 86 e 93 ; ONU. Fórum Permanente sobre
Questões Indígenas. 16-27 de maio de 2011. Par. 13; CIDH. Informe Anual, 1991, cap. IV , ponto III.
71
CIDH. Comunidades Cautivas: Situação do povo indígena Guarani e formas contemporâneas de escravidão
no Chaco da Bolívia. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 58 24 de dezembro de 2009, par. 104; Preambulo da Convenção 182
da OIT.
72
OIT. Convenção 182, art. 3(a).
18
Equipe nº. 102
Convenção Belém do Pará) em detrimento das mulheres da comunidade Chupanky
O Estado reafirmou estereótipos gênero, conforme o entendimento da CIDH e da OIT, ao
atribuir às mulheres indígenas funções meramente domésticas. 73 A Corte IDH conceitua
estereótipo de gênero como a pré-concepção de papéis que supostamente deveriam ser
realizados por homens e mulheres, o que ocorre com as funções domésticas.74 Esta divisão
dos cargos por gênero gera desigualdade de oportunidades e de salários, segundo a CIDH e
Comissão Interamericana da Mulher (“CIM”). 75 É irrelevante para a presente análise que a
comunidade seja patriarcal, pois as relações familiares não devem implicar na desigual e
desequilibrada distribuição de trabalho. 76 A CEPAL afirma ainda que a divisão sexual do
trabalho é um dos núcleos da desigualdade de gênero que se sustenta nas formas patriarcais, 77
sendo assim, esse tratamento é considerado discriminatório. 78 Destaca-se ainda que a CIDH
entendeu, em hipótese semelhante do Chaco boliviano, que é discriminatório submeter
mulheres indígenas a funções estereotipadas do gênero feminino e atribuir ao seu trabalho
contraprestação menor que a metade do atribuído aos homens, como ocorre no presente
caso.79 Esta discriminação caracteriza também uma violência contra a mulher, segundo a
73
CIDH. Informe El trabajo, la educación y los recursos de las mujeres: La ruta hacia la igualdad en la
garantía de los derechos económicos, sociales y culturales. 3 novembro 2011, par. 122; OIT. Desigualdad de
género y pobreza en América Latina, 2003, págs. 42-43; Servicio Alemán de Cooperación Social Técnica,
Familias guaraní empatronadas: análisis de la conflictividad, 2008, par. 96.
74
CORTE IDH. González y otras (“Campo Algodonero”) vs. México. Sentença de 16 de novembro de 2009,
pars. 132 e 208.
75
CIDH. Informe El trabajo, la educación y los recursos de las mujeres: La ruta hacia la igualdad en la
garantía de los derechos económicos, sociales y culturales. Op.Cit. par. 88; CEDAW, Art. 11; CIM. Follow up
to The XII Inter-American Conference of Ministers of Labour (IACML) Final Document Lines of Action and
General Recommendations Adopted at the Follow-up Meeting to the Inter-American Program: Gender and
Labour p. 2.
76
CIDH. Informe El trabajo, la educación y los recursos de las mujeres: La ruta hacia la igualdad en la
garantía de los derechos económicos, sociales y culturales. Op.Cit. par. 133; Informe sobre los Derechos de las
Mujeres en Chile: La Igualdad en la Familia, el Trabajo y la Política, 27 de março de 2009, par. 135.
77
CIDH. Informe El trabajo, la educación y los recursos de las mujeres: La ruta hacia la igualdad en la
garantía de los derechos económicos, sociales y culturales. par. 133; CEPAL, El Aporte de las Mujeres a la
Igualdad en América Latina y el Caribe, X Conferencia Regional sobre la Mujer de América Latina y el Caribe,
Quito, 6-9 de agosto de 2007, pág. 55.
78
CORTE EDH. Van Raalte v. the Netherlands. Sentença de 21 de fevereiro de 1997, par. 39; Willis vs. the
United Kingdom. Sentença de 11 de junho de 2002, par. 39 e 48; Okpisz vs. Germany. Sentença de 25 de
outubro de 2005, par. 33; Oršuš and Others vs. Croatia. Sentença de 16 de março de 2010, par. 149; Art. 1,
Convenção CEDAW.
79
CIDH. Comunidades Cautivas: Situação do povo indígena Guarani e formas contemporâneas de escravidão
19
Equipe nº. 102
Convenção de Belém do Pará,80 que é aplicável pela Corte IDH.81 A comunidade denunciou
o trabalho forçado e as irregularidades em 2008 e novamente em 2009. Todavia, ainda após
as denúncias, o Estado não realizou a investigação, sanção ou reparação.82 Diante do exposto,
o Estado violou os arts. 6, 5 e 19 c/c 1.1 da CADH e o art. 7, inciso “a” da Convenção de
Belém do Pará em relação às mulheres Chupanky.
3.5. O Estado violou os direitos à vida digna, à integridade cultural e ao
desenvolvimento progressivo dos DESC (arts. 4, 5 e 26 c/c 1.1 da CADH) em face de
ambas comunidades
O Estado não garantiu o acesso das comunidades às condições necessárias para uma vida
digna, a integridade cultural e os DESC, pois: i) os membros da comunidade La Loma
sofreram evicção forçada e perderam o acesso à suas terras tradicionais nas quais
desenvolvem sua cultura, não configurando os acampamentos provisórios como moradia
adequada; e ii) membros da Chupanky foram submetidos ao trabalho forçado que afetou o
seu modo de vida tradicional e a sua dinâmica familiar. Destaca-se ainda que durante as
primeiras fases de implementação do projeto já ocorreu mudança significativa da fauna do
rio, afetando o meio ambiente sadio destes povos. Além disso, a necessidade da proteção
especial a estas comunidades agrava a responsabilidade do Estado. 83
3.5.1. Direito à vida digna (art. 4 CADH)
O respeito ao direito à vida é necessário para o gozo e desfrute dos demais direitos humanos
no Chaco da Bolívia. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 58 24 de dezembro de 2009, pars. 96, 100 e 120.
80
Convenção de Belém do Pará, arts. 5, 6, (a) e 7.
81
CORTE IDH. Ríos y Otros vs. Venezuela. Sentença de 28 de janeiro de 2009, par. 277; Perozo y otros vs.
Venezuela. Sentença de 28 de janeiro de 2009, par. 296; Penal Miguel Castro Castro vs. Peru. Sentença de 25
de novembro de 2006; González y otras (“Campo Algodonero”) vs. México. Sentença de 16 de novembro de
2009, pars. 40, 41, 42, 55 e 58.
82
CORTE IDH. González y otras (“Campo Algodonero”) vs. México. Sentença de 16 de novembro de 2009, par.
290; ONU. CIM. Follow up to The XII Inter-American Conference of Ministers of Labour (IACML) Final
Document Lines of Action and General Recommendations Adopted at the Follow-up Meeting to the InterAmerican Program: Gender and Labour, p. 1 e 2.
83
CORTE IDH. Xákmok Kásek vs. Paraguai. Op.Cit. Par. 20; CIDH. Mary e Carrie Dann v. Estados Unidos.
Decisão de 27 de dezembro de 2002, par. 126; Informe Anual 1984-85, par. 8; Resolução sobre “Proteción
especial de las poblaciones indígenas. Acción para combatir el racismo y la discriminación racial.” , p. 90-91.
20
Equipe nº. 102
e, por isso, não admite restrições. 84 Ele é interpretado de maneira que o Estado deve, não
apenas, abster-se de privar um cidadão de sua vida arbitrariamente, mas também tem a
obrigação positiva de gerar as condições necessárias para garantir uma vida digna através de
medidas, e sem criar mecanismos que impeçam ou dificultem a sua plena realização.85 Esta
obrigação existe sempre que o Estado é responsável direto ou está ciente do risco ou da
concretização de violações de direitos humanos, 86 tornando-se prioritária perante
comunidades em situação de vulnerabilidade, como as indígenas e tribais. 87
Em relação aos membros comunidade Chupanky, que já se encontravam em situação de
pobreza antes da implementação das obras de construção da hidroelétrica de Cisne Negro, a
partir do início das construções, o Estado obstacularizou dois meios essenciais de
subsistência tradicional deste povo: a pesca e a venda de produtos através do rio
Motompalmo. Assim, os membros da comunidade indígena ficaram impossibilitados de
realizar a sua forma tradicional de subsistência 88 e ainda foram submetidos à exploração de
trabalho forçado em condições incompatíveis com a dignidade da pessoa humana com a
exploração do trabalho forçado. O limite da jornada de trabalho para assegurar a vida digna
dos trabalhadores está amplamente protegido no SIPDH 89 e passou a ser considerada
razoável, desde 1962, a carga geral de 40 horas semanais. 90 Isto devido à preocupação com a
saúde, segurança e do adequado gozo do tempo livre dos trabalhadores, reconhecido como
um direito humano na DUDH.91Os membros da comunidade Chupanky foram submetidos ao
84
CORTE IDH, “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros). Sentença de 19 de novembro de 1999, par.
144.
85
CORTE IDH. “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros), Op.Cit. par. 144-145; Penal Castro Castro,
Op.Cit. par. 237; Montero Aranguren y otros (Retén de Catia). Sentença de 5 de julho de 2006, par. 64; Escué
Zapata v. Colombia. Op.Cit. par. 40; Baldeón García vs. Perú. Sentença de 6 de abril de 2006, par. 87.
86
CORTE IDH. Xákmok Kásek vs. Paraguay. Op.Cit. par. 188
87
CORTE IDH. Comunidade Yakye Axa v. Paraguay. Op.Cit. par. 162; Protocolo de San Salvador, art. 102.
88
OIT. Convenção 169. Art. 4.
89
Pacto Internacional dos Direitos Econômico, Social e Cultural; Carta Social Européia Revisada 1996, na Carta
dos Direitos Fundamentais da União Européia; Protocolo de San Salvador.
90
OIT. Recomendação de Redução da Jornada de Trabalho, 1962 (n. 116)
91
OIT. Duração do Trabalho em todo mundo – Tendências de jornada e trabalho, legislação e políticas numa
perspectiva global comparada. Por Sangheon Lee, Deirdre McCann e Jon C. Messenger, 2009, pag. 37.
21
Equipe nº. 102
dobro da carga de trabalho internacionalmente determinada como razoável e ainda recebiam
menos que o salário mínimo de La Atlantis, ficando evidente que o Estado criou situação na
qual os membros indígenas ficaram desamparados e em condições incompatíveis com a
dignidade humana. 92
No que tange a comunidade La Loma, o Estado se colocou na posição de garante ao ter
removido 75% deles de suas terras tradicionais para acampamento provisório. 93
Acampamento este em condições de pobreza e que inviabilizava o acesso do povo tribal ao
rio considerado tradicional, deixando-os, portanto, em uma situação de extrema
vulnerabilidade e de incompatibilidade com os preceitos da vida digna.
O Estado viola o direito a vida digna de povos indígenas ou tribais ao deixar seus membros
impossibilitados de gozarem as suas terras tradicionais e recursos naturais tradicionalmente
utilizados e ao alojá-los em acampamentos precários, como ocorreu no presente caso. 94 Desta
forma, o Estado violou o direito consagrado no art. 4 da CADH c/c 1.1 em detrimento dos
membros de ambas as comunidades.
3.5.2. Direito à integridade cultural (art. 5 CADH)
No presente caso, o direito à integridade das comunidades é permeado pela cosmovisão e
pelos valores que as identificam. A ONU afirma que os ODMNU, os quais são almejados
pelo Estado, devem ser acompanhados por uma abordagem baseada no respeito e na inclusão
da cosmovisão e dos conceitos de desenvolvimento dos povos indígenas. 95 Ainda que a
CADH não preveja expressamente o direito à integridade cultural, o PDADPI reconhece este
direito como um direito autônomo. 96 A OIT e a ONU também inclinam-se nesta direção, ao
92
CIDH. Comunidades Cautivas: Situação do povo indígena Guarani e formas contemporâneas de escravidão
no Chaco da Bolívia. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 58 24 de dezembro de 2009, par. 166.
93
CORTE IDH, “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros). Sentença de 19 de novembro de 1999, par.
144; Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006, par. 153.
94
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Op.Cit. Par. 168.
95
ONU. Fórum Permanente sobre Questões Indígenas e os ODMNU. Goal 7: Ensure Environmental
Sustainability, 2007, p. 1.
96
Projeto de Declaração Americana sobre Direitos dos Povos Indígenas, art. VII.
22
Equipe nº. 102
garantir que a integridade dos povos indígenas e tribais deve ser realizada por meio da
proteção de seus valores e cultura. 97 Tendo em vista o entendimento crescente na
jurisprudência e nos instrumentos internacionais acerca da cultura, o presente caso é uma
oportunidade significativa para a Corte reconhecer a importância da cultura destes povos,
que, segundo a UNESCO é patrimônio cultural da humanidade,98 e considerar a sua violação
como um direito autônomo.
Em relação à Chupanky, a exploração do trabalho forçado de seus membros, além de
claramente afetar a vida digna, afetou também sua integridade cultural. As práticas culturais,
como os rituais e o desenvolvimento dos meios tradicionais de subsistência foram
prejudicados, uma vez que a jornada prejudica sua dinâmica tradicional e impossibilitava
seus meios tradicionais de vida e subsistência.
Especificamente em relação à La Loma, o Estado não apenas retirou a comunidade de suas
terras de origem, mas a transferiu para um alojamento provisório inadequado às suas
necessidades culturais. A ausência do rio impede que os membros realizem a cerimônia dos
dois sóis e duas luas que traduz a tradição Rapstan de transmutação de seus mortos, violando
a integridade cultural desta comunidade, o desenvolvimento da cultura e sua transferência
para as gerações futuras.99
3.5.3. Desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais e culturais (art. 26
CADH)
Há relação intrínseca da proteção dos DESC com a garantia de uma vida digna de povos
indígena e tribal, devido a sua relação especial com o meio ambiente, segundo entendimento
97
OIT. Convenção 169, arts. 2 e 5; Declaração das Nações Unidas dos Direitos dos Povos Indígenas, arts. 8, 11 e
12.
98
UNESCO. Preambulo da Recomendação sobre Salvaguarda da cultura tradicional.
99
CORTE IDH. Comunidad Indígena Xakmok Kasek vs. Paraguay. Op.Cit. par. 85; Comunidad Indígena Yakye
Axa vs. Paraguay, Op.Cit. par. 137; Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay, Op.Cit. par. 118; Pueblo
de Saramaka vs. Surinam. Op.Cit. Par. 88; DNUPI, art. 12.
23
Equipe nº. 102
desta Corte. 100 Interpreta-se o art. 26 da CADH em conjunto com o art. 11 do Protocolo de
San Salvador que determina que toda pessoa tem direito ao meio ambiente sadio, tendo o
Estado a obrigação de protegê-lo, preservá-lo e melhorá-lo. 101 O Estado não cumpriu com
suas obrigações, uma vez que, iniciou a implementação do projeto sem ter realizado um EISA
efetivo e em conformidade com os parâmetros internacionais visando proteger e preservar o
meio ambiente de uma selva tropical com vasta e complexa diversidade biológica. Além
disso, já foi visualizado dano ambiental nas primeiras fases de implementação do projeto,
tendo ocorrido alteração substancial da fauna do rio Motompalmo. Ressalta-se que a Corte
EDH afirma que a proteção ao meio ambiente deve ser realizada de forma a prevenir os danos
ambientais e que a mera existência do risco é suficiente para que se declare a violação. 102 Por
fim, a CADP já declarou violado o direito ao meio ambiente de forma autônoma,
determinando que os Estado devem realizar e publicar EISA assim como permitir a
participação dos povos afetados na tomada de decisões, que como já demonstrado, não foram
respeitadas pelo Estado. 103 Assim, La Atlantis violou o direito ao meio ambiente sadio (art.
26 c/c 1.1 da CADH) em detrimento de ambas as comunidades por não ter protegido ou
prevenido danos ambientais e também por já ter gerado um dano concreto.
Quanto à comunidade La Loma, o Estado violou também o direito à moradia que configura
um direito fundamental e deve ser compreendido de forma extensiva. 104 Para tanto, a moradia
deve estar de acordo com parâmetros que a tornem adequada para que se viva em paz, em
segurança e com dignidade, como quesito essencial para o exercício dos DESC. 105 Um dos
requisitos da moradia apropriada é que ela seja culturalmente adequada. 106 Frente à vontade
100
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay, Op.Cit. par. 163
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay, Op.Cit. par. 163.
102
CORTE EDH. Taskin and others v. Turquia. Sentença de 30 de março de 2005, par. 11.
103
Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos. The Social and Economic Rights Action Center and the
Center for Economic and Social Rights. Comunicação 155/96, decisão de outubro de 2001, pars. 52 e 53.
104
Comitê DESC. General Comment No. 4: The Right to adequate housing. Preâmbulo
105
Comitê DESC. General Comment No.4 : The Right to adequate housing, par. 7.
106
Comitê DESC. General Comment No.4: The Right to adequate housing, par. 8 (g).
101
24
Equipe nº. 102
dos membros de retornar ao lugar onde estão suas tradições, fica claro que a moradia
fornecida pelo Estado não era apropriada. Assim, o Estado violou o direito à moradia
adequada (art. 26 c/c 1.1 da CADH) em detrimento dos membros realojados.
3.6. O Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial (arts. 8 e 25
c/c 1.1 da CADH) em prejuízo das comunidades Chupanky e La Loma
Em dezembro de 2008, ambas as comunidades denunciaram: a discriminação contra a mulher
no processo de consulta, o trabalho forçado, e os danos ambientais e sociais que não foram
contemplados pelo Estado no EISA. Realizaram esta denúncia perante a CED e o MARN,
órgãos do governo, que nada fizeram. Desta forma, o Estado: i) desde 2008, tem
conhecimento destas violações e manteve-se inerte; ii) decidiu de forma arbitrária e
imotivada; e iii) considerou inapropriado remeter denúncias às autoridades competentes.
Ao receber às denúncias, o Estado tem o dever de atuar com a devida diligência para evitar
que violações de direitos humanos, como o trabalho forçado e a discriminação, continuem
acontecendo, e de prevenir a ocorrência de danos ambientais, frente ao seu risco real e
imediato. 107 Ao não remeter as denúncias às autoridades competentes, o Estado não garantiu
a devida proteção de direitos a grupos especialmente vulneráveis,108 não cumprindo o dever
de prevenir, investigar, sancionar e reparar violações de direitos humanos. 109 O Estado, ao
dizer que se as denúncias fossem apropriadas seriam remetidas às autoridades, decidiu de
forma arbitrária e não motivada, em desacordo com o devido processo, 110 protegido pelo art.
8 da CADH.111 O devido processo legal deve ser respeitado em qualquer procedimento cuja
107
CORTE IDH. González y otras (“Campo Algodonero”) vs. México. Op.Cit. par. 283.
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Op.Cit. par. 63; CIDH. Yanomami, par. 8;
Informe La situación de derechos humanos de los pueblos indígenas en las Américas, págs. 21-25; Informe
sobre la Situación de Derechos Humanos en Ecuador, 1997, Capítulo IX.
109
CORTE IDH. Velásquez Rodríguez vs.. Honduras. Op.Cit. par. 174; Anzualdo Castro vs. Perú. Sentença de
22 de abril de 2009, par. 62; González y otras (“Campo Algodonero”) vs. México. Op.Cit. par. 236.
110
CORTE IDH. “Cinco Pensionistas” vs. Perú. Sentença de 28 de fevereiro de 2003, par. 126; Tribunal
Constitucional. Op.Cit. par. 89; Godínez Cruz. Sentença de 20 de janeiro de 1989, par. 174; Velásquez
Rodríguez. Op.Cit. par. 165; Baena Ricardo vs. Panamá. Op.Cit. par. 126.
111
CORTE IDH. Caso del Tribunal Constitucional, supra nota 8, par. 71; Ivcher Bronstein vs. Peru. Sentença de
06 de fevereiro de 2001, par. 104.
108
25
Equipe nº. 102
decisão possa afetar os direitos de pessoas, enquadrando-se, portanto, nesta decisão do
Estado. 112 Os membros das comunidades não tiveram assegurado o direito de obter todas as
garantias que permitam alcançar decisões justas e não arbitrárias, contrariando o
entendimento da Corte IDH nesse sentido. 113
Por fim, ao considerar não ser apropriado remeter as denúncias às autoridades competentes, o
Estado descumpriu sua obrigação de tomar todo tipo de providência para que nada seja
subtraído da proteção judicial e do exercício do direito a um recurso adequado e eficaz. 114
Assim, o Estado não outorgou uma proteção efetiva aos povos tradicionais que levasse em
consideração a sua especial vulnerabilidade. 115 A inexistência de recursos internos efetivos
deixou as comunidades em estado de desproteção que justifica a proteção internacional. 116
Especificamente em relação à comunidade Chupanky, o Estado violou os arts. 8 e 25, pois:
i) o recurso administrativo interposto pela comunidade em janeiro de 2009 não foi analisado
segundo o juízo de convencionalidade que deve ser aplicado ex officio, estando em desacordo
com o devido processo legal; ii) o caso foi submetido em abril de 2009 ao Tribunal
Contencioso Administrativo que também não realizou efetivamente o controle de
convencionalidade.
O Estado, ao ratificar os principais tratados de direitos humanos, vincula o poder judiciário,
como parte de sua estrutura, à realização do controle de convencionalidade ex officio, o que
estabelece requisitos necessários para o devido processo interno. Assim, as irregularidades no
processo de consulta e execução apontadas pela comunidade no recurso administrativo e no
112
CORTE IDH. Yakye Axa v. Paraguai. Op.Cit. par. 62; Baena Ricardo vs. Panamá. Sentença de 2 de fevereiro
de 2001, par. 127; Caso del Tribunal Constitucional, supra nota 8, párr. 69; OC-9/87 de 6 de outubro de 1987,
par. 27.
113
CORTE IDH. Baena Ricardo vs. Panamá. Op.Cit. par. 127.
114
CORTE IDH. Barrios Altos vs. Perú. Sentença de 14 de março de 2001, par. 43; CIDH. Martín Pelicó Coxic
v.s Guatemala. Decisão de 15 de outubro de 2007, par. 145.
115
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Sentença de 17 de junho de 2005, par. 63;
Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006, par. 83; Pueblo
Saramaka. vs. Suriname. Sentença de 28 de novembro de 2007, par. 178; Tiu Tojín vs. Guatemala. Sentença de
26 de novembro de 2008, par. 96.
116
CIDH. Martín Pelicó Coxic v. Guatemala. Decisão de 15 de outubro de 2007, par. 146.
26
Equipe nº. 102
Tribunal Contencioso Administrativo deveriam passar pelo controle de convencionalidade,
ou seja, serem analisadas conforme os tratados e jurisprudência interamericana. 117 Todavia,
quanto ao recurso administrativo, o Estado ignorou as irregularidades apontadas, sem realizar
a devida investigação e proteção de direitos, tornando o recurso inadequado na reparação das
violações, por não ter assegurado a proteção jurídica que buscavam os peticionários dentro da
jurisdição interna. 118 Quanto à decisão do Tribunal Administrativo, o Estado tampouco
realizou o controle de convencionalidade, mas sim uma análise descontextualizada de casos
internacionais. A saber, ao considerar que a consulta cumpriu com as condições estabelecidas
na norma, citando o caso Saramaka vs. Suriname como fundamento, ignorou que neste
mesmo caso, a Corte IDH expressa que os membros da comunidade devem ter conhecimento
dos possíveis riscos, inclusive ambientais, antes de aceitarem o plano de desenvolvimento
proposto. 119 Assim, através da utilização descontextualizada deste precedente, o Estado, não
realizou o controle de convencionalidade efetivo, não respeitou o devido processo e não
garantiu um recurso eficaz e adequado, violando os arts. 8 e 25 c/c 1.1 da CADH em prejuízo
da comunidade Chupanky.
4. DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS
Considerando presentes os requisitos do art. 63.2 da CADH e do art. 27 do Regulamento
dessa Corte, deve-se adotar medidas provisórias para a proteção de ambas comunidades, uma
vez que: i) o caso é de extrema gravidade e urgência; e ii) há danos irreparáveis a serem
evitados. 120 Em relação ao primeiro item, a não interrupção das obras da hidroelétrica, levou
as comunidades a uma situação de extrema vulnerabilidade, com a restrição ilegítima de suas
117
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Op.Cit. Par. 51, 62, 63; Baena Ricardo vs.
Panamá. Op.Cit. Par. 127; Lopez mendoza vs. Venezuela. Sentença 1 de setembro de 2011, par. 228.
118
CORTE IDH. Loayza Tamayo vs. Perú. Sentença de 27 de novembro de 1998, par. 169; Velásquez Rodríguez
vs. Honduras. Sentença de 26 de julho de 1987, par. 91; Fairén Garbi y Solís Corrales vs. Honduras. Sentença
de 26 de junho de 1987, par. 90; Godínez Cruz. Sentença de 26 de junho de 1987, par. 93; Baena Ricardo y
otros, Op.Cit. par. 79.
119
CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Suriname. Op.Cit. par. 133.
120
CORTE IDH. Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Aprovado pela Corte no seu
LXXXV Período Ordinário de Sessões celebrado de 16 a 28 de novembro de 2009, Art. 27.1.
27
Equipe nº. 102
terras tradicionais, necessárias à realização de suas atividades espirituais e de subsistência,
comprometendo o seu desenvolvimento de acordo com seus costumes. 121 Nesse sentido,
danos irreparáveis ao meio ambiente ocorrem desde o início da obra; já foi notada alteração
na fauna do rio, representando um risco ambiental ao ecossistema da região. 122 Da mesma
forma, estão em risco os direitos à vida e à integridade das comunidades, que encontram-se
impossibilitada de usufruir plenamente do vínculo que possuem com suas terras,
comprometendo o direito à identidade cultural. 123 Visando a assegurar a integridade e
efetividade da decisão de mérito e, assim, evitar que se lesionem os direitos em litígio, 124 os
representantes requerem que a Corte determine a suspensão das obras da hidroelétrica até o
julgamento do mérito do presente caso.
5. DAS REPARAÇÕES
Conforme entendimento da Corte IDH, o art. 63.1 da CADH reflete uma norma
consuetudinária que constitui um dos princípios fundamentais de responsabilidade
internacional dos Estados. Assim, ao violar os artigos da CADH, surge de imediato a
responsabilidade internacional do Estado de reparação integral e adequada,125 sempre que
possível, 126 e de fazer cessar as consequências da violação. 127
Consideram-se partes lesionadas desta demanda as comunidades Chupanky e La Loma e seus
respectivos membros. 128 Como leciona o juiz Cançado Trindade, as comunidades são
constituídas não apenas por seus integrantes individualmente, mas também pelos
121
CIDH. MC 382/10 - Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu, Pará, Brasil.
CORTE IDH. Pueblo Indígena de Sarayaku. Resolução de 17 de junho de 2005 (ponto resolutivo 1.b e Voto
Razoado do Cançado Trindade).
123
CORTE IDH. Comunidade Mayagna (sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Op.Cit. par. 149.
124
CORTE IDH. Cuatro Comunidades Indígenas Ngöbe y sus miembros vs. Panamá. Resolução de 28 de maio
de 2010, pag. 2 (ítem 3); Carpio Nicolle y otros vs. Guatemala. Resolução de 6 de julho de 2009 (item 14),
Asunto Belfort Istúriz y otros vs. Venezuela. Resolução de 15 de abril de 2010 (item 6), Asunto Giraldo Cardona
y otros vs. Colombia. Resolução de 2 de fevereiro de 2010 (item 3).
125
CORTE IDH Aloeboetoe y Otros. Sentença de 10 de setembro de 1993, par. 43.
126
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa. Op.Cit. par. 181; Caesar vs. Trinidad y Tobago. Sentença de
11 de março de 2005, par. 122; Huilca Tecse vs. Perú. Sentença de 3 de março de 1998. Par. 88; Hermanas
Serrano Cruz vs. El Salvador. Op.Cit. par. 135.
127
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Op.Cit. par. 180. Caesar vs. Trinidad y Tobago.
Op.Cit. par. 121; Huilca Tecse. Op.Cit. Par. 87-88; Hermanas Serrano Cruz vs. El Salvador. Op.Cit. Par. 134.
128
CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Surinam. Op.Cit. par. 188.
122
28
Equipe nº. 102
antepassados e pelas futuras gerações que darão continuidade a identidade cultural da
comunidade. 129 Assim, é essencial que as violações sejam declaradas em prejuízo da própria
comunidade e não apenas de seus membros. Além disso, a concepção comunitária de seus
direitos deve ter como consequência a concepção também coletiva das vítimas. Em sua
jurisdição constitucional, a Colômbia também já reconheceu a comunidade como vítima de
violações de direitos humanos, exemplo que pode ser considerado por esta Corte.130
Destaca-se que o dano material é compreendido como a perda, os gastos efetuados devido às
violações e às consequências de caráter pecuniário que tenham nexo causal com os direitos
analisados. 131 Assim, configura um dano material: a incapacidade física provocada pelo
trabalho forçado em alguns membros indígenas e o trabalho forçado explorado em relação
aos homens, mulheres e especialmente as crianças. Quanto ao dano imaterial, a Corte
estabeleceu que este dano compreende as alterações, de caráter não pecuniário, nas condições
de existência das vítimas, o que ocorreu com a comunidade Chupanky, devido ao trabalho
forçado, com a La Loma devido a remoção forçada e a política de assimilação, e com ambas
quanto a violação de sua integridade cultural e vida digna. 132
Neste sentido, os Representantes solicitam que a Corte determine como forma de reparação
às violações causadas pelo Estado: i) a suspensão do projeto hidroelétrico devido aos vícios
do processo; ii) a invalidação do processo de consulta, desconsiderando o consentimento da
comunidade Chupanky, e realizando, sem discriminação e conforme os parâmetros
internacionais, novo processo de consulta com fornecimento de amplas informações às
comunidades; iii) a realização de novo EISA, de acordo com os parâmetros expostos do
129
CORTE IDH. Comunidade Moiwana vs. Suriname. Sentença de 15 de junho de 2005. Voto em separado do
Juiz Cançado Trindade, pars. 67-69.
130
COLÔMBIA, Corte Constitucional. Sentença SEU-039/97, de 3 de fevereiro de 1997 (Magistrado: Antonio
Barrera Carbonell).
131
CORTE IDH. Bámaca Velásquez vs. Guatemala. Sentença de 22 de fevereiro de 2002, par. 43; Masacre de
Las Dos Erres vs. Guatemala. Op.Cit. par. 275; Chitay Nech vs. Guatemala. Op.Cit. par. 261.
132
CORTE IDH. “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) vs. Guatemala. Sentença de 26 de maio de
2001, par. 84; Masacre de Las Dos Erres vs. Guatemala. Op.Cit. par. 255; Chitay Nech vs. Guatemala, Op.Cit.
par. 273; DNUDPI, art. 8.
29
Equipe nº. 102
direito internacional, contando com a participação de ambas as comunidades; iv) a devolução
e demarcação do território de origem à comunidade La Loma como medida de restituição; v)
ato público de reconhecimento de responsabilidade e publicação da sentença como medidas
de satisfação; 133 vi) como garantias de não repetição: a) o reconhecimento pelo Estado das
comunidades tribais de acordo com os parâmetros internacionais, b) implementação de
programas de capacitação de funcionários públicos quanto à perspectiva de gênero e a
vulnerabilidade indígena e tribal, c) programas sociais que visem a promover a igualdade
étnica e de gênero; vii) o pagamento de indenização referente ao dano material e imaterial a
ambas as comunidades; viii) criação de fundo de desenvolvimento comunitário com para
financiar projetos sociais nas comunidades; e por fim ix) o pagamento de custas e gastos.134
6. DOS PEDIDOS
Os Representantes, respeitosamente, solicitam a Corte IDH que declare que o Estado violou
os direitos consagrados nos arts. 4, 5, 8, 21, 23, 25 e 26 todos combinados com 1.1 da CADH
em prejuízo dos membros assim como das próprias comunidades Chupanky e La Loma, o art.
7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo das mulheres da comunidade Chupanky, o art.
19 combinado com 1.1 da CADH em face das crianças do povo Chupanky e o art. 6
combinado com 1.1 da CADH em relação aos trabalhadores membros da comunidade
Chupanky e os arts. 3 e 22 da CADH em detrimento da comunidade La Loma. Ademais,
solicita-se que esse Tribunal determine, imediatamente, as medidas provisórias requeridas no
capítulo 4 desta demanda. Finalmente, solicita que ordene ao Estado o cumprimento de todas
as medidas de reparação acima especificadas.
133
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa. Op.Cit. par. 226; Huilca Tecse vs. Perú. Op.Cit. par. 111;
Hermanas Serrano Cruz. Op.Cit. par.194; Carpio Nicolle y otros vs. Guatemala. Sentença de 22 de novembro
de 2004, par. 136.
134
CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Op.Cit. par. 231; Hermanas Serrano Cruz vs. El
Salvador. Op.Cit. par. 205; Carpio Nicolle y otro vs. Guatemala. Op.Cit. par. 143; Masacre Plan de Sánchez vs.
Guatemala. Sentença de 19 de novembro de 2004. par. 115.
30

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