O princípio da cindibilidade dos títulos e seus efeitos no Registro de

Transcrição

O princípio da cindibilidade dos títulos e seus efeitos no Registro de
O PRINCÍPIO DA CINDIBILIDADE DOS TÍTULOS E
SEUS EFEITOS NO REGISTRO DE IMÓVEIS
*Guilherme Fanti
Porto Alegre, 27 de maio de 2006
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................5
1– A ORIGEM DO PRINCÍPIO DA CINDIBILIDADE................................................7
2 – A CINDIBILIDADE DO TÍTULO E SEUS EFEITOS NO REGISTRO DE
IMÓVEIS...........................................................................................................................9
2.1 – Exceções à aplicação do princípio..........................................................................15
CONCLUSÃO.................................................................................................................19
BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................21
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Resumo: No presente trabalho busca-se demonstrar a aplicabilidade e os
efeitos decorrentes do Princípio da Cindibilidade dos títulos no Registro de Imóveis.
Numa síntese clara e objetiva do que representa o referido princípio, veremos como é
possível cindir do título aquilo que é permitido registrar daquilo que não é permitido.
Palavras-chave: Princípio, Cindibilidade, Unitariedade, Títulos, Registro.
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda um tema de altíssima importância para todos os
registradores de imóveis, visto que os princípios de Direito Registral, entre eles o
Princípio da Cindibilidade, representam a estrutura mestra de todo o sistema de
comandos, ou seja, são os alicerces do conjunto de atos realizados pelos delegados no
âmbito de suas serventias.
Este estudo busca dar maior publicidade ao Princípio da Cindibilidade dos
títulos, tendo em vista tratar-se de um princípio que nenhum registrador imobiliário
deve ignorar, ao deparar-se com um título, no qual vários imóveis são alienados e
alguns deles não apresentam condições de serem registrados. Com o advento da Lei
Federal n.º 6.015/73, que estabelece que todo imóvel deve estar matriculado, permitiuse a cisão do título, para registro daqueles imóveis que podem ser inscritos.
Como objetivo específico, pretende-se demonstrar, com clareza, a
aplicabilidade e os efeitos da cindibilidade na atividade registral imobiliária, indicando
os títulos capazes de sofrerem incidência, bem como as exceções existentes. Por fim,
pretende-se fazer uma análise da jurisprudência atual.
A escolha do presente tema tem como justificativa a escassa doutrina e rara
jurisprudência relacionada em nossos Tribunais, bem como os relevantes efeitos
decorrentes da aplicação do princípio da cindibilidade dos títulos na atual sistemática
registral.
5
Hodiernamente, o registrador imobiliário deixou de ser mero copista de
títulos, para posicionar-se como profissional do direito, dotado de capacidade intelectual
e independência, capaz de exercer um juízo de admissibilidade dos títulos apresentados
ao registro, acolhendo do título o que validamente pode ser inscrito e recusando aquilo
que, no seu entender, não pode ser registrado.
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1. A ORIGEM DO PRINCÍPIO DA CINDIBILIDADE
O princípio da cindibilidade surgiu com o sistema matricial, por meio da
Lei Federal n.º 6.015/73, ao estabelecer que todo o imóvel objeto de título a ser
registrado deve estar matriculado no Livro n. 2, consoante a previsão contida no art. 227
da citada lei. Também, cumpre frisar que está expresso no art. 176, §1º, item I, do
mesmo diploma legal, que cada imóvel terá matrícula própria, ou seja, uma só matrícula
para cada imóvel. Portanto, verifica-se que o princípio da cindibilidade decorre da
unitaridade da matrícula. É com base na unitaridade que se viabiliza a divisão do título
para efeito de registro, onde cada matrícula só poderá corresponder a um único imóvel.
É importante lembrar que no Direito anterior (Decreto Federal n.º 4.857, de
9 de novembro de 1939) a base para o registro dos imóveis alienados era o próprio
título, sendo que em um título vários imóveis podiam ser transmitidos. Por isso, o título
formalizava a transmissão de um ou de vários imóveis, e uma só transcrição imobiliária
podia ter vários imóveis nela registrados, desde que todos eles estivessem na
circunscrição territorial do cartório. Acrescente-se, também, que no direito anterior
registrava-se o próprio título. Ocorre que o ato primacial da vetusta sistemática registral
consubstanciava-se na transcrição dos instrumentos apresentados por inteiro.
Com o advento da Lei Federal n.º 6.015/73 e o surgimento do sistema
matricial, juntamente com o princípio da unitaridade da matrícula, não há mais qualquer
fundamento para a manutenção do princípio pretoriano da incindibilidade do título.
Com a nova sistemática o registro é do imóvel matriculado e não do título como ocorria
7
no sistema anterior. O título, no direito vigente, é meio para o registro e não o fim da
transcrição como ocorria no direito pretérito.
Assim resta, indene de dúvidas, que no vigente sistema de registro
imobiliário, fundado no cadastramento do corpo físico, a que se vinculam os fatos, atos
e negócios jurídicos correspondentes, a cindibilidade do título passou a ser
perfeitamente possível e admitida. Com isso, o ato de registro deixou de ser a
reprodução integral dos instrumentos recepcionados no fólio real, para permitir que o
título reflita, apenas, aquilo que for possível ter ingresso no cadastro imobiliário.
Ademais, é certo afirmar que o sistema vigente, introduzido pela Lei Federal n.º
6.015/73, caracteriza-se pela transformação radical do ato básico do registro imobiliário,
que, deixando de ser a reprodução textual dos títulos, passou ao cadastramento ou
retrato físico do imóvel, por meio do inovador sistema matricial (matrícula). Nesse
sentido, manifestou-se o Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, na Apelação
Cível n.º 285.948, de 17 de dezembro de 1979.
Como se pode do todo inferir, a grande modificação introduzida pela nova
sistemática registral foi, sem dúvida, a matrícula, que modificou radicalmente o regime
e a técnica de escrituração. A matrícula é a expressão da individualidade da coisa,
enquanto centro de todas as demais referências da história de suas mutações objetivas e
subjetivas. O conteúdo do título é o meio de transmissão daquelas características que a
lei reputa essenciais aos fins a que se presta a matrícula.
Ainda, cumpre ressaltar, que um eficiente registrador de imóveis é aquele
que domina plenamente os princípios do Direito Registral Imobiliário, no que tange aos
conceitos e a sua aplicabilidade, haja vista que os princípios representam a estrutura
mestra de todo o sistema registral imobiliário. Nesse sentido, ensina o mestre CELSO
ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO. Vejamos:
“violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não a um
8
específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de
comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado,
porque representa insurgência contra todo o sistema.,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível
a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”1
Incontestável, pois, que o princípio da cindibilidade não só deve ser
conhecido pelo registrador imobiliário, na atual sistemática registral, como também
deve ser aplicado nas condições permitidas e não excepcionadas. Ademais, é importante
lembrar que ao registrador cabe o dever de registrar os títulos sempre que possível,
sendo essa a essência da própria atividade.
2. A CINDIBILIDADE DO TÍTULO E SEUS EFEITOS NO
REGISTRO
DE IMÓVEIS
No vigente sistema de registro imobiliário, alicerçado em ato básico de
cadastramento do corpo físico (matrícula), é plenamente admitida à aplicação do
princípio da cindibilidade do título. Pelo referido princípio extrai-se do título somente o
que comporta inscrição, permitindo que o registrador, valendo-se de sua independência
funcional, aproveite o título, embora falho, para realização do ato registral naquilo que
estiver correto, registrando parcialmente o instrumento. Portanto, vale dizer que, hoje, é
possível extrair só o que comporta inscrição, afastando-se aquilo que não puder constar
do registro. O título pode conter, assim, vários imóveis, estando só alguns deles em
condições de serem registrados.
Também, cumpre salientar que é possível a cindibilidade de atos jurídicos
dissociados concernentes a um mesmo imóvel, ou seja, registra-se o ato jurídico legal e
recusa-se o registro do ato jurídico ilegal, visto que o oficial registrador, ao qualificar o
título para a sua admissão (juízo de admissibilidade), registra todos os atos que o título
1
Bandeira de Mello, Celso Antônio. In: Revista de Direito Público 15/284
9
contém em consonância com os princípios registrários e recusa aqueles atos que não se
ajustam à realidade legal.
Claro está, pois, que ao registrador imobiliário, dotado de autonomia na
qualificação registral, caberá a atenta aplicação do princípio da cindibilidade do título
apresentado ao registro, quando ele contiver vários imóveis ou vários atos jurídicos
dissociados. Contudo, o registrador deverá analisar cuidadosamente cada caso, visto
que a cindibilidade do título não pode ser observada como regra geral, uma vez que
admite exceções. Por isso, a cindibilidade somente não incidirá por razões específicas,
identificadas pelo douto registrador imobiliário.
Portanto, restando demonstrada a plena aplicação da cindibilidade do título,
de acordo com o sistema matricial contemporâneo, passamos a analisar os efeitos de tal
cisão, com base na jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura do Estado de
São Paulo.
Observemos a transcrição de parte do voto do Corregedor Geral e relator
ANTÔNIO CARLOS ALVES BRAGA, na apelação cível n.º 21.841-0/1 (CSM):
“Atualmente o princípio pretoriano da incindibilidade dos títulos,
construído sob a égide do anterior sistema registral, já não
vigora. Nesse sentido já se posicionou o C. Conselho Superior da
Magistratura, conforme, v.g., ap. cível da Comarca de São Paulo,
recurso 2.642-0, in DOJ de 24.11.93. Isso porque só aquele
sistema da transcrição dos títulos justificaria não se admitisse a
cisão do título, para considera-lo apenas no que interessa. Na
verdade, com o advento da Lei de Registros Públicos de 1973, e,
conseqüentemente, a introdução do sistema cadastral, que até
então não havia no direito registral brasileiro, a cindibilidade do
título passou a ser perfeitamente possível e admitida. Com isso, o
ato de registro imobiliário deixou de exigir a reprodução textual
dos instrumentos recepcionados no fólio real, cumprindo que ele
reflita, apenas, aquilo que for possível ter ingresso no cadastro.”2
2
CSM/SP – Apelação Cível n.º 21.841-0/1, 20.02.95.
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Por conseguinte, pode-se dizer, que se o título, pelo sistema anterior, se
referisse a duzentos imóveis, a transcrição seria integral do título, reportando-se,
portanto, aos duzentos imóveis. Hodiernamente, se uma pessoa aliena, em um único
instrumento, duzentos imóveis, nada impede que o adquirente apresente o título
acompanhado de requerimento escrito, com firma reconhecida, postulando o registro de
apenas “um” dos imóveis constantes do título. Sugere-se a apresentação de
requerimento escrito, onde o interessado deverá informar os motivos pelos quais
pretende ver registrado parcialmente seu título, em observância ao princípio da instância
ou rogação.
Destarte,
entende-se
que
razoável
não
é
atrelar
providências
independentes, que nem se sabe sanáveis, do mesmo título, mas concernentes a imóveis
distintos.
Como já asseverado, entende-se que é possível a cindibilidade de atos
jurídicos dissociados concernentes a um mesmo imóvel, conforme já determinou o
Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, nos acórdãos abaixo
transcritos:
“APELAÇÃO CÍVEL N.º 339-6/9 - CARTA DE
ARREMATAÇÃO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS
MUNICIPAIS
–
IPTU.
ITBI
–
RECOLHIMENTO.
CONSTRUÇÃO – AVERBAÇÃO – CINDIBILIDADE DO
TÍTULO – PRINCÍPIO DE INSTÂNCIA – ESPECIALIDADE
OBJETIVA. DÚVIDA – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO –
TUTELA
ANTECIPADA
–
PREJUDICIALIDADE
–
CUMPRIMENTO DE EXIGÊNCIA. DÚVIDA. Não obstante
prejudicada a dúvida, é possível, desde já, ressalvar que a
exigência de prévia averbação da edificação indicada na carta de
arrematação, como condição para o registro, poderá ser
superada mediante aplicação do princípio da cindibilidade do
título, com registro da arrematação do terreno, ficando para
momento posterior a averbação da construção que depende, por
seu turno, do atendimento de requisitos específicos, em especial a
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apresentação, pelo interessado, do certificado de regularidade
expedido pela Prefeitura Municipal e da Certidão Negativa de
Débitos
do
INSS
relativa
à
obra.”3
“Apelação Cível n.º 52.723-0/5 - Registro de Imóveis - Dúvida
inversa - Ingresso de carta de arrematação - Recusa fundada na
exigência de prévia regularização de construção cuja existência
não consta do fólio real - Cindibilidade do título para registro da
aquisição do terreno, descrito conforme a matrícula Possibilidade de posterior averbação da construção, respeitado o
princípio da instância - Exigência insubsistente - Recurso
provido. Superada, com a prenotação do título, falha no
processamento da dúvida inversamente suscitada, verifica-se a
improcedência da exigência do oficial registrador, por ser
possível, no caso, a cindibilidade do título para dele extratar
somente o que comporta inscrição, ou seja, o registro da
aquisição do lote de terreno, viabilizando a posterior averbação
da edificação, que ainda não consta do fólio real. Há
sedimentado entendimento deste Colendo Conselho Superior da
Magistratura quanto à possibilidade, no regime da Lei Federal nº
6.015/73, de cisão do título, para considerá-lo apenas no que
interessa, pois a referida lei, ao instituir o sistema cadastral,
deixou de exigir a reprodução textual dos instrumentos
recepcionados no fólio real para que ele reflita apenas aquilo que
for possível no cadastro. Neste sentido o julgado nas Apelações
Cíveis nºs 2.642-0, 21.841-0/1 e 25.887-0/0, havendo, nesta
última, a título exemplificativo, expressa referência à
insubsistência de exigência consistente em "vedar registro de
venda e compra de terreno, com desconsideração de acessão
artificial, só porque esta não se encontra previamente averbada,
quando à parte interessa, num primeiro momento, a titularidade
do lote para, num segundo instante, regularizar registralmente a
construção. (..) Verifica-se, portanto, inexistir ofensa ao princípio
da especialidade registrária, viável o registro da aquisição do
lote do terreno, com a cisão do título para, aproveitado o que
comporta inscrição no fólio real, seja afastado o que não pode
constar do registro, no caso a averbação de construção cuja área
expressa no título difere da constante do lançamento tributário.
Essa averbação poderá ser feita posteriormente, com a
apresentação da documentação pertinente, respeitado o princípio
da instância. (..) Outrossim, eventual existência de construção e
correspondente averbação deverá ser feita oportunamente, à
vista do competente "habite-se", e a requerimento do interessado,
respeitado, de qualquer forma, o princípio da instância, ocasião
em que será exigível, se for o caso, a comprovação da
3
CSM/SP - Apelação Cível n.º 339-6/9 – Rel. Des. José Mário Antônio Cardinale, 23.06.2005.
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inexistência
de
débito
perante
o
INSS”4
No mesmo sentido, transcreve-se parte do acórdão abaixo:
“Apelação Cível n.º 83.293-0/3 - Registro de imóveis. Dúvida.
Princípio da continuidade. Mandado de registro de arresto.
Formal de partilha com descrição de edificação não averbada.
Possibilidade de aplicação do princípio de cindibilidade do
título. No tocante ao formal de partilha, o título pode ser
cindido para permitir o registro quanto à área do imóvel.
Embora nele conste a edificação de “uma casa de 847,58 m²”
(f. 26), não há óbice de ser o formal de partilha registrado
somente na parte relativa à área, consolidando-se a nova
propriedade, para posteriormente ser averbada a edificação.
Este Conselho tem admitido a cindibilidade do título para
facultar a extração dos elementos nele insertos que possam
ingressar de imediato no fólio real, desconsiderando-se aqueles
outros, que para tanto necessitam de outras providências.
Assim, decidiu-se na Ap. Cív. nº 21.841.0/1 que: “Atualmente o
princípio pretoriano da incindibilidade dos títulos, construído
sob a égide do anterior sistema registral, já não vigora”. Nesse
sentido já se posicionou o Conselho Superior da Magistratura,
conforme, Ap. Cív. nº 2.642-0-São Paulo, in DOJ de 24 de
novembro de 1993. “Isso porque só aquele sistema da
transcrição dos títulos justificava não se admitisse a cisão do
título, para considerá-lo apenas no que interessa. “Vale dizer
que hoje é possível extratar só o que comporta inscrição,
afastando-se aquilo que não puder constar do registro, por
qualquer motivo, como quando, eventualmente, houver ofensa à
continuidade registrária.”5
Acrescente-se, também, parte do acórdão do Conselho Superior da
Magistratura do Estado de São Paulo que admitiu a cisão do título, permitindo o registro
de escritura de venda e compra de diversas frações ideais apenas no tocante à parte ideal
não compromissada à venda. Vejamos:
“Apelação Cível n.º 74.960-0/7 - REGISTRO DE IMÓVEIS Dúvida. Cindibilidade do título. Escritura pública que
instrumentaliza diversas compras e vendas de partes ideais.
Possibilidade do ingresso de tal título em relação às partes
4
5
CSM/SP – Apelação Cível n.º 52.723-0/5, Rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição, 29.11.99.
CSM/SP – Apelação Cível n.º 83.293-0/3, Rel. Des. Luís de Macedo, 22.11.01.
13
ideais titularizadas pelos
compromissaram a venda.”6
condôminos
que
não
as
É oportuno mencionar parte de outro interessante acórdão, no qual foi
cindido o título quanto à cláusula de incomunicabilidade nele inserida, por infringência
ao disposto no art. 1.848 do Código Civil, viabilizando o registro da escritura de compra
e venda e desconsiderando a cláusula restritiva nela inserida, in verbis:
“REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura de Compra e Venda Instrumentalização que representa a real vontade dos
interessados - Ausência de ofensa aos princípios registrários e
ao ordenamento jurídico - Manutenção dos atos praticados,
cindindo-se o título quanto à cláusula de incomunicabilidade
nele inserida, por infringência ao disposto no art. 1.848 do CC Viabilidade do registro - Recusa afastada - Recurso provido. A
disposição constante do título é nula, porque afronta o disposto
no artigo 1.848 do Código Civil, já que efetivada sob a égide do
novo estatuto civil. É que pela regra contida no artigo referido
o testador só pode estabelecer cláusula de incomunicabilidade,
sobre os bens da legítima, quando houver justa causa,
declarada no testamento. Assim, como não houve no
instrumento a expressa menção à exigência formulada pela lei,
forçoso é reconhecer a invalidade da restrição. Todavia, a
nulidade ora apontada se restringe a apenas à cláusula inserida
no título e não importa na invalidade deste, mas somente na sua
cindibilidade, a fim de que se torne viável o seu registro a
seguir. O Conselho Superior da Magistratura tem admitido a
cindibilidade do título, permitindo que dele sejam extraídos
elementos que poderão ingressar de imediato no fólio real,
desconsiderando outros que necessitem de outras providências.
(..) Dessa forma, é viável o registro da escritura de compra e
venda apresentada ao oficial, cindindo-se o título para
desconsiderar a cláusula de incomunicabilidade nele
inserida.”7
Como se pode do todo inferir, não há dúvida da efetiva aplicação do
princípio da cindibilidade do título, que, de forma simplista, nada mais é do que a
separação do que pode e deve ser aproveitado no título apresentado para registro.
Quando um título contém outros negócios, relacionados com imóveis, se um deles não
6
7
CSM/SP – Apelação Cível n.º 74.960-0/7. Rel. Des. Luís de Macedo. 15.02.01
CSM/SP – Apelação Cível n.º 440-6/0, Rel Des. José Mário Antonio Cardinale, 06/12/2005.
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ensejar o registro, como o caso da cessão de direitos hereditários, o oficial registrador
registra a venda e compra do imóvel e ignora a cessão de direitos hereditários relativa
ao outro imóvel.
Conforme já referido, na hipótese de, em determinada escritura, constarem
vários imóveis e a parte interessada apenas requerer o registro de um deles, o registro do
título tão-somente em relação ao imóvel solicitado será possível. Da mesma forma
procede-se com os títulos judiciais, nos casos de formais de partilha, cartas de sentença
ou de adjudicação. Havendo diversos imóveis poderá ser efetuado o registro de apenas
um deles, caso a parte interessada solicite expressamente. Também, seguindo o mesmo
princípio, entende-se possível cindir os mandados judiciais de penhora, arresto ou
seqüestro, onde mais de um imóvel for gravado. Todavia, caberá ao erudito registrador
imobiliário a louvável missão de analisar cuidadosamente cada caso, visto que a
cindibilidade do título não pode ser aplicada indistintamente, por admitir claras
exceções.
2.1 – Exceções à aplicação do princípio da cindibilidade do título
Contudo, conforme já asseverado anteriormente, a cisão somente é possível
se os atos jurídicos inscritíveis puderem ser dissociados, ou seja, aqueles atos que se
apresentarem de forma não vinculada. Logo, não se pode registrar somente um ato que
esteja diretamente conjugado a outro, por um vínculo de interdependência. O registro
parcial somente será possível se em um mesmo instrumento constar negócios não
conjugados, mas apenas justapostos por mera economia formal, independentes entre si,
dissociáveis um do outro.
A cindibilidade do título, como já dito, não pode ser observada como regra,
haja vista a existência de situações excepcionais. Não se pode cindir o título que
contenha atos inter-relacionados, por exemplo, se há venda e compra e usufruto; venda
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e compra com pacto de hipoteca; permuta de imóveis situados na mesma Comarca;
doação com cláusulas restritivas válidas, ou formal de partilha relativo à parte ideal de
um mesmo imóvel, etc..
Concernente à impossibilidade de registro parcial do instrumento de
permuta, cumpre mencionar parte do acórdão do Conselho Superior da Magistratura do
Estado de São Paulo, in verbis:
“Apelação Cível n.º 30.109-012 – REGISTRO DE IMÓVEIS –
DÚVIDA – PERMUTA DE IMÓVEIS – NECESSIDADE DE
REGISTROS SIMULTÂNEOS – ÓBICE RELATIVO À
ESPECIALIDADE DE UM DOS IMÓVEIS PERMUTADOS
QUE IMPEDEM A EFETIVAÇÃO DOS DEMAIS REGISTROS
– REGISTRO INVIÁVEL. No mais, sabido ser a permuta um
contrato pelo qual cada uma das partes se obriga a dar uma
coisa para haver outra. Embora apresente estreita analogia
com a venda e compra, tanto que a Lei Civil determina a
aplicação subsidiária ,de suas regras, é preciso notar que na
troca cada uma das duas coisas é contemporaneamente objeto e
preço e cada um dos contraentes é contemporâneamente
comprador e vendedor. Decorre da própria essência do negócio
jurídico da permuta, onde há duas transferências recíprocas e
inseparáveis, o preceito do art. 187 da Lei 6.015/73. Ingressa o
título sob um único número de ordem no Protocolo, com
subseqüentes registros nas matrículas correspondentes. Tal
regra, diga-se, não constitui novidade em nosso direito.
Corresponde, grosso modo, ao art. 203 da lei anterior, que, por
seu turno, teve inspiração no art. 256 do Regulamento 370 de
1890 e no art. 28 do Regulamento de 1865. Isso porque, na justa
observação de VALMIR PONTES, "a transcrição da permuta é
de natureza dúplice ou múltipla, conforme o caso, não
admitindo a lei apenas o registro de uma das transmissões,
ainda que um só dos permutantes requeira o registro. A
permuta, como já se observou, nada mais significa que duas
vendas recíprocas e simultâneas entre as mesmas partes
permutantes, representando o valor de uma das coisas
permutadas, o preço ou parte do preço da alienação da outra.
Uma vez, portanto, apresentado a registro título de permuta, o
ato não se completaria, com prejuízo para uma das partes, se o
Oficial tivesse que fazer, a pedido do apresentante, apenas a
transcrição de uma das alienações" (Registro de Imóveis,
Saraiva, 1982, p. 91). Em termos diversos, dada a
indivisibilidade decorrente
da
interdependência
das
estipulações existentes na permuta (como sucede, aliás, na
venda com hipoteca adjeta), a inscrição há de abranger um e
16
outro direito, não podendo assinalar apenas um deles,
postergando o outro com o qual se acha acoplado no título (cfr.
Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, 2a ed., Forense,
1977, p. 376). O registro isolado somente poderia dar-se se em
um mesmo instrumento se reunissem negócios não conjugados
pelo vínculo de seu inter-relacionamento, mas apenas
justapostos por economia formal, independentes entre si,
separáveis um do outro. Seria o caso, por exemplo, de escritura
de venda e compra de dois ou mais imóveis, ou de formal de
partilha com o pagamento de dois ou mais herdeiros, nos quais
a forma única permite entrever claramente o fundo múltiplo. É
por isso que tradicional e autorizada doutrina entende ser
inviável o registro cindido do contrato de permuta, em razão da
vinculação das prestações, ou seja, deixando de inscrevê-lo em
seu todo para fazê-lo só na parte que interessa ao apresentante
(Lisipo Garcia, A Transcrição, p. 204; Serpa Lopes, Tratado,
Livr. Jacinto Ed., vol. III p. 331).”8
No que tange a inviabilidade de inscrição do formal de partilha, onde apenas
um dos herdeiros requer o registro de sua parte ideal sobre único imóvel, observa-se o
decidido no acórdão abaixo transcrito:
“Apelação Cível n.º 96.477-0/3 – FORMAL DE PARTILHA –
REGISTRO DE IMÓVEIS – PRETENDIDO REGISTRO
PARCIAL E RELATIVO AO QUINHÃO DE APENAS UM
HERDEIRO. NÃO HÁ COMO MANTER EM ESTADO DE
INDIVISÃO LIMITADO – REGISTRO INVIÁVEL. É sabido ser
o formal de partilha um título de natureza judicial que, após
julgamento dotado de definitividade, instrumentaliza a
atribuição de quinhões aos sucessores e, em conseqüência,
confere eficácia à extinção de um estado de indivisão
patrimonial. Decorre da própria essência do ato, a persistência
de transferências inseparáveis quando incidentes sobre um
mesmo imóvel, pois não há como manter um estado de indivisão
limitado, ou seja, parcela de um mesmo bem foi atribuída a um
sucessor e o restante permanece, fictamente, compondo um
monte já desfeito. A inscrição analisada ostenta, por isso,
natureza múltipla, não se admitindo o registro isolado de
apenas uma das transmissões, ainda que só um dos sucessores
requeira o registro. Há, em outras palavras, uma
interdependência das estipulações constantes do título judicial
de maneira que todas devem ser levadas, acopladamente, ao
fólio real. O registro isolado poderia ser admitido se um mesmo
8
CSM – Apelação Cível n.º 30.109-012, Rel. Des. Márcio Martins Bonilha, j. 02.06.1996.
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formal reunisse atos não conjugados pelo seu vínculo de interrelacionamento, mas justapostos, independentes entre si e
separáveis um do outro. Tal hipótese, na espécie, porém, não se
materializa, em se cuidando de um formal de partilha relativo a
partes ideais de um mesmo imóvel. É preciso ter em mente que,
caso um formal de partilha diga respeito a vários imóveis,
atribuindo, individualizadamente, cada um deles a um sucessor
diferente, remanesce presente a cindibilidade proposta pelo
apelante. Situação diversa, porém, se concretiza quando a
inscrição é considerada com respeito a um único bem. Isto
posto, nego provimento ao recurso interposto.”9
Portanto, entende-se que a incindibilidade decorre da interdependência das
estipulações reunidas no título.
Também, é oportuno frisar que a cindibilidade dos “sujeitos”, presentes em
um mesmo título, não é possível, por infringir o princípio da continuidade registral.
É importante aludir que a atuação do oficial registrador deve ser pautada
pela prudência, razoabilidade, independência e responsabilidade, sendo que a decisão do
registrador é orientada pela lei e pelos princípios registrais, ou seja, pelo seu “livre
convencimento motivado,” cujo resultado final sempre será a tão desejada segurança
jurídica.
Podemos dizer, portanto, em apertada síntese, que diante do caso concreto, o
oficial decidirá se é caso ou não de cisão do título, sendo que esta decisão deve estar
sempre voltada para a garantia da segurança jurídica do registro imobiliário, mas isso,
sem descurar do princípio da razoabilidade. Certo é que o registrador, sob o falso
escudo da dita segurança, não poderá exigir excessivas e infundadas providências.
9
CSM – Apelação Cível n.º 96.477-0/3, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. 06.02.2003.
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Como última observação, cumpre lembrar que o espírito da moderna
sistemática registral aponta para a flexibilização dos princípios registrais, onde o
registrador atuará com ampla autonomia, ponderando a prudência com a razoabilidade,
nos limites da tão gloriosa segurança jurídica.
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CONCLUSÃO
Hodiernamente, consoante a nova estrutura registral e as recentes alterações
introduzidas na Lei n.º 6015/73, verifica-se que o registrador imobiliário, profissional
das ciências jurídicas, dotado de autonomia funcional, exerce uma função qualificadora
de títulos, que pressupõe um caráter jurisdicional. Com efeito, entende-se que a
aplicação do princípio da cindibilidade, objeto deste estudo, está perfeitamente engajada
com a moderna atividade prestada pelo registrador imobiliário. Todavia, é
importantíssimo salientar, que somente o oficial erudito, ou seja, estudioso e conhecedor
de diversas matérias jurídicas, poderá prestar um serviço eficiente e seguro, nos termos
da nova sistemática registral.
Assim sendo, depois de realizar o presente estudo, chegamos as seguintes
conclusões:
1. O princípio da cindibilidade decorre da unitaridade da matrícula. É com
base na unitaridade que se viabiliza a divisão do título para efeito de registro, onde cada
matrícula só poderá corresponder a um único imóvel. Com o advento da Lei Federal n.º
6.015/73 e o surgimento do sistema matricial, não há mais qualquer fundamento para a
manutenção do princípio pretoriano da incindibilidade do título. Com o novo sistema
matricial o registro é do imóvel matriculado e não do título como ocorria no sistema
anterior.
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2. É certo afirmar que o sistema vigente, introduzido pela Lei Federal n.º
6.015/73, caracteriza-se pela transformação radical do ato básico do registro imobiliário,
que, deixando de ser a reprodução textual dos títulos, passou ao cadastramento ou
retrato físico do imóvel, por meio do moderno sistema matricial.
3. Incontestável, pois, que o princípio da cindibilidade não só deve ser
conhecido pelo registrador imobiliário, na atual sistemática registral, como também
deve ser aplicado nas condições permitidas e não excepcionadas.
4. Pelo princípio da cindibilidade extrai-se do título somente o que comporta
inscrição, permitindo que o registrador, valendo-se de sua independência funcional e de
sua função qualificadora, aproveite o título, embora falho, para realização do ato
registral naquilo que estiver correto, registrando parcialmente o instrumento. Hoje,
portanto, é possível extrair só o que comporta inscrição, afastando-se aquilo que não
puder constar do registro.
5. É possível a cindibilidade de atos jurídicos dissociados concernentes a um
mesmo imóvel. Mas, certo é que a cisão somente é possível se os atos jurídicos
inscritíveis forem independentes entre si, ou seja, aqueles atos que se apresentarem de
forma não vinculada.
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BIBLIOGRAFIA
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. In: Revista de Direito Público 15/284.
CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores comentada (Lei n.º
8.935/94). 4ª edição, rev., ampli. e atual. até 10 de julho de 2002. São Paulo. Saraiva,
2002.
_______________. Lei dos Registros Públicos Comentada. 15ª edição. atual. até 1º de
outubro de 2002. São Paulo. Saraiva, 2003.
*GUILHERME FANTI – O autor é advogado, assessor jurídico de
tabelionatos e registros públicos no Estado do RS, especialista em Direito
Imobiliário, especialista em Direito Tributário, especialista em Direito Registral
Imobiliário e Especialista em Direito Notarial.

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