corpo e amor: você é único - Laboratório do Processo Formativo
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corpo e amor: você é único - Laboratório do Processo Formativo
corpo e amor: você é único Em que ponto o seu trabalho se relaciona com a autoestima? Os corpos vivem em ecologia. O corpo não é um indivíduo separado da natureza, da sociedade, do processo de evolução ou das redes de informação. O corpo é um processo genético, um lugar, um processador de ambiente que tem uma receita genética para crescer. Uma premissa fundamental: o corpo não é um móvel ou o suporte da consciência, é um processo vivo em muitas camadas e níveis de funcionamento interligados e com conexões com todos os outros níveis da realidade. Cada corpo vai processando o ambiente, construindo tecido, comportamento, experiência. Tem um ciclo de duração e, em certo momento, cai da árvore da vida e seca. Essa é uma visão evolutiva de Darwin, não fui eu que inventei. Esse corpo pensa, come, sonha, fala, digere e tem, além dos processos mais primitivos, os processos mentais, emocionais e afetivos mais complexos. A mente está contida nele. É importante compreender que o corpo vive em produção contínua – “hoje eu não sou o que era ontem”. 4 4 YOGAJOURNAL.COM.BR ame4.indd 44 EXPERIÊNCIAS X AUTOESTIMA Existem experiências para além do assimilável em certas fases da vida. E há situações que não dão um tempo formativo nem se constituem em um ambiente confiável para que o corpo, junto com a sua mente, tenha tempo de formar e aprender com aquilo, de constituir tecido e comportamento com aquilo. São experiências que tiram a gente da rota e diminuem a potência do indivíduo. E esse indivíduo tem a potência de prosseguir porque a vida, apesar de tudo, quer prosseguir e se propagar por meio dos corpos. A vida força a barra para prosseguir o tempo todo de qualquer maneira. Quando crescem em ambientes insuficientemente bons, os corpos são como uma planta que não encontra uma terra suficientemente boa nem um tempo ideal para se formar – cresce mais fraca e com menos potência. E a gente busca sempre mais potência. A BUSCA DE MAIS POTÊNCIA É A AUTOESTIMA Só podemos viver esse autorreconhecimento nas áreas e dimensões da vida em que sentimos essa potência da vida acontecer em nós. Potência é poder reconhecer o que faço, como faço, interferir no como eu faço. Isso é prático. A autoestima não tem necessariamente a ver com adaptação social – às vezes tem. Mas tem mais a ver com esse autorreconhecimento de potência e tem a ver com um bom funcionamento da vida em você, seja físico, emocional ou mental. E que as suas ações possam ir até o mundo, se conectarem com o mundo e voltarem sobre você como forma de aprendizado – isso propicia autoestima. Autoestima é a completação do ciclo da ação que se efetiva no mundo e volta sobre si. Porque aquilo que o indivíduo busca ou aquilo que o faz funcionar é o fato de que ele funciona. Se não funciona, perde potência e morre. O órgão ou comportamento que não funcionam tendem a minguar. Isso está totalmente ligado ao autoconhecimento, certo? Autoconhecimento do próprio funcionamento. Autoconhecimento é uma ideia perigosa, porque coloca você em uma situação muito autocontemplativa – eu com as minhas coisas, me isolando nessa montanha mágica e maravilhosa. O autoconhecimento, nesse caso, é reconhecer como eu funciono, identificar as minhas ações, ser capaz de interferir sobre elas. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL A terapeuta, filósofa e praticante de Yoga Regina Favre é fundadora do Laboratório do Processo Formativo, em São Paulo, e trabalha com clínica, educação e pesquisa há 35 anos. Em 1986, encontrou “alguém que disse alguma coisa muito importante sobre o corpo”, Stanley Keleman (autor de Anatomia emocional, traduzido por Favre): o corpo é um processo em construção contínua. A entrevista a seguir revela como esse processo se relaciona com a autoestima. ABRIL/MAIO 2011 3/25/11 4:09 AM O CORPO NA GLOBALIZAÇÃO É preciso reconhecer o corpo nesse processo vivo e não uma produção individual que cabe apenas dentro da família, uma visão da psicanálise reichiana e da bioenergética, a meu ver, insatisfatória. O corpo inserido em um mundo maior, seja nas ecologias políticas, físicas ou sociais, tornou-se superevidente quando o mundo se tornou global, em 1968, com todos os movimentos estudantis e golpes militares na América Latina. O capital tornava-se multinacional. O mundo foi abrindo e chegou ao que é hoje, totalmente global, e isso deixou evidente que o corpo é um processo que está dentro do planeta. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Como a globalização interfere no nosso reconhecimento/ autoconhecimento? A mesma informação que nos assusta com a sua velocidade e todos os perigos de mortes, nos atrai. Ficamos em um nível de excitação, informação e medo. Esse mesmo poder que nos informa e nos assusta nos oferece soluções que chamo de fast forms. São soluções fáceis em forma de comportamentos fáceis para que consigamos nos manter dentro da rede social. Mas essas soluções fáceis imediatamente realimentam a nossa insatisfação e nos colocam novamente nesse lugar de como vou resolver as questões da autoestima, ABRIL/MAIO 2011 ame4.indd 45 da autogerência, da continuidade dos meus processos, do meu amadurecimento somático, que vou de feto a velho. Tudo isso me solicita adaptações muito finas o tempo todo, que não são formas de adaptação prontas como as oferecidas em fast forms. Dê exemplos de fast forms. Nas revis- tas, nos filmes e na TV você encontra receitas de relação para tudo, estilo de vida, consumo, imagem. Todos esses contornos são compráveis, todos têm a sua publicidade que ensina como viver. Temos manuais para tudo o tempo inteiro. A possibilidade de invenção da própria vida tornou-se muito pequena. O Facebook e outras redes sociais também ditam as formas da felicidade e sucesso? Como reagir a isso? Há uma es- petacularização da vida, uma vida como pública, como celebridade, como sucesso. E a questão da autoestima está ligada a isso, sua vida comparada o tempo todo com certos modelos ideais veiculados com níveis de aceitação social maior ou menor. É difícil amadurecer no sentido de encontrar soluções que são completamente próprias. Há toda a questão da juventude, a questão da eternização da vida. Por exemplo, vou fazer 69 anos, procuro levar uma vida cada vez mais real e menos idealizada. A questão é: como você faz uma vida que é sua e ela o inclui em uma rede do tamanho que você dá conta para ter relações reais? Como a gente se estrutura para se posicionar sem estar nos modelos? Cons- truindo passo a passo a sua vida e sem avaliar o que você está obtendo ou o que está emergindo de você por modelos prontos para se dar bem ou não se dar bem. Tem aí uma verdade maior que é identificar o processo de produção de si. A produção de si vai em loopings, não é uma coisa linear. Em uma vida há muitas vidas acontecendo, ela não é uma vida só; tem muitas dimensões, é um feixe de fios, cada um com uma duração. Há corpos que duram muito na gente, eu fui mãe por muuuuito tempo, por exemplo! O corpo vai sonhando com ele mesmo, os sonhos vão ganhando moléculas e, assim, ganhando formas. A vida tem todos os processos que você precisa aprender. Você não vem com esse conhecimento. E o mercado tomou posse dessa transmissão de experiência, que é uma estratégia do lucro. Você não vai virar um ser primitivo da Nova Zelândia para evitar tudo isso, mas pode regular o quanto é vítima consumidora de imagem ou quanto você se apropria dessas imagens e faz o seu próprio artesanato de si. YOGAJOURNAL.COM.BR 4 5 3/25/11 4:09 AM REGINA EM AÇÃO NO SEU LABORATÓRIO Na filosofia yóguica, você não é os papéis que desempenha na vida, seja uma mãe ou uma filósofa: é algo maior que se conecta a uma força superior do Universo. Como você vê isso? Claro que a gente é parte de uma coisa muito maior, que é a biosfera, o planeta, que é parte de uma força universal. Até aí estamos totalmente de acordo. Também concordo que não precisamos de pensamentos como “se eu não dou certo eu não sou ninguém”. É um tipo de identificação pequena. Mas há algo que requer uma sensibilidade maior dentro dos processos sociais de como os corpos se fazem, do que você o corpo na prática de yoga P O R R E G I N A FAV R E Estou evitando sentir medo, quer dizer, estou saindo do presente, estou usando um recurso da minha forma, que é histórico em mim, que eu me reconheço sempre fazendo daquele jeito as coisas. Esse é o quem, o quem Quando você faz uma prática, pode se perguntar: quem está que faz como. Que é sempre uma ma- fazendo essa postura? Não basta fa- Se eu faço uma prática de Yoga é zer um belo movimento ou ficar ago- para que eu possa aprender a estar niado porque não consegue fazer o no presente. Para quê? Para apren- suficiente. Quem está fazendo esse der com aquilo que é efetivamente asana? Como eu faço isso? Encolho aqui e agora em que eu possa estru- aqui, estico ali, endureço aquilo, res- turar experiência e ampliar a minha piro assim. Por mais que eu conheça ação, sem me isolar por meio de es- todas as indicações, tenho um jeito tratégias do passado. É a minha es- desse meu corpo fazer. Que compor- trutura de aqui agora que está fazen- tamentos estão incluídos nesse modo do isso. Pode ser uma estrutura mais de fazer? Como eu historicamente atualizada ou uma estrutura cheia sempre faço? Talvez de uma maneira de histórias penduradas de compor- densa – me apertando. Muscularmen- tamentos antigos que ainda atuam te, tendendo a me adensar. Quando em mim. Não basta fazer massagem me adenso, que informação emerge para me livrar deles. É preciso saber de mim sobre mim? Estou diminuindo como funcionam em mim, como pos- o meu nível de exposição à experiên- so intervir para que eles se movam e cia singular, estou me protegendo, apareçam como outras possibilida- com medo, querendo parecer maior des, e se estruturar dentro de novas do que sou, querendo ser mais forte. bordas. A forma é uma borda. 4 6 YOGAJOURNAL.COM.BR ame4.indd 46 vive, que fazem grandes diferenças. Existe a força do mercado, a força do meio. O principal é ter uma atenção mais política no mundo e viver consciente. É importante saber que formas o estão pressionando ou ajudando. Mesmo que exista essa força maior. O corpo é uma bomba pulsátil, não é um objeto muscular. Expande, contrai, absorve, devolve em muitas direções. É permeado de canais. Ele espreme substâncias, imagens, acontecimentos e transforma em tecido a experiência, em mapa neural e devolve sob a forma de ação de território, de produtos, de objetos de linguagem e se conecta com outros. neira de me proteger do presente. Temos controle sobre essa bomba? Isso requer uma boa educação, como qualquer ação requer um aprendizado. Diante dessa questão, assisto à TV e quero ser igual à top model. O que fazer? Como com qualquer outra identificação com modelos prontos. Essas mulheres são programadas para destruir a autoestima. São produtoras de insatisfação, para você comprar aquilo que não tem. Você pode perceber o efeito da desestabilização que essas imagens produzem em si e continuar se alinhando com o seu processo único. Existe uma pressão social tão grande que as escolhas próprias sobre fazer um roteiro de vida mais singular vão sendo descartadas por causa da pessoa social, das ilusões de inclusão. E o grande perigo de hoje é o da exclusão. E como alcançar a autoestima? Você se conecta consigo mesmo e consegue descobrir o seu brilho. E o seu brilho faz você ser único, esse é o grande barato. É como uma pequena iluminação? É mais do que isso, é criar a biodiversidade. Vivemos em um planeta em que a tendência é a diminuição da biodiversidade por causa de forças homogeneizantes. Então, quando você brilha, não é só um prazer individual, é uma contribuição para a biodiversidade. O brilho é uma produção de diferença. Regina Favre dá atendimento e cursos no Laboratório do Processo Formativo, como o Seminário de Biodiversidade Subjetiva, que começa em 21/05 laboratoriodoprocessoformativo.com ABRIL/MAIO 2011 3/25/11 4:09 AM