Pensamento do Dia Pensamento do Dia

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Pensamento do Dia Pensamento do Dia
Pensamento do Dia
Economistas analisam a Economia, o Brasil
e o mundo,
mundo, na mídia diária 01-02 08 2009
----------------------------------------------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 02 08 2009
Custo da retomada deve prejudicar
crescimento do País no longo prazo
Para economistas, aumento dos gastos permanentes do governo pode tirar
fôlego da economia nos próximos anos
Márcia De Chiara e Alberto Komatsu
O Brasil foi um dos primeiros países a superar a fase mais aguda da crise, mas
pode pagar um preço alto por isso. O aumento dos gastos permanentes do
governo, para estimular a retomada da atividade, pode tirar o fôlego do
crescimento da economia no médio e longo prazos.
A constatação é do economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB
Associados e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
"Tivemos só dois trimestres de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto)
negativo, mas a um custo enorme. Esse custo vamos ver mais adiante, crescendo
menos."
Para ele e outros especialistas, como Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia
Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-diretor do Banco Central (BC),
apesar de o País ser a bola da vez no mercado internacional por ter passado
rapidamente pela crise, a economia brasileira tão cedo não retomará o nível de
crescimento de setembro de 2008.
Além dos gastos excessivos do governo, como o reajuste do funcionalismo público,
do Bolsa-Família e outros benefícios que comprometem a capacidade de
investimento em infraestrutura a médio prazo, Mendonça de Barros ressalta que
faltam ser retomados dois pilares fundamentais para que a economia deslanche.
Um deles é a exportação de manufaturados, o outro é o investimento. Ambos
dependem das condições de mercado e devem voltar a crescer lentamente a partir
de 2011, com a retomada da economia mundial. Com isso, voltarão a impulsionar o
PIB.
Em setembro do ano passado, quando o banco Lehman Brothers quebrou e a crise
veio à tona, a economia brasileira caminhava para atingir um ritmo de alta de 5,5%
ao ano, mas fechou 2008 com crescimento menor, de 5,1% na comparação com
2007. Estimativas de mercado apontam uma retração do PIB de 0,34% este ano e
elevação de 3,5% em 2010, segundo o último boletim Focus do BC.
Um levantamento dos principais indicadores do ritmo de atividade feito pelo Estado,
comparando a situação atual com a de setembro do ano passado, mostra que a
maioria dos setores que já retomaram o nível pré-crise foram aqueles que tiveram
o dedo do governo com as políticas anticíclicas.
Nesse rol estão, por exemplo, as vendas de veículos no mercado interno,
beneficiadas pelo redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e a
procura do consumidor por crédito. O aumento da demanda por crédito reflete a
queda do juro ao consumidor que, por sua vez, foi influenciada pelo corte na taxa
básica de juros (Selic), determinada pelo Comitê de Política Monetária do BC.
Também a maior oferta de crédito pelos bancos públicos contribuiu para a
expansão dos financiamentos e do consumo doméstico.
Em contrapartida, o mesmo levantamento mostra que os indicadores que
dependem do desempenho do mercado e são em boa dose influenciados pelo setor
externo, como a produção industrial e o saldo do número de empregos com carteira
assinada, por exemplo, estão ainda abaixo do nível alcançado na fase pré-crise.
Para a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif, quando há mudança de rota na
economia, como ocorre hoje, é comum o descasamento entre os indicadores. "E as
políticas anticíclicas reforçam isso."
MOTOR
Na opinião do estrategista-chefe do banco WestLB do Brasil, Roberto Padovani, a
política anticíclica do governo não foi necessariamente o motor da reversão
estampada nos indicadores. "Ela evitou o aprofundamento da crise." O pilar da
reversão, diz, foi a melhora das condições globais de crédito. Sem essa mudança lá
fora, as políticas locais teriam tido efeito menor, pondera.
Mais importante hoje do que a volta da economia ao nível pré-crise, segundo o
economista, é a mudança na trajetória da atividade. "Neste momento, o quadro é
de recuperação suave." Ele sustenta essa avaliação lembrando, por exemplo, que,
quando o PIB caiu 3,6% no último trimestre de 2008 ante o trimestre anterior,
descontados os efeitos típicos do período, as projeções indicavam que, se a
atividade estacionasse naquele nível, a economia em 2009 teria uma contração de
1,5%. Agora, porém, a média das projeções do mercado indica queda de 0,34%
para este ano, podendo até empatar.
------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 02 03 2009
''Medidas anticrise só olharam o curto
prazo''
Para economista, Brasil sairá menos competitivo da crise porque elevou os
gastos públicos para estimular o consumo
Márcia De Chiara
O economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB
Associados, diz que o Brasil vai sair menos competitivo da crise, apesar de ter se
livrado da pior fase mais rapidamente do que outros países. "O governo só olhou o
curto prazo", diz ele, fazendo referência às políticas anticíclicas, que aumentaram
os gastos públicos para ampliar o consumo. A exemplo da China, que expandiu
investimentos em infraestrutura, ele diz que o País deveria ter aproveitado a crise
para dar um salto de competitividade. A seguir os principais trechos da entrevista.
A economia brasileira já superou a crise? O que se pode esperar daqui para
a frente?
No sentido mais geral, de evolução negativa do PIB (Produto Interno Bruto), a
economia superou a crise. Mas isso não significa que voltou tudo como antes no
quartel de Abrantes.
Por quê?
Porque, se é verdade que o mercado interno segurou razoavelmente bem, é
verdade também que as exportações de manufaturados caíram fortemente e
continuam ruins. Isso significa que a indústria está melhorando, mas tem
desempenho negativo, na média.
Quanto o sr. projeta de crescimento para este ano e o para 2010?
Este ano, zero. No último trimestre do ano em relação ao último trimestre de 2008,
crescimento de quase 3%. Para 2010, algo entre 3,5% e 4%, que é um bom
número.
O mercado interno é suficiente para garantir esse crescimento?
Acho que sim.Tem uma parte disso que é exportação de commodities, que está
razoável. Mas, fundamentalmente, é o mercado interno. Sem a exportação, será
difícil ter uma sustentabilidade nessa faixa de crescimento olhando para depois de
2010. A economia se recuperou da pior fase da crise, mas com menor capacidade
de crescer sem gerar inflação.
Por quê?
Basicamente porque perdemos a perna do mercado externo e um número muito
grande de investimentos no mercado interno foi postergado. Com menos
investimentos, a capacidade de crescer no longo prazo é menor.
Quando os investimentos e as exportações voltarão?
É a pergunta que todos gostariam de saber a resposta. O mercado externo volta
muito lentamente porque depende das economias do mundo desenvolvido, que
retomarão o crescimento muito lentamente, só a partir de 2011.
Quando a economia volta ao nível pré-crise?
Acho que vai demorar, dependendo do que vai acontecer na parte fiscal e
estrutural. O custo à vista da crise é menor por causa da expansão do gasto público
e do crescimento do mercado doméstico. Quando você expande a folha de
pagamento do setor público, isso, no curto prazo, é demanda: as pessoas gastam e
ajudam a vender os produtos nos supermercados e tudo mais. Mas isso diminui a
capacidade de investimento do Estado no médio e longo prazos. No curto prazo,
nós tivemos só dois trimestres de crescimento negativo e esse custo foi menor que
em outros países emergentes. Mas isso terá um custo na redução da capacidade de
crescimento que será inequívoco.
Por essa análise, a visão de que o Brasil está saindo mais rápido da crise
não é verdadeira?
Ela tem um que de verdade no sentido de que teremos apenas dois trimestres
negativos, mas a um custo enorme. Esse custo nós vamos ver mais adiante,
crescendo menos. A expansão fiscal da China está muito em cima de infraestrutura.
Portanto, no sentido de tornar a economia mais competitiva. A nossa expansão
fiscal está muito mais em cima de aumentar o gasto corrente em folha de
pagamento. O que vai acontecer é que a capacidade de poupar do setor público vai,
inequivocamente, se reduzir.
A bolsa já está dando sinais de entrada de capital equivalente ao nível précrise. Não é um bom sinal?
Isso é um bom sinal. A razão é que a Ásia e parte dos países petroleiros estão
crescendo bastante. A demanda por nossos produtos aumentou e, com a incerteza
internacional, os grandes investidores tentam diversificar suas aplicações. Mas essa
entrada de capital vai trazer de volta uma velha discussão do dólar baratinho. A
forma de conviver com isso é aumentar a nossa capacidade competitiva. E essa
capacidade está se reduzindo.
O Brasil pós-crise será menos competitivo?
Sim. Temos a vantagem de sair rápido por causa de medidas temporárias, como
redução de imposto, ou permanentes, aumento de gastos em folha de pagamento.
Esse tipo de resposta na política fiscal olhou só o curto prazo, teve alguma
eficiência, faz sair mais rápido da crise. O custo de médio prazo não será pequeno.
O Brasil passou no teste da crise?
Depende do que você está olhando. A estabilidade foi duramente testada. O Brasil
passou no teste: não houve inflação, não tivemos problema bancário, o crédito
voltou e o sistema continuou funcionando direito. Mas a retomada rápida, à custa
do crescimento de médio prazo, terá um custo.
O que deveria ter sido feito?
Aproveitar a crise para dar um salto no médio prazo, no sentido de avançar nas
reformas. Na Previdência, o governo passou anos dizendo que não tinha problema
algum. Agora começa a descobrir que tem. No investimento de infraestrutura tem
muito discurso e pouca realidade. Perdemos poder de competição.
O governo não deveria ter tomado medida anticíclicas, como a redução
tributária, por exemplo?
Acho que deveria, mas não deveria ter aumentado o gasto corrente. Isso é
expansão pura e simples do Estado, e de forma permanente. Vamos pagar um
preço por isso. Perdemos a chance de usar esse bom fundamento para dar mais um
salto para a frente, para sair mais fortes do que antes, como, aparentemente, está
acontecendo com a China. O governo brasileiro só olhou o curto prazo.
Quem é: José Roberto Mendonça de Barros
É doutor em economia pela USP e pós-doutorado pelo Economic Growth Center, da
Universidade Yale.
Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no primeiro governo Fernando
Henrique Cardoso.
------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 02 08 2009
''Brasil se saiu bem no teste de estresse''
Para o economista Carlos Langoni, País está deixando a crise para trás,
mas crescimento só volta ao nível pré-crise em 2011
Alberto Komatsu
O desempenho do Brasil para atravessar a crise deu ao País o status de "bola da
vez" entre as demais nações. Essa constatação do diretor do Centro de Economia
Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Langoni, foi reforçada em
recente viagem de três semanas à Europa, para conhecer como as principais
economias daquela região estão superando, ou não, a crise.
Também presidente do Banco Central de 1980 a 1983, Langoni afirma que, entre
os países emergentes, à exceção da China - que teve uma "desaceleração", e não
uma recessão -, o Brasil é o primeiro a sair da crise e deve obter grau de
investimento da agência de classificação de risco Moody?s até o fim do ano.
Na entrevista ao Estado, Langoni diz que o Brasil já superou a crise, mas só deve
voltar a crescer com consistência após 2011, a exemplo do que vai ocorrer com a
economia mundial.
Como o mundo vê o desempenho do Brasil para atravessar a crise?
O mundo vê o Brasil como um país de risco baixo, tanto econômico quanto político.
Um país que soube gerenciar a crise no período mais crítico e uma economia cada
vez mais diversificada, com matriz energética rica. A crise reduziu a percepção do
risco Brasil. O País vai receber ainda este ano, provavelmente, o grau de
investimento pela Moody?s, e vai subir um degrau em 2010 pelas outras agências.
Se faltava um teste para a economia brasileira numa situação de estresse, esse
teste aconteceu e o Brasil se saiu bem.
Em relação aos outros países emergentes, como foi o desempenho do
Brasil?
É uma comparação satisfatória. China e Índia, na verdade, não sofreram uma
recessão, mas uma desaceleração. O outro emergente dos Brics, a Rússia, sofreu
uma profunda recessão, uma queda do PIB de 5%, em razão da sua grande
dependência do petróleo. É uma economia muito menos eficiente do que a
brasileira - que está hoje muito diversificada, com serviços, agronegócios,
indústria. Por outro lado, na América Latina, o Brasil está muito bem. Inclusive a
maioria dos países vai ter crescimento negativo e o Brasil vai ficar com a economia
estagnada, um pouco mais, um pouco menos, dependendo do segundo semestre.
O sr. concorda com a visão de que o Brasil está saindo da crise?
Concordo. Todos os indicadores mostram que o segundo trimestre terá um
crescimento do PIB positivo em relação ao primeiro trimestre, e vamos ter uma
sequência de crescimentos positivos no PIB. Isso já se nota pelos dados do varejo e
da produção industrial, pelos indicadores de confiança de negócios, do consumidor.
Então, acho que o Brasil, provavelmente, no conceito clássico, com quatro
trimestres seguidos de PIB negativo, só vai sair da recessão no segundo trimestre.
E essa é uma tendência que deve se consolidar nos próximos trimestres.
E os outros países, já passaram pela crise?
Eu acabei de voltar da Europa, e fiquei surpreso lá, pois na própria Alemanha a
gente já nota confiança nos negócios, aquele clima profundo de pessimismo já está
se dissipando. Agora, eu acho que a Europa e o Japão serão os últimos a sair da
crise. Os Estados Unidos, entre os países industrializados, provavelmente serão os
primeiros, talvez já no fim deste ano. Entre os emergentes, a Índia está em grande
desaceleração, e a Rússia vai demorar ainda por causa do petróleo. E o Brasil,
entre os megaemergentes, provavelmente vai ser o primeiro ou um dos primeiros.
E realmente a China vem desempenhando o papel que se esperava.
Quando a economia do Brasil retoma o nível pré-crise?
No terceiro trimestre de 2008, a economia estava crescendo próximo de 7%. Era
um resultado excepcional, com o investimento crescendo três vezes o PIB. Era uma
situação muito favorável. Eu acho que isso vai demorar pelo menos dois anos para
ocorrer de novo, só em 2011. Explico por quê: ano que vem o Brasil volta a crescer
3,5%. Este ano vai ser zero. O que acontece? Ainda é a metade do crescimento que
a gente vinha observando até o impacto frontal da crise. Mas o crescimento do ano
que vem ainda será impulsionado pelo consumo das famílias, porque exportações e
investimento ainda vão ficar bastante restritos.
E quando o nível de investimento será retomado?
O investimento provavelmente só vai reagir a partir de 2011, porque durante 2010
ainda haverá muita capacidade ociosa e as decisões e planos de novos
investimentos só ocorrem quando se tem um horizonte claro em relação ao
comportamento da demanda, tanto interna quanto externa. Então o crescimento do
ano que vem vai ficar abaixo da taxa potencial brasileira. A partir de 2011,
esperamos que a economia global esteja numa nova trajetória de expansão.
Só o consumo das famílias vai garantir a volta do crescimento? E as
exportações?
Este ano está sendo marcado por uma queda de exportações de 20%. No ano que
vem, as exportações provavelmente não vão cair, mas também não vão subir
muito. A contribuição das exportações vai melhorar porque não vai haver a queda,
as importações vão também cair menos e talvez até possam crescer um pouco. Mas
a verdade é que a dependência do crescimento brasileiro até 2011, até que a
economia mundial volte com um dinamismo maior, vai continuar basicamente
sendo do consumo privado.
Quem é: Carlos Langoni
É Ph.D. em Economia pela Universidade Chicago
Foi presidente do Banco Central de 1980 a 1983
É consultor financeiro do Comitê Organizador da Copa do Mundo 2014
É diretor do Centro de Economia Mundial da FGV e sócio da consultoria Projeta
--------------------------------------Folha de S.Paulo 02 09 2009
RUBENS RICUPERO
O Brasil e a agenda de Obama
Política anacrônica do país
deixa livre o campo a um acordo
histórico para o qual se dirigem
os EUA e a China
A MARCA principal da estratégia de Obama não é o multilateralismo nem o
multipolarismo, mas a multiplicação de grupos de parceiros para lidarem com os
problemas complexos de uma agenda renovada.
Não se trata de multilateralização, a ênfase em organizações como a ONU, o Fundo
Monetário e a Organização Mundial de Comércio, todas necessitando reformas que
nem começaram. Tampouco é multipolarismo, o reconhecimento de polos, isto é,
centros de poder dotados de hegemonia regional sobre os vizinhos. Do tipo das
coalizões de geometria variável dos anos 1990 ou do G20 dos nossos dias.
O que se quer é criar parcerias com países que aportem contribuição de recursos
próprios para resolver desafios, não a suposta capacidade de coagir vizinhos
menores. A ideia é reunir grupos de países capazes de agir juntos para tratar de
questões espinhosas
heterogêneas.
incapazes
de
solução
em
assembleias
numerosas
e
Depois de terem vivido oito anos em mundo imaginário no qual a agenda foi
islamizada, os americanos estão de volta a este velho e sofrido planeta. Aqui
redescobrem agravados os problemas que desleixaram: os macrodesequilíbrios na
raiz da crise financeira, o aquecimento global, a urgência de redução dos arsenais
atômicos já proliferados, continentes inteiros riscados do mapa de Washington,
como a África e a América Latina.
Enfraquecidos pela crise e pela sangria da guerra permanente, sabem que precisam
dos outros e buscam a ajuda de parceiros novos. A prioridade é para a China, "a
parceria para plasmar o século 21", nas palavras de Obama, incontornável na
economia, na mudança do clima, na estabilidade do Oriente, incluindo o perigo
atômico norte-coreano.
Vem depois a Rússia na redução das armas estratégicas, na influência sobre o Irã,
no Afeganistão, na garantia de abastecimento de petróleo e gás. A Índia é a
terceira na ordem, devido à massa da população, à ajuda no conflito afegãopaquistanês, à luta contra o terrorismo, às armas nucleares. A escala prioritária
transparece claramente no cronograma de visitas e encontros de Obama, do vicepresidente, da secretária de Estado, Hillary Clinton, concentrado nos parceiros
novos, sem descurar dos antigos: Europa, Japão e Canadá.
Há até lugar para caso raro como o do Brasil, que só tem "soft power", pois não é
potência nuclear nem militar, está longe da zona de conflitos islamizados e dispõe
apenas de meios econômicos modestos. Podemos exercer influência construtiva nos
confrontos cada vez mais numerosos da América do Sul, nas negociações agrícolas,
na saída da crise financeira. Onde, porém, teríamos de fato condições para fazer
diferença é no aquecimento global, que começa a ocupar posto central na agenda.
Pena que, em vez de assumir a liderança da busca de consenso contra a mudança
climática utilizando o que faz de nós uma "potência ambiental" -a Amazônia, a
biodiversidade, a água, a energia limpa e o etanol-, o governo insista em política
anacrônica e defensiva. Deixa livre o campo a um acordo histórico para o qual se
dirigem os EUA e a China.
Quando americanos e chineses se entenderem, não nos restará remédio senão
seguir a reboque. O Brasil terá desperdiçado chance que não mais há de se repetir
de ter sido fator decisivo para a solução de um dos maiores desafios da
humanidade.
RUBENS RICUPERO , 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto
Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).
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O Estado de S.Paulo 02 08 2009
O que não se sabe a respeito da
recuperação
Joe Biden
Vice-presidente dos EUA
Há seis meses, quando o presidente Barack Obama e eu assumimos as nossas
funções, nos deparamos com uma crise econômica nunca vista em toda a nossa
vida. A nação estava sofrendo uma verdadeira hemorragia de empregos, mais de
700 mil eram eliminados por mês, o mercado da habitação se encontrava em queda
livre e o destino do sistema financeiro estava por um fio.
Economistas de grande prestígio avaliavam a probabilidade de uma depressão. As
medidas que nós adotamos - a aprovação da Lei da Recuperação da economia
americana, a estabilização do sistema bancário, as pressões para a restauração do
crédito e a ajuda aos proprietários de casas responsáveis - permitiram que o país
recuasse da beira do precipício.
A perda de empregos está diminuindo, os mercados financeiros melhoraram e a
contração econômica se reduziu. Entretanto, ainda temos um longo caminho a
percorrer, mas claramente hoje estamos mais perto da recuperação do que em
janeiro. A Lei da Recuperação foi crucial para esse progresso.
Mas, apesar disso, a natureza da Lei da Recuperação continua mal entendida e mal
interpretada por muitos: os críticos sugerem que os US$ 787 bilhões estão sendo
gastos em programas e casos específicos. Como eu sou o responsável pelas
iniciativas do governo para a execução dessa Lei, quero desde já deixar claras
algumas coisas.
A parte mais importante da Lei - mais de um terço - refere-se aos cortes dos
impostos: consequentemente, 95% dos trabalhadores americanos constataram a
redução dos seus gastos com impostos. A segunda parte - pouco menos de um
terço - diz respeito à ajuda direta aos governos estaduais e aos indivíduos. Esses
recursos permitem que os governos estaduais deixem de demitir professores (14
mil somente na cidade de Nova York), bombeiros e policiais, e impedem que os
déficits dos orçamentos estaduais cresçam ainda mais.
As pessoas mais afetadas pela recessão obtiveram uma prorrogação dos benefícios
do seguro-desemprego, da cobertura da assistência médica e outras formas de
ajuda para saírem destes tempos difíceis.
Isso posto, dois terços da Lei não financiam "programas", mas visam diretamente
ao corte dos impostos, ao repasse aos governos estaduais e às famílias
necessitadas, sem burocracia e sem demora.
Quanto ao último terço, a lei está financiando os maiores investimentos em
estradas desde a criação do sistema de rodovias interestaduais; projetos de
construção em bases militares, portos, pontes e túneis; a limpeza há muito tempo
necessária das áreas mais deterioradas por lixo tóxico do programa Superfund; a
criação de empregos no campo da energia limpa do futuro; melhoria dos sistemas
ultrapassados de fornecimento de água nas zonas rurais; modernização dos
sistemas de transporte de massa e ferrovias saturados; e muito mais.
Hoje, esses investimentos criam empregos - e sustentarão a expansão econômica
no futuro. Longe de ser negativa, a ampla gama desses investimentos é
imprescindível, considerando a incrível diversidade da economia americana.
Os projetos estão sendo escolhidos independentemente do repasse de verbas
destinadas a projetos específicos dos políticos locais ou de outras considerações
políticas, e são até mesmo apresentados muitos contratos de orçamento mais
baixo.
Foram aprovados mais de 30 mil projetos, e outros milhares estão sendo postados
no site "recovery.gov" - o que proporciona um grau muito grande de transparência
e de responsabilização. A esse propósito, os contribuintes precisam saber que não
hesitamos em rejeitar propostas que não atendem aos nossos padrões baseados no
mérito.
O cuidado com o qual estamos pondo em prática os dispositivos da lei fez com que
alguns indagassem se não estaríamos avançando devagar demais. Mas a lei tem
como propósito proporcionar um firme respaldo à nossa economia por um amplo
período de tempo - e não um empurrão que duraria apenas alguns meses.
Em vez de reduções momentâneas, estamos proporcionando aos americanos um
corte dos impostos em cada cheque do pagamento. Em vez de o Estado
desembolsar imediatamente o total dos recursos da ajuda, decidimos estendê-la ao
longo dos dois anos durante os quais será necessária. Projetos de estradas,
projetos de energia e projetos de construção começam assim que são aprovados;
os contratos são muito competitivos, e os sistemas de informação já estão
funcionando.
Mesmo com todo esse cuidado, já comprometemos mais de 25% do total dos
recursos da Lei de Recuperação, e deveremos cumprir o prazo fixado quando a lei
foi sancionada, em fevereiro deste ano. Até o fim de setembro de 2010, teremos
aplicado 70% dos recursos prometidos.
A Lei de Recuperação não é uma panaceia para os males da nossa economia nenhuma legislação poderia ser. Mas quantas iniciativas do governo poderão
destacar ao mesmo tempo a apresentação de um grande número de projetos de
orçamento menor, e um Escritório Geral de Contabilidade do governo que conclui
que estamos adiantados em relação ao prazo em áreas fundamentais?
Entretanto, o esforço da lei que pretende sanar variados problemas a torna um alvo
fácil de críticas. De fato, alguns argumentam que os cortes dos impostos são
pequenos demais (ou grandes demais), que uma ajuda excessiva (ou insuficiente)
está sendo destinada às áreas rurais, e que poucos recursos (ou recursos demais)
estão sendo gastos com estradas. Recentemente, alguns chegaram a criticar a lei
por ajudar a financiar a sopa dos pobres e os bancos de alimentos.
Mas na minha opinião, nossa abordagem equilibrada leva em conta que não há
remédios definitivos, não existe uma coisa só capaz de atender às múltiplas e
complexas necessidades da imensa economia dos EUA.
Precisamos de ajuda, de recuperação e de reinvestimentos para fazer frente à
nossa crise multifacetada - e 159 dias depois de ela ser sancionada pelo presidente
Obama, a Lei da Recuperação da economia americana já trabalha para responder a
essas três necessidades.
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O Estado de S.Paulo 01 08 2009
A intransigência burocrática
Luiz Antonio Pagot*
A descontinuidade na execução de obras de infraestrutura de transportes no País é
um drama antigo que precisa ser combatido com urgência. Um amplo debate se
forma no sentido de buscar soluções para a questão, pautado principalmente por
empresas do setor e por órgãos executores. Essa discussão tem como ponto de
partida a sociedade, que não faz parte direta do processo, mas que sente em seu
cotidiano a falta dessas obras - desde travessias urbanas até grandes obras
estruturantes.
A paralisação de obras muitas vezes tem origem no Congresso Nacional, instituição
que poderia tratar a questão de forma mais efetiva, a fim de tornar o processo mais
ágil, garantindo que as ações possam primar pela eficiência, que nada mais é do
que a aplicação de recursos públicos no menor tempo possível, gerando assim
menor custo para o erário.
É muito mais cara para o Estado a paralisação do que a continuidade de uma obra.
Obras interrompidas significam prejuízos de milhões para os cofres públicos e para
milhares de cidadãos, que passam anos esperando por uma ponte ou por um trecho
rodoviário. Os efeitos de uma paralisação são devastadores e, muitas vezes,
irreparáveis.
O correto é que o Congresso garanta orçamento e recursos para que as obras não
parem. E que sejam criadas novas metodologias de fiscalização e controle. O que
temos acompanhado é a Comissão Mista de Orçamento contribuindo para a
inclusão de novas obras no anexo 6 - muitas vezes sem recomendação do próprio
Tribunal de Contas da União (TCU) -, inclusive com processos cujos assuntos
referentes a essas obras poderiam ser resolvidos administrativamente e em tempo
bem menor, sem resultar em obras paralisadas e prejuízos incalculáveis para a
Nação.
Sempre que participo de eventos sobre o tema, reforço minha tese de que
precisamos quebrar paradigmas. Uma sugestão é a criação de um fórum
permanente de discussão com a Comissão Mista de Orçamento do Congresso
Nacional. Precisamos trabalhar esses enfrentamentos, encontrar soluções e garantir
a continuidade das obras.
Vivemos um momento único no setor de infraestrutura de transportes no Brasil. O
orçamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para
2009 é de R$ 8,6 bilhões, que, somados ao valor de R$ 9 bilhões de restos a pagar,
resultam no extraordinário valor de R$ 17,6 bilhões. Porém esbarramos numa
metodologia burocrática interminável e intransigente, que vai da sistematização
interministerial ao licenciamento ambiental que leva, em média, dois anos para ser
obtido. Hoje, são 2.107 quilômetros de rodovias federais aguardando licença de
instalação. Para que se possa fazer pavimentação - rigorosamente na faixa de
domínio de uma rodovia já implantada -, adequações ou melhoramentos (caso de
uma terceira faixa ou um viaduto, por exemplo), têm-se intermináveis exigências.
Somam-se a isso problemas processuais das licitações (falta de limitação dos
prazos), complicações em atribuições de obras conveniadas, entre outros
problemas que poderiam ser superados por meio de licenciamento simplificado e
um modelo operacional de gestão com foco na obra pronta, entregue com
qualidade, e não no mérito tecnocrático da fiscalização.
Há pontos positivos em relação ao importante trabalho dos órgãos de controle. O
Dnit, por exemplo, tem mais de 2.500 contratos de obras em execução. Só do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) são 579 contratos.
Os números mostram que o que está em execução é infinitamente maior do que
obras paradas ou com indícios de irregularidade e isso se deve, em boa parte, ao
trabalho de parceria com as instituições de controle interno e externo. Não
conseguiríamos licitar, em seis meses, mais do que R$ 6 bilhões em obras, se não
fosse a criação do Edital Padrão, elaborado em conjunto com o TCU e a
Controladoria-Geral da União. É em razão desse sucesso que reafirmo a
necessidade de novas metodologias, a fim de que os órgãos executores, as
empresas, o Estado e o cidadão ganhem em eficiência e eficácia.
*Luiz Antonio Pagot é diretor-geral do Dnit.
E-mail: [email protected]
------------------------------------Folha de S.Paulo 01 08 2009
Gastos estatais freiam recessão nos EUA
PIB do país encolhe 1% no 2º trimestre após queda anterior de 6,4%, mas registra
maior sequência de recuos desde 1947
Obama diz que economia americana reagiu "melhor do que pensávamos'; previsão
é de expansão nos próximos trimestres do ano
FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK
Os gastos estatais bilionários adotados pelo governo de Barack Obama conseguiram
frear o ritmo de contração da economia dos EUA no segundo trimestre deste ano.
O PIB (Produto Interno Bruto) do país encolheu 1% no período em termos
anualizados. Nos três trimestres anteriores, as quedas haviam sido de 6,4%, 5,4%
e 2,7%, respectivamente.
Esta é a maior sequência de recuos desde 1947, quando o Departamento do
Comércio começou a colher esses dados.
A diminuição na velocidade da contração é um indicativo de que os EUA podem
voltar a crescer nos próximos trimestres. A expectativa, porém, é que a
recuperação seja lenta e sem a criação de novos empregos no médio prazo. O
detalhamento do PIB divulgado ontem também aponta nesse direção.
Mais de um quinto da atividade econômica entre abril e junho teve como causa
direta o gasto público, como o vinculado ao pacote de US$ 787 bilhões aprovado no
início do ano pelo Congresso. A despesa estatal subiu 10,9% no trimestre.
Mas o consumo das famílias, que representa 70% do PIB nos EUA, surpreendeu
negativamente e caiu 1,2%, depois de ter aumentado 0,6% no trimestre anterior.
Também recuaram a produção e as vendas de bens duráveis (7,1%) e de não
duráveis (2,5%). Ambas haviam crescido no primeiro trimestre.
Os investimentos empresariais, maiores fontes para a criação de empregos em
qualquer economia, também voltaram a cair, mas em ritmo bem menor. A queda
foi de 8,9%, ante 39,2% no trimestre anterior.
Apesar de os números do setor privado ainda serem muito ruins, Obama reagiu
com otimismo moderado diante dos resultados do PIB. "Os dados revelam que a
economia estava em um estado muito pior do que imaginávamos quando assumi o
governo", disse Obama. "Mas o PIB também vem mostrando nos últimos meses
que a economia vem reagindo melhor do que nós pensávamos."
Algumas estatísticas divulgadas nesta semana dão peso ao argumento de Obama.
As vendas de casas novas aumentaram pela quarta vez em seis meses e as
encomendas industriais fora do setor de transporte também cresceram.
O PIB também revela que o processo de queima de estoques comerciais e
industriais que teve início ainda no final de 2008 está chegando ao fim, o que pode
ajudar a elevar a produção industrial.
Entre abril e junho, a redução de estoques subtraiu 0,83 ponto percentual do PIB.
No trimestre anterior, foram 2,36 pontos a menos.
"Os resultados sobre a diminuição dos estoques montam o palco para a volta de um
PIB positivo, e provavelmente bastante decente, no terceiro trimestre", disse John
Ryding, economista da RDQ Economics, em Nova York.
Se a diminuição de estoques pudesse ser retirada do cálculo, o PIB do segundo
trimestre teria encolhido apenas 0,2%.
As exportações norte-americanas também caíram menos: 7%, ante uma redução
de 30% entre janeiro e março. Já as importações, que são computadas
negativamente no cálculo do PIB, recuaram 15,1%.
O Departamento do Comércio também revisou os dados completos do PIB de 2008,
mostrando que o agravamento da crise a partir de setembro foi muito pior do que
se imaginava. No ano passado todo, segundo o órgão, o PIB norte-americano
cresceu apenas 0,4%, e não 1,1%, como divulgado anteriormente.
Em relatório específico sobre a economia norte-americana divulgado ontem, o FMI
(Fundo Monetário Internacional) voltou a alertar o país sobre a necessidade de
começar a preparar políticas "ambiciosas" para diminuir seu endividamento público
diante da explosão de gastos estatais.
Segundo o FMI, o endividamento público como proporção do PIB subirá de 63,4%
para cerca de 112% até 2014.
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O Estado de S.Paulo 01 08 2009
PIB dos EUA recua 1% e Obama
comemora
Gustavo Chacra
A economia dos Estados Unidos teve contração de 1% no segundo trimestre deste
ano em relação ao mesmo período do ano passado. O resultado, comemorado pelo
presidente americano, Barack Obama, está acima do que previa o setor privado e
indica uma melhora significativa em relação aos dois trimestres anteriores.
"O Produto Interno Bruto (PIB) de hoje é um importante sinal de que a economia
caminha na direção correta e que os investimentos que haviam se reduzido nos
últimos meses começam a dar sinais de estabilidade", disse Obama. O presidente
se autodescreveu como "cautelosamente otimista", e acrescentou que não pode
falar em recuperação enquanto os americanos continuarem "perdendo empregos".
A queda foi bem mais amena que a do primeiro trimestre, quando a economia
encolheu 6,4%, e a do último trimestre de 2008, recuo de 5,5%. O Departamento
do Comércio ainda revisou para baixo os dados do ano passado para queda de
1,9%. Inicialmente, havia sido divulgado um recuo de 0,8% no ano.
O secretário do Comércio, Gary Locke, disse em nota que os números do PIB
"demonstram que o país está fazendo um progresso real para acabar com a
recessão. Indicadores da atividade econômica apontam para cima e o setor
imobiliário começou a se estabilizar".
O resultado não mexeu com a Bolsa de Nova York. O índice Dow Jones operou com
leve alta de 0,1% por quase todo o dia e manteve-se próximo do nível mais
elevado em nove meses. O S&P 500 e o Nasdaq também fecharam o dia
praticamente estáveis.
Levantamento feito com 78 economistas apontava para uma queda de 1,5% no
PIB. Um dos motivos para o resultado melhor do que o esperado foi o estímulo
econômico do governo de US$ 787 bilhões nos próximos anos.
Com o resultado, o Produto Interno Bruto americano, que era de US$ 14,5 trilhões
em julho de 2008, passou para US$ 14,15 trilhões - queda de cerca de US$ 350
bilhões.
As exportações e os investimentos empresariais também contribuíram para que a
redução fosse menor do que a esperada. No primeiro trimestre, a queda nos
investimentos havia sido de 39,2%. Dessa vez, também caíram, mas em ritmo
menor, 8,9%.
Já o consumo dos americanos, que corresponde a 70% do PIB, apresentou a maior
queda desde 1980, de 1,2%. No período anterior, foi de 0,6%. Economistas
acreditam que a população americana começou a aumentar sua taxa de poupança.
Em estudo divulgado ontem, o Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmou que o
governo conseguiu estabilizar a economia graças "ao estímulo e à intervenção no
mercado financeiro", mas manteve a previsão de recuo de 2,6% para este ano. "O
crescimento da economia americana será gradual".
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O Estado de S.Paulo 01 08 2009
O crescimento que parece recessão
Floyd Norris *
Um ano atrás, a economia dos Estados Unidos estava em recessão. Agora, pode ser
que ela esteja prestes a emergir desse longo declínio. Mas, se a economia está
perto de retomar o crescimento, isso se dará a partir de um nível muito baixo. A
recessão produziu contrações muito maiores do que os declínios anteriores nos
últimos 50 anos.
Como resultado, a economia pode parecer em depressão mesmo depois que o
crescimento voltar.
Isso pode ser observado em setores como o de bens duráveis fabricados por
empresas americanas. O fornecimento de tais itens caiu mais de 20% durante esta
recessão e teria caído ainda mais se não fosse pelo aumento na produção de
armamentos.
Nos declínios anteriores registrados desde 1958, quando tais dados começaram a
ser medidos, em nenhum momento a contração chegou a 14%.
A queda é ainda mais notável porque o fornecimento desse tipo de artigo aumentou
num ritmo relativamente contido durante o período anterior de crescimento
econômico, especialmente quando as vendas militares são excluídas dos números.
Em junho, o fornecimento para finalidades civis ajustado para a temporada estava
19% abaixo do valor médio registrado em 2000. O fornecimento de itens militares
estava 123% acima da média de 2000.
A economia dos Estados Unidos continua sendo predominantemente civil.
O Exército absorve agora cerca de 8% de todos os bens duráveis, um aumento em
relação aos 3% registrados em 2000.
Em geral, o fornecimento para finalidades não-militares registrava queda de 20%,
enquanto as encomendas apresentavam queda de 27%. Em alguns setores, os
declínios foram muito maiores, com a encomenda de produtos primários metálicos,
como o ferro e o aço, apresentando queda de 44%. O governo não pode
acompanhar as encomendas de semicondutores porque a Intel não divulga esses
dados, mas o fornecimento nessa categoria registrava queda de 33%.
O fornecimento de aeronaves comerciais e peças sobressalentes caiu apenas 7%,
principalmente porque o intervalo entre encomenda e fornecimento desse tipo de
produto é demorado, e isso ajudou a manter o declínio no fornecimento abaixo
daquilo que poderia ter sido. Mas as encomendas registraram queda de 65%.
Esses declínios não correspondem a períodos de prosperidade. No início de 2008, a
recessão já assolava a economia, e o fornecimento de bens duráveis já estava
caindo. Esse fornecimento tinha chegado ao ápice no semestre anterior, e o
Escritório Nacional de Pesquisa Econômica determinou posteriormente que a
recessão teve início em dezembro de 2007.
Ao divulgar esta semana os números de junho, o Escritório Censitário disse que a
encomenda de bens duráveis de algumas categorias registrava aumento em relação
ao mês passado, apesar de o fornecimento seguir em declínio. Isso reforçou as
provas de que a recessão está perto do fim. Mas um retorno ao grande volume de
encomendas, ou de fornecimento, pode ainda demorar meses.
*Floyd Norris é jornalista
-------------------------------Folha de S.Paulo 01 08 2009
ANÁLISE
EUA não devem superestimar a China
DAVID PILLING, DO "FINANCIAL TIMES"
Que diferença faz um "e". O diálogo econômico estratégico Estados Unidos-China,
um encontro bilateral semestral sob o presidente Obama, converteu-se no mais
amplo diálogo econômico e estratégico. A adição de uma conjunção converte a
palavra "estratégico" de um adjetivo que descreve o diálogo econômico em um
termo abrangente, usado para descrever tudo o que Hillary Clinton bem entender.
O Departamento de Estado de Clinton se uniu ao Tesouro de Tim Geithner no
diálogo com Pequim. Com isso a agenda foi ampliada para além daquilo que Hank
Paulson, o predecessor de Geithner, concebeu originalmente em 2006.
Agora que o Departamento de Estado passou a participar, as mudanças climáticas,
a Coreia do Norte e outras questões de peso global se somaram aos déficits dos
EUA, à reforma do setor financeiro e ao yuan como potenciais temas de discussão.
Ampliar a pauta das conversações -a última rodada das quais foi encerrada em Washington nesta semana- faz sentido. A política de Obama para a China se ergue
sobre alicerces deixados por seu predecessor. Essa foi uma das poucas coisas em
que se avalia que o predecessor de Obama tenha acertado. Diferentemente de
Bush, ou de Bill Clinton antes dele, o presidente Obama não tem sido obrigado a
retroceder de uma hostilidade inicial em relação à China para uma posição mais
maleável.
Isso acontece em parte devido à sua convicção de que é bom fazer gestos de
aproximação. Se Obama pode falar com Teerã ou Pyongyang, ele certamente pode
manter um diálogo cordial com Pequim. É também porque ele tem pouca escolha.
A crise econômica fez o equilíbrio de poder pender em direção à China. Os EUA
estão se sentindo menos confiantes em relação a seus alicerces econômicos e
menos capazes que antes de pregar sermões a Pequim, especialmente em vista do
fato de seus próprios bancos, seguradoras e montadoras de automóveis terem
caído sob controle do Estado.
É mais o caso de Pequim estar em posição de superioridade. O aparente controle
financeiro da China sobre os EUA ganhou destaque acentuado. Pequim anda
pregando sermões a Washington sobre a necessidade de proteger suas reservas de
US$ 2 trilhões, a maior parte dos quais em dólares americanos.
É inteiramente apropriado que Washington dê a devida atenção à China, a mais
importante potência emergente desde os próprios EUA. Mas é possível também
haver o perigo de levar a China a sério demais. Ao compensar o pouco caso
anterior, as coisas poderiam pender longe demais no sentido oposto. Apesar da
euforia em torno do G2 -o eixo China-EUA, que, segundo avaliações apressadas,
seria o único fórum global significativo-, vale a pena fazer uma pausa para rever os
fatos.
Para começo de conversa, longe de ser um sinal de força, o acúmulo por parte de
Pequim de uma enorme reserva em divisas estrangeiras é efeito colateral de um
modelo econômico demasiado dependente das exportações. O enorme superávit
comercial é fruto de um yuan subvalorizado que vem permitindo que outros países
consumam bens chineses às custas da própria população chinesa.
Ligação comprometedora
Pequim não pode vender as reservas de seu Tesouro sem desencadear o próprio
colapso do dólar que supostamente teme. Tampouco são inteiramente convincentes
os alertas para que os EUA cubram seus déficits gêmeos -coisa que,
inevitavelmente, levaria o país a comprar menos produtos chineses. Em lugar de
expor a superioridade do modelo chinês controlado pelo Estado, a crise financeira
global deixou a nu o envolvimento comprometedor dos EUA e da China.
Os comentaristas às vezes também confundem o progresso rápido da China e sua
provável emergência como superpotência com a realidade atual. Hoje, a China
ainda é um país relativamente pobre.
Apesar de suas ambições militares, está a décadas de distância de se equiparar
com os EUA. Em 2005, segundo o Instituto Internacional Estocolmo de Pesquisas
sobre a Paz, a China foi responsável por apenas 4% dos gastos militares globais,
um pouco menos que o Reino Unido e a França e muito distante dos EUA, com
46%.
É verdade que o poderio norte-americano foi humilhado no Iraque e no
Afeganistão. Mas a China nem sequer tentou projetar seu poder sobre países como
a Coreia do Norte, que se aproximou do status nuclear aos poucos, diante dos olhos
de Pequim.
A economia da China está sendo mantida em atividade pela concessão forçada de
crédito pelos bancos, algo que pode levar a bolhas nos preços de ativos financeiros
ou a uma safra de empréstimos podres.
Nada disso, porém, sugere que os EUA estejam equivocados em dialogar com a
China nos níveis mais altos e profundos. A emergência da China como grande
potência não requer menos que isso. Mas, ao guardar silêncio sobre os direitos
humanos e o yuan, os EUA podem estar se vendendo barato.
Tradução de CLARA ALLAIN
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Folha de S.Paulo 01 08 2009
ANÁLISE
Economia não está melhorando
DO "FINANCIAL TIMES"
Localize a suposta melhora: 0, -1,9, -3,3, -3,9. Essa é a progressão no ritmo
trimestral de crescimento da economia dos Estados Unidos nos quatro últimos
trimestres, com relação aos períodos comparáveis um ano antes.
Sim, mas pelo menos o declínio está se desacelerando, dizem os otimistas. A queda
sequencial na produção foi de só 1%, de acordo com os dados do segundo
trimestre, ante 6,4% negativos no período anterior.
É claro que as coisas estão parecendo melhores. A economia está vivendo de doses
maciças de gastos de estímulo e de crédito barato. O consumo do governo
aumentou 6% ante o trimestre anterior. As taxas de juros baixas atenuaram o
colapso no investimento.
Mas atenuar a dor não significa que o paciente esteja mais saudável. O Reino
Unido, que está gastando 75% a menos que os EUA em estímulos, como proporção
de sua produção total em 2008, reportou uma imensa queda de 6% no crescimento
anual. Nos EUA, a assustadora verdade é que, a despeito da alta da renda e da
benemerência do governo, o consumo desaparece rapidamente. O colapso de 1,2%
nos gastos pessoais é duas vezes o projetado.
Com o desemprego em alta e a razão entre dívida domiciliar total e renda
disponível ainda mais de 30% acima do já inflado nível da década de 90, não
surpreende que os consumidores cortem gastos. Por isso, podem esquecer o
grande estímulo em forma de reposição de estoques no segundo semestre. E as
exportações, em meio a uma recessão mundial, tampouco devem renascer. A
economia dos EUA não está melhorando -está simplesmente dependendo cada vez
mais do Estado.
--------------------------------------O Estado de S.Paulo 01 08 2009
Na Europa, desemprego é o pior em dez
anos
Taxa chegou a 9,4% em junho, com 158 mil pessoas demitidas
Jamil Chade
A Europa apresenta a pior taxa de desemprego em dez anos, enquanto o risco de
uma deflação ganha força. Segundo dados divulgados ontem pela Comissão
Europeia, a taxa de desemprego nos 16 países que usam o euro foi de 9,4% em
junho. O número, porém, foi menor que o esperado pelo mercado, graças aos
pacotes de socorro adotados pelos governos.
Em junho, 158 mil pessoas perderam seus empregos. Com isso, a taxa passou a
ser a maior desde junho de 1999. Em um ano, 3,1 milhões de pessoas perderam
empregos. Naquele período, a taxa era de 7,5%.
O número total de desempregados na zona do euro é de 14,9 milhões, mais do que
toda a população da Áustria e da Irlanda juntas. No primeiro trimestre, a economia
europeia sofreu contração de 2,5% em relação ao trimestre anterior. Para o Fundo
Monetário Internacional (FMI), uma recuperação será sentida apenas em 2010, e
mesmo assim de forma modesta.
O menor aumento na taxa de desemprego ocorreu na Alemanha, com 7,7% de sua
população sem trabalho. Há um ano, a taxa era de 7,3%. Na Holanda, a taxa
passou de 2,7% para 3,3%. Na Espanha, a taxa de desemprego já é de 18,1%, a
maior de toda a Europa. Há um ano, era de 11%. No país, o maior impacto tem
sido na comunidade de imigrantes, muitos deles sul-americanos. Dados divulgados
pelo governo apontam que o número de estrangeiros irregulares tentando entrar no
país neste ano caiu em 50% ante igual período de 2008. O mesmo ocorreu na
Itália, Irlanda e Inglaterra.
Para os 27 países da UE, a taxa de desemprego subiu de 8,8% em maio para 8,9%
em junho. Há um ano, era de 6,9%. Em 12 meses, 5 milhões de pessoas perderam
seus trabalhos, principalmente na Hungria e nos países bálticos.
Apesar dos dados sombrios, o mercado avaliou que a taxa é melhor do que se
esperava. Isso porque começam a fazer efeito os planos de investimentos de
governos para manter o consumo e gerar demanda. Alguns governos ainda
fecharam acordos com empresas para reduzir salários.
Para analistas, o desemprego continuará a aumentar até o fim do ano. Para Pascal
Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o pior da crise
social ainda está por vir.
Quanto aos níveis dos preços, a UE apresenta queda diante da redução drástica no
consumo. A redução dos preços foi de 0,6% em julho, ante o mesmo mês em 2008.
Para o mercado, o risco é de que uma deflação se instale, afetando empresas e,
portanto, os postos de trabalho.
------------------------------------------Folha de S.Paulo 02 08 2009
Fed minimizou em 2003 riscos da bolha
imobiliária
Membros do BC dos EUA diziam que alta de preços refletia "fundamentos
sólidos". Atas dos encontros do Fed em 2003 mostram que efeitos da bolha
da internet e do 11 de Setembro eram principais preocupações
JANAINA LAGE
DE NOVA YORK
As atas das reuniões do Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) de 2003, divulgadas
recentemente, mostram que os economistas da equipe minimizaram os riscos de
surgimento de uma bolha imobiliária no mercado americano, durante a gestão de
Alan Greenspan na presidência do banco.
A explosão da bolha imobiliária está no centro da crise mundial. Sua origem está
ligada ao aumento da inadimplência no chamado crédito "subprime" (de segunda
linha), concedido a pessoas com dificuldade de comprovação de renda ou sem
histórico de bom pagador.
O que começou como um problema local, ligado apenas a uma parcela de
proprietários. contaminou o sistema bancário e a economia, até culminar em 2008
na maior crise econômica dos últimos 70 anos.
Em 2003, o mercado imobiliário estava longe de ser a principal preocupação dos
economistas americanos. Em 2001, o país havia enfrentado a crise das empresas
de internet e os ataques do 11 de Setembro. O país decidiu invadir o Iraque em
março, em um momento em que a economia dos EUA estava em marcha lenta, e
os efeitos para a saúde da economia americana se tornaram os pontos centrais do
debate.
Na época, esperava-se um aumento rápido da confiança do consumidor e das
empresas, caso a invasão fosse concluída rapidamente, o que não aconteceu. Ainda
hoje os Estados Unidos trabalham com um cronograma de retirada de tropas.
Em reunião de janeiro, um dos economistas, identificado nas atas como Larry
Slifman, da divisão de Recursos e Estatísticas do Fed, diz que foram encontrados
problemas no pagamento das hipotecas de cidadãos de renda mais baixa.
"Penso que é a categoria abaixo de 35 anos, o que me parece bastante jovem.
Então, existem realmente proprietários enfrentando um problema, mas nós não
temos a percepção de que isso poderá se tornar algo generalizado", disse.
Em junho, outro integrante da reunião, denominado nas atas como Stephen Oliner,
afirma que o mercado imobiliário está em boa forma, mas que existem "focos de
estresse".
Em seguida, ele explica que o proprietário padrão estava reestruturando suas
dívidas por meio do refinanciamento de hipotecas. A diferença entre a taxa dos
novos empréstimos e a dos anteriores era um dos fatores de estímulo à economia.
Com menos dívidas, o proprietário se sentiria mais confiante para gastar. A
previsão naquela época era que esse tipo de operação batesse recorde.
Oliner defendeu que, apesar da expansão rápida do volume de dívidas de
hipotecas, não haveria sobrecarga, pois existia perspectiva de avanço da renda,
além dos benefícios do aumento do volume de empréstimos com juros mais baixos.
"Alguns analistas afirmam que há preocupação quanto ao surgimento de uma bolha
no mercado imobiliário. De fato, os preços das casas estão subindo rapidamente
em termos reais. Apesar de não descartarmos integralmente as preocupações com
uma bolha, avaliamos que os preços em alta refletem fundamentos sólidos,
principalmente a queda nas taxas de juros das hipotecas."
Anos depois, em uma espécie de busca dos culpados sobre a crise, Greenspan é
apontado como um dos principais responsáveis por não ter combatido a tempo os
seus efeitos.
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ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS
-----------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 02 08 2009
Meirelles já flerta com vários partidos
Presidente do Banco Central estuda alternativas para lançar-se candidato
nas eleições de 2010 e consulta marqueteiros
Governo vê movimento com desconfiança e curiosidade; até possibilidade,
remota, de ser vice na chapa de Dilma Rousseff é cogitada
MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL
Até ser convidado para a presidência do Banco Central pelo senador Aloizio
Mercadante, em 2002, numa recepção na embaixada brasileira em Washington,
Henrique Meirelles era apenas um azarão.
Só foi chamado porque outros três banqueiros haviam declinado do convite, crentes
no desastre econômico do governo petista que se iniciaria.
Meirelles também não tinha vínculo com petistas: era deputado eleito pelo PSDB.
Pior. Ex-presidente do BankBoston, simbolizava o que a esquerda via como uma
doença: o sistema financeiro internacional.
Meirelles, no entanto, sobreviveu, contra todos os prognósticos, exceto o dele.
Driblou o fogo amigo do PT, a picardia dos analistas econômicos e duas denúncias
graves -foi investigado por sonegação fiscal e um sobrinho dele foi pego no
aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com uma mala contendo dinheiro vivo do
tio.
Apresenta-se agora como o fiador de avanços econômicos substanciais. Na sua
gestão, as reservas brasileiras pularam de US$ 14 bilhões para US$ 210 bilhões; a
inflação anualizada (IPCA) caiu de 28,3% para 4,4%; e a Selic anual despencou de
25% para 8,75%, o patamar mais baixo da história.
Mexe-mexe
Com tais realizações, que acredita serem em grande parte suas, Meirelles forjou até
uma relação mais próxima com Lula. Ambos conversam sobre política e economia
com certa frequência e informalidade. Até tiveram uma noite de mexe-mexe, o jogo
de cartas preferido do presidente, que requer dois baralhos, sem os curingas.
Tudo indica que agora, após seis anos e meio no cargo, Meirelles vai candidatar-se
a um cargo eletivo em 2010. Para isso, terá de escolher uma legenda até o fim de
setembro, um ano antes do pleito, prazo de filiação partidária para os potenciais
candidatos a presidente, vice-presidente, senador e deputado federal.
Refiliando-se, Meirelles poderá ficar no BC até abril do ano que vem. Só então, caso
realmente decida candidatar-se, terá de se desincompatibilizar da presidência do
BC.
A Folha conversou sobre os planos dele com funcionários do BC, integrantes do
governo e de partidos com os quais negocia a filiação (PMDB, PR, PTB E PP).
Dessas conversas, surge um leque de opções que inclui a candidatura à Vice-
Presidência, ao Senado e ao governo de Goiás. Meirelles não quis comentar o
assunto.
Assim que se refiliar a um partido, Meirelles sabe que será criticado por nutrir
justamente aquilo que enxergava em seus adversários - o desejo de politizar o
Banco Central e a política monetária.
Sua filiação colocará em suspeição gestões feitas por ele próprio a favor da
autonomia do BC. Afinal, essa autonomia deveria valer não só para blindar o banco
contra ingerências políticas externas, mas também contra ambições internas.
Mas ele está disposto a enfrentar essas críticas. Argumenta que vai preservar a
independência técnica da política monetária porque sabe que nela está seu ativo
eleitoral. Por esse motivo, não se sente moralmente obrigado a deixar o cargo com
a simples filiação.
O presidente do BC vê a escolha de um partido como um contrato de opção no
mercado futuro. Ao decidir-se por um partido, diz a assessores, apenas adquire um
ingresso para entrar no jogo eleitoral. Caso contrário, fecha a porta da política, algo
não compatível com sua ambição e missão pública.
O PMDB parece ser seu partido preferido porque permite voos maiores do que a
candidatura ao Senado por Goiás.
Maior legenda da base aliada, o partido provavelmente definirá o nome do
companheiro de chapa da ministra Dilma. Ainda que seja um balaio de gatos,
repleto de cardeais com projetos próprios, o PMDB seria suficientemente
pragmático para enxergar em Meirelles uma âncora de credibilidade.
Isso, é claro, segundo marqueteiros, para os quais já existiriam pesquisas
qualitativas indicando ser possível associar um nome como o de Meirelles à
estabilidade econômica -principalmente se Lula der uma "ajudazinha" retórica.
À direita e à esquerda
O governo vê a movimentação de Meirelles com um misto de desconfiança e
curiosidade.
A maioria a desaprova. Alguns, no entanto, dizem que a chapa Dilma/Meirelles
pode atrair doadores de peso, além de permitir ao PT combater a provável
candidatura do governador José Serra tanto pela esquerda, com Dilma, quanto pela
direita, com o banqueiro.
A segunda opção de Meirel- les é a candidatura ao governo de Goiás, o que
também não é trivial. Depende do apoio do prefeito de Goiânia, Íris Rezende
(PMDB), possível candidato ao mesmo cargo. Rezende tem confundido o presidente
do BC com declarações dúbias sobre as suas intenções políticas.
Meirelles pode optar por um partido menor. Ele mantém canal aberto com o PP,
com o PR e com o PTB. Por esses partidos, poderia, em tese, disputar o próprio
governo contra Íris Rezende. Mas Meirelles prefere ganhar o apoio do prefeito.
E a Presidência da República? Meirelles já pensou muito mais nessa hipótese do que
hoje. Há alguns anos, ouviu até a opinião de marqueteiros de peso -um português,
outro americano, ambos cientificamente entusiastas do projeto.
Mas seu objetivo de curto prazo é bem mais prosaico. Ele ainda não tem um
partido.
----------------------------------O Estado de S.Paulo 01 08 2009
Liminar proíbe ''Estado'' de noticiar
investigação sobre filho de Sarney
Decisão de juiz também impede emissoras de rádio e TV, além de jornais
de todo o País, de usar ou citar material
Felipe Recondo
O desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios (TJDFT), proibiu o Estado de publicar reportagens que contenham
informações da Operação Faktor, mais conhecida como Boi Barrica. O recurso
judicial, que pôs o jornal sob censura, foi apresentado pelo empresário Fernando
Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
O pedido de Fernando Sarney chegou ao desembargador na quinta-feira, no fim do
dia. E ontem pela manhã a liminar havia sido concedida. A decisão determina que o
Estado não publique mais informações sobre a investigação da Polícia Federal e
proíbe os demais veículos de comunicação - emissoras de rádio e televisão, além de
jornais de todo o País - de utilizarem ou citarem material publicado pelo Estado.
Em caso de descumprimento da decisão, o desembargador Dácio Vieira determinou
aplicação de multa de R$ 150 mil - por "cada ato de violação do presente comando
judicial", isto é, para cada reportagem publicada. O pedido inicial de Fernando
Sarney era para que fosse aplicada multa de R$ 300 mil.
RECURSO
O advogado do Grupo Estado, Manuel Alceu Afonso Ferreira, avisou que vai recorrer
da decisão. "Há um valor constitucional maior, que é o da liberdade de imprensa,
principalmente quando esta liberdade se dá em benefício do interesse público",
observou Manuel Alceu. "O jornal tomará as medidas cabíveis."
O diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, afirmou que a medida
não mudará a conduta do jornal. "O Estado não se intimidará, como nunca em sua
história se intimidou. Respeita os parâmetros da lei, mas utiliza métodos
jornalísticos lícitos e éticos para levar informações de interesse público à
sociedade", disse Gandour.
“DIÁLOGOS ÍNTIMOS”
Os advogados do empresário afirmam que o Estado praticou crime ao publicar
trechos das conversas telefônicas gravadas na operação com autorização judicial e
alegaram que a divulgação de dados das investigações fere a honra da família
Sarney.
"Uma enxurrada de diálogos íntimos, travados entre membros da família, veio à
tona da forma como a reportagem bem entendeu e quis. A partir daí, em se
tratando de família da mais alta notoriedade, nem é preciso muito esforço para
entender que os demais meios de comunicação deram especial atenção ao assunto,
‘leiloando’ a honra, a intimidade, a privacidade, enfim, aviltando o direito de
personalidade de toda a família Sarney", argumentaram os advogados que assinam
a ação - Marcelo Leal de Lima Oliveira, Benedito Cerezzo Pereira Filho e Janaína
Castro de Carvalho Kalume, todos do escritório de Eduardo Ferrão, que também
subscreve o pedido.
Ex-consultor do Senado, juiz é próximo da família
Leandro Cólon e Rodrigo Rangel
Ex-consultor jurídico do Senado, o desembargador Dácio Vieira, que concedeu a
liminar a favor de Fernando Sarney e pôs o Estado sob censura, é do convívio social
da família Sarney e do ex-diretor-geral Agaciel Maia. Dácio Vieira foi um dos
convidados presentes ao luxuoso casamento de Mayanna Cecília, filha de Agaciel,
no dia 10 de junho, em Brasília. Na mesma data, o Estado revelou a existência de
atos secretos no Senado. O presidente José Sarney (PMDB-AP) foi padrinho do
casamento.
Sarney, o desembargador Dácio Vieira e Agaciel aparecem juntos em foto na festa
do casamento de Mayanna. A fotografia foi publicada numa coluna social do Jornal
de Brasília, três dias após o casamento. Ao lado deles, estava o senador Renan
Calheiros (PMDB-AL).
As mulheres de Agaciel, Sânzia Maia, e de Dácio, Ângela, também aparecem na
foto.
Em 12 de fevereiro, Sarney compareceu à posse do desembargador na presidência
do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Distrito Federal.
Em sua passagem pelo Senado, Dácio trabalhou na gráfica da Casa. Lá, foi colega
de Agaciel. Foi na gráfica que começou a trajetória de poder de Agaciel no Senado:
de lá, pelas mãos de Sarney, em 1995, ele foi guindado ao posto de diretor-geral,
onde acumulou superpoderes que culminaram com a edição dos atos secretos,
revelados pelo Estado.
Dácio fez carreira no Senado. De acordo com seu currículo, disponível na página do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ele foi designado em 1986, na condição de
advogado, para ocupar o cargo de "titular da Assessoria Jurídica do Centro Gráfico
do Senado". Depois, foi promovido à condição de consultor jurídico da Casa.
O currículo do desembargador diz ainda que, por designação especial, ele esteve à
disposição da presidência do Senado, com atuação na consultoria-geral da Casa.
Sua atuação, segundo o currículo: "Encaminho (sic) de informações e razões de
defesa em ações judiciais de interesse da instituição, havendo registro, à época,
deste proceder, por parte da presidência da Casa, senador Mauro Benevides (Biênio
de 1990/1991)."
O currículo informa ainda que, como consultor jurídico do Senado, Dácio trabalhou
na implantação de mudanças no plano de carreira dos servidores da Casa. Em
1992, quando trabalhava no Senado, foi indicado para ocupar vaga do TRE de
Brasília destinada a advogados. Recusou, segundo o currículo, "pela natureza do
cargo exercido à época no Senado".
QUINTO
Natural da cidade mineira de Araguari, Dácio tomou posse como desembargador do
TJ do Distrito Federal em maio de 1994. Entrou em vaga destinada ao quinto
constitucional, como representante da Ordem dos Advogados do Brasil. Por duas
vezes, chegou a integrar lista tríplice de candidatos a vaga de ministro do Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
O Estado tentou falar na noite de ontem com o desembargador. A mulher do
magistrado informou que ele viajara para Minas a fim de visitar uma irmã,
hospitalizada. Indagada sobre a relação social da família com Sarney, a mulher do
desembargador respondeu: "Eu conheço o senador Sarney de festas. Não tenho
nenhuma amizade com ele, não tenho cargo no Senado, nem nada. Se eu fosse
amiga dele, eu estava empregada no Senado, não acha?"
Sobre a presença no casamento, disse: "Fui convidada, não tenho esse direito?" A
respeito da relação com a família de Agaciel Maia, pediu que a pergunta fosse feita
ao próprio Dácio. "Não sei te informar. Isso você tem de perguntar para o
desembargador", afirmou. Ângela disse que não poderia informar o telefone do
marido. Deu o número de um assessor dele, mas até o fechamento da edição não
foi possível contatá-lo.
-------------------------------------------O Estado de S.Paulo 01 08 2009
Para Lula, controle de licitação
''atrapalha''
Presidente critica dificuldades para liberar verbas de programas
Alexandre Rodrigues
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou ontem mecanismos de controle de
licitações que, segundo ele, atrasam compras do governo e impedem programas
como o de aquisição de computadores para escolas públicas. Ao participar da
entrega de laptops a crianças da rede municipal de Piraí, no sul fluminense, Lula
disse que há dois anos o governo encontra dificuldades para licitar a compra de 350
mil computadores.
"Cada vez que a gente faz uma licitação, acontece sempre alguma coisa para
atrapalhar a gente a distribuir esses computadores", discursou Lula, sem citar
diretamente o Tribunal de Contas da União (TCU), que fiscaliza as concorrências
públicas para compras do governo federal.
O ministro da Educação, Fernando Haddad, também reclamou de excesso no
controle das compras do governo. "Enquanto o (vice-governador do Rio, Luiz
Fernando) Pezão me diz para olhar o que está acontecendo em Piraí, os órgãos de
controle dizem ‘peraí’, não façam o projeto, não façam o programa. E nós temos
que avançar. Queremos somar forças com os órgãos de controle, com o
Planejamento, com a área econômica para financiar a expansão desse programa",
disse o ministro.
Com financiamento do governo estadual, a prefeitura de Piraí comprou 5,5 mil
laptops para estudantes e professores da rede pública. Juntando-se aos 700 já
adquiridos há dois anos, como parte da experiência piloto do programa federal Um
Computador por Aluno (UCA), a cidade é a primeira do País a ter 100% dos alunos
matriculados com computadores disponíveis em sala de aula.
O presidente disse que repetiria em todo o País o feito da pequena cidade
fluminense, de 24,5 mil habitantes, mas admitiu que as dificuldades jogam essa
meta para 2020. Segundo Lula, o País tem 34 milhões de estudantes em escolas
públicas.
O governo do Estado do Rio investiu R$ 5,5 milhões em todo o projeto de Piraí. O
custo unitário de cada laptop foi estimado em US$ 325. O presidente lembrou que,
em 2005, o governo investigou a viabilidade da fabricação no Brasil de um laptop
de US$ 100. Na época, ele chegou a discutir o tema no Planalto, mas o grupo de
trabalho deu em nada. O presidente criticou a indústria nacional e ameaçou
recorrer à importação.
"Sou o maior defensor da indústria nacional, mas se não conseguir fazer um preço
acessível, vamos ter que importar alguns para poder fazer com que a política
chegue à população mais pobre", disse.
BANDA LARGA
O presidente prometeu fechar 2010 com a promessa cumprida de levar banda larga
a 55 mil escolas públicas do País e lamentou não poder fazer o mesmo na área
rural. Lula afirmou que não desistiu de reabilitar a Eletronet, empresa falida
detentora de rede de fibra ótica antes controlada pela Eletrobrás. O controle dos
ativos da empresa é o centro de um discussão na Justiça do Rio.
"Está na Justiça há mais de cinco anos, e a gente não consegue pegar uma coisa
que é nossa", afirmou Lula, ensaiando uma forma de pressionar por uma solução
do caso. "Estou pedindo ajuda para o (governador) Sérgio Cabral para ele ver
quem é o juiz dessa ação."
Crítico do Bolsa-Família é ''imbecil'', diz Lula
Para presidente, ?ignorante? é quem ainda acredita que ajuda aos pobres é esmola
ou assistencialismo
Ivana Moreira
"Ignorante é quem ainda acredita que o Bolsa-Família é esmola, é
assistencialismo." A afirmação é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ontem
esteve em Belo Horizonte e fez mais uma defesa do principal programa social de
seu governo.
Segundo ele, enxergar o Bolsa-Família como assistencialismo é ver o País de
"forma simplista". "Tem gente tão imbecil e ignorante que ainda fala que o BolsaFamília é para deixar as pessoas preguiçosas, porque quem recebe não quer mais
trabalhar", disse o presidente. "A ignorância é de tal magnitude que as pessoas
pensam que um ser humano vai ganhar R$ 85 e vai deixar de ter perspectiva que
ganhar os R$ 616 que a Mônica que vai ganhar por um trabalho decente."
Mônica Barroso, de 28 anos, foi uma das alunas que receberam ontem o diploma de
pedreira, com emprego garantindo.
Ao todo, 457 alunos da capital mineira receberam certificados em cursos de
formação como pedreiro, eletricista, torneiro mecânico e pintor, entre outros. Os
cursos fazem parte do Plano Setorial de Qualificação e Inserção Profissional para o
Bolsa-Família.
Segundo Lula, se todos os governos tivessem gasto um pouco de dinheiro para
cuidar dos pobres, o Brasil teria menos pobreza e até ajudaria os ricos, porque,
segundo ele, haveria mais consumidores girando a economia. "Não sei quem foi o
ignorante que um dia resolveu achar que o Brasil poderia conviver com 10%
extremamente ricos, uma classe média de 30% e o restante sem ter sequer o que
comer", afirmou o presidente.
Para Lula, um economista ou um doutor formado em uma escola no exterior sabem
que é uma lógica perversa até para os grandes capitalistas.
Lula garantiu que até o fim do governo poderá fazer pelos pobres até mais do que
fez até agora, porque, neste momento, a administração tem mais conhecimento de
como agir do que tinha no primeiro mandato.
-------------------------------------------------Folha de S.Paulo 02 08 2009
Onda de reajustes cria elite de
servidores
Categorias com lobby mais forte, como policiais e auditores fiscais, obtêm
aumento superior ao de outros integrantes do serviço público
Delegados da PF em fim de carreira receberão R$ 19,7 mil; teto para
professor universitário com doutorado será de R$ 11,7 mil
LEANDRA PERES VALDO CRUZ DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os generosos reajustes salariais concedidos pelo governo de Luiz Inácio Lula da
Silva aos servidores federais fortaleceram o lobby das carreiras mais bem
organizadas e com maior poder de pressão sobre o Executivo. Enquanto isso, as
categorias menos organizadas só conseguiram correções em seus salários nesta
reta final de mandato do presidente.
Levantamento feito pela Folha com base em dados do Ministério do Planejamento
mostra que um auditor da Receita Federal, com diploma de nível superior, recebe
atualmente 3,5 vezes mais que um pesquisador da Fiocruz, com mestrado no
currículo.
Até julho do ano que vem, quando todos os reajustes concedidos no ano passado
estiverem pagos, a diferença entre os salários desses mesmos servidores terá
diminuído.
Esse mesmo pesquisador da Fiocruz com o mestrado concluído terá direito a um
pagamento de R$ 5.094,97 por mês. Mas ainda estará longe da elite do
funcionalismo. O colega da Receita Federal terá direito a receber mais que o dobro
-R$ 13.600,00.
Essas mesmas distorções podem ser observadas na comparação com outras
carreiras de lobbies poderosos. Os delegados da Polícia Federal em fim de carreira,
por exemplo, chegarão ao fim do governo Lula recebendo R$ 19,7 mil por mês.
O salário mais alto de um professor universitário com dedicação exclusiva e
doutorado será de R$ 11,7 mil. O de um pesquisador do IBGE com doutorado e
também no topo da carreira ainda será 39% menor que o do delegado da PF.
Defasagem
Responsável pela negociação dos reajustes aos servidores públicos, o ministro
Paulo Bernardo (Planejamento) afirma que o governo trabalhou para recompor os
vencimentos das carreiras que estavam com salário muito baixo, mas não justifica
por que a área jurídica, por exemplo, consegue salários mais altos.
"Há algumas distorções que já existiam e nós não conseguimos eliminar. Algumas
situações podem ser objeto de crítica, é razoável. Mas a comparação entre o salário
da PF e o dos demais servidores mudou completamente. Tem uma relação mais
equânime, mais próxima", afirma Bernardo.
Em dezembro de 2002, último ano do mandato do presidente Fernando Henrique
Cardoso, a Fiocruz pagava R$ 1.738,30 a um pesquisador com mestrado e R$
5.066,66 a quem tivesse doutorado. Já um policial federal recebia até R$ 9.200,00
por mês.
Esses números mostram que, de fato, a distância entre carreiras como auditores e
policiais federais, com forte lobby em Brasília, e a de pesquisadores diminuiu no
governo Lula. Também indicam que esses servidores conseguem se manter no topo
das remunerações pagas no setor público.
"O Estado tradicionalmente privilegiou as funções ligadas a finanças e gestão
durante as reformas do serviço público. Só agora começam a aparecer algumas
iniciativas em outras áreas, como educação", diz o professor Caio Marini, da
Fundação Dom Cabral.
Segundo ele, assim como em empresas privadas, os grupos mais próximos dos
centros de decisão têm mais poder de pressão, o que explica uma parte da força de
algumas categorias do funcionalismo em obter reajustes maiores.
O Ministério do Planejamento argumenta que a situação poderia ser muito pior se o
governo tivesse cedido à pressão que começou com a PF e se espalhou pelos
advogados e pelos auditores da Receita para a equiparação com o salário de juízes.
O governo conseguiu brecar a demanda por remunerações atreladas ao Judiciário,
mas teve que ceder a reajustes de até 200% ao longo do governo Lula para essas
carreiras.
O governo concedeu dois grandes aumentos aos servidores públicos. Um em 2006
e outro no ano passado. Esse último contemplou 90% de todos os servidores
federais, beneficiando 1,3 milhão entre ativos e aposentados, além de 600 mil
militares.
O gasto estimado pelo governo na edição das MPs que promoveram os reajustes
era de R$ 47 bilhões até 2012, quando serão concluídos os últimos ajustes. Neste
ano, a despesa de pessoal, estimada em R$ 157 bilhões, já responde por quase um
quarto de toda a receita da União. Gasto criticado por economistas por não ser
possível comprimir depois.
Foi por meio das medidas provisórias aprovadas no ano passado que carreiras
como a de pesquisadores da área de ciência e tecnologia, em que estão o IBGE e a
Fiocruz, conseguiram reajustes. Mas isso só aconteceu depois de ordem expressa
de Lula, que determinou a recomposição salarial dessas carreiras.
O presidente resistiu às propostas da equipe econômica de postergar esses
aumentos diante do agravamento da crise. Lula argumentou que tinha dado sua
palavra de que iria corrigir as distorções salariais dessas categorias com menor
poder de pressão em Brasília.
--------------------------------Folha de S.Paulo 01 08 2009
DRAUZIO VARELLA
A gripe que não tem fim
Estamos vivendo uma era de
pandemias que se iniciou em
1918, com a gripe espanhola
O VÍRUS H1N1 causador da gripe atual anda à espreita da humanidade há mais de
90 anos. Estamos vivendo uma era de pandemias que se iniciou em 1918, com a
gripe espanhola. Naquele ano surgiu um novo vírus -mais tarde classificado como
H1N1- com seus oito genes arranjados num formato que o sistema imunológico
humano desconhecia. Pagamos caro pelo desconhecimento: 40 a 50 milhões de
casos fatais.
É quase certo que esse vírus tenha se originado nas aves e migrado para a espécie
humana, quando o acaso agrupou seus oito genes num arranjo tal que a estrutura
resultante adquiriu a capacidade de transmitir-se de uma pessoa para outra.
À medida que a gripe espanhola se disseminava pelo mundo, trabalhadores rurais
transmitiram o vírus para os porcos. Desde então, os H1N1 das gripes suína e
humana têm sofrido mutações, arranjos e rearranjos de seus genes, que lhes
permitiram sobreviver aos ataques do sistema imunológico de seus hospedeiros,
sejam porcos ou humanos.
Como na natureza o vírus influenza A não infecta apenas porcos e homens, mas
principalmente as aves, as possibilidades de novas mutações e de arranjos
genéticos se ampliam de maneira descomunal, em virtude das dimensões do
reservatório mundial representado pelas aves domésticas e selvagens.
Acostumados a atacar as mucosas que revestem o trato digestivo de milhares de
espécies de aves, algumas das quais infectadas ao mesmo tempo por diferentes
vírus influenza que trocam fragmentos genéticos uns com os outros, é inevitável
que surjam partículas virais com habilidade para sobreviver em hospedeiros de
outras espécies.
Em 1947, a vacina contra a gripe sazonal daquele ano não protegeu contra a
doença. A ausência de atividade ocorreu porque o H1N1 que se disseminou depois
da Segunda Guerra apresentava variações em sua estrutura molecular que o
tornavam muito diverso dos que circularam antes da guerra.
Como por encanto, o influenza A (H1N1) desapareceu do reservatório humano, em
1957. Foi desalojado por um vírus resultante da recombinação de cinco genes do
mesmo H1N1 da linhagem de 1918, com outros três genes de origem aviária. As
partículas virais resultantes, batizadas de H2N2, provocaram a pandemia de gripe
asiática, causadora de cerca de 1,5 milhão de mortes.
Em 1968, novas combinações genéticas deram origem ao H3N2, responsável pela
terceira pandemia do século 20: a gripe Hong Kong, que provocou quase 1 milhão
de óbitos.
O H1N1 ressurgiu das cinzas apenas em novembro de 1977, causando epidemias
de gripe de pouca gravidade na antiga União Soviética, em Hong Kong e no
nordeste da China. Do ponto de vista genético, o vírus guardava relação com o
H1N1 que causou gripes sazonais em 1950.
Os virologistas admitem que essa reemergência aconteceu graças à liberação
acidental de uma amostra do vírus H1N1 isolado na Escandinávia em 1950, e
armazenado em laboratório. Está demonstrado que vírus influenza A (H1N1)
circulam entre porcos norte-americanos desde os anos 1930, mas não haviam sido
isolados em suínos europeus até 1976, quando chegou à Itália um carregamento de
porcos americanos.
Em seguida, patos selvagens introduziram entre os porcos europeus um novo vírus
H1N1. Em 1979, apenas três anos depois da importação, a nova cepa de origem
aviária se tornou predominante na Europa. Acontecimentos semelhantes ocorreram
na China.
Em 1998, foi identificado pela primeira vez em porcos norte-americanos um novo
H1N1, com genes resultantes de um triplo arranjo genético: cinco fragmentos de
seus genes vinham da gripe suína norte-americana clássica, dois da gripe das aves
e um da gripe humana. Entre 2005 e 2009, sugiram pelo menos 11 casos de gripe
causada por esse vírus; quase todos entre pessoas que tiveram contato direto com
porcos.
Em abril de 2009, no final da estação de gripe sazonal do hemisfério Norte,
apareceram os primeiros casos da pandemia de H1N1 que agora chega ao Brasil. O
agente é resultante de um rearranjo que envolveu seis genes do vírus suíno de
1998 (formado pelo triplo arranjo genético porcos, aves e humanos) e dois genes
de vírus suíno originados na Eurásia. É a quarta geração de descendentes do vírus
que causou a gripe espanhola. Felizmente, muito menos agressivo do que seus
ancestrais.
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