Pensamento do Dia Pensamento do Dia
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Pensamento do Dia Pensamento do Dia
Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 01-02 08 2009 ----------------------------------------------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 02 08 2009 Custo da retomada deve prejudicar crescimento do País no longo prazo Para economistas, aumento dos gastos permanentes do governo pode tirar fôlego da economia nos próximos anos Márcia De Chiara e Alberto Komatsu O Brasil foi um dos primeiros países a superar a fase mais aguda da crise, mas pode pagar um preço alto por isso. O aumento dos gastos permanentes do governo, para estimular a retomada da atividade, pode tirar o fôlego do crescimento da economia no médio e longo prazos. A constatação é do economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. "Tivemos só dois trimestres de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) negativo, mas a um custo enorme. Esse custo vamos ver mais adiante, crescendo menos." Para ele e outros especialistas, como Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-diretor do Banco Central (BC), apesar de o País ser a bola da vez no mercado internacional por ter passado rapidamente pela crise, a economia brasileira tão cedo não retomará o nível de crescimento de setembro de 2008. Além dos gastos excessivos do governo, como o reajuste do funcionalismo público, do Bolsa-Família e outros benefícios que comprometem a capacidade de investimento em infraestrutura a médio prazo, Mendonça de Barros ressalta que faltam ser retomados dois pilares fundamentais para que a economia deslanche. Um deles é a exportação de manufaturados, o outro é o investimento. Ambos dependem das condições de mercado e devem voltar a crescer lentamente a partir de 2011, com a retomada da economia mundial. Com isso, voltarão a impulsionar o PIB. Em setembro do ano passado, quando o banco Lehman Brothers quebrou e a crise veio à tona, a economia brasileira caminhava para atingir um ritmo de alta de 5,5% ao ano, mas fechou 2008 com crescimento menor, de 5,1% na comparação com 2007. Estimativas de mercado apontam uma retração do PIB de 0,34% este ano e elevação de 3,5% em 2010, segundo o último boletim Focus do BC. Um levantamento dos principais indicadores do ritmo de atividade feito pelo Estado, comparando a situação atual com a de setembro do ano passado, mostra que a maioria dos setores que já retomaram o nível pré-crise foram aqueles que tiveram o dedo do governo com as políticas anticíclicas. Nesse rol estão, por exemplo, as vendas de veículos no mercado interno, beneficiadas pelo redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e a procura do consumidor por crédito. O aumento da demanda por crédito reflete a queda do juro ao consumidor que, por sua vez, foi influenciada pelo corte na taxa básica de juros (Selic), determinada pelo Comitê de Política Monetária do BC. Também a maior oferta de crédito pelos bancos públicos contribuiu para a expansão dos financiamentos e do consumo doméstico. Em contrapartida, o mesmo levantamento mostra que os indicadores que dependem do desempenho do mercado e são em boa dose influenciados pelo setor externo, como a produção industrial e o saldo do número de empregos com carteira assinada, por exemplo, estão ainda abaixo do nível alcançado na fase pré-crise. Para a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif, quando há mudança de rota na economia, como ocorre hoje, é comum o descasamento entre os indicadores. "E as políticas anticíclicas reforçam isso." MOTOR Na opinião do estrategista-chefe do banco WestLB do Brasil, Roberto Padovani, a política anticíclica do governo não foi necessariamente o motor da reversão estampada nos indicadores. "Ela evitou o aprofundamento da crise." O pilar da reversão, diz, foi a melhora das condições globais de crédito. Sem essa mudança lá fora, as políticas locais teriam tido efeito menor, pondera. Mais importante hoje do que a volta da economia ao nível pré-crise, segundo o economista, é a mudança na trajetória da atividade. "Neste momento, o quadro é de recuperação suave." Ele sustenta essa avaliação lembrando, por exemplo, que, quando o PIB caiu 3,6% no último trimestre de 2008 ante o trimestre anterior, descontados os efeitos típicos do período, as projeções indicavam que, se a atividade estacionasse naquele nível, a economia em 2009 teria uma contração de 1,5%. Agora, porém, a média das projeções do mercado indica queda de 0,34% para este ano, podendo até empatar. ------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 02 03 2009 ''Medidas anticrise só olharam o curto prazo'' Para economista, Brasil sairá menos competitivo da crise porque elevou os gastos públicos para estimular o consumo Márcia De Chiara O economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, diz que o Brasil vai sair menos competitivo da crise, apesar de ter se livrado da pior fase mais rapidamente do que outros países. "O governo só olhou o curto prazo", diz ele, fazendo referência às políticas anticíclicas, que aumentaram os gastos públicos para ampliar o consumo. A exemplo da China, que expandiu investimentos em infraestrutura, ele diz que o País deveria ter aproveitado a crise para dar um salto de competitividade. A seguir os principais trechos da entrevista. A economia brasileira já superou a crise? O que se pode esperar daqui para a frente? No sentido mais geral, de evolução negativa do PIB (Produto Interno Bruto), a economia superou a crise. Mas isso não significa que voltou tudo como antes no quartel de Abrantes. Por quê? Porque, se é verdade que o mercado interno segurou razoavelmente bem, é verdade também que as exportações de manufaturados caíram fortemente e continuam ruins. Isso significa que a indústria está melhorando, mas tem desempenho negativo, na média. Quanto o sr. projeta de crescimento para este ano e o para 2010? Este ano, zero. No último trimestre do ano em relação ao último trimestre de 2008, crescimento de quase 3%. Para 2010, algo entre 3,5% e 4%, que é um bom número. O mercado interno é suficiente para garantir esse crescimento? Acho que sim.Tem uma parte disso que é exportação de commodities, que está razoável. Mas, fundamentalmente, é o mercado interno. Sem a exportação, será difícil ter uma sustentabilidade nessa faixa de crescimento olhando para depois de 2010. A economia se recuperou da pior fase da crise, mas com menor capacidade de crescer sem gerar inflação. Por quê? Basicamente porque perdemos a perna do mercado externo e um número muito grande de investimentos no mercado interno foi postergado. Com menos investimentos, a capacidade de crescer no longo prazo é menor. Quando os investimentos e as exportações voltarão? É a pergunta que todos gostariam de saber a resposta. O mercado externo volta muito lentamente porque depende das economias do mundo desenvolvido, que retomarão o crescimento muito lentamente, só a partir de 2011. Quando a economia volta ao nível pré-crise? Acho que vai demorar, dependendo do que vai acontecer na parte fiscal e estrutural. O custo à vista da crise é menor por causa da expansão do gasto público e do crescimento do mercado doméstico. Quando você expande a folha de pagamento do setor público, isso, no curto prazo, é demanda: as pessoas gastam e ajudam a vender os produtos nos supermercados e tudo mais. Mas isso diminui a capacidade de investimento do Estado no médio e longo prazos. No curto prazo, nós tivemos só dois trimestres de crescimento negativo e esse custo foi menor que em outros países emergentes. Mas isso terá um custo na redução da capacidade de crescimento que será inequívoco. Por essa análise, a visão de que o Brasil está saindo mais rápido da crise não é verdadeira? Ela tem um que de verdade no sentido de que teremos apenas dois trimestres negativos, mas a um custo enorme. Esse custo nós vamos ver mais adiante, crescendo menos. A expansão fiscal da China está muito em cima de infraestrutura. Portanto, no sentido de tornar a economia mais competitiva. A nossa expansão fiscal está muito mais em cima de aumentar o gasto corrente em folha de pagamento. O que vai acontecer é que a capacidade de poupar do setor público vai, inequivocamente, se reduzir. A bolsa já está dando sinais de entrada de capital equivalente ao nível précrise. Não é um bom sinal? Isso é um bom sinal. A razão é que a Ásia e parte dos países petroleiros estão crescendo bastante. A demanda por nossos produtos aumentou e, com a incerteza internacional, os grandes investidores tentam diversificar suas aplicações. Mas essa entrada de capital vai trazer de volta uma velha discussão do dólar baratinho. A forma de conviver com isso é aumentar a nossa capacidade competitiva. E essa capacidade está se reduzindo. O Brasil pós-crise será menos competitivo? Sim. Temos a vantagem de sair rápido por causa de medidas temporárias, como redução de imposto, ou permanentes, aumento de gastos em folha de pagamento. Esse tipo de resposta na política fiscal olhou só o curto prazo, teve alguma eficiência, faz sair mais rápido da crise. O custo de médio prazo não será pequeno. O Brasil passou no teste da crise? Depende do que você está olhando. A estabilidade foi duramente testada. O Brasil passou no teste: não houve inflação, não tivemos problema bancário, o crédito voltou e o sistema continuou funcionando direito. Mas a retomada rápida, à custa do crescimento de médio prazo, terá um custo. O que deveria ter sido feito? Aproveitar a crise para dar um salto no médio prazo, no sentido de avançar nas reformas. Na Previdência, o governo passou anos dizendo que não tinha problema algum. Agora começa a descobrir que tem. No investimento de infraestrutura tem muito discurso e pouca realidade. Perdemos poder de competição. O governo não deveria ter tomado medida anticíclicas, como a redução tributária, por exemplo? Acho que deveria, mas não deveria ter aumentado o gasto corrente. Isso é expansão pura e simples do Estado, e de forma permanente. Vamos pagar um preço por isso. Perdemos a chance de usar esse bom fundamento para dar mais um salto para a frente, para sair mais fortes do que antes, como, aparentemente, está acontecendo com a China. O governo brasileiro só olhou o curto prazo. Quem é: José Roberto Mendonça de Barros É doutor em economia pela USP e pós-doutorado pelo Economic Growth Center, da Universidade Yale. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. ------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 02 08 2009 ''Brasil se saiu bem no teste de estresse'' Para o economista Carlos Langoni, País está deixando a crise para trás, mas crescimento só volta ao nível pré-crise em 2011 Alberto Komatsu O desempenho do Brasil para atravessar a crise deu ao País o status de "bola da vez" entre as demais nações. Essa constatação do diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carlos Langoni, foi reforçada em recente viagem de três semanas à Europa, para conhecer como as principais economias daquela região estão superando, ou não, a crise. Também presidente do Banco Central de 1980 a 1983, Langoni afirma que, entre os países emergentes, à exceção da China - que teve uma "desaceleração", e não uma recessão -, o Brasil é o primeiro a sair da crise e deve obter grau de investimento da agência de classificação de risco Moody?s até o fim do ano. Na entrevista ao Estado, Langoni diz que o Brasil já superou a crise, mas só deve voltar a crescer com consistência após 2011, a exemplo do que vai ocorrer com a economia mundial. Como o mundo vê o desempenho do Brasil para atravessar a crise? O mundo vê o Brasil como um país de risco baixo, tanto econômico quanto político. Um país que soube gerenciar a crise no período mais crítico e uma economia cada vez mais diversificada, com matriz energética rica. A crise reduziu a percepção do risco Brasil. O País vai receber ainda este ano, provavelmente, o grau de investimento pela Moody?s, e vai subir um degrau em 2010 pelas outras agências. Se faltava um teste para a economia brasileira numa situação de estresse, esse teste aconteceu e o Brasil se saiu bem. Em relação aos outros países emergentes, como foi o desempenho do Brasil? É uma comparação satisfatória. China e Índia, na verdade, não sofreram uma recessão, mas uma desaceleração. O outro emergente dos Brics, a Rússia, sofreu uma profunda recessão, uma queda do PIB de 5%, em razão da sua grande dependência do petróleo. É uma economia muito menos eficiente do que a brasileira - que está hoje muito diversificada, com serviços, agronegócios, indústria. Por outro lado, na América Latina, o Brasil está muito bem. Inclusive a maioria dos países vai ter crescimento negativo e o Brasil vai ficar com a economia estagnada, um pouco mais, um pouco menos, dependendo do segundo semestre. O sr. concorda com a visão de que o Brasil está saindo da crise? Concordo. Todos os indicadores mostram que o segundo trimestre terá um crescimento do PIB positivo em relação ao primeiro trimestre, e vamos ter uma sequência de crescimentos positivos no PIB. Isso já se nota pelos dados do varejo e da produção industrial, pelos indicadores de confiança de negócios, do consumidor. Então, acho que o Brasil, provavelmente, no conceito clássico, com quatro trimestres seguidos de PIB negativo, só vai sair da recessão no segundo trimestre. E essa é uma tendência que deve se consolidar nos próximos trimestres. E os outros países, já passaram pela crise? Eu acabei de voltar da Europa, e fiquei surpreso lá, pois na própria Alemanha a gente já nota confiança nos negócios, aquele clima profundo de pessimismo já está se dissipando. Agora, eu acho que a Europa e o Japão serão os últimos a sair da crise. Os Estados Unidos, entre os países industrializados, provavelmente serão os primeiros, talvez já no fim deste ano. Entre os emergentes, a Índia está em grande desaceleração, e a Rússia vai demorar ainda por causa do petróleo. E o Brasil, entre os megaemergentes, provavelmente vai ser o primeiro ou um dos primeiros. E realmente a China vem desempenhando o papel que se esperava. Quando a economia do Brasil retoma o nível pré-crise? No terceiro trimestre de 2008, a economia estava crescendo próximo de 7%. Era um resultado excepcional, com o investimento crescendo três vezes o PIB. Era uma situação muito favorável. Eu acho que isso vai demorar pelo menos dois anos para ocorrer de novo, só em 2011. Explico por quê: ano que vem o Brasil volta a crescer 3,5%. Este ano vai ser zero. O que acontece? Ainda é a metade do crescimento que a gente vinha observando até o impacto frontal da crise. Mas o crescimento do ano que vem ainda será impulsionado pelo consumo das famílias, porque exportações e investimento ainda vão ficar bastante restritos. E quando o nível de investimento será retomado? O investimento provavelmente só vai reagir a partir de 2011, porque durante 2010 ainda haverá muita capacidade ociosa e as decisões e planos de novos investimentos só ocorrem quando se tem um horizonte claro em relação ao comportamento da demanda, tanto interna quanto externa. Então o crescimento do ano que vem vai ficar abaixo da taxa potencial brasileira. A partir de 2011, esperamos que a economia global esteja numa nova trajetória de expansão. Só o consumo das famílias vai garantir a volta do crescimento? E as exportações? Este ano está sendo marcado por uma queda de exportações de 20%. No ano que vem, as exportações provavelmente não vão cair, mas também não vão subir muito. A contribuição das exportações vai melhorar porque não vai haver a queda, as importações vão também cair menos e talvez até possam crescer um pouco. Mas a verdade é que a dependência do crescimento brasileiro até 2011, até que a economia mundial volte com um dinamismo maior, vai continuar basicamente sendo do consumo privado. Quem é: Carlos Langoni É Ph.D. em Economia pela Universidade Chicago Foi presidente do Banco Central de 1980 a 1983 É consultor financeiro do Comitê Organizador da Copa do Mundo 2014 É diretor do Centro de Economia Mundial da FGV e sócio da consultoria Projeta --------------------------------------Folha de S.Paulo 02 09 2009 RUBENS RICUPERO O Brasil e a agenda de Obama Política anacrônica do país deixa livre o campo a um acordo histórico para o qual se dirigem os EUA e a China A MARCA principal da estratégia de Obama não é o multilateralismo nem o multipolarismo, mas a multiplicação de grupos de parceiros para lidarem com os problemas complexos de uma agenda renovada. Não se trata de multilateralização, a ênfase em organizações como a ONU, o Fundo Monetário e a Organização Mundial de Comércio, todas necessitando reformas que nem começaram. Tampouco é multipolarismo, o reconhecimento de polos, isto é, centros de poder dotados de hegemonia regional sobre os vizinhos. Do tipo das coalizões de geometria variável dos anos 1990 ou do G20 dos nossos dias. O que se quer é criar parcerias com países que aportem contribuição de recursos próprios para resolver desafios, não a suposta capacidade de coagir vizinhos menores. A ideia é reunir grupos de países capazes de agir juntos para tratar de questões espinhosas heterogêneas. incapazes de solução em assembleias numerosas e Depois de terem vivido oito anos em mundo imaginário no qual a agenda foi islamizada, os americanos estão de volta a este velho e sofrido planeta. Aqui redescobrem agravados os problemas que desleixaram: os macrodesequilíbrios na raiz da crise financeira, o aquecimento global, a urgência de redução dos arsenais atômicos já proliferados, continentes inteiros riscados do mapa de Washington, como a África e a América Latina. Enfraquecidos pela crise e pela sangria da guerra permanente, sabem que precisam dos outros e buscam a ajuda de parceiros novos. A prioridade é para a China, "a parceria para plasmar o século 21", nas palavras de Obama, incontornável na economia, na mudança do clima, na estabilidade do Oriente, incluindo o perigo atômico norte-coreano. Vem depois a Rússia na redução das armas estratégicas, na influência sobre o Irã, no Afeganistão, na garantia de abastecimento de petróleo e gás. A Índia é a terceira na ordem, devido à massa da população, à ajuda no conflito afegãopaquistanês, à luta contra o terrorismo, às armas nucleares. A escala prioritária transparece claramente no cronograma de visitas e encontros de Obama, do vicepresidente, da secretária de Estado, Hillary Clinton, concentrado nos parceiros novos, sem descurar dos antigos: Europa, Japão e Canadá. Há até lugar para caso raro como o do Brasil, que só tem "soft power", pois não é potência nuclear nem militar, está longe da zona de conflitos islamizados e dispõe apenas de meios econômicos modestos. Podemos exercer influência construtiva nos confrontos cada vez mais numerosos da América do Sul, nas negociações agrícolas, na saída da crise financeira. Onde, porém, teríamos de fato condições para fazer diferença é no aquecimento global, que começa a ocupar posto central na agenda. Pena que, em vez de assumir a liderança da busca de consenso contra a mudança climática utilizando o que faz de nós uma "potência ambiental" -a Amazônia, a biodiversidade, a água, a energia limpa e o etanol-, o governo insista em política anacrônica e defensiva. Deixa livre o campo a um acordo histórico para o qual se dirigem os EUA e a China. Quando americanos e chineses se entenderem, não nos restará remédio senão seguir a reboque. O Brasil terá desperdiçado chance que não mais há de se repetir de ter sido fator decisivo para a solução de um dos maiores desafios da humanidade. RUBENS RICUPERO , 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). --------------------------------------- O Estado de S.Paulo 02 08 2009 O que não se sabe a respeito da recuperação Joe Biden Vice-presidente dos EUA Há seis meses, quando o presidente Barack Obama e eu assumimos as nossas funções, nos deparamos com uma crise econômica nunca vista em toda a nossa vida. A nação estava sofrendo uma verdadeira hemorragia de empregos, mais de 700 mil eram eliminados por mês, o mercado da habitação se encontrava em queda livre e o destino do sistema financeiro estava por um fio. Economistas de grande prestígio avaliavam a probabilidade de uma depressão. As medidas que nós adotamos - a aprovação da Lei da Recuperação da economia americana, a estabilização do sistema bancário, as pressões para a restauração do crédito e a ajuda aos proprietários de casas responsáveis - permitiram que o país recuasse da beira do precipício. A perda de empregos está diminuindo, os mercados financeiros melhoraram e a contração econômica se reduziu. Entretanto, ainda temos um longo caminho a percorrer, mas claramente hoje estamos mais perto da recuperação do que em janeiro. A Lei da Recuperação foi crucial para esse progresso. Mas, apesar disso, a natureza da Lei da Recuperação continua mal entendida e mal interpretada por muitos: os críticos sugerem que os US$ 787 bilhões estão sendo gastos em programas e casos específicos. Como eu sou o responsável pelas iniciativas do governo para a execução dessa Lei, quero desde já deixar claras algumas coisas. A parte mais importante da Lei - mais de um terço - refere-se aos cortes dos impostos: consequentemente, 95% dos trabalhadores americanos constataram a redução dos seus gastos com impostos. A segunda parte - pouco menos de um terço - diz respeito à ajuda direta aos governos estaduais e aos indivíduos. Esses recursos permitem que os governos estaduais deixem de demitir professores (14 mil somente na cidade de Nova York), bombeiros e policiais, e impedem que os déficits dos orçamentos estaduais cresçam ainda mais. As pessoas mais afetadas pela recessão obtiveram uma prorrogação dos benefícios do seguro-desemprego, da cobertura da assistência médica e outras formas de ajuda para saírem destes tempos difíceis. Isso posto, dois terços da Lei não financiam "programas", mas visam diretamente ao corte dos impostos, ao repasse aos governos estaduais e às famílias necessitadas, sem burocracia e sem demora. Quanto ao último terço, a lei está financiando os maiores investimentos em estradas desde a criação do sistema de rodovias interestaduais; projetos de construção em bases militares, portos, pontes e túneis; a limpeza há muito tempo necessária das áreas mais deterioradas por lixo tóxico do programa Superfund; a criação de empregos no campo da energia limpa do futuro; melhoria dos sistemas ultrapassados de fornecimento de água nas zonas rurais; modernização dos sistemas de transporte de massa e ferrovias saturados; e muito mais. Hoje, esses investimentos criam empregos - e sustentarão a expansão econômica no futuro. Longe de ser negativa, a ampla gama desses investimentos é imprescindível, considerando a incrível diversidade da economia americana. Os projetos estão sendo escolhidos independentemente do repasse de verbas destinadas a projetos específicos dos políticos locais ou de outras considerações políticas, e são até mesmo apresentados muitos contratos de orçamento mais baixo. Foram aprovados mais de 30 mil projetos, e outros milhares estão sendo postados no site "recovery.gov" - o que proporciona um grau muito grande de transparência e de responsabilização. A esse propósito, os contribuintes precisam saber que não hesitamos em rejeitar propostas que não atendem aos nossos padrões baseados no mérito. O cuidado com o qual estamos pondo em prática os dispositivos da lei fez com que alguns indagassem se não estaríamos avançando devagar demais. Mas a lei tem como propósito proporcionar um firme respaldo à nossa economia por um amplo período de tempo - e não um empurrão que duraria apenas alguns meses. Em vez de reduções momentâneas, estamos proporcionando aos americanos um corte dos impostos em cada cheque do pagamento. Em vez de o Estado desembolsar imediatamente o total dos recursos da ajuda, decidimos estendê-la ao longo dos dois anos durante os quais será necessária. Projetos de estradas, projetos de energia e projetos de construção começam assim que são aprovados; os contratos são muito competitivos, e os sistemas de informação já estão funcionando. Mesmo com todo esse cuidado, já comprometemos mais de 25% do total dos recursos da Lei de Recuperação, e deveremos cumprir o prazo fixado quando a lei foi sancionada, em fevereiro deste ano. Até o fim de setembro de 2010, teremos aplicado 70% dos recursos prometidos. A Lei de Recuperação não é uma panaceia para os males da nossa economia nenhuma legislação poderia ser. Mas quantas iniciativas do governo poderão destacar ao mesmo tempo a apresentação de um grande número de projetos de orçamento menor, e um Escritório Geral de Contabilidade do governo que conclui que estamos adiantados em relação ao prazo em áreas fundamentais? Entretanto, o esforço da lei que pretende sanar variados problemas a torna um alvo fácil de críticas. De fato, alguns argumentam que os cortes dos impostos são pequenos demais (ou grandes demais), que uma ajuda excessiva (ou insuficiente) está sendo destinada às áreas rurais, e que poucos recursos (ou recursos demais) estão sendo gastos com estradas. Recentemente, alguns chegaram a criticar a lei por ajudar a financiar a sopa dos pobres e os bancos de alimentos. Mas na minha opinião, nossa abordagem equilibrada leva em conta que não há remédios definitivos, não existe uma coisa só capaz de atender às múltiplas e complexas necessidades da imensa economia dos EUA. Precisamos de ajuda, de recuperação e de reinvestimentos para fazer frente à nossa crise multifacetada - e 159 dias depois de ela ser sancionada pelo presidente Obama, a Lei da Recuperação da economia americana já trabalha para responder a essas três necessidades. ------------------------------------------------- O Estado de S.Paulo 01 08 2009 A intransigência burocrática Luiz Antonio Pagot* A descontinuidade na execução de obras de infraestrutura de transportes no País é um drama antigo que precisa ser combatido com urgência. Um amplo debate se forma no sentido de buscar soluções para a questão, pautado principalmente por empresas do setor e por órgãos executores. Essa discussão tem como ponto de partida a sociedade, que não faz parte direta do processo, mas que sente em seu cotidiano a falta dessas obras - desde travessias urbanas até grandes obras estruturantes. A paralisação de obras muitas vezes tem origem no Congresso Nacional, instituição que poderia tratar a questão de forma mais efetiva, a fim de tornar o processo mais ágil, garantindo que as ações possam primar pela eficiência, que nada mais é do que a aplicação de recursos públicos no menor tempo possível, gerando assim menor custo para o erário. É muito mais cara para o Estado a paralisação do que a continuidade de uma obra. Obras interrompidas significam prejuízos de milhões para os cofres públicos e para milhares de cidadãos, que passam anos esperando por uma ponte ou por um trecho rodoviário. Os efeitos de uma paralisação são devastadores e, muitas vezes, irreparáveis. O correto é que o Congresso garanta orçamento e recursos para que as obras não parem. E que sejam criadas novas metodologias de fiscalização e controle. O que temos acompanhado é a Comissão Mista de Orçamento contribuindo para a inclusão de novas obras no anexo 6 - muitas vezes sem recomendação do próprio Tribunal de Contas da União (TCU) -, inclusive com processos cujos assuntos referentes a essas obras poderiam ser resolvidos administrativamente e em tempo bem menor, sem resultar em obras paralisadas e prejuízos incalculáveis para a Nação. Sempre que participo de eventos sobre o tema, reforço minha tese de que precisamos quebrar paradigmas. Uma sugestão é a criação de um fórum permanente de discussão com a Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional. Precisamos trabalhar esses enfrentamentos, encontrar soluções e garantir a continuidade das obras. Vivemos um momento único no setor de infraestrutura de transportes no Brasil. O orçamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para 2009 é de R$ 8,6 bilhões, que, somados ao valor de R$ 9 bilhões de restos a pagar, resultam no extraordinário valor de R$ 17,6 bilhões. Porém esbarramos numa metodologia burocrática interminável e intransigente, que vai da sistematização interministerial ao licenciamento ambiental que leva, em média, dois anos para ser obtido. Hoje, são 2.107 quilômetros de rodovias federais aguardando licença de instalação. Para que se possa fazer pavimentação - rigorosamente na faixa de domínio de uma rodovia já implantada -, adequações ou melhoramentos (caso de uma terceira faixa ou um viaduto, por exemplo), têm-se intermináveis exigências. Somam-se a isso problemas processuais das licitações (falta de limitação dos prazos), complicações em atribuições de obras conveniadas, entre outros problemas que poderiam ser superados por meio de licenciamento simplificado e um modelo operacional de gestão com foco na obra pronta, entregue com qualidade, e não no mérito tecnocrático da fiscalização. Há pontos positivos em relação ao importante trabalho dos órgãos de controle. O Dnit, por exemplo, tem mais de 2.500 contratos de obras em execução. Só do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) são 579 contratos. Os números mostram que o que está em execução é infinitamente maior do que obras paradas ou com indícios de irregularidade e isso se deve, em boa parte, ao trabalho de parceria com as instituições de controle interno e externo. Não conseguiríamos licitar, em seis meses, mais do que R$ 6 bilhões em obras, se não fosse a criação do Edital Padrão, elaborado em conjunto com o TCU e a Controladoria-Geral da União. É em razão desse sucesso que reafirmo a necessidade de novas metodologias, a fim de que os órgãos executores, as empresas, o Estado e o cidadão ganhem em eficiência e eficácia. *Luiz Antonio Pagot é diretor-geral do Dnit. E-mail: [email protected] ------------------------------------Folha de S.Paulo 01 08 2009 Gastos estatais freiam recessão nos EUA PIB do país encolhe 1% no 2º trimestre após queda anterior de 6,4%, mas registra maior sequência de recuos desde 1947 Obama diz que economia americana reagiu "melhor do que pensávamos'; previsão é de expansão nos próximos trimestres do ano FERNANDO CANZIAN DE NOVA YORK Os gastos estatais bilionários adotados pelo governo de Barack Obama conseguiram frear o ritmo de contração da economia dos EUA no segundo trimestre deste ano. O PIB (Produto Interno Bruto) do país encolheu 1% no período em termos anualizados. Nos três trimestres anteriores, as quedas haviam sido de 6,4%, 5,4% e 2,7%, respectivamente. Esta é a maior sequência de recuos desde 1947, quando o Departamento do Comércio começou a colher esses dados. A diminuição na velocidade da contração é um indicativo de que os EUA podem voltar a crescer nos próximos trimestres. A expectativa, porém, é que a recuperação seja lenta e sem a criação de novos empregos no médio prazo. O detalhamento do PIB divulgado ontem também aponta nesse direção. Mais de um quinto da atividade econômica entre abril e junho teve como causa direta o gasto público, como o vinculado ao pacote de US$ 787 bilhões aprovado no início do ano pelo Congresso. A despesa estatal subiu 10,9% no trimestre. Mas o consumo das famílias, que representa 70% do PIB nos EUA, surpreendeu negativamente e caiu 1,2%, depois de ter aumentado 0,6% no trimestre anterior. Também recuaram a produção e as vendas de bens duráveis (7,1%) e de não duráveis (2,5%). Ambas haviam crescido no primeiro trimestre. Os investimentos empresariais, maiores fontes para a criação de empregos em qualquer economia, também voltaram a cair, mas em ritmo bem menor. A queda foi de 8,9%, ante 39,2% no trimestre anterior. Apesar de os números do setor privado ainda serem muito ruins, Obama reagiu com otimismo moderado diante dos resultados do PIB. "Os dados revelam que a economia estava em um estado muito pior do que imaginávamos quando assumi o governo", disse Obama. "Mas o PIB também vem mostrando nos últimos meses que a economia vem reagindo melhor do que nós pensávamos." Algumas estatísticas divulgadas nesta semana dão peso ao argumento de Obama. As vendas de casas novas aumentaram pela quarta vez em seis meses e as encomendas industriais fora do setor de transporte também cresceram. O PIB também revela que o processo de queima de estoques comerciais e industriais que teve início ainda no final de 2008 está chegando ao fim, o que pode ajudar a elevar a produção industrial. Entre abril e junho, a redução de estoques subtraiu 0,83 ponto percentual do PIB. No trimestre anterior, foram 2,36 pontos a menos. "Os resultados sobre a diminuição dos estoques montam o palco para a volta de um PIB positivo, e provavelmente bastante decente, no terceiro trimestre", disse John Ryding, economista da RDQ Economics, em Nova York. Se a diminuição de estoques pudesse ser retirada do cálculo, o PIB do segundo trimestre teria encolhido apenas 0,2%. As exportações norte-americanas também caíram menos: 7%, ante uma redução de 30% entre janeiro e março. Já as importações, que são computadas negativamente no cálculo do PIB, recuaram 15,1%. O Departamento do Comércio também revisou os dados completos do PIB de 2008, mostrando que o agravamento da crise a partir de setembro foi muito pior do que se imaginava. No ano passado todo, segundo o órgão, o PIB norte-americano cresceu apenas 0,4%, e não 1,1%, como divulgado anteriormente. Em relatório específico sobre a economia norte-americana divulgado ontem, o FMI (Fundo Monetário Internacional) voltou a alertar o país sobre a necessidade de começar a preparar políticas "ambiciosas" para diminuir seu endividamento público diante da explosão de gastos estatais. Segundo o FMI, o endividamento público como proporção do PIB subirá de 63,4% para cerca de 112% até 2014. -------------------------------------- O Estado de S.Paulo 01 08 2009 PIB dos EUA recua 1% e Obama comemora Gustavo Chacra A economia dos Estados Unidos teve contração de 1% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. O resultado, comemorado pelo presidente americano, Barack Obama, está acima do que previa o setor privado e indica uma melhora significativa em relação aos dois trimestres anteriores. "O Produto Interno Bruto (PIB) de hoje é um importante sinal de que a economia caminha na direção correta e que os investimentos que haviam se reduzido nos últimos meses começam a dar sinais de estabilidade", disse Obama. O presidente se autodescreveu como "cautelosamente otimista", e acrescentou que não pode falar em recuperação enquanto os americanos continuarem "perdendo empregos". A queda foi bem mais amena que a do primeiro trimestre, quando a economia encolheu 6,4%, e a do último trimestre de 2008, recuo de 5,5%. O Departamento do Comércio ainda revisou para baixo os dados do ano passado para queda de 1,9%. Inicialmente, havia sido divulgado um recuo de 0,8% no ano. O secretário do Comércio, Gary Locke, disse em nota que os números do PIB "demonstram que o país está fazendo um progresso real para acabar com a recessão. Indicadores da atividade econômica apontam para cima e o setor imobiliário começou a se estabilizar". O resultado não mexeu com a Bolsa de Nova York. O índice Dow Jones operou com leve alta de 0,1% por quase todo o dia e manteve-se próximo do nível mais elevado em nove meses. O S&P 500 e o Nasdaq também fecharam o dia praticamente estáveis. Levantamento feito com 78 economistas apontava para uma queda de 1,5% no PIB. Um dos motivos para o resultado melhor do que o esperado foi o estímulo econômico do governo de US$ 787 bilhões nos próximos anos. Com o resultado, o Produto Interno Bruto americano, que era de US$ 14,5 trilhões em julho de 2008, passou para US$ 14,15 trilhões - queda de cerca de US$ 350 bilhões. As exportações e os investimentos empresariais também contribuíram para que a redução fosse menor do que a esperada. No primeiro trimestre, a queda nos investimentos havia sido de 39,2%. Dessa vez, também caíram, mas em ritmo menor, 8,9%. Já o consumo dos americanos, que corresponde a 70% do PIB, apresentou a maior queda desde 1980, de 1,2%. No período anterior, foi de 0,6%. Economistas acreditam que a população americana começou a aumentar sua taxa de poupança. Em estudo divulgado ontem, o Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmou que o governo conseguiu estabilizar a economia graças "ao estímulo e à intervenção no mercado financeiro", mas manteve a previsão de recuo de 2,6% para este ano. "O crescimento da economia americana será gradual". ------------------------------------------ O Estado de S.Paulo 01 08 2009 O crescimento que parece recessão Floyd Norris * Um ano atrás, a economia dos Estados Unidos estava em recessão. Agora, pode ser que ela esteja prestes a emergir desse longo declínio. Mas, se a economia está perto de retomar o crescimento, isso se dará a partir de um nível muito baixo. A recessão produziu contrações muito maiores do que os declínios anteriores nos últimos 50 anos. Como resultado, a economia pode parecer em depressão mesmo depois que o crescimento voltar. Isso pode ser observado em setores como o de bens duráveis fabricados por empresas americanas. O fornecimento de tais itens caiu mais de 20% durante esta recessão e teria caído ainda mais se não fosse pelo aumento na produção de armamentos. Nos declínios anteriores registrados desde 1958, quando tais dados começaram a ser medidos, em nenhum momento a contração chegou a 14%. A queda é ainda mais notável porque o fornecimento desse tipo de artigo aumentou num ritmo relativamente contido durante o período anterior de crescimento econômico, especialmente quando as vendas militares são excluídas dos números. Em junho, o fornecimento para finalidades civis ajustado para a temporada estava 19% abaixo do valor médio registrado em 2000. O fornecimento de itens militares estava 123% acima da média de 2000. A economia dos Estados Unidos continua sendo predominantemente civil. O Exército absorve agora cerca de 8% de todos os bens duráveis, um aumento em relação aos 3% registrados em 2000. Em geral, o fornecimento para finalidades não-militares registrava queda de 20%, enquanto as encomendas apresentavam queda de 27%. Em alguns setores, os declínios foram muito maiores, com a encomenda de produtos primários metálicos, como o ferro e o aço, apresentando queda de 44%. O governo não pode acompanhar as encomendas de semicondutores porque a Intel não divulga esses dados, mas o fornecimento nessa categoria registrava queda de 33%. O fornecimento de aeronaves comerciais e peças sobressalentes caiu apenas 7%, principalmente porque o intervalo entre encomenda e fornecimento desse tipo de produto é demorado, e isso ajudou a manter o declínio no fornecimento abaixo daquilo que poderia ter sido. Mas as encomendas registraram queda de 65%. Esses declínios não correspondem a períodos de prosperidade. No início de 2008, a recessão já assolava a economia, e o fornecimento de bens duráveis já estava caindo. Esse fornecimento tinha chegado ao ápice no semestre anterior, e o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica determinou posteriormente que a recessão teve início em dezembro de 2007. Ao divulgar esta semana os números de junho, o Escritório Censitário disse que a encomenda de bens duráveis de algumas categorias registrava aumento em relação ao mês passado, apesar de o fornecimento seguir em declínio. Isso reforçou as provas de que a recessão está perto do fim. Mas um retorno ao grande volume de encomendas, ou de fornecimento, pode ainda demorar meses. *Floyd Norris é jornalista -------------------------------Folha de S.Paulo 01 08 2009 ANÁLISE EUA não devem superestimar a China DAVID PILLING, DO "FINANCIAL TIMES" Que diferença faz um "e". O diálogo econômico estratégico Estados Unidos-China, um encontro bilateral semestral sob o presidente Obama, converteu-se no mais amplo diálogo econômico e estratégico. A adição de uma conjunção converte a palavra "estratégico" de um adjetivo que descreve o diálogo econômico em um termo abrangente, usado para descrever tudo o que Hillary Clinton bem entender. O Departamento de Estado de Clinton se uniu ao Tesouro de Tim Geithner no diálogo com Pequim. Com isso a agenda foi ampliada para além daquilo que Hank Paulson, o predecessor de Geithner, concebeu originalmente em 2006. Agora que o Departamento de Estado passou a participar, as mudanças climáticas, a Coreia do Norte e outras questões de peso global se somaram aos déficits dos EUA, à reforma do setor financeiro e ao yuan como potenciais temas de discussão. Ampliar a pauta das conversações -a última rodada das quais foi encerrada em Washington nesta semana- faz sentido. A política de Obama para a China se ergue sobre alicerces deixados por seu predecessor. Essa foi uma das poucas coisas em que se avalia que o predecessor de Obama tenha acertado. Diferentemente de Bush, ou de Bill Clinton antes dele, o presidente Obama não tem sido obrigado a retroceder de uma hostilidade inicial em relação à China para uma posição mais maleável. Isso acontece em parte devido à sua convicção de que é bom fazer gestos de aproximação. Se Obama pode falar com Teerã ou Pyongyang, ele certamente pode manter um diálogo cordial com Pequim. É também porque ele tem pouca escolha. A crise econômica fez o equilíbrio de poder pender em direção à China. Os EUA estão se sentindo menos confiantes em relação a seus alicerces econômicos e menos capazes que antes de pregar sermões a Pequim, especialmente em vista do fato de seus próprios bancos, seguradoras e montadoras de automóveis terem caído sob controle do Estado. É mais o caso de Pequim estar em posição de superioridade. O aparente controle financeiro da China sobre os EUA ganhou destaque acentuado. Pequim anda pregando sermões a Washington sobre a necessidade de proteger suas reservas de US$ 2 trilhões, a maior parte dos quais em dólares americanos. É inteiramente apropriado que Washington dê a devida atenção à China, a mais importante potência emergente desde os próprios EUA. Mas é possível também haver o perigo de levar a China a sério demais. Ao compensar o pouco caso anterior, as coisas poderiam pender longe demais no sentido oposto. Apesar da euforia em torno do G2 -o eixo China-EUA, que, segundo avaliações apressadas, seria o único fórum global significativo-, vale a pena fazer uma pausa para rever os fatos. Para começo de conversa, longe de ser um sinal de força, o acúmulo por parte de Pequim de uma enorme reserva em divisas estrangeiras é efeito colateral de um modelo econômico demasiado dependente das exportações. O enorme superávit comercial é fruto de um yuan subvalorizado que vem permitindo que outros países consumam bens chineses às custas da própria população chinesa. Ligação comprometedora Pequim não pode vender as reservas de seu Tesouro sem desencadear o próprio colapso do dólar que supostamente teme. Tampouco são inteiramente convincentes os alertas para que os EUA cubram seus déficits gêmeos -coisa que, inevitavelmente, levaria o país a comprar menos produtos chineses. Em lugar de expor a superioridade do modelo chinês controlado pelo Estado, a crise financeira global deixou a nu o envolvimento comprometedor dos EUA e da China. Os comentaristas às vezes também confundem o progresso rápido da China e sua provável emergência como superpotência com a realidade atual. Hoje, a China ainda é um país relativamente pobre. Apesar de suas ambições militares, está a décadas de distância de se equiparar com os EUA. Em 2005, segundo o Instituto Internacional Estocolmo de Pesquisas sobre a Paz, a China foi responsável por apenas 4% dos gastos militares globais, um pouco menos que o Reino Unido e a França e muito distante dos EUA, com 46%. É verdade que o poderio norte-americano foi humilhado no Iraque e no Afeganistão. Mas a China nem sequer tentou projetar seu poder sobre países como a Coreia do Norte, que se aproximou do status nuclear aos poucos, diante dos olhos de Pequim. A economia da China está sendo mantida em atividade pela concessão forçada de crédito pelos bancos, algo que pode levar a bolhas nos preços de ativos financeiros ou a uma safra de empréstimos podres. Nada disso, porém, sugere que os EUA estejam equivocados em dialogar com a China nos níveis mais altos e profundos. A emergência da China como grande potência não requer menos que isso. Mas, ao guardar silêncio sobre os direitos humanos e o yuan, os EUA podem estar se vendendo barato. Tradução de CLARA ALLAIN --------------------------------------- Folha de S.Paulo 01 08 2009 ANÁLISE Economia não está melhorando DO "FINANCIAL TIMES" Localize a suposta melhora: 0, -1,9, -3,3, -3,9. Essa é a progressão no ritmo trimestral de crescimento da economia dos Estados Unidos nos quatro últimos trimestres, com relação aos períodos comparáveis um ano antes. Sim, mas pelo menos o declínio está se desacelerando, dizem os otimistas. A queda sequencial na produção foi de só 1%, de acordo com os dados do segundo trimestre, ante 6,4% negativos no período anterior. É claro que as coisas estão parecendo melhores. A economia está vivendo de doses maciças de gastos de estímulo e de crédito barato. O consumo do governo aumentou 6% ante o trimestre anterior. As taxas de juros baixas atenuaram o colapso no investimento. Mas atenuar a dor não significa que o paciente esteja mais saudável. O Reino Unido, que está gastando 75% a menos que os EUA em estímulos, como proporção de sua produção total em 2008, reportou uma imensa queda de 6% no crescimento anual. Nos EUA, a assustadora verdade é que, a despeito da alta da renda e da benemerência do governo, o consumo desaparece rapidamente. O colapso de 1,2% nos gastos pessoais é duas vezes o projetado. Com o desemprego em alta e a razão entre dívida domiciliar total e renda disponível ainda mais de 30% acima do já inflado nível da década de 90, não surpreende que os consumidores cortem gastos. Por isso, podem esquecer o grande estímulo em forma de reposição de estoques no segundo semestre. E as exportações, em meio a uma recessão mundial, tampouco devem renascer. A economia dos EUA não está melhorando -está simplesmente dependendo cada vez mais do Estado. --------------------------------------O Estado de S.Paulo 01 08 2009 Na Europa, desemprego é o pior em dez anos Taxa chegou a 9,4% em junho, com 158 mil pessoas demitidas Jamil Chade A Europa apresenta a pior taxa de desemprego em dez anos, enquanto o risco de uma deflação ganha força. Segundo dados divulgados ontem pela Comissão Europeia, a taxa de desemprego nos 16 países que usam o euro foi de 9,4% em junho. O número, porém, foi menor que o esperado pelo mercado, graças aos pacotes de socorro adotados pelos governos. Em junho, 158 mil pessoas perderam seus empregos. Com isso, a taxa passou a ser a maior desde junho de 1999. Em um ano, 3,1 milhões de pessoas perderam empregos. Naquele período, a taxa era de 7,5%. O número total de desempregados na zona do euro é de 14,9 milhões, mais do que toda a população da Áustria e da Irlanda juntas. No primeiro trimestre, a economia europeia sofreu contração de 2,5% em relação ao trimestre anterior. Para o Fundo Monetário Internacional (FMI), uma recuperação será sentida apenas em 2010, e mesmo assim de forma modesta. O menor aumento na taxa de desemprego ocorreu na Alemanha, com 7,7% de sua população sem trabalho. Há um ano, a taxa era de 7,3%. Na Holanda, a taxa passou de 2,7% para 3,3%. Na Espanha, a taxa de desemprego já é de 18,1%, a maior de toda a Europa. Há um ano, era de 11%. No país, o maior impacto tem sido na comunidade de imigrantes, muitos deles sul-americanos. Dados divulgados pelo governo apontam que o número de estrangeiros irregulares tentando entrar no país neste ano caiu em 50% ante igual período de 2008. O mesmo ocorreu na Itália, Irlanda e Inglaterra. Para os 27 países da UE, a taxa de desemprego subiu de 8,8% em maio para 8,9% em junho. Há um ano, era de 6,9%. Em 12 meses, 5 milhões de pessoas perderam seus trabalhos, principalmente na Hungria e nos países bálticos. Apesar dos dados sombrios, o mercado avaliou que a taxa é melhor do que se esperava. Isso porque começam a fazer efeito os planos de investimentos de governos para manter o consumo e gerar demanda. Alguns governos ainda fecharam acordos com empresas para reduzir salários. Para analistas, o desemprego continuará a aumentar até o fim do ano. Para Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o pior da crise social ainda está por vir. Quanto aos níveis dos preços, a UE apresenta queda diante da redução drástica no consumo. A redução dos preços foi de 0,6% em julho, ante o mesmo mês em 2008. Para o mercado, o risco é de que uma deflação se instale, afetando empresas e, portanto, os postos de trabalho. ------------------------------------------Folha de S.Paulo 02 08 2009 Fed minimizou em 2003 riscos da bolha imobiliária Membros do BC dos EUA diziam que alta de preços refletia "fundamentos sólidos". Atas dos encontros do Fed em 2003 mostram que efeitos da bolha da internet e do 11 de Setembro eram principais preocupações JANAINA LAGE DE NOVA YORK As atas das reuniões do Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) de 2003, divulgadas recentemente, mostram que os economistas da equipe minimizaram os riscos de surgimento de uma bolha imobiliária no mercado americano, durante a gestão de Alan Greenspan na presidência do banco. A explosão da bolha imobiliária está no centro da crise mundial. Sua origem está ligada ao aumento da inadimplência no chamado crédito "subprime" (de segunda linha), concedido a pessoas com dificuldade de comprovação de renda ou sem histórico de bom pagador. O que começou como um problema local, ligado apenas a uma parcela de proprietários. contaminou o sistema bancário e a economia, até culminar em 2008 na maior crise econômica dos últimos 70 anos. Em 2003, o mercado imobiliário estava longe de ser a principal preocupação dos economistas americanos. Em 2001, o país havia enfrentado a crise das empresas de internet e os ataques do 11 de Setembro. O país decidiu invadir o Iraque em março, em um momento em que a economia dos EUA estava em marcha lenta, e os efeitos para a saúde da economia americana se tornaram os pontos centrais do debate. Na época, esperava-se um aumento rápido da confiança do consumidor e das empresas, caso a invasão fosse concluída rapidamente, o que não aconteceu. Ainda hoje os Estados Unidos trabalham com um cronograma de retirada de tropas. Em reunião de janeiro, um dos economistas, identificado nas atas como Larry Slifman, da divisão de Recursos e Estatísticas do Fed, diz que foram encontrados problemas no pagamento das hipotecas de cidadãos de renda mais baixa. "Penso que é a categoria abaixo de 35 anos, o que me parece bastante jovem. Então, existem realmente proprietários enfrentando um problema, mas nós não temos a percepção de que isso poderá se tornar algo generalizado", disse. Em junho, outro integrante da reunião, denominado nas atas como Stephen Oliner, afirma que o mercado imobiliário está em boa forma, mas que existem "focos de estresse". Em seguida, ele explica que o proprietário padrão estava reestruturando suas dívidas por meio do refinanciamento de hipotecas. A diferença entre a taxa dos novos empréstimos e a dos anteriores era um dos fatores de estímulo à economia. Com menos dívidas, o proprietário se sentiria mais confiante para gastar. A previsão naquela época era que esse tipo de operação batesse recorde. Oliner defendeu que, apesar da expansão rápida do volume de dívidas de hipotecas, não haveria sobrecarga, pois existia perspectiva de avanço da renda, além dos benefícios do aumento do volume de empréstimos com juros mais baixos. "Alguns analistas afirmam que há preocupação quanto ao surgimento de uma bolha no mercado imobiliário. De fato, os preços das casas estão subindo rapidamente em termos reais. Apesar de não descartarmos integralmente as preocupações com uma bolha, avaliamos que os preços em alta refletem fundamentos sólidos, principalmente a queda nas taxas de juros das hipotecas." Anos depois, em uma espécie de busca dos culpados sobre a crise, Greenspan é apontado como um dos principais responsáveis por não ter combatido a tempo os seus efeitos. ---------------------------------------------------------------------- ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS -----------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 02 08 2009 Meirelles já flerta com vários partidos Presidente do Banco Central estuda alternativas para lançar-se candidato nas eleições de 2010 e consulta marqueteiros Governo vê movimento com desconfiança e curiosidade; até possibilidade, remota, de ser vice na chapa de Dilma Rousseff é cogitada MARCIO AITH DA REPORTAGEM LOCAL Até ser convidado para a presidência do Banco Central pelo senador Aloizio Mercadante, em 2002, numa recepção na embaixada brasileira em Washington, Henrique Meirelles era apenas um azarão. Só foi chamado porque outros três banqueiros haviam declinado do convite, crentes no desastre econômico do governo petista que se iniciaria. Meirelles também não tinha vínculo com petistas: era deputado eleito pelo PSDB. Pior. Ex-presidente do BankBoston, simbolizava o que a esquerda via como uma doença: o sistema financeiro internacional. Meirelles, no entanto, sobreviveu, contra todos os prognósticos, exceto o dele. Driblou o fogo amigo do PT, a picardia dos analistas econômicos e duas denúncias graves -foi investigado por sonegação fiscal e um sobrinho dele foi pego no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com uma mala contendo dinheiro vivo do tio. Apresenta-se agora como o fiador de avanços econômicos substanciais. Na sua gestão, as reservas brasileiras pularam de US$ 14 bilhões para US$ 210 bilhões; a inflação anualizada (IPCA) caiu de 28,3% para 4,4%; e a Selic anual despencou de 25% para 8,75%, o patamar mais baixo da história. Mexe-mexe Com tais realizações, que acredita serem em grande parte suas, Meirelles forjou até uma relação mais próxima com Lula. Ambos conversam sobre política e economia com certa frequência e informalidade. Até tiveram uma noite de mexe-mexe, o jogo de cartas preferido do presidente, que requer dois baralhos, sem os curingas. Tudo indica que agora, após seis anos e meio no cargo, Meirelles vai candidatar-se a um cargo eletivo em 2010. Para isso, terá de escolher uma legenda até o fim de setembro, um ano antes do pleito, prazo de filiação partidária para os potenciais candidatos a presidente, vice-presidente, senador e deputado federal. Refiliando-se, Meirelles poderá ficar no BC até abril do ano que vem. Só então, caso realmente decida candidatar-se, terá de se desincompatibilizar da presidência do BC. A Folha conversou sobre os planos dele com funcionários do BC, integrantes do governo e de partidos com os quais negocia a filiação (PMDB, PR, PTB E PP). Dessas conversas, surge um leque de opções que inclui a candidatura à Vice- Presidência, ao Senado e ao governo de Goiás. Meirelles não quis comentar o assunto. Assim que se refiliar a um partido, Meirelles sabe que será criticado por nutrir justamente aquilo que enxergava em seus adversários - o desejo de politizar o Banco Central e a política monetária. Sua filiação colocará em suspeição gestões feitas por ele próprio a favor da autonomia do BC. Afinal, essa autonomia deveria valer não só para blindar o banco contra ingerências políticas externas, mas também contra ambições internas. Mas ele está disposto a enfrentar essas críticas. Argumenta que vai preservar a independência técnica da política monetária porque sabe que nela está seu ativo eleitoral. Por esse motivo, não se sente moralmente obrigado a deixar o cargo com a simples filiação. O presidente do BC vê a escolha de um partido como um contrato de opção no mercado futuro. Ao decidir-se por um partido, diz a assessores, apenas adquire um ingresso para entrar no jogo eleitoral. Caso contrário, fecha a porta da política, algo não compatível com sua ambição e missão pública. O PMDB parece ser seu partido preferido porque permite voos maiores do que a candidatura ao Senado por Goiás. Maior legenda da base aliada, o partido provavelmente definirá o nome do companheiro de chapa da ministra Dilma. Ainda que seja um balaio de gatos, repleto de cardeais com projetos próprios, o PMDB seria suficientemente pragmático para enxergar em Meirelles uma âncora de credibilidade. Isso, é claro, segundo marqueteiros, para os quais já existiriam pesquisas qualitativas indicando ser possível associar um nome como o de Meirelles à estabilidade econômica -principalmente se Lula der uma "ajudazinha" retórica. À direita e à esquerda O governo vê a movimentação de Meirelles com um misto de desconfiança e curiosidade. A maioria a desaprova. Alguns, no entanto, dizem que a chapa Dilma/Meirelles pode atrair doadores de peso, além de permitir ao PT combater a provável candidatura do governador José Serra tanto pela esquerda, com Dilma, quanto pela direita, com o banqueiro. A segunda opção de Meirel- les é a candidatura ao governo de Goiás, o que também não é trivial. Depende do apoio do prefeito de Goiânia, Íris Rezende (PMDB), possível candidato ao mesmo cargo. Rezende tem confundido o presidente do BC com declarações dúbias sobre as suas intenções políticas. Meirelles pode optar por um partido menor. Ele mantém canal aberto com o PP, com o PR e com o PTB. Por esses partidos, poderia, em tese, disputar o próprio governo contra Íris Rezende. Mas Meirelles prefere ganhar o apoio do prefeito. E a Presidência da República? Meirelles já pensou muito mais nessa hipótese do que hoje. Há alguns anos, ouviu até a opinião de marqueteiros de peso -um português, outro americano, ambos cientificamente entusiastas do projeto. Mas seu objetivo de curto prazo é bem mais prosaico. Ele ainda não tem um partido. ----------------------------------O Estado de S.Paulo 01 08 2009 Liminar proíbe ''Estado'' de noticiar investigação sobre filho de Sarney Decisão de juiz também impede emissoras de rádio e TV, além de jornais de todo o País, de usar ou citar material Felipe Recondo O desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), proibiu o Estado de publicar reportagens que contenham informações da Operação Faktor, mais conhecida como Boi Barrica. O recurso judicial, que pôs o jornal sob censura, foi apresentado pelo empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O pedido de Fernando Sarney chegou ao desembargador na quinta-feira, no fim do dia. E ontem pela manhã a liminar havia sido concedida. A decisão determina que o Estado não publique mais informações sobre a investigação da Polícia Federal e proíbe os demais veículos de comunicação - emissoras de rádio e televisão, além de jornais de todo o País - de utilizarem ou citarem material publicado pelo Estado. Em caso de descumprimento da decisão, o desembargador Dácio Vieira determinou aplicação de multa de R$ 150 mil - por "cada ato de violação do presente comando judicial", isto é, para cada reportagem publicada. O pedido inicial de Fernando Sarney era para que fosse aplicada multa de R$ 300 mil. RECURSO O advogado do Grupo Estado, Manuel Alceu Afonso Ferreira, avisou que vai recorrer da decisão. "Há um valor constitucional maior, que é o da liberdade de imprensa, principalmente quando esta liberdade se dá em benefício do interesse público", observou Manuel Alceu. "O jornal tomará as medidas cabíveis." O diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, afirmou que a medida não mudará a conduta do jornal. "O Estado não se intimidará, como nunca em sua história se intimidou. Respeita os parâmetros da lei, mas utiliza métodos jornalísticos lícitos e éticos para levar informações de interesse público à sociedade", disse Gandour. “DIÁLOGOS ÍNTIMOS” Os advogados do empresário afirmam que o Estado praticou crime ao publicar trechos das conversas telefônicas gravadas na operação com autorização judicial e alegaram que a divulgação de dados das investigações fere a honra da família Sarney. "Uma enxurrada de diálogos íntimos, travados entre membros da família, veio à tona da forma como a reportagem bem entendeu e quis. A partir daí, em se tratando de família da mais alta notoriedade, nem é preciso muito esforço para entender que os demais meios de comunicação deram especial atenção ao assunto, ‘leiloando’ a honra, a intimidade, a privacidade, enfim, aviltando o direito de personalidade de toda a família Sarney", argumentaram os advogados que assinam a ação - Marcelo Leal de Lima Oliveira, Benedito Cerezzo Pereira Filho e Janaína Castro de Carvalho Kalume, todos do escritório de Eduardo Ferrão, que também subscreve o pedido. Ex-consultor do Senado, juiz é próximo da família Leandro Cólon e Rodrigo Rangel Ex-consultor jurídico do Senado, o desembargador Dácio Vieira, que concedeu a liminar a favor de Fernando Sarney e pôs o Estado sob censura, é do convívio social da família Sarney e do ex-diretor-geral Agaciel Maia. Dácio Vieira foi um dos convidados presentes ao luxuoso casamento de Mayanna Cecília, filha de Agaciel, no dia 10 de junho, em Brasília. Na mesma data, o Estado revelou a existência de atos secretos no Senado. O presidente José Sarney (PMDB-AP) foi padrinho do casamento. Sarney, o desembargador Dácio Vieira e Agaciel aparecem juntos em foto na festa do casamento de Mayanna. A fotografia foi publicada numa coluna social do Jornal de Brasília, três dias após o casamento. Ao lado deles, estava o senador Renan Calheiros (PMDB-AL). As mulheres de Agaciel, Sânzia Maia, e de Dácio, Ângela, também aparecem na foto. Em 12 de fevereiro, Sarney compareceu à posse do desembargador na presidência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Distrito Federal. Em sua passagem pelo Senado, Dácio trabalhou na gráfica da Casa. Lá, foi colega de Agaciel. Foi na gráfica que começou a trajetória de poder de Agaciel no Senado: de lá, pelas mãos de Sarney, em 1995, ele foi guindado ao posto de diretor-geral, onde acumulou superpoderes que culminaram com a edição dos atos secretos, revelados pelo Estado. Dácio fez carreira no Senado. De acordo com seu currículo, disponível na página do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ele foi designado em 1986, na condição de advogado, para ocupar o cargo de "titular da Assessoria Jurídica do Centro Gráfico do Senado". Depois, foi promovido à condição de consultor jurídico da Casa. O currículo do desembargador diz ainda que, por designação especial, ele esteve à disposição da presidência do Senado, com atuação na consultoria-geral da Casa. Sua atuação, segundo o currículo: "Encaminho (sic) de informações e razões de defesa em ações judiciais de interesse da instituição, havendo registro, à época, deste proceder, por parte da presidência da Casa, senador Mauro Benevides (Biênio de 1990/1991)." O currículo informa ainda que, como consultor jurídico do Senado, Dácio trabalhou na implantação de mudanças no plano de carreira dos servidores da Casa. Em 1992, quando trabalhava no Senado, foi indicado para ocupar vaga do TRE de Brasília destinada a advogados. Recusou, segundo o currículo, "pela natureza do cargo exercido à época no Senado". QUINTO Natural da cidade mineira de Araguari, Dácio tomou posse como desembargador do TJ do Distrito Federal em maio de 1994. Entrou em vaga destinada ao quinto constitucional, como representante da Ordem dos Advogados do Brasil. Por duas vezes, chegou a integrar lista tríplice de candidatos a vaga de ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O Estado tentou falar na noite de ontem com o desembargador. A mulher do magistrado informou que ele viajara para Minas a fim de visitar uma irmã, hospitalizada. Indagada sobre a relação social da família com Sarney, a mulher do desembargador respondeu: "Eu conheço o senador Sarney de festas. Não tenho nenhuma amizade com ele, não tenho cargo no Senado, nem nada. Se eu fosse amiga dele, eu estava empregada no Senado, não acha?" Sobre a presença no casamento, disse: "Fui convidada, não tenho esse direito?" A respeito da relação com a família de Agaciel Maia, pediu que a pergunta fosse feita ao próprio Dácio. "Não sei te informar. Isso você tem de perguntar para o desembargador", afirmou. Ângela disse que não poderia informar o telefone do marido. Deu o número de um assessor dele, mas até o fechamento da edição não foi possível contatá-lo. -------------------------------------------O Estado de S.Paulo 01 08 2009 Para Lula, controle de licitação ''atrapalha'' Presidente critica dificuldades para liberar verbas de programas Alexandre Rodrigues O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou ontem mecanismos de controle de licitações que, segundo ele, atrasam compras do governo e impedem programas como o de aquisição de computadores para escolas públicas. Ao participar da entrega de laptops a crianças da rede municipal de Piraí, no sul fluminense, Lula disse que há dois anos o governo encontra dificuldades para licitar a compra de 350 mil computadores. "Cada vez que a gente faz uma licitação, acontece sempre alguma coisa para atrapalhar a gente a distribuir esses computadores", discursou Lula, sem citar diretamente o Tribunal de Contas da União (TCU), que fiscaliza as concorrências públicas para compras do governo federal. O ministro da Educação, Fernando Haddad, também reclamou de excesso no controle das compras do governo. "Enquanto o (vice-governador do Rio, Luiz Fernando) Pezão me diz para olhar o que está acontecendo em Piraí, os órgãos de controle dizem ‘peraí’, não façam o projeto, não façam o programa. E nós temos que avançar. Queremos somar forças com os órgãos de controle, com o Planejamento, com a área econômica para financiar a expansão desse programa", disse o ministro. Com financiamento do governo estadual, a prefeitura de Piraí comprou 5,5 mil laptops para estudantes e professores da rede pública. Juntando-se aos 700 já adquiridos há dois anos, como parte da experiência piloto do programa federal Um Computador por Aluno (UCA), a cidade é a primeira do País a ter 100% dos alunos matriculados com computadores disponíveis em sala de aula. O presidente disse que repetiria em todo o País o feito da pequena cidade fluminense, de 24,5 mil habitantes, mas admitiu que as dificuldades jogam essa meta para 2020. Segundo Lula, o País tem 34 milhões de estudantes em escolas públicas. O governo do Estado do Rio investiu R$ 5,5 milhões em todo o projeto de Piraí. O custo unitário de cada laptop foi estimado em US$ 325. O presidente lembrou que, em 2005, o governo investigou a viabilidade da fabricação no Brasil de um laptop de US$ 100. Na época, ele chegou a discutir o tema no Planalto, mas o grupo de trabalho deu em nada. O presidente criticou a indústria nacional e ameaçou recorrer à importação. "Sou o maior defensor da indústria nacional, mas se não conseguir fazer um preço acessível, vamos ter que importar alguns para poder fazer com que a política chegue à população mais pobre", disse. BANDA LARGA O presidente prometeu fechar 2010 com a promessa cumprida de levar banda larga a 55 mil escolas públicas do País e lamentou não poder fazer o mesmo na área rural. Lula afirmou que não desistiu de reabilitar a Eletronet, empresa falida detentora de rede de fibra ótica antes controlada pela Eletrobrás. O controle dos ativos da empresa é o centro de um discussão na Justiça do Rio. "Está na Justiça há mais de cinco anos, e a gente não consegue pegar uma coisa que é nossa", afirmou Lula, ensaiando uma forma de pressionar por uma solução do caso. "Estou pedindo ajuda para o (governador) Sérgio Cabral para ele ver quem é o juiz dessa ação." Crítico do Bolsa-Família é ''imbecil'', diz Lula Para presidente, ?ignorante? é quem ainda acredita que ajuda aos pobres é esmola ou assistencialismo Ivana Moreira "Ignorante é quem ainda acredita que o Bolsa-Família é esmola, é assistencialismo." A afirmação é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ontem esteve em Belo Horizonte e fez mais uma defesa do principal programa social de seu governo. Segundo ele, enxergar o Bolsa-Família como assistencialismo é ver o País de "forma simplista". "Tem gente tão imbecil e ignorante que ainda fala que o BolsaFamília é para deixar as pessoas preguiçosas, porque quem recebe não quer mais trabalhar", disse o presidente. "A ignorância é de tal magnitude que as pessoas pensam que um ser humano vai ganhar R$ 85 e vai deixar de ter perspectiva que ganhar os R$ 616 que a Mônica que vai ganhar por um trabalho decente." Mônica Barroso, de 28 anos, foi uma das alunas que receberam ontem o diploma de pedreira, com emprego garantindo. Ao todo, 457 alunos da capital mineira receberam certificados em cursos de formação como pedreiro, eletricista, torneiro mecânico e pintor, entre outros. Os cursos fazem parte do Plano Setorial de Qualificação e Inserção Profissional para o Bolsa-Família. Segundo Lula, se todos os governos tivessem gasto um pouco de dinheiro para cuidar dos pobres, o Brasil teria menos pobreza e até ajudaria os ricos, porque, segundo ele, haveria mais consumidores girando a economia. "Não sei quem foi o ignorante que um dia resolveu achar que o Brasil poderia conviver com 10% extremamente ricos, uma classe média de 30% e o restante sem ter sequer o que comer", afirmou o presidente. Para Lula, um economista ou um doutor formado em uma escola no exterior sabem que é uma lógica perversa até para os grandes capitalistas. Lula garantiu que até o fim do governo poderá fazer pelos pobres até mais do que fez até agora, porque, neste momento, a administração tem mais conhecimento de como agir do que tinha no primeiro mandato. -------------------------------------------------Folha de S.Paulo 02 08 2009 Onda de reajustes cria elite de servidores Categorias com lobby mais forte, como policiais e auditores fiscais, obtêm aumento superior ao de outros integrantes do serviço público Delegados da PF em fim de carreira receberão R$ 19,7 mil; teto para professor universitário com doutorado será de R$ 11,7 mil LEANDRA PERES VALDO CRUZ DA SUCURSAL DE BRASÍLIA Os generosos reajustes salariais concedidos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva aos servidores federais fortaleceram o lobby das carreiras mais bem organizadas e com maior poder de pressão sobre o Executivo. Enquanto isso, as categorias menos organizadas só conseguiram correções em seus salários nesta reta final de mandato do presidente. Levantamento feito pela Folha com base em dados do Ministério do Planejamento mostra que um auditor da Receita Federal, com diploma de nível superior, recebe atualmente 3,5 vezes mais que um pesquisador da Fiocruz, com mestrado no currículo. Até julho do ano que vem, quando todos os reajustes concedidos no ano passado estiverem pagos, a diferença entre os salários desses mesmos servidores terá diminuído. Esse mesmo pesquisador da Fiocruz com o mestrado concluído terá direito a um pagamento de R$ 5.094,97 por mês. Mas ainda estará longe da elite do funcionalismo. O colega da Receita Federal terá direito a receber mais que o dobro -R$ 13.600,00. Essas mesmas distorções podem ser observadas na comparação com outras carreiras de lobbies poderosos. Os delegados da Polícia Federal em fim de carreira, por exemplo, chegarão ao fim do governo Lula recebendo R$ 19,7 mil por mês. O salário mais alto de um professor universitário com dedicação exclusiva e doutorado será de R$ 11,7 mil. O de um pesquisador do IBGE com doutorado e também no topo da carreira ainda será 39% menor que o do delegado da PF. Defasagem Responsável pela negociação dos reajustes aos servidores públicos, o ministro Paulo Bernardo (Planejamento) afirma que o governo trabalhou para recompor os vencimentos das carreiras que estavam com salário muito baixo, mas não justifica por que a área jurídica, por exemplo, consegue salários mais altos. "Há algumas distorções que já existiam e nós não conseguimos eliminar. Algumas situações podem ser objeto de crítica, é razoável. Mas a comparação entre o salário da PF e o dos demais servidores mudou completamente. Tem uma relação mais equânime, mais próxima", afirma Bernardo. Em dezembro de 2002, último ano do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, a Fiocruz pagava R$ 1.738,30 a um pesquisador com mestrado e R$ 5.066,66 a quem tivesse doutorado. Já um policial federal recebia até R$ 9.200,00 por mês. Esses números mostram que, de fato, a distância entre carreiras como auditores e policiais federais, com forte lobby em Brasília, e a de pesquisadores diminuiu no governo Lula. Também indicam que esses servidores conseguem se manter no topo das remunerações pagas no setor público. "O Estado tradicionalmente privilegiou as funções ligadas a finanças e gestão durante as reformas do serviço público. Só agora começam a aparecer algumas iniciativas em outras áreas, como educação", diz o professor Caio Marini, da Fundação Dom Cabral. Segundo ele, assim como em empresas privadas, os grupos mais próximos dos centros de decisão têm mais poder de pressão, o que explica uma parte da força de algumas categorias do funcionalismo em obter reajustes maiores. O Ministério do Planejamento argumenta que a situação poderia ser muito pior se o governo tivesse cedido à pressão que começou com a PF e se espalhou pelos advogados e pelos auditores da Receita para a equiparação com o salário de juízes. O governo conseguiu brecar a demanda por remunerações atreladas ao Judiciário, mas teve que ceder a reajustes de até 200% ao longo do governo Lula para essas carreiras. O governo concedeu dois grandes aumentos aos servidores públicos. Um em 2006 e outro no ano passado. Esse último contemplou 90% de todos os servidores federais, beneficiando 1,3 milhão entre ativos e aposentados, além de 600 mil militares. O gasto estimado pelo governo na edição das MPs que promoveram os reajustes era de R$ 47 bilhões até 2012, quando serão concluídos os últimos ajustes. Neste ano, a despesa de pessoal, estimada em R$ 157 bilhões, já responde por quase um quarto de toda a receita da União. Gasto criticado por economistas por não ser possível comprimir depois. Foi por meio das medidas provisórias aprovadas no ano passado que carreiras como a de pesquisadores da área de ciência e tecnologia, em que estão o IBGE e a Fiocruz, conseguiram reajustes. Mas isso só aconteceu depois de ordem expressa de Lula, que determinou a recomposição salarial dessas carreiras. O presidente resistiu às propostas da equipe econômica de postergar esses aumentos diante do agravamento da crise. Lula argumentou que tinha dado sua palavra de que iria corrigir as distorções salariais dessas categorias com menor poder de pressão em Brasília. --------------------------------Folha de S.Paulo 01 08 2009 DRAUZIO VARELLA A gripe que não tem fim Estamos vivendo uma era de pandemias que se iniciou em 1918, com a gripe espanhola O VÍRUS H1N1 causador da gripe atual anda à espreita da humanidade há mais de 90 anos. Estamos vivendo uma era de pandemias que se iniciou em 1918, com a gripe espanhola. Naquele ano surgiu um novo vírus -mais tarde classificado como H1N1- com seus oito genes arranjados num formato que o sistema imunológico humano desconhecia. Pagamos caro pelo desconhecimento: 40 a 50 milhões de casos fatais. É quase certo que esse vírus tenha se originado nas aves e migrado para a espécie humana, quando o acaso agrupou seus oito genes num arranjo tal que a estrutura resultante adquiriu a capacidade de transmitir-se de uma pessoa para outra. À medida que a gripe espanhola se disseminava pelo mundo, trabalhadores rurais transmitiram o vírus para os porcos. Desde então, os H1N1 das gripes suína e humana têm sofrido mutações, arranjos e rearranjos de seus genes, que lhes permitiram sobreviver aos ataques do sistema imunológico de seus hospedeiros, sejam porcos ou humanos. Como na natureza o vírus influenza A não infecta apenas porcos e homens, mas principalmente as aves, as possibilidades de novas mutações e de arranjos genéticos se ampliam de maneira descomunal, em virtude das dimensões do reservatório mundial representado pelas aves domésticas e selvagens. Acostumados a atacar as mucosas que revestem o trato digestivo de milhares de espécies de aves, algumas das quais infectadas ao mesmo tempo por diferentes vírus influenza que trocam fragmentos genéticos uns com os outros, é inevitável que surjam partículas virais com habilidade para sobreviver em hospedeiros de outras espécies. Em 1947, a vacina contra a gripe sazonal daquele ano não protegeu contra a doença. A ausência de atividade ocorreu porque o H1N1 que se disseminou depois da Segunda Guerra apresentava variações em sua estrutura molecular que o tornavam muito diverso dos que circularam antes da guerra. Como por encanto, o influenza A (H1N1) desapareceu do reservatório humano, em 1957. Foi desalojado por um vírus resultante da recombinação de cinco genes do mesmo H1N1 da linhagem de 1918, com outros três genes de origem aviária. As partículas virais resultantes, batizadas de H2N2, provocaram a pandemia de gripe asiática, causadora de cerca de 1,5 milhão de mortes. Em 1968, novas combinações genéticas deram origem ao H3N2, responsável pela terceira pandemia do século 20: a gripe Hong Kong, que provocou quase 1 milhão de óbitos. O H1N1 ressurgiu das cinzas apenas em novembro de 1977, causando epidemias de gripe de pouca gravidade na antiga União Soviética, em Hong Kong e no nordeste da China. Do ponto de vista genético, o vírus guardava relação com o H1N1 que causou gripes sazonais em 1950. Os virologistas admitem que essa reemergência aconteceu graças à liberação acidental de uma amostra do vírus H1N1 isolado na Escandinávia em 1950, e armazenado em laboratório. Está demonstrado que vírus influenza A (H1N1) circulam entre porcos norte-americanos desde os anos 1930, mas não haviam sido isolados em suínos europeus até 1976, quando chegou à Itália um carregamento de porcos americanos. Em seguida, patos selvagens introduziram entre os porcos europeus um novo vírus H1N1. Em 1979, apenas três anos depois da importação, a nova cepa de origem aviária se tornou predominante na Europa. Acontecimentos semelhantes ocorreram na China. Em 1998, foi identificado pela primeira vez em porcos norte-americanos um novo H1N1, com genes resultantes de um triplo arranjo genético: cinco fragmentos de seus genes vinham da gripe suína norte-americana clássica, dois da gripe das aves e um da gripe humana. Entre 2005 e 2009, sugiram pelo menos 11 casos de gripe causada por esse vírus; quase todos entre pessoas que tiveram contato direto com porcos. Em abril de 2009, no final da estação de gripe sazonal do hemisfério Norte, apareceram os primeiros casos da pandemia de H1N1 que agora chega ao Brasil. O agente é resultante de um rearranjo que envolveu seis genes do vírus suíno de 1998 (formado pelo triplo arranjo genético porcos, aves e humanos) e dois genes de vírus suíno originados na Eurásia. É a quarta geração de descendentes do vírus que causou a gripe espanhola. Felizmente, muito menos agressivo do que seus ancestrais. ----------------------------------