ECO e NARCISO

Transcrição

ECO e NARCISO
 Ilustração de Ana Luiza Bilheiro (IAD-UFJF, 2015) a partir de J.W. Waterhouse (1903).
ECO e NARCISO
Eco era uma ninfa muito faladeira, que um dia perdeu a capacidade de iniciar
qualquer conversa. Ela só conseguia devolver as últimas palavras que ouvia. Isso
aconteceu por causa da ciumenta Juno, que, estando várias vezes prestes a
surpreender o seu Júpiter deitado nos montes com as ninfas, era distraída por Eco
com longas conversas. Assim suas amigas escapuliam do flagrante.
Quando a poderosa esposa de Júpiter percebeu que estava sendo engambelada por
Eco, esbravejou: “Já que você não consegue ficar calada e gosta muito de dar a
última palavra em tudo, a partir de hoje, essa sua língua que me enganou terá
muito reduzida a capacidade de falar”.
Desde então, Echo vocem habet sed solum respondere potest. Ela ficava
perambulando pelas fontes e pelos bosques, onde acabaria conhecendo o grande
amor da sua vida.
Nesses mesmos bosques, Narciso, o filho da belíssima ninfa Liríope e do rio
Céfiso, costumava caçar com seus companheiros. Ele possuía tanta beleza que,
aos dezesseis anos, era digno de ser amado pelos mortais e até pelas ninfas.
Quando ele nasceu, sua mãe o levou ao célebre adivinho Tirésias, pois ela queria
saber se o filho teria uma vida longa e próspera. A resposta que obteve foi: “Se ele
não se conhecer, sim!”.
Como sempre, as respostas dos oráculos eram vagas e enigmáticas. O tempo foi
passando até que ninguém mais se lembrava da misteriosa profecia do vidente.
Amado e desejado por todos, Narciso vivia ignorando qualquer um que quisesse
partilhar do seu amor. A sua beleza o havia tornado soberbo e insensível aos
sentimentos alheios.
Um dia, enquanto caçava, Narciso se perdeu do grupo de fiéis companheiros e foi
visto por Eco. A ninfa da voz inflamou-se de amor na hora. Tudo o que ela
queria, naquele momento, era aproximar-se dele com palavras carinhosas, mas a
única coisa que podia fazer era esperar uma oportunidade.
Perdido e assustado no meio do bosque, onde aconteciam incidentes dramáticos,
Narciso gritou: “Tem alguém aqui?” “Aqui!” Responde Eco toda empolgada! Sem
ter certeza do que ouviu, o moço grita novamente: “Quid adest?” Mal ele termina
a frase, a voz responde: “Adest!”. Olhando para todos os lados, sem ver
ninguém, ele insiste: “Vem para perto de mim!”
Enganado pela ilusão da voz que responde, Narciso berra aos brados: “Veni!”
A ressoante Eco, que jamais haveria de repetir outro som com maior prazer, saiu
do bosque toda ansiosa para se jogar nos braços do amado. Mas quando Narciso
viu a ninfa, fugiu desesperado gritando: “Tire suas mãos de cima de mim! Eu
preferiria morrer a entregar-me a você!”.
Saindo dali, muito envergonhada, Eco escondeu o rosto com as folhagens e passou
a viver nas grutas e nas encostas das montanhas. A amargura consumiu o seu
corpo e seus ossos tomaram aspecto de pedra. Nada restou de si, exceto a voz.
Mas não foi só Eco que sofreu com a indiferença do filho de Liríope. Um jovem,
indignado pelo desprezo com que ele retribuía o carinho e a admiração dos
outros, pediu à Nêmesis, a deusa da vingança, para que o soberbo Narciso
sentisse, um dia, o quanto dói amar sem ser correspondido. A deusa ouviu a prece
e atendeu ao pedido.
Certa vez, cansado pelo esforço da caça, sentindo muito calor e sede, Narciso
parou para beber água em uma fonte cristalina. Eis que, ao ver a própria imagem
refletida, se apaixona! Quando ele mergulhou os braços para abraçar a imagem,
ela se desfez ao toque, voltando a se formar depois de um momento.
Totalmente fora de si, enlouquecido pela paixão que aumentava, ele passou a
amar nele mesmo aquilo que os outros amavam! Com a razão perturbada,
Narciso não se alimentava mais e não saía mais dali. Aos poucos, esgotado pelo
amor, ele dilacerou o peito com as próprias mãos e perdeu toda a beleza que um
dia havia encantado Eco. Mesmo assim, ela manteve-se próxima ao amado, e
todas as vezes que o rapaz se lamentava: “Ai de mim!” ela respondia com as
mesmas palavras: “Ai de mim!”. Aos poucos, seu corpo foi consumido por uma
chama oculta.
Até as ninfas choraram a morte de Narciso. Especialmente as náiades, ninfas
das águas, que eram irmãs dele. Quando as outras ninfas vieram preparar o
funeral, no lugar do corpo encontraram uma belíssima flor de centro cor de
açafrão, rodeado de pétalas brancas, que recebe o nome e preserva a memória de
Narciso.
Dizem que mesmo quando a sua alma passou pelo rio Estige, ainda tentava
admirar-se no espelho das águas...
Referência da imagem:
Eco e Narciso, J.W. Waterhouse, 1903
http://www.johnwilliamwaterhouse.com/pictures/echo-narcissus1903/?r=%2fpictures%2fsearch%2f%3fd%3d190

Documentos relacionados

Mito de Narciso

Mito de Narciso permitido, está pronta para ouvir os sons e reenviá-los com as suas próprias palavras. Aconteceu que Narciso se perdeu do grupo dos seus fiéis companheiros e gritou: «Há aqui alguém?» «Alguém» resp...

Leia mais

Narciso - WordPress.com

Narciso - WordPress.com - Fica, peço-te, fica! Se não posso tocar-te, deixe-me pelo menos admirar-te. Assim Narciso ficou por dias a admirar sua própria imagem na fonte, esquecido de alimento e de água, seu corpo definhan...

Leia mais