Boletim N.º 3 - Sindicato dos Jornalistas
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Boletim N.º 3 - Sindicato dos Jornalistas
Observatório de Deontologia do Jornalismo Nº 3 - Junho 2010 Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas ÉTICA, JUSTIÇA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO Processos indemnizatórios agravam constrangimentos à liberdade de expressão Ilustração de Maria Ramos O Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, considera a independência da imprensa face aos poderes político e económico, mas também a sua isenção, como valores intrínsecos à função pública de informar. Pág. 3 O Juiz Desembargador Rui Rangel considera que “a liberdade de expressão não é um direito do jornalista, mas um direito do cidadão, um direito da sociedade”. As suas declarações ao «Observatório de Deontologia do Jornalismo» constituem um libelo a que ninguém escapa. Jornalistas, editores, empresas da comunicação social, justiça e políticos são alvo de críticas acutilantes. Pág. 7 Cada vez são mais frequentes os processos cíveis contra jornalistas por “danos aos direitos de personalidade”, confirmou a Procuradoria-Geral da República. Tais processos, porque constantes e com indemnizações tão elevadas, põem em risco a sobrevivência das publicações e intimidam os jornalistas no seu dever de informar. » Partidos censuram acto do deputado Ricardo Rodrigues CD recebido por todos os grupos parlamentares Rua dos Duques de Bragança, 7E -1249-059 LISBOA - Portugal | http://www.jornalistas.eu/ pág. 12 Observatório de Deontologia do Jornalismo Estes, a par dos que existem pelo crime de “violação do segredo de justiça”, acrescentam uma agravante aos “condicionalismos” à liberdade de expressão dos jornalistas, quer sejam de carácter politico quer económico, o que alguns referem como “auto censura” mas que para outros profissionais é simplesmente “censura” em moldes modernos. Existem dezenas de processos movidos contra jornalistas sempre que aparece um caso que envolve figuras públicas com responsabilidades perante os cidadãos. Devido a uma maior sensibilidade dos magistrados na ponderação dos direitos em causa, alguns acabam por ser absolvidos ou as queixas arquivadas. O dever de informar e o interesse público têm, na orientação da jurisprudência europeia, maior contemplação, com prevalência da liberdade de expressão prevista no artº10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e que foi ratificada por Portugal em 1978. Até Março de 2010, havia uma dezena de casos de condenação do Estado Português por “entraves à liberdade de expressão”, obrigando-o a pagar indemnizações aos jornalistas penalizados pelos tribunais portugueses. Alguns haviam sido absolvidos em primeira instância, mas por recurso da parte queixosa foram condenados em sede de Supremo Tribunal de Justiça. Tais decisões, referem-se maioritariamente à sobrevalorização pelos tribunais portugueses da honra ou o bom nome de políticos, em detrimento do interesse público das matérias noticiosas. É entendimento da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), confirmável nos vários acórdãos emitidos, que qualquer pessoa, incluindo os jornalistas, que exerça o seu direito à liberdade de expressão assume “deveres e responsabilidades”. A protecção daquele artigo não nos isenta de cumprir as leis penais em vigor. A principal conflitualidade incide sobre “violação do segredo de justiça”, “difamação”, e ainda “o segredo profissional do jornalista”, “imagem” e “privacidade”. As queixas tendem a aumentar sempre que se tratem de processos que envolvem figuras do poder político e económico e em casos de “teias” de relações dos chamados “crimes de colarinho branco”, como os casos “Casa Pia” (pedofilia), “Face Oculta” (económico”) “Freeport” (tráfico de influências) e “Apito Dourado” (desporto), entre outros. A que acrescem outros de grande influência com carácter social, politico e diplomático, como o Caso Maddie (desaparecimento de criança inglesa no Algarve). A orientação da jurisprudência europeia tem sido de dar prevalência ao interesse público de informar e, mesmo nos processo de danos aos direitos de personalidade, o sentido das decisões tem resultado da ponderação entre os factos serem verdadeiros e não prejudicarem a investigação eventualmente em curso. A lei portuguesa tutela em geral, no art. 70.º do Código Civil a personalidade individual, determinando a protecção dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física e moral, e especificamente protege no art. 484. º do CC aspectos particulares da personalidade moral, impondo a reparação dos danos causados por “quem afirmar ou difundir facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa singular ou colectiva”. A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, não obstante o respectivo lugar constitucional (arts. 37.º e 38.º da CRP), estão, como outros direitos fundamentais, sujeitas a condições ou limites que são impostos pela consideração de outros valores ou direitos com semelhante dignidade constitucional. No entanto, destacados académicos mantém o entendimento de que há crimes que continuarão a ter supremacia, ainda que haja interesse público na informação descrita como a defesa da honra que, dizem, “se situa no âmbito superior dos direitos de personalidade e é por isso hierarquicamente superior à liberdade de impren- sa” (cf. Jónatas Machado, Liberdade de Expressão: Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, 2002, pág. 767). Sempre que se atinge o “coração do poder político” processos aumentam Um corpo ético e qualitativo jornalístico exige princípios e também leis protectoras da liberdade dos órgãos de comunicação social e dos seus profissionais, alerta a Federação Internacional de Jornalistas, equacionando que os princípios constitucionais são “janelas abertas para a democracia, mas os mesmos exigem que se verifique o seu cumprimento prático”. Sobre esse cumprimento ou falta dele, bem como » 2 Observatório de Deontologia do Jornalismo das infracções à ética e da adequabilidade de leis protectoras da liberdade de expressão, o «Observatório de Deontologia do Jornalismo» ouviu diferentes profissionais de vários órgãos de comunicação social, que se dedicam ao jornalismo de investigação e ao quotidiano judicial, uma das áreas de trabalho mais complexas e que maior quantidade de processos gera. A necessária formação dos jornalistas em áreas específicas e a hipotética revisão de leis, que constituem um paradoxo ao direito de infomar, foram questões transversais a todos os profissionais. Felícia Cabrita, actualmente jornalista no “SOL” e uma das profissionais que já sofreu ameaças físicas quando da investigação do caso Casa Pia (um cameraman chegou a ser atropelado), considera que os processos contra os profissionais de comunicação social “são para nos calarem. São tentativas intimidatórias assustadoras”. Está convicta de que “há pessoas a ressuscitarem a censura, servindo-se de todos os expedientes”. “Somos responsáveis, pois temos deixado que o poder político faça tudo”, considera Felícia Cabrita que diz acreditar agora mais na sociedade civil do que no próprio Estado. Considera que as leis têm sido casuísticas em reacção aos processos mais mediáticos porque “atingem o coração da política”. Refere o exemplo mais recente sobre as escutas, a propósito do “caso TVI/PT”, em que se pretende que só possam ser utilizadas com o consentimento do visado, o que, à partida, se constata ser “uma concepção “Há pessoas a ressuscitarem a censura, servindo-se de todos os expedientes” Felícia Cabrita, “SOL” ridícula”. Mais leis são, em seu entender, desnecessárias, pois elas já estão “contra nós” e, mesmo os poderes intermédios” são de nomeação política como a ERC – entidade reguladora de comunicação social”, exemplifica. Acusa de inércia o Sindicato e o Conselho Deontológico dos Jornalistas e critica a própria classe que se acomoda no silêncio, atitute que, observa, só pode ser de “cumplicidade com o poder político”. “Assistese em directo ao «gamanço», de um gravador, por uma pessoa que por acaso é deputado e que preside à Comissão de Direitos Liberdades e Garantias” e, “ a classe é incapaz de promover um debate “. Sobre a formação dos jornalistas, Felícia Cabrita nota que as camadas mais novas estão preparadas e por vezes até se excedem nas precauções, chegando ao ponto de guardar na cassete a frase de pedir licença para gravar e respectiva resposta confirmativa, pois “já sabem que até por aí os tribunais podem pegar...” E quanto às fontes a proteger, “elas são sagradas”. Recorda que por causa disso o jornalista Manso Preto foi preso. Uma das mais graves faltas dos jornalistas é “o não ‘checar’ as informações”, divulgando-as sem as investigar e confrontar. » PINTO MONTEIRO: Imprensa tem de manter-se “isenta, independente, consciente e preparada” O Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, considera a independência da imprensa face aos poderes político e económico, mas também a sua isenção, como valores intrínsecos à função pública de informar. Convidado pelo «Observatório de Deontologia do Jornalismo», a comentar a suficiência legislativa de garantia da liberdade de expressão e de protecção dos jornalistas, Pinto Monteiro concedeu o seguinte depoimento: “A liberdade de imprensa é hoje considerada um direito fundamental. A imprensa tem a função pública de informar, embora nem toda a actividade da imprensa se revele como um meio adequado e razoável de cumprimento da função pública de informar face ao caso concreto. A liberdade de imprensa é fundamental e contribui de forma relevante para assegurar a transparência da Administração Pública e para alertar não só o cidadão, mas também os poderes instituídos para a necessidade de protecção de alguns face a ilícitos que durante muitos anos tiveram tratamento de desfavor (caso de violência nas escolas, violência contra os idosos, violência doméstica, por exemplo). É importante que se mantenha isenta, independente dos poderes político e económico, consciente e preparada. Só assim cumprirá a função pública de informar.” 3 Observatório de Deontologia do Jornalismo Notou também a existência de falta de ética dos jornalistas entre si: “Já me aconteceu, recentemente. Num trabalho apresentado na SIC, sobre Graça Machel e Nelson Mandela, foi utilizado material meu, feito quando eu estava ainda no ‘Expresso’, sobre mulheres no séxulo XXI e nem sequer houve a delicadeza de me dizerem algo. Fui confrontada com ele, quando olhei para a televisão e vi que a autora era Cândida Pinto... ainda por cima uma fraude que não vem de uma jornalista qualquer...” A jornalista nota que as cláusulas sobre os direitos de autor, quanto ao trabalho jornalístico, deviam ser revistas, pois “há trabalhos que são utilizados por diversas publicações de um mesmo grupo, que são inseridos em diferentes contextos e que, abusivamente, são colados a uma outra coisa”, explicou. É urgente “cordão de segurança ético” de distância entre os jornalistas e o Poder José António Cerejo, do jornal “Público” é peremp- tório: “Actualmente há condicionalismos à liberdade de expressão como nunca houve na última década”. Considera que “os jornalistas tem de ter capacidade para enfrentar as diferentes limitações, que tanto ocorrem na alta política como na pequena frequesia, nas associações patronais ou em pequenas empresas”. Considera que há responsabilidade dos jornalistas que por vezes não estabelecem o necessário “cordão de segurança” no seu relacionamento e envolvimento com as histórias das “fontes”. Em sua opinião as leis existentes são suficientes, embora exista um paradoxo nos processos de natureza cível, aqueles onde as indemnizações são cada vez mais elevadas. São mais fáceis de colocar porque basta que os trabalhos jornalisticos lesem alguém, mesmo se os tribunais até considerem não ter existido qualquer crime, explicou. Enfatizou que “nós, jornalistas, não cometemos crimes. Procuramos a verdade, temos o dever e o compromisso com a busca da verdade”. Mas nota que existem muitas decisões judiciais que não traduzem, no dia a dia, o entendimento da liberdade de expressão. Apesar de se registar uma melhoria, sobretudo sendo cada vez mais raras as ocorrências de condenação por situações que cerceiem a liberdade (TEDH), há ainda grande número de decisões que são intimidatórias. Naturalmente que, “se nós jornalistas incomodamos, é porque há muitos casos que incomodam muito a sociedade”. “Se os jornalistas cumprirem as suas obrigações, haverá mais processos” José António Cerejo, que apesar de também ser muito escrutinado, parece saber conviver bem com as diferentes leis e até “ameaças, quase sempre veladas”. Observa que “o jornalista não é intocável!”. de segurança e não pactuar com situações de promiscuidade. “Andam com esta gente ao colo e depois não se podem queixar. E isto é tão grave como o anonimato da fonte. A sua falta de distanciamento em presença de hierarquias”. O jornalista aponta uma situação recorrente e grave quanto ao anonimato das fontes. “Escreve-se sem que a notícia seja credibilizada com fontes documentais e pessoais, sem uma credibilização exógena... Notícias aparecem sem se perceber de onde vêm, o que na área da justiça acontece muito. Por vezes, as partes não podem ser identificadas e a notícia sem fonte perde credibilidade. Isto é grave porque os jornalistas deixam-se instrumentalizar pelas partes do processo, órgãos da admi- “Se incomodamos, é porque há muitos casos que incomodam muito a sociedade” José António Cerejo, “Público” Verifca-se hoje que houve um percurso de melhoria no desempenho das funções, mas apesar disso, refere, “ainda existem falhas gravíssimas”. Os próprios jornalistas são responsáveis por situações que são muitas vezes a origem dos condicionamentos à liberdade de exercicio da actividade e tem a ver com a facilidade – um problema que não é de agora – com que se envolvem com o poder politico, quando tinham obrigação de manter um cordão nistração judicial, polícias ou Ministério Público”. “Há empresas de comunicação social a quem não interessa que se incomode os poderes que para aí andam a incomodar os amigos, os primos e os afilhados dos partidos. Apesar de dizerem que estão interessadas no aprofundamento das notícias, há quem não queira”. José António Cerejo adverte: “Aos jornalistas compete aquilatar se as informações são importantes e a qual a perspectiva a » 4 Observatório de Deontologia do Jornalismo divulgar pela notícia”. Considera que “os profissionais, em geral, têm consciência dos condicionalismos existentes, mas por causa da sua subsistência procuram ‘não fazer ondas’ e era bom que houvesse atitutes de denúncia, de forma mais colectiva”. Auto-censura dentro das redacções mina a isenção do trabalho noticioso Carlos Lima, do “Diário de Notícias”, argumenta que “temos liberdade de expressão, mas não podemos esquecer que o respeitinho é muito bonito” e observa que “é preciso uma linguagem cuidadosa”. O maior risco dos jornalistas, nota, ocorre quando os processos “sobem de patamar”, mais na área política do que económica. Explica que se os processos forem sobre as ocor- rências de negócios ilícitos da noite lisboeta ou os chamados “crimes pé de chinelo” “ninguém se preocupa”, ao contrário dos casos “Freeport” ou “Face Oculta”. Aí, diz, começam a “chover queixas de violação de segredo de justiça”. Acrescenta que “os jornais ainda não se interessaram pela justiça fiscal e administrativa... das grandes contas...” Em sua opinião, a exigência da verdade sobrepõe-se a qualquer receio pelo segredo de justiça e acresenta: “O que tem de ser será!” Denuncia o que considera “auto-censura”, muitas vezes fomentada nas próprias redacções dos respectivos órgãos de comunicaçao social, onde há profisisonais de comunicação social que têm o hábito de di- zer: “Olha, fulano é primo de beltrano, aquele é presidente da empresa x que por sua vez é irmão de y” e isso, “gera um auto-constrangimento ao jornalista que está a escrever sobre um caso polémico”. Uma das brechas recorrentes nesta actividade jornalística de investigação na área da justiça é a não “audição das partes atendíveis” envolvidas na história a relatar, o “contraditório”, como se diz comumente e erradamente, pois é um termo do processo jurídico, obrigatório. Algumas devem-se à recusa dessas envolventes em falar, ou ao facto do tempo da feitura do próprio processo ser incompativel com o tempo mediático. O nosso meio, refere, é um espaço onde quem tem a notícia não a deve guardar para o dia seguinte, por causa da concorrência dos média entre si. Tânia Laranjo, jornalista que trabalha no “Correio da Manhã”, no Porto, e sobre quem também têm recaído vários processos, alerta, pela sua experiência, que mesmo os que cobrem a diversidade de temas de justiça diariamente “enfrentam muitos obstáculos”. Também ela já sofreu muitas ameaças fisicas que a obrigam a recorrer a recursos engenhosos de livre circulação e segurança. Acusa o que considera de “marcação cerrada” de entidades, sobretudo advogados de constituintes, sempre os mesmos, que se queixam dos mais pequenos pormenores, ainda que os factos sejam verdadeiros. Em seu entender, existem leis que precisavam de ser revistas, pois o recurso a processo cível leva a que os cidadãos no uso dos seus direitos recorram sempre que se sintam ofendidos por verem aspectos menos bons das suas vidas no dominio público. “Querem preservar uma ilusória imagem social que não praticam e, ainda que os factos sejam verdadeiros, os jornalistas são frequentemente condenados. Não raras vezes é subestimada a devida apreciação do interesse público”. Da parte da justiça “existe liberdade de informação”, mas Tânia Laranjo considera que a área é cada vez mais intrincada de complexidades sociais e a informação jornalistica não espera pela morosidade processual. Em sua opinião “há ainda desconhecimento de alguns magistrados sobre o que é o trabalho dos jornalistas”. Conta que um dia, respondendo em tribunal, um juiz lhe perguntou: “Porque é que não guardou o » “Fulano é primo de beltrano, aquele é presidente da empresa x que por sua vez é irmão de y” e isso, “gera um autoconstrangimento” Carlos Lima, “Diário de Notícias” 5 Observatório de Deontologia do Jornalismo “Há ainda desconhecimento de alguns magistrados sobre o que é o trabalho dos jornalistas” Tânia Laranjo, “Correio da Manhã” comunicado da GNR?”. Ora, o comunicado referido “tinha acontecido há seis anos...”, comenta. A jornalista considera que os orgãos de comunicação social devem dar sucessivas formações aos seus jornalistas que cobrem estas áreas e, embora se tenha melhorado, refere que existem ainda muitos profissionais que não tem a noção da complexidade das leis que formam um “colete de forças” em torno do trabalho dos jornalistas. Outro profissional que pediu para não ser identificado, para “evitar pretexto para eventuais reparos das chefias” no órgão de comunicação social onde trabalha, afirma que a maior parte dos jornalistas que hoje cobre a área de justiça”, senão tem a licenciatura em Direito, possui formações adequadas à área em que se especializaram. “Têm conhecimento perfeito das leis, mas, muitas vezes preferem violar o segredo de justiça, porque a verdade tem de se saber”. Questionado sobre a ética e o respeito pelo Código Deontológico, o mesmo profissional acrescentou que este tipo de infracções “irá acontecer sempre”, porque “os casos são cada vez de maior complexidade e a sua tendência é de aumentar”. Salienta que as infracções à ética se devem também às pressões que os directores exercem sobre os jornalistas e à exigível rapidez da publicação das notícias, a qualquer custo, porque quer ser “o primeiro a noticiar”. Mas “o preço final é sempre o jornalista a pagar!”. Otília Leitão LEIS É exigível fazer o “trabalho de casa” A Constituição da República Portuguesa consagra a liberdade de expressão e informação, a liberdade de imprensa e meios de comunicação social, a regulação da comunicação e dos direitos de antena, de resposta e de réplica política (artigos 37º, 38º, 39º e 40º). Embora os direitos constitucionais constituam “uma janela para a democracia”, é preciso uma verificação constante do seu cumprimento e do balanceamento com outras leis gerais penais e cíveis e daquelas que são específicas da tipicidade de cada órgão como im- prensa, televisão e rádio. Em 2007, a continuação da produção legislativa na área de comunicação social com a revisão de várias leis, suscitou fortes criticas que tomavam como centro “um excesso de regulações” e que do ponto de vista da liberdade vieram agravar o desempenho dos profissionais de comunicação social. O jornalista possui o seu Código Deontológico, que deve cumprir escrupulosamente, e está sujeito a auto-regulação, como é o caso do Conselho Deontológico, e ainda a sistemas de regulação da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e Entidade Reguladora de Comunicação Social (ERC), além do escrutínio final do próprio público/leitor. O conhecimento dos direitos mas também dos deveres, impostos ou autoatribuídos, são um imperativo ou resultam de normas de conduta da profissão. O núcleo central das leis que regem a profissão e a actividade são as seguintes: A Constituição da República Portuguesa (revista em 2005) art. 26.º e art. 37.º e seguintes; A Lei da Imprensa (Lei n.º 2/99 de 13 de Janeiro de 1999, alterada pela lei 18/2003 de 11 de Junho); O Estatuto dos Jornalistas (alterado pela Lei 64/ 2007de 6 de Novembro); Estatuto Disciplinar do Jornalista (DR 2º Série, nº180 – 17 Setembro de 2008; Código Civil, art. 70.º e seguintes, art. 484; Código Penal, art. 180.º e seguintes (alterações lei 59/2007); Código de Processo Civil, art. 381.º e seguintes; Código de Processo Penal (alterações Lei 48/2007). 6 Observatório de Deontologia do Jornalismo RUI RANGEL “A liberdade de expressão é um direito do cidadão” O Juiz Desembargador Rui Rangel considera que “a liberdade de expressão não é um direito do jornalista, mas um direito do cidadão, um direito da sociedade”. As declarações de Rui Rangel ao «Observatório de Deontologia do Jornalismo», obtidas mediante perguntas escritas, constituem um libelo a que ninguém escapa. Jornalistas, editores, empresas da comunicação social, justiça e políticos são alvo de críticas acutilantes. O juiz desembargador faz o diagnóstico do estado do jornalismo no seio das empresas do sector e na sua relação com os poderes, políticos e económicos, e com a justiça. O seu discurso será para uns lúcido e incisivo e, para outros, uma diatribe. Vale pela reflexão que suscita e pelo debate que pode proporcionar. Com frontalidade afirma que “os homens que estão à frente da democracia por vontade do povo manipulam a verdade, convivem mal com a liberdade de expressão e estão pouco interessados em fomentar debates”. Mas também não poupa nas palavras dirigidas à justiça, esse “poder majestático que pensa que é” e considera não ter que “dar explicações”. Critica os jornalistas, os quais nem dez sabem “os 10 Mandamentos do seu Código Deontológico”. Pronuncia-se também sobre a lei da concentração da propriedade das empresas de comunicação social, que “é uma vergonha”, assim como o pluralismo que «não existe ou se quiser existe mas não se dá por ele.” Rui Rangel considera que esta “é a selva na sua magnitude.” Observatório de Deontologia do Jornalismo — Existem na actualidade muitos processos contra jornalistas? É verdade que os queixosos recorrem mais ao processo cível, normalmente por difamação ou ofensa ao bom nome, para obter indemnizações? Rui Rangel — Existem alguns processos contra jornalistas mas não os suficientes para atenuar e combater os abusos que são cometidos muitas vezes pelos jornalistas, designadamente, quando fazem uma utilização abusiva do direito de informar e ser informado e da liberdade de expressão que existe no interesse do cidadão e não do jornalista. É verdade que recorrem mais à instância civil do que criminal porque os critérios de fixação das indemnizações são outros, sendo esta sempre ou quase sempre mais elevada. No processo criminal também podem ser fixadas indemnizações. Mas ainda somos um País miserável na fixação das indemnizações e os tribunais têm também responsabilidades neste estado de coisas. O crime (ex: com a venda do jornal) não pode compensar. Os jornalistas estão mal informados sobre as leis a que devem respeito, ou o seu incumprimento ou atentados à ética devemse aos diferentes tempos e velocidades da justiça e dos média? Pode exemplificar casos de irregularidades frequentes de particular gravidade? Costumo dizer aos meus alunos e nas conferências que faço para jornalistas Os atropelos são cometidos “pelo estado da comunicação social em Portugal; pela concorrência louca” que não existem dez jornalistas a saberem os 10 Mandamentos do seu Código Deontológico. Conhecem muito mal as leis, estando, por isso, mal informados. Normalmente os atentados à ética jornalística são cometidos pelo próprio jornalista por não fazer o trabalho de casa e não cumprir com a sua legis artis. Os atropelos aos direitos de personalidade, máximo, direito ao bom nome, à imagem, à privacidade e à reserva da vida privada são cometidos não por existirem diferentes tempos e velocidades entre a justiça e os média. Mas pelo estado da comunicação social em Portugal; pela concorrência louca entre os diferentes órgãos de comunicação social pela disputa de um bolo publicitário exíguo; pela falta de formação ética e deontológica do jornalista, apesar de terem um código; pela deficiente formação académica no que toca à ética e deontologia; pela ausência de um Código de ética para as empresas de comunicação social; e pela disputa a qualquer preço das audiências. Haverá um “emaranhado” de leis que » 7 Observatório de Deontologia do Jornalismo torpedeiam a liberdade de expressão, e por causa disso, os bons advogados sabem jogar com elas e obter proventos que os seus clientes desejam? Há um excesso de leis que torna por vezes incompreensível e confuso todo o edifício legislativo. Mas não é esse excesso de leis que torpedeia a liberdade de expressão. A liberdade de expressão está muito bem consagrada na lei, quer na Constituição, quer na lei ordinária, quer na lei específica. O Segredo de Justiça é ou não uma “falácia” no contexto comunicacional? Não. O segredo tem razões que justificam a sua existência apesar das constantes violações. A colisão constante entre direitos não me preocupa. Essa colisão sempre existiu e está muito bem tratada na leitura e aplicação do nosso regime jurídico-constitucional. Quer o segredo de justiça, quer a liberdade de expressão gozam de igual protecção constitucional. Em caso de colisão deve recorrer-se à casuística para saber qual deles deve prevalecer. Nenhum destes direitos são absolutos num Estado de Direito Democrático. A liberdade de ex- pressão não é um direito do jornalista, mas um direito do cidadão, um direito da sociedade. Ainda estamos a crescer neste domínio de relações. Aqui a culpa não morre solteira. É de todos. A lei portuguesa protege os média das interferências e proibições de todas as formas governamentais de censura? Não. Cada vez mais o jornalista, que não os média, estão dependentes das várias formas de censura governamental. No domínio das empresas detentoras de órgãos de comunicação social a lei portuguesa é muito frágil e macia. As empresas de comunicação social obedecem a uma lógica pura e dura da procura do lucro. Pouco interessa a ética e a deontologia do jornalista. E a maioria estão dependentes do mundo financeiro que as sustentam por isso não conseguem nem querem fazer frente às formas de censura do governo. Já não falando nos jornalistas avençados que também são uma porta aberta à censura e às interferências e proibições. Enfim é um mundo que está podre. Como interpreta a existência de vários casos em que o Tribunal Europeu vem condenar Portugal “Os editores são a voz do dono e estão pouco preocupados com a violação dos direitos de autor e com a liberdade de expressão” “As empresas obedecem a uma lógica pura e dura da procura do lucro. Pouco interessa a ética e a deontologia” por restrições à liberdade de expressão em vários casos de penalização de jornalistas pelos tribunais portugueses? Em primeiro lugar é verdade que só vi em Portugal jornalistas a serem condenados por violação do segredo de justiça. Ainda não vi ninguém de dentro do sistema de justiça a serem julgados e condenados. Não quero morrer sem ver. Os de dentro do sistema são os principais causadores da violação do segredo de justiça. Quanto ao Tribunal Europeu impera ainda uma cultura muito marcada pela história. Por um mundo dividido em blocos, saído da guerra, onde não existia liberdade de expressão. Foi neste contexto que se criou o Tribunal Europeu. O mundo mudou e muito e essa mudança ainda não chegou a este tribunal. A melhor doutrina é aquela que é praticada pelos tribunais portuguesas. Em cada momento deve procurar-se analisar qual dos direitos deve prevalecer. Nem a liberdade de expressão deve prevalecer sempre sobre o segredo de justiça e sobre o bom nome das pessoas nem o contrário. O Tribunal Europeu tem uma cultura fundamentalista muito virada para a protecção da liberdade de expressão a todo o custo. E não pode ser assim. A lei sobre o direito dos jornalistas a protegerem as suas fontes confidenciais, é suficiente, mesmo se obriga a divulgação em caso de crime, deixando ao critério do juiz essa qualificação, ou deveria ser revista? Em democracia não existem leis absolutas. Penso que a lei sobre o direito dos jornalistas a protegerem as suas fontes é suficiente. O mal está na regra e na má prática jornalística. A regra passou a ser a fonte anónima (não identificada) quando devia ser o contrário. A regra deontológica é de identificação sempre da fonte. Só em caso de perigo ou outra razão ponderosa para a fonte deve justificar o anonimato. Muitas vezes é o próprio jornalista que oferece o anonimato para conseguir primeiro a informação para depois dar a notícia. É grave esta prática e daí não há direito que resista. Em caso de crime grave ou de manipulação e instrumentalização do jornalista é difícil sustentar as fontes. Os direitos de autor, no que concerne aos jornalistas, permitem abusos na utilização do trabalho noticioso. Esses artigos (artigos 7º e 7ª) que permitem a manipulação » 8 Observatório de Deontologia do Jornalismo desse trabalho, às vezes com cortes pelos editores que alteram os conteúdos, deveriam ser revistos? A resposta só pode ser positiva. Existem de facto muitos abusos e constantes violações dos direitos de autor no que concerne ao jornalista. Já este problema pode tornar-se de difícil resolução no caso do abuso ser praticado dentro do mesmo grupo empresarial. Fora nunca. A lei aqui devia ser mais clara e melhorada para proteger o trabalho do jornalista e impor regras mais rigorosas aos pequenos napoleões que existem e comandam as linhas editoriais. Os editores são a voz do dono e estão pouco preocupados com a violação dos direitos de autor e com a liberdade de expressão na sua forma mais genuína. A protecção da privacidade tem sido devidamente equilibrada com os direitos dos jornalistas? Não. Temos todos muito pouco amor pela privacidade dos outros e pela protecção dos direitos de personalidade. A lei é equilibrada. A prática não. Todos os dias a privacidade é violada e sem grandes consequências. O crime, a notícia, aqui compensa porque os tribunais também não fazem o seu papel com condenações exemplares em termos financeiros. A regra é, primeiro publica-se e depois logo se vê. Sem fazer o trabalho de casa, sem ouvir o visado e sem fazer o cruzamento das fontes. Há medidas legais de “OS CRIMES DOS JORNALISTAS” Indemnizações já chegam aos 500 mil euros O livro «Os Crimes dos Jornalistas - Uma Análise dos Processos Judiciais contra a Imprensa Portuguesa», da autoria da jornalista e docente Cláudia Araújo, foi apresentado no dia 30 de Junho, na Almedina, em Coimbra. Trata-se da tese de mestrado da autora, defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. No estudo, o “crime de difamação” é o que tem maior peso nos processos, enquanto “o crime de violação do segredo de justiça, com o surgimento de um maior número de casos mediáticos na justiça, começa já a ter também alguma expressão.” O valor dos pedidos de indemnização tem vindo a aumentar nos últimos anos, com montantes que “alternam, em média, entre os 25 mil e os 100 mil euros, tendo, no entanto, já atingido os 500 mil euros”. A autora constata que a classe política, os empresários e as “Os homens que estão à frente da democracia […] manipulam a verdade, convivem mal com a liberdade de expressão” protecção ao pluralismo que combatam a concentração da propriedade de órgãos de comunicação social? a uma informação pública através de um serviço próprio adequado às exigências de uma sociedade de informação? A lei que existe neste domínio é uma vergonha. Por isso temos a concentração que temos. O pluralismo não existe ou se quiser existe mas não se dá por ele. A lei favorece também a concentração encapotada. É a selva na sua magnitude. Não. A justiça não gosta de comunicar e de dar explicações. Como poder majestático que pensa que é considera que não tem que dar explicações. Tremendo erro. Esta cultura só serve para tentar defenderse dos seus erros e das suas fraquezas. Não existe esta preocupação. Não há gabinetes de empresa para fazer este papel. Nem o Conselho Superior da Magistratura tem esta preocupação. » Há liberdade de informação na área da Justiça? Podem os cidadãos e os jornalistas ter acesso personalidades públicas são aquelas que instauram mais processos à imprensa. O caso Freeport, em que o primeiroministro José Sócrates instaurou, em Abril de 2009, nove processos contra jornalistas (cinco da TVI, três do “Público” e um do “Diário de Notícias”), é apontado como exemplo. O recurso ao direito de resposta é também focado no estudo que refere que “as pessoas que instauram processos judiciais contra os média muito raramente utilizam o direito de resposta. Relativamente ao aumento considerável de processos contra a imprensa portuguesa, o grupo Cofina “é aquele que enfrenta maior número de processos (média de 400 por ano)”. Nele, o “Correio da Manhã” destaca-se com os seus cerca de 200 processos por ano. No grupo Global Notícias, que enfrenta em média 80 processos por ano, 40 por cento dizem respeito ao “Jornal de Notícias” e outros 40 por cento ao “24 Horas”. O “Público”, que já chegou a ter 18 processos, tem vindo a diminuir nos últimos anos. OL 9 Observatório de Deontologia do Jornalismo Aqui pararam no tempo. A justiça precisa da comunicação social séria, isenta e responsável. A justiça só se torna mais autêntica, mais transparente e mais verdadeira se chegar ao cidadão e ser for compreendida por este. E aqui os média têm um papel fundamental. Quem não percebe isto não percebe nada nesta vida de comunicação por excelência. Deveria o Estado fomentar o debate com a sociedade civil, de forma transparente, e de acordo com as leis internacionais de defesa da liberdade dos órgãos de comunicação social, sobre a impunidade dos atentados à ética jornalística e também daqueles que limitam o seu trabalho, infringindo a liberdade de expressão? Claro que sim. Mas o Estado só está preocupado com o combate ao défice orçamental. Só as contas públicas é que são importantes. Tudo isto são assuntos menores. O Estado está colonizado pelas questões financeiras. As instâncias financeiras e bancárias tomaram conta do Estado. Já pouco nos resta enquanto Estado e enquanto Nação. Os homens que estão à frente da democracia por vontade do povo manipulam a verdade, convivem mal com a liberdade de expressão e estão pouco interessados em fomentar debates para discutir questões que têm que ver com a dignidade do homem. Processos com história Vicente Jorge Silva, Eduardo Dâmaso, António Laranjeira e Manso Preto, entre outros jornalistas, viram reconhecidos os seus direitos em tribunal. Em três casos, o Estado português foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e outro aguarda a decisão. Difamação — Em 2000, Portugal foi condenado, pela primeira vez, por violar a liberdade de expressão num processo apresentado por Vicente Jorge Silva. O então director do “Público” escreveu em editorial, na edição de 10 de Junho de 1993, sobre a opção do CDS candidatar Silva Resende à Câmara de Lisboa. O jornalista foi alvo de queixa-crime, por difamação, e, em 1995, absolvido. O queixoso recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa e Vicente Jorge Silva seria condenado, por abuso de liberdade de imprensa. O Tribunal Constitucional negou provimento a um recurso do jornalista que, em 1997, queixarse-ia ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). Para o Tribunal Europeu, os escritos do jornalista eram “polémicos”, mas não “um ataque pessoal gratuito’, porque o autor dava “uma explicação objectiva”. “A invectiva política extravasa, por vezes, para o plano pessoal”, mas estes são os riscos do jogo político e do debate livre de ideias, garantes de uma sociedade democrática”, refere o TEDH (fonte Teixeira da Mota). Segredo de Justiça — Uma notícia do “Públi- co”, de Eduardo Dâmaso (1998), processo concluído em 2008 pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, teve como desfecho a condenação do Estado Português. Dâmaso foi alvo de condenação do Tribunal de Esposende, confirmada na Relação de Guimarães, por ter revelado a acusação do deputado do PSD Nuno Delerue, por crimes fiscais e outros. Eduardo Dâmaso assumiu em julgamento o seu conhecimento da lei que proibia a divulgação da acusação, mas tinha considerado mais importante o exercício do direito/dever de informar. O TEDH considerou que o papel do jornalista de investigação é o de informar e de alertar o público. Segredo de justiça e difamação — Em Janeiro de 2010, o Tribunal Europeu condenou o Estado português por entraves à liberdade de expressão, considerando a supremacia do interesse público. A decisão surge dez anos depois da notícia que lhe deu origem no “Noticias de Leiria”, em 2000. “Foi feita justiça e reposto o meu bom nome profissional, além de que é defendida de forma clara e inequívoca a liberdade de expressão e o jornalismo”, disse António Laranjeira. Em causa estava um trabalho noticioso que revelou suspeitas sobre um médico, dirigente local do PSD, por abuso sexual de uma paciente. A condenação havia sido confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por violação do segredo de justiça e difamação. Em 2008, foi proposto um acordo extrajudicial, mas António Laranjeira recusou. “Só seria feita justiça com uma sentença” (in Veritas, revista justiça). Difamação pessoa colectiva - O “Público” foi condenado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) na acção indemnizatória que o Sporting Club de Portugal lhe moveu. “Funcionou como o toque a rebate de todo o jornalismo português (...), foi o começo deste tempo novo por parte de quem percebeu que os conceitos comunitários também vão chegando a Portugal” – (lêse no discurso do Presidente do Supremo Tribunal na abertura do Colóquio de Direito Penal e Processo Penal). Em Setembro de 2007, foi apresentada pelos jornalistas e pelo “Público” uma queixa contra Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem » 10 Observatório de Deontologia do Jornalismo por esta decisão do STJ violar a liberdade de expressão, queixa que ainda não foi julgada. Carina Ferreira vítima de informação pouco exigente Protecção da fonte – O jornalista Manso Preto foi absolvido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 2005, depois de ter sido condenado em primeira instância, “por desobediência”, a 11 meses de prisão (com pena suspensa a três anos), por se recusar a divulgar a identidade de uma fonte de informação. Na ocasião a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) considerou que tal facto “aumenta os receios entre os jornalistas de uma crescente tendência global de ataques ao direito de protecção das fontes”. O acordão considerou que o jornalista “não estava obrigado a prestar testmunho” porque, neste caso, foi “preponderante o seu direito à manutenção do sigilo profissional”. O tratamento noticioso do desaparecimento da jovem Carina Ferreira a 1 de Maio e encontrada morta, a 8 de Junho, amarrada ao cinto dentro do seu carro numa ravina, suscita uma reflexão aos jornalistas no sentido de maior ética e rigor investigativo. As primeiras notícias davam conta de que «Carina Ferreira desapareceu no sábado, dia 1 de Maio. A jovem saiu de casa poucos minutos antes das 22 horas em direcção ao Clube de Caça e Pesca do Alto Douro (CCPAD), onde tinha combinado encontrar-se com uma amiga e a irmã, mas não chegou ao local combinado». A Policia Judiciária do Porto clarificou, após autópsia da vítima, que os indícios apontam para um acidente de viação que a fez cair de uma ribanceira junto à A24, perto de Lamego: «Ponderámos a possibilidade de ser um desaparecimento voluntário, ou porque pretendia sair do ambiente em que vivia ou por eventual suicídio». A outra hipótese que surgiu foi a de «um desaparecimento involuntário (em que Carina tivesse sido) vítima de um acidente ou de um crime». É legítimo questionar porque a Policia Judiciária apenas descobriu um mês depois, após informações sucessivas admitindo as mais diversas hipóteses e buscas em locais distantes do percurso anunciado. Durante várias semanas veiculou-se a suspeita de assassínio, rapto ou suicídio, teses que foram sendo alimentadas pelo “esquadrinhar” de aspectos da vida privada da jovem de 21 anos. Muitas dessas informações foram veiculadas pelas autoridades envolvidas e outras resultaram de desabafos, daqueles típicos e que resultam das emoções. Em vários jornais liamse informações a induzir suspeições. «Ela tinha um relacionamento com um militar das operações especiais», que foi ouvido e mandado em paz. Num jornal nacional, o “Diário de Notícias”, uma semana depois do incidente lia-se: «Um dos muitos comentários nas redes sociais dá conta que a jovem teria tido “um desentendimento com um dos frequentadores do Clube de Caça e Pesca, onde trabalhava”. Porém, nem a PSP, que registou a queixa do desaparecimento apresentada pelos pais, nem a PJ corroboraram este facto». Os jornalistas foram embarcando, tomando também como fontes comentários em redes sociais, incorrendo em comportamentos pouco rigorosos, sem serem exigentes. Agora é a vez de suspeitar que houve alguma negligência da polícia. O tio da vítima Manuel Catarino criticou as autoridades que «deviam ter dado ordens para que um helicóptero fizesse o mesmo trajecto que a Carina costuma fazer». OL “Formação piloto” na Universidade de Coimbra A Universidade de Coimbra vai realizar um curso de Verão, de 30 de Agosto a 3 de Setembro, para formadores de jornalistas, escolas de Jornalismo e organizações formativas europeias, em cooperação com o Conselho da Euro- pa e a Agência Europeia de Direitos Humanos. Esta “formação piloto” agregará 30 participantes e pretende abordar a liberdade de expressão, o respeito pela diversidade cultural e religiosa, bem como iniciativas anti-discriminatórias. Em causa está uma melhor compreensão dos direitos humanos e a sua reflexão nos trabalhos noticiosos. OL 11 Observatório de Deontologia do Jornalismo Partidos censuram acto do deputado Ricardo Rodrigues CD recebido por todos os grupos parlamentares Os partidos com assento na Assembleia da República censuraram o acto praticado pelo deputado Ricardo Rodrigues que furtou dois gravadores a jornalistas da «Sábado». A posição foi expressa ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, no decurso de contactos estabelecidos em Junho com todos os grupos parlamentares. Não expressaram, porém, posição unânime na apreciação do caso pela Assembleia da República. Todos os partidos assumem que não têm competência para sancionar o comportamento pessoal dos deputados, mas quatro dos grupos parlamentares pronunciaramse favoravelmente a que a atitude do deputado do PS fosse discutida. Essa era, de resto, a posição do Conselho Deontológico (CD) quando instou a comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a pronunciar-se sobre a violação dos direitos e liberdades dos jornalistas da «Sábado». Todavia, aquela comissão remeteu o pedido do CD para a comissão parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura. Esta primeiro e a outra comissão depois, após segunda solicitação do CD, acabaram por alegar não ter competência para se pronunciarem. Fernando Negrão, acompanhado por mais quatro deputados do PSD, afirmou à delegação do CD que devia ter sido tomada uma posição política na Assembleia da República sobre o caso. Acrescentou que outros partidos não tiveram o mesmo entendimento. Admite que o caso seja retomado em plenário quando for discutido o projecto de requerimento que apresentaram com vista à aprovação de um código de conduta dos deputados ao parlamento e à criação de um Conselho de Ética e de Conduta, como órgão consultivo do Presidente da Assembleia da República e na sua dependência. Cecília Meireles, deputada do CDS/PP, afirmou também que o assunto devia ter sido discutido na Comissão de Ética. Aduziu, inclusive, que o partido sugeriu que o Presidente da Assembleia da República se pronunciasse. Também a deputada Helena Pinto, do BE, considerou que o furto dos gravadores devia ter sido discutido na Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. O Partido Ecologista Os Verdes, onde o CD foi rece- bido por Joaquim Correia, assessor do grupo parlamentar, exprimiu a posição de que o caso deveria ter sido tratado na Assembleia da República. O grupo parlamentar do PCP, onde o CD foi recebido pelos deputados António Filipe e Rita Rato, considerou inviável a discussão nas comissões, atendendo a que a Assembleia da República não tem competência para sancionar o comportamento dos deputados. A posição do PS foi contrária à discussão do caso nas comissões, segundo posição expressa por Francisco Assis e Inês de Medeiros, que receberam a delegação do CD. O líder parlamentar admitiu, porém, que o acto de Ricardo Rodrigues «em si é censurável» e «é irrepetível». O deputado «não devia ter feito aquilo», mas Francisco Assis sentiu-se na necessidade de defender a pessoa, que estava a ser atacada de todos os lados. Cecília Meireles, do CDS/PP, censurou e repudiou a atitude de Ricardo Rodrigues, posição idên- tica expressou ao CD Helena Pinto. A deputada do Bloco de Esquerda considerou o acto do deputado do PS como um atentado à liberdade de imprensa. António Filipe, do PCP, reputou o acto como «absolutamente condenável». Disse também que o furto dos gravadores foi condenado pelo partido e por si próprio num blogue pessoal. O Conselho Deontológico considera positiva esta ronda de contactos e a troca de opiniões com grupos parlamentares, a quem recorreu após ter deplorado a decisão tomada pelas duas comissões parlamentares. A iniciativa visou sensibilizar os partidos políticos com assento no parlamento para tentativas futuras de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. E expressou-lhes a sua frontal oposição a quaisquer actos que configurem restrições à liberdade de informação. Entretanto, está em apreciação pela Provedoria da Justiça uma queixa que o Conselho Deontológico apresentou contra o deputado Ricardo Rodrigues, membro da Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Iniciativa legislativa Durante a audiência com o PCP, a deputada Rita Rato informou que o grupo parlamentar do partido vai apresentar um projecto-lei de alteração ao Estatuto do » 12 Observatório de Deontologia do Jornalismo Jornalista com o objectivo de consagrar os direitos de autor e reforçar as competências dos conselhos de redacção. Francisco Assis e Inês de Medeiros, durante a audiência concedida, afirmaram o seu empenho em defender a liberdade de imprensa. A deputada salientou que o partido intentou promover o debate sobre a liberdade de imprensa associada, designadamente, à preca- riedade, à concentração de empresas e ao chamado jornalismo cidadão, mas os outros partidos centraramse no caso TVI. Anunciou que o PS tenciona futuramente promover esse debate em jornadas parlamentares, tendo os deputados convidado o Conselho Deontológico a participar. O CD disse estar disponível para tomar parte em todos os debates que contribuam para sal- Massacre da liberdade Anna Finocchiaro, do Partido Democrata que lidera a oposição no Senado italiano, qualificou de «massacre da liberdade» a aprovação do projecto-lei de Silvio Berlusconi sobre escutas telefónicas. A oposição acusa Berlusconi de querer «proteger os criminosos e liquidar a liberdade de informação», segundo noticiou Barbara Trionfi, do Press Freedom Adviser. A lei, que suscitou grande controvérsia, restringe as escutas telefónicas e impõe pesadas multas aos jornalistas que publicarem as gravações. Em votação realizada no passado dia 10, a lei foi aprovada com 164 votos a favor. Do total de 323 senadores, apenas 189 estavam na sala no momento da votação. Aos magistrados são impostas restrições à utilização de escutas telefónicas e aos jornalistas é vedada a publicação das gravações. Barbara Trionfi salienta que há a convicção de que esta lei foi ditada pelo desejo dos políticos evitarem alegações embaraçosas sobre a sua vida privada, mais do que a intenção declarada de preservar a privacidade dos cidadãos comuns. A lei estabelece uma pena até 450 mil euros às editoras e 30 dias de cadeia e o pagamento até dez mil euros aos jornalistas que publiquem material obtido por escutas telefónicas antes do início do julgamento. David Dadge, do Instituto Internacional de Imprensa, citado por Trionfi, afirmou-se desapontado pela aprovação de uma lei no Senado que «põe em risco a livre circulação da informação e o direito dos jornalistas a relatarem matérias de interesse público. A lei terá de ser agora votada no parlamento italiano e Dadge apelou aos deputados que vetem a lei e defendam «os princípios da liberdade de expressão e informação consagrados na Constituição italiana». vaguardar os direitos dos jornalistas. A garantia dos direitos permite aperfeiçoar a qualidade do jornalismo. E o bom jornalismo assegurará, por certo, o cumprimento da sua função social, que implica também dar um contributo para que a qualidade da política melhore. Francisco Assis considerou que a degradação da qualidade do jornalismo anda a par com a degradação da qualidade da política e que a democracia precisa que uma e outra situação se altere. O CD foi recebido pelos partidos entre 4 e 17 de Junho. Ana Machado, Etiano Branco, Orlando César e Otília Leitão, membros do CD, participaram nos contactos com os grupos parlamentares. Conselho Deontológico O RIGOR E A CREDIBILIDADE: A não é igual a B Faz parte dos princípios básicos do jornalismo que o rigor é tão importante, que uma simples distracção na troca de nomes, denota a ausência dele e descredibiliza a notícia. Ou seja trocar o A pelo B, não é a mesma coisa. Aconteceu com a capa da edição 37 da revista “País Positivo”, publicação bimensal, distribuída encartada num jornal diário de referência. Numa entrevista ao presidente do Inatel, por certo uma figura pública reconhecida, e sobre a sua foto com a dimensão de um “A4”, o título “Inatel investe 10 milhões e contribui para a recuperação económica”, lê-se: Entrevista com Vítor Carvalho, presidente do Inatel”. Há uma pessoa Vítor Carvalho e há uma pessoa Vítor Ramalho, cujos percursos são diferentes e tem a sua diversidade. No caso valha-nos o rosto conhecido de Victor Ramalho, dirigente socialista com largo curriculum politico. OL 13 Observatório de Deontologia do Jornalismo É reincidente a pouco rigorosa utilização do nome do Sindicato dos Jornalistas como sinónimo de Conselho Deontológico. Atropelo que é apropriado por alguns jornalistas e também por outras pessoas e entidades, designadamente deputados. Foi o que aconteceu e teve expressão em meios de comunicação social que noticiaram casos recentes como a audição parlamentar e a comissão de inquérito à compra da TVI ou o furto dos gravadores dos jornalistas da “Sábado”. Admite-se que o erro resulte de uma débil expressão de princípios éticos na sociedade, de um reduzido peso e influência de órgãos que verifiquem o cumprimento de normas profissionais de conduta e de uma ainda mais rara assumpção da prestação de contas no conjunto das comunidades profissionais, sociais e políticas. O Conselho Deontológico é um órgão do Sindicato dos Jornalistas, tal como a Assembleia Geral, o Conselho Geral, o Conselho Fiscal, a Direcção nacional e as direcções das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Mas o Conselho Deontológico é desde a revisão estatutária de 1991, quando a actual designação substituiu a de Conselho Técnico-Deontológico, um órgão eleito em lista separada dos restantes órgãos e a sua composição final, caso haja mais do que uma lista, é decidida pela aplicação do método de Hondt. A alteração ocorreu durante a direcção presidida por João Mesquita, que no 3º Congresso dos Jornalistas Em nome do rigor Portugueses (1998) descreveu essa evolução e a causa próxima que a provocara. Afirmou ser preciso «fazer alguma coisa no sentido de reforçar a separação de poderes entre o Conselho e os restantes corpos sociais do Sindicato, impedindo que sobre a Direcção deste recaísse o ónus das decisões daquele e consolidando a independência de cada órgão, de forma a que cada um executasse melhor as tarefas da sua competência.» João Mesquita aludiu também no congresso ao mérito da elaboração de «programas específicos no domínio da deontologia», tanto pela sua importância como pela possibilidade de que fossem eleitas «diferentes sensibilidades deontológicas, aumentando consideravelmente o debate interno e a própria democraticidade e o prestígio do órgão». Aludiu também a outro objectivo que João Mesquita preconizava que era a eleição do Conselho Deontológico pelo conjunto dos portadores de título profissional. Todavia, afirmou a sua oposição «a fórmulas que excluam todo e qualquer tipo de articulação com o Sindicato». Considerava que «a defesa da deontologia profissional e a defesa da melhoria das condições laborais dos jornalistas» podiam e deviam estar numa única organização e articularem-se entre si. Hoje, outros órgãos são eleitos em lista separada. É o caso do Conselho Geral, órgão consultivo que dá expressão ao exercício de ten- dência no seio do Sindicato dos Jornalistas, e com a aplicação do método de Hondt se concorrer à eleição mais do que uma lista. Também a eleição das direcções regionais é feita em simultâneo com a dos órgãos nacionais, mas em lista separada. Conselho Deontológico O Conselho Deontológico, tal como estabelecem os estatutos do Sindicato dos Jornalistas, «é um órgão de auto -regulação dos jornalistas portugueses, que tem por objectivo principal o debate, a reflexão e a promoção dos valores e das práticas relacionadas com a ética e a deontologia profissional dos jornalistas, no quadro dos direitos e deveres resultantes das liberdades de informar e de ser informado.» As suas competências visam suscitar o debate entre os jornalistas, tendente a melhorar a qualidade do jornalismo. Compete ao Conselho Deontológico «avaliar criticamente o cumprimento da função social dos meios de comunicação social e da responsabilidade social dos jornalistas», assim como «elaborar e promover estudos, dar pareceres e fazer recomendações, de sua iniciativa ou que lhe sejam solicitados pelos diferentes órgãos do Sindicato, por jornalistas ou por qualquer outra entidade pública ou privada, sobre questões éticas e de deontologia da profissão». Analisa «as infracções ao Código Deontológico, aos Estatutos do Sindicato, ao Estatuto dos Jornalistas e ao Regulamento da Carteira Profissional por sua iniciativa ou que lhe sejam apresentados por terceiros». Mas também lhe compete «denunciar e combater os atropelos ao livre acesso dos jornalistas às fontes de informação». Defende e esclarece com o conjunto dos jornalistas «as decisões éticas, a deontologia da profissão e a função do jornalismo». Deverá também «favorecer um melhor entendimento dos princípios do jornalismo junto da opinião pública» e «sensibilizar as empresas de comunicação social para o valor económico e social da credibilidade e independência dos jornalistas». O Conselho Deontológico não é de todo um órgão coercivo, tanto mais que os princípios deontológicos são, em si mesmo, deveres auto-atribuídos. Pretende com a sua acção entabular o diálogo com os jornalistas e favorecer os mecanismos de prestação de contas que tenham, em última instância, a finalidade de aumentar a credibilidade dos jornalistas e do jornalismo. O diálogo entre o órgão e os jornalistas deve ser franco e produtivo, pressupondo que um e outros têm o mesmo objectivo, que é a concretização dos princípios de conduta que estruturam a profissão. O Conselho Deontológico visa ainda denunciar e combater os condicionamentos que, no seio das empresas e na sociedade, possam afectar a autonomia e a independência dos jornalistas e o seu juízo ético e deontologia profissional. 14 Observatório de Deontologia do Jornalismo UNESCO condena morte de jornalista turco Cevdet Kılıçlar A directora-geral da UNESCO, Irina Bokova, condenou no passado dia 15, em Paris, a morte do jornalista turco Cevdet Kılıçlar, durante o ataque das forças navais de Israel a um dos barcos da frota humanitária que se dirigia a Gaza. Apelou a que fossem esclarecidas as circunstâncias que causaram a morte do jornalista e instou as autoridades israelitas a respeitarem os direitos dos média que cobrem a situação de Gaza. «A liberdade plena de expressão e a liberdade de acesso à informação são essenciais se queremos que a paz, a democracia e o domínio do direito tenham uma oportunidade em Gaza», afirmou Irina Bokova. O jornalista Cevdet Kılıçlar foi atingido com uma bala na cabeça quando, na madrugada de dia 31 de Maio, o barco Mavi Marmara foi tomado de assalto pelas forças de Israel, quando navegava em águas internacionais. Um outro jornalista, Sura Fachrizaz, foi ferido gravemente por balas no decurso da mesma intervenção militar. A directora-geral da UNESCO recordou às autoridades israelitas que têm a obrigação de permitir à imprensa a cobertura dos acontecimentos. Obrigação que resulta da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante a liberdades de expressão, e de outros acordos internacionais respeitantes ao estatuto dos jornalistas em zona de conflito. A operação das forças navais israelitas causou a morte a mais oito pessoas e feriu dezenas gravemente. Tripulantes, activistas humanitários e cerca de 60 jornalistas que seguiam a bordo dos barcos foram coercivamente conduzidos para o porto de Ashdod. Pelo menos 20 jornalistas foram detidos pelas autoridades de Israel. A frota procurava furar o bloqueio a Gaza, imposto por Israel há três anos. Após o assalto, as autoridades israelitas bloquearam o equipamento electrónico, impedindo os jornalistas de transmitirem notícias, de acordo com a informação divulgada pelo centro palestiniano para o desenvolvimento da liberdade dos média (MADA), pela organização Artigo 19, Repórteres sem Fronteiras (RSF) e IFEX. Muitos dos jornalistas detidos relataram à RSF que foram tratados com desumanidade, privados de água e alimentos, humilhados e agredidos verbalmente. Parte deles foram conduzidos para o centro de detenção Beer Sheva, sem possibilidade de contactarem advogados ou as embaixadas dos respectivos países. Marcello Faraggi, jornalista italiano, disse que recebeu visita da embaixada, na tarde de dia 1 de Junho, quando o conduziam perante um juiz. No dia seguinte foi transferido para o aeroporto Ben Gurion. «No avião, obrigaram-nos a assinar uma declaração em inglês, reconhecendo que tínhamos entrado ile- galmente em território israelita», disse à RSF. O equipamento e vídeos confiscado aos jornalistas não foram devolvidos. A alguns deles nem sequer lhes devolveram os passaportes. Faraggi afirmou que foi «vítima de assalto à mão armada. Perdi mais de 20 mil euros de equipamento. Encontrava-me a bordo daquele barco como jornalista, não como activista. Os soldados israelitas são culpados de um acto de pirataria». Ayse Sarioglu, uma jornalista turca, foi interrogada e humilhada por um polícia no porto de Ashdod. «Enquanto me interrogava, cuspia-me para cima e chamava-me idiota. Até puxou-me a língua. Nem acreditava no que via, foi tão desumano!». O material confiscado aos jornalistas serviu para justificar o ataque à frota. A Associação de Imprensa Estrangeira, que representa centenas de jornalistas em Israel e na Palestina, declarou que os militares utilizaram o material confiscado, sem autorização e identificação da fonte, segundo noticiou a Associated Press. O material apareceu no sítio YouTube do exército como «capturado». Observatório de Deontologia do Jornalismo - Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas Director e editor de fecho: Orlando César Editor desta edição: Otília Leitão Design e paginação: Marta Gonçalves Redacção: Ana Isabel Costa, Ana Machado, Etiano Branco, Francisca Leal, Gabriela Chagas, Orlando César, Otília Leitão e Susana Oliveira. Ilustrações: Maria Ramos As colaborações assinadas exprimem os pontos de vistas dos seus autores e a sua publicação não significa que o Conselho Deontológico subscreva as opiniões aí expressas. Endereço electrónico: [email protected] 15