Boletim N.º 3 - Sindicato dos Jornalistas

Transcrição

Boletim N.º 3 - Sindicato dos Jornalistas
Observatório de Deontologia
do Jornalismo
Nº 3 - Junho 2010
Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas
ÉTICA, JUSTIÇA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Processos indemnizatórios
agravam constrangimentos
à liberdade de expressão
Ilustração de Maria Ramos
O Procurador-Geral
da República, Pinto
Monteiro, considera a
independência da imprensa
face aos poderes político e
económico, mas também a
sua isenção, como valores
intrínsecos à função pública
de informar.
Pág. 3
O Juiz Desembargador Rui
Rangel considera que “a
liberdade de expressão não
é um direito do jornalista,
mas um direito do cidadão,
um direito da sociedade”.
As suas declarações
ao «Observatório de
Deontologia do Jornalismo»
constituem um libelo a que
ninguém escapa. Jornalistas,
editores, empresas da
comunicação social, justiça
e políticos são alvo de
críticas acutilantes.
Pág. 7
Cada vez são mais frequentes os processos cíveis contra jornalistas por
“danos aos direitos de personalidade”, confirmou a Procuradoria-Geral
da República. Tais processos, porque constantes e com indemnizações
tão elevadas, põem em risco a sobrevivência das publicações e
intimidam os jornalistas no seu dever de informar. »
Partidos censuram acto
do deputado Ricardo Rodrigues
CD recebido por todos os grupos parlamentares
Rua dos Duques de Bragança, 7E -1249-059 LISBOA - Portugal | http://www.jornalistas.eu/
pág. 12
Observatório de Deontologia do Jornalismo
Estes, a par dos que existem pelo crime de “violação do segredo de justiça”,
acrescentam uma agravante aos “condicionalismos”
à liberdade de expressão
dos jornalistas, quer sejam
de carácter politico quer
económico, o que alguns
referem como “auto censura” mas que para outros
profissionais é simplesmente “censura” em moldes modernos.
Existem dezenas de processos movidos contra jornalistas sempre que aparece um caso que envolve
figuras públicas com responsabilidades perante os
cidadãos. Devido a uma
maior sensibilidade dos
magistrados na ponderação dos direitos em causa,
alguns acabam por ser absolvidos ou as queixas arquivadas.
O dever de informar e o
interesse público têm, na
orientação da jurisprudência europeia, maior contemplação, com prevalência da liberdade de expressão prevista no artº10 da
Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, e que
foi ratificada por Portugal
em 1978.
Até Março de 2010, havia uma dezena de casos
de condenação do Estado
Português por “entraves à
liberdade de expressão”,
obrigando-o a pagar indemnizações aos jornalistas penalizados pelos tribunais portugueses. Alguns
haviam sido absolvidos em
primeira instância, mas por
recurso da parte queixosa
foram condenados em sede
de Supremo Tribunal de
Justiça.
Tais decisões, referem-se
maioritariamente à sobrevalorização pelos tribunais
portugueses da honra ou
o bom nome de políticos,
em detrimento do interesse
público das matérias noticiosas.
É entendimento da jurisprudência do Tribunal
Europeu dos Direitos do
Homem (TEDH), confirmável nos vários acórdãos
emitidos, que qualquer
pessoa, incluindo os jornalistas, que exerça o seu
direito à liberdade de expressão assume “deveres e
responsabilidades”. A protecção daquele artigo não
nos isenta de cumprir as
leis penais em vigor.
A principal conflitualidade incide sobre “violação do segredo de justiça”,
“difamação”, e ainda “o
segredo profissional do
jornalista”, “imagem” e
“privacidade”.
As queixas tendem a
aumentar sempre que se
tratem de processos que
envolvem figuras do poder político e económico e
em casos de “teias” de relações dos chamados “crimes de colarinho branco”,
como os casos “Casa Pia”
(pedofilia), “Face Oculta”
(económico”) “Freeport”
(tráfico de influências) e
“Apito Dourado” (desporto), entre outros. A que
acrescem outros de grande influência com carácter
social, politico e diplomático, como o Caso Maddie
(desaparecimento de criança inglesa no Algarve).
A orientação da jurisprudência europeia tem sido
de dar prevalência ao interesse público de informar
e, mesmo nos processo de
danos aos direitos de personalidade, o sentido das
decisões tem resultado da
ponderação entre os factos serem verdadeiros e
não prejudicarem a investigação eventualmente em
curso.
A lei portuguesa tutela
em geral, no art. 70.º do
Código Civil a personalidade individual, determinando a protecção dos
indivíduos contra qualquer
ofensa ilícita ou ameaça de
ofensa à personalidade física e moral, e especificamente protege no art. 484.
º do CC aspectos particulares da personalidade moral, impondo a reparação
dos danos causados por
“quem afirmar ou difundir
facto capaz de prejudicar o
crédito ou o bom nome de
qualquer pessoa singular
ou colectiva”.
A liberdade de expressão
e a liberdade de imprensa,
não obstante o respectivo
lugar constitucional (arts.
37.º e 38.º da CRP), estão, como outros direitos
fundamentais, sujeitas a
condições ou limites que
são impostos pela consideração de outros valores ou
direitos com semelhante
dignidade constitucional.
No entanto, destacados
académicos mantém o
entendimento de que há
crimes que continuarão a
ter supremacia, ainda que
haja interesse público na
informação descrita como
a defesa da honra que, dizem, “se situa no âmbito
superior dos direitos de
personalidade e é por isso
hierarquicamente superior
à liberdade de impren-
sa” (cf. Jónatas Machado,
Liberdade de Expressão:
Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no
Sistema Social, 2002, pág.
767).
Sempre que se
atinge o “coração
do poder político”
processos
aumentam
Um corpo ético e qualitativo jornalístico exige
princípios e também leis
protectoras da liberdade
dos órgãos de comunicação
social e dos seus profissionais, alerta a Federação Internacional de Jornalistas,
equacionando que os princípios constitucionais são
“janelas abertas para a democracia, mas os mesmos
exigem que se verifique o
seu cumprimento prático”.
Sobre esse cumprimento
ou falta dele, bem como »
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Observatório de Deontologia do Jornalismo
das infracções à ética e
da adequabilidade de leis
protectoras da liberdade
de expressão, o «Observatório de Deontologia do
Jornalismo» ouviu diferentes profissionais de vários
órgãos de comunicação
social, que se dedicam ao
jornalismo de investigação
e ao quotidiano judicial,
uma das áreas de trabalho mais complexas e que
maior quantidade de processos gera.
A necessária formação
dos jornalistas em áreas
específicas e a hipotética
revisão de leis, que constituem um paradoxo ao
direito de infomar, foram
questões transversais a todos os profissionais.
Felícia Cabrita, actualmente jornalista no “SOL”
e uma das profissionais
que já sofreu ameaças físicas quando da investigação do caso Casa Pia (um
cameraman chegou a ser
atropelado), considera que
os processos contra os profissionais de comunicação
social “são para nos calarem. São tentativas intimidatórias assustadoras”.
Está convicta de que
“há pessoas a ressuscitarem a censura, servindo-se
de todos os expedientes”.
“Somos responsáveis, pois
temos deixado que o poder
político faça tudo”, considera Felícia Cabrita que
diz acreditar agora mais na
sociedade civil do que no
próprio Estado.
Considera que as leis têm
sido casuísticas em reacção
aos processos mais mediáticos porque “atingem o
coração da política”. Refere o exemplo mais recente
sobre as escutas, a propósito do “caso TVI/PT”, em
que se pretende que só possam ser utilizadas com o
consentimento do visado,
o que, à partida, se constata ser “uma concepção
“Há pessoas a ressuscitarem a censura,
servindo-se de todos os expedientes”
Felícia Cabrita, “SOL”
ridícula”.
Mais leis são, em seu
entender, desnecessárias,
pois elas já estão “contra
nós” e, mesmo os poderes
intermédios” são de nomeação política como a
ERC – entidade reguladora
de comunicação social”,
exemplifica.
Acusa de inércia o Sindicato e o Conselho Deontológico dos Jornalistas e critica a própria classe que se
acomoda no silêncio, atitute que, observa, só pode ser
de “cumplicidade com o
poder político”. “Assistese em directo ao «gamanço», de um gravador, por
uma pessoa que por acaso
é deputado e que preside à
Comissão de Direitos Liberdades e Garantias” e, “
a classe é incapaz de promover um debate “.
Sobre a formação dos
jornalistas, Felícia Cabrita
nota que as camadas mais
novas estão preparadas e
por vezes até se excedem
nas precauções, chegando
ao ponto de guardar na cassete a frase de pedir licença para gravar e respectiva
resposta confirmativa, pois
“já sabem que até por aí os
tribunais podem pegar...”
E quanto às fontes a proteger, “elas são sagradas”.
Recorda que por causa disso o jornalista Manso Preto
foi preso.
Uma das mais graves faltas dos jornalistas é “o não
‘checar’ as informações”,
divulgando-as sem as investigar e confrontar. »
PINTO MONTEIRO:
Imprensa tem de manter-se “isenta,
independente, consciente e preparada”
O Procurador-Geral da
República, Pinto Monteiro,
considera a independência
da imprensa face aos poderes político e económico,
mas também a sua isenção,
como valores intrínsecos
à função pública de informar.
Convidado pelo «Observatório de Deontologia do
Jornalismo», a comentar a
suficiência legislativa de
garantia da liberdade de
expressão e de protecção
dos jornalistas, Pinto Monteiro concedeu o seguinte
depoimento:
“A liberdade de imprensa é hoje considerada um
direito fundamental. A
imprensa tem a função pública de informar, embora
nem toda a actividade da
imprensa se revele como
um meio adequado e razoável de cumprimento da
função pública de informar
face ao caso concreto.
A liberdade de imprensa é fundamental e contribui de forma relevante
para assegurar a transparência da Administração
Pública e para alertar não
só o cidadão, mas também
os poderes instituídos para
a necessidade de protecção
de alguns face a ilícitos
que durante muitos anos tiveram tratamento de desfavor (caso de violência nas
escolas, violência contra
os idosos, violência doméstica, por exemplo).
É importante que se
mantenha isenta, independente dos poderes político
e económico, consciente e
preparada.
Só assim cumprirá a função pública de informar.”
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Observatório de Deontologia do Jornalismo
Notou também a existência de falta de ética dos
jornalistas entre si: “Já me
aconteceu, recentemente.
Num trabalho apresentado na SIC, sobre Graça
Machel e Nelson Mandela, foi utilizado material
meu, feito quando eu estava ainda no ‘Expresso’,
sobre mulheres no séxulo
XXI e nem sequer houve a
delicadeza de me dizerem
algo. Fui confrontada com
ele, quando olhei para a
televisão e vi que a autora
era Cândida Pinto... ainda
por cima uma fraude que
não vem de uma jornalista
qualquer...”
A jornalista nota que as
cláusulas sobre os direitos
de autor, quanto ao trabalho jornalístico, deviam ser
revistas, pois “há trabalhos
que são utilizados por diversas publicações de um
mesmo grupo, que são inseridos em diferentes contextos e que, abusivamente, são colados a uma outra
coisa”, explicou.
É urgente “cordão
de segurança ético”
de distância entre
os jornalistas e o
Poder
José António Cerejo, do
jornal “Público” é peremp-
tório: “Actualmente há
condicionalismos à liberdade de expressão como
nunca houve na última
década”. Considera que
“os jornalistas tem de ter
capacidade para enfrentar
as diferentes limitações,
que tanto ocorrem na alta
política como na pequena
frequesia, nas associações
patronais ou em pequenas
empresas”.
Considera que há responsabilidade dos jornalistas
que por vezes não estabelecem o necessário “cordão de segurança” no seu
relacionamento e envolvimento com as histórias das
“fontes”.
Em sua opinião as leis
existentes são suficientes,
embora exista um paradoxo nos processos de natureza cível, aqueles onde as
indemnizações são cada
vez mais elevadas. São
mais fáceis de colocar porque basta que os trabalhos
jornalisticos lesem alguém,
mesmo se os tribunais até
considerem não ter existido qualquer crime, explicou. Enfatizou que “nós,
jornalistas, não cometemos crimes. Procuramos a
verdade, temos o dever e o
compromisso com a busca
da verdade”.
Mas nota que existem
muitas decisões judiciais
que não traduzem, no dia
a dia, o entendimento da
liberdade de expressão.
Apesar de se registar uma
melhoria, sobretudo sendo cada vez mais raras as
ocorrências de condenação
por situações que cerceiem
a liberdade (TEDH), há
ainda grande número de
decisões que são intimidatórias.
Naturalmente que, “se
nós jornalistas incomodamos, é porque há muitos casos que incomodam
muito a sociedade”. “Se
os jornalistas cumprirem
as suas obrigações, haverá
mais processos”
José António Cerejo, que
apesar de também ser muito escrutinado, parece saber conviver bem com as
diferentes leis e até “ameaças, quase sempre veladas”. Observa que “o jornalista não é intocável!”.
de segurança e não pactuar
com situações de promiscuidade. “Andam com esta
gente ao colo e depois não
se podem queixar. E isto é
tão grave como o anonimato da fonte. A sua falta de
distanciamento em presença de hierarquias”.
O jornalista aponta uma
situação recorrente e grave
quanto ao anonimato das
fontes. “Escreve-se sem
que a notícia seja credibilizada com fontes documentais e pessoais, sem uma
credibilização exógena...
Notícias aparecem sem se
perceber de onde vêm, o
que na área da justiça acontece muito. Por vezes, as
partes não podem ser identificadas e a notícia sem
fonte perde credibilidade.
Isto é grave porque os jornalistas deixam-se instrumentalizar pelas partes do
processo, órgãos da admi-
“Se incomodamos, é porque há muitos
casos que incomodam muito a sociedade”
José António Cerejo, “Público”
Verifca-se hoje que houve
um percurso de melhoria
no desempenho das funções, mas apesar disso, refere, “ainda existem falhas
gravíssimas”.
Os próprios jornalistas
são responsáveis por situações que são muitas vezes
a origem dos condicionamentos à liberdade de
exercicio da actividade e
tem a ver com a facilidade
– um problema que não é
de agora – com que se envolvem com o poder politico, quando tinham obrigação de manter um cordão
nistração judicial, polícias
ou Ministério Público”.
“Há empresas de comunicação social a quem não
interessa que se incomode
os poderes que para aí andam a incomodar os amigos, os primos e os afilhados dos partidos. Apesar de
dizerem que estão interessadas no aprofundamento
das notícias, há quem não
queira”.
José António Cerejo adverte: “Aos jornalistas
compete aquilatar se as informações são importantes
e a qual a perspectiva a »
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Observatório de Deontologia do Jornalismo
divulgar pela notícia”.
Considera que “os profissionais, em geral, têm
consciência dos condicionalismos existentes, mas
por causa da sua subsistência procuram ‘não fazer
ondas’ e era bom que houvesse atitutes de denúncia,
de forma mais colectiva”.
Auto-censura
dentro das
redacções mina a
isenção do trabalho
noticioso
Carlos Lima, do “Diário
de Notícias”, argumenta
que “temos liberdade de
expressão, mas não podemos esquecer que o respeitinho é muito bonito” e observa que “é preciso uma
linguagem cuidadosa”.
O maior risco dos jornalistas, nota, ocorre quando os processos “sobem
de patamar”, mais na área
política do que económica.
Explica que se os processos forem sobre as ocor-
rências de negócios ilícitos da noite lisboeta ou os
chamados “crimes pé de
chinelo” “ninguém se preocupa”, ao contrário dos
casos “Freeport” ou “Face
Oculta”. Aí, diz, começam
a “chover queixas de violação de segredo de justiça”.
Acrescenta que “os jornais
ainda não se interessaram
pela justiça fiscal e administrativa... das grandes
contas...”
Em sua opinião, a exigência da verdade sobrepõe-se a qualquer receio
pelo segredo de justiça e
acresenta: “O que tem de
ser será!”
Denuncia o que considera “auto-censura”,
muitas
vezes fomentada
nas próprias redacções dos respectivos órgãos
de comunicaçao
social, onde há
profisisonais de
comunicação
social que têm
o hábito de di-
zer: “Olha, fulano é primo
de beltrano, aquele é presidente da empresa x que
por sua vez é irmão de y”
e isso, “gera um auto-constrangimento ao jornalista
que está a escrever sobre
um caso polémico”.
Uma das brechas recorrentes nesta actividade jornalística de investigação
na área da justiça é a não
“audição das partes atendíveis” envolvidas na história
a relatar, o “contraditório”,
como se diz comumente
e erradamente, pois é um
termo do processo jurídico, obrigatório. Algumas
devem-se à recusa dessas
envolventes em falar, ou
ao facto do tempo da feitura do próprio processo ser
incompativel com o tempo
mediático.
O nosso meio, refere, é
um espaço onde quem tem
a notícia não a deve guardar para o dia seguinte, por
causa da concorrência dos
média entre si.
Tânia Laranjo, jornalista
que trabalha no “Correio da
Manhã”, no Porto, e sobre
quem também têm recaído
vários processos, alerta,
pela sua experiência, que
mesmo os que cobrem a diversidade de temas de justiça diariamente “enfrentam muitos obstáculos”.
Também ela já sofreu
muitas ameaças fisicas que
a obrigam a recorrer a recursos engenhosos de livre
circulação e segurança.
Acusa o que considera
de “marcação cerrada” de
entidades, sobretudo advogados de constituintes,
sempre os mesmos, que se
queixam dos mais pequenos pormenores, ainda que
os factos sejam verdadeiros.
Em seu entender, existem leis que precisavam
de ser revistas, pois o recurso a processo cível leva
a que os cidadãos no uso
dos seus direitos recorram
sempre que se sintam ofendidos por verem aspectos
menos bons das suas vidas
no dominio público. “Querem preservar uma ilusória imagem social que não
praticam e, ainda que os
factos sejam verdadeiros,
os jornalistas são frequentemente condenados. Não
raras vezes é subestimada
a devida apreciação do interesse público”.
Da parte da justiça “existe liberdade de informação”, mas Tânia Laranjo
considera que a área é
cada vez mais intrincada
de complexidades sociais
e a informação jornalistica
não espera pela morosidade processual.
Em sua opinião
“há ainda desconhecimento de alguns
magistrados sobre o
que é o trabalho dos
jornalistas”. Conta
que um dia, respondendo em tribunal,
um juiz lhe perguntou: “Porque é que
não guardou o »
“Fulano é primo de beltrano,
aquele é presidente da empresa
x que por sua vez é irmão
de y” e isso, “gera um autoconstrangimento”
Carlos Lima, “Diário
de Notícias”
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Observatório de Deontologia do Jornalismo
“Há ainda desconhecimento de alguns
magistrados sobre o que é o trabalho dos
jornalistas”
Tânia Laranjo, “Correio da Manhã”
comunicado da GNR?”.
Ora, o comunicado referido “tinha acontecido há
seis anos...”, comenta.
A jornalista considera
que os orgãos de comunicação social devem dar
sucessivas formações aos
seus jornalistas que cobrem estas áreas e, embora
se tenha melhorado, refere
que existem ainda muitos
profissionais que não tem
a noção da complexidade
das leis que formam um
“colete de forças” em torno
do trabalho dos jornalistas.
Outro profissional que
pediu para não ser identificado, para “evitar pretexto
para eventuais reparos das
chefias” no órgão de comunicação social onde trabalha, afirma que a maior
parte dos jornalistas que
hoje cobre a área de justiça”, senão tem a licenciatura em Direito, possui formações adequadas à área
em que se especializaram.
“Têm conhecimento perfeito das leis, mas, muitas
vezes preferem violar o segredo de justiça, porque a
verdade tem de se saber”.
Questionado sobre a ética e o respeito pelo Código
Deontológico, o mesmo
profissional acrescentou
que este tipo de infracções
“irá acontecer sempre”,
porque “os casos são cada
vez de maior complexidade e a sua tendência é de
aumentar”. Salienta que as
infracções à ética se devem
também às pressões que os
directores exercem sobre
os jornalistas e à exigível
rapidez da publicação das
notícias, a qualquer custo,
porque quer ser “o primeiro a noticiar”. Mas “o preço final é sempre o jornalista a pagar!”.
Otília Leitão
LEIS
É exigível fazer o “trabalho de casa”
A Constituição da República Portuguesa consagra
a liberdade de expressão
e informação, a liberdade
de imprensa e meios de
comunicação social, a regulação da comunicação e
dos direitos de antena, de
resposta e de réplica política (artigos 37º, 38º, 39º e
40º).
Embora os direitos constitucionais constituam “uma
janela para a democracia”,
é preciso uma verificação
constante do seu cumprimento e do balanceamento
com outras leis gerais penais e cíveis e daquelas que
são específicas da tipicidade de cada órgão como im-
prensa, televisão e rádio.
Em 2007, a continuação
da produção legislativa na
área de comunicação social com a revisão de várias
leis, suscitou fortes criticas
que tomavam como centro “um excesso de regulações” e que do ponto de
vista da liberdade vieram
agravar o desempenho dos
profissionais de comunicação social.
O jornalista possui o seu
Código Deontológico, que
deve cumprir escrupulosamente, e está sujeito a
auto-regulação, como é o
caso do Conselho Deontológico, e ainda a sistemas
de regulação da Comissão
da Carteira Profissional
de Jornalista e Entidade
Reguladora de Comunicação Social (ERC), além do
escrutínio final do próprio
público/leitor.
O conhecimento dos direitos mas também dos
deveres, impostos ou autoatribuídos, são um imperativo ou resultam de normas
de conduta da profissão.
O núcleo central das leis
que regem a profissão e a
actividade são as seguintes:
A Constituição da República Portuguesa (revista
em 2005) art. 26.º e art.
37.º e seguintes;
A Lei da Imprensa (Lei
n.º 2/99 de 13 de Janeiro
de 1999, alterada pela lei
18/2003 de 11 de Junho);
O Estatuto dos Jornalistas (alterado pela Lei 64/
2007de 6 de Novembro);
Estatuto Disciplinar do
Jornalista (DR 2º Série,
nº180 – 17 Setembro de
2008;
Código Civil, art. 70.º e
seguintes, art. 484;
Código Penal, art. 180.º
e seguintes (alterações lei
59/2007);
Código de Processo Civil, art. 381.º e seguintes;
Código de Processo Penal
(alterações Lei 48/2007).
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Observatório de Deontologia do Jornalismo
RUI RANGEL
“A liberdade de expressão
é um direito do cidadão”
O Juiz Desembargador Rui Rangel considera que “a liberdade de
expressão não é um direito do jornalista, mas um direito do cidadão, um
direito da sociedade”.
As declarações de Rui
Rangel ao «Observatório
de Deontologia do Jornalismo», obtidas mediante
perguntas escritas, constituem um libelo a que ninguém escapa. Jornalistas,
editores, empresas da comunicação social, justiça e
políticos são alvo de críticas acutilantes.
O juiz desembargador faz
o diagnóstico do estado do
jornalismo no seio das empresas do sector e na sua
relação com os poderes,
políticos e económicos, e
com a justiça. O seu discurso será para uns lúcido
e incisivo e, para outros,
uma diatribe.
Vale pela reflexão que
suscita e pelo debate que
pode proporcionar. Com
frontalidade afirma que “os
homens que estão à frente
da democracia por vontade
do povo manipulam a verdade, convivem mal com
a liberdade de expressão
e estão pouco interessados
em fomentar debates”.
Mas também não poupa
nas palavras dirigidas à
justiça, esse “poder majestático que pensa que é” e
considera não ter que “dar
explicações”. Critica os
jornalistas, os quais nem
dez sabem “os 10 Mandamentos do seu Código Deontológico”.
Pronuncia-se também sobre a lei da concentração
da propriedade das empresas de comunicação social,
que “é uma vergonha”, assim como o pluralismo que
«não existe ou se quiser
existe mas não se dá por
ele.”
Rui Rangel considera
que esta “é a selva na sua
magnitude.”
Observatório de Deontologia do Jornalismo —
Existem na actualidade
muitos processos contra
jornalistas? É verdade
que os queixosos recorrem mais ao processo
cível, normalmente por
difamação ou ofensa ao
bom nome, para obter indemnizações?
Rui Rangel — Existem
alguns processos contra
jornalistas mas não os suficientes para atenuar e combater os abusos que são
cometidos muitas vezes
pelos jornalistas, designadamente, quando fazem
uma utilização abusiva do
direito de informar e ser
informado e da liberdade
de expressão que existe no
interesse do cidadão e não
do jornalista.
É verdade que recorrem
mais à instância civil do
que criminal porque os
critérios de fixação das
indemnizações são outros,
sendo esta sempre ou quase
sempre mais elevada. No
processo criminal também
podem ser fixadas indemnizações. Mas ainda somos
um País miserável na fixação das indemnizações e
os tribunais têm também
responsabilidades
neste
estado de coisas. O crime
(ex: com a venda do jornal)
não pode compensar.
Os jornalistas estão mal
informados sobre as leis
a que devem respeito, ou
o seu incumprimento ou
atentados à ética devemse aos diferentes tempos
e velocidades da justiça
e dos média? Pode exemplificar casos de irregularidades frequentes de
particular gravidade?
Costumo dizer aos meus
alunos e nas conferências
que faço para jornalistas
Os atropelos são cometidos “pelo estado
da comunicação social em Portugal; pela
concorrência louca”
que não existem dez jornalistas a saberem os 10
Mandamentos do seu Código Deontológico.
Conhecem muito mal as
leis, estando, por isso, mal
informados. Normalmente
os atentados à ética jornalística são cometidos pelo
próprio jornalista por não
fazer o trabalho de casa e
não cumprir com a sua legis artis. Os atropelos aos
direitos de personalidade,
máximo, direito ao bom
nome, à imagem, à privacidade e à reserva da vida
privada são cometidos não
por existirem diferentes
tempos e velocidades entre
a justiça e os média. Mas
pelo estado da comunicação social em Portugal;
pela concorrência louca
entre os diferentes órgãos
de comunicação social
pela disputa de um bolo
publicitário exíguo; pela
falta de formação ética e
deontológica do jornalista,
apesar de terem um código; pela deficiente formação académica no que toca
à ética e deontologia; pela
ausência de um Código de
ética para as empresas de
comunicação social; e pela
disputa a qualquer preço
das audiências.
Haverá um “emaranhado” de leis que »
7
Observatório de Deontologia do Jornalismo
torpedeiam a liberdade
de expressão, e por causa
disso, os bons advogados
sabem jogar com elas e
obter proventos que os
seus clientes desejam?
Há um excesso de leis
que torna por vezes incompreensível e confuso todo
o edifício legislativo. Mas
não é esse excesso de leis
que torpedeia a liberdade
de expressão. A liberdade de expressão está muito bem consagrada na lei,
quer na Constituição, quer
na lei ordinária, quer na lei
específica.
O Segredo de Justiça é
ou não uma “falácia” no
contexto
comunicacional?
Não. O segredo tem razões que justificam a sua
existência apesar das constantes violações. A colisão
constante entre direitos
não me preocupa. Essa colisão sempre existiu e está
muito bem tratada na leitura e aplicação do nosso
regime jurídico-constitucional. Quer o segredo de
justiça, quer a liberdade de
expressão gozam de igual
protecção constitucional.
Em caso de colisão deve
recorrer-se à casuística
para saber qual deles deve
prevalecer. Nenhum destes
direitos são absolutos num
Estado de Direito Democrático. A liberdade de ex-
pressão não é um direito do
jornalista, mas um direito
do cidadão, um direito da
sociedade. Ainda estamos
a crescer neste domínio de
relações. Aqui a culpa não
morre solteira. É de todos.
A lei portuguesa protege os média das interferências e proibições de
todas as formas governamentais de censura?
Não. Cada vez mais o
jornalista, que não os média, estão dependentes das
várias formas de censura
governamental. No domínio das empresas detentoras de órgãos de comunicação social a lei portuguesa
é muito frágil e macia. As
empresas de comunicação
social obedecem a uma lógica pura e dura da procura
do lucro. Pouco interessa
a ética e a deontologia do
jornalista. E a maioria estão dependentes do mundo
financeiro que as sustentam por isso não conseguem nem querem fazer
frente às formas de censura
do governo. Já não falando
nos jornalistas avençados
que também são uma porta
aberta à censura e às interferências e proibições. Enfim é um mundo que está
podre.
Como interpreta a existência de vários casos em
que o Tribunal Europeu
vem condenar Portugal
“Os editores são a voz do dono e estão
pouco preocupados com a violação dos
direitos de autor e com a liberdade de
expressão”
“As empresas obedecem a uma lógica
pura e dura da procura do lucro. Pouco
interessa a ética e a deontologia”
por restrições à liberdade
de expressão em vários
casos de penalização de
jornalistas pelos tribunais portugueses?
Em primeiro lugar é verdade que só vi em Portugal
jornalistas a serem condenados por violação do segredo de justiça. Ainda não
vi ninguém de dentro do
sistema de justiça a serem
julgados e condenados.
Não quero morrer sem ver.
Os de dentro do sistema
são os principais causadores da violação do segredo
de justiça.
Quanto ao Tribunal Europeu impera ainda uma
cultura muito marcada pela
história. Por um mundo dividido em blocos, saído da
guerra, onde não existia
liberdade de expressão.
Foi neste contexto que se
criou o Tribunal Europeu.
O mundo mudou e muito
e essa mudança ainda não
chegou a este tribunal. A
melhor doutrina é aquela
que é praticada pelos tribunais portuguesas. Em cada
momento deve procurar-se
analisar qual dos direitos
deve prevalecer. Nem a liberdade de expressão deve
prevalecer sempre sobre o
segredo de justiça e sobre
o bom nome das pessoas
nem o contrário. O Tribunal Europeu tem uma cultura fundamentalista muito
virada para a protecção da
liberdade de expressão a
todo o custo. E não pode
ser assim.
A lei sobre o direito dos
jornalistas a protegerem
as suas fontes confidenciais, é suficiente, mesmo
se obriga a divulgação
em caso de crime, deixando ao critério do juiz essa
qualificação, ou deveria
ser revista?
Em democracia não existem leis absolutas. Penso
que a lei sobre o direito dos
jornalistas a protegerem as
suas fontes é suficiente.
O mal está na regra e na
má prática jornalística. A
regra passou a ser a fonte
anónima (não identificada)
quando devia ser o contrário. A regra deontológica é
de identificação sempre da
fonte. Só em caso de perigo ou outra razão ponderosa para a fonte deve justificar o anonimato. Muitas
vezes é o próprio jornalista
que oferece o anonimato
para conseguir primeiro a
informação para depois dar
a notícia. É grave esta prática e daí não há direito que
resista. Em caso de crime
grave ou de manipulação e
instrumentalização do jornalista é difícil sustentar as
fontes.
Os direitos de autor, no
que concerne aos jornalistas, permitem abusos
na utilização do trabalho
noticioso. Esses artigos
(artigos 7º e 7ª) que permitem a manipulação »
8
Observatório de Deontologia do Jornalismo
desse trabalho, às vezes
com cortes pelos editores
que alteram os conteúdos,
deveriam ser revistos?
A resposta só pode ser
positiva. Existem de facto
muitos abusos e constantes
violações dos direitos de
autor no que concerne ao
jornalista.
Já este problema pode
tornar-se de difícil resolução no caso do abuso ser
praticado dentro do mesmo
grupo empresarial. Fora
nunca.
A lei aqui devia ser mais
clara e melhorada para
proteger o trabalho do jornalista e impor regras mais
rigorosas aos pequenos
napoleões que existem e
comandam as linhas editoriais. Os editores são a voz
do dono e estão pouco preocupados com a violação
dos direitos de autor e com
a liberdade de expressão na
sua forma mais genuína.
A protecção da privacidade tem sido devidamente equilibrada com os
direitos dos jornalistas?
Não. Temos todos muito
pouco amor pela privacidade dos outros e pela
protecção dos direitos de
personalidade. A lei é equilibrada. A prática não. Todos os dias a privacidade
é violada e sem grandes
consequências. O crime,
a notícia, aqui compensa
porque os tribunais também não fazem o seu papel
com condenações exemplares em termos financeiros. A regra é, primeiro
publica-se e depois logo se
vê. Sem fazer o trabalho de
casa, sem ouvir o visado
e sem fazer o cruzamento
das fontes.
Há medidas legais de
“OS CRIMES DOS JORNALISTAS”
Indemnizações já chegam
aos 500 mil euros
O livro «Os Crimes
dos Jornalistas - Uma
Análise dos Processos
Judiciais contra a
Imprensa Portuguesa»,
da autoria da jornalista
e docente Cláudia
Araújo, foi apresentado
no dia 30 de Junho, na
Almedina, em Coimbra.
Trata-se da tese
de mestrado da
autora, defendida na
Faculdade de Letras
da Universidade de
Coimbra. No estudo, o
“crime de difamação”
é o que tem maior peso
nos processos, enquanto
“o crime de violação
do segredo de justiça,
com o surgimento de um
maior número de casos
mediáticos na justiça,
começa já a ter também
alguma expressão.”
O valor dos pedidos de
indemnização tem vindo
a aumentar nos últimos
anos, com montantes que
“alternam, em média,
entre os 25 mil e os 100
mil euros, tendo, no
entanto, já atingido os 500
mil euros”.
A autora constata
que a classe política,
os empresários e as
“Os homens que estão à frente da
democracia […] manipulam a verdade,
convivem mal com a liberdade de
expressão”
protecção ao pluralismo
que combatam a concentração da propriedade de
órgãos de comunicação
social?
a uma informação pública através de um serviço
próprio adequado às exigências de uma sociedade
de informação?
A lei que existe neste domínio é uma vergonha. Por
isso temos a concentração
que temos. O pluralismo
não existe ou se quiser
existe mas não se dá por
ele. A lei favorece também
a concentração encapotada. É a selva na sua magnitude.
Não. A justiça não gosta de comunicar e de dar
explicações. Como poder
majestático que pensa que
é considera que não tem
que dar explicações. Tremendo erro. Esta cultura só
serve para tentar defenderse dos seus erros e das suas
fraquezas. Não existe esta
preocupação. Não há gabinetes de empresa para fazer
este papel. Nem o Conselho
Superior da Magistratura
tem esta preocupação. »
Há liberdade de informação na área da Justiça? Podem os cidadãos e
os jornalistas ter acesso
personalidades públicas
são aquelas que instauram
mais processos à
imprensa. O caso Freeport,
em que o primeiroministro José Sócrates
instaurou, em Abril de
2009, nove processos
contra jornalistas (cinco
da TVI, três do “Público”
e um do “Diário de
Notícias”), é apontado
como exemplo.
O recurso ao direito de
resposta é também focado
no estudo que refere que
“as pessoas que instauram
processos judiciais contra
os média muito raramente
utilizam o direito de
resposta.
Relativamente ao aumento
considerável de processos
contra a imprensa
portuguesa, o grupo
Cofina “é aquele que
enfrenta maior número
de processos (média de
400 por ano)”. Nele,
o “Correio da Manhã”
destaca-se com os seus
cerca de 200 processos
por ano. No grupo
Global Notícias, que
enfrenta em média 80
processos por ano, 40
por cento dizem respeito
ao “Jornal de Notícias”
e outros 40 por cento ao
“24 Horas”.
O “Público”, que
já chegou a ter 18
processos, tem vindo
a diminuir nos últimos
anos.
OL
9
Observatório de Deontologia do Jornalismo
Aqui pararam no tempo.
A justiça precisa da comunicação social séria, isenta
e responsável. A justiça só
se torna mais autêntica,
mais transparente e mais
verdadeira se chegar ao
cidadão e ser for compreendida por este. E aqui os
média têm um papel fundamental. Quem não percebe isto não percebe nada
nesta vida de comunicação
por excelência.
Deveria o Estado fomentar o debate com a
sociedade civil, de forma
transparente, e de acordo
com as leis internacionais
de defesa da liberdade
dos órgãos de comunicação social, sobre a impunidade dos atentados à
ética jornalística e também daqueles que limitam o seu trabalho, infringindo a liberdade de
expressão?
Claro que sim. Mas o
Estado só está preocupado
com o combate ao défice
orçamental. Só as contas
públicas é que são importantes. Tudo isto são assuntos menores. O Estado está
colonizado pelas questões
financeiras. As instâncias
financeiras e bancárias tomaram conta do Estado. Já
pouco nos resta enquanto
Estado e enquanto Nação.
Os homens que estão à
frente da democracia por
vontade do povo manipulam a verdade, convivem
mal com a liberdade de
expressão e estão pouco
interessados em fomentar
debates para discutir questões que têm que ver com a
dignidade do homem.
Processos com história
Vicente Jorge Silva, Eduardo Dâmaso, António Laranjeira e Manso Preto,
entre outros jornalistas, viram reconhecidos os seus direitos em tribunal.
Em três casos, o Estado português foi condenado pelo Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem e outro aguarda a decisão.
Difamação — Em 2000,
Portugal foi condenado,
pela primeira vez, por violar a liberdade de expressão
num processo apresentado
por Vicente Jorge Silva.
O então director do “Público” escreveu em editorial, na edição de 10 de Junho de 1993, sobre a opção
do CDS candidatar Silva
Resende à Câmara de Lisboa. O jornalista foi alvo
de queixa-crime, por difamação, e, em 1995, absolvido. O queixoso recorreu
para o Tribunal da Relação
de Lisboa e Vicente Jorge
Silva seria condenado, por
abuso de liberdade de imprensa. O Tribunal Constitucional negou provimento
a um recurso do jornalista
que, em 1997, queixarse-ia ao Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem
(TEDH).
Para o Tribunal Europeu,
os escritos do jornalista
eram “polémicos”, mas
não “um ataque pessoal
gratuito’, porque o autor
dava “uma explicação objectiva”. “A invectiva política extravasa, por vezes,
para o plano pessoal”, mas
estes são os riscos do jogo
político e do debate livre
de ideias, garantes de uma
sociedade democrática”,
refere o TEDH (fonte Teixeira da Mota).
Segredo de Justiça
— Uma notícia do “Públi-
co”, de Eduardo Dâmaso
(1998), processo concluído
em 2008 pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, teve como desfecho
a condenação do Estado
Português.
Dâmaso foi alvo de condenação do Tribunal de
Esposende, confirmada na
Relação de Guimarães, por
ter revelado a acusação do
deputado do PSD Nuno
Delerue, por crimes fiscais
e outros. Eduardo Dâmaso
assumiu em julgamento o
seu conhecimento da lei
que proibia a divulgação da
acusação, mas tinha considerado mais importante o
exercício do direito/dever
de informar. O TEDH considerou que o papel do jornalista de investigação é o
de informar e de alertar o
público.
Segredo de justiça e difamação — Em Janeiro de
2010, o Tribunal Europeu
condenou o Estado português por entraves à liberdade de expressão, considerando a supremacia do
interesse público.
A decisão surge dez anos
depois da notícia que lhe
deu origem no “Noticias de
Leiria”, em 2000. “Foi feita justiça e reposto o meu
bom nome profissional,
além de que é defendida de
forma clara e inequívoca a
liberdade de expressão e o
jornalismo”, disse António
Laranjeira.
Em causa estava um trabalho noticioso que revelou suspeitas sobre um
médico, dirigente local do
PSD, por abuso sexual de
uma paciente. A condenação havia sido confirmada
pelo Tribunal da Relação
de Coimbra, por violação
do segredo de justiça e
difamação. Em 2008, foi
proposto um acordo extrajudicial, mas António Laranjeira recusou. “Só seria
feita justiça com uma sentença” (in Veritas, revista
justiça).
Difamação pessoa colectiva - O “Público” foi
condenado pelo Supremo
Tribunal de Justiça (STJ)
na acção indemnizatória
que o Sporting Club de
Portugal lhe moveu.
“Funcionou como o toque a rebate de todo o
jornalismo português (...),
foi o começo deste tempo
novo por parte de quem
percebeu que os conceitos
comunitários também vão
chegando a Portugal” – (lêse no discurso do Presidente do Supremo Tribunal na
abertura do Colóquio de
Direito Penal e Processo
Penal).
Em Setembro de 2007,
foi apresentada pelos jornalistas e pelo “Público”
uma queixa contra Portugal no Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem »
10
Observatório de Deontologia do Jornalismo
por esta decisão do STJ
violar a liberdade de expressão, queixa que ainda
não foi julgada.
Carina Ferreira
vítima de informação pouco exigente
Protecção da fonte – O
jornalista Manso Preto foi
absolvido pelo Tribunal
da Relação de Lisboa, em
2005, depois de ter sido
condenado em primeira
instância, “por desobediência”, a 11 meses de prisão (com pena suspensa a
três anos), por se recusar
a divulgar a identidade de
uma fonte de informação.
Na ocasião a Federação
Internacional de Jornalistas (FIJ) considerou que tal
facto “aumenta os receios
entre os jornalistas de uma
crescente tendência global
de ataques ao direito de
protecção das fontes”. O
acordão considerou que o
jornalista “não estava obrigado a prestar testmunho”
porque, neste caso, foi
“preponderante o seu direito à manutenção do sigilo
profissional”.
O tratamento noticioso
do desaparecimento da jovem Carina Ferreira a 1 de
Maio e encontrada morta,
a 8 de Junho, amarrada ao
cinto dentro do seu carro
numa ravina, suscita uma
reflexão aos jornalistas no
sentido de maior ética e rigor investigativo.
As primeiras notícias davam conta de que «Carina
Ferreira desapareceu no
sábado, dia 1 de Maio. A
jovem saiu de casa poucos
minutos antes das 22 horas
em direcção ao Clube de
Caça e Pesca do Alto Douro (CCPAD), onde tinha
combinado encontrar-se
com uma amiga e a irmã,
mas não chegou ao local
combinado».
A Policia Judiciária do
Porto clarificou, após autópsia da vítima, que os
indícios apontam para um
acidente de viação que a
fez cair de uma ribanceira
junto à A24, perto de Lamego: «Ponderámos a possibilidade de ser um desaparecimento voluntário, ou
porque pretendia sair do
ambiente em que vivia ou
por eventual suicídio». A
outra hipótese que surgiu
foi a de «um desaparecimento involuntário (em
que Carina tivesse sido)
vítima de um acidente ou
de um crime».
É legítimo questionar
porque a Policia Judiciária
apenas descobriu um mês
depois, após informações
sucessivas admitindo as
mais diversas hipóteses e
buscas em locais distantes
do percurso anunciado.
Durante várias semanas
veiculou-se a suspeita de
assassínio, rapto ou suicídio, teses que foram sendo alimentadas pelo “esquadrinhar” de aspectos
da vida privada da jovem
de 21 anos. Muitas dessas
informações foram veiculadas pelas autoridades
envolvidas e outras resultaram de desabafos, daqueles típicos e que resultam
das emoções.
Em vários jornais liamse informações a induzir
suspeições. «Ela tinha um
relacionamento com um
militar das operações especiais», que foi ouvido e
mandado em paz.
Num jornal nacional, o
“Diário de Notícias”, uma
semana depois do incidente lia-se: «Um dos muitos
comentários nas redes sociais dá conta que a jovem
teria tido “um desentendimento com um dos frequentadores do Clube de
Caça e Pesca, onde trabalhava”. Porém, nem a PSP,
que registou a queixa do
desaparecimento apresentada pelos pais, nem a PJ
corroboraram este facto».
Os jornalistas foram embarcando, tomando também como fontes comentários em redes sociais,
incorrendo em comportamentos pouco rigorosos,
sem serem exigentes. Agora é a vez de suspeitar que
houve alguma negligência
da polícia. O tio da vítima
Manuel Catarino criticou
as autoridades que «deviam ter dado ordens para
que um helicóptero fizesse
o mesmo trajecto que a Carina costuma fazer».
OL
“Formação piloto” na Universidade de Coimbra
A Universidade de Coimbra vai realizar um curso
de Verão, de 30 de Agosto a 3 de Setembro, para
formadores de jornalistas,
escolas de Jornalismo e
organizações formativas
europeias, em cooperação
com o Conselho da Euro-
pa e a Agência Europeia de
Direitos Humanos.
Esta “formação piloto”
agregará 30 participantes e
pretende abordar a liberdade de expressão, o respeito
pela diversidade cultural e
religiosa, bem como iniciativas anti-discriminatórias.
Em causa está uma melhor compreensão dos
direitos humanos e a sua
reflexão nos trabalhos noticiosos.
OL
11
Observatório de Deontologia do Jornalismo
Partidos censuram acto
do deputado Ricardo Rodrigues
CD recebido por todos os grupos parlamentares
Os partidos com assento na Assembleia da República censuraram o acto
praticado pelo deputado Ricardo Rodrigues que furtou dois gravadores
a jornalistas da «Sábado». A posição foi expressa ao Conselho
Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, no decurso de contactos
estabelecidos em Junho com todos os grupos parlamentares.
Não expressaram, porém,
posição unânime na apreciação do caso pela Assembleia da República. Todos
os partidos assumem que
não têm competência para
sancionar o comportamento pessoal dos deputados,
mas quatro dos grupos parlamentares pronunciaramse favoravelmente a que a
atitude do deputado do PS
fosse discutida.
Essa era, de resto, a posição do Conselho Deontológico (CD) quando instou
a comissão parlamentar de
Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias a pronunciar-se sobre a violação dos direitos
e liberdades dos jornalistas
da «Sábado».
Todavia, aquela comissão remeteu o pedido do
CD para a comissão parlamentar de Ética, Sociedade
e Cultura. Esta primeiro e
a outra comissão depois,
após segunda solicitação
do CD, acabaram por alegar não ter competência
para se pronunciarem.
Fernando Negrão, acompanhado por mais quatro
deputados do PSD, afirmou à delegação do CD
que devia ter sido tomada
uma posição política na
Assembleia da República
sobre o caso. Acrescentou
que outros partidos não
tiveram o mesmo entendimento.
Admite que o caso seja
retomado em plenário
quando for discutido o projecto de requerimento que
apresentaram com vista à
aprovação de um código
de conduta dos deputados
ao parlamento e à criação
de um Conselho de Ética
e de Conduta, como órgão
consultivo do Presidente
da Assembleia da República e na sua dependência.
Cecília Meireles, deputada do CDS/PP, afirmou
também que o assunto devia ter sido discutido na
Comissão de Ética. Aduziu,
inclusive, que o partido sugeriu que o Presidente da
Assembleia da República
se pronunciasse.
Também a deputada Helena Pinto, do BE, considerou que o furto dos
gravadores devia ter sido
discutido na Comissão
parlamentar de Assuntos
Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias.
O Partido Ecologista Os
Verdes, onde o CD foi rece-
bido por Joaquim Correia,
assessor do grupo parlamentar, exprimiu a posição
de que o caso deveria ter
sido tratado na Assembleia
da República.
O grupo parlamentar do
PCP, onde o CD foi recebido pelos deputados António Filipe e Rita Rato,
considerou inviável a
discussão nas comissões,
atendendo a que a Assembleia da República não tem
competência para sancionar o comportamento dos
deputados.
A posição do PS foi contrária à discussão do caso
nas comissões, segundo
posição expressa por Francisco Assis e Inês de Medeiros, que receberam a
delegação do CD. O líder
parlamentar admitiu, porém, que o acto de Ricardo
Rodrigues «em si é censurável» e «é irrepetível».
O deputado «não devia ter
feito aquilo», mas Francisco Assis sentiu-se na
necessidade de defender
a pessoa, que estava a ser
atacada de todos os lados.
Cecília Meireles, do
CDS/PP, censurou e repudiou a atitude de Ricardo
Rodrigues, posição idên-
tica expressou ao CD Helena Pinto. A deputada do
Bloco de Esquerda considerou o acto do deputado
do PS como um atentado à
liberdade de imprensa.
António Filipe, do PCP,
reputou o acto como «absolutamente condenável».
Disse também que o furto
dos gravadores foi condenado pelo partido e por si
próprio num blogue pessoal.
O Conselho Deontológico considera positiva esta
ronda de contactos e a troca de opiniões com grupos
parlamentares, a quem recorreu após ter deplorado a
decisão tomada pelas duas
comissões parlamentares.
A iniciativa visou sensibilizar os partidos políticos
com assento no parlamento para tentativas futuras
de limitar a liberdade de
expressão e o direito de
informar. E expressou-lhes
a sua frontal oposição a
quaisquer actos que configurem restrições à liberdade de informação.
Entretanto, está em apreciação pela Provedoria da
Justiça uma queixa que o
Conselho
Deontológico
apresentou contra o deputado Ricardo Rodrigues,
membro da Comissão
parlamentar de Assuntos
Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias.
Iniciativa
legislativa
Durante a audiência com
o PCP, a deputada Rita Rato
informou que o grupo parlamentar do partido vai apresentar um projecto-lei de
alteração ao Estatuto do »
12
Observatório de Deontologia do Jornalismo
Jornalista com o objectivo
de consagrar os direitos de
autor e reforçar as competências dos conselhos de
redacção.
Francisco Assis e Inês de
Medeiros, durante a audiência concedida, afirmaram o
seu empenho em defender
a liberdade de imprensa. A
deputada salientou que o
partido intentou promover
o debate sobre a liberdade de imprensa associada,
designadamente, à preca-
riedade, à concentração
de empresas e ao chamado
jornalismo cidadão, mas os
outros partidos centraramse no caso TVI.
Anunciou que o PS tenciona futuramente promover esse debate em jornadas parlamentares, tendo
os deputados convidado o
Conselho Deontológico a
participar. O CD disse estar disponível para tomar
parte em todos os debates
que contribuam para sal-
Massacre da liberdade
Anna Finocchiaro, do Partido Democrata que lidera a
oposição no Senado italiano, qualificou de «massacre da
liberdade» a aprovação do projecto-lei de Silvio Berlusconi sobre escutas telefónicas.
A oposição acusa Berlusconi de querer «proteger os
criminosos e liquidar a liberdade de informação», segundo noticiou Barbara Trionfi, do Press Freedom Adviser.
A lei, que suscitou grande controvérsia, restringe as
escutas telefónicas e impõe pesadas multas aos jornalistas que publicarem as gravações. Em votação realizada
no passado dia 10, a lei foi aprovada com 164 votos a
favor. Do total de 323 senadores, apenas 189 estavam na
sala no momento da votação.
Aos magistrados são impostas restrições à utilização
de escutas telefónicas e aos jornalistas é vedada a publicação das gravações. Barbara Trionfi salienta que há a
convicção de que esta lei foi ditada pelo desejo dos políticos evitarem alegações embaraçosas sobre a sua vida
privada, mais do que a intenção declarada de preservar a
privacidade dos cidadãos comuns.
A lei estabelece uma pena até 450 mil euros às editoras e 30 dias de cadeia e o pagamento até dez mil euros
aos jornalistas que publiquem material obtido por escutas telefónicas antes do início do julgamento.
David Dadge, do Instituto Internacional de Imprensa,
citado por Trionfi, afirmou-se desapontado pela aprovação de uma lei no Senado que «põe em risco a livre
circulação da informação e o direito dos jornalistas a
relatarem matérias de interesse público. A lei terá de ser
agora votada no parlamento italiano e Dadge apelou aos
deputados que vetem a lei e defendam «os princípios
da liberdade de expressão e informação consagrados na
Constituição italiana».
vaguardar os direitos dos
jornalistas.
A garantia dos direitos
permite aperfeiçoar a qualidade do jornalismo. E o
bom jornalismo assegurará, por certo, o cumprimento da sua função social, que implica também
dar um contributo para que
a qualidade da política melhore.
Francisco Assis considerou que a degradação da
qualidade do jornalismo
anda a par com a degradação da qualidade da política e que a democracia
precisa que uma e outra
situação se altere.
O CD foi recebido pelos
partidos entre 4 e 17 de Junho. Ana Machado, Etiano
Branco, Orlando César e
Otília Leitão, membros do
CD, participaram nos contactos com os grupos parlamentares.
Conselho Deontológico
O RIGOR E A
CREDIBILIDADE:
A não é igual a B
Faz parte dos princípios básicos do jornalismo que o
rigor é tão importante, que uma simples distracção na
troca de nomes, denota a ausência dele e descredibiliza a
notícia. Ou seja trocar o A pelo B, não é a mesma coisa.
Aconteceu com a capa da edição 37 da revista “País
Positivo”, publicação bimensal, distribuída encartada
num jornal diário de referência.
Numa entrevista ao presidente do Inatel, por certo uma
figura pública reconhecida, e sobre a sua foto com a dimensão de um “A4”, o título “Inatel investe 10 milhões
e contribui para a recuperação económica”, lê-se: Entrevista com Vítor Carvalho, presidente do Inatel”.
Há uma pessoa Vítor Carvalho e há uma pessoa Vítor
Ramalho, cujos percursos são diferentes e tem a sua diversidade.
No caso valha-nos o rosto conhecido de Victor Ramalho, dirigente socialista com largo curriculum politico.
OL
13
Observatório de Deontologia do Jornalismo
É reincidente a pouco rigorosa utilização do nome
do Sindicato dos Jornalistas
como sinónimo de Conselho
Deontológico. Atropelo que
é apropriado por alguns jornalistas e também por outras
pessoas e entidades, designadamente deputados.
Foi o que aconteceu e
teve expressão em meios
de comunicação social que
noticiaram casos recentes
como a audição parlamentar
e a comissão de inquérito à
compra da TVI ou o furto
dos gravadores dos jornalistas da “Sábado”.
Admite-se que o erro resulte de uma débil expressão de princípios éticos na
sociedade, de um reduzido
peso e influência de órgãos
que verifiquem o cumprimento de normas profissionais de conduta e de uma
ainda mais rara assumpção
da prestação de contas no
conjunto das comunidades
profissionais, sociais e políticas.
O Conselho Deontológico é um órgão do Sindicato
dos Jornalistas, tal como a
Assembleia Geral, o Conselho Geral, o Conselho
Fiscal, a Direcção nacional
e as direcções das Regiões
Autónomas dos Açores e da
Madeira.
Mas o Conselho Deontológico é desde a revisão estatutária de 1991, quando a
actual designação substituiu
a de Conselho Técnico-Deontológico, um órgão eleito
em lista separada dos restantes órgãos e a sua composição final, caso haja mais
do que uma lista, é decidida
pela aplicação do método de
Hondt.
A alteração ocorreu durante a direcção presidida por
João Mesquita, que no 3º
Congresso dos Jornalistas
Em nome do rigor
Portugueses (1998) descreveu essa evolução e a causa
próxima que a provocara.
Afirmou ser preciso «fazer
alguma coisa no sentido de
reforçar a separação de poderes entre o Conselho e os
restantes corpos sociais do
Sindicato, impedindo que
sobre a Direcção deste recaísse o ónus das decisões
daquele e consolidando a independência de cada órgão,
de forma a que cada um executasse melhor as tarefas da
sua competência.»
João Mesquita aludiu também no congresso ao mérito
da elaboração de «programas específicos no domínio
da deontologia», tanto pela
sua importância como pela
possibilidade de que fossem eleitas «diferentes sensibilidades deontológicas,
aumentando consideravelmente o debate interno e a
própria democraticidade e o
prestígio do órgão».
Aludiu também a outro
objectivo que João Mesquita preconizava que era a
eleição do Conselho Deontológico pelo conjunto dos
portadores de título profissional. Todavia, afirmou a
sua oposição «a fórmulas
que excluam todo e qualquer tipo de articulação com
o Sindicato». Considerava
que «a defesa da deontologia profissional e a defesa
da melhoria das condições
laborais dos jornalistas» podiam e deviam estar numa
única organização e articularem-se entre si.
Hoje, outros órgãos são
eleitos em lista separada. É
o caso do Conselho Geral,
órgão consultivo que dá expressão ao exercício de ten-
dência no seio do Sindicato
dos Jornalistas, e com a aplicação do método de Hondt
se concorrer à eleição mais
do que uma lista. Também a
eleição das direcções regionais é feita em simultâneo
com a dos órgãos nacionais,
mas em lista separada.
Conselho
Deontológico
O Conselho Deontológico, tal como estabelecem os
estatutos do Sindicato dos
Jornalistas, «é um órgão de
auto -regulação dos jornalistas portugueses, que tem por
objectivo principal o debate, a reflexão e a promoção
dos valores e das práticas
relacionadas com a ética e a
deontologia profissional dos
jornalistas, no quadro dos
direitos e deveres resultantes das liberdades de informar e de ser informado.»
As suas competências visam suscitar o debate entre
os jornalistas, tendente a
melhorar a qualidade do jornalismo. Compete ao Conselho Deontológico «avaliar
criticamente o cumprimento
da função social dos meios
de comunicação social e da
responsabilidade social dos
jornalistas», assim como
«elaborar e promover estudos, dar pareceres e fazer recomendações, de sua
iniciativa ou que lhe sejam
solicitados pelos diferentes
órgãos do Sindicato, por
jornalistas ou por qualquer
outra entidade pública ou
privada, sobre questões éticas e de deontologia da profissão».
Analisa «as infracções ao
Código Deontológico, aos
Estatutos do Sindicato, ao
Estatuto dos Jornalistas e
ao Regulamento da Carteira Profissional por sua
iniciativa ou que lhe sejam
apresentados por terceiros».
Mas também lhe compete
«denunciar e combater os
atropelos ao livre acesso dos
jornalistas às fontes de informação».
Defende e esclarece com
o conjunto dos jornalistas
«as decisões éticas, a deontologia da profissão e a
função do jornalismo». Deverá também «favorecer um
melhor entendimento dos
princípios do jornalismo
junto da opinião pública» e
«sensibilizar as empresas de
comunicação social para o
valor económico e social da
credibilidade e independência dos jornalistas».
O Conselho Deontológico não é de todo um órgão
coercivo, tanto mais que os
princípios
deontológicos
são, em si mesmo, deveres
auto-atribuídos. Pretende
com a sua acção entabular o
diálogo com os jornalistas e
favorecer os mecanismos de
prestação de contas que tenham, em última instância,
a finalidade de aumentar a
credibilidade dos jornalistas
e do jornalismo.
O diálogo entre o órgão e
os jornalistas deve ser franco e produtivo, pressupondo
que um e outros têm o mesmo objectivo, que é a concretização dos princípios de
conduta que estruturam a
profissão. O Conselho Deontológico visa ainda denunciar e combater os condicionamentos que, no seio
das empresas e na sociedade,
possam afectar a autonomia
e a independência dos jornalistas e o seu juízo ético e
deontologia profissional.
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Observatório de Deontologia do Jornalismo
UNESCO condena morte
de jornalista turco
Cevdet Kılıçlar
A directora-geral da
UNESCO, Irina Bokova,
condenou no passado dia
15, em Paris, a morte do
jornalista turco Cevdet
Kılıçlar, durante o ataque
das forças navais de Israel
a um dos barcos da frota
humanitária que se dirigia
a Gaza.
Apelou a que fossem esclarecidas as circunstâncias que causaram a morte do jornalista e instou
as autoridades israelitas
a respeitarem os direitos
dos média que cobrem a
situação de Gaza. «A liberdade plena de expressão
e a liberdade de acesso à
informação são essenciais
se queremos que a paz, a
democracia e o domínio do
direito tenham uma oportunidade em Gaza», afirmou
Irina Bokova.
O jornalista Cevdet
Kılıçlar foi atingido com
uma bala na cabeça quando, na madrugada de dia
31 de Maio, o barco Mavi
Marmara foi tomado de assalto pelas forças de Israel,
quando navegava em águas
internacionais. Um outro
jornalista, Sura Fachrizaz,
foi ferido gravemente por
balas no decurso da mesma
intervenção militar.
A directora-geral da
UNESCO recordou às autoridades israelitas que têm
a obrigação de permitir à
imprensa a cobertura dos
acontecimentos. Obrigação que resulta da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que garante a
liberdades de expressão,
e de outros acordos internacionais respeitantes ao
estatuto dos jornalistas em
zona de conflito.
A operação das forças
navais israelitas causou a
morte a mais oito pessoas
e feriu dezenas gravemente. Tripulantes, activistas
humanitários e cerca de
60 jornalistas que seguiam
a bordo dos barcos foram
coercivamente conduzidos
para o porto de Ashdod.
Pelo menos 20 jornalistas
foram detidos pelas autoridades de Israel. A frota
procurava furar o bloqueio
a Gaza, imposto por Israel
há três anos.
Após o assalto, as autoridades israelitas bloquearam o equipamento
electrónico, impedindo os
jornalistas de transmitirem
notícias, de acordo com a
informação divulgada pelo
centro palestiniano para o
desenvolvimento da liberdade dos média (MADA),
pela organização Artigo
19, Repórteres sem Fronteiras (RSF) e IFEX.
Muitos dos jornalistas
detidos relataram à RSF
que foram tratados com
desumanidade, privados
de água e alimentos, humilhados e agredidos verbalmente. Parte deles foram
conduzidos para o centro
de detenção Beer Sheva,
sem possibilidade de contactarem advogados ou as
embaixadas dos respectivos países.
Marcello Faraggi, jornalista italiano, disse que recebeu visita da embaixada,
na tarde de dia 1 de Junho,
quando o conduziam perante um juiz. No dia seguinte foi transferido para
o aeroporto Ben Gurion.
«No avião, obrigaram-nos
a assinar uma declaração
em inglês, reconhecendo
que tínhamos entrado ile-
galmente em território israelita», disse à RSF.
O equipamento e vídeos
confiscado aos jornalistas
não foram devolvidos. A
alguns deles nem sequer
lhes devolveram os passaportes. Faraggi afirmou
que foi «vítima de assalto
à mão armada. Perdi mais
de 20 mil euros de equipamento. Encontrava-me a
bordo daquele barco como
jornalista, não como activista. Os soldados israelitas são culpados de um
acto de pirataria».
Ayse Sarioglu, uma jornalista turca, foi interrogada e humilhada por um polícia no porto de Ashdod.
«Enquanto me interrogava, cuspia-me para cima
e chamava-me idiota. Até
puxou-me a língua. Nem
acreditava no que via, foi
tão desumano!».
O material confiscado
aos jornalistas serviu para
justificar o ataque à frota.
A Associação de Imprensa
Estrangeira, que representa centenas de jornalistas
em Israel e na Palestina,
declarou que os militares
utilizaram o material confiscado, sem autorização
e identificação da fonte,
segundo noticiou a Associated Press. O material
apareceu no sítio YouTube
do exército como «capturado».
Observatório de Deontologia do Jornalismo - Boletim mensal do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas
Director e editor de fecho: Orlando César
Editor desta edição: Otília Leitão
Design e paginação: Marta Gonçalves
Redacção: Ana Isabel Costa, Ana Machado, Etiano Branco,
Francisca Leal, Gabriela Chagas, Orlando César, Otília Leitão e
Susana Oliveira.
Ilustrações: Maria Ramos
As colaborações assinadas exprimem os pontos de vistas dos
seus autores e a sua publicação não significa que o Conselho
Deontológico subscreva as opiniões aí expressas.
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