Untitled - Câmara Municipal do Tarrafal

Transcrição

Untitled - Câmara Municipal do Tarrafal
Entrevista
João Domingos,
Presidente da Câmara Municipal do Tarrafal
“Tarrafal
um paraíso
esquecido”
mativa como a melhor saída para a juventude do concelho. Uma saída que visa promover a descolagem do
Tarrafal no processo de desenvolvimento. Desde muito cedo começamos a trabalhar nesse sentido e, prova
disso, são os protocolos assinados com varias instituições de ensino espalhados por esse mundo fora. É
com esses jovens que temos que apostar no processo
de desenvolvimento. Enviamos já este ano oitenta
jovens para formação profissional em áreas técnicas.
São jovens que quando regressarem vão trabalhar em
sectores estratégicos para o desenvolvimento do município.
O que tem feito para debelar a pobreza e o desemprego
no concelho?
São dois males estruturantes. Dois problemas de
Cabo Verde, cuja resolução não depende apenas das
Continuamos a acreditar que investimentos estruturantes têm que ser feitos
nos domínios do turismo, da pesca e da
agricultura para que as famílias consigam ter rendimentos a partir desses sectores económicos.
câmaras municipais. Quando se tratam de políticas estruturantes de desenvolvimento nós temos
que assumir isso sem complexos. Cabe ao Governo
delinear essas políticas e apresentar meios para resolvê-los.
Temos estado a criar auto-emprego porque o emprego público não resolve o problema das pessoas.
O problema do emprego resolve-se com a promoção
da iniciativa privada.
Está à frente de um dos Municípios mais
pobres do país há quase sete anos. Enfrenta vários problemas, mas, nem por isso,
desiste da ideia de fazer de Tarrafal um
dos concelhos com uma considerável taxa
de cidadania. Minimiza o diálogo de surdos que o Governo mantém com a
sua câmara e diz não ficar à espera de ajudas provenientes do Palácio da
Várzea. Pelo contrário, garante que esse relacionamento lhe ensinou a lutar,
desafiando a pobreza e o desemprego que afligem Tarrafal.
Como é gerir um dos concelhos mais pobres do país?
Quarenta e três por cento (43%) da população do
Tarrafal é pobre, o que significa que quase metade
tem dificuldades de sobreviver.
Temos estado a lutar para conseguir criar postos de
trabalho embora saibamos que esta não seja a melhor opção para a condução do processo de desenvolvimento. Contudo, pode ser uma alternativa para minimizar os problemas das populações. Continuamos
a acreditar que investimentos estruturantes têm que
ser feitos nos domínios do turismo, da pesca e da agricultura para que as famílias consigam ter rendimentos a partir desses sectores económicos.
Qual é a razão que o leva a apostar tanto na formação
dos recursos humanos do concelho?
Sou daqueles que pensa que é preciso pensar o país
a médio e longo prazos. Nós elegemos a vertente for-
Não podemos esperar pelo Governo
Considera-se de mãos atadas em matéria de emprego?
Não! Não me considero de mãos atadas e já disse isso
várias vezes. Nós não podemos esperar eternamente pelo Governo. Temos que assumir alguns desafios.
Nós temos estado a gerir algumas frentes de trabalho
com contrapartida produtiva. Por exemplo, a rede viária urbana tem sido a Câmara Municipal a fazer; Infra-estruturas comunitárias têm sido feitas também
pela câmara. Fazendo isso, nós geramos emprego. Temos estado a gerar pequenas actividades geradoras
Janeiro de 2007 • Tarrafal • Entrevista
O melhor desafio que Cabo Verde podia
de rendimento como a pecuária, artesanato, comércio
informal junto das comunidades e temos conseguido
resultados positivos.
numa outra vertente: a qualidade, na formação das
monitoras dos jardins para que o ensino pré-escolar
seja um ensino no verdadeiro sentido da palavra.
A nível de abastecimento de água e energia eléctrica,
Tarrafal apresenta indicadores razoáveis quando comparados com o resto do país. Orgulha-se disso?
É claro que sim. A nível da qualidade de electricidade estamos bem. A Nossa meta nesse domínio visa
a electrificação de sete comunidades rurais do concelho. Mas em termos de qualidade, Tarrafal não se
queixa.
A nível de abastecimento de água, a nossa situação é
razoável. Temos 66% de ligação domiciliária. O nosso
objectivo é levar a água canalizada a Lagoa e Achada
Lagoa que são duas zonas sem acesso.
A aposta na qualidade do ensino é um trunfo seu?
Como é que tem sido possível essa excelente cobertura
do pré-escolar tendo em conta a alta taxa de pobreza?
Exactamente! Considero que a mudança que o país vai
requerer nos próximos tempos tem que começar pela
formação de base. Tenho estado a insistir junto de várias
entidades que nós temos que promover uma revolução
cultural se queremos dar um salto qualitativo. E essa
revolução tem que começar pela educação de berço.
Cobertura pré-escolar de 100%
Como está o sector da educação no concelho?
Temos responsabilidades no pré-escolar. Nesse aspecto temos uma cobertura territorial a cem por cento.
Temos jardins infantis em todas as localidades do concelho, mesmo onde o numero de crianças não justifica
a existência de um pólo. É que não trabalhamos com
números, mas sim com pessoas. Queremos que essas
crianças não fiquem lesadas em relação às outras.
São dados que nos orgulham e que nos fazem apostar
A propósito, continua a acreditar que existe um deficit
de cidadania no concelho do Tarrafal?
Existe um deficit de cidadania no concelho que não
facilita o processo de desenvolvimento. Quando estava fora do concelho não tinha essa percepção. Depois
que aqui cheguei constatei que as pessoas não tem informação de como é que as coisas se processam a nível
da administração. Não sabem quem é quem, quem
faz o que? Acho que todos aqueles que prestam serviço no Tarrafal devem ter consciência desse problema
e contribuir para fazer com que isso mude.
É preciso apostar na educação. Temos, nesse aspecto,
estado a investir na educação de infância, construir
centros comunitários e promover encontros entre associações comunitárias de base.
orgulhar-se de vencer seria o de ter ho-
O que pretende com isso?
Envolver a população no processo de desenvolvimento do concelho. É que os poderes públicos não fazem
desenvolvimento. Apenas criam condições. E se não
partilhamos com as populações as responsabilidades
da condução desse processo estaremos a cometer um
erro grave porque gastamos milhões em recursos que
não geram contrapartidas.
Os centros comunitários, os polidesportivos são infraestruturas construídas não para diversão mas sim para
formação das pessoas. Assim como não encaramos o
desporto apenas como lazer mas como formação física
e social do homem. Nessa perspectiva gastamos muito
com o Desporto. Não é por acaso que nos sagramos
campeão por duas vezes consecutivas. Nós financiamos
as despesas dos clubes sempre a pensar na formação.
missem a sua contrapartida no processo
E a nível da saúde?
Nos temos um posto sanitário construído em 1974.
Com o tempo foi ampliado, mas na verdade, tal como
está hoje não reúne as condições desejáveis para as
demandas do município. Temos hoje um delegado de
saúde e quatro médicos para 18 mil habitantes.
Agora somos um pouco mais porque temos uma taxa
de natalidade das mais altas do país (4,5%).
Isto não é preocupante?
É muito preocupante. E por isso temos vindo a apostar na educação sexual como forma de combater a gravidez precoce, a verdadeira causa dessa elevada taxa
• Tarrafal • Janeiro de 2007
mens em cada canto do país que assude desenvolvimento.
de crescimento da população.
A nível da cobertura de saúde não estamos muito bem
mas está-se a melhorar. Já se construiu um centro de
saúde, dois postos sanitários: um no meio rural (na
zona de Biscainhos) e outro em Chão Bom (a segunda
maior localidade de Tarrafal. Temos ainda uma unidade sanitária de base e um grupo de agentes sanitários
que se desloca para atender aos mais idosos e crianças das localidades mais afastadas. Temos dado muita
atenção a este facto porque, por vezes, as pessoas não
vão aos centros por falta de meios ou de consciência ou
ainda porque recorreram a outros métodos de tratamento nomeadamente os tradicionais
“Fomos ultrapassados no tempo”
Tarrafal foi outrora considerado a menina dos olhos
de Santiago a nível de turismo mas, ao que tudo indica, hoje, esta paragem parece ter caído um pouco
no esquecimento dos operadores turísticos. Será que as
autoridades municipais não têm sabido tirar proveito
do potencial turístico do concelho?
Não! Para já é preciso ter em conta que a visão inicial que
se tem do Tarrafal é uma visão colonial. Dadas às condições que oferecia e ainda oferece. Entretanto, os poderes
públicos não tem dado a devida atenção à questão.
Janeiro de 2007 • Tarrafal • Novo Mercado Municipal
tradas que temos não garante segurança a quem vem
passar férias no concelho. Além do mais, o sistema de
transportes existente não dá satisfação a ninguém,
a não ser que seja de táxi, mas certamente não será
para todos os bolsos.
Apenas algumas agências prestam esse tipo de trabalho aos turistas. Aquele que vem por conta própria
vai a sucupira procurar transporte para se deslocar ao
Tarrafal encontra logo aquela desorganização e não
terá uma viagem cómoda, nem tranquila porque todos
nós sabemos como é viajar num Hiace de passageiros.
Nós fomos ultrapassados no tempo pelos municípios
do Sal e da Boa vista. Tarrafal situa-se na ilha de
Santiago e sabemos que enquanto não for resolvido o
problema do aeroporto e da rede viária o turismo no
concelho não conseguira desenvolver-se. Tarrafal não
tem sido vendido convenientemente.
Estamos a tentar impulsionar o desenvolvimento
do turismo. Há um grupo de escoceses e irlandeses
interessados no Tarrafal e, nesse aspecto, temos já
projectos bem delineados. Um deles é a construção
de um hotel com 319 camas. Há mais um grupo de
cabo-verdianos (emigrantes) com cerca de 10 mil metros quadros, mas ainda sem projecto aprovado e um
outro grupo nacional detentor de 16 mil metros quadrados de terrenos para a construção de um empreendimento turístico. Reservamos toda a orla marítima
do tarrafal para investimentos turísticos.
Mas, curiosamente, Tarrafal é um dos concelhos que
mais turista interno tem recebido?
É verdade. A nível nacional. Talvez porque não conseguimos posicionarmos na escala internacional, essa
foi a saída possível. Tarrafal é, de facto, o concelho
com mais número de visitantes nacionais.
A sua gestão está a apresentar resultados positivos aos
tarrafalenses?
Estou a fazer o meu máximo para que quando de cá
sair ter a consciência tranquila. Presumo que o que
era possível fazer no contexto em que encontramos
estou a fazer.
“Governo tem estado a sacrificar
Tarrafal”
Município com mais turistas
internos
E qual é a espinha que trás trancada na sua garganta?
Olha! Nós não temos tido um relacionamento nada
saudável com o Governo. Diria que é o relacionamento possível. Quase que íamos perdendo o financiamento para a construção do mercado municipal devido à
interferência de alguns departamentos governamentais. Temos tido um grande problema financeiro. Só
a título de exemplo digo-lhe que o ultimo contrato
programa assinado com o Governo foi em 2003 e foi
de apenas sete mil contos.
Temos estado a fazer estradas de penetração com recursos da câmara municipal porque o Governo não
tem estado a contribuir. O governo tem estado a sacrificar o município do Tarrafal. Não entendo. Para
mim esta é uma péssima opção de fazer politica, porque estão a prejudicar o país, o concelho e as pessoas
que aqui vivem.
Até que ponto a asfaltagem da estrada que liga cidade
da Praia - Tarrafal pode mudar o rumo do turismo no
concelho?
(Risos)Nós poderíamos quadruplicar o volume do turismo no município do Tarrafal. É que o tipo de es-
Como pensa inverter este clima?
Tenho estado a fazer o meu trabalho tranquilamente.
Não tenho estado a desafiar o Governo, nem a provocar. Para mim é uma maneira de estar e de evitar
provocações politico-partidárias.
Dá a mão a palmatória para assumir que precisa de ter
uma postura mais agressiva em matéria de turismo no
concelho?
Creio que a Câmara Municipal tem tido culpa ou responsabilidade nesta manteria. Queremos estabelecer
parcerias bem posicionadas no contexto do turismo
nacional e internacional. Teria que ser uma parceria
que perspectiva, acima de tudo, o desenvolvimento
económico e social do concelho. Não queremos parceria apenas para ganhar dinheiro. Estamos neste momento em vários sites e feiras internacionais a tentar
promover a imagem turística do concelho.
• Tarrafal • Janeiro de 2007
Orgulho
dos tarrafalenses
É uma das obras com maior utilidade e destaque para a população local. O
novo mercado municipal, aberto recentemente, é um orgulho para Tarrafal,
seus comerciantes e suas gentes.
Nos dias de feira (2ª e 5ª), o local enche-se de gente
e barulho, com vendedores e compradores a misturarem-se num grande fervilhar.
A menina dos olhos dos tarrafalenses é uma obra que
custou cerca de 14 mil contos e comporta um total de
336 comerciantes. Com os seus 1051m2 da área total
bruta, o mercado abriu as portas no passado dia 28 de
Agosto último. Comporta duas alas: a reservada à venda de frescos/produtos alimentares e a outra dedicada
ao vestuário, onde perfilam vinte Boutiques.
Talho, Peixaria, Cabeleireiro e Barbearia são outros serviços prestados neste imóvel, munido de equipamentos modernos e funcionais.
Uma gestão autónoma garante o funcionamento normal da nova infra-estrutura que contribuiu para diminuir,
significativamente, o número de vendedores ambulantes
nas ruas da Vila e descongestionou os arredores do antigo
mercado Municipal, que vai ser transformado num espaço para exposição-venda de produtos artesanais.
Com melhores condições de
higiene e de conforto, o novo
mercado trouxe mais valia
ao Tarrafal de Santiago, um
concelho cujas principais actividades económicas são
a agricultura, a pesca, os serviços ligados ao turismo,
à hotelaria e restauração, sem esquecer, obviamente, o
comércio informal.
À frente do mercado foi construído um parque de
estacionamento.
Associação de comerciantes
Para além das excelentes condições para a prática do
comércio informal, o mercado do Tarrafal conta com
uma Associação de Comerciantes que ali laboram. Nos
dois dias de feira a taxa de ocupação do mercado ultrapassa de longe os dias normais de venda.
Os comerciantes querem que os seus interesses sejam
devidamente salvaguardados com critérios bem definidos na cobrança de taxas, armazenagem dos produtos,
segurança nocturna das mercadorias e melhores relações humanas com os fiscais da Câmara Municipal.
Para o bom funcionamento do mercado em causa, é
fundamental que a Câmara e os utentes do espaço, principalmente os comerciantes, estejam sintonizados.
E os consumidores agradecem, tanto mais que o mercado é um espaço agradável tanto para os
clientes habituais, como para os visitantes ocasionais deste município que recebe
o maior número de turistas internos.
Vale a pena dizer que o novo mercado municipal da Vila do Mangui é
cómodo, útil, seguro, bonito e agradável. Por tudo isso, não admira que
seja o orgulho dos tarrafalenses.
Janeiro de 2007 • Tarrafal • Bolsa de Valores de Cabo Verde
Venda de Acções
Câmara ganhou
150 mil contos
multiplicadores na economia local permitindo assim
à autarquia arrecadar um valor muito superior aos
dividendos parcelares que recebe anualmente”, argumenta o edil Tarrafalense.
João Domingos faz questão de salientar que a Câmara Municipal do Tarrafal recebia inicialmente um
lucro de três mil contos por ano resultante da compra
das acções da sociedade cabo-verdiana de tabacos.
“Posteriormente passamos a receber 13 mil contos”
contabiliza.
“Vender acções foi uma boa opção”
Vender acções da Câmara Municipal do Tarrafal foi uma ideia pensada e amplamente debatida pela equipa liderada por João Domingos. A conclusão foi
unânime e acertada: um concelho com 43 % da população pobre não pode
dar-se ao luxo de continuar a ter 24 mil acções na Bolsa de Valores de Cabo
Verde. As necessidades do município e das suas gentes falam mais alto.
Na verdade, a ideia de vender as acções da Câmara
Municipal do Tarrafal não tem a ver apenas com a penúria de recursos. Segundo conta João Domingos, uma
câmara pobre como a do Tarrafal, com problemas graves por resolver a nível do concelho, nomeadamente o
abastecimento de água, de saneamento e com uma taxa
de pobreza considerável não pode ter investimentos consideráveis numa empresa como a Bolsa de Valores.
10 • Tarrafal • Janeiro de 2007
“Não podemos de maneira nenhuma ter acções na
sociedade cabo-verdiana de tabacos e receber fraccionadamente dividendos que não dão para resolver os
problemas do município. Eu acredito que investindo
no abastecimento de água, no saneamento básico nas
infra-estruturas desportivas, estaremos a desempenhar um trabalho em prol do bem-estar imediato das
populações. É que esses investimentos terão efeitos
O presidente da Câmara Municipal do Tarrafal não
tem dúvidas quanto à realização do negócio que efectuou. Considera que a venda das acções da câmara foi
um boa opção e diz estar disposto a trabalhar para
provar esse facto à população.
Tem as contas devidamente feitas e na ponta da língua. “Ao todo vendemos 24 mil acções que valeram
456 mil contos. Deduzindo os custos de venda, a câmara acabou por arrecadar 150 mil contos líquidos”
explica.
João Domingos avança ainda que a ideia de vender
as acções foi discutida várias vezes com a sua equipa
e que, antes da concretização, do negócio foram promovidos vários encontros com o pessoal da
Câmara. Aliás, faz questão de salientar que,
raras vezes, toma decisões importantes sem
consultar a sua equipa.
Conta que depois da decisão tomada, o
primeiro passo foi a transformação da sociedade. “Era inicialmente por quotas e
transformamo-la em sociedade anónima.
Seguidamente surgiu então a ideia de desfazermos dessas acções. Isto a pensar também
nalguns riscos associados a esse tipo de transacções. Com o fim do monopólio em 2012 já
não teríamos garantias de dividendos. Além do mais
o Estado também pretendia desfazer-se das suas acções e não sabíamos a quem ia entregar ou vender”.
A partir daí começaram a ficar com algumas dúvidas,
“porque não tínhamos a certeza se que os investidores iriam continuar a distribuir dividendos”.
“O lucro será investido no concelho”
João Domingos está mais do que nunca determinado e consciente do negócio que fez. Com o dinheiro
resultante da venda das acções o autarca vai investir
no abastecimento de água, na rede viária de penetração, na educação e na formação.
“Esses recursos não vão ser utilizados em investimentos rotineiros. Aliás, nós estamos a pensar em
fazer uma engenharia financeira de modo a não utilizarmos directamente esses recursos. Vamos constituir
um depósito a prazo e solicitar recursos para investimentos. Contamos com o retorno desses investimentos efectuar realizações concretas.
“Senti que a venda foi um sucesso” revela João Domingos, acrescentando que o presidente da Bolsa de
Valores não tem parado de fazer elogios à decisão tomada pela Câmara Municipal e a maneira como as
coisas aconteceram.”
Janeiro de 2007 • Tarrafal • 11
Grandes obras
Electrificação rural
é o grande sonho
O desenvolvimento de qualquer município faz-se através de obras e de realizações. A materialização de infra-estruturas assume-se como marca indelével de qualquer equipa camarária. No Tarrafal de Santiago, a realidade,
carregada de necessidades básicas, impõe um grande objectivo: a electrificação rural do concelho mais a norte da maior ilha do arquipélago.
O Vereador do Pelouro de Infra-estruturas e Obras da
Câmara Municipal do Tarrafal, Ifegénio Tavares, reconhece a difícil realidade que se vive no seu concelho.
“Na verdade, no nosso município, é necessário fazer-se quase tudo para se conseguir satisfazer as populações, porque temos muita carência de infra-estruturas”, realça aquele responsável.
Um dos sonhos que se deseja tornar realidade, antes do final do presente mandato, é a electrificação
das zonas rurais. “Temos agendado, para o final do
ano de 2007, realizar este grande sonho”.
Estádio Municipal
Outra das grandes obras de que o município sempre
precisou e que a juventude local merece é a construção do estádio municipal, que já se encontra em exe12 • Tarrafal • Janeiro de 2007
cução, estando a sua conclusão prevista para finais de Maio de 2007.
Trata-se de um estádio projectado
para ter 15 mil lugares, mas, como
ultrapassa as necessidades do concelho, a obra vai ser materializada por
fases. “Vamos fazê-lo, primeiramente, com uma capacidade para cerca de 2000 lugares, que é a lotação
da bancada central, e, depois, num
próximo passo, iremos fazer as bancadas laterais, explica.
É um estádio que está orçamentado em quase 50 mil
contos, montante que ultrapassa as capacidades financeiras do município, e, daí, a opção de se avançar faseadamente”. A relva sintética, a iluminação artificial e
outras melhorias ficam para uma segunda fase.
A infra-estrutura situa-se entre o Museu de Resistência e o Campo de Concentração do Tarrafal, mais
concretamente entre Chão Bom e Vila do Mangui,
sede do Município.
Construção de estradas
Num concelho em que praticamente tudo está por
fazer, a grandeza das obras mede-se pelo nível da satisfação das populações.
No Tarrafal, a construção de estradas e a abertura de
vias de acesso assumem uma importância fundamen-
tal. É neste quadro que se insere a abertura de vias de
acesso a algumas localidades que estavam encravadas,
como a ligação com Mato Brasil e Chã de Junco e o
acesso à Achada de Moirão, através de Biscainhos.
O Vereador Tavares concretiza: “uma das nossas
ambições era fazer uma estrada que dava a volta a
Biscainhos. Assim, quando alguém viesse da Praia,
via Calheta, em vez de ir para Achada Carreira, antes
de chegar a Achada Moirão, entrava através de Biscainhos e ficava mais perto ir para a Achada Moirão
ou para o Mato Brasil”. Enfim, são formas de facilitar o acesso a localidades.
“Fizemos alguns arranjos nas estradas que dão
acesso à zona piscatória e turística de Fazenda e queremos criar condições para que as pessoas possam ir
até lá e, depois, então fazer um projecto turístico a
sério que propicie o desenvolvimento local”.
Infra-estruturas sociais
Uma das apostas da actual equipa camarária prende-se com a construção de infra-estruturas sociais,
como centros comunitários e unidades sanitárias de
base. De entre as localidades já contempladas com
centros comunitários operacionais, apontam-se Biscainhos, Trás-os-Montes e Curral Velho. Em fase de
conclusão, estão os centros comunitários de Ribeira
Prata e Achada Longueira.
Relativamente aos apoios no domínio da habitação
social, salienta-se que, anualmente, nos orçamentos camarários, são previstas verbas para o efeito,
apoiando-se, desta forma, as famílias mais carenciadas em materiais de construção. Segundo o Vereador, a parceria neste domínio foi mais efectiva com o
Programa Nacional de Luta contra a Pobreza do que
com a Operação Esperança, desenvolvida pela Fundação Cabo-verdiana de Solidariedade.
Asfaltagem da estrada
Assomada-Tarrafal
Sobre a asfaltagem da estrada Assomada/Tarrafal,
ainda por materializar, o Vereador de Infra-estruturas e Obras
da edilidade tarrafalense mostra-se esperançado que tal aconteça brevemente. “Já foi feito o
levantamento topográfico e acreditamos que, possivelmente, em
2007, o Governo dê continuidade
à asfaltagem e seja contemplada
a via Assomada/Tarrafal”.
O Vereador não quer acreditar que o seu município
seja tido como ‘fidjo di fóra’ nesta questão de dotar o
país de uma moderna rede de estradas.
“A Câmara Municipal do Tarrafal acredita no bom
senso e razoabilidade governamental no sentido de
não penalizar qualquer concelho do país pela sua cor
política”, remata.
Terrenos para investimentos
turísticos
Tendo em conta que o município possui consideráveis potencialidades turísticas, existe uma grande
demanda de terrenos para construção de empreendimentos turísticos.
Porém, para o Vereador de Infra-estruturas e Obras
da Câmara Municipal, “o constrangimento maior
prende-se com a necessidade de infra-estruturação do
concelho, uma vertente fundamental para o sucesso
de qualquer empreendimento turístico”. Por outras
palavras, há necessidade de boas estradas de acesso
e de penetração, boas condições sanitárias locais, entre outras exigências. Até lá, continua-se à espera da
concretização dos projectos.
A questão essencial que se apresenta é que, sendo o
incremento do turismo fundamental para o desenvolvimento do concelho, sem a criação das infra-estruturas básicas, os investimentos turísticos ficam a aguardar por dias melhores. Daí que seja fundamental uma
efectiva parceria com o Governo e o estabelecimento
de parcerias público-privadas para ajudar o concelho
a descolar rumo ao seu efectivo desenvolvimento.
As potencialidades
estão aí, mas, segundo o Vereador, um
cabal
incremento
turístico do Tarrafal
implica um desenvolvimento da ilha
de Santiago no seu
conjunto.
Janeiro de 2007 • Tarrafal • 13
Saúde, Educação e Cidadania
Educação
para a cidadania
O analfabetismo, aliado a um considerável deficit de cidadania e civismo,
tem estado a comprometer o desenvolvimento de Tarrafal.
Um dos maiores constrangimentos ao desenvolvimento do Concelho do Tarrafal é a deficiente participação da população no processo de desenvolvimento
do concelho.
O presidente da edilidade revela que existe um certo “deficit de cidadania e de civismo, motivados por
algum analfabetismo ainda existente no seio da população” que faz com que os munícipes maltratem
os bens e as infra-estruturas públicas colocadas à sua
disposição.
A aposta, segundo o autarca, continua a recair na
contenção das despesas de funcionamento, para se
investir mais em infra-estruturas comunitárias, enquanto canais de comunicação e sensibilização das
populações menos esclarecidas.
Educação comunitária
O Delegado do Ministério da Educação no Tarrafal
assegura que têm sido levadas a cabo acções de educação comunitária, com resultados positivos em termos de
postura dos munícipes perante os bens públicos.
14 • Tarrafal • Janeiro de 2007
Como exemplo, Manuel Tavares avança, que nas localidades mais afastadas da Vila, já não são precisos
guardas nas escolas.
O mesmo já não acontece em Chão Bom e na Vila
de Mangui, onde actos de vandalismo contra as escolas, perpetrados por jovens tarrafalenses influenciados por comportamentos desviantes continuam a
acontecer.
Acções conjuntas
Desenvolver projectos de formação pessoal com os
jovens e as famílias, orientando-lhes para a melhoria
das suas próprias vidas e para o exercício da cidadania, implica o engajamento de todas as forças vivas
do concelho, defende o responsável pela educação no
concelho.
Nesta matéria, o concelho sofreu um grande revés este ano, com o fim do projecto no sector da
alfabetização e educação de adultos, que permitiu
alfabetizar cerca de trezentos pessoas por ano, desde 2003.
A delegação está a envidar esforços no sentido de se retomar o projecto e reintegrar os 13
animadores cívicos dispensados.
Professores mais qualificados
O Concelho do Tarrafal “está a caminhar a um bom
ritmo” no sector da educação, traduzidas em mais infra-estruturas físicas e melhores condições logísticas
de funcionamento.
Um dos maiores desafios tem a ver com a necessidade de mais professores com formação superior
para o Ensino Secundário (ES) e atingir os 100% de
docentes com formação pedagógica para o Ensino
Básico Integrado (EBI).
O Delegado do Ministério da Educação, Manuel
Tavares pretende ainda que todos os alunos que terminem com sucesso o 6º Ano integrem o ensino secundário no concelho.
Por razões de indisponibilidade financeira, muitos
adolescentes, das localidades mais dispersas do município, não dão continuidade aos seus estudos, por
não possuírem meios financeiros.
O fundo de apoio ao transporte à disposição da
delegação escolar é insuficiente e, segundo Manuel
Tavares, não responde às demandas, apesar da colaboração da Câmara Municipal, do ICASE, da Bornefonden e do Programa de Luta Contra a Pobreza,
neste sector.
Novo liceu
A construção de mais 12 salas de aulas para o EBI
devidamente equipadas e a recuperação de mais 22
ditou o fim do sistema de tresdobramento que vinha
funcionando em algumas escolas do Tarrafal.
A nível do secundário a grande novidade é o arranque da construção de mais um pólo de ensino em
Chão Bom de modo a descongestionar do único liceu
existente no concelho.
De há três anos a esta parte, o responsável pela educação no concelho, preocupa-se em dotar todas as escolas com energia eléctrica, de pelo menos um computador, para a iniciação das crianças e adolescentes em
novas tecnologias de informação e da comunicação.
Melhoria dos índices de saúde
A cobertura sanitária do concelho do Tarrafal, com
cerca de vinte mil habitantes, está a cargo de 5 médicos e 8 enfermeiros coadjuvados por agentes sanitários que exercem tarefas auxiliares, nos vários postos
sanitários espalhados pelo município.
Com o apoio da Câmara local, tem sido possível
aproximar os cuidados básicos de saúde à população,
através da activação de Unidades Sanitárias de Base
(USB), em quase todas as localidades.
O delegado Júlio Monteiro garante que Tarrafal
está acima da média nacional, com indicadores muito favoráveis, a nível da cobertura vacinal e baixa
taxa de mortalidade infantil.
Para continuar no “caminho certo”, Júlio Monteiro afirma que “a prevenção é a chave da melhoria dos
índices de saúde no concelho”.
Uma atenção especial tem sido dada às vertentes
ligadas á saúde reprodutiva e às doenças infecto-contagiosas como a tuberculose e o VIH-SIDA.
A entrada em funcionamento do novo Centro de
Saúde no Tarrafal poderá fazer do concelho uma referência em toda a região norte da ilha de Santiago.
Janeiro de 2007 • Tarrafal • 15
Turismo
Como promover
Tarrafal?
O grande entrave à promoção de Tarrafal, enquanto destino turístico, é a
falta de dados sobre o concelho. A própria Câmara Municipal do Tarrafal
(CMT) assume que não sabe, ainda, quantos turistas visitam o concelho e
nem o perfil desses visitantes.
trumento fundamental para a promoção
de Tarrafal e para dar mais informações
aos turistas que nos procuram”, afirma a
vereadora Ana Isabel Sousa e Silva.
A par do guia turístico, a CMT projecta a abertura de um centro de informação turística, para ajudar os turistas a
orientarem-se.
Outra lacuna verificada no leque de
ofertas turísticas do Tarrafal é a ausência de um ponto de venda de artesanato. “Nós produzimos peças de cerâmica, bijutarias,
doces, licores, cestaria, rendas e bordados. Além de
termos artistas que produzem discos e podem também ser vendidos neste tipo de loja que será, digamos
assim, de produtos Made In Tarrafal”, garante Ana
Isabel Sousa e Silva. A vereadora anuncia também,
para 2007, o lançamento da página da CMT na Internet.
Serviços, precisam-se
Sem esses dados, o município não sabe quais são os
interesses dos turistas e dos potenciais investidores.
Por isso, ainda não se definiu uma estratégia de desenvolvimento do turismo.
Um desafio que se impõe, já que o turismo surge
como a actividade preponderante do município do
norte da Ilha de Santiago. E mesmo neste quesito, a
ausência de dados não permite saber, com exactidão,
qual o impacto do turismo na performance económica de Tarrafal, considerado um dos concelhos mais
pobres de Cabo Verde.
Consciente dessa lacuna, o Pelouro do Turismo, das
Actividades Económicas e Emigração traça um conjunto de acções para promover o concelho. O Pelouro
16 • Tarrafal • Janeiro de 2007
planeia organizar,
com a parceria dos
operadores turísticos, um fórum para
reunir
subsídios
para a elaboração do
plano estratégico do
turismo no Tarrafal.
Aliás, o processo de
elaboração já decorre, com a coordenação de dois técnicos da Universidade de Coimbra, de Portugal.
Ao mesmo tempo, anuncia-se o lançamento, para breve, do guia turístico do Tarrafal. “Está em fase de preparação e deve ser lançado em pouco tempo. É um ins-
Tarrafal é o único ponto turístico do país onde a
maioria dos turistas é formada por nacionais. No verão e, sobretudo aos fins-de-semana, a Vila de Mangui é “invadida” por centenas de turistas, oriundos de
todos os cantos da ilha, desde Praia a Calheta.
Assim como os nacionais, os turistas estrangeiros
chegam à procura das praias, da tranquilidade e do
sol do Tarrafal. Outro período de alta do turismo coincide com o fim-de-ano e as festas do município, que
culminam a 15 de Janeiro, dia de Nho Santo Amaro.
É quando o concelho regista maior movimentação,
para a qual contribuem a afluência dos emigrantes.
Apesar das potencialidades e da procura turística, Tarrafal ainda precisa aumentar a sua oferta em
termos de serviços e de lazer. A Vila tem apenas dois
hotéis em funcionamento, o Baia Verde e o Tarrafal,
sendo que este último enfrenta dificuldades de funcionamento, estando neste momento a prestar serviços mínimos. A Vila de Mangui tem ainda algumas
pensões e restaurantes, que servem pratos típicos da
terra.
O que faz falta são opções de lazer, como um espaço de música ao vivo e um centro cultural. Tarrafal
é uma terra de música, onde nasceram Mário Lúcio,
Princesito, Chando Graciosa, Batucadeiras Pó di
Terra, Bibinha Cabral, Tchota Soares, entre outros.
Contudo, há poucos certames musicais ao longo do
ano. A Vereadora Ana Isabel Sousa e Silva lança um
desafio aos músicos de Tarrafal: “os artistas têm de se
organizar e se o fizerem podem contar com a parceria
da Câmara Municipal do Tarrafal”.
Investimentos a passos lentos
O Plano de Actividades da Autarquia também prevê a institucionalização de um fórum de concertação
com os operadores turísticos, para cooperação e troca de informações sobre o sector. Segundo a CMT, há
operadores turísticos interessados, mas os processos
desenrolam-se a um ritmo lento. “Alguns operadores
turísticos já têm lote e aguarda-se o início das obras.
São nacionais, britânicos, canários. Há potenciais investidores que procuram a Câmara e manifestam-se
interessados no Tarrafal, mas as coisas acontecem a
um ritmo lento”, afirma a vereadora da área. A ausência de infra-estruturas viárias pode estar no cerne
da questão. A asfaltagem da estrada que liga o sul e o
norte da Ilha de Santiago ainda não chegou a Tarrafal, que está no extremo da ilha.
Praias do Tarrafal
Ouro branco e ouro negro
Duas praias de areia fina e água cristalina, aquecidas
pelo sol, situadas em baías concavas, delineadas por
montes que as protegem do vento. Duas faixas de litoral
ornamentadas com coqueiros, na linha de frente de hor-
tas que crescem em ribeiras onde imperam bananeiras,
cana-de-açúcar, árvores fruteiras, hortaliças e cereais.
No litoral oeste do município do Tarrafal, a Praia
da Vila do Mangui e a da Ribeira das Pratas ofeJaneiro de 2007 • Tarrafal • 17
Turismo
recem as condições ideias para a
prática do turismo balnear. Por
conta dos caprichos da natureza,
as duas praias são idênticas até
no recorte – uma faixa extensa,
contígua a uma praia pequena. A
diferença está na cor da areia: o
azeviche de Ribeira da Prata e o
dourado da Vila do Mangue.
Praia de Ribeira das
Pratas
Logo à entrada do povoado de
Tchon Bom, faz-se um desvio para
a esquerda na estrada principal.
Chegar a Ribeira das Pratas leva
menos de 10 minutos de carro. A
caminhada pode ser uma boa opção, já que não exige muito esforço. E pode sempre contar com a
brisa refrescante do mar, já que o
caminho contorna o litoral. Na última curva da estrada, a praia de
areia negra revela-se por inteiro,
convidativa.
Ribeira das Pratas é uma aldeia piscatória e agrícola, que
vive da pesca, da agricultura
e ultimamente da apanha de
areia. Esta actividade, praticada essencialmente por mulheres
chefes de família, já destruiu por
completo a praia dos pescadores.
Segundo o Pelouro do Turismo,
das Actividades Económicas e
Emigração da Câmara Municipal do Tarrafal (CMT), a apanha
de areia não compromete a prin18 • Tarrafal • Janeiro de 2007
cipal praia de Ribeira das Pratas.
“A Câmara, em parceria com o Ministério da Agricultura, colocou
um guarda nessa praia. Também
temos um protocolo com a Associação Comunitária de Ribeira
da Prata, para proteger a desova
das tartarugas e a própria praia”,
informa a vereadora Ana Isabel
Sousa e Silva.
Praia da Vila do
Mangui
Uma das praias mais apreciadas
da ilha de Santiago, por turistas
nacionais e estrangeiros, a Vila
do Mangui tem nas adjacências a
praia do Presidente, a preferida
dos campistas. Não raro, vêemse tendas montadas à sombra das
acácias, à boca do mar. A Praia do
Presidente é tão tranquila como
uma piscina natural. As águas
transparentes, de um azul esverdeado, também convidam ao mergulho desportivo.
Chamada de “jóia da coroa”
do turismo no Tarrafal, a CMT
garante que a apanha de areia é
estritamente proibida na Praia da
Vila do Mangui. “Nós temos guardas na Praia. Pode ser que alguém
apanhe um balde de areia, uma
vez ou outra, mas é raro”, assegura a Vereadora do Turismo, das
Actividades Económicas e Emigração da Câmara Municipal do
Tarrafal.
Fazenda, uma beleza selvagem
Numa manhã ventosa de Dezembro, partimos à
descoberta de Fazenda, uma das maravilhas do litoral do Tarrafal de Santiago, situado no sopé do Monte
Graciosa.
Num todo-o-terreno, iniciámos o trajecto a partir
da Vila de Mangui, sede do Município do Tarrafal. O
primeiro ponto de passagem foi a povoação de Achada Carreira, seguindo-se Trás-os-Montes, em oito
quilómetros percorridos aos solavancos. Contudo, o
mais difícil estava por vir.
A partir de Trás-os-Montes, o trajecto na estrada
de terra batida, de cerca de quatro quilómetros, fazse entre o pó e o baloiçar constante da viatura. Da
paisagem, avistam-se acácias plantadas aqui e acolá,
o castanho da terra ressequida e o verde das pequenas hortas, situadas estrategicamente ao longo da
estrada, que aguarda, desesperadamente, pelo calcetamento.
Quando se chega finalmente ao destino, todo o esforço valerá a pena. As 27 casas habitadas do povoado de Fazenda, albergando 137 pessoas, dão-nos as
boas-vindas, ao sabor do vento e da maresia.
Pequenas e pobres habitações revelam o viver de
uma população humilde, mas acolhedora, característica das gentes do campo. Percorre-se pachorrenta
e calmamente o pequeno povoado, com crianças espreitando das janelas e os adultos assomando-se, timidamente, ao portal para saudar os visitantes, com
os tradicionais convites para chegar, entrar e “tomar
um cafézinho”.
Pedra M’pena: um espectáculo!
O professor Aristides, o nosso guia turístico, conduz-nos através de um tortuoso caminho de pedras,
quais cabras escarpando-se pelos atalhos, ‘obrigando-nos’ a fazer o jogo do equilíbrio. Mesmo ao pé do
majestoso Monte Graciosa, esperava-nos um espectáculo digno dos maiores elogios.
“Pedra M’pena” é um aglomerado de grandes pedras, dispostas em forma de mosaicos, formando um
todo de difícil descrição. No sopé da pedra maior, a
“Pedra M’pena”, disfarçada por pedras mais pequenas, esconde-se a fonte da vida local: a água cristalina, natural, que a população consome. Isto porque
no povoado há um chafariz ainda à espera da água
potável em rede, fornecendo, por ora, apenas água
para rega e para os animais.
Ao redor da “Pedra M’pena”, florescem acácias,
que consomem muita água e têm reduzido o caudal
de água ali existente. A solução passa pela plantação
de árvores fruteiras,
criando um pomar neste recanto do paraíso.
Mas também seria de
todo conveniente abrirse uma estrada até
“Pedra M’pena”, para
permitir a descoberta
desta maravilha pelos
amantes da natureza.
Janeiro de 2007 • Tarrafal • 19
Turismo
Apanha de areia destrói praia
Descendo o caminho escarpado, chegamos à praia
de Fazenda. Ali assiste-se a um espectáculo desolador: mulheres e homens, dentro do mar, extraem
areia para vender e sustentar a família. Contudo, o
preço da sobrevivência é alto e o resultado, desolador
para o ambiente.
A antiga praia de areia negra, na qual vinham desovar tartarugas, transformou-se num autêntico pedregulho. Torna-se assim, imperiosa, a criação de alternativas de emprego para a população de Fazenda,
sob pena de degradação irreversível da praia local,
provocando a morte instantânea do turismo, ainda
em fase incipiente. A salvo está, ainda, uma pequena
praia de areia negra, mesmo no sopé do Monte Graciosa, devido à falta de acesso. Isto porque só é possível chegar lá a pé.
Pesca desportiva, turismo balnear e de montanha, tudo isso é
possível em Fazenda. É só mobilizar vontades e
dar os passos que
se impõem. Até
lá, Fazenda espera ser descoberta
por desconhecidos e revisitada
por admiradores
de uma bela paisagem, da praia
de areia negra;
apreciadores do espectáculo da desova das tartarugas, de uma escalada de Montanha ou do simples
curioso de ver e conhecer algo diferente.
A descoberta é possível de carro, um todo-o-terreno preferencialmente, de barco, a partir da vila
do Mangui e, obviamente, a pé, estando a uma
distância de uma hora da sede do Município, contornando-se o Monte Graciosa. Boa descoberta e
fantástica aventura neste lugar de uma beleza selvagem!
As necessidades
da população de Fazenda
O desenvolvimento tarda em chegar à localidade piscatória de Fazenda, onde residem 137 moradores.
Em conversa com o professor
Aristides Gomes de Pina, 49 anos,
professor primário há 31 e líder
comunitário, fica-se com a sensação de que muito precisa ser feito
pelas autoridades para melhorar
as condições de vida dos moradores de Fazenda.
Reunidos em torno da Associação de Agricultores e Criadores de
Fazenda (Agro-Fazenda), os moradores reclamam o calcetamento da
via de cerca de quatro quilómetros
que liga a localidade a Trás-os-Montes, já que na época das chuvas, a
estrada torna-se intransitável.
20 • Tarrafal • Janeiro de 2007
Reivindicam igualmente a abertura do emprego público para acabar
com a extracção de areia e a consequente degradação ambiental.
Ao mesmo tempo, urge melhorar a protecção ambiental, com
a construção de mais diques de
retenção de água, e promover o
turismo local.
A Agro-Fazenda quer ver também concluído o projecto de sistema de rega gota-a-gota: faltam
sete famílias, para completar o
rol de 25 aglomerados familiares
beneficiários.
A associação pede ainda a reabertura do jardim infantil local,
a construção de uma unidade
sanitária para a prestação dos
primeiros socorros e energia eléctrica durante 24 horas, já que o
pequeno gerador apenas permite
o fornecimento de electricidade
durante algumas horas.
A maioria da população residente é jovem e predominantemente feminina. O próprio Aristides
afiança que muitos jovens locais
estão interessados em desenvolver
pequenos projectos nas áreas da
panificação, culinária, canalização,
corte e costura/rendas e bordados.
Contudo, só será possível com o
fornecimento de energia eléctrica
em regime permanente. Uma realidade espinhosa que mostra o quão
difícil é a vida para os moradores
de Fazenda.
Turismo rural, ainda um sonho
Quem visita Tarrafal e não vai além das praias, perde a oportunidade de ser surpreendido.
Além dos montes que emolduram a Vila do Mangui
e Chão Bom, as localidades mais visitadas por turistas, pode-se, igualmente, desfrutar de uma outra vivência de Tarrafal, mais rural.
Mato Brasil, Achada Longueira, Biscainho, Fazenda e Trás-os-Montes são algumas comunidades
que representam uma vivência mais ligada à terra,
enquanto chão de agricultura e pecuária, e ao mar,
por causa da pesca. Traduzido em termos de turismo,
uma vivência “pitoresca”.
São localidades onde a pobreza salta à vista, bem
como a luta quotidiana por água e pão. Aqui, tudo
é aproveitado em nome da sobrevivência. No terraço das casas, as espigas de milho seco e os molhos de
palha, indicam que é tempo de guardar o que a terra
deu, sob pena de um amanhã incerto. Sobretudo no
Tarrafal, onde pouco chove dado á aridez do clima.
Nas zonas altas, que beneficiam de microclimas
mais húmidos, o céu é mais generoso. Em Mato Brasil, por exemplo, há uma nascente de água doce, uma
verdadeira bênção para as suas gentes. A pequena
localidade, formada por pequenos agricultores e pastores, toca a vida com tranquilidade. As casas estão
dispostas numa encosta inclinada que oferece uma
vista espectacular para o litoral leste do Tarrafal,
desde o extremo norte da ilha de Santiago, até Calheta de São Miguel.
Em Mato Brasil, as moradias respeitam o mesmo
desenho quadrangular: as divisões, cobertas de telha
marselhesa, são organizadas em torno de um pátio
interno. As varandas têm vista para um vale profundo, onde está a nascente. As suas gentes sabem rece-
ber quem chega e há sempre um café ou um pedaço
de cuscuz para os visitantes.
Por tudo isso, Mato Brasil oferece todas as condições
para a prática do turismo rural e de montanha, assim
como toda a zona alta do concelho do Tarrafal.
A Câmara Municipal do Tarrafal (CMT) está consciente dessa potencialidade, mas argumenta que o seu
desenvolvimento é complexo. A intenção é criar albergues para promover o
exoturismo. Nessas zonas, há várias
casas abandonadas ou fechadas, por
causa de conflitos de herança ou porque os donos estão emigrados. A CMT
tem tentado negociar com os proprietários de casas, mas o processo revela-se difícil. “Não conseguimos contactar os proprietários. Em Fazenda,
há casos de turistas que vêm e ficam
nas casas das pessoas e convivem com
a comunidade. Queremos alargar essa
experiência, mas é difícil”, lamenta a
vereadora Ana Isabel Sousa e Silva.
Janeiro de 2007 • Tarrafal • 21
Património
Ex-Campo de Concentração do Tarrafal
Um monumento
de carácter
universal
Pedro Martins
O recente reconhecimento pelo World Monument Fund (WMF) do Ex-campo de
Concentração do Tarrafal como património arquitectónico de caracter universal
vem confirmar a sua importância política, cívica e
cultural que muitos de nós
tem vindo a defender, e
que deverá ser perpetuado
pela sua adaptação num
Museu de Resistência.
O WMF é uma organização internacional prestigiada que se tem dedicado à preservação de patrimónios
mundiais tão significativos como algumas catedrais
na Europa, a murallha da China, templos budistas
em Cambodja e tanto outros. Se por um lado esse reconhecimento abre portas à possibilidade de se obter
fundos a nível mundial para a preservação da sua estrutura arquitectónica, por outro expõe o ritmo lento
das autoridades competentes na valorização de um
património de tal envergadura.
Nunca é demais lembrar-se que o Ex-Campo do
Tarrafal é o maior símbolo da luta pela emancipação e conquista dos direitos democráticos dos povos
de Angola, Cabo Verde, Guiné e Portugal. Nas suas
masmorras também estiveram presos anti-fascistas
da Alemanha, Espanha e Polónia. Soldados moçambicanos chamados «tropa Landim», foram utilizados
como guardas auxiliares das tropas portuguesas.
Sendo o acto de emancipação de um povo um evento histórico de impacto fundamental para o advir do
seu desenvolvimento sócio-económico, a transformação do Ex-Campo num museu de resistência, covertêlo-á num centro de celebração da liberdade de quatro
povos, e marcará um dos períodos mais importantes
22 • Tarrafal • Janeiro de 2007
na história da civilização humana no século XX, que
foi a da luta contra o fascismo na Europeu e contra o
colonialismo em África.
A causa da liberdade
Aconselham os grandes pensadores que se deve enfatizar o lado positivo dos factos para servir de referência e de fonte de inspiração às gerações vindouras.
Falar-se do Ex-Campo sem se referir aos ex-prisioneiros políticos que o emprestaram a notoriedade,
é uma atitude cínica e conveniente que não deve ser
tolerada. É preciso ter bem alto na memória, que os
prisioneiros políticos do Tarrafal foram homens que
se dedicaram generosamente à causa da liberdade,
expondo-se às terríveis consequências da ditadura
colonial-fascista. Esses homens, jovens, pais de famílias, intelectuais e trabalhadores não procuravam nenhum benefício pessoal, nenhum estatuto particular
e nem um reconhecimento pela sua coragem e sentido
de dignidade. Procuravam sim a liberdade e uma vida
melhor para os povos que representavam. Entretanto, num país que copia quase tudo do master colonial,
convenientemente, os seus responsáveis se esquece-
ram que a Assembleia Nacional de Portugal, o órgão máximo de soberania
do Estado Português, teve
a iniciativa e dignidade de
condecorar e reformar devidamente todos os seus
ex-prisioneiros políticos.
Em Cabo Verde, somente
alguns que passaram pelo Ex-Campo receberam uma
pensão mínima, e ainda que isso não bastasse, a mesma é feita no quadro da luta contra a pobreza, isto é,
como caridade em relação a mendigos.
Contrariamente ao intuito da ditadura salazarista
o Campo uniu os povos de Angola, Cabo Verde, Guiné e Portugal através das suas respectivas lutas para
conquista dos seus direitos fundamentais que eram
interligados e comuns a todos. Indubitavelmente, o
Ex-Campo é um símbolo incontornável dos povos
que hoje se encontram organizados nos PALOPs. Os
símbolos têm sido instrumentos poderosos na passagem de testemunhos históricos e na educação dos povos. Recordemos o caso dos obeliscos egípcios, cujas
réplicas foram aparecendo através dos séculos na Europa, América e demais continentes simbolizando o
poder de estado. Inclusive os extremistas da Al-Qaeda compreenderam o valor do simbolismo quando
seleccionaram «World Trade Center» como alvo do
seu ataque contra o Ocidente.
Monumento de carácter universal
O reconhecimento do Ex-campo como um monumento de carácter universal, foi uma chamada de
atenção aos países que formam os PALOPs, pela falha
de capitalização duma oportunidade de salvaguarda
de um património histórico que os une e que mostra
o mais belo que os homens desses países fizeram, desafiando o monstro da repressão da PIDE para fazer
triunfar a liberdade dos seus povos.
A assumpção pelos PALOPs do projecto de transformação do Ex-Campo num Museu de Resistência
dos povos que lutaram contra a ditadura salazarista e
triunfaram, parece ser o caminho
mais eficaz para a obtenção desse objectivo. Essa iniciativa seria
benéfica para a sua própria organização que labuta procurando
projectos comuns para países que
representa. Fundos necessários
poderão ser encontrados no âmbito dessa organização, para além de
outros esforços que vêm sendo feitos no quadro do reconhecimento
do WMF.
Esforço de preservação
Tem havido algum esforço de
preservação do património através de um fundo de trinta mil contos fornecidos pelo governo português, e de outro de
cinco mil contos do governo de Cabo Verde. Na utilização do primeiro financiamento, certas intervenções
arquitectónicas foram incorrectas e lesivas ao património que se pretende preservar.
Houve a tentação deliberada de restaurar o Excampo como foi construído logo no início. Nessa
lógica a gigantesca muralha de pedra teria que ser
destruída, por não ter sido construída no início do
funcionamento do complexo. A construção do mesmo, a fortificação das suas defesas e, sobretudo, das
muralhas, assim se processou até a queda do Campo
no dia 1 de Maio de 1974. Esse tipo de intervenção
referida visou minimizar a presença da luta contra
o colonialismo, e o período em que aí estiveram encarcerados os patriotas africanos. O exemplo dessa
incorrecção é o edifício onde funcionava a direcção
administrativa do Campo; o mandatário dessa intervenção chegou ao ponto de sugerir que as telhas
originais de lusalete fossem substituídas por telhas
marselhesas por motivos de estética turística! Por outro lado, houve pequenas intervenções aqui e acolá,
no sentido de reverter o desmoronamento de vários
elementos arquitectónicos tais como vigas, lintéis, alvenarias, rebocos, portas e etc. Apesar desse esforço,
e tendo em consideração a dimensão do património,
tem-se a sensação de que o mesmo está abandonado.
Ainda nas suas instalações, no exterior das muralhas,
vivem refugiados que mendigam aos visitantes, reforçando uma imagem pouco dignificante do complexo.
Informalmente, através do Embaixador de Portugal soubemos que há uma iniciativa do Presidente de
Cabo Verde junto aos seus homólogos dos PALOPs no
sentido da busca de uma estratégia e de fundos para
Janeiro de 2007 • Tarrafal • 23
Património
o futuro Museu de Resistência.
Sugeríamos que essas ideias
fossem compartilhadas com
as organizações e individualidades que se têm dedicado aos
mesmos objectivos. O processo
ganhará com a inclusão dos vários parceiros interessados num
desenlace positivo, de um símbolo tão importante como o da
luta pela liberdade.
Um novo fôlego
Um novo fôlego parece ter
soprado com a inclusão do Ex-Campo na lista dos
100 patrimónios mundiais em perigo pela WMF. É
de se louvar o diploma do governo de Cabo Verde,
que finalmente considera o património do Ex-Campo
como um monumento nacional. Também a escolha
de um dia como o da resistência contra o colonialismo
e fascismo, merece o aplauso de todos os amantes da
liberdade.
Entretanto, a data escolhida deve ser revista, pois
a de 29 de Outubro simboliza a abertura do Campo.
Deve-se comemorar a vitória e não uma acção de
triste memória. Coincidentemente, o dia da queda
do Campo, o dia 1 de Maio de 1974, de acordo com
uma entrevista num jornal cabo-verdiano do poeta
e nacionalista Osvaldo Osório, nos anos oitenta, foi o
palco da maior manifestação do povo jamais visto em
Cabo Verde. Essa data que carrega um simbolismo
tão grande como o da queda de Bastille na história
francesa, deve ser preservada por que foi compartilhada por todos os cabo-verdianos, mesmo por aqueles que não estavam na ilha de Santiago. De facto, o
significado da libertação é tão simples de entender e
tão poderoso, para fazer tremer os alicerces de sistemas opressivos. Por isso, o 1º de Maio também tinha
sido indicado pela Associação dos Ex-Presos Políticos
como o dia de todos os ex-presos políticos.
Benefícios para Tarrafal
O concelho do Tarrafal irá beneficiar-se imenso com
a transformação do Ex-Campo num museu de resistência, e deve preparar-se para capitalizar nos consequentes benefícios.
Tarrafal hoje tem um monumento histórico de carácter universal reconhecido internacionalmente que
poderá, em concertação com outras fontes de atracção turística como as suas praias, o seu clima diverso
24 • Tarrafal • Janeiro de 2007
Cultura e Desporto
Chando Graciosa,
Artista
e etc, atrair uma nova gama de turistas. É uma potencial mais valia que
exige uma planificação urbana, sobretudo em zoneamento, nas imediações
do complexo, e preparação de recursos
humanos.
Conhecer a experiência dos municípios polacos, alemães e outros em cujos
territórios foram construídos Treblinka, Dauchau e outros campos de concentração
nazistas, hoje transformados em museus, permitirá
preparar-se atempadamente para promover de forma
organizada os serviços que brotarão à volta desse empreendimento.
Falha nos curricula académicos
Os ministérios do governo com a responsabilidade de formação académica e cultural nos sucessivos
governos constituídos desde a independência, têm
falhado ao povo de Cabo Verde na transmissão à
nova geração a história recente de Cabo Verde, a de
maior importância para o reforço do carácter nacional e de desenvolvimento do país. Os curricula
escolares nessa matéria parecem dar maior importância ao período em que éramos escravizados por
um poder colonial retrógrado, do que o período em
que os cabo-verdianos recusaram a canga e buscaram o seu destino como um povo livre e independente. O concelho do Tarrafal está em posição privilegiada para assumir conjuntamente com outras
vozes contra o status quo, no sentido de alterar
essa grande falha que existe nos curricula académicos em Cabo Verde.
A celebração do Ex-Campo de Concentração é uma
obrigação colectiva de memória e de dignidade de
todas as nacionalidades dos governos envolvidos, de
todas as instituições responsáveis pelo sector cultural e académico, e de todas as individualidades que
respeitam a dignidade humana. Abstraindo-se do seu
passado tenebroso e apoiando-se na generosidade e
na beleza dos ideias dos presos políticos, o Ex-Campo
pode ser considerado como catedral da independência
e da liberdade.
Casa da Cultura para breve
Festival
homenageia
Chando Graciosa
Chando Graciosa vai ser homenageado no Festival da Vila do Mangui, onde
se prevê a actuação de outros grandes nomes da música nacional.
O concelho do Tarrafal está em festa. Tudo por
causa das festividades do Dia do Município e de Nhô
Santo Amaro Abade, celebrado a 15 de Janeiro.
Em termos culturais, o grande destaque é a realização do festival de música nos dias 13 e 14 de Janeiro
com artistas tarrafalenses residentes e da diáspora.
Este ano, o intérprete e compositor Chando Graciosa, filho
da terra, vai ser o grande homenageado, num certame que
conta com artistas de peso, uns naturais do concelho como
Beto Dias e Mário Lúcio, outros santiaguenses de gema com
projecção nacional como Gil Semedo e Kino Cabral.
Dos Estados Unidos virá o grupo Afrika Rainbow,
constituído por filhos no Tarrafal. Isto para além da
‘prata da casa’, com actuações de grupos e artistas
que procuram o seu lugar ao sol.
São razões de sobra para que, conforme espera o Vereador do Pelouro da Cultura e do Desporto, Inácio
Gomes Borges, “Tarrafal registe uma grande afluência de pessoas de todos os recantos da ilha de Santiago e do estrangeiro”.
Concurso de Batuque
Outro ponto alto das festividades é o concurso de
Batuque que decorre entre 23 de Dezembro e 20 de
Janeiro, com doze grupos locais. O vencedor terá
direito à gravação de um CD. No tocante ao Batuque, Tarrafal tem estado muito activo. A Câmara já
apoiou os grupos Pó di Terra e Rótcha na gravação
dos respectivos CD’s.
Pedro Rolando dos Reis Martins, Arquitecto
Janeiro de 2007 • Tarrafal • 25
Cultura e Desporto
Uma grande marca cultural foi o apoio camarário
na concretização do projecto “Tarraf ’All Stars”, que
juntou artistas consagrados e jovens talentos musicais.
Casa da Cultura
Em termos culturais, um grande projecto desponta
no horizonte para o município do Tarrafal. A edilidade concebeu um projecto de criação de uma Casa
da Cultura para a dinamização da vida cultural no
concelho.
Trata-se de um projecto orçado em cerca de dez mil
contos que pretende transformar a antiga cadeia, perto do complexo Baía Verde, na Vila, num espaço funcional para a efectivação de eventos culturais. Será
uma intervenção faseada que permitirá aos artistas
tarrafalenses e não só dar largas à sua veia criadora.
ro semestre de 2007 e comportará bancada central,
balneários e piso pronto para a prática do futebol.
A segunda fase, a concluir até ao fim do mandato, vai incluir a relva sintética e outras melhorias. O
estádio terá capacidade para 4 mil pessoas e custará
cerca de 40 mil contos.
Outras infra-estruturas
Desporto
Estádio Municipal
para 2007
Inácio Borges,
Vereador
No primeiro semestre de 2007, o município do Tarrafal terá operacional a primeira fase do Estádio
Municipal. A infra-estrutura custará 40 mil contos e
terá, numa segunda fase, relva sintética.
Actividades desportivas em curso animam a juventude local. Torneios de futebolinho, futebol de 11,
basquetebol, surf, bodyboard, atletismo – masculino
e feminino – ciclismo e natação são um sem número
de modalidades que dão ritmo e cor às comemorações
nas festividades do Dia do Município e de Nhô Santo
Amaro.
O vereador da Cultura e Desporto reconhece que
existem algumas deficiências em termos de infra-estruturas desportivas no concelho. Para Inácio Borges, “alguns espaços desportivos não reúnem todas as
condições, pelo que, estamos a trabalhar para que,
26 • Tarrafal • Janeiro de 2007
paulatinamente, sejam melhoradas as infra-estruturas para a prática do desporto”.
Para já, a aposta na construção de um estádio municipal é um grande passo neste sentido. A primeira
fase desta infra-estrutura estará concluída no primei-
Actualmente encontram-se em fase de conclusão
as obras do polivalente de Ponta Furna. Para 2007,
projectam-se novos polivalentes em Achada Moirão,
Ribeira da Prata e Achada Longueira.
Isto para além dos outros espaços desportivos em
funcionamento, como os polidesportivos de Ponta
Ribeira e Lém Mendes, em Chão Bom, Biscainhos,
Achada Tenda e Trás-os-Montes e os polivalentes de
Monte Iria e Colhe Bicho na Vila do Mangui.
Barcelona promove formação
desportiva
A edilidade tarrafalense apoia pontualmente os
grupos desportivos e clubes de futebol. O Barcelona
do Tarrafal é dos clubes que recebe pontualmente
apoio camarário.
Manuel Ulisses Amarante, Presidente do Clube
Desportivo Barcelona do Tarrafal, fundado em 1995,
diz que, “temos participado em muitos campeonatos,
inclusive nós somos o primeiro campeão do interior
de Santiago. Estamos a preparar o próximo campeonato e o objectivo é promover atletas e dar oportunidades aos jovens”.
E os resultados têm aparecido: “no ano passado,
no campeonato, jogamos todos os jogos na Praia e
ficamos na terceira posição. Este ano, estamos a pensar na camada mais jovem, temos pensado em fazer
torneios de andebol, e também do futebol, mas num
outro escalão, já que temos muitos adolescentes que
praticam a modalidade”.
Uma excelente parceira
Indagado a pronunciar-se sobre a parceria com a
Câmara, o presidente do Barcelona responde: “a Câmara tem sido uma excelente parceira para o desenvolvimento do futebol no interior de Santiago, mais
concretamente no Tarrafal.
“No interior de Santiago temos muitas despesas
e a Câmara tem sido a nossa parceira número um”,
alerta o Presidente do Barcelona, congratulando-se,
por outro lado, com os esforços da edilidade visando
a construção de um espaço condigno que é o Estádio Municipal. “A Câmara Municipal do Tarrafal está
empenhada em dignificar mais atletas, dando um
passo gigante, com a construção do Estádio Municipal”, salientou.
O Barcelona ainda não tem uma sede, mas para lá
caminha, já que, segundo Manuel Amarante, “estamos
a fazer esforços para obter um espaço próprio para a
construção da nossa sede, estamos numa fase muito
avançada fica num espaço nos arredores da Vila, numa
área que favorece
a pratica do desporto”.
Os cerca de 50
atletas inscritos
no clube praticam
futebol de 11, andebol e futebol feminino.
Janeiro de 2007 • Tarrafal • 27
Ambiente e Saneamento
Escola de Mergulho
Mundo subaquático de Tarrafal
Tarrafal reúne condições vantajosas
para a prática de mergulho. De todos os mares do país, Tarrafal tem
o mérito de ter, durante todo o ano,
condições climáticas que permitem
que o mar esteja
permanentemente tranquilo para
ser explorado.
O melhor
de todo o país
São três as grandes vantagens apresentadas pelo mundo subaquático do Tarrafal.
A primeira relaciona-se com o
facto das praias estarem situadas em zonas abrigadas pelo
vento, o que proporciona uma
certa acalmia ao local.
O segundo aspecto tem a
ver com a inexistência de correntes de ar
e de ondulação. Mas o
extremo norte de Santiago apresenta ainda
uma terceira vantagem
para a prática
de mergulho.
É que apesar
da praia estar perto da
população ou
da vila, o fundo do mar do
concelho está
ainda relativamente bem povoado em termos de espécies marinhas.
“Tarrafal foi relativamente poupado pela onda de
«pesca de garrafa», daí uma interessante concentração de vida marinha no fundo dos seus mares.
Esta caracterização foi feita por um “expert” em
matéria de mergulho. É cabo-verdiano e conhece o
mundo subaquático nacional melhor do que ninguém.
Chama-se Emanuel Charles de Oliveira, já efectuou
várias investigações no fundo dos mares destas ilhas
e actualmente lidera um clube de mergulho sediado
nas instalações do aparthotel King Fisher – Tarrafal.
É autor de dois livros: um sobre naufrágios em Cabo
Verde e outro na área de cine-antropometria.
28 • Tarrafal • Janeiro de 2007
Monaia, como é conhecido
pelos amigos, garante que o
fundo do mar de Tarrafal é
bem interessante. “O que falta são espécies de grande porte, tipo mamíferos, tubarões,
mantas e outras.
Mergulho atrai
turistas alemães
“Para que os turistas venham a Cabo Verde, concretamente ao Tarrafal para
praticar mergulho, muito trabalho tem sido feito a nível da
promoção do país lá fora”. A
aposta, segundo Monaia, tem
recaído na abordagem feita a turistas que, não fosse o mergulho, em
princípio, não viriam a Cabo Verde.
Na verdade, até agora, tudo tem
sido feito a título individual.
Ao todo, o clube custou cerca de
dez mil contos e conta neste momento com três embarcações. Recebe durante o ano dois tipos de turistas: os que aparecem espontaneamente e aqueles que
fazem reservas, via Internet, a partir do estrangeiro.
São na maior parte provenientes da Alemanha.
O centro de mergulho King Bay está devidamente
credenciado. Está sob os auspícios de uma empresa denominada Eco Sport Services pertencente a Emanuel
Oliveira. O professor é hoje reconhecido lá fora pela
qualidade do trabalho que tem prestado. Tem seguro
internacional que cobre acidentes relacionados com os
desportos náuticos. “São exigências que nos garantem
uma certa segurança no nosso trabalho”.
A escola cobra 35 euros por cada sessão de mergulho.
Pela salvaguarda
da consciência e
património ambientais
Ana Isabel Sousa,
Vereadora
No Tarrafal de Santiago, o Programa Ambiental Municipal (PAM) preconiza a
existência de um elevado nível de consciencialização social, uma efectiva participação cívica dos cidadãos e a salvaguarda do património ambiental do concelho.
À semelhança do que acontece
nos outros municípios do país, no
Tarrafal, o PAM tem um orçamento
de cerca de 18 mil contos anuais, até
2014, no quadro do PANA II, financiado pela Holanda. Mas, com o surgimento de cinco novos municípios,
deverá haver uma redução da verba
global, já que o bolo orçamental deverá contemplar, igualmente, os novos concelhos.
O PAM projecta uma vida ambiental saudável,
pugna por uma consciência cívica ambiental e salvaguarda patrimonial ambiental.
Segundo a Vereadora do Pelouro de Actividades
Económicas, Meio Ambiente e Emigração, Ana Isabel Sousa e Silva, no ano 2006, “os objectivos do PAM
foram cumpridos na quase totalidade”. Ficaram para
2007 a criação de um Parque Natural, na zona do Colonato em Chão Bom, e a construção de uma Praça
na zona de Achada Baixo, Vila do Tarrafal.
Com a criação dos referidos espaços verdes, pretendese a melhoria das condições ambientais nos dois principais centros populacionais do concelho. Ainda em 2006,
foram adquiridos mais um camião, um Dump para a recolha de lixo, bem como a aquisição e distribuição de 10
contentores de plástico de 800 litros e 110 de 240 litros.
Projectos ambientais para 2007
Por se tratar de um processo transversal e contínuo,
o saneamento vai continuar a merecer uma atenção
permanente, com acções concertadas abrangendo diversas vertentes em simultâneo.
Assim, vai-se continuar a
apostar no reforço da campanha de sensibilização, formação e educação ambientais, tanto nas escolas como
nas comunidades, para além
da aposta na capacitação do
pessoal afecto aos serviços de saneamento.
Os pescadores receberão apoios na aquisição de
equipamentos modernos de captura, no âmbito da
gestão sustentável da biodiversidade marinha.
Serão adquiridos mais equipamentos de recolha dos
resíduos sólidos. Estão, ainda, em curso trabalhos de
ligação à rede de esgotos no sentido de fazer funcionar a Estação de Tratamento de Águas Residuais.
Por outro lado, a edilidade tarrafalense está a elaborar um projecto no sentido de apoiar as famílias
mais carenciadas na construção de casas de banho.
A criação de espaços verdes é outra aposta na estrada principal e zona de Perdigoto, em Chão Bom, junto ao centro comunitário de Ponta de Gato, na Vila e
na via principal de Ponta Lagoa.
Recolha domiciliária do lixo na Vila
Com os dois camiões de lixo que agora dispõe, o
município prepara-se para implementar a recolha domiciliária do lixo nas principais ruas da Vila e Chão
Bom. Isto para além de uma recolha mais sistemática
dos resíduos sólidos em comunidades como Achada
Moirão, Ponta Furna, Trás-os-Montes, Ribeira da
Prata e Achada Biscainho. Posteriormente, haverá
uma recolha semanal do lixo em Achada Tenda.
Janeiro de 2007 • Tarrafal • 29
Tarrafal visto por Mário Lúcio
Oh
Nha Santo Amado
Mário Lúcio
Foi aqui no Tarrafal que numa Quarta-feira às dez
da manhã, numa zona chamada Monte Iria, que eu
vim ao Mundo, sem nada imaginar ou esquecer. Monte Iria então era ermo, tinha muitas purgueiras de
um e de outro lado da estrada, um funco onde morava
um homem chamado Xalino, tinha o Dji com o seu
cavaquinho, o nosso vizinho Tutu, que perdeu o bote
na costa de um peixe maior do que a maior baleia,
que muita gente aqui já viu e apelidou de pintadona,
monstro esse que só existe no mar do Tarrafal. Monte
Iria ficou definitivamente encantador quando a Titia
Bibinhia Cabral veio do Curral de Baixo morar com a
irmã Tchitcha atrás da nossa casa.
Na igreja matriz do Santo Amaro Abade fui baptizado, não me lembro com que pompas e circunstâncias, Isto porque muitas crianças recebiam o baptismo como acto de última unção, para não morrerem
mouras, como então se dizia. Nhu Joaquim de Teia, o
sacristão mais querido do Mundo, fazia muitas vezes
esse trabalho, tanta era a mortalidade infantil.
Ao lado da igreja estava a única escola da Vila.
Comecei lá, e depois fui para o Edifício do Instituto
Feminino, para as aulas do Professor Cirilo António
Moreira. Mais tarde fui receber aulas no Salão anexo
à residência do Padre Cruz. Ao fundo ficava o armazém de cimento da Câmara Municipal que, não sei
por que encanto, era o nosso esconderijo predilecto.
Mesmo em frente era a sede do PAIGC e da JAAC,
famosa pelas latas de leite condensado que de vez em
quando nos eram sorteadas.
O Salão foi inteiramente calcetado por presos políticos e comuns que viviam no chamado Campo da
Morte. Trajavam fardas de caqui azul e pareciam-nos
heróis de banda desenhada.
O mais temido campo de futebol do Tarrafal ficava
a cinquenta metros da nossa casa, frente ao barracão
de Djosé Tabari, o Papai.
Quando as cheias entravam no mar, colocávamos
seda branca no anzol e íamos pescar chicharrinhos
entre uma aula e outra.
30 • Tarrafal • Janeiro de 2007
Tarrafal era inocente. A missa congregava toda a
gente e aos domingos todos passavam a saber de tudo
o que se passava com todo o mundo. E na Farmácia,
dois quartos que queriam dizer “Hospital”, o Senhor
Gastão Enfermeiro fazia todos os dias milagres.
Quando os presos políticos saíram, vieram os militares para o mesmo Campo, agora apelidado Campo
de Instrução. E as moças do Mangue e do Chão Bom
souberam o que era gente das ilhas em liberdade.
Um pastor nazareno chamado José permitiu ao seu
filho Zito tocar funaná no acordeão cromático e no
órgão a pedal da igreja. Entusiasmados com a descoberta, o Hélder arranjou teias de aranha e um pedaço
de carriço e fez o clarinete mais gemedor que alguma
vez escutei. Depois, o Zé beata reuniu umas latas de
banha e fez uma bateria. O Bitoco conseguiu duas latas de compal, encheu-as de cascalho fino e entrou no
conjunto como chocalhista. O Ilídio, nosso manager,
achou que o nome que nos ficava bem era Águia Vermelha. E partimos para o voo da fama. A Brincadeira virou séria, e tivemos de trocar a igreja nazarena
pelo edifício dos leites condensados. Fomos buscar o
Adriano Xica, que era magro de meter medo, e dissemos-lhe que ele era o nosso baixista. Aprendeu a
tocar o violão ignorando as três cordas mais agudas.
O Zé Levy, também da nossa turma no Ciclo, dissenos que tinha uma viola em casa e fomos ver. Era de
tabopan e linhas de pescar. Mas o Zé deu-nos uma
bela demonstração de uma música de moda chamada
Aké. Então, tu és o viola ritmo, dissemos-lhe. E claro,
eu andava a aprender no quartel como é que se dispinicava uma cantiga, para ser o viola solo do grupo.
Bitoco passou para tumba, o Zé Beata desapareceu,
dando lugar a Zé de Luísa na bateria. E fundamos o
conjunto Abel Djassi do Tarrafal.
Fizemos Teatro com o Recardito e com o Renascer,
e sempre que o Bulimundo vinha ao Tarrafal para as
festas de Santo Amaro, Catchás autorizava que nós
tocássemos durante o intervalo, com os seus instrumentos. Assim vivíamos, esquecidos e felizes.
Deixei o Tarrafal. E anos depois quando regressei,
parecia que uma bomba tinha aqui caído. As ruas
eram como aquelas espigas em que os grãos de milho nasceram desordenadas, e os carros andavam aos
ziguezagues. O velho e clássico mercado municipal
tinha-se transformado num conjunto de divisórias,
a igreja matriz exibia uma cruz, que se Cristo visse
desatava a rir, a praça, a única de Cabo Verde que não
tem coreto, era um triste espectáculo de tartarugas
marinhas dentro de um tanque com água doce.
Nhu Joaquim avisara que o tecto da sacristia iria cair e
caiu, os músicos se desconjuntaram, o Cine teatro estava
selado a cadeado, as batucadeiras andavam tristes e queixavam-se da falta de apoio, e havia um monte de doidos
e avariados da cabeça a deambularem de bar em bar. Só o
meu amigo José Cardoso é que andava a teimar com uma
equipa de andebol. Que coisa estranha! Tinha havido
anos de seca, já não havia chicharrinhos, a auto-estima
estava por terra. Os Tarrafalenses, esses que gabam mais
o Tarrafal do que a Terra Santa estavam como que resignados. Apenas diziam que Tarrafal era azarado.
Diante de tal cenário, emprestei-me à política, pensando que assim podia virar o rumo do azar. Depois
aprendi que essa não era a minha via, porque não fora
por ali que eu entrei pela primeira vez em cena no Tarrafal. E, então, volvi à minha freguesia como menino
que fora e menino que sou do meu Santo Amado.
E hoje contemplo o meu berço com muitas saudades, do passado e do futuro: O mais temido campo
de futebol agora é lá para cima do Monte Iria. Na
igreja matriz do Santo Amaro Abade, Nhu Joaquim
de Teia, o sacristão mais querido do Mundo, cuida
da sua igrejinha renovada, A única escola da época
tem hoje computadores para uso público, e no antigo
edifício do Instituto Feminino mora hoje o enfermeiro Fernando, filho do Sr. Gastão. Cirilo é conhecido
por Teatcher, nome mimado que o povo pronuncia
Tchitcha, O armazém de cimento da Câmara Municipal tem vocação para se transformar numa escola de
dança e de teatro. Mesmo em frente, onde era a sede
do PAIGC e da JAAC, hoje é a Biblioteca Municipal.
O chamado Campo da Morte é um museu, que devia
estar sob a alçada do Município do Tarrafal, talvez
através de um contrato programa com o Ministério
da Cultura. E há dias, quando as cheias entraram
no mar, fui feliz da vida nadar no meio da meninada
que, de seda branca no anzol, pescavam chicharrinhos, para o espanto dos turistas.
Tarrafal continua inocente. As notícias dão-se ainda na missa, mas também através das parabólicas e
da Internet.
O Hélder emigrou. Não tenho visto meninos a tocarem clarinetes de teias de aranha e carriço. Mas podemos incentivá-los. Tarraf all Stars é um exemplo
disso. Pois, acredito que o Zé beata ainda sabe reunir
umas latas de banha e fazer uma bateria. O Bitoco, vio na Brava quando fui lá lançar o meu disco mar e luz.
Como ficou feliz de me ver a tocar. O Adriano Xica,
que era magro de meter medo, é agora Vereador. Há
dias, convidei-o a ir comigo ao Brasil, e apresentei-o a
Gilberto Gil como sendo aquele meu amigo de infância
e meu primeiro baixista. Olha só, e agora tem em mãos
o destino de preservar a beleza do Tarrafal de ontem
e de hoje: estancar a construção desatinada, travar a
tentação demolidora dos prédios antigos, expandir as
zonas verdes, melhorar os bairros degradados.
As ruas estão alinhadas. E já se anda de patins pelo
Mangue. O velho e clássico mercado municipal continua
clássico e velho. Vai recuperar a sua postura antiga e deixar ao novo mercado o fru fru da modernidade. A igreja
matriz é o espelho, os olhos e a alma desta Vila. Os Tarrafalenses, esses que gabam mais o Tarrafal do que a Terra
Santa, parecem ter recuperado a inocência perdida entre
os escombros. Monte Iria tinha purgueiras, de cujos frutos se fazia o azeite para alimentar candeeiros e podogós.
Hoje tem postes de electricidade de um lado e de outro
da estrada. Eu continuo a preferir as minhas purgueiras.
Mas prefiro o Tarrafal de hoje.
Mário Lúcio Sousa
Janeiro de 2007 • Tarrafal • 31
Lenda
Lenda da Noiva
Branca
O Monte Graciosa, que se impõe com imponência sobre a Vila do Mangue,
é motivo de respeito, quase veneração, por parte dos tarrafalenses.
Quando se avista a achada onde se situam Tarrafal
e Chão Bom, do alto da Serra Malagueta, é o Monte
Graciosa que lhe dá perspectiva. De todos os cantos
do município, a montanha é uma presença constante.
A Praia da Vila do Mangui, o Campo de Concentração e o Monte Graciosa são as três grandes referências
de Tarrafal. Contudo, é com Graciosa que os tarrafalenses têm uma relação mais afectiva. A ponto de
o imaginário colectivo lhe devotar histórias e lendas,
entre as quais a da Noiva Branca.
“Reza a lenda que uma noiva tarrafalense, aban-
32 • Tarrafal • Janeiro de 2007
donada no altar, sucumbiu ao desespero e à humilhação perante uma vila inteira. Ferida, subiu ao Monte
Graciosa, atirou-se ao mar, morrendo afogada. Ainda
hoje, quando o luar se espelha no mar, cria-se uma
espécie de áurea naquele Monte, levando com que as
pessoas acreditem que é o brilho do espírito da desafortunada Noiva Branca, que há-de vir para alegria,
gozo e satisfação dos tarrafalenses”. In www.tanboru.org/mito
Este mito, praticamente desconhecido das novas
gerações, motivou uma exposição do artista plástico
cabo-verdiano Mito, radicado em Portugal. Timenti
lua ka subi (Enquanto a lua não sobe) é uma mostra
com sete quadros, em formato 70x100 centímetros,
em técnica mista sobre tela. Mito homenageia o Monte Graciosa e a lenda da Noiva Branca e estreia a sua
exposição na escola primária da vila do Tarrafal.
O quadro Lua Nha Noiba é motivo e tela de um
poema de Mito: “Nu xinta na tchon/Nu papiá dretu di kunpanhêru/Si krê nós amizadi /Ê tchuba na
bindi/Ê ta tchuputi runhu sima malagueta/Ma é ka
ta mata”. O tarrafalense, também ele poeta da sua
mundividência, também canta a lenda: “Nu ai ta bai
Graciosa riba la pisca spritu di noiva branca”.
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Janeiro de 2007 • Tarrafal • 33

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