Construção do Kamsar Container Terminal

Transcrição

Construção do Kamsar Container Terminal
II Série | Número 134 | 3€
Março / Abril 2013
A ENGENHARIA PORTUGUESA EM REVISTA
Diretor Carlos Matias Ramos | Diretor-adjunto José Manuel Pereira Vieira
ENGENHARIA
DE SISTEMAS
PRIMEIRO PLANO p.6
PRIMEIRO PLANO p.10
ENTREVISTA p.40
LUÍS VALADARES TAVARES
MEMBROS ELEITOS
assumem destino da Ordem
para os próximos três anos
DE ENGENHARIA CIVIL
Engenheiros aprofundam
conhecimento das competências
PROFESSOR CATEDRÁTICO DE INVESTIGAÇÃO
OPERACIONAL E ENGENHARIA DE SISTEMAS DO IST, UTL
“A Engenharia portuguesa deve contribuir
para o estabelecimento de uma nova estratégia
de desenvolvimento”
// ESTUDO DE CASO
ESTUDO DE CASO
CONSTRUÇÃO DO KAMSAR CONTAINER TERMINAL
JOÃO PETERS
Engenheiro responsável pela frente marítima na obra de construção do Terminal de Contentores de Kamsar
[email protected] | www.seth.pt
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om a atual crise que se faz sentir no nosso País, as empresas nacionais estão
obrigadas a repensar a sua estratégia e procurar novos mercados. A Seth,
empresa de obras marítimas, lançou-se na Guiné-Conakry para proceder à
construção de um cais para um consórcio de empresas de mineração.
óxidos de alumínio usada quase exclusivamente como matéria-prima para a fabricação
de alumina, através de um método de lixiviação química. Futuramente, a alumina
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mento, alumínio metálico.
A construção que a Seth atualmente tem em
curso está relacionada com a exploração do
minério ao inserir-se no âmbito do projeto
“Guinea Alumina”, lançado por um consórcio
de empresas mineiras de reputação interna
de alumina para uma exploração economicamente mais viável do referido minério,
uma vez que o processo ainda é muito caro
(uma certa quantidade de bauxite só gera
cerca de 20% do seu peso de alumínio).
Não é novidade que a crise está instalada
em Portugal e atingiu de forma calamitosa
um dos principais setores do nosso País, o
blicas apresentou quebras abruptas nas
adjudicações e não há receitas miraculosas
incluam os verbos inovar, otimizar e internacionalizar.
A Seth, empresa portuguesa especializada
em obras marítimas não é exceção e optou
por continuar a fazer aquilo que tão bem
sabe, mas, desta feita, fora do tradicional
leque de países geralmente escolhido pelas
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e Moçambique, países onde de resto a Seth
está também representada.
Surgiu a oportunidade de a empresa se estabelecer na República da Guiné e esta não
se fez rogada, abraçando um projeto num
novo mercado que parece dar frutos e permite ajudar a vencer este “mar tempestuoso”
que parece não querer largar o nosso País.
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como é vulgarmente conhecida – está localizada na África Subsariana, na região
mais pobre do Mundo e faz fronteira com
outros seis países: a nossa bem conhecida
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Apesar de a sua população viver no limiar
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climatéricas muito vantajosas à agroindústria em grande escala. No entanto, a sua
principal riqueza está nos minerais que
proliferam no território, que são bastante
ricos e variados. Para além do urânio, ouro
e diamante, este País possui a maior base
de reservas de bauxite do Mundo e é um
dos países com a maior produção deste
bem. A bauxite é uma mistura natural de
Um dos passos deste ambicioso projeto é
a construção de um novo cais de águas
profundas no Rio Nuñez, obrigatório para
satisfazer a pretensão na futura exportação
da alumina. No entanto, para a criação de
qualquer uma destas grandes infraestruturas é necessária a importação de equipamento e material pesado, o que resultou na
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// ESTUDO DE CASO
rodoviárias são escassas e oferecem pouca
segurança. Estes fatores comprometem o
desenvolvimento social e o crescimento do
tecido empresarial, resultando num enorme
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da Guiné.
O contacto com uma realidade e cultura tão
diferentes é gritante, o que contribui forço
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marcado pelas gentes e costumes do País,
bem como adquira uma visão distinta do
Mundo em que vivemos.
Foi nestas condições, numa aventura que
durou aproximadamente dois anos, que estiveram aproximadamente 30 portugueses
expatriados a trabalhar na boa execução do
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Jmente com 80 guineenses, trabalharam lado
a lado na missão de terminar a construção
atividade religiosa não é descurada e inten%"
pratica as cinco orações diárias e conduz o
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%%-se entre outras coisas de comer e beber.
V W% trabalho, repercutindo-se nos rendimentos
expectáveis. No entanto, ainda mais prejudicial à boa execução dos trabalhos é ainda
a “religiosa” época das chuvas que se es ) dilúvios, por vezes acompanhados por monumentais trovoadas que impossibilitam a
progressão no desenvolvimento de qualquer
7 forma qualquer planeamento de obra previamente delineado.
Em termos técnicos podemos salientar,
que o cais possui 150 m de comprimento e
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tura portuária adicional com capacidade
para receber a referida carga.
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se revelará um trunfo valioso num futuro a
médio/longo prazo, tanto para aquela zona
portuária como para o próprio País.
Kamsar é uma cidade localizada perto da
fronteira com a Guiné-Bissau e que gozou
de um desenvolvimento exponencial na
década de setenta, fruto do estabelecimento
de uma outra empresa exploradora de bauxite na região. Hoje, esta cidade costeira,
para além do porto marítimo, alimenta-se
ao longo de duas vias de transporte que se
desenvolvem contiguamente – uma estrada
e um caminho férreo que se assume como
veículo de transporte privilegiado ao bauxite.
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/ ? locomotivas e 120 vagões percorrem, em
ambos os sentidos, a linha de aproximadaCDD&
A Guiné não se revela um país fácil para um
expatriado viver e trabalhar pois não está
minimamente preparada para a exploração sustentada do turismo. Está desprovida de qualquer meio de entretenimento e
dos pequenos luxos do mundo desenvolvido.
O alojamento é caro e as infraestruturas
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qualidade preconizados pelo cliente e sempre
sobre o lema de “Zero Acidentes”. Na visão
do cliente, o facto de a obra decorrer no continente africano, sujeita uma escassez de
serviços, materiais e equipamentos, não
constitui desculpa para negligenciar valores
tão enraizados na cultura destas empresas,
com procedimentos mais exigentes que
quaisquer normas internacionais.
A odisseia não foi fácil e muitas adversidades
foram encontradas pelo caminho. Sendo
um País tradicionalmente muçulmano, a
17,5 m de largura. Está equipado com defensas, escadas e cabeços de amarração e
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cações até 10.000 toneladas de porte bruto.
A frente acostável do cais está ainda concebida para a atracação e abastecimento de
rebocadores e pequenos navios de serviço-piloto. O cais é ligado a terra através de
uma ponte de acesso com 54 m de comprimento.
No que diz respeito ao equipamento, a solução adotada evitou o recurso a muito
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NÚMEROS DE OBRA
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W tipo de empreitadas, tendo-se optado pela
criação de uma estrutura metálica, batizada
de “Traveller” que avança sobre as estacas
tubulares metálicas, que vão sendo sucessivamente cravadas para a própria construção do cais. Trata-se de uma solução
inovadora e de sucesso, pensada exclusivamente para esta obra, que alivia a grande
e das complicadas manobras de embarcações marítimas. Este tipo de solução tem
ainda a vantagem de também proporcionar
rendimentos constantes de trabalho e mais
exatidão na implantação da estrutura.
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cravadas aproximadamente 51 m. Sem base
geológica de relevo, esta profundidade de
cravação resultou de critérios de “nega” es0
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e estáticos feitos no terreno, num solo essencialmente constituído por materiais lodosos. Devido à capacidade e alcance da
grua de rastos que se encontrava sobre a
estrutura, numa primeira fase foi cravado
um troço de 36 m que recebia posteriormente
um outro de 21 m, soldado topo a topo no
local. O projeto contemplava a cravação de
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ou quatro, alinhados de 6 em 6 metros.
Das 108 estacas, 24 foram inclinadas de
forma a garantir que a estrutura possa resistir com maior capacidade às diferentes
combinações de ações das forças. Esta situação obrigou a uma maior complexidade
na cravação ao implicar o recurso a uma
guia com garras hidráulicas e material de
elevação do martelo de impacto próprio
para o efeito.
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Sobre as estacas foram colocados vários
elementos prefabricados de betão (vigas
até 30 toneladas e lajes pré-esforçadas),
sendo o resto da estrutura betonada in-situ.
Salienta-se que as soluções utilizadas contemplam a opção de ampliação do cais,
onde as técnicas e tecnologia empregues
são o suporte sustentado de um futuro
adequado ao desenvolvimento previsto no
decorrer do crescimento dos serviços em
exploração.
Resta, claro, o desejo de que o futuro se
torne o mais breve possível, marca notória
de que o trabalho produzido foi fator crucial
no sucesso do projeto. Estou em crer que
a empresa, com todo o conhecimento angariado ao longo dos seus 80 anos de exis
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trabalhos reconhecidos em todo o Mundo.
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; construção de qualidade patente alcançada
sem acidentes, só possível com o contributo
de todos os colaboradores da empresa. ING
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