Natal Sem Natal - jobachi.com.br

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Natal Sem Natal.
Dia de Natal, 20 horas, coloquei minha tradicional roupa de Papai Noel.
Volumosas e brancas, cabeleira e barba, gorro vermelho, bota, cinto, saco e sininho.
Já devidamente maquiado, empunhei o meu saco e fui fazer a alegria das crianças.
Oh ... oh ... oh ... oh .....
“Natal, natal das crianças,
Natal da noite de luz,
Natal, da estrela guia,
Natal, do Menino Jesus.
Blim blão, blim blão, blim blão,
Bate o sino da Matriz,
Papai e mamando rezando,
Para um mundo feliz.
Blim blão, blim blão, blim blão ..”
Há 30 anos, todo Natal, procuro um motivo para botar minha tradicional roupa de Papai
Noel e literalmente sair da realidade e cair numa fantasia.
No início, era para meus filhos e sobrinhos. Mas cresceram. Descobriram que Papai Noel é
uma brincadeira de papel. Restaram as netas; Laura, 10 anos; Duda, um ano e meio, mas
não passarão o Natal com o vovô Papai Noel. Lalinha diz que não, mas no seu íntimo,
ainda acredita em Papai Noel.
Por isso, este ano vou atender a um pedido da Edilza, simpaticíssima Tia da Giselle e do
Neto, lá em Moema, bairro de classe média alta e fazer a alegria dos seus netos e
sobrinhos.
É o melhor do Natal. Ver a alegria estampada nas faces radiantes da criançada.
Papai Noel existe? Claro, lógico, é só perguntar pra qualquer criança de 2 a 99 anos.
Todas vão dizer veementemente. Papai Noel sempre existiu!!!!!!
Na rua todo mundo, crianças, adultos, acenavam.
Oi Papai Noel!! Feliz Natal!!!
Papai Noel, você vai na casa da minha avó? Tô te esperando lá, viu?
Papai Noel, cadê meu presente?
Bem, cheguei. Esperei na recepção a Edilza trazer os presentes e botei-os no saco.
Avisou a criançada que o Papai Noel já estava na recepção.
Subi. Sininho em punho, oh .. oh ... oh .... Feliz Natal !!! Feliz Natal !!! Oh ... oh ... oh ....
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É simplesmente indescritível ver a alegria da criançada ao ver o Papai Noel.
Maria Vitória, já com a experiência dos seus quatro anos arregalou seus lindos olhos; a
face empalideceu; suas tenras mãos tremiam; conduziu-me para uma poltrona,
caprichosamente decorada de vermelho.
- É aqui Papai Noel; senta aqui Papai Noel; Tá cansado? Você veio de longe? Depois você
vai na casa da minha vó Vera? Ela tá te esperando lá! Mal balbuciava as palavras de tanta
emoção.
Maria Eduarda, do alto dos seus dois anos e meio, parece até parou de respirar de tanta
emoção.
Seus olhinhos brilhavam, cintilavam. Não conseguia nem falar tal era a felicidade.
Bruno e Tomás, já com seus 6 e 7 anos, desconfiaram. Meninos fingem, mas não
conseguem evitar a emoção de ver o Papai Noel. Disfarçam, como os adultos, mas no
fundo no fundo acreditam no Papai Noel.
A cada presente entregue, todos faziam questão de sentar no colo do Papai Noel.
Tios, tias, avôs, avós, papais e mamães disparavam flashes frenéticos.
Promessas e juramentos são feitos;
- Vou largar a chupeta ...
- Vou ser bom aluno ...
- Vou obedecer papai e a mamãe .....
- Não vou ser mais malcriado e sem educação ....
E todos acreditam.
Papai Noel, às duras penas, se despediu das crianças.
Oh .. oh ... oh ...Feliz Natal para todos !!!! Agora tenho que ir a muitos lugares, oh .. oh ..
oh .... Feliz Natal !!!! Até o ano que vem !!! Oh ... oh ... oh ....
O Natal estava completo.
Desci. Suando em bicas, sob um calor de 30 graus. Não há Papai Noel que resista debaixo
de toda aquela vestimenta, barbas, perucas, luvas, botas etc.
Mas a alegria e a felicidade da criançada faz valer à pena.
Na rua, os transeuntes, infalivelmente acenavam para o Papai Noel.
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Indo em direção ao ponto de encontro, onde o Marquinhos me pegaria pra retornar, topei
com um homem, mulher e criança no colo. Gente simples, humilde.
Sr. João, Dona Fátima, sua mulher, e o Carlinhos. Os três estupefatos pararam.
- Olha filhinho, o Papai Noel !!! Exclamou Sr. João, chamando a atenção da criança.
- Tá vendo, meu filho? Papai Noel existe, num te falei? Completou a mãe.
- Mas cadê meu carrinho, Papai Noel? Perguntou a criança.
- Tem paciência, Carlinhos. O Papai Noel vai te levar; respondi olhando para o pai,
solicitando ajuda para explicar o inexplicável.
- Sabe o que é, Papai Noel? Nós não tivemos tempo de mandar a carta pro Sr., porque o
Carlinhos estava internado no Hospital, faz 15 dias, por isso acho que o Sr. não trouxe, né?
O Sr. traz o ano que vem, né? Completou o pai, semi-analfabeto, talvez, mas revelando
toda sabedoria de um pai exemplar.
- E só hoje, agora a pouco, os médicos deram alta pra ele e por isso que vamos pegar o
ônibus pra ir pra casa. Explicou a mãe.
- Tá vendo Carlinhos? Acho que o Papai Noel trouxe um presente pra você. Te ajudou a
curar, viu? Completou a mãe afagando e apertando o menino em seu colo humilde, dandolhe o maior e insubstituível amor do mundo; o materno.
- Tá bom, mas que eu queria mesmo era um carrinho. Replicou desconsolada, a criança.
- Feliz Natal pra vocês e Deus abençoe a todos; desejei aos três, apesar de angustiado e
com pena daquela família.
Já me retirava, quando Sr. João reteve os passos, segurou-me pelo braço.
- Doutor, não costumo me aproveitar da situação, mas nós não temos nada pra comer esta
noite, porque tive que gastar muito com remédio pro Carlinhos, o Sr. não pode me dar uma
ajuda?
- Olha Sr. João, quando saio de Papai Noel não pego carteira; nem documentos carrego. Se
tivesse até ajudaria o Sr.
- Não tem problema, Doutor. O Sr. já ajudou. Deu um pouco de alegria pro Carlinhos.
Acho até que melhorou de vez só de ver o Papai Noel. Fica com Deus; desejou, frustrado,
aquele pobre homem e acelerou o passo ao encalço da mulher e do filho.
Fiquei estático, dando tchau para os três até que suas sombrias figuras desaparecessem na
esquina da Aicás com Chibarás. Lágrimas brotaram nos meus olhos. Um nó na garganta
me fez passar a engolir a seco. O peito apertou. A angústia, a frustração me tomaram.
Senti-me absolutamente impotente diante das amarguras daquela família. Encostei-me no
gradil do luxuoso condomínio para me recompor. As lágrimas misturaram com os fios
brancos da peruca e da barba. A maquiagem rosada lambuzou todo o meu rosto.
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- Hei Papai Noel, feliz Natal!!! Trouxe o meu presente? O Sr. vai passar lá em casa?
Exclamavam as crianças.
Com os olhos marejados, balbuciando, tive que responder aos apelos forjando um sorriso.
Afinal, Papai Noel é só alegria. Não pode demonstrar tristeza, ainda mais na noite de
Natal.
João, Fátima e Carlinhos não saíam da minha mente.
E nem perguntei onde moravam, para talvez, num último gesto de Papai Noel levar um
brinquedo ou quem sabe alguma coisa pra cear, ou melhor, comer naquela noite de Natal.
Nem quando vou, em dias de Natal, a orfanatos pobres, levar presentes usados pra fazer a
alegria de crianças carentes de tudo, me angustiam tanto quanto a lembrança de João,
Fátima e Carlinhos.
Assim como outros milhões, passariam um Natal Sem Natal.
“Anoiteceu, o sino gemeu, a gente ficou, feliz a rezar.
Papai Noel, vê se você tem, a felicidade prá você me dar.
Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel.
Bem assim felicidade, eu pensei que fosse uma brincadeira de papel.
Já faz tempo que pedi, mas o meu Papai Noel não vem.
Com certeza já morreu ou então felicidade é brinquedo que não tem”.
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Autor: Dr. Jobachi
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