alfabetização solidária - Mário Salimon Aperiódico
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alfabetização solidária - Mário Salimon Aperiódico
Comunidade Solidária 2002 O DESENVOLVIMENTO DE UM BRASIL CIDADÃO Comunidade Solidária 2002 O DESENVOLVIMENTO DE UM BRASIL CIDADÃO PATROCINOU ESTA OBRA 3 Comunidade Solidária 2002 O DESENVOLVIMENTO DE UM BRASIL CIDADÃO EXPEDIENTE Esta é uma publicação do Conselho da Comunidade Solidária, executada pelo Núcleo de Comunicação do Conselho da Comunidade Solidária – NuCom/CCS. Coordenação geral: Mário Salimon e Lola Berlinck. Realização: CDN - Companhia de Notícias, Unidade de Comunicação Interativa e Publicações. Diretor: Gerson Penha. Coordenação editorial: Marcelo Morales; edição de textos: Ricardo Marques; reportagem: Anacarolina Garcia, Denise Gustavsen, Lauro Mesquita, Renato Miranda, Rubem Barros, Sílvio Fudissaku; projeto gráfico e direção de arte: Renato Akimasa Yakabe, ilustração: Rafael Ziegelmaier CRÉDITOS DE FOTOS Capas, ensaio Xingó e páginas 8, 20, 23, 24, 25, 26, 30, 56, 61, 62, 63, 66, 68, 69: Marcelo Soubhia/Fotosite; páginas 9, 16, 17, 18, 19, 22, 27, 28, 29, 64, 65, 70, 71, 72, 73, 75 e 76: Divulgação; páginas 12, 13, 14, 15, 58: Pisco Del Gaiso/Fotosite; página 57: Eduardo Monteiro/Fotosite; página 74: Monica Zarattini/AE 4 PROGRAMAS CONSELHEIROS ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA www.alfabetizacao.org.br Superintendente Executiva: Regina Célia Vasconcelos Esteves AGOP KAYAYAN AUGUSTO CÉSAR ANTUNES DE FRANCO BARJAS NEGRI BORIS FAUSTO CÉSAR SOARES DOS REIS CESARE DE FLORIO LA ROCCA EDDA MAYER BERGMANN EDUARDO EUGÊNIO GOUVEIA VIEIRA FERNANDA BORNHAUSEN SÁ GILBERTO PASSOS GIL MOREIRA HORÁCIO LAFER PIVA JOAQUIM DE ARRUDA FALCÃO NETO JOSÉ ROSA ABREU VALE JÚLIO SÉRGIO DE MAYA PEDROSA MOREIRA LADISLAU DOWBOR MANOEL DANTAS BARRETO FILHO MARIA ALICE SETUBAL MARIA DO CARMO BRANT DE CARVALHO MARIA JOSÉ MOTTA MIGUEL DARCY DE OLIVEIRA NEYLAR COELHO VILAR LINS PAULO JOBIM FILHO PAULO RENATO SOUZA PAULO SÉRGIO DE MORAES SARMENTO PINHEIRO PEDRO MOREIRA SALLES PEDRO PULLEN PARENTE RUBEM CÉSAR FERNANDES RUTH CORRÊA LEITE CARDOSO SÉRGIO EDUARDO ARBULU MENDONÇA SÔNIA MIRIAM DRAIBE VIVIANE SENNA LALLI ZILDA ARNS NEUMANN ARTESANATO SOLIDÁRIO www.artesol.org.br Coordenadora atual: Helena Sampaio Adriana de Médicis 1998-1999 Regina Dunlop 2000- 2002 CAPACITAÇÃO SOLIDÁRIA www.pcs.org.br Superintendente Executiva atual: Maria Helena Berlinck Célia de Ávila 1997-2002 REDE JOVEM www.redejovem.org.br Coordenadora Nacional: Renata Affonso UNIVERSIDADE SOLIDÁRIA www.unisol.org.br Coordenadora Nacional: Elisabeth Vargas COMUNIDADE ATIVA www.comunidadeativa.planalto.gov.br Secretário Executivo atual: Ludgério Monteiro Corrêa Ana Maria Pelianno 1995-1999 Milton Seligman 1999 Osmar Gasparini Terra 1999-2001 PROGRAMA VOLUNTÁRIOS www.portaldovoluntario.org.br Coordenador Nacional atual: Miguel Darcy de Oliveira Mónica Corullón 1997-2001 RITS www.rits.org.br Secretário Executivo atual: Paulo Lima Sérgio Goes 1997-2001 5 6 SUMÁRIO 9 12 16 20 24 26 31 52 54 57 61 64 66 68 70 72 74 77 A P R E S E N TA Ç Ã O ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA ARTESANATO SOLIDÁRIO CAPACITAÇÃO SOLIDÁRIA REDE JOVEM UNIVERSIDADE SOLIDÁRIA X I N G Ó – SOLIDARIEDADE CONVERGENTE AUTONOMIA SOCIAL EMPREENDEDORISMO NOVA MENTALIDADE TERCEIRO SETOR INTERLOCUÇÃO POLÍTICA LEGISLAÇÃO MICROCRÉDITO RITS COMUNICAÇÃO ALÉM DAS FRONTEIRAS OS PARCEIROS 7 8 Apresentação os novos caminhos do desenvolvimento social ESTE RELATÓRIO APRESENTA VÁRIOS CAMINHOS PERCORRIDOS PELO COMUNIDADE SOLIDÁRIA EM SEUS 8 ANOS DE EXISTÊNCIA. SÃO ESTRADAS ABERTAS PELOS PROGRAMAS PARA ALCANÇAR OS OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE CADA UM, MAS QUE SE ENTRECRUZAM COM FREQÜÊNCIA PORQUE TAMBÉM TÊM TRAÇOS COMUNS. Dona Ruth Cardoso: ao lado da sociedade civil disposta a colaborar para a solução dos problemas derivados da pobreza Cada um responde a uma necessidade reconhecida: alfabetizar, capacitar jovens, oferecer oportunidade de troca de experiências entre universitários e comunidades, cultivar o artesanato para gerar renda, apoiar o trabalho voluntário ou oferecer aos jovens oportunidade de inclusão no mundo da internet, ao mesmo tempo em que se promove o desenvolvimento local integrado e sustentável. Mas o modo de pôr em prática esses programas atende a orientações comuns que os colocam como parte de uma mesma família. Em primeiro lugar, todas as ações resultam da construção de parcerias variadas, que mobilizam diferentes atores e ampliam o âmbito de atuação dos programas. Esse papel articulador foi o principal exercício desenvolvido pelo Comunidade Solidária, que impulsionou a parceria entre o Estado, as organizações civis e as empresas. Todos os programas e ações desenvolvidos incluíram esses três setores em sua execução, procurando aproveitar as oportunidades abertas por uma sociedade civil atuante e responsável, disposta a participar e colaborar para a solução dos problemas derivados da pobreza. Essas parcerias não representam a diminuição da atuação dos governos nem a extensão do assistencialismo tradicional. Pelo contrário, aportam novas metodologias de intervenção que garantem mais sucesso e verdadeiro desenvolvimento social para as comunidades. As limitações e os custos das ações estatais são conhe9 Apresentação cidos. E as formas convencionais de aliviar a pobreza têm muitas vezes contribuído para reproduzi-la. O Comunidade Solidária, contando com muitos apoios, procurou parcerias para inovar e usar receitas coerentes com as propostas contemporâneas. Executou um planejamento preciso, com que todos estavam comprometidos. Foi com essa fórmula que enfrentamos os caminhos que descrevemos aqui e dela derivam os aspectos comuns de nossas ações. Por um lado, vemos que os diferentes programas iniciam suas atividades pela mobilização da comunidade e promoção da participação colaborativa. O principal objetivo consiste em mostrar as capacidades existentes, mas para as quais faltam oportunidades. Toda comunidade tem saberes e talentos que podem e devem ser aproveitados. Por outro lado, as parcerias promovem um trabalho sem clientelismos, assistencialismos ou partidarismos, quer porque reúnem atores de diferentes origens e concepções, mas que se consideram unidos em torno de objetivos precisos; quer porque a comunidade organizada torna-se refratária às condutas que pretendem uma manipulação política. É a isenção política e religiosa que garante a participação e o crescimento de todos neste processo. O trabalho com parceiros garante um desempenho com maior eficiência, transparência e flexibilidade, o que resulta em custos mais baixos que os de ações isoladas. Estas são características que a leitura dos depoimentos tornará visíveis. As atividades aqui apresentadas partem do princípio que uma ação que pretende promover o desenvolvimento social sustentável deve criar as condições para a autonomia local. Encontraremos durante a leitura vários exemplos bem-sucedidos nos quais a autogestão já esta sendo praticada: os centros de voluntários, centros de jovens participantes da Rede Jovem, associações de artesãos etc. Dentro desse mesmo espírito, buscamos garantir a independência e a continuidade de nosso trabalho. Desde o início, cada programa é gerido por uma associação civil e, portanto, sua continuidade está garantida. Para evitar a fragmentação da família que se desenvolveu a partir do Comunidade Solidária, todos os programas fazem parte de uma rede – RedeSol – em que a comunicação entre eles será ampla e todos poderão aprender com as experiências comuns. Foram oito anos durante os quais as parcerias deram força para experiências inovadoras que, ao demonstrarem bons resultados, puderam ser ampliadas, alcançando resultados em quantidade e qualidade muito relevantes. Ruth Cardoso 10 P R O G R A M A S I N OVA D O R E S Perto de 4 milhões de pessoas já participaram dos Programas do Comunidade Solidária graças a uma abordagem original no modo de implantar ações sociais. Tirando partido das potencialidades já existentes na sociedade brasileira, estabelecendo rotas de convergência inéditas e buscando sempre a sustentabilidade e a capacidade de propagação das iniciativas, os programas criaram um padrão novo na busca da inserção social. 11 Alfabetização Solidária Alfabetização Solidária: uma aula prática de cidadania Em 1997, o município de Japurá, em plena Floresta Amazônica, registrava índices alarmantes de analfabetismo. Mais de 70% dos habitantes não sabiam ler nem escrever. Cinco anos depois, a taxa de analfabetos caiu para 30%, numa das maiores reduções já registradas no país, apesar das dificuldades de logística típicas da região. Não por coincidência, Japurá fez parte do projeto-piloto do Alfabetização Solidária, no primeiro semestre de 1997, e desde então vem sendo atendido pelo programa. Casos como esse representam o trabalho desenvolvido pelo Alfabetização Solidária nas regiões mais carentes. Criado pelo Conselho da Comunidade Solidária, o programa iniciou sua atuação nas regiões Norte e Nordeste, em municípios que concentravam os maiores índices de analfabetismo do país, de acordo com censo do IBGE de 1991. A mais recente atualização do censo indicou que a redução dos índices de analfabetismo foi maior nas comunidades rurais: “Ou seja, justamente a população que o programa prioriza”, explica Regina Célia Vasconcelos Esteves, superintendente executiva do Alfabetização Solidária. No primeiro semestre de atividades, em 1997, o programa atuou em 38 municípios e atendeu cerca de 9,2 mil alunos. Em dezembro de 2001 já eram 2,4 milhões de 12 Alfabetização Solidária alunos em 1.578 municípios. No final do primeiro semestre de 2002, os números impressionavam ainda mais: 3.137.847 alunos em 2.010 municípios de 21 estados. Por trás dos números, contudo, há muito mais: vidas que se modificaram para melhor, pessoas mais conscientes e críticas, comunidades mais desenvolvidas e, especialmente, a multiplicação do conceito de cidadania. O trabalho do Alfabetização Solidária apóia-se em parcerias com universidades, empresas, pessoas físicas, governos estaduais e municipais e com o Ministério da Educação. “Houve uma evolução no modelo de parceria”, afirma Regina Esteves. “No começo do programa as empresas financiavam 50% do custo e o Ministério da Educação, os outros 50%. Com o novo modelo nós conseguimos envolver outros segmentos, como os governos estaduais, que passaram a ‘adotar’ grupos de alunos, o que tornou possível expandir ainda mais o programa.” Outra comprovação da eficácia do novo modelo de parceria é a produção das universidades, explica Regina. “No início, com a mobilização das instituições universitárias, esperava-se o fortalecimento da produção de temas acadêmicos sobre a educação de jovens e adultos. Hoje isso é um fato consumado, e o programa acabou estimulando outras ações na universidade.” Os alfabetizadores No primeiro semestre de 2002 o programa contava com mais de 135 mil alfabetizadores. Peças-chave no processo, eles são selecionados nas próprias comunidades onde vivem e respondem também pelo efeito multiplicador do programa. Capacitados pelas universidades parceiras, recebem uma bolsa-auxílio e podem ser incorporados, posteriormente, à rede oficial de ensino. O alfabetizador tem liberdade para seguir um modelo de trabalho que melhor se adapte às características de sua comunidade e da cultura local. No Parque Novo Mundo, zona norte de São Paulo, uma sala da escola Fundação O Alfabetização Solidária envolve hoje vários segmentos da sociedade: o próprio governo federal, empresas, universidades, pessoas físicas e os poderes públicos municipal e estadual, o que amplia seu alcance 13 Alfabetização Solidária A alfabetizadora Flávia incluiu a mãe na sua turma na zona norte de São Paulo para melhorar a dinâmica das aulas 14 Lar de São Bento – Casa do Macário abriga uma classe do programa e serve de exemplo desse modelo pedagógico. “Vejo as necessidades da turma e aplico as atividades de acordo com suas dificuldades. No começo fiquei receosa, achando que eles não sabiam nada, mas conforme fui dando exercícios vi que eles sabiam alguma coisa, que não eram totalmente analfabetos”, conta a alfabetizadora Flávia Guilherme da Silva. Aos 23 anos, professora de português formada em Letras, ela começou a trabalhar com o Alfabetização Solidária em agosto, no período noturno. “No começo foi meio complicado, havia muita resistência e eu não sabia direito como tratar os alunos. Eles eram desanimados, diziam que não iam aprender. A sala tinha poucos alunos, mas um foi chamando o outro e em setembro havia mais gente. Fui conversando, mostrando a eles a importância do aprendizado. Quando descobriam que podiam, ficavam radiantes. A auto-estima deles melhorou. Estão mais seguros e participativos.” Flávia confessa ainda que o arsenal de “truques” dos alfabetizadores é inesgotável: “No começo os alunos não perguntavam nada. Minha mãe, que também é minha aluna, me dá assessoria. Apesar de ter estudado até a 4a série ela não lembrava de muita coisa, então veio para a aula e pergunta tudo o que não entende, ajudando os mais tímidos a tirar as dúvidas. Quando ela quer ir embora mais cedo, dizendo que está cansada, os colegas ficam bravos, dizem que ela não quer estudar”. A mãe, Maria Dulce dos Santos Lima, confirma: “Não tenho vergonha de perguntar. Se não entendo, peço para a professora explicar quantas vezes for preciso. Puxo o coro. Não adianta falar que entendeu se não entendeu. E com isso faço o pessoal perder a vergonha de perguntar”. Além das aulas convencionais de segunda a quarta-feira, às quintas os alunos estudam na sala de informática. “A cada semana o resultado é melhor. Aprenderam que as palavras escritas errado no computador ficam sublinhadas em vermelho, e antes de me chamar tentam corrigir. Só quando realmente não conseguem é que pedem socorro”, diz Flávia. “Estamos chegando no final do módulo e os alunos estão preocupados por não saber onde vão continuar os estudos. Eles não querem parar.” Josivan dos Santos, 23 anos, é um dos que não pensam em deixar a escola. Nascido em Nova Açores, Bahia, e há cinco anos em São Paulo, ele conta: “Estudei uns tempos no Nordeste, mas não aprendi nada. A bagunça era muita, nem meu nome aprendi direito. Voltei a estudar porque via todo mundo lendo e ficava com inveja, queria ler também. Hoje sei até conta. Faço de cabeça. Muita coisa eu sei. Tudo melhorou. Não sabia nem pegar condução, hoje de longe já sei qual é. Cansei de me perder. As pessoas não ajudam, já ouvi muito ‘se vira, rapaz!’. Hoje estou feliz. A pior coisa é ver uma carta e não poder ler. Chegava carta em casa, lá na Bahia, e não tinha quem lesse. A gente não sabia nem para quem era. Hoje faço carta, faço tudo. Já fiz três móMaria Dulce passou a freqüentar as aulas a pedido da filha e é quem mais pergunta: “não adianta falar que entendeu se não entendeu” Alfabetização Solidária dulos e quando este acabar vou procurar outro. Não quero mais parar.” Baiana como Josivan, Maria Teresa Nunes Cerqueira dos Santos, 49 anos, é de Maracás e veio para São Paulo há mais de 25 anos. Estudou um pouco quando jovem e parou para trabalhar: “Esqueci tudo. Voltei a estudar agora porque estou com os filhos grandes. Sentia dificuldade em assinar o nome e ficava com vergonha da minha letra feia. Estou aqui tem um mês e já melhorou a minha escrita e a leitura”. Seu colega Altair Bezerra de Melo, 18 anos, eletricista, também chegou a estudar, mas pouco aprendeu. “Aqui é melhor do que a outra escola, e estou conseguindo. Já estou lendo. Além disso, tenho amigos com quem converso bastante. Quando terminar o módulo vou tentar fazer estamparia aqui na escola mesmo”, ele conta. O Alfabetização Solidária é uma porta de entrada para a escola e a possibilidade de reiniciar os estudos. Porém, para otimizar os resultados, é preciso dar continuidade ao aprendizado. Um dos caminhos é o projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA), resultado de uma articulação da coordenação nacional com o ministério da Educação. O ministério abre linhas de crédito para as prefeituras, possibilitando a formação de alfabetizadores e a impressão do material didático. Entre os anos 2000 e 2002 foi registrado um crescimento de 250,83% no número de matrículas efetuadas nos cursos do EJA. No Projeto Recomeço, a parceria com o Ministério do Trabalho assegura a realização de cursos profissionalizantes com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. “Um ponto fundamental no programa é o fortalecimento da oferta pública de educação para jovens e adultos, para dar continuidade ao processo de alfabetização dos alunos. Isso não estava previsto no modelo inicial, mas hoje nós já temos uma proposta conso- Josivan, Maria Teresa e Altair estão superando a vergonha de não saber ler e escrever e já pensam em como dar continuidade à alfabetização lidada. O quadro de analfabetismo será efetivamente reduzido se conseguirmos alfabetizar o aluno e, ao mesmo tempo, proporcionar a continuidade dos estudos. É o que vem ocorrendo”, afirma Regina Esteves. Projetos paralelos O Alfabetização Solidária envolve ainda uma série de projetos paralelos, vinculados ao processo de alfabetização, para fortalecer o processo de aprendizagem. O programa Grandes Centros Urbanos, por exemplo, iniciou-se em 1999, com recursos captados por meio de doações de pessoas físicas, atendendo 20 mil alunos nas áreas metropolitanas de São Paulo e Rio. Depois foram incluídos o Distrito Federal, Goiânia, Fortaleza, São Luís e Belo Horizonte. Até o primeiro semestre de 2002 foram atendidas 188.260 pessoas. O Projeto Incentivo à Leitura mobiliza parceiros para a organização de kits com livros e revistas para a formação de bibliotecas nos municípios. O Projeto Ver destina-se a reduzir uma das principais causas de evasão escolar – problemas de visão dos alunos – , e de 2000 a 2002 foram distribuídos mais de 90 mil pares de óculos. O Rádio Escola foi criado em 2001 pela Secretaria de Educação à Distância do MEC, em parceria com o AlfaSol, para enriquecer o conteúdo das aulas. O Alfabetização Digital, elaborado em parceria com 20 instituições de ensino superior, está presente em 20 municípios do Norte e Nordeste, para democratizar o uso da informática e beneficiar os alunos e a comunidade. O Projeto Promoção da Saúde, em parceria com o Ministério da Saúde, visa à melhoria da qualidade de vida nas comunidades. 15 Artesanato Solidário Artesanato Solidário: talento e tradição por uma vida mais digna O artesanato praticado há gerações transformou-se numa preciosa fonte de renda de comunidades pobres 16 Como diz o povo do interior, uma coisa sempre leva à outra – e de repente descobrem-se tesouros onde parecia haver pouco mais do que penúria. Foi mais ou menos isso o que aconteceu com o Programa Artesanato Solidário. Em 1998, equipes do Comunidade Solidária atuavam em regiões atingidas pela seca no Nordeste e no norte de Minas Gerais, em busca de alternativas que assegurassem a subsistência das comunidades, com um alcance maior do que a ajuda das frentes de emergência. Logo se percebeu que ali, nas casas simples e pobres dos sertanejos, estava a matéria-prima de uma fonte de trabalho, de renda e, acima de tudo, de dignidade: o artesanato praticado há gerações, sem pretensões além de seu imediato valor utilitário, mas repleto de sentido e de tradição. Logo o Artesanato Solidário criava surpreendentes rotas de convergência, ligando cidades tão distantes quanto a mineira Urucuia e a paraense Abaetetuba. De Parati, no litoral fluminense, desenhou-se uma linha que passava por São Mateus, no Espírito Santo; Berilo e Turmalina, em Minas; Esperança e Ibimirim, em Pernambuco; Pedro II, em Sergipe, até lá no alto, em Santarém, no Pará, algumas entre as mais de seis dezenas de outras localidades onde o programa fincou sua bandeira. Artesanato Solidário E as pessoas que traçam esse mapa têm nome e profissão: a mineira dona Antônia Resende que faz doces e os embala na palha do buriti; a jovem Andréia de Andrade que estuda para o vestibular e cria lindas bonecas de cerâmica; Marta Cardoso de Lima que faz doces e é tesoureira da Associação do Artesão de Urucuia; Hosana dos Santos e suas panelas e moringas de barro e argila; Waldelly Costa Alves que “brinca de fazer brinquedo” com madeira de miriti e não troca por nada o seu ofício. São representantes de uma legião de cerca de 3 mil artesãos, cujo trabalho envolve também as famílias, o que amplia o alcance do programa para cerca de 15 mil pessoas. Paraense de Abaetetuba, 32 anos, Waldelly integrou-se de corpo e alma ao Artesanato Solidário: “Mergulhei de cabeça e está dando certo demais”, afirma. Antes da implantação do programa, os artesãos de Abaetetuba produziam apenas para a festa do Círio de Nazaré e não tinham noção de que esse podia ser um meio de vida. Hoje o trabalho deles é reconhecido como arte e conta com uma sala de venda permanente no Museu Emilio Goeldi, em Belém. Peças como as cobras, os jacarés e os pássaros de Waldelly ajudaram a melhorar a vida da comunidade. Ele está realizando um sonho: “Estou terminando minha casa, de alvenaria, com um cômodo na frente para uma lojinha”, diz. Coordenadora do programa desde abril de 2002, Helena Sampaio recorre a esses exemplos para dizer que os efeitos produzidos nas comunidades não podem ser medidos apenas por indicadores sócio-econômicos: “Há também mudança de atitudes, de comportamento, além do aumento da auto-estima, que é fundamental. Trabalhar com os artesãos é um desafio permanente, que requer tempo e amadurecimento, pois a proposta é observar e usar o potencial local para revitalizar uma arte que estava morrendo ou não era devidamente valorizada. Não há caráter assistencialista e não queremos ensinar nada. O que existe é a utilização dos recursos naturais de cada região e o repasse espontâneo das técnicas, de geração a geração”. A artesã Emília Nunes de Souza, 63 anos “mais ou menos”, nasceu em Candeal, Minas Gerais, e sabe o que significa repasse espontâneo. Ela aprendeu com a mãe o delicado ofício de ceramista e hoje ensina aos mais jovens: “Antes do programa a gente trabalhava cada qual na sua casa, fazia as louças e vendia tudo a troco de bestagem. Trabalhava muito e não vingava. Cada um tinha seu forno. Agora melhorou muita coisa, fizemos casas melhores. A minha casa era de pau-a-pique e agora é de adobe e coberta de telha. Comprei móveis, cama, fogão”. Dona Emília vende a compradores do Rio e de São Paulo, cidades que já visitou para expor suas peças e ensinar adultos e crianças a trabalhar com cerâmica. Em Candeal, ela cumpre a tradição e trans- Waldelly produzia cobras e outros animais em miriti para a festa do Círio de Nazaré. Descobriu que podia ganhar a vida com a atividade e já está contruindo sua casa, em alvenaria 17 Artesanato Solidário mite sua arte à neta de 12 anos, para que tudo recomece. Em situação inversa está Andréia Pereira de Andrade, 21 anos, uma quase universitária que aprendeu o ofício de ceramista com os pais e a avó Isabel, em Santana do Araçuaí, Minas Gerais. Andréia diz que a semente mais importante do Artesanato Solidário é o incentivo aos artesãos e à arte em si: “Muitas pessoas que estavam paradas estão produzindo, vendendo e divulgando o trabalho. E estão sendo reconhecidas como artistas”. A avó e mestra Isabel faz coro e é prova de que o artesanato de tradição encontrou a ferramenta certa para se multiplicar. Esse repasse do saber, conforme Helena Sampaio, faz parte da primeira das três trocas ou diálogos que o programa estimula. O diálogo inicial se dá entre os próprios artesãos, para propiciar condições de associativismo, desenvolvimento do trabalho coletivo, troca de conhecimento e aprendizado coletivo. “O programa estimula a organização dos artesãos como categoria profissional e como cidadãos que detêm um conhecimento específico”, diz Helena. 18 Andréia aprendeu ofício de ceramista com a avó em Santana do Araçuaí e diz que o artista agora se sente valorizado, produzindo, vendendo e divulgando o trabalho O segundo diálogo ocorre entre o artesão e seu produto, a fim de aprimorar a qualidade da peça, sem interferir no processo criativo. Um exemplo, segundo a coordenadora do Artesanato Solidário, ocorre com as bordadeiras, que quando solicitadas trazem para as reuniões toalhinhas surradas tiradas do baú das mães ou das avós, “verdadeiras preciosidades, às vezes mostrando um ponto que ninguém conhecia e pode ser resgatado”. Por fim, o programa incrementa o diálogo entre o artesão e o mercado. “É uma troca difícil, porque muitas vezes as peças chegam ao mercado por atravessadores, que pagam um preço insignificante. Contra isso o programa oferece oficinas de adequação e de formação de preços, em parceria com ONGs e com os Sebraes estaduais, e amplia os canais de acesso ao mercado consumidor, destacando o valor cultural agregado ao artesanato de tradição.” As oficinas de adequação destinam-se a promover pequenas adaptações do produto às demandas do mercado, sem interferir nas técnicas ou na tradição. “Ninguém vai mexer nas cores das roupas do mamulengo, na técnica de entalhe na madeira ou no processo centenário de decorar cerâmicas. Mas existem alguns produtos de tecelagem e bordado que precisam se adequar à funcionalidade do mundo moderno. Um jogo americano, por exemplo, tem uma medida internacional”, explica Helena Sampaio. O trabalho de precificação é mais objetivo. Sempre que possível as oficinas usam estruturas regionais já existentes, como o Sebrae, num esforço para baratear custos. Utilizam-se planilhas, calcula-se quanto é gasto com insumos, computam-se horas trabalhadas e criam-se indicadores que são discutidos pelos artesãos para que decidam o preço final de cada peça. O resultado é a valorização do trabalho, como diz Waldelly, o paraense de Abaetetuba: “Hoje vendo uma sucuri por R$ 70,00, um jacaré por R$ 50,00. Tem mês que tiro R$ 500,00, outro tiro R$ 800,00”. Em relação a preços e distribuição, a Central ArteSol tende a adquirir relevo. Localizada em São Paulo e inaugura- Artesanato Solidário Para Benita o programa foi uma benção: “a gente vendia as peças em troca de arroz ou feijão. Agora já fiz uma casinha, comprei guardaroupa, fogão” da em setembro de 2002, essa organização civil trabalha lado a lado com o Comunidade Solidária e comercializa os produtos dos núcleos que integram o programa. Compra à vista das associações de artesãos e distribui os produtos em lojas, hotéis, para paisagistas e decoradores. É mais um elo da corrente que busca a ligação entre o artesão e o consumidor. Os artesãos de Porto do Sauípe, por exemplo, já vendem seus produtos pela internet – situação difícil de imaginar quando o programa começou, em 1998. Na primeira fase, o Artesanato Solidário estabeleceu-se em 26 núcleos, para um trabalho de paciência e conquista da confiança da comunidade. Numa segunda etapa, no final de 2001, foram incorporados 42 novos projetos, o que elevou para 68 o número de municípios envolvidos. A primeira onda beneficiou artesãos como Maria Benita Pinheiro, ceramista de Candeal, que hoje afirma que o programa foi uma “benção”. “A vida era muito sofrida. A gente fazia umas peças e recebia arroz ou feijão como pagamento. Depois que o programa chegou já consegui fazer O programa estimula a associação dos artesãos como categoria profissional e como cidadãos que detêm um conhecimento específico uma casinha para mim. Comprei móveis, guarda-roupa, roupa de cama, fogão. Agora espero ser mais feliz ainda.” Conterrânea de Maria Benita, a artesã Nilda Muniz Farias, 26 anos, é um caso à parte. Antes do Artesanato Solidário ela não vendia suas cerâmicas: “Eu sabia fazer, minha avó me ensinou, mas quando ela não agüentou e parou, parei também. Conheci o programa e voltamos ao artesanato, começamos a vender, reformamos a casa, compramos geladeira e roupas”. Melhor: Nilda já vendeu criações em vários estados e participou de uma exposição no Sesc Pompéia, em São Paulo, com direito a um curso para os interessados. De um modo ou de outro, Nilda – assim como as Martas, Antônias, Emílias e Benitas e os Waldellys que mexem com o barro, a madeira, o bordado ou a palha pelo Brasil afora – multiplica um conhecimento que se situa no campo da arte e representa o ideal de um programa que tem um longo caminho a percorrer. Atualmente o Artesanato Solidário é vinculado à Comunitas – Parcerias para o Desenvolvimento Solidário, organização da sociedade civil sem fins lucrativos e de interesse público, que dá continuidade e busca expandir a estratégia desenvolvida pelo Comunidade Solidária. “Foi tudo pensado para que o programa tivesse continuidade”, observa Helena Sampaio, que já tem objetivos para o futuro: “A meta quantitativa é chegar a 75 núcleos de artesanato, além de consolidar uma tecnologia social, uma maneira de fazer um programa social. É para isso que o programa está caminhando, com a idéia de trabalhar com educação continuada, envolvendo os agentes locais e os gerentes regionais. Queremos fortalecer um modo de trabalhar que se transforme num modelo a ser replicado, uma referência de projeto de geração de renda por meio de uma atividade cultural”, completa a coordenadora. 19 Fortalecer a auto-estima, desenvolver a sociabilidade, a capacidade de comunicação e o protagonismo juvenil também são objetivos do programa Capacitação Solidária 20 Capacitação Solidária Capacitação Solidária: o caminho da inclusão social passa pela profissão Cansada de vender as frutas que comprava no Mercado Central de Aracaju e juntar alguns trocados para ajudar na cesta básica da família, a estudante Fernanda dos Santos, de 18 anos, se agarrou com unhas e dentes à oportunidade do curso de pintura automotiva financiado pelo Capacitação Solidária. À primeira vista, podia parecer estranho uma adolescente vaidosa arregaçando as mangas num ambiente de trabalho tipicamente masculino. Mas Fernanda não se intimidou. Acostumada a olhar o pai, um chapista autônomo, ela inicialmente foi movida pelo dinheiro da bolsa que poderia ganhar durante a formação. Depois das primeiras aulas, no entanto, a jovem percebeu que era uma boa oportunidade de trabalho. Não estava errada. Hoje chefia uma equipe de quatro homens no setor de pintura de uma revendedora Ford da cidade. “Ganhei confiança porque sou mais caprichosa que meus companheiros”, diz a garota. Com o salário inicial de R$ 250,00 mensais, Fernanda continua ajudando em casa, mas agora vai apostar suas fichas num futuro mais interessante – está terminando o ensino médio e quer entrar numa faculdade de pedagogia. “Sei que meu su- cesso depende de mim, se eu não me esforçar, a coisa não acontece”, sentencia. Fernanda faz parte do grupo de mais de 124 mil jovens que já receberam treinamento profissional através do programa Capacitação Solidária. Destes, 37% conseguiram se inserir no mercado de trabalho logo ao final dos cinco meses de duração das aulas, ministradas por organizações da sociedade civil. O maranhense Edelson Carvalho Torres, de 21 anos, também integra esse time de vencedores. Da época de desempregado no Rio de Janeiro, com segundo grau incompleto, ele nem quer lembrar. As dificuldades ficaram para trás no dia que, por indicação de uma tia, acabou num curso de padaria, confeitaria e cozinha. Em dezembro de 2001, quando as aulas terminaram, Edelson conseguiu um estágio no restaurante Garcia e Rodrigues, no Leblon, especializado em cozinha francesa. Em agosto, foi contratado como ajudante encarregado de preparar as folhas para as saladas e organizar os alimentos. Agora subiu de posto e já virou cozinheiro. Ele prepara canapés e decora os pratos frios. “Cozinhar é uma arte e, a cada dia, aprendo mais e mais...”, diz o novo chef. 21 Capacitação Solidária Para quem antes do curso não encarava o fogão nem para fritar um ovo, o avanço foi meteórico. A grande preocupação do Capacitação Solidária é justamente ampliar a perspectiva de futuro de milhares de jovens entre 16 e 21 anos, como Edelson e Fernanda, que têm baixa escolaridade e vivem nos grandes bolsões de miséria das regiões metropolitanas do país. “São pessoas fragilizadas, que vivem no fio da navalha e acabam se tornando alvo fácil para a marginalização”, salienta Elisabeth Braz, gerente de comunicação do programa. Criado em 1996, época em que pouquíssimas ONGs desenvolFernanda não se intimidou com o universo tradicionalmente masculino das oficinas de pintura e hoje chefia uma equipe de cinco profissionais 22 viam trabalhos voltados aos adolescentes, o Capacitação Solidária montou uma estratégia única de ação a partir de uma proposta pedagógica desenhada especificamente para o jovem. “O jovem tem uma série de angústias características dessa faixa etária”, destaca Elisabeth. “Não dá então para repetir uma estrutura de ensino monótono, que não os envolva.” Os cursos foram estruturados em dois módulos: um básico e um específico. A idéia, primeiro, é fortalecer a autoestima e desenvolver a sociabilidade, a capacidade de comunicação e o protagonismo juvenil – para que o jovem entenda a importância de se envolver nas lutas de sua comunidade. No restante das aulas e na vivência prática, ocorre a formação profissional. “É uma pedagogia empreendedora, voltada para o crescimento integral do indivíduo”, analisa Elisabeth. A metodologia desenvolvida pelo programa foi repassada para as entidades parceiras, que têm o compromisso de desenvolver seu trabalho dentro dessa proposta pedagógica. “As ONGs capacitam os jovens e nós capacitamos as ONGs.” A concepção do programa estimula a participação de organizações da sociedade civil, possibilita a descoberta de novos nichos de mercado e respeita as particularidades culturais das regiões onde atua. Para uma entidade entrar para o time de parceiros do Capacitação precisa cumprir uma série de exigências. Primeiro, é preciso vencer um desafio: passar por um concurso onde são selecionados aqueles que exibem um planejamento profissional. Devem conhecer bem a comunidade onde vão atuar e o público-alvo, além, é claro, de saber explicar a importância da proposta e apresentar um cronograma de ação, de desembolso de recursos e execução do projeto. O critério, que à primeira vista poderia soar como empecilho, acabou tornando-se a espinha dorsal de um modelo de gestão democrático e transparente, capaz de encorajar cada vez mais a participação de organizações como associações, sindicatos, centros comunitários, universidades e empresas. “A metodologia de concursos e o Capacitação Solidária monitoramento das ações garante a transparência e a qualidade do programa”, avalia Elisabeth. Do escritório instalado em São Paulo, o Capacitação Solidária comanda sua rede de parcerias com resultados surpreendentes. De 1996 a outubro de 2002, foram investidos R$ 123 milhões na capacitação de jovens, 76% desse valor foram destinados às ONGs executoras dos 4.203 cursos e 24% à bolsa-auxílio de R$ 50,00 por mês para cada jovem, que recebe também alimentação e transporte. Em seminários, oficinas e cursos para capacitação de cerca de 8 mil profissionais da área social foram investidos em torno de R$ 3 milhões. Desde 1996, o programa já financiou 2.537 ONGs. Cada uma delas iniciou seu projeto com uma cartela média de três parcerias. No final das oficinas e seminários onde trocam e fornecem informações de caráter conceitual e técnico-pedagógico, ampliaram para nove o número de parceiros, o que consolida seu trabalho nas regiões em que atua. Essas entidades ainda têm ainda a possibilidade de melhorar o desempenho no curso de Gestão Social oferecido pelo Capacitação. Saem dele mais preparadas para competir pelos recursos públicos e privados – uma briga cada vez mais acirrada, já que a iniciativa privada está mais seletiva na escolha dos parceiros. O curso, gratuito, dá uma ampla visão do mercado nas 80 horas-aula e ensina temas diversos como ética/transparência, administração financeira (quando aprendem que a relação custo-benefício de cada centavo investido é sempre preocupação prioritária) e avaliação de projetos sociais. No curso de Planejamento e Gestão de Microempreendimentos, com 16 horas de duração, ensina-se até o cálculo do preço do produto a partir do seu custo. Correr atrás de resultados, porém, não é mais a única preocupação do Capacitação. “Agora é um momento de avaliação para acompanhar a trajetória dos jovens que receberam treinamento”, afirma Elisabeth. Se depender de Priscila Aline Bento, de 22 anos, não há com o que se preocupar. Depois de concluir um curso de cabeleireiro coordenado por uma ONG como a melhor aluna, ela acabou aterrissando no MG Hair, um dos salões mais sofisticados de São Paulo. Priscila passa suas horas de trabalho cuidando do cabelo de uma clientela de elite. Ela foi contratada em outubro como assistente de cabeleireiro e já está embolsando um salário de R$ 1,5 mil. “Quero mais, quero reconhecimento profissional”, avisa a ex-jogadora de basquete, que foi cortada do time porque era baixa demais. Ela já sonha até com curso em Paris. Por enquanto, soma esforços com os dois irmãos para construir a casa da família. “Compramos o terreno, estamos construindo e já trocamos os eletrodomésticos”, conta Priscila. “O programa é extremamente inovador”, explica a socióloga Maria Helena Berlinck Martins, superintendente executiva do Capacitação Solidária. “Foi consolidado e mudado a partir de avaliações e hoje é uma referência para nossa satisfação.” Sobre mudanças de rota, ela é taxativa. “É possível melhorar tudo, mas em linhas gerais a estratégia é essa.” Priscila iniciou sua carreira como cabeleireira num curso do Capacitação Solidária, arrumou um bom emprego e já sonha em se aprimorar em Paris 23 Rede Jovem Rede Jovem: um atalho para a inclusão digital Emerson Carlos Ferraz sempre teve grande interesse por informática e tecnologia. Corria atrás dos cursos sobre o assunto oferecidos gratuitamente por ONGs e entidades de Santo André (onde vive com sua família) e de outras cidades da Grande São Paulo. Mas, sem computador em casa devido à baixa renda familiar, não tinha como praticar seus conhecimentos até começar a freqüentar, nos No Espaço Jovem, Emerson fez cursos, praticou o que aprendeu e preparou-se para um salto qualitativo em sua vida 24 primeiros meses de 2001, o Centro de Referência da Juventude (CRJ) da prefeitura de Santo André. Lá funciona um Espaço Jovem, telecentro que é resultado de uma parceria entre o programa Rede Jovem, o próprio município e a www.jovem-crj, ONG da cidade. Emerson fez cursos, praticou o que aprendeu, conheceu gente com interesses comuns e acabou conseguindo fazer com que sua vida desse um enorme salto qualitativo. Fundou junto com alguns colegas a Coopdesign, uma cooperativa que presta serviços de informática – como o desenvolvimento de páginas para a internet –, e sua empresa já soma mais de 15 clientes na região do ABC. Além disso, acabou se tornando instrutor de Inclusão Digital do próprio Espaço Jovem. Esses telecentros com computadores, programas e acesso à internet à disposição de jovens da comunidade são o lado prático do Rede Jovem, programa criado no âmbito do Conselho da Comunidade Solidária em janeiro de 2001 com a inauguração de sete espaços nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Bahia, graças a parcerias com entidades comunitárias e prefeituras. O programa oferece toda a tecnologia necessária e treinamento para os monitores e coordenadores dos projetos Rede Jovem em cada localidade. As entidades parceiras se responsabilizam pelo espaço físico, pela organização e coordenação das atividades. Nos primeiros 18 meses de funcionamento do espaço, o programa se responsabiliza inclusive pelos salários dos monitores. Os parceiros são incentivados e orientados a obter recursos para a operação posterior a esse prazo. Os telecentros ficam abertos todos os dias, durante oito horas. O sucesso da iniciativa pode ser comprovado pelo seu crescimento. Hoje os Espaços Jovens somam 18 unidades em funcionamento, e a iniciativa já chegou aos estados de Minas Gerais, Pernambuco, Espírito Santo e ao Distrito Federal. www.redejovem.com.br Os mais de 25 mil adolescentes que já passaram por esses “centros de tecnologia” participam de listas de discussão, bate-papos e eventos nos próprios espaços e na rede mundial de computadores. Nesses encontros online, eles têm contato com outros jovens em distantes pontos do país. “Graças à Rede Jovem, conheci pessoas como eu, que têm paixão por computadores e informática, e não só de Santo André, mas de outras cidades como São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro e até mesmo em Aquiraz, que fica no Ceará”, conta Emerson. O site www.redejovem.com.br conta com dois chats semanais. O Chat e Ação, organizado pela coordenação do programa, acontece toda terça-feira e sempre traz um convidado para conversar com os freqüentadores dos espaços. O Telecentros com computadores e acesso à internet já atraíram 25 mil jovens que rascunham um novo futuro; na foto de baixo, Márcia Furquim, coordenadora do CRJ de Santo André outro bate-papo é organizado pelo Espaço Jovem de Salvador e gira em torno dos mais variados assuntos: tecnologia, gravidez na adolescência, mercado de trabalho. O veículo também permite que os usuários insiram notícias, coloquem suas músicas preferidas, indicações de leitura etc. “O site é quase uma transposição da Rede Jovem para a internet. Por meio dele, os freqüentadores dos espaços podem informar-se e trocar experiências. O veículo é bastante interativo e estimula os jovens a atuar diretamente na internet”, afirma Alice Gismonti, coordenadora do Rede Jovem. Os monitores trocam experiências diariamente por meio de listas de discussão. A idéia é que o aprendizado seja enriquecido no intenso diálogo de quem acompanha o dia-a-dia de cada um dos espaços. Administração jovem Os monitores são os responsáveis pelos cursos e pela organização das atividades nos diferentes locais. Eles são treinados pelo Comunidade Solidária e, no geral, recrutados entre os jovens da localidade. Segundo Márcia Furquim, coordenadora do CRJ de Santo André, “com o passar do tempo, os freqüentadores sentem vontade de participar mais ativamente do projeto. Um bom número dos atuais monitores começou a trabalhar voluntariamente nas entidades”. Isso mostra que o Rede Jovem alcança seu objetivo de não apenas estimular a ação integrada entre os Espaços Jovens, mas também de proporcionar uma nova maneira de agir sobre a comunidade. 25 Universidade Solidária Universidade Solidária: uma troca em que todos têm a ganhar Vivian, da Unicsul, ajudou a criar uma praça em Itaquera, zona leste de São Paulo 26 Major Isidoro é o nome de uma pequena cidade situada na região da bacia leiteira de Alagoas, e São Miguel Paulista fica na gigantesca região metropolitana de São Paulo. Porém, embora separadas por uma distância de quase 3 mil quilômetros, desde 1998 as duas localidades têm em comum muito mais do que as dificuldades que as cercam. Naquele ano, um grupo de alunos da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), instalada em São Miguel Paulista, viajaram até Major Isidoro para realizar um trabalho que iria mudar profundamente a vida de todos os envolvidos, de ambos os lados. O objetivo inicial era a capacitação de professores primários, pois a prefeitura do município alagoano não estava conseguindo selecionar docentes entre os 17 mil habitantes. Abrira um concurso e só cinco candidatos haviam sido aprovados. Mas, quando chegou lá, a equipe da universidade paulista encontrou muitos outros problemas, como desnutrição e péssimas condições de saúde pública. Um ano depois, Major Isidoro já não era a mesma cidade. Mais de 150 professores haviam sido capacitados e a qualidade de vida dos habitantes melhorara de modo notável. Do outro lado, a experiência em Alagoas representou um marco para a Unicsul, que desde então Universidade Solidária passou a investir com intensidade nas parcerias com a comunidade. Além disso, o contato com a sabedoria e a história dos moradores de Major Isidoro enriqueceu o saber acadêmico e o senso de cidadania dos universitários paulistas, que adquiriram uma nova visão de mundo. Houve um intenso intercâmbio entre duas culturas e todos saíram ganhando. Esse é o espírito do Programa Universidade Solidária (UniSol), criado em 1996 no âmbito do Conselho da Comunidade Solidária. Estudantes, professores e pesquisadores de universidades formam equipes e viajam para as mais distantes regiões do país, a fim de abordar problemas específicos e transmitir informações sobre saúde, educação, meio ambiente, organização comunitária e cidadania. Em seus sete anos de atividades de campo, o UniSol já levou suas ações de cidadania para cerca de mil municípios, com o envolvimento de quase 20 mil estudantes de todo Brasil. Em 1996, no primeiro ano, houve a participação de mil estudantes e 99 professores de 58 universidades, que atuaram em 98 municípios do Nordeste e de Minas Gerais. Até 1998 o transporte das equipes era feito pelas Forças Armadas, que também ofereciam quartéis para o alojamento dos estudantes. A partir de 1999 foram fechados acordos com companhias aéreas comerciais, ampliando o raio de ação do UniSol. Em 2001 o programa dobrou o número de alunos e professores, totalizando 5 mil participantes. Em 2002, movimentou um contingente de mais de 4 mil estudantes e professores oriundos de 191 universidades, com ações em 227 localidades. Somente no módulo nacional, que ocorre nas regiões Norte e Nordeste em municípios com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) muito baixo, cerca de 1.200 estudantes e professores levaram as ações do UniSol a 106 municípios. No módulo regional, foram inscritos 271 projetos e selecionados 86, em igual número de municípios, com a presença de 90 universidades. Atualmente o UniSol tem apoio de várias instituições no financiamento de suas ações. No módulo nacional, a Petrobras contribui anualmente com R$ 1,2 milhão. As entidades de fomento à pesquisa Capes e CNPQ entram com R$ 700 mil como auxílio-alimentação. O Banco Real destina R$ 300 mil para a visita precursora, feita pelo coordenador do projeto à comunidade, para o planejamento da ação. A Fundação Ford contribui com outros US$ 60 mil Em 2002 o UniSol movimentou uma legião de mais de 4 mil estudantes e professores de 191 universidades, beneficiando 227 municípios, em diversas áreas 27 Universidade Solidária como apoio à coordenação. O MEC participa com R$ 1,5 milhão para financiar os módulos regionais. Há, ainda, uma extensa lista de parceiros, como várias companhias aéreas (Varig, Transbrasil, TAM, Rio Sul e Nordeste), Sebrae, Sul América Seguros, Unesco, Caixa Econômica Federal, Grupo Takano, Instituto Kaplan e Klabin. Modelo de intervenção Para além das estatísticas, uma das principais conquistas do UniSol é o fortalecimento da ação comunitária nas universidades brasileiras. A coordenadora nacional do projeto, a socióloga Elisabeth Vargas, ex-militante em movimentos sociais e feministas e uma das pioneiras na articulação dos grupos autônomos, embriões das ONGs no final dos anos 70, explica: “Nas universidades públicas sempre se falou no tripé ensino-pesquisa-extensão. Porém, cada escola fazia extensão de um jeito. Qualquer coisa que abrisse as portas da universidade era considerada extensão. O UniSol criou um modelo, facilitou uma forma de intervenção, de entrar na comunidade”. Elisabeth Vargas dá um exemplo das redes de relacionamento: “O pessoal da Unicsul, para transformar um lixão em praça pública, teve de trilhar vários caminhos, conseguir a concessão do terreno de uma empresa pública, a autorização da prefeitura; enfim precisou descobrir outros caminhos. As universidades públicas que já tinham 28 um departamento de extensão acabaram criando um nicho de trabalho comunitário, que na maioria dos casos se chama Universidade Solidária. As escolas privadas, que não tinham nada disso, criaram junto com a gente. Hoje todas têm uma sala chamada Universidade Solidária, às vezes sem nenhuma relação conosco, mas atuando nas comunidades”. Elisabeth Vargas afirma que o grande mérito do UniSol é contribuir para a formação dos estudantes universitários: “Do ponto de vista da ação social, não existe nenhum engajamento mais voluntário e espontâneo. Os estudantes mergulham no trabalho, estão lá para o que der e vier. A grande frustração é que todos querem voltar outras vezes. Muitos, então, criam ONGs e continuam fazendo trabalhos comunitários. Esse é o resultado mais maravilhoso”. Ocorrem também progressos não-mensuráveis, como relata Elisabeth: “Há um município na Bahia, Caetité, que fica sobre uma mina de urânio administrada por um órgão do Ministério de Minas e Energia. O município é rico, pois a empresa que explora paga royalties altíssimos, mas a comunidade nem sequer sabia que está montada numa mina de urânio, com todos os riscos que isso significa. Depois daquele acidente com o petróleo na baía de Guanabara, a empresa de mineração nos procurou para propor uma ação de cidadania. Convidamos duas universidades da Bahia – Uneb e Uesc, que são nossas parceiras e Exemplo de articulação: comunidade de Itaquera constrói praça pública onde antes havia um depósito de lixo Universidade Solidária não tinham nenhum trabalho na área de geologia, mas tinham na área de cidadania. Também chamamos a Unicamp e ao longo de um ano e meio essas três universidades trabalharam juntas e conseguiram realizar ações muito significativas”. Rompendo barreiras Em 2001, o módulo especial do UniSol realizou sua primeira experiência internacional. Em acordo com o Ministério da Juventude de Moçambique, um grupo de estudantes de várias universidades passou três semanas em Moamba, pequena localidade perto da capital Maputo. Trabalhando em comunidades paupérrimas, repassaram a universitários locais os princípios fundadores do UniSol, mostrando como interagir com as comunidades sem utilização de grandes recursos financeiros, elevando sua autoestima e fazendo-os agentes da própria mudança. Reuniões em escolas discutem desde mutirões comunitários até questões ligadas à sexualidade dos adolescentes Nessa experiência foi desenvolvido o projeto Mala de Leitura, uma pequena biblioteca ambulante, com cerca de 60 títulos, todos com abordagem bem simples de questões do universo local. A idéia era que essas bibliotecas itinerantes circulassem por aldeias da região e se fossem renovando. Serviriam inclusive como estímulo ao aprendizado da leitura em uma região com índices de até 50% de analfabetismo. A geógrafa Vivian Fiori, coordenadora do UniSol na Unicsul – aquela mesma universidade que atuou em Major Isidoro –, foi uma das pessoas que trabalharam em Moçambique e não esquece os efeitos da experiência. “Muitas vezes a pessoa fica dentro de seu espaço, de seu mundo, e não consegue interagir. O UniSol contribuiu para que mudássemos isso. Ajudou a integrar alunos de várias disciplinas, que hoje estão mais maduros e contribuem nas discussões e propostas”, resume Vivian. Para uma universidade constituída há apenas nove anos, programas como o UniSol representam um verdadeiro paradigma em projetos de extensão universitária. Não por acaso, a Unicsul foi selecionada pelo terceiro ano consecutivo para receber o Prêmio Banco Real/Universidade Solidária, que desde 1996 destina cotas anuais de R$ 20 mil a cinco projetos de extensão universitária sobre saúde e qualidade de vida, a serem executados em áreas com indicadores sociais baixos. Em 2002, o projeto apresentado, “Transformando os Espaços do Jardim Popular”, aproveitou experiências anteriores de criação de áreas de lazer e preservação ambiental, como as realizadas em 2001 no Jardim Vila Nova, em Itaquera, e dois anos atrás no Parque Santa Rita, em São Miguel Paulista. O resultado é que a escola vem discutindo a incorporação desse tipo de atividade como matéria optativa a constar do currículo da universidade. “Temos discutido muito como essa experiência pode ser incorporada. Muitas monografias são escritas a partir dos trabalhos de campo. Profes- Instituições de ensino superior participantes do UniSol 1 Acre 2 Alagoas 2 Amazonas 7 Bahia 5 Ceará Distrito Federal 3 2 Espírito Santo 6 Goiás 2 Maranhão 21 Minas Gerais Mato Grosso do Sul 4 1 Mato Grosso 4 Pará 3 Paraíba 7 Pernambuco 2 Piauí 13 Paraná Rio de Janeiro 17 Rio Grande do Norte 5 1 Rondônia 1 Roraima Rio Grande do Sul 20 Santa Catarina 13 2 Sergipe 46 São Paulo 1 Tocantins 29 Universidade Solidária sores e alunos estão envolvidos e trazem o resultado de suas vivências para a sala de aula”, diz Vivian. A dentista Sheila Santos Vieira, 25 anos, está vivendo intensamente essa experiência. Desde fevereiro de 2002 ela faz parte da reduzida comunidade médica de Atalaia do Norte, município de 9.500 habitantes no estado do Amazonas, a 1.500 quilômetros de Manaus. Uma terça parte da população é constituída por indígenas de 22 aldeias de cinco etnias (Marubo, Matiz, Kanarkari, Kulina e Mayoruna). Sheila mora em São José dos Campos, interior de São Paulo, e trocou sua próspera cidade por uma localidade distante, com 52,51% de analfabetos e uma taxa de mortalidade infantil de 27,09 por mil nascimentos. Atalaia não tem teatro, não tem cinema, não tinha sequer um dentista até 2001. Foi naquele ano que, integrando um grupo da UniSol, Sheila teve seu primeiro contato com a região amazônica. “Eu morava com meus pais e irmãos e nunca tinha 30 A universitária Fernanda Guimarães, 19 anos, está disposta a trocar São Paulo por Belém de Maria e registrar a vida das comunidades do sertão pernambucano saído de São José dos Campos para trabalhar ou estudar. Eu só conhecia a realidade da TV. Vim para Atalaia duas vezes, e na segunda passei quase o tempo todo na área indígena da etnia Mayoruna, onde não havia energia elétrica, dormíamos em rede e comíamos carne de caça. Voltei e resolvi mudar para cá depois que me formasse”, relembra Sheila. Depois de formada, Sheila pediu a seu professor Alberto Monteiro, coordenador do UniSol em sua universidade, que fizesse um contato com a prefeitura. Hoje ela está contratada e atua principalmente na prevenção de problemas odontológicos em crianças e adolescentes de Atalaia do Norte. Está decidida a ficar no Amazonas. Sente que é útil, que seu trabalho é fundamental para a comunidade. “Em São Paulo você é apenas mais um, tem um dentista em cada esquina. Aqui não, somos apenas dois. Fazemos a diferença.” Se não mudou de cidade, a paulistana Fernanda Guimarães, 19 anos, estudante de comunicação social da Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo, também foi muito influenciada por sua experiência no UniSol. Em julho de 2002 Fernanda foi uma das 12 selecionadas de sua escola para integrar o Projeto Banana em Belém de Maria, Pernambuco. Problemas não faltavam, mas Fernanda conta o que esse período de 23 dias significou para ela: “Eu achava que tinha uma visão ampla do Brasil. Só quando cheguei lá é que passei a ver o que é o mundo real. Eu chorava muito, tinha vontade de fazer algo melhor na vida dessas pessoas. Voltei obstinada a tentar mudar essa realidade. Na faculdade, apresentamos vídeos, fizemos palestras e o número de inscritos no UniSol dobrou”. Antes de participar do Universidade Solidária, Fernanda ainda não sabia que carreira seguir dentro da comunicação social. Agora pensa formar-se em rádio e televisão e trabalhar na realização de filmes sobre comunidades que necessitam de apoio, como a de Belém de Maria. XINGÓ – SOLIDARIEDADE CONVERGENTE Reportagem e Edição Marcelo Morales - Fotos Marcelo Soubhia/FOTOSITE COMUNIDADE SOLIDÁRIA 31 Semi-árido nordestino é alvo de ações que valorizam capital social Região das hidrelétricas do rio São Francisco gera a energia que abastece oito estados do Nordeste brasileiro, mas suas carências históricas persistem e são alvo de iniciativas na contramão do assistencialismo Adeildes, Alice, Ana Lúcia, Ataíde, Edna, Florival, Genilda, Giovanni, Givaldo, Jacqueline, Jessica, José Menegildo, José Rafael, Maria Daniely, Maria dos Prazeres e Sheila são participantes dos programas do Comunidade Solidária que vivem na microrregião do Xingó. Eles estão aprendendo ou ensi- nando a ler, escrever e contar, organizando-se para tornar mais rentável sua produção, discutindo maneiras de resolver problemas do dia-a-dia e, principalmente, conquistando a auto-estima, a capacidade de acreditar que modificar para melhor suas vidas é algo que eles mesmos podem fazer. Usina de desafios Xingó engloba quatro estados 29 municípios da Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas formam a microrregião do Xingó. São as cidades onde existem usinas, terras alagadas ou projetos de reassentamento de populações desalojadas pelos lagos 32 Caatinga e rio São Francisco marcam a paisagem do Xingó COMUNIDADE SOLIDÁRIA As cidades da microrregião do Xingó estão na área de influência direta dos lagos das usinas hidrelétricas de Xingó, Paulo Afonso e Itaparica, no vale do rio São Francisco. O clima é quente e seco, as temperaturas médias anuais ficam em torno de 25°C e a vegetação predominante é a caatinga. São 40 mil quilômetros quadrados onde cerca de 600 mil brasileiros convivem com carências históricas, como miséria, desemprego, índices elevados de analfabetismo, mortalidade infantil e baixa atividade econômica. O analfabetismo em Piranhas (AL), por exemplo, chegava a quase 35% em 1998, segundo o IBGE O perfil histórico de miséria acabou atraindo para a região iniciativas de diversas organizações, sejam do governo, sejam nãogovernamentais, com o objetivo de promover o desenvolvimento regional. Entre as ações, figuram os vários programas do Comunidade Solidária, o Programa Comunidade Ativa, o Programa Regional de Desenvolvimento Local Sustentável (Pnud/Sudene), o Programa Farol do Desenvolvimento (Banco do Nordeste), além de outras iniciativas ligadas aos poderes públicos municipal, estadual e federal. A novidade é que, ao contrário do modelo assistencialista historicamente empregado pelo poder público para reduzir as conseqüências da pobreza na região, o que hoje se observa são ações nos moldes do DLIS (Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável). Em vez impor às pessoas que vivem na região uma relação que as condena à dependência da ajuda do poder público (que pode vir na forma de cestas básicas, por exemplo), o objetivo das várias ações que se entrelaçam no Xingó é oferecer condições para que essas pessoas possam elas mesmas carimbar seu passaporte para a cidadania, criando capital social para impul- sionar seu desenvolvimento. A idéia é prover essas populações de meios para que elas mesmas possam ser agentes de sua inclusão social e econômica. De acordo com Augusto de Franco, conselheiro do Comunidade Solidária, “os programas de oferta estatal transformam as populações em beneficiários passivos e permanentes de programas assistenciais. São programas que se alimentam da pobreza e alimentam a pobreza”. Para ele, o empreendedorismo individual e coletivo, o protagonismo cooperativo e a participação democrática são os meios para tornar viável a inserção social das populações carentes. No Xingó, a fórmula experimenta seus primeiros passos e já mostra resultados em campos como a educação e a geração de renda. O sem-terra Ataíde está escrevendo as primeiras letras em uma escola improvisada, o pedreiro José Menegildo aprendeu a calcular a quantidade correta de tijolos para levantar uma parede, as bordadeiras de Entremontes fazem o mesmo que suas mães e avós, só que ganham algum dinheiro com isso, a estudante Maria Daniely conquistou nova perspectiva de futuro e a funcionária pública Jacqueline quer incentivar o turismo e criar empregos com sua pousada. Mas o que mais chama a atenção é a tomada de consciência de que a melhoria da vida das pessoas dessas comunidades depende de sua ação. Essa nova mentalidade é fundamental para vencer as dificuldades e brilhar, como sonha Alice, participante do Programa Protagonistas Juvenis em Pão de Açúcar (AL). A ENERGIA DA CHESF - De 1946 a 1996 a empresa construiu na região do Xingó oito usinas hidrelétricas, que representam uma potência geradora de 8.926 MW, ou 96% de toda a geração da empresa, que beneficia mais de 40 milhões de habitantes em oito estados A usina de Xingó é a segunda maior barragem do país, com 141 metros de altura, atrás apenas de Tucuruí, no Pará COMUNIDADE SOLIDÁRIA 33 O CÂNION DO SÃO FRANCISCO - A paisagem cinematográfica, com vista para a cidade histórica de Piranhas, é considerada um poderoso elemento para incentivar o turismo na região. A vocação econômica, no entanto, esbarra nas carências de infra-estrutura Instituto Xingó é fruto de parcerias Entidade reúne universidades, ONGs, empresas e governo Entre 1946 e 1996 a Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) construiu em um trecho de 108 km do rio São Francisco oito usinas, que hoje respondem por mais de 90% de sua produção de energia elétrica. Ao longo desses 50 anos, a empresa foi a principal geradora de empregos e renda da microrregião do Xingó. Em 1993, porém, a Chesf percebeu que a topografia do rio já fora explorada por completo e que o ciclo de construção de usinas se encerraria com Xingó. “É como se tivéssemos uma dívida moral com as comunidades da região, pois a usina em funcionamento não emprega nem 10% da mão-de-obra necessária para sua constru34 COMUNIDADE SOLIDÁRIA ção”, explica João Paulo Maranhão de Aguiar, adjunto da presidência da Chesf. Essa constatação foi o ponto de partida para a criação do Instituto Xingó, uma das iniciativas na região que reúne diversos parceiros em torno da idéia de desenvolvimento local. O Programa Xingó foi criado em 1996 por iniciativa da Chesf, CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Comunidade Solidária. Três anos mais tarde, diante da necessidade de uma entidade jurídica para administrá-lo, foi lançado o Instituto. Em 2001 tornou-se uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). A Chesf investiu R$ 3 milhões no Instituto nos últimos dois anos. Hoje a organização conta também com a participação do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), Coep (Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida), Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Cepel (Centro de Pesquisas de Energia Elétrica), Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), das universidades federais de Alagoas, Bahia, Pernambuco, Sergipe, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Universidade Estadual da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana. “As universidades têm objetivos de pesquisa e extensão e os outros parceiros querem com a iniciativa incentivar a geração de renda e trabalho, além de proporcionar melhorias efetivas e permanentes na qualidade de vida da comunidade”, explica Aguiar. O Instituto Xingó desenvolve atividades que vão desde a caprinocultura, implantação de hortas comunitárias e cultivo e beneficiamento de peixes até o apoio à pesquisa arqueológica, fomento ao turismo, educação e organização de associações e cooperativas. Alfabetização Solidária ensina a ler, escrever e contar e devolve orgulho para pessoas que nunca tiveram acesso à alfabetização O sem-terra Ataíde Alves Monteiro, 51 anos, mora há quatro no acampamento de Picos, na zona rural de Piranhas (AL), e está aprendendo a ler, escrever e contar desde fevereiro de 2002 com o programa Alfabetização Solidária. Nas eleições de 2002, pela primeira vez na vida, ele conseguiu assinar o nome para o mesário antes de se dirigir à urna e exercer o direito do voto. “Senti um orgulho danado quando escrevi meu nome na frente de outras pessoas. Agora meu novo sonho é conseguir escrever uma cartinha para os parentes”, conta. Nascido em Pernambuco, Ataíde pertence a uma das 32 famílias do acampamento do MST que esperam pela desapropriação da fazenda que invadiram. Os sem-terra de Picos vivem em condições bastante precárias e se sustentam de pequenas plantações nas proximidades do acampamento. Moram em palhoças construídas com galhos retorcidos e cobertas por plástico preto. Muitos de seus filhos não têm sequer um colchão onde dormir. Ainda assim, o aprendizado é um ca- minho para quem sonha com um futuro mais digno. Ataíde conta que já passou muita vergonha por não saber escrever nem seu nome. “Já tive problema para retirar dinheiro no banco e para me candidatar a emprego quando morei em São Paulo, há 25 anos. O sem-terra Ataíde freqüenta as aulas noturnas do Alfabetização Solidária em uma sala de aula improvisada COMUNIDADE SOLIDÁRIA 35 ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA O sonho de escrever a própria cidadania Por causa disso comprei um caderno e pedi a um colega alfabetizado que escrevesse meu nome. Então treinei bastante até conseguir fazer igualzinho. Mas não é como hoje. Antes eu desenhava as letras e agora não sou mais analfabeto”, conta. Ele é um dos 39 alunos adultos que freqüentam regularmente, três vezes por semana, o barracão coberto de palha improvisado em sala de aula para deixar para o passado a condição de analfabeto. A iniciativa de levar o curso aos sem-terra foi da educadora Genilda Paulino de Brito, ou simplesmente Gil, coordenadora do programa para a zona rural de Piranhas. Nas ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA aulas para alguns dos filhos dos sem-terra percebeu neles uma maior dificuldade de aprendizado que nas outras crianças. Acabou descobrindo que o fato de os pais serem analfabetos funcionava como um grande complicador para a evolução pedagógica. “As crianças não tinham como tirar dúvidas em casa. Como os pais não sabiam ler e escrever, elas acabavam considerando o aprendizado como algo pouco importante, ficavam muito desmotivadas”, explica Gil. A partir dessa constatação ela convenceu os líderes do acampamento da importância de serem alfabetizados e deu início às atividades. “Começamos a trabalhar no chão mesmo. Entrei em contato com a Secretaria Municipal de Educação, que cedeu as carteiras, depois uma lousa. Dependemos muito de parcerias para levar as coisas para a frente. A Secretaria da Saúde do município também já nos ajudou muito”, conta. A cidade de Piranhas tem cerca de 20 mil habitantes e conta com 13 salas de aula do Alfabetização Solidária, de acordo com Gil. “Só na área rural são seis escolas”, diz. Desde julho de 2002 as aulas no acampamento de Picos estão a cargo de outra professora, Sheila Mendes. Tato e técnica Gil explica que a abordagem de um grupo de adultos requer tato e técnica. A metodologia ela aprendeu em um curso de capacitação para educadores que fez na Universidade Anhembi Morumbi, na capital paulista, em dezembro de 2001. “A partir do livro que serviu de base para o curso, pude36 COMUNIDADE SOLIDÁRIA A educadora Gil: adaptação de metodologia aos interesses do grupo de alunos para favorecer o aprendizado mos adaptar a maneira de nos aproximar de alunos que são muito desconfiados. Eles têm muita vergonha por não saber”, relata. Ela diz que muitas vezes, para “quebrar o gelo”, jogava dominó com a turma e estimulava os alunos a contar os seus versos prediletos. “A atenção aumenta muito quando a gente consegue tratar de assuntos de interesse do grupo”, explica. A sensibilidade se faz necessária no dia-adia, para encontrar o ritmo mais adequado para o grupo. Os alunos mais jovens, por exemplo, têm mais facilidade para escrever, de acordo com a educadora. Já os mais velhos encontram mais dificuldade de coor- denação motora. Mesmo assim, ela conta que uma de suas turmas, em determinado momento do curso de alfabetização, reivindicou o aprendizado em caligrafia cursiva. “Os alunos disseram que a letra de fôrma era coisa de criança”, diverte-se. Gil se dedica agora à pesquisa de campo, para encontrar novas comunidades com necessidades de alfabetização. Em regiões como o Xingó, é comum o entrecruzamento de ações de diferentes programas em uma mesma localidade. No acampamento de Picos foi assim. Gil detectou problemas de higiene e de saúde entre os moradores do local e acionou Gutemberg Ol- ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA JOSÉ MENEGILDO, PEDREIRO - “Antes, quando eu precisava fazer um muro, tinha muita dificuldade para acertar a quantidade de tijolos que seria necessária para o trabalho. Ou sobrava ou faltava. Agora dificilmente erro na conta” COMUNIDADE SOLIDÁRIA 37 ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA dack Barbosa, professor de língüística e português da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, e coordenador de um grupo do Universidade Solidária, com quem havia feito um curso de capacitação. “Encontramos no acampamento uma situação de carência extrema”, diz ele. Entre os problemas estava, por exemplo, a ausência de escovação de dentes. Havia no grupo do UniSol coordenado por Gutemberg uma estudante de odontologia que ensinou às pessoas da comunidade a importância da higiene bucal. “Como não tínhamos escovas de dentes, improvisamos a feitura de uma com material que podia ser extraído da própria vegetação da região, a bucha-do-mato, amarrada a um pedaço de madeira. O importante disso é que as pessoas da comunidade podiam continuar fazendo direito mesmo depois de termos ido embora”, explica Gutemberg. Nessa visita foi feita aplicação de flúor e houve também diversas orientações na área da saúde e do meio ambiente. Do outro lado do rio Em Canindé do São Francisco, SE, do outro lado do rio, no endereço do Portal do Alvorada, organização para ação social do governo federal, funcionam três salas do Alfabetização Solidária no período noturno. Em uma delas estuda o pedreiro José Menegildo dos Santos, 45 anos e quatro filhos. Para ele, mais importante do que as letras são os números. “Aprender a calcular está me ajuEducadores de Canindé do São Francisco foram capacitados em faculdade de Aracaju 38 COMUNIDADE SOLIDÁRIA dando muito no trabalho. Antes, quando eu precisava fazer um muro, tinha muita dificuldade para acertar a quantidade de tijolos que seria necessária para o trabalho. Ou sobrava ou faltava. Agora dificilmente erro na conta”, orgulha-se. José Menegildo explica que pode contar com a ajuda dos filhos, já alfabetizados, na hora que tem dúvidas. Quando precisa viajar, o pedreiro também sente as vantagens da alfabetização. “Consigo tomar o ônibus certo sem fazer perguntas para ninguém”, diz. Também de Canindé do São Francisco, a alfabetizadora Ana Lúcia Ribeiro, 19 anos, teve sua primeira oportunidade de trabalho no Alfabetização Solidária. Foi primeiro selecionada para fazer um curso de capacitação em Aracaju, na Faculdade Integrada Tiradentes, motivada principalmente pela oportunidade de começar a ganhar seu próprio dinheiro. Lá conheceu outros jovens residentes em Canindé que hoje também exercem a função de educadores. Eles acabaram formando um grupo unido, que enfrenta problemas comuns. Ela dá aulas de português para 19 alunos com idade entre 30 e 58 anos e já pegou gosto pela atividade: “Você ganha o dia quando um aluno com muita dificuldade de aprendizado consegue assinar o nome pela primeira vez”. Bordadeiras de Entremontes se reúnem em associação e passam a produzir mais e melhor em região de baixa atividade econômica e poucas opções de trabalho Jessica Bezerra da Silva tem 11 anos, está na 4ª série e é uma das criadoras da “cooperativinha de bordado de Entremontes”, distrito da cidade de Piranhas (AL) com cerca de 600 habitantes. O grupo tem 20 meninas que se reúnem fora do período escolar na casa de uma delas para bordar nos retalhos de tecido que sobram do trabalho de suas mães. “A gente ainda espeta o dedo, mas consegue fazer guardanapos bem bonitos”, diz a aprendiz. Jessica é filha de Edna Bezerra da Silva – a presidente da Casa do Bordado de Entremontes, cooperativa que reúne 68 bordadeiras da localidade – e é um exemplo singelo e bem-acabado da empolgação que uma boa idéia pode causar. Criada em março de 1999 sob a coordenação do Programa Artesanato Solidário, a associação das bordadeiras já se tornou uma importante fonte de renda para as artesãs locais. É bom não esquecer que as principais atividades econômicas da região são a pesca no rio São Francisco e a agricultura – ambas em crise. “Hoje conseguimos manter COMUNIDADE SOLIDÁRIA 39 ARTESANATO SOLIDÁRIO Cooperativismo resgata técnicas tradicionais e gera rendas Jessica (em primeiro plano) criou uma cooperativa infantil para dar os primeiros passos no bordado ARTESANATO SOLIDÁRIO nossos filhos na escola, calçados e vestidos, e muitas vezes somos nós também quem colocamos comida na geladeira”, diz Edna. As artesãs costumam faturar de R$ 50 a R$ 100 por mês, dependendo das vendas de sua produção individual. Esse dinheiro pode ser importantíssimo para o sustento familiar, como no caso de Maria dos Prazeres Capela de Sousa, 27 anos e três filhos. Ela ficou viúva em agosto de 2002. “Eu já bordava, mas não para vender. A Casa do Bordado foi uma tábua de salvação para mim. Não tenho emprego e daqui tiro meu pão”, diz. Como boa parte das outras artesãs, Maria dos Prazeres trabalha das 8 até as 18 horas. Se hoje a casa onde funciona a cooperativa vive cheia de artesãs, no princípio foi mais difícil. A presidente Edna explica que uma coordenadora do Artesanato Solidário chegou à região e iniciou visitas porta a porta, para marcar uma reunião inicial entre as bordadeiras com o objetivo de lançar a idéia da associação, que de início reuniu 20 artesãs. “Nós já tínhamos tentado nos associar antes sem sucesso”, diz Edna. “Mas com a presença do ArteSol as coisas ficaram mais fáceis. Eles fizeram algumas oficinas e ensinaram a padronizar nossos produtos, a administrar, a chegar ao preço final.” A cooperativa produz bandejas, toalhas, jogos americanos, lençóis e caminhos de mesa usando a técnica de bordado redendê, tradicional entre as artesãs do local, ou o ponto cruz. Esse, aliás, é um dos objetivos do programa Artesanato Solidário: resgatar técnicas de produção de artesanato em locais carentes e organizar associações que sejam capazes de transformar em rentável essa atividade. Em outubro de 2002, por exemplo, Edna e suas colegas estavam com uma grande encomenda para ser entregue nos dias seguintes: 202 peças para o Empório Santa Maria, na distante capital paulista. “Recebemos encomendas de quem conheceu nossos bordados por meio do catálogo do Artesanato Solidário”, conta Edna. Também de São Paulo, a associação já atendeu um pedido grande do Rubayat, restaurante badalado da cidade. Um dos segredos do sucesso, de acordo com Edna, é a democracia. Na Casa do Bordado todas as decisões importantes são submetidas ao voto. A cooperação entre as artesãs também envolve uma organização rigorosa. Um quadro na parede traz em letras grandes a escala da limpeza durante a semana. “Temos de cuidar de nosso espaço, não é verdade?”, diz Edna. A vida individual da presidente da associação também ganhou novos horizontes. Sua responsabilidade acabou fazendo com que viagens para exposições, por exemplo, se Edna preside a Casa do Bordado de Entremontes: “Aprendemos a administrar nosso negócio” 40 COMUNIDADE SOLIDÁRIA tornassem freqüentes. “Eu era uma pessoa muito acomodada, agora não consigo mais ficar quieta. Só quem não gosta muito é meu marido”, brinca. Agulha na mão, Iracema Araújo Sarmento, a dona Xodô, não revela a idade e é uma das artesãs mais populares da associação. Ela conta que sua vida melhorou muito graças ao cooperativismo. “Bordo desde os oito anos, mas só agora não preciso tentar vender de porta em porta. Trabalhar sozinha é muito difícil, acabava vendendo o produto barato demais, não ganhava nada. Agora, além de tudo, a gente tem uma convivência muito boa”, comenta. Desde junho, Florival José de Souza Filho é gerente regional do programa em várias comunidades no Sergipe e Alagoas. Ele explica que a cooperativa de Entremontes está entre aquelas experiências bastante consolidadas. “São os nossos cartões de visita. Seu sucesso acaba sendo um ótimo argu- mento na hora de mobilizar outras comunidades”, diz. Segundo ele, muitas vezes a produção artesanal de certas comunidades é toda comprada por atravessadores, que pagam quantias indignas pelos produtos. “As pessoas já têm uma relação com os atravessadores e ficam desconfiadas quando chega alguém de fora. Têm medo que os agentes locais do programa desapareçam e elas percam o pouquinho que possuem. Estamos mudando isso”, explica. COMUNIDADE SOLIDÁRIA 41 ARTESANATO SOLIDÁRIO DEMOCRACIA - Todas as decisões importantes da cooperativa são tomadas com base no voto das 68 bordadeiras. A organização também é fundamental: existe uma escala de artesãs responsáveis pela limpeza e cada peça leva uma etiqueta identificando a autora, que fatura somente no momento da venda CAPACITAÇÃO SOLIDÁRIA O aprendizado que leva à auto-estima Combater a pobreza pode passar pelo desenvolvimento pessoal. Capacitação mudou a atitude de estudante em Canindé do São Francisco Não é novidade para ninguém que o rio São Francisco é vital no semi-árido nordestino. Ele nasce na Serra da Canastra (MG) e está a pouco mais de 200 quilômetros de sua foz, dividindo os estados de Sergipe e Alagoas, quando chega a Canindé do São Francisco (SE), depois de percorrer 2.600 quilômetros do território brasileiro. Ali o rio gera energia elétrica na usina de Xingó, traz a preciosa água para uma região marcada pela seca, torna possível a agricultura e fornece os peixes que ainda sustentam comunidades de pescadores. A beleza do cânion já atrai os ecoturistas para a região e pode se tornar um importantíssimo meio de geração de renda em uma localidade que tem baixa atividade econômica. Também não é novidade que o São Francisco encontra-se sob ameaça. Seu represamento para a geração de energia, por exemplo, mudou algumas de suas características originais – e já não existem tantos peixes como em outros tempos, dizem os pescadores. A poluição, no entanto, é a grande ameaça ao curso d’água mais importante do Nordeste. Não só a causada 42 COMUNIDADE SOLIDÁRIA pelas indústrias, mas especialmente os estragos feitos pelas populações ribeirinhas, que não são servidas por redes de saneamento básico e carecem de consciência ambiental. Cuidar do São Francisco, então, é algo que deve ser ensinado desde muito cedo para as populações que vivem a sua volta. E é justamente isso o que vem fazendo Maria Daniely Alves dos Santos, 18 anos e cursando a 2ª série do ensino médio no Colégio Estadual Delmiro de Miranda Brito, em Canindé do São Francisco. Ela é uma das cinco agentes jovens do Portal da Alvorada da cidade e coordena o grupo de estudantes Amigos do Rio, que busca a conscientização na região. “Percorremos as escolas, conversamos com os estudantes, explicamos para eles a importância de cuidar bem do meio ambiente para o futuro de todos nós”, relata. Para cumprir essa função, a estudante foi capacitada pelo curso Desenvolvimento de Habilidades Interpessoais e Administrativas, do Programa Capacitação Solidária. O Portal do Alvorada é um projeto do governo federal que prevê parcerias com es- TOMADA DE CONSCIÊNCIA - A estudante Maria Daniely tornou-se uma das cinco agentes jovens do Portal do Alvorada em sua cidade depois de passar por um curso de capacitação que prioriza o desenvolvimento de habilidades interpessoais. Agora ela se considera uma pessoa muito mais participativa COMUNIDADE SOLIDÁRIA 43 CAPACITAÇÃO SOLIDÁRIA tados, municípios e com a sociedade civil organizada para reduzir a pobreza e as desigualdades regionais no Brasil. Seu foco são os estados do Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins e microrregiões com baixo Índice de Desenvolvimento Humano. Em 2001 o Capacitação Solidária estruturou o curso para apoiar o Portal do Alvorada. Maria Daniely conta que o fato de ter passado pela capacitação modificou até memesmo o seu jeito de ser. “Eu era uma pessoa muito retraída, estava desinteressada pela escola e agora consigo me expressar melhor, aprendi que não posso desistir diante de qualquer obstáculo. Quero também me formar, mas ainda não decidi se vou estudar para ser veterinária ou engenheira química”, explica. Além disso, Maria Daniely conta que assumiu outra postura na convivência familiar. Mais velha de oito irmãos, ela tomou para si novas responsabilidades e ajuda a mãe na educação dos mais novos. “Já consegui convencer minha irmã a não parar de estudar”, alegra-se. Agora seu desafio é coordenar um grupo de cinco agentes jovens e levar a mensagem da preservação ambiental para o maior número de pessoas que puder, com a segurança de que seus argumentos têm mais força e podem contribuir para garantir a integridade e a perenidade do rio São Francisco e, em conseqüência, dos milhares de habitantes cujas vidas dependem dele. FÓRUM DLIS Desenvolvimento local e empreendedorismo Problemas sociais de regiões pobres podem ser enfrentados por comunidades capazes de andar com as próprias pernas Estúdio da Jaciobá FM, em Pão de Açúcar (AL), distante 239 quilômetros da capital Maceió. Pontualmente às 10 e às 15 horas, de segunda a sexta-feira, duas jovens estudantes, Alice Melo, 18 anos, e Rosteane da Silva Santos, 17, assumem os microfones da rádio durante 10 minutos para falar sobre temas como sexualidade, cidadania, proteção ao meio ambiente, drogas e saúde. As antenas da emissora irradiam suas mensagens para 80 municípios dos estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe. Alice e Rosteane pertencem ao grupo de 27 jovens de 14 a 22 anos participantes do grupo Protagonistas Juvenis da cidade, que conseguiu o espaço na grade de programação da Jaciobá negociando descontos com o departamento comercial da emissora e um patrocínio junto à prefeitura. “Tomamos essa iniciativa porque sentimos a necessidade muito forte de divulgar nossas idéias para sensibilizar os moradores de nossa comunidade”, diz Alice. O programa estreou em 10 de junho de 2002 e o contrato tem seis meses de duração. O grupo Protagonistas Juvenis foi criado no âmbito do Fórum DLIS (Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável) de Pão de Açúcar e 44 COMUNIDADE SOLIDÁRIA tem como tutor o poeta e educador Givaldo dos Anjos Vieira, 40 anos, que ganhou o apelido de Túlio nos campinhos de futebol. “Essa é uma maneira de trazer o jovem para dentro do Fórum DLIS, para que ele possa cada vez mais se sentir sujeito do processo de desenvolvimento local”, diz Túlio. Ele conta que, em Pão de Açúcar, a iniciativa teve grande efeito multiplicador por conta do envolvimento dos jovens. O programa Protagonistas Juvenis aconteceu em todos os municípios da área de abrangência do Instituto Xingó e contou com o apoio do Sebrae. “Durante 90 dias, em dois encontros semanais de quatro horas, 30 jovens da comunidade se reuniam com um educador e o grupo escolhia um tema a ser abordado, como gravidez na adolescência, problema grave na região e que aflorou no grupo de Pão de Açúcar. O grande objetivo é sensibilizar e mobilizar a população local, em especial a parcela mais jovem, para a resolução dos grandes problemas da localidade”, explica Túlio. Estudar é condição obrigatória para ser um protagonista juvenil. Depois da ação inicial do educador, que segue para outra localidade, o grupo passa a ser acompanhado por um tutor, no caso o próprio Túlio. Uma das ações decorrentes das reuniões em Pão de Açúcar foi uma campanha de prevenção à gravidez nas escolas da cidade. O Fórum DLIS é o instrumento local do programa Comunidade Ativa, lançado em 1999 pelo governo federal para combater a pobreza e promover o desenvolvimento do país. A estratégia é fomentar o desenvolvimento local integrado e sustentável para enfrentar os problemas sociais e econômicos de localidades pobres, estimulando o surgimento de comunidades sustentáveis capazes de caminhar com as próprias pernas, dependendo cada vez menos do governo. Coordenado pela Secretaria Executiva do Comunidade Solidária, o programa já está implantado em mais de 700 localidades em todos os estados brasileiros. A implementação do programa segue um roteiro de 14 passos que começa com a capacitação das lideranças locais que fazem um diagnóstico dos problemas, dos obstáculos a serem vencidos e das vocações da localidade. Depois, elabora-se um plano de desenvolvimento local e são estabelecidas as prioridades do lugar. Com base nessa COMUNIDADE SOLIDÁRIA 45 FÓRUM DLIS HORIZONTE - O poeta e educador Túlio tem o perfil típico de um agente de desenvolvimento: foi tutor de um grupo de Protagonistas Juvenis que já se lançou a diversas ações para melhorar a vida em sua cidade, Pão de Açúcar (AL) FÓRUM DLIS agenda local, preparada por um fórum formado por representantes de diversos setores sociais, é feita a negociação entre a oferta dos programas (federais, estaduais e municipais) e a demanda da localidade. A etapa seguinte é o Pacto de Desenvolvimento Local assinado por todos os parceiros para cumprimento de metas e prazos. De acordo com Túlio, o Fórum DLIS de Pão de Açúcar começou a ser implantado em abril de 2001 e reúne representantes dos Orientação sexual, compra de votos e meio ambiente na pauta de Rosteane (de boné) e Alice 46 COMUNIDADE SOLIDÁRIA poderes executivo e legislativo municipais, igrejas evangélica e católica, sindicato de trabalhadores rurais, federação de associações comunitárias, associações comunitárias independentes, colônias de pescadores, sindicatos de funcionários públicos municipais, estaduais e federais. “O número de participantes varia um pouco, mas fica em torno de 30”, revela. Túlio é um exemplo vivo do que Augusto de Franco, conselheiro do Comunidade Solidária, define como agente de desenvolvimento. “São pessoas diferentes do militante político tradicional, são agentes do Brasil que dá certo, são muito mais proativos do que reativos. Estão preocupados em fazer e inventar coisas e comovidos pelo poder transformador da inovação. Estão conscientes de que só é possível avançar humana, social e economicamente se desenvolverem suas potencialidades”, resume Franco. Uma das características mais marcantes desses agentes é seu poder multiplicador. “O DLIS é como um vírus”, define Túlio. A estudante e radialista Alice se considera contagiada. “A gente precisa agir para trazer o desenvolvimento para cá”, diz. Junto com outros protagonistas juvenis de Pão de Açú- FÓRUM DLIS car, animou o festival de arte e cultura da cidade e participou de uma campanha no período que antecedeu as eleições de outubro, contra a compra de votos – fato corriqueiro no sertão alagoano. Sua empolgação é tanta que até já perdeu uma raríssima oportunidade de emprego para seguir se dedicando ao protagonismo juvenil. A baixa atividade econômica, aliás, é um problema que afeta a todas as comunidades do Xingó e essa é uma das questões mais constantes nas reuniões dos fóruns. Em Piranhas, por exemplo, tem gente se articulando para aproveitar o potencial turístico da região, que é enorme. A paisagem da cidade é privilegiada, tem a seu lado o cânion do rio São Francisco, que nessa altura é navegável, e sua topografia é um prato cheio para os amantes de esportes radicais e ecoturismo. A cidade tem um centro histórico com arquitetura colonial belíssima e uma história rica, que começa no século XVIII com a criação de um pequeno arraial, que ganha impulso com a navegação a vapor, em 1867, e com a chegada da ferrovia em 1881, ligando o lugarejo ao baixo São Francisco e à cachoeira de Paulo Afonso. Piranhas tornou-se o principal entreposto comercial da região e, em 1930, alcançou a condição administrativa de cidade. No centro histórico, na edificação da antiga estação ferroviária, localiza-se o Museu do Sertão, que abriga pertences de Lampião e de outros cangaceiros de seu bando. Aliás, a Grota do Angico, nas redondezas, é o local de refúgio e morte do rei do cangaço pela volante. A cidade foi ainda Jacqueline está articulando a criação de infra-estrutura turística na cidade de Piranhas no fórum DLIS cenário de filmes como Bye Bye, Brasil e Baile Perfumado. “O problema é que nós não temos infraestrutura para receber o turista”, lamenta Jacqueline Rodrigues, participante do Fórum DLIS de Piranhas. Em 2001 ela concluiu um curso de turismo pelo Centro Federativo Tecnológico e, além de dar expediente no único hospital de Piranhas, já trabalha na área, em uma pousada que fica na sede da Fazenda Remanso, “onde foi planejada pelo tenente Bezerra a emboscada que liquidou Lampião”. Jacqueline conta que tem sete apartamentos e quer chegar a 15, para hospedar principalmente pequenos grupos de estudiosos com interesse na caatinga. Hoje ela emprega duas pessoas e acredita que brevemente possa gerar pelo menos 12 postos de trabalho com seu negócio. Mas, para chegar lá, diz que as ações do fórum são fundamentais. “Nosso primeiro passo é a formalização dos negócios, e estamos articulando isso em conjunto com outros cinco donos de pousadas locais. Depois é preciso capacitar a mão-de-obra, que é muito deficiente”, revela. “O pessoal da comunidade ainda está acostumado a receber o prato feito, mas dando um passo depois do outro vamos chegar lá”, aposta. COMUNIDADE SOLIDÁRIA 47 UNIVERSIDADE SOLIDÁRIA Universitários se engajam em projeto de resgate social Equipes de alunos e professores cruzam o país e empregam seus conhecimentos para melhorar a qualidade de vida da população Gutemberg Oldack Barbosa, 33 anos, é professor de português e lingüística da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFES), na Bahia, e já foi coordenador de três equipes do módulo especial do Programa Universidade Solidária na área do Xingó. “Encontrei uma região repleta de problemas, principalmente na zona rural. Existem muitas carências na área da saúde, os postos de atendimento ficam muito distantes. Na minha especialidade, educação, encontramos professores com qualificação muito baixa, e pouquíssimos deles possuem nível superior”, relata. Gutemberg conheceu a região ainda como estudante, em 1997, por conta de um convênio entre a universidade onde estudava e hoje é professor e o Instituto Xingó, ainda sem relação com o UniSol. “Passei 45 dias na localidade para elaborar um diagnóstico da educação”, conta. De lá para cá, seus laços com o Xingó só fizeram se estreitar. A diretora da Escola Municipal Padre José Augusto, do distrito de Piau, em Piranhas (AL), lembra a importância da visita que o grupo de estudantes liderado por Gutemberg fez em meados de abril de 2001. “O pessoal realizou uma série de palestras aqui 48 COMUNIDADE SOLIDÁRIA Populações carentes no Xingó se beneficiam das ações multidisciplinares das equipes do UniSol em nossa escola, sobre temas como medicina caseira, higiene e orientação sexual. Exibiram fitas de vídeo e provocaram muito interesse, principalmente entre os jovens. Às vezes nos sentimos muito abandonados por aqui e esse tipo de ação é muito importante”, afirma. Gutemberg conta que iniciou um de seus trabalhos mais marcantes justamente na comunidade de Piau, no mesmo ano de 2001. É muito grande a presença de idosos na localidade. Sem ocupação e muitas vezes doentes, eles levavam uma vida sem perspectivas. “Era essencial recuperar a auto-estima daquelas pessoas”, lembra ele. O grupo do UniSol contava com três estudantes de enfermagem que partiram para uma série de visitas domiciliares, as VDs. Fizeram exames e descobriram muitas pessoas diabéticas e hipertensas, que foram orientadas sobre os cuidados com alimentação e sobre remédios caseiros para reduzir os problemas. “Como eles não contam com renda para se alimentar durante todo o mês, muitos tinham também problemas de desnutrição. Ensinamos a população a fazer a munjica, que é um caldo à base de sobra de galinha”, diz Gutemberg. O mais importante, porém, foi a criação de um grupo de convivência da terceira idade. “Havia pessoas em nossa equipe com capacitação em relações interpessoais e elas promoveram alguns encontros entre os idosos, que ficaram muito felizes”, diz. A iniciativa acabou chamando a atenção do poder público municipal, que resolveu ceder espaço em uma escola para a criação de um UNIVERSIDADE SOLIDÁRIA centro de convivência. “Quando terminou o período de nossa estada, houve muita emoção, com direito a muita choradeira”, relembra Gutemberg. Ao chegar ao Xingó no ano seguinte, no entanto, a decepção. As atividades do centro de convivência haviam sido interrompidas. O grupo do UniSol tratou então de reativar a iniciativa, que dessa vez acabou contando com maior participação. “A UEFES mantém a Universidade Aberta da Terceira Idade, que tem especialização em trabalhos com idosos. Fizemos a ponte entre a instituição e as autoridades municipais e foi estabelecido um convênio cuja operação deve ser iniciada em 2003”, diz ele. Outro trabalho importante da UniSol acontecido no Xingó teve lugar no acampamento do MST em Picos, Piranhas (ver pág. 35). A coordenadora do AlfaSol Genilda Paulino de Brito acionou o grupo universitário para uma ação junto aos sem-terra. “A família Sol funciona assim. Sempre que necessário, um apela para o outro”, explica Gutemberg. Esse entrecruzamento de ações de participantes dos programas do Conselho da Comunidade Solidária é, aliás, uma saudável conseqüência de sua atuação. Adeildes Bezerra dos Santos, 22 anos, assistente do Portal do Alvorada em Canindé do São Francisco durante o dia e educador do Alfabetização Solidária à noite, tomou conhecimento de um curso de capacitação na Universidade Tiradentes, em Aracaju em uma palestra realizada pelo grupo do UniSol. Inscreveuse, foi selecionado e seguiu com outros 21 jovens de sua cidade para a capital, onde “FAMÍLIA SOL” - O espírito de solidariedade entre os participantes dos diversos programas acaba muitas vezes gerando ações entrecruzadas, em que um agente recorre à competência do outro para o desenvolvimento de atividades mais efetivas. O educador Adeildes (à esq.) participa de vários programas COMUNIDADE SOLIDÁRIA 49 UNIVERSIDADE SOLIDÁRIA Policial civil e poeta, Giovanni publicou seus poemas pela primeira vez em 2002 em uma antologia com autores de sua cidade editada pela UniVap, como uma ação do Universidade Solidária 50 COMUNIDADE SOLIDÁRIA permaneceu por 12 dias. Hoje, Adeildes dos Santos é responsável pela alfabetização de 15 adultos. De acordo com Givaldo dos Anjos Vieira, o Túlio, que faz parte do DLIS de Pão de Açúcar (AL), a atuação do fórum em sua cidade tornou mais eficazes as ações do UniSol. “A equipe procura logo o fórum, que já tem uma radiografia dos problemas locais e das demandas da população e pode fornecer os subsídios necessários para uma atuação da equipe, que permanece nas localidades por um tempo relativamente curto”, explica. Pão de Açúcar está incluída entre os municípios que recebem módulos especiais do programa UniSol. Isso significa que uma universidade, no caso a Universidade do Vale do Paraíba (UniVap), que possui campi nas cidades de São José dos Campos e Jacareí, ambas em São Paulo, pode fazer um trabalho continuado na região. Além de realizar trabalhos nas áreas de meio ambiente, orientação sexual e técnicas de cultivo em hortas comunitárias, a equipe do UniSol que esteve na cidade em 2001 ajudou a criar a União dos Artistas de Pão de Açúcar, em conjunto com o fórum DLIS. Como conseqüência, ainda em 2001, o programa ajudou a produzir uma coletânea de poetas da cidade, entre eles o próprio Túlio, publicada em livro no ano seguinte. Outro dos poetas publicados é Giovanni Silva Fialho, 35 anos e policial civil que mora de frente para o rio São Francisco. “Já escrevi uns 80 poemas, mas não costumava mostrá-los a ninguém. Essa iniciativa acabou aproximando bastante os autores, que deixaram de ser anônimos”, relata. Depois disso, Giovanni já foi procurado por alunos de escolas da cidade para entrevistas e viu crescer o interesse pela poesia na cidade. “Tem mais gente fazendo poesia em Pão de Açúcar hoje em dia. E isso só pode fazer bem para os indivíduos e para a coletividade”, alegra-se. A PRÁTICA DA AÇÃO SOCIAL O Conselho da Comunidade Solidária saiu a campo para mudar o modelo assistencialista de ação social com iniciativas no campo legal, na construção de novas metodologias de atuação, no estabelecimento de canais inéditos de diálogo com os diversos setores da sociedade, na criação de instrumentos de crédito não-convencionais. Encontrou eco na nova mentalidade de empresários, governo e cidadãos, que hoje formam um vibrante terceiro setor no país. 51 Autonomia Social Correr atrás do sonho – e realizá-lo AUGUSTO DE FRANCO, CONSELHEIRO DO COMUNIDADE SOLIDÁRIA, ANALISA A INESGOTÁVEL POLÊMICA QUE CONTRAPÕE O ASSISTENCIALISMO À IDÉIA DO CAPITAL SOCIAL Nós, no Comunidade Solidária, não gostamos de programas de oferta estatal porque eles transformam as populações em beneficiárias passivas e permanentes de programas assistenciais. O Estado deve encorajar as populações a superar problemas e obstáculos usando sua própria criatividade e seus próprios recursos, em vez de criar um festival de programas que acaba condenando o indivíduo à dependência. As pessoas só se desenvolvem quando geram um dinamismo próprio a partir de sua identidade, descobrindo uma vocação, correndo atrás dela, tendo sonhos e tentando realizá-los. Mas não é fácil convencer dois extremos. De um lado estão os economistas que acham que tudo isso é política de segunda linha, pois o que resolve o problema é a economia. Do outro estão os assistencialistas que acham que é preciso fazer programas para compensar as defasagens de inserção de quem não foi incluído pela economia. Não somos nem assistencialistas nem economistas. Achamos que o desenvolvimento é um fenômeno sistêmico, não um fenômeno econômico. A economia é uma parte do todo, mas não é determinante, como se acredita. Como a economia não resolve o problema na prática, entra a turma do assistencialismo que quer compensar as defasa52 gens de inserção. Desestimulam-se o empreendedorismo, o cooperativismo, a conexão horizontal entre as pessoas para decidir o que vão fazer e a participação democrática. Desenvolvimento é o oposto. Significa mais empreendedores, mais gente abrindo negócio, mais ações coletivas, ampliação social, cooperação, reciprocidade, ajuda mútua, solidariedade. Democracia, rede, cooperação e empreendedorismo são espécies de aminoácidos desse grande fenômeno que chamamos de desenvolvimento. Todo desenvolvimento é local. Cada localidade tem que escolher uma vocação, descobrir as suas potencialidades e organizar-se para explorá-las. Essa escolha deve ser feita pela comunidade e por suas lideranças. Elabora-se um diagnóstico, depois um plano, e desse plano é extraída uma agenda de prioridades dividida em duas partes: uma agenda local para realizar com recursos endógenos e outra para negociar com outras esferas supralocais – o governo estadual, o governo federal, as organizações civis. Não pretendemos ser candidatos a condutores de rebanhos. O que nos interessa é estimular. Cada inovação é uma pequena revolução, cada mudança de comportamento é uma revolução. Esse processo possibilitou a expansão do terceiro setor. Todo programa social é dinâmico e de- Autonomia Social sencadeia inovações. Essas inovações retroagem sobre o programa e modificam seu desenho original. Ele está vivo porque novos fatos mudam o seu desenho. Além disso, é focalizado, porque sem foco não se resolvem os problemas. Por exemplo, programas universais tratam igualmente os desiguais, mas é preciso tratar desigualmente os desiguais. Por que hoje grande parte do gasto social brasileiro vai para os setores médios, e não para o povo? Porque os setores médios têm mais acesso. Então, pratica-se uma política igual para um conjunto que é muito desigual. Aquele que tem menos acesso não consegue usufruir da mesma parcela daquele que tem mais acesso. vidros, tirar o lixo, os pneus? Vocês têm condições de arrumar isso?” “Temos”, o povo responde. “E por que vocês não fazem?” Ninguém responde nada. Se a pessoa perguntar quantos analfabetos existem, eles respondem: “Ah, não sei, uns 300”. “E vocês não têm aí alguém que possa ensinar esses meninos a ler e escrever, alguma professora aposentada?” “Temos.” “E por que vocês não organizam umas turmas para alfabetizar esses meninos?” De novo o silêncio. Eles vão dizer: “Nós somos fracos e o governo não ajuda”. Falam as mesmas frases no Acre, na metade sul pobre do Rio Grande do Sul, no Ceará ou no litoral do Espírito Santo. Não é apenas o mesmo conteúdo, são frases literais. Já fiz esse teste mil vezes. Se alguém quiser fazer uma coisa diferente, os amigos vão dizer a ele: “Rapaz, não se meta nisso”. “Não, eu vou abrir um negócio, criar peixe, conseguir um empréstimo no banco.” E os amigos: “Você vai é ficar endividado e se ferrar no banco”. Assim é a cultura: se a ajuda não vem de cima, poucos tomam a iniciativa. Isso está enraizado, está nas células. É essa maneira de pensar e agir que faz o Brasil ser como é. Está no DNA cultural. Como se muda essa cultura? A pessoa tem que fazer alguma coisa que dê certo, tem que ocorrer uma pequena vitória, tem que acreditar. “Olha só, eu fiz e deu certo!” Ou então a união de um grupo tem que mostrar que produziu alguma coisa realmente positiva, que a pessoa não estava ali só para tirar da outra. O governo, por sua vez, tem que entender que isso é bom para ele. Essa cultura política precisa ser quebrada, e a única maneira de fazer isso de forma eficiente é quebrar lá na ponta, onde ela tem suas raízes, e não em Brasília. “Programas universais tratam igualmente os desiguais, mas é preciso tratar desigualmente os desiguais” Mudança cultural Tudo envolve mudança cultural. Cultura é uma transmissão não-genética de comportamentos, são padrões de comportamento que a sociedade mantêm. A cultura se modifica quando muda o padrão que é replicado para outras regiões do tempo. Mas mudar o padrão não é simples, porque há resistências. Impõe-se um padrão novo, mas logo volta o velho. É como o executivo que manda todo mundo da empresa fazer um curso de reengenharia. O funcionário faz o curso e uma semana depois volta a agir exatamente como agia antes, porque a rotina e o padrão velho resistem, sobrevivem. A cultura é assim. Em qualquer município pobre no Brasil, logo que se chega, vêem-se casas com vidro basculante quebrado, pneu velho, parede descascando, arame retorcido, lixo, terra removida de algum lugar. Aí alguém chega, junta um grupo de pessoas e pergunta por que aquilo está daquele jeito. “Será que vocês não podem, num domingo de manhã, vir para cá e trocar os 53 Empreendedorismo Menos empregados, mais empregadores SÉRGIO MOREIRA, PRESIDENTE DO SEBRAE NACIONAL, DÁ A RECEITA PARA TRANSFORMAR NOVOS NEGÓCIOS EM UMA EFICIENTE FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL A chave para o desenvolvimento sócio-econômico do Brasil pode ser acionada pelo empreendedorismo. Mas, para que o país possa beneficiar-se plenamente de um mercado de novos negócios com potencial de crescimento, é preciso promover uma mudança cultural que crie condições para o florescimento de empresas inovadoras. Segundo relatórios da Global Entrepreneurship Monitor (GEM), uma das principais ações de qualquer governo para promover o crescimento econômico consiste em estimular e apoiar o empreendedorismo. “O fermento do empreendedorismo é o elemento potencializador das transformações de que o país necessita”, diz o presidente do Sebrae Nacional, Sérgio Moreira. “A ação empreendedora pode acelerar a construção de um país digno e mais justo.” O grande problema, porém, é que a motivação para se tornar um empresário vem da necessidade e não da oportunidade. Ser um empreendedor no Brasil não é uma opção desejada por boa parcela da sociedade, ainda apegada ao modelo tradicional de que ser bem-sucedido significa carteira de trabalho assinada em uma grande empresa. E esse descaso social é um enorme desperdício. “Embora sejamos um dos povos que mais empreendem no 54 mundo, segundo a GEM, o contexto cultural brasileiro é restritivo à maior disseminação da cultura empreendedora”, analisa Moreira. “A universidade ainda forma para o emprego de carteira assinada, que está acabando.” Mudar esse cenário não é simples. Seria preciso alavancar uma transformação cultural e sustentá-la a partir da criação de um sistema educacional voltado para a formação de empregadores, e não de empregados – e, dessa forma, valorizá-los a partir do seu papel social na geração e distribuição de renda. A construção do ambiente favorável aos pequenos negócios passa pela introdução do empreendedorismo nos currículos escolares, além da consolidação de políticas públicas que priorizem a pequena produção. “O Brasil está sentado em cima de uma das maiores riquezas naturais do mundo ainda relativamente pouco exploradas: o potencial criativo do seu povo”, lembra o presidente do Sebrae. Por enquanto, o empreendedor no Brasil está sendo obrigado a tirar leite de pedra. O ambiente hostil aos pequenos negócios é gerado pelo excesso de impostos e de burocracia e pela falta de acesso ao crédito, à tecnologia e à informação. O Sebrae, segundo Sérgio Moreira, está tentando mudar essa situação com programas de difusão da Empreendedorismo cultura empreendedora. Alguns dos parceiros da entidade nessa complexa empreitada são a Escola Técnica de Formação Gerencial, em Minas Gerais; a Universidade Sebrae de Negócios, no Rio Grande do Sul, e o Centro Profissional de Empreendedorismo da Amazônia, no Pará. Além disso, num acordo com o MEC, o Sebrae já capacitou 10 mil professores das escolas técnicas federais para espalhar essa cultura junto aos 350 mil alunos da rede. Em outro acordo com o ministério, vai implantar noções de empreendedorismo nas 20 mil escolas públicas do ensino médio. A disseminação do conceito pode romper os muros da prisão cultural em que vive o setor. Afinal, garante Moreira, todo mundo tem um empreendedor dentro de si. Muitos, porém, acabam sendo influenciados por uma ideologia que não tem o trabalho empreendedor como algo positivo. Nesse sentido, a rede amarrada pelo Sebrae pode abrir os olhos da sociedade para a importância dessa atitude – que envolve autonomia, proatividade e comprometimento. Atualmente, são características necessárias a profissionais em qualquer atividade. Mesmo no emprego formal – que Moreira faz questão de salientar que está em extinção –, o perfil empreendedor tem sido cada vez mais exigido nos processos de seleção. Fora do Brasil, o ensino de empreendedorismo está nas salas de aula há muito tempo. Na Harvard Business School, nos Estados Unidos, faz parte do currículo há 50 anos. Aqui tornou-se disciplina nas escolas de administração há uma década. A visão acadêmica, no entanto, é mais instrumental do que o conceito adotado pelo Sebrae. “O empreendedorismo que queremos e estimulamos implica atitudes de ousadia do indivíduo na relação com a sociedade”, explica Moreira. “Essa postura favorece os proces- sos de criatividade e realização, resultando em ganhos econômicos e sociais.” Trata-se do conceito aplicado de acordo com uma visão contemporânea de desenvolvimento, entendido, sobretudo, pela promoção da qualidade de vida das pessoas. É justamente esse o tema central do empreendedorismo: o desenvolvimento humano, econômico e social, capaz de reduzir as desigualdades e promover a inclusão. E, na busca dessa meta, o Sebrae luta pelo fortalecimento da pequena produção. “O empreendedor é alguém que transforma a realidade da sua comunidade”, analisa Sérgio Moreira. Esse olhar cruza com os objetivos do Comunidade Solidária. O Programa Sebrae de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável surgiu por meio de uma parceria entre o Comunidade e o próprio Sebrae. “Operamos o DLIS em cerca de 2 mil municípios, dos quais 700 (35%) em parceria com o Comunidade Solidária via Comunidade Ativa.” Depois da instalação dos Fóruns de Desenvolvimento, o programa patrocina para seus integrantes um curso específico, o Saber Empreender, que, entre outras iniciativas, estimula a capacidade de mobilização. A difusão dos projetos de empreendedorismo depende de uma ferramenta poderosa para sua implementação: o microcrédito. E o Sebrae tem também atuado fortemente nessa área. Nada menos do que 89 projetos foram selecionados no primeiro edital de apoio a instituições de microcrédito do Sebrae. O resultado aumentará em 36% a quantidade de instituições de microcrédito no país. “Nosso apoio se dá tanto no aporte financeiro direto, para a formação de carteira via empréstimo em condições favorecidas, quanto na capacitação e assistência técnica.” “O empreendedorismo que estimulamos implica atitudes de ousadia do indivíduo na relação com a sociedade” 55 56 Nova Mentalidade Sociedade vira o jogo e impõe novas regras de participação comunitária Está em curso uma mudança radical no comportamento da sociedade brasileira. Diante de problemas nacionais que insistem em se perpetuar, fatias cada vez maiores da população vêm despertando para o fato de que a transformação da realidade é um sonho possível – só depende do empenho de cada um. O país assiste à redefinição geral dos papéis de seus agentes sociais. O Estado renuncia às ações assistencialistas isoladas e passa ao combate sistêmico e racional das raízes da exclusão social. A sociedade civil se redescobre e potencializa sua capacidade de induzir ao desenvolvimento comunitário: empresários chamam para si responsabilidades que estão para além dos muros corporativos, enquanto a solidariedade passa a ser uma prática cotidiana de legiões de cidadãos comuns de todos os cantos do Brasil. Participação é o nome do jogo criado por essa nova mentalidade. Cada vez mais familiarizados com o processo democrático, os brasileiros vêm resgatando os valores da cidadania e, com eles, o desejo de participar da construção de seu próprio destino. Nesse contexto, as organizações da sociedade civil não só induziram a esse desejo como contribuem para torná-lo produtivo, por meio do voluntariado. Só a Pastoral da Criança, por exemplo, conta Cláudio Pereira da Silva, na Maré, Rio de Janeiro: um repórter que fala de sua própria comunidade 57 Nova Mentalidade com 133 mil líderes comunitários atuando voluntariamente em benefício de mais de 1,1 milhão de famílias carentes em todo o Brasil – isso sem contar profissionais de diversas áreas, de professores a contabilistas, que doam parte de seu tempo a uma das mais de 6.648 equipes de apoio, coordenação, capacitação e acompanhamento a serviço da entidade. Entre diversas iniciativas de incentivo ao voluntariado, o Conselho da Comunidade Solidária ajudou a criar mais de 40 Centros de Voluntários nas principais cidades brasileiras. Neles, qualquer pessoa – independentemente de formação ou condição social – pode se candidatar a ajudar o próximo, aportando o melhor de sua competência no trabalho voluntário. É o que faz, por exemplo, o comerciário Cláudio Pereira da Silva, do Rio de Janeiro, colaborador do site www.vivafavela.com.br, criado e mantido pela ONG Viva Rio. Embora não tenha curso superior de jornalista, Cláudio teve seu aguçado poder de observação requisitado para abastecer o site com reportagens sobre a comunidade da Maré, onde mora. “Minha maior satisfação é saber que sou responsável por retratar de forma clara e simples o que a comunidade pensa e o que nenhuma outra mídia quis ouvir. Hoje sou conhecido como a pessoa que leva a voz da comunidade para fora dela, pela internet”, conta. Cláudio exemplifica o poder multiplicador do terceiro setor: exbeneficiário de uma ONG, a Ceasm (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré), onde cursou oficina literária, hoje aplica o que aprendeu em reportagens que focam sobretudo as questões de cidadania e da auto-estima dos moradores de sua comunidade. Às iniciativas individuais da população soma-se o cada vez mais sólido engajamento de pessoas jurídicas às boas causas do terceiro setor. Seja como patrocinadoras ou apoiadoras de entidades beneficentes ou filantrópicas, seja como membros de organizações 58 Nova Mentalidade A empresária Bassy Arcuschin Machado: “O trabalho social repercute na vida pessoal. Passamos a valorizar o tempo em família e a qualidade de vida e damos mais atenção às crianças” dedicadas à difusão do investimento social responsável, as empresas brasileiras deram um formidável salto qualitativo quanto a seus compromissos sociais. Na livre iniciativa moderna, diminui sensivelmente o espaço para a indiferença com os problemas públicos. Segundo a pesquisa Ação Social das Empresas, realizada pelo Ipea nas cinco regiões brasileiras, 59% dos estabelecimentos com um ou mais empregados promovem, em caráter voluntário, algum tipo de ação social comunitária. Isso corresponde a 462 mil empresas, que, em 2000, ano-base do levantamento, aplicaram R$ 4,7 bilhões em investimentos sociais. As companhias de maior porte, com mais de 500 empregados, são percentualmente as que mais participam: 88% delas declaram aplicar recursos na área, contra 54% das micro e pequenas empresas. O dado reflete a atenção que as grandes empresas dedicam ao investimento socialmente responsável. O estudo Investimento Social Privado no Brasil, realizado em 2000 entre 48 associados do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), detectou que 72,9% das entidades – em sua maioria ligadas a grandes grupos empresariais – elaboram planos estratégicos para orientar sua ação social. Mais: 91,7% avaliam os resultados dos projetos e acompanham a execução orçamentária do investimento. Ou seja, além de recursos financeiros, essas entidades também vêm transferindo tecnologia de gestão avançada para o terceiro setor. Em outro estudo, Investimento Social na Idade da Mídia, o Gife, em parceria com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), pesquisou a cobertura do tema pelos meios de comunicação. Entre outras descobertas, o levantamento mostrou que em 65,22% dos artigos e reportagens analisados o empresariado aponta a responsabilidade social como principal motivação de seu investimento. Outros motivos relacionados foram o altruísmo (21,74%) e razões mercadológicas (10,14%). Abraçar a responsabilidade social significa sobretudo aprender, segundo a empresária Bassy Arcuschin Machado, 59 Nova Mentalidade de São Paulo: “Nesse intercâmbio, o empresário também aprende que a responsabilidade social é um processo que necessariamente começa de dentro para fora da empresa. Estar atento à auto-estima e à valorização dos empregados, por exemplo, é um pré-requisito para uma atuação mais ampla”, explica. Bassy é diretora da Origami Arquitetura de Papéis, pequena empresa que cria e desenvolve cartões tridimensionais com a técnica japonesa da arte de dobradura de papéis. A venda de produtos com parte da renda revertida para entidades sociais (como a Fundação Abrinq, o Lar das Crianças da Congregação Israelita Paulista e a Associação de Assistência à Criança Deficiente – AACD) marca a ação social da Origami. A empresa também participa da introdução de jovens no mercado profissional, por meio do programa Educação para o Trabalho do Senac-SP, e tem parceria com a Oficina Abrigada de Trabalho (OAT), que desenvolve projetos com portadores de deficiência mental. “O trabalho social também repercute na vida pessoal: a gente passa a revalorizar o tempo em família, a qualidade de vida, e preocupa-se mais em dar atenção às crianças”, aponta Bassy. Em grande parte responsáveis por sensibilizar tanto o empresariado quanto o cidadão para as causas sociais do bem comum, as organizações civis têm igualmente estabelecido um novo estágio de relacionamento com o governo. Mais do que cobrar ações, essas entidades voltamse ao trabalho em sinergia com o poder executivo, tanto no diagnóstico de problemas como na formulação de soluções. Tome-se como exemplo o Programa Prefeito Amigo da Criança, da Fundação Abrinq – destinado a mobilizar, comprometer e apoiar as administrações municipais na implementação de políticas públicas de proteção a crianças e adolescentes –, que conta com a adesão es- pontânea de 1.542 municípios brasileiros. Por meio do programa, realiza-se o projeto Mapa da Criança e do Adolescente. Trata-se do mapeamento das realidades de cada município no que se refere a suas populações infantojuvenis. “A importância do projeto é levar os prefeitos a assumirem compromissos com políticas que privilegiem a melhora da situação da criança e do adolescente”, informa Rose Pavan, da Secretaria de Assistência Social (SAS) da prefeitura de São Paulo. Sob a coordenação da titular da SAS, a secretária municipal Aldaíza Sposati, um grupo executivo coletou dados em outras pastas (Educação, Saúde, Esportes, Trabalho) e em organizações da sociedade civil para obter uma inédita radiografia da população infanto-juvenil da maior cidade do Brasil. Alguns resultados chamam a atenção: crianças e jovens de até 19 anos somam mais de 3,5 milhões de habitantes, ou quase 35% dos paulistanos. “Houve um boom de natalidade na década de 80, e os efeitos se fazem sentir hoje. Não por acaso, a formulação de uma política para a juventude é o grande desafio da SAS”, aponta Rose Pavan, membro do grupo executivo que desenvolveu o Mapa. Os investimentos do município em benefício da infância e da adolescência, que chegavam a R$ 1 bilhão em 2000, praticamente triplicaram em 2002. “Quando fechamos os números, ficamos perplexos com a quantidade de ações direcionadas a esse público. Ainda assim, há muito a fazer”, diz Rose. Para tanto, as parcerias com o terceiro setor são fundamentais. Essa união permite um aprendizado mútuo, com troca de experiências e o aporte de um novo olhar sobre algumas questões. “Os parceiros nos pautam e nós também pautamos os parceiros na busca de ações que atendam às demandas da sociedade”, conclui a assessora técnica da SAS. As parcerias permitem o aprendizado mútuo, com troca de experiências e o aporte de um novo olhar sobre velhas questões 60 Terceiro Setor Organizações civis: uma usina de propostas que não pára de produzir Definido como a mobilização de recursos privados para fins públicos, o terceiro setor representa hoje uma dinâmica usina de propostas, ações e soluções para o desenvolvimento social brasileiro. Em suas bases estão um poder público com renovada abordagem diante de suas demandas mais críticas, um empresariado cada vez mais comprometido com suas responsabilidades comunitárias e uma sociedade que aprende rapidamente a se articular para defender suas causas mais legítimas. É da ação coordenada dessa tríplice aliança que têm derivado inéditos avanços do país em questões-chave, como a redução dos efeitos de uma herança histórica de desigualdades sociais. “A sociedade, aos poucos, está compreendendo o verdadeiro sentido da responsabilidade social, que significa participação, compromisso, união de esforços por um só objetivo: colaborar para um mundo mais justo e fraterno”, afirma Zilda Arns Neu- mann, médica pediatra e sanitarista, fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Criança, programa social que atua em 32 mil comunidades carentes em 64% dos municípios brasileiros. A emergência do terceiro setor é um fenômeno relativamente recente no Brasil e se desenvolveu nas últimas três décadas. Sua formação está relacionada com o gradual fortalecimento da sociedade civil a partir dos anos de chumbo da ditadura militar. Quando o autoritarismo restringiu as liberdades individuais e isolou a esfera pública da participação popular, a sociedade reagiu articulando-se em movimentos de reivindicação – por direitos humanos, pela anistia a exilados políticos, pela volta da democracia. Ao mesmo tempo, o agravamento da dívida social nesse período expôs as lacunas da atuação estatal, tornando imprescindível o trabalho de entidades focadas no atendimento à população carente. Essas duas vertentes (de um lado, a restituição da cida61 Terceiro Setor dania; de outro, a causa da solidariedade) desembocaram no surgimento das primeiras organizações não-governamentais. O florescimento definitivo do terceiro setor guarda relação direta com a redemocratização do país. O voto livre não só estabeleceu no poder público um novo modelo de comprometimento com a sociedade como também conscientizou os eleitores da imensa responsabilidade de suas escolhas. O próprio exercício da democracia, assim, fez surgir a noção de que todos somos co-participantes da orientação de nossos destinos. “Cada setor da sociedade precisa assumir sua responsabilidade, pois a construção de uma cultura de paz beneficia a todos. Na verdade, o que está no cerne de toda essa discussão é a soma de esforços. A sociedade está descobrindo e valorizando a importância de colocar habilidades à disposição do outro, do grupo, da comunidade”, explica Zilda Arns, que também é representante titular da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Conselho Nacional de Saúde e integra o Conselho da Comunidade Solidária. A consolidação do terceiro setor no Brasil acompanha uma tendência mundial. Segundo pesquisa divulgada em 2000 pela Universidade John Hopkins, dos Estados Unidos, o conjunto de ações do terceiro setor em 22 países movimenta cerca de US$ 1,1 trilhão. Caso se tratasse de um país, seria a oitava economia do mundo. Não menos imponente é a força de trabalho que impulsiona essa “indústria do bem”, que emprega um total estimado de 19 milhões de pessoas nas nações pesquisadas – o número não inclui as legiões de trabalhadores voluntários. Também 62 em 2000, a Fundação Getúlio Vargas revelou que o terceiro setor brasileiro participava com 1,5% do PIB, respondendo pela ocupação de 2,2% das vagas do mercado nacional de empregos. Ambos os índices têm amplo espaço para crescer, de acordo com a FGV: nos países desenvolvidos, essa mesma “indústria” movimenta em média 4% do PIB e emprega 6% dos trabalhadores. A título de comparação, 12,5% da população economicamente ativa da Holanda atua no segmento. O investimento social privado é a força impulsionadora de tais índices. À parte seu papel essencial de gerar riqueza, as empresas brasileiras têm revelado forte grau de conscientização. Pesquisa feita pelo Ipea em 2000 mostra que 67% das empresas da região Sudeste (que concentra a maior atividade econômica do país) realizam algum tipo de ação comunitária, o que totaliza cerca de 300 mil pessoas jurídicas. Mais um sinal inequívoco da evolução geral nos modos de pensar e agir de toda a sociedade, o que resultou no rico panorama atual do terceiro setor brasileiro, no qual a vanguarda das ONGs divide espaço com a filantropia empresarial, as associações beneficentes e recreativas, as iniciativas das igrejas e instituições religiosas. Fundamental para esse contexto é a expansão do trabalho voluntário, especialmente a partir de 2001, Ano Internacional do Voluntário. “O Brasil passou a valorizar o trabalho voluntário como nunca. Os milhões de voluntários que já doavam seu tempo e talento para o bem comum viram seu papel se fortalecer, ao mesmo tempo que outros milhões de brasileiros foram atraídos para o voluntariado. Segundo o Ibo- Terceiro Setor pe, fechamos o ano com 30 milhões de brasileiros se dedicando a causas voluntárias”, comemora Milú Vilela, que liderou o Comitê Brasileiro para o Ano Internacional do Voluntário e é presidente do Faça Parte – Instituto Brasil Voluntário. Ela menciona outro dado interessante: segundo recente pesquisa do Datafolha, 83% dos brasileiros consideram o trabalho voluntário estratégico para o país. “Demos saltos olímpicos no que diz respeito a formar uma cultura voluntária no país. Mas os desafios ainda são significativos. Precisamos formar voluntários desde o ensino fundamental”, afirma Milú. O Conselho da Comunidade Solidária (CCS) exerceu papel preponderante para que o terceiro setor emergisse com a força que hoje se verifica. “Foi uma experiência propulsora de novos modelos de atuação do governo na área social, saindo do assistencialismo secular para o desenvolvimento humano e solidário, tendo como perspectiva a inclusão social e a auto-sustentação”, diz Zilda Arns. O modelo nacional de desenvolvimento social sofreu mudanças drásticas a partir da “reunião de pessoas do governo, de entidades não-governamentais e movimentos sociais, todas com grande experiência em diferentes áreas para discutirem temas relevantes e concluírem as linhas a serem seguidas pelo governo”. Milú Villela também elogia a capacidade aglutinadora do CCS. “O terceiro setor muitas vezes deixa de ser eficaz justamente porque lhe falta organização estratégica e uma política abrangente de alianças. O Comunidade trouxe esse pilar fundamental. Passamos a formar uma verdadeira rede de colaboração em todo o Brasil”, acrescenta. Ciente da importância do segmento, o Conselho criou em 1997 o Programa de Fortalecimento da Sociedade Civil, que abrange três frentes: o Programa Voluntários, para difusão da ética da solidariedade; a Rede de Informações do Terceiro Setor, para produção e difusão de conhecimentos sobre as Oscips; e o Marco Legal do Terceiro Setor, que propôs a revisão da legislação que regula o voluntariado e a ação das entidades. Na contramão da tradição assistencialista estatal brasileira, marcada por políticas centralizadoras e ineficiência, o Conselho da Comunidade Solidária implantou ainda um inédito modelo de atuação na área social, embasado na mobilização das populações e na promoção de parcerias entre governo e sociedade, especialmente para o combate à pobreza e à exclusão social. Seus projetos inovadores – Universidade Solidária, Alfabetização Solidária, Capacitação Solidária e Artesanato Solidário – buscam o efetivo envolvimento das comunidades, a autonomia na gestão e a administração profissional. A auto-sustentabilidade é uma meta constantemente perseguida, de modo a manter e multiplicar o alcance de cada iniciativa. Num contexto em que “parceria” é palavra de ordem, o Conselho buscou manter as portas permanentemente abertas para o diálogo com todos os agentes envolvidos no desenvolvimento social do país. Em nome dos objetivos de interesse comum, representou um Estado empenhado em se alinhar com a sociedade civil e o mercado, a fim de somar recursos, esforços e competências específicas para a construção de uma nação definitivamente mais solidária. “Há uma convicção no mundo todo de que os governos não conseguem combater sozinhos todas as demandas sociais existentes, mas a sociedade civil soube encontrar um caminho para atuar no processo. Hoje, a ‘indústria do bem’ vive um momento de prosperidade e tem de atuar ao lado do governo para transformar a realidade”, afirma Milú Villela. 63 Interlocução Política Engenharia do diálogo: a conexão entre o Estado e a sociedade civil De um lado, a sociedade civil e suas múltiplas representações. Do outro, o governo e as ramificações que compõem a multifacetada figura do Estado. Entre esses dois pontos é comum encontrar modos de trabalhar que não se harmonizam, lógicas diferentes, visões conflitantes. É imprescindível, portanto, encontrar formas de consenso que estabeleçam canais de relacionamento e pavimentem caminhos para o diálogo produtivo – e é aí que entra a Interlocução Política do Comunidade Solidária. “A articulação política é uma tecnologia que precisa ser elaborada e formatada a partir de prioridades básicas”, define Augusto de Franco, conselheiro do Comunidade e coordenador-geral da Agência de Educação para o Desenvolvimento (AED). Desde que foi criada como programa, em junho de 1996, a Interlocução Política estabeleceu uma série de consensos e propostas de ação indispensáveis para o desenvolvimento do Comunidade. Esse trabalho se realiza por meio de rodadas que envolvem desde ministros de Estado e especialistas até empresários e acadêmicos. 64 Crianças e adolescentes compõem parte importante dos programas do Comunidade, que requerem um intrincado trabalho de articulação política Franco explica o processo: “É um jogo de paciência que começa muitos meses antes da decisão final e compreende três fases distintas”. Primeiro, assim que se define um tema, são escolhidos os interlocutores, em geral pessoas com capacidade de decisão e especialistas em sua área. Esses interlocutores recebem um documento de consulta e o respondem. A partir dessas respostas fazse uma primeira versão do documento-base, ponto de partida para a discussão coletiva, já presumindo alguns pontos consensuais. Os interlocutores fazem suas emendas e então é elaborado o documento final, e daí se extrai um conjunto de medidas práticas que materializa os consensos obtidos nas discussões. O documento final deve ser amplamente divulgado, para que os desdobramentos permitam a expansão do processo de interlocução; ou seja, encaminhamentos concretos, com responsáveis e cronograma de execução. Um comitê setorial monitora a execução das propostas. Franco dá um exemplo de consenso: “Um documento conclui que não é possível fazer reforma agrária se não hou- Interlocução Política ver, simultaneamente, um fortalecimento da agricultura familiar. E qual é a medida capaz de materializar esse consenso? Em geral, a rodada tem muitos consensos. Aí se colocam sugestões de medidas a serem adotadas, os consensos, os dissensos e promove-se a reunião plenária. Nessa reunião os interlocutores vão batendo o martelo em cada um dos pontos, e então saem comissões de encaminhamento, tanto do governo como da sociedade. Em geral, essas plenárias têm a participação de ministros e, às vezes, do próprio presidente da República, e por isso há muita capacidade de encaminhamento. Muitas leis e programas novos saíram dessas reuniões”. Os temas em debate no âmbito da Interlocução Política abrangem um leque de atividades que praticamente define o campo de atuação do Comunidade Solidária: educação, saúde, desenvolvimento rural (incluindo reforma agrária e agricultura familiar), minorias sociais, aplicação de recursos públicos, legislação do terceiro setor, distribuição de renda, desenvolvimento local e sustentável, segurança alimentar e nutricional, criança e adolescente e alternativas de ocupação e de renda, entre outros. As rodadas da Interlocução Política contabilizam uma longa relação de conquistas. Partiu dali, por exemplo, a proposta que conseguiu a aprovação do registro civil gratuito, que mobilizou a sociedade, apesar da campanha contrária movida pelos cartórios. Na reforma agrária, a Interlocução propôs a distribuição de cestas básicas em acampamentos de trabalhadores rurais, providência que foi realizada em parceria com a Conab, beneficiando milhares de famílias. Outra conquista importante envolveu a revisão das leis que disciplinam as atividades do terceiro setor, com avanços significativos que permitiram ampliar a atuação das organizações da sociedade civil e o trabalho voluntário. Igualmente decisivas foram as rodadas da Interlocução Política que discutiram o desenvolvimento local integrado e sustentável. O consenso aprovado partiu do princípio de que as regiões e localidades possuem deficiências e vocações específicas que precisam ser claramente definidas antes que se estabeleça uma política de desenvolvimento, conforme explica Augusto de Franco. A criação de alternativas de ocupação e renda, como o artesanato de tradição, é um dos temas das rodadas da Interlocução Política Parcerias delicadas As comissões de encaminhamento definidas na reunião plenária – o ponto culminante de uma rodada de discussão – acabam ganhando autonomia. Porém, até que isso ocorra, a Interlocução precisa arquitetar um intrincado processo de diálogo e parcerias. Contudo, a parceria não deve ser feita apenas para a execução de um projeto determinado nem se configura como uma terceirização ou uma privatização clássica, como explica Franco: “Uma privatização não ocorre só por interesses econômicos. Política clientelista e interesse corporativo também são formas de privatizar. Por exemplo, grande parte do funcionamento do Estado é opaca, sem transparência, sem os critérios daquilo que poderia ser atribuído ao que é público. Por quê? Os burocratas se reúnem, decidem e o povo não fica sabendo. Quem é que desenhou esse programa? Por que é que desenhou? Quem é que deu palpite? Como é que ele vai ser executado? Está no Estado, é chamado de público, mas trata-se de um engano, da mesma maneira como não era pública a folha de pagamento das estatais. Então o fato de ser estatal não significa necessariamente que é público”. Tornar públicos os procedimentos, segundo Augusto de Franco, é conceito-chave da Interlocução Política. Assim se torna possível transferir ações do Estado para a sociedade civil, que “sempre faz melhor”. 65 Legislação Avanços importantes na reforma do Marco Legal do Terceiro Setor Ainda há muito a conquistar, mas ao longo de cinco anos de debates a sociedade civil vem colhendo importantes resultados no esforço de regulamentar as atividades das entidades que a representam de forma cada vez mais dinâmica. Desde 1997 o Conselho da Comunidade Solidária estimula as discussões sobre legislação com autoridades, o governo e a sociedade civil, e parte significativa da agenda tem sido a necessidade de mudança nas leis que regem o setor. O objetivo central é a reforma do Marco Legal do Terceiro Setor. “Avançamos muito nos últimos anos, e agora o fundamental é adaptar as leis, normas e os regulamentos às inovações legais promovidas pela rodadas da Interlocução Política”, diz Elisabete Ferrarezi, assessora do Conselho da Comunidade Solidária. “Agora as ações devem ser estratégicas, para a consolidação e a adaptação das inovações promovidas. Um exemplo do que ainda precisa ser feito é um censo do terceiro setor, já em andamento, e promover incentivos para doações como os Fundos Dotais.” 66 Elisabete afirma que a experiência da Interlocução Política tornou clara a vantagem da abertura permanente para o diálogo entre governo e sociedade civil, contrariando visões preconceituosas de ambas as partes. “No caso da Lei 9.790, se não fosse a atuação do Conselho na articulação dos parceiros governamentais e da sociedade, não teriam ocorrido os resultados que se vêem hoje. A implementacão do termo de parceria depende do acolhimento de ministérios e órgãos públicos, e nesse sentido o Conselho vem desempenhando papel fundamental, informando e gerando entendimentos sobre dúvidas e polêmicas a respeito da interpretação das normas e esclarecendo dúvidas para criar um ambiente favorável.” O trabalho está no início, mas o acelerado crescimento das Oscip, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (em 1999 eram 131, e até outubro de 2002 já somavam 707) e as conquistas do terceiro setor revelam que a sociedade civil brasileira avança a passos largos. Legislação Os principais resultados • Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998 – Regulamentou o trabalho voluntário no país. Criada com o apoio do Conselho da Comunidade Solidária, a lei definiu serviço voluntário como atividade não-remunerada, realizada por pessoa física para entidades (públicas ou privadas) sem fins lucrativos. As entidades privadas que desejam contar com o apoio de voluntários devem ter objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social. De acordo com a lei, o trabalho voluntário não gera vínculo empregatício nem obrigações trabalhistas ou previdenciárias. • Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999 – Cria o título de Oscip - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público para as associações privadas sem fins lucrativos (ONGs) que possuem finalidade pública. Com isso, pela primeira vez o Estado reconhece o caráter público das organizações não-governamentais (ONGs). Passo inicial na regulamentação das relações entre a sociedade civil e o Estado, a lei instituiu o termo de parceria, pelo qual governos e instituições públicas podem repassar dinheiro às Oscip para a realização de programas de interesse da sociedade. As Oscip também podem atuar como fomentadoras e até mesmo como coordenadoras de ações sociais em parceria com empresas, governo e sociedade civil. • Medida Provisória nº 2.172-32, de 23 de agosto de 2001 – Regulamenta a participação das Oscip que se dedicam aos sistemas alternativos de crédito (microcréditoDessa forma, as Oscip não precisam limitar a taxa de juros de seus contratos a 12% ao ano (Lei da Usura) • Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001 – Permite que as Oscip tenham acesso a doações dedutíveis do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, até o limite de 2% do lucro operacional. Assim, as empresas que dão apoio financeiro às Oscip têm incentivo fiscal de acordo com a Lei nº 9.249/95. • Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001 – Estendeu o prazo de acumulação da qualificação de Oscip e outros títulos federais até março de 2004. • Portaria nº 256, de 15 de agosto de 2002 – Incluiu as Oscip entre as organizações autorizadas a receber bens apreendidos pela Secretaria da Receita Federal. Antes, essas mercadorias só podiam ser doadas a entidades portadoras da Declaração de Utilidade Pública. • Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002 – No artigo 37, determinou que as Oscip que remuneram seus dirigentes devem ter isenção do Imposto de Renda, desde que recebam valor não superior ao limite estabelecido para a remuneração dos funcionários do poder executivo federal. Também estendeu a essas organizações o acesso a doações dedutíveis do Imposto de Renda das empresas doadoras. Antes da edição dessa MP, a entidade que remunerava seus dirigentes perdia esses benefícios fiscais. Alteração do Decreto 99.658/90 – Permite que as OSCIP também sejam beneficiárias de doações de bens móveis da União. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão apresentou proposta de alteração do Decreto que será publicado em breve. • Lei 9.636/98 – Oscip têm direito à cessão de uso de imóveis da União de acordo com o artigo 18 e a Portaria nº 144/01 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. • Fundos Dotais (endowments) - O Ministério da Fazenda vem envidando esforços no sentido de viabilizar a formação de Fundos Dotais no Brasil. Estão sendo analisados mecanismos legais e institucionais que vialibilizem a sua constituição. 67 Microcrédito A arte de transformar pequenos empréstimos em renda e emprego Há dois anos, o marceneiro José Arivaldo Carvalho, 54 anos, resolveu trocar a plaina e o serrote por algo mais rentável. Aprendeu a fabricar frutas e flores de cerâmica e resolveu montar um negócio. Arregimentou a esposa, a ex-bancária Vera Lúcia Anitelli, e organizou um ateliê na própria casa. A idéia deu certo. Logo Arivaldo e Vera abasteciam lojas e shoppings de São Paulo e Santo André, onde vivem. O grande problema era entregar as encomendas – de ônibus ou a pé. Cansados e frustrados pela impossibilidade de ampliar a produção, resolveram pedir R$ 1,5 mil no Banco do Povo de Santo André e compraram um Fiat 147, ano 1978. “Foi um alívio”, lembra o marceneiro. Hoje, o casal produz 2 mil peças a cada 15 dias e já recebeu pedidos até de lojas sofisticadas, como a tradicional Cleusa Presentes. “Tem muito mercado para o meu produto”, comemora. Tanto assim que ele já pensa em ir atrás de outro empréstimo nas mesmas condições. “Quero uns R$ 10 mil para construir um galpão com forno para secar as frutas e aumentar a produção.” O artesão está de olho até no mercado externo. Acredita que poderá ganhar muitos dólares com as bananas, maçãs, peras, figos e goiabas que faz. “Os estrangeiros adoram, acham o trabalho muito bonito”, garante. 68 O carrinho ano 78 já rodou muito, mas está pago e ajudou a mudar a vida de Vera Lúcia e José Arivaldo: “Agora queremos R$ 10 mil para construir um galpão com forno” Microcrédito Se o empreendimento de Arivaldo crescer nas proporções que ele imagina, logo estará empregando outras pessoas. E, em última análise, dando mostras do potencial dos programas de microcrédito, um instrumento importante para os países em desenvolvimento, na medida em que permite que um número expressivo de cidadãos consiga desenvolver atividades econômicas por conta própria e ainda gerar emprego com um baixo volume de investimentos. A quantidade de dinheiro envolvida no microcrédito no Brasil ainda é uma gota d’água no oceano se comparada aos US$ 3 bilhões e 2,3 milhões de clientes do Grameen, banco popular criado em Bangladesh há 25 anos. Nos últimos sete anos, foram disponibilizados R$ 130 milhões para 150 mil contratos no país. O número de brasileiros que poderiam ser atendidos por esse tipo de crédito é, no entanto, muito maior – chega a 6 milhões de pessoas. “Ainda estamos muito distantes de atender à demanda potencial”, admite Augusto de Franco, do Conselho da Comunidade Solidária. No Brasil, existem dois grandes modelos de microcrédito. Um é com juros subsidiados, como, por exemplo, o Banco do Povo Paulista e o de Goiás, ambos com juros mensais de 1% e recursos oriundos do Tesouro estadual. O outro é o modelo adotado pelo CrediAmigo do Banco do Nordeste, Viva Cred no Rio e Ceape de Pernambuco, entre outros. Nestes, as instituições não buscam lucro com a operação, mas partem do princípio de que ela deve ser auto-sustentada e gerar recursos para que seja mantida e possa operar novos empréstimos. Nesse caso, os juros ficam entre 3% e 4%. A filosofia do microcrédito é facilitar a vida de quem não cumpre os requisitos que os bancos comerciais exigem. Muitas vezes, são pessoas excluídas dos serviços bancários convencionais e que, em geral, pertencem àquele grupo de brasileiros pouco escolarizado e pouco qualificado; ou Graças ao microcrédito, as flores e frutas de cerâmica de Vera Lúcia e José Arivaldo já conquistaram clientes sofisticados, e o próximo passo do casal é “faturar em dólares” seja, o dos 34% mais pobres do país. Para esses, trata-se de uma política de resgate da cidadania. Os recursos emprestados são usados para capital de giro, para pequenas reformas ou investimento em máquinas e equipamentos, como no caso do artesão Arivaldo. Os prazos variam de três a 18 meses e muitas instituições pedem apenas a garantia de um avalista solidário – parentes, vizinhos ou amigos com nome limpo na praça – ou de um bem – carro, terreno, máquinas. A inadimplência é baixa: a média é de 2%. O grande problema é a necessidade de reformulação do atual modelo. O Comunidade Solidária está empenhado na criação de uma nova regulamentação para colocar em prática as cooperativas de desenvolvimento, com capacidade de praticar o crédito sob uma ótica territorial e não mais por setor econômico ou por ramo de atividade. A prática não é novidade em outros países da América Latina, como Peru, Bolívia e Colômbia. Nesses lugares, 40% dos empréstimos fazem parte de operações de microcrédito. Existem programas similares espalhados por 60 países, inclusive em alguns desenvolvidos, como Canadá e Estados Unidos. Por aqui, algumas experiências isoladas adotaram o modelo. Em 1997, o Comunidade Solidária encampou a idéia e promoveu uma rodada de discussões em torno de alternativas de ocupação e renda. Em 1999, aconteceu a primeira regulamentação para resolução do Conselho Monetário Nacional e, em seguida, por uma medida provisória que virou lei. “Até então o microcrédito era ilegal no Brasil”, diz Franco. Outro ponto de interrogação diz respeito à saúde financeira dos programas de microcrédito. Discute-se a diferença entre ser sustentável e auto-suficiente. “Estamos empenhados em arrumar uma maneira de fazer com que os custos dessa operação sejam pagos pela comunidade, mas não em dinheiro”, explica Franco. 69 Rits Rede de solidariedade encontra espaço no mundo virtual Como integrar e tornar disponível um imenso volume de informações e tecnologias que interessam a mais de 3 mil organizações da sociedade civil e entidades públicas e privadas? Como fazer para que instituições que lidam com os mais diversos assuntos, em diferentes lugares, troquem experiências e se fortaleçam? A resposta surgiu em 1997 com a criação, por iniciativa do Conselho da Comunidade Solidária, da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits), uma organização privada, autônoma e sem fins lucrativos, que tem por objetivo gerar e promover o diálogo e a troca de informações e conhecimentos entre essas instituições, por meio da internet (www.rits.org.br). “A Rits registra hoje cerca de 30 mil usuários dos boletins de atualização de seus serviços de informação online e cerca de 2 milhões de page views no conjunto de sites hospedados em quase trinta servidores”, afirma Paulo 70 Lima, secretário executivo da Rits. Ele diz que “a vitória mais significativa da Rits é a articulação de uma grande rede de atores sociais das ONGs, das fundações empresariais, das agências de cooperação internacional e de uma parcela muito importante do universo do terceiro setor brasileiro, que participa, estimula, troca informações e idéias, unindo-se para a construção de um país melhor e mais justo”. Atualmente mais de 200 entidades filiadas e milhares de associações se beneficiam da parceria com a Rits, usufruindo de facilidades proporcionadas pela internet (e-mail, chats, websites, comércio eletrônico, listas de discussão, teletrabalho e educação à distância, entre outras) para interagir, trocar experiências e informações e buscar alternativas para fortalecer a sociedade civil. Marcos José Pereira da Silva, da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), associada Rits desde 1997, explica: “A Rits nos incentiva a usar cada vez mais a internet. Graças a isso, nossa relação com as entidades melhorou muito. Passamos a contar com uma série de formas de apoio para desenvolver nossos trabalhos, agilizamos o contato dos diretores regionais com a direção nacional e barateamos custos. O armazenamento e o fluxo de informações ficaram mais fáceis, e cresceu bastante a possibilidade de acompanhar a legislação e as políticas públicas”, completa Marcos. Mas a Rits oferece mais do que isso: instalação de sites, anúncio gratuito de domínios, consultoria em programas de internet, Livelink Intranet (um sistema avançado de gerenciamento do conhecimento e do trabalho colaborativo), CiberFórum Civil (serviço de fóruns em que os associados criam grupos de conferências virtuais e debates), Correio Rits (correio eletrônico), quadro de avisos, servidores exclusivos e o Publique!, um serviço de publicações online. Os associados contam ainda com cursos, assessoria jurídica, administrativa e financeira, dicas sobre parcerias, metodologias de trabalho, comunicação e marketing, bibliografia com lançamentos, indicação de fontes e autores referentes aos interesses da organização e a Revista do Terceiro Setor (Rets). Resolvido o conteúdo, há outro desafio a ser considerado: como fazer a articulação dos integrantes do terceiro setor? Conforme explica Paulo Lima, esse é um trabalho desenvolvido em larga escala, que exige tempo e maturidade. “Passa pelo esforço diário de selecionar boas pautas para a Rets, bons temas para as questões ligadas a gestão, legislação e articulação em redes. Envolve também uma participação constante em fóruns, palestras, reuniões e articulações de ONGs e fundações empresariais, publicação de artigos e apresentação das atividades da Rits em encontros nacionais e internacionais”. Lima lembra ainda que a Rits participa das principais articulações do terceiro setor, como o Fórum Social Mundial, ações regionais diversas e internacionais, como o Global Community Network (http://www.globalcn.org), e a preparação para a Cúpula da Sociedade da Informação, que acontecerá em Genebra, em dezembro de 2003, e em Túnis, em 2005. Para os próximos anos a Rits espera ampliar o número de participantes e o conjunto de informações geradas e, principalmente, trabalhar em projetos de inclusão social e digital no Brasil. “Estamos aprimorando nosso parque tecnológico, aumentando o número de colaboradores, consolidando as atividades no campo da capacitação para o uso das tecnologias de informação e comunicação, objetivando o fortalecimento da sociedade civil”, explica o secretário executivo da Rede. No âmbito do Comunidade Solidária, Paulo Lima acredita que foi atingida a missão original de auxiliar as organizações não-governamentais em ações mais profissionalizadas e preocupadas com a avaliação criteriosa do trabalho. “A Rits conseguiu também reunir um valioso acervo de informações estratégicas, com o qual se torna possível desenhar um panorama real do terceiro setor brasileiro e montar um catálogo completo de organizações”, acrescenta. A Abong associouse à Rits em 1997 e descobriu como usar a internet para ampliar sua atuação; embaixo, a página de abertura da Revista do Terceiro Setor 71 Comunicação Divulgação amplia a ressonância das ações nos quatro cantos do país Pouca gente sabe, mas num pequeno município na vastidão da Amazônia, colado na fronteira com o Peru, vivem dois gaúchos de Bagé que cruzaram o país de sul a norte para se tornarem os únicos profissionais de veterinária naquela imensa região. Da mesma maneira, são poucos os que conhecem o comovente trabalho realizado por universitários e professores brasileiros em cidades africanas assoladas pela pobreza, como Moamba, em Moçambique. A marca por trás dessas ações, contudo, já é recorrente sempre que se fala de terceiro setor ou em sociedade civil organizada: o Comunidade Solidária. Fazer com que essas ações se tornassem conhecidas não vem sendo a única tarefa complexa para a comunicação dos programas do Conselho da Comunidade Solidária (CCS). De início, quando o Conselho foi criado, o grande desafio foi contrastar e diferenciar suas atividades do assistencialismo que sempre foi uma espécie de marca registrada dos programas ligados às primeiras-damas no Brasil. Era preciso fazer entender que Ruth Cardoso, como presidente do Conselho, não comandava a distribuição de cestas básicas no país. Ela integrava uma organização que propunha uma nova maneira de articular go72 Uma das revistas editadas pelo Comunidade, com foco no trabalho realizado no Timor Leste verno e sociedade civil em torno de um projeto de desenvolvimento para o país. Com esse objetivo, a Coordenação de Comunicação do CCS investiu na criação de uma imagem pública para os programas, com a publicação de boletins e relatórios. Entre os destaques estão o vídeo e a revista Conselho da Comunidade Solidária – 3 anos. Em fins de 1998, a Coordenação de Comunicação mudou seus rumos com o objetivo de alcançar maior efetividade. Em vez de uma estrutura de coordenação centralizada, adotou a formação de uma rede de profissionais de comunicação na qual o núcleo mantinha funções consultiva, convocatória e compatibilizadora. O novo modelo espelha com maior fidelidade a autonomia dos programas em relação ao Conselho. Essa equipe recebeu o nome de Núcleo de Comunicação (NuCom) do Sistema CCS, e suas principais tarefas foram a mudança de uma comunicação predominantemente impressa para virtual e a horizontalização e articulação dos relacionamentos com os programas. Dentro da mesma iniciativa, foi criado também o Grupo de Comunicação, para garantir a unidade, a cooperação e a integração nas ações de comunicação dos diversos programas. Comunicação O início não foi fácil, como demonstrou uma sondagem realizada em 1999 com um grupo de 11 jornalistas dos principais veículos impressos do país, dos quais 67% acreditavam que o Conselho era responsável pela distribuição de cestas básicas em situações de emergência. A organização de frentes de trabalho em regiões atingidas pela seca foi apontada por 54% dos jornalistas como o objetivo do Comunidade Solidária. Ações falam por si Porém, passo a passo, o trabalho de comunicação organizado de forma mais objetiva e, acima de tudo, a própria ressonância das iniciativas dos diversos programas do Comunidade Solidária passaram a produzir o efeito desejado. “Deixar que as ações falem por si é, sem dúvida, a grande prova de eficiência do programa. Os resultados são visíveis e falam por nós“, diz Miguel Darcy de Oliveira, um dos três integrantes do comitê executivo do Comunidade Solidária. Segundo Oliveira, o sucesso do Comunidade Solidária apoiou-se mais em ações concretas do que em marketing. O desafio de formatar e desenvolver o Comunidade Solidária acabou trazendo um valor novo para o terceiro setor: a implantação de mecanismos de gerenciamento semelhantes em eficiência aos utilizados na iniciativa privada. Embora a organização não tenha inicialmente centrado esforços na divulgação do próprio trabalho, a multiplicação de parcerias, a crescente mobilização de recursos privados para fins públicos e resultados de iniciativas cada vez mais surpreendentes acabaram por tornar-se uma irrepreensível ação de divulgação do Comunidade. “Aí co- As publicações do programa sempre têm como protagonistas os representantes da sociedade civil que tornam possíveis os avanços sociais meçamos a aparecer para a sociedade civil”, afirma Oliveira, que é também coordenador do Programa Voluntários. “O que nos deu legitimidade foram os resultados.” O cardápio de programas sociais desenvolvidos com eficiência, escala e transparência atraiu, por exemplo, o empresariado, que ampliou seu exercício de cidadania. A mesma receita aproximou até ONGs “concorrentes”, pois os critérios democráticos acalmaram animosidades. Somam-se a essa estratégia os cursos de gerenciamento de recursos fornecidos pelo programa às ONGs, para que elas desenvolvam competência administrativa e ganhem eficácia e capacidade de captação de recursos. No final das contas, todo mundo sai lucrando, inclusive os próprios programas do Comunidade, hoje geridos por associações autônomas e capazes de andar com as próprias pernas. De acordo com o jornalista Francisco de Almeida Lins, que atua na área de redes e parcerias da organização, o trabalho de comunicação do Comunidade Solidária exerce também o papel de agente de interligação. “Existe um voluntariado muito vibrante e espontâneo no Brasil, grupos que a gente até desconhece e que se ajudam mutuamente por necessidade de sobrevivência. A questão é divulgar um pouco mais esse esforço e criar conexões”, diz ele. Hoje, achar parceiros para implementar boas idéias de norte a sul do país não é mais um problema. Da mesma maneira, os veterinários de Bagé que foram para a Amazônia já identificam um ponto de convergência com os projetos realizados pelos estudantes paulistas que se aventuraram em Moçambique. E, aos poucos, o Brasil inteiro começa a ter conhecimento desse gigantesco trabalho voluntário e a se influenciar por seus efeitos multiplicadores. 73 Além das Fronteiras Programas do Comunidade servem de parâmetro para outras nações Xanana Gusmão, primeiro presidente do Timor Leste: ajuda para a construção de um novo país 74 O Comunidade Solidária tornou-se exportador de tecnologia de ação social. Programas criados para o Brasil, especialmente o Alfabetização Solidária, produziram resultados tão significativos que se transformaram em parâmetro para projetos aplicados em cinco países, quatro dos quais de língua portuguesa. “Hoje o Alfabetização Solidária cede seu exemplo bem-sucedido para Timor Leste, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e agora também para a Guatemala, país de língua espanhola que está aproveitando o modelo de mobilização social para atender essa forma de exclusão social que é o analfabetismo”, explica Regina Célia Vasconcelos Esteves, superintendente executiva do Alfabetização Solidária. O próximo país a entrar nessa rede de cooperação será Angola, onde o programa está em fase de implantação. No âmbito do Universidade Solidária (UniSol), o trabalho realizado em Moçambique também adquiriu um caráter exemplar de solidariedade internacional. A geógrafa Vivian Fiori, coordenadora do UniSol na Universidade Cruzeiro do Sul, de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, comandou um grupo de 11 estudantes de universidades públicas e privadas que foi a Moçambique para “exportar a tecnologia social” do UniSol. Sua equipe ficou 21 dias em Além das Fronteiras Moamba, pequena comunidade distante uma hora da capital Maputo. Foi o tempo suficiente para executar um projeto-piloto que mostrasse como operacionalizar ações comunitárias, mas não faltaram surpresas. No início geraram muita desconfiança de autoridades locais, pois não havia custos nem necessidade de lugares especiais para hospedagem. Cinco lideranças universitárias locais os acompanharam para ver quais os segredos que o grupo trazia. Utilizando recursos musicais e de teatro e uma biblioteca itinerante, ganharam a confiança e o interesse de uma população devastada pela Aids. As estatísticas oficiais apontam que 16% dos moçambicanos estão contaminados, mas estima-se que o número seja maior. Com as mulheres, foram formados grupos de teatro e coral, recorrendo a uma linguagem simples para abordar o tema da prevenção. Foi o suficiente para deslumbrá-las, pois estavam acostumadas a ouvir especialistas de organismos internacionais que enveredavam por caminhos muito técnicos e pouco humanos. “Elas nos diziam que esses especialistas vinham falar de coisas complicadas para pessoas que não sabiam nem como o corpo humano funcionava”, relembra Vivian Fiori. Ensinando a fazer Regina Esteves observa que a proposta do Alfabetização Solidária é bem mais abrangente do que a simples transferência de tecnologia: “Em Moçambique, por exemplo, o programa serve de exemplo para a iniciativa de um projeto-piloto destinado à expansão da estratégia nacional de educação de jovens e adultos. O programa está servindo como um modelo para que o governo se estruture numa política nacional maior. A cooperação é voltada para esse apoio técnico à estruturação de uma política nacional de alfabetização e educação. Nós fornecemos desde treina- Vivian (segunda à direita): na periferia de São Paulo ou na África, sempre com o mesmo idealismo que caracteriza o voluntariado mento de alfabetizadores locais até assessoria técnica à equipe do Ministério da Educação ou a outra área encarregada.” Em Moçambique, o Alfabetização Solidária começou atendendo 40 salas no projeto-piloto. Seis meses depois o programa já envolvia 7 milhões de pessoas, num sinal da dedicação e da mobilização do governo local. No Timor Leste, país que só conseguiu sua independência em maio de 2002, o programa foi iniciado em 2000, no momento em que as Nações Unidas respondiam por toda a gestão do governo que se iniciava. Hoje são atendidos 3.250 alunos. “Já existe uma diretoria de educação nacional que começa a se estruturar justamente como uma política de alfabetização e educação de jovens e adultos”, conta Regina. “Os brasileiros que participam são professores voluntários que vão para o Timor Leste para treinar alfabetizadores, mas todo o programa é executado Música e fraternidade: adolescentes de Moçambique e, na parede do fundo, a bandeira brasileira 75 Além das Fronteiras PROJETOS INTERNACIONAIS Timor Leste • Implantação: novembro 2000 • Primeira fase: em Dili, 300 alunos, 11 salas e capacitação de alfabetizadores e técnicos • Fase de expansão, setembro 2001: 141 salas, 13 distritos, capacitação de 150 novos alfabetizadores e coordenadores distritais • Universidades parceiras: Universidade Santa Cecília, Universidade do Rio de Janeiro, Universidade Estadual de Montes Claros, Universidade Mackenzie e Faculdade Interlagos • Resultados alcançados: 180 alfabetizadores e coordenadores capacitados, 3.500 alunos atendidos, 141 salas Moçambique • Implantação: julho 2001 • Primeira fase: 40 salas, 1.000 alunos, 5 províncias do país • Universidades parceiras: Universidade do Vale do Paraíba, Universidade Metodista de Piracicaba, Universidade Estadual da Bahia, PUC-RJ • Resultados alcançados: 280 alfabetizadores e coordenadores capacitados, 7.000 alunos atendidos, 240 salas São Tomé e Príncipe • Implantação: segundo semestre de 2001 • Primeira fase: 10 salas de aulas, 250 alunos Segunda fase (julho 2002): 100 novos alfabetizadores • Universidades parceiras: Braz Cubas, UFPR, PUC-RS, PUC-MG • Resultados alcançados: 120 alfabetizadores e coordenadores capacitados, 2.500 alunos atendidos, 100 salas Cabo Verde • Início: julho de 2002. • Universidades parceiras: Unicamp, Universidade do Vale do Acaraú • Fase I: Aulas tiveram início em novembro de 2002 • Resultados alcançados: 10 salas de aula, 20 alfabetizadores e técnicos capacitados, atendimento a 250 alunos. Guatemala • Projeto encontra-se em fase inicial • Missão realizada: visita de dois técnicos do MONALF/ Guatemala ao Programa • Universidades parceiras: Universidade de Fortaleza, Universidade Católica de Pelotas • Atualidade: visita gerencial a ser realizada 76 Para conquistar a confiança das mulheres de Moçambique, o grupo brasileiro do UniSol recorreu a atividades com teatro e coral pelo próprio governo local. Assim como no Brasil, o que fazemos é capacitar agentes locais para que a própria comunidade desenvolva o projeto.” Embora o português seja o idioma oficial na maioria dos países apoiados pelo Alfabetização Solidária, existem muitas línguas regionais. “Há um processo de adaptação feito por lingüistas brasileiros. É um trabalho fantástico”, diz Regina. “Todos esses projetos de cooperação passam por uma comissão bilateral de especialistas brasileiros e dos países atendidos. Eles estão estudando a produção de um material de alfabetização próprio para cada país”, acrescenta a superintendente. Os parceiros ABC (Agência Brasileira de Cooperação); ABECS (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços); Abreu Retto & Associados – São Paulo; ABTA (Associação Brasileira de Telecomunicações por Assinatura); Academia de Polícia Civil - Recife; Aché Laboratórios Farmacêuticos; Advanstar Editora e Comunicações Ltda.; Agas (Associação Gaúcha de Supermercados); Água Mineral Santa Clara – Recife; Akros Fortilit; Akzo Nobel Organon; Alcatel Telecomunicações; Amana-key; Ambev (Companhia de Bebidas das Américas); American Express; Americel; Ammirati Puris Lintas; Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica); Aplub (Associação dos Profissionais Liberais Universitários do Brasil); Armazéns Gerais Colúmbia – São Paulo; Associação dos Profissionais de Serviço Social – Bragança Paulista, SP; Associação Riograndense de Obras Públicas; Astória Papéis Ltda.; AstraZeneca; Atlântica Serviços Gerais – São Luís; Augusta Palace Hotel – São Paulo; Avape (Associação para Valorização e Promoção dos Excepcionais); Avipal S.A.; Avon; Bag Shop Comercial; Ballet Stagium; Banas Calçados e Componentes Ltda.; Banco Alemão; Banco BBA; Banco Bradesco; Banco CCF Brasil S.A. (Credit Commercial de France); Banco da Amazônia S.A.; Banco de Investimento Credit Suisse First Boston Garantia S.A.; Banco do Brasil S.A.; Banco do Nordeste; Banco Indusval; Banco Itaú S.A.; Banco J. P. Morgan; Banco Mercantil de São Paulo/Finasa; Banco Real ABN Amro Bank; Banco Regional Malcon S.A. Comercial e de Crédito ao Consumidor; Banco UBS Warburg S.A.; BankBoston; Banrisul S.A.; Basa (Banco da Amazônia); Bates Brasil; Banco BBA Creditanstalt; Bermas; BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento); Blockbuster Brasil; BM&F (Bolsa de Mercados e Futuro); BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social); Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo); BR Petrobrás Distribuidora S.A.; Brasília Guaíba Obras Públicas S.A.; Brasiltelecom; Brasmotor S.A.; Brazil Business Center; BSH Continental Eletrodomésticos; Buffet Charlô; Caixa Econômica Federal; Calçados Aniger Nordeste Ltda.; Calçados Azaléia S.A.; Câmara de Cultura; Câmara de Dirigentes Lojistas de Itaparica; Canandé Calçados Ltda.; Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); Carioca Engenharia; Carwin; Casa de Encontros Santa Terezinha – Aracaju; Casa Dico S.A. Comércio e Indústria; CBA – Grupo Votorantim; CCE da Amazônia; Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica); Celi Praia Hotel – Aracaju; Cemec (Centro Acadêmico de Engenharia Mecânica) – Faculdade de Engenharia Industrial (FEI); Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária); Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás; Centrais Elétricas de Furnas; Centro de Convenções do Estado da Bahia; Centro de Convenções do Estado de Sergipe; Centro de Criação e Imagem Popular; Centro de Criatividade Odylo Costa Filho – São Luís; Centro de Ensino Médio Liceu Maranhense – São Luís; Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor (CEATS/USP); Centro de Estudos Técnicos do Pará; Centro de Referência Maurice Prate – Fortaleza; Centro de Treinamento da Secretaria de Educação – Prefeitura do Recife; Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão; Centro Federal de Educação Tecnológica – Belém; Cesep (Centro Sergipano de Educação Popular); Cesp (Companhia Energética de São Paulo); Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco); Chocolates Garoto S.A.; Chrysler do Brasil; Cia. Brasileira de Lítio; Cia. Ultragaz S.A.; Ciacorp – Administração Participações Ltda.; Cida – Canadian International Development Agency; CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola) – São Paulo; Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo); Citibank; CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) – Pastoral da Criança; CNC (Confederação Nacional do Comércio) – Sesc e Senac; CNI (Confederação Nacional da Indústria) Sesi e Senai; CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico); Coca-Cola; Coelba; Colégio Manoel Devoto – Salvador; Colégio Nossa Senhora do Carmo; Coliseu Comercial; Comissão de Funcionários da Abril; Comissão Pastoral da Terra – Salvador; Companhia de Águas e Esgotos de Roraima; Companhia Energética de Roraima; Companhia Vale do Rio Doce; Compaq Brasil Ltda.; Competence Comércio e Marketing Ltda.; Complexo Educacional Governador Edson Lobão; Complexo Educacional Manoel Beckman; Comunidade Ativa; Comunidade Evangélica Luterana de São Paulo; Conab (Companhia Nacional de Abastecimento); Condor Empreendimentos Imobiliários S.A.; Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras; Conservas Ritter S.A.; Construtora Sultepa S.A.; Cooperativa dos Profissionais da Área de Educação e Informática – Rio de Janeiro; Coopers & Lybrand Biedermann, Bordasch; Copene; Copesul (Cia. Petroquímica do Sul); Corpo de Bombeiros de Salvador; Correios; Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista); Cotene; CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais); Cruzada de Ação Social do Estado de Pernambuco; CTEEP (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista); Dakota; Dana Albarus S.A. Indústria e Comércio; Del Mar Hotel – Aracaju; DenisonBates; DenisonBrasil; Deutsche Bank S.A.; Dilly; Dinâmica Promoções Culturais; Diners Club International; Distribuidora de Produtos de Petróleo Ipiranga S.A.; Editora Nova Cultural; Electrolux do Brasil; Eletrobrás; Eletropaulo Metropolitana – Eletricidade de São Paulo; Elevadores Sur S.A. Indústria e Comércio; Eliane Revestimentos Cerâmicos; Elo Atacadista Distribuidor Ltda.; Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.); Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A.); Embratur (Empresa Brasileira de Turismo S.A.); Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; Empresas de Petróleo Ipiranga; Endomed; Grupo Eni; Equador Produções Cinematográficas; Equatorial Palace – Belém; Ericsson; Escola de Música do Maranhão Lilah Lisboa; Escola Estadual Oliveira Lima – Recife; Escola Municipal Orsina da Fonseca; Escola Olívio Montenegro (Epom) – Recife; Esplanada Praia Hotel – Fortaleza e Belém; Euroflex; Expresso Mercúrio S.A.; Extra Supermercados; F.J.T. Consultoria e Empreendimentos; FAHECE (Fundação de Apoio ao Hemosc/Cepon); Farmácias Pague Menos; FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador); Fazenda 3P; Fazenda Barreiro; Fazenda Barreiro/ Instituto Mellon de Paula; Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos); Federação Israelita do Estado de São Paulo; Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores); Fenaseg (Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados de Capitalização); Fiat; Fiec (Federação das Indústrias do Estado do Ceará); Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais); Fiergs (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul) – Senai/RS e Sesi/RS; Fiesp/Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo); Fininvest S.A.; Fiocruz; Fiori; Fiotex Industrial; Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) – Senai/RJ e Sesi/RJ; FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação); Ford; Formisa; Fortilit Tubos e Conexões S.A.; Fórum de Debates do Terceiro Setor de Petrolina; Funarte (Fundação Nacional de Arte); Fundação Acesita; Fundação Banco do Brasil; Fundação Bradesco; Fundação Carlos Chagas; Fundação Cidade da Criança – Fortaleza; Fundação CSN para o Desenvolvimento Social e Construção da Cidadania; Fundação Cultural do Estado da Bahia/Biblioteca Pública – Salvador; Fundação Cultural do Maranhão; Fundação Cultural Palmares; Fundação da Memória Republicana; Fundação de Assistência Social do Estado de Rondônia; Fundação Filantrópica Safra; Fundação Ford; Fundação Itaú Social; Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho; Fundação Municipal de Cultura – São Luís; Fundação Odebrecht; Fundação Orsa; Fundação Oswaldo Cruz; Fundação Padre Anchieta; Fundação Projeto Travessia; Fundação Roberto Marinho; Fundação Salvador Arena; Fundação Santista; Fundação Telefônica; Fundação Vale do Rio Doce; Fundação Victor Civita; Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho); Fundación Catalana de Gás; Gad Design; Gatti – Transportes Turísticos Ltda.; GE do Brasil; General Motors; Gerência do Estado de Desenvolvimento Social – São Luís; Gessy Lever; Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas); Ginásio de Pernambuco; Globo.com; Globosat (GNT, Multishow, SPORTV, TC Premium, USA Brasil); Gol; Golden Park Hotel – Salvador; Governo do Acre; Governo do Estado de Goiás; Governo do Estado de Pernambuco – Empresa Pernambucana de Turismo – Centro de Convenções de Pernambuco; Governo do Estado de Rondônia; Governo do Estado de Roraima; Governo do Estado do Ceará; Governo do Estado do Espírito Santo; Governo do Estado do Maranhão; Gráfica Brasil; Grand Hotel Ca’d’oro – São Paulo; Grande Hotel da Barra – Salvador; Grande Hotel – Aracaju; Grendene; Grupo Gerdau; Grupo NewcommBates; Grupo Novo de Cinema e TV; Grupo Takano; Grupo VR; Gtech Brasil; HBO; HewlettPackard Brasil S.A.; Hotel Bahia do Sol – Salvador; Hotel Barreira Roxa – Natal; Hotel Beira-Mar – Aracaju e Fortaleza; Hotel Beira-Rio – 77 Os Parceiros Belém; Hotel Blue Tree Towers – São Paulo; Hotel Braston – São Paulo; Hotel Calhau Praia – São Luís; Hotel Carlton – Brasília; Hotel Embaixador – Porto Alegre; Hotel Enseada Praia – Natal; Hotel Esplanada – Fortaleza; Hotel Everest – Porto Alegre; Hotel Glória – Rio de Janeiro; Hotel La Ravardiere – São Luís; Hotel Marina Palace – Rio de Janeiro; Hotel Monte Rey – MG; Hotel Nacional – Brasília; Hotel Ouro Branco Praia – João Pessoa; Hotel Parque dos Coqueiros – Aracaju; Hotel Plaza São Rafael – Porto Alegre; Hotel Plaza – Porto Alegre; Hotel Regente – Belém; Hotel Thamisa – São Paulo; Hotel Tropical da Bahia – Salvador; Hotel Umbu – Porto Alegre; Hotel Vila Rica – São Luís e Belém; HSBC; Hwag Hanseatisches Wertpapierhd; IBC do Brasil; IBM; IEE (Instituto de Estudos Especiais) – PUC/SP; INB (Indústrias Nucleares do Brasil); Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária); Indaiá Águas; Indecs (Instituto Nacional de Desenvolvimento das Ciências da Saúde do Rio de Janeiro); Indústrias Klabin; Indústrias Micheletto S.A.; Institut of the Americas General I – EUA; Institute for International Research do Brasil Ltda.; Instituto Antonio Sanches Larragoiti Júnior; Instituto Cultural Brasileiro Norte-Americano; Instituto Cultural General Motors; Instituto Cultural Mauricio de Souza; Instituto de Ciências e Saúde de Salvador; Instituto Ethos; Instituto Kaplan; Instituto Meninadança – Itabira; Instituto Souza Cruz; Instituto Voluntários em Ação; Instituto Xingó; Internews Comunicação Empresarial e Editora; Intral S.A. Indústria de Materiais Elétricos; IOB – Cursos de Legislação Empresarial; Ipad (Instituto de Planejamento e Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico e Científico); IQF Schering Plought; Itautec Philco S.A.; Jorge Paulo Lemann; Jornal Correio Brasiliense; Jornal Correio do Povo; Jornal de Brasília; Jornal Diário de São Paulo; Jornal Diário do Grande ABC; Jornal do Brasil; Jornal Folha de S. Paulo; Jornal Gazeta Mercantil; Jornal O Estado de S. Paulo; Jornal O Globo; Jornal Valor Econômico; Jornal Zero Hora; Josapar (Joaquim de Oliveira S.A. Participações); Kaiser; Klabin Fábrica de Papel e Celulose S.A.; Kodak; Kraft Foods Brasil; Kubitschek Plaza – Brasília; Kwikaisair Cargas Expressas S.A.; Laboratórios Biosintética; Laticínios CCGL S.A.; LC Barreto Produções Cinematográficas; LG Electronics; Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro; Light – Serviços de Eletricidade S.A.; Lightex Comercial Metalight; Livraria Cultural da Guanabara Ltda.; Lojas Colombo; Lojas Pompéia – Lins Ferrão e Cia. Ltda.; Long Life Assistência Médica; Lupaquai; M. Dias Branco S.A.; Marcopolo S.A.; Marisol S.A; Mastercard; McCann Erikson; Melson Tumelero S.A.; Menphis S.A. Industrial; Merrill Lynch; Microsoft Informática; Microsys Informática; Microtec Vision Systems; Ministério da Aeronáutica; Ministério da Cultura; Ministério da Educação e do Desporto; Ministério da Justiça – Secretaria de Estado dos Direitos Humanos; Ministério da Marinha; Ministério da Saúde; Ministério do Exército; Ministério do Trabalho – FAT/Sefor; Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério dos Transportes; Moto Honda Amazônia Ltda.; Motorola do Brasil Ltda.; Móveis Carraro S.A.; Multibrás S.A. Eletrodomésticos; Museu da Arte e do Som – Fortaleza; Museu da Imagem e do Som – Fortaleza; Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro; Nassau; Nationwide Marítima; Natura; Nec do Brasil S.A.; NEPP (Núcleo de Estudos e Políticas Públicas da Unicamp); Nestlé Brasil Ltda.; Netwark Eventos Ltda.; 78 Network Associates; New Class Turismo; Nordeste – Linhas Aéreas Regionais S.A.; Norsa; Novell do Brasil Software; Novo Hotel – Belém; Núcleo de Desenvolvimento de RH e Educação em Saúde – DIR XII – Campinas; Ogilvy & Mather; ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico); Osram do Brasil – Lâmpadas Elétricas Ltda.; Otamar Empreendimentos Imobiliários e Participações Ltda.; Ouro e Prata Cargas S.A.; Paquetá Calçados Ltda.; Park Hotel Atibaia – São Paulo; Park Hotel – Recife; Pastoral da Criança; Paulista Wall Street – São Paulo; Paulo D’Arrigo Velhinho; Pepsico & Cia Ltda.; Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A.; Petropar S.A.; Philip Morris Brasil; Philip Morris/Kibon; Philip Morris/Lacta; Philip Morris/Suchard; Philips do Brasil S.A.; Pirelli; Plano Editorial; Poema (Programa Pobreza e Meio Ambiente da Amazônia); Point Suture; Porto Seguro Cia. de Seguros Gerais; Pousada do Francês – São Luís; Praia Mansa Hotel – Fortaleza; Praiamar Hotel – Salvador; Praiano Palace Hotel – Fortaleza; Prefeitura do Município de Atibaia; Prefeitura do Município de Cubatão; Prefeitura do Município de Franca; Prefeitura do Município de Jandira; Prefeitura do Município de Ribeirão Pires; Prefeitura do Município de São Paulo; Prefeitura Municipal de Aracaju; Prefeitura Municipal de Teresina; Primeira Igreja Batista de Aracaju; Primeira Igreja Batista em São Paulo; Programa Xingó; Projeto Alvorada; Promon; Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar); Quarto Crescente; R.S. Escala Comunicações Ltda.; Rádio e Televisão Bandeirantes; Rádio Bandeirantes AM; Rádio CBN; Rádio Eldorado; Rádio Jovem Pan AM; Revista Caras; Revista Dirigente Lojista; Revista Época; Revista Exame; Revista Forbes Brasil; Revista Galileu; Revista Globo Rural; Revista IstoÉ; Revista IstoÉ Dinheiro; Revista PEGN (Pequenas Empresas Grandes Negócios); Revista Quem; Revista RI – Relações com Investidores; Revista Saúde; Raychem Produtos Irradiados Ltda.; Recife Palace Lucsin; Recrusul; Refinaria de Petróleo Ipiranga S.A.; Regente Hotel - Belém, PA; Renato Magalhães Gouvea; Renault; Renna; Requinte Recepções; Restaurante Spot; Revestimentos Cerâmicos; Rigesa; Rio Sul Linhas Aéreas; Riocell S.A.; Rosset & Cia. Ltda.; Royal Park Hotel – Piracicaba, SP; RVM; S.A. Indústria Votorantim; S.A. Usina Coruripe Sadia S.A.; SLC John Deere S.A.; SLM Comunicação e Marketing Ltda.; Santa Rita Têxtil; São Paulo Alpargatas S.A.; Sasse Seguros Gerais; SBT (Sistema Brasileiro de Televisão); Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados); Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas); Sebrae Multicenter – São Luís; Sebrae/PE; Sebrae/RS; Secaf Empreendimentos e Participações; Secretaria de Educação de Salvador, Colégio Manoel Devoto – Colégio Central; Secretaria de Integração Social – Jundiaí (SP); Secretaria de Segurança Pública de Salvador; Secretaria de Trabalho e Ação Social do Estado do Ceará; Secretaria de Trabalho e Ação Social do Estado do Rio de Janeiro; Secretaria do Bem-Estar Social de Jacareí; Secretaria do Trabalho e Ação Social do Estado do Ceará; Secretaria Municipal de Ação Social de Benevides (PA); Secretaria Municipal de Assistência Social de São Paulo; Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro; Secretaria Municipal de Esportes de São Paulo; Security S.A; Seminário de Educação Cristã; Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil; Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) – São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belém, Fortaleza, São Luís, Aracaju e Recife; Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial); Senai – RJ, SP, RS e PE; Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) – São Luís; Senat (Serviço Nacional de Aprendizagem no Transporte) – Fortaleza e São Luís; Serki Fundações Ltda.; Sesc (Serviço Social do Comércio) – São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belém, Fortaleza, São Luís, Aracaju e Recife; Sesi (Serviço Social da Indústria) – RJ, SP, RS, PE, Fortaleza, Salvador e São Luís; Sest (Serviço Social de Transportes), Fortaleza e São Luís; Sharp do Brasil S.A. Indústria de Equipamentos Eletrônicos; Shopping Center Penha; Siemens Ltda.; Sindicato das Indústrias de Artefatos de Couro do Rio Grande do Sul; Sindicato das Indústrias de Materiais Plásticos do Rio Grande do Sul; Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitarias do Rio Grande do Sul; Sindicato das Indústrias de Papel, Papelão e Cortiças do Rio Grande do Sul; Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Canoas; Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado do Rio Grande do Sul; Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados no Estado do Rio Grande do Sul; Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem no Estado do Rio Grande do Sul; Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado do Rio Grande do Sul; Sindicato dos Bancários de Salvador; Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de São Paulo; Sítio da Trindade – Prefeitura de Recife; SOC Palcos; Sony Brasil; Souza Cruz; Springer Carrier S.A.; Sudameris; Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste); Sul América Aetna – Sul América Companhia Nacional de Seguros; Super Festas e Decorações Ltda.; Suzano – Companhia Suzano de Papel e Celulose; TAM – Transportes Aéreos Regionais S.A.; Telebrás; Telebrasília Brasil Telecom; Telefônica; Telemar; Tese Transportes Sensíveis S.A.; Tevah Vestuário Masculino Ltda.; Texaco; Tilibra; Timken do Brasil Com. Ind. Ltda.; Timken International Fund; Toniolo Busnello S.A.; Total Service Gestão Empresarial; Trading Light Iluminação e Comércio; Transbrasil S.A. Linhas Aéreas; Transportes Única Petrópolis Ltda.; Trevisan Auditores; Tropical da Bahia – Salvador; Trópice; TV Cultura – Fundação Padre Anchieta; TV Futura; TV Globo; TV Viva; Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura); Unibanco; Unibes (União BrasileiroIsraelita de Bem-Estar Social); Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância); Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos); Unitec – Cooperativa dos Profissionais das Áreas de Ensino, Treinamento e Informática; Universidade da Amazônia – Belém; USP – Universidade de São Paulo; Uneb – Universidade Estadual da Bahia; Uesc – Universidade Estadual de Santa Cruz – Bahia; UFBA –Universidade Federal da Bahia – Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceafro) e Faculdade de Administração; UFSE – Universidade Federal de Sergipe; UFRPE – Universidade Federal Rural de Pernambuco; UOL (Universo Online); Usina Coruripe; VP Lab. Sistemas Comércio e Serviço; Valisère; Varig – Viação Aérea Rio Grandense S.A.; Varig Cargo; Vasp – Viação Aérea São Paulo; Viação Normandi do Triângulo Ltda.; Visa do Brasil; Visteon Sistemas Automotivos Ltda.; Vitae – Apoio à Cultura, Educação e Promoção Social; Volkswagem Brasil; Vonpar Refrescos S.A.; Xerox doBrasil; Yázigi – Centro de Ensino e Cultura; Zamprogna S.A. Importação Comércio e Indústria. www.comunidadesolidaria.org.br