Araçatiba - As Letras Desenhadas de Uma Jovem Quilombola

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Araçatiba - As Letras Desenhadas de Uma Jovem Quilombola
ARAÇATIBA:As Letras DesenhadasDe Uma Jovem Quilombola
MEIRA, Vieira Fábio¹
[email protected]
Universidade Federal do Espírito Santo
CIRILO Aparecido José²;
[email protected]
Universidade Federal do Espírito Santo
RESUMO: O presente artigo aborda experiências realizadas nas aulas ministradas na
residência de uma jovem quilombola na faixa etária de 26 anos com Síndrome de Down,
moradora da comunidade tradicional de Araçatiba-ES. As ações se deram durante o
desenvolvimento do projeto de extensão realizado pelo PET-Cultura que atua desde 2011
nesta comunidade. Este trabalho centra-se no processo de alfabetização (EJA) desta jovem.
Está sendo utilizado para este projeto a produção de desenhos produzidos pela educanda a
partir do método do pontilhismo desenvolvido pelo artista francês Seraut (1859-1891).
Analisados à luz da semiótica francesa que, como texto, foi analisado. Empregando ao longo
do trabalho a participação da aluna, não havendo uma simples transmissão do conhecimento,
mas o estímulo à participação e interação com o meio que a cerca.
Introdução
Meleiro (1999) acredita que a inteligência não se define, e sim se constrói, não sendo fixa e
constante durante toda a vida. Enfatiza que a pessoa com SD é muito mais que sua carga
genética, é um organismo que funciona como um todo, e a genética é só umapossibilidade,
podendo compensar inclusive sua carga genética, mediante processos de desenvolvimento,
sempre destacando os contextos em que a pessoa vive (familiar ,social e escolar).(...). De
acordo com o mesmo autor o desenvolvimento humano está intrinsecamente relacionado ao
contexto sociocultural em que se insere, portanto é impossível considerá-lo um processo
previsível e universal,dentro desta perspectiva de ensino que o trabalho apresentado se
desenvolveu. (MELEIRO, 1999).
Após uma visita para reconhecimento da comunidade tradicionalde Araçatiba- ES foi
constatado que a havia crianças ejovens com Síndrome de Down, na entrevista feita com a
mãe da aluna foi verificado que alguns métodos artísticos poderiam se utilizados na
alfabetização da mesma, entre eles, desenhos feitos partir do local onde a aluna reside
apresentando uma inter -relação entre
desenho e escrita.As açõesderam-se durante o
desenvolvimento do projeto de extensão realizado pelo PET Cultura, centrando-se no
processo de alfabetização (EJA) desta jovem, para tal não houve uma simples transmissão do
conhecimento, mas o estímulo á participação e interação com o meio que a cerca.
A alfabetização tem provocado inúmeras inquietações no contexto social, principalmente
quando se fala de jovens e adultos especiais, Juntamente a essa problemática tem-se a questão
da inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais, nesse caso mais especifico
(síndrome de down).(PUSCHEL,1993).O trabalho aquiexposto tem o objetivo de elucidar
questões pertinentes ao desenvolvimento da educanda e suas construçõesmentais percorridas
por meio dos níveis evolutivos das suas representações, buscando uma correlação entre
desenhos e escrita como sistemas gráficos distintos, porém que se relacionam na
sistematização da representação desta jovem.
¹ Acadêmico do 8º Período do Curso de Artes Visuais / Bolsista PET-CAPES
² Professor da Universidade Federal do Espírito Santo; Tutor Grupo PET Cultura Doutor em Semiótica PUC/SP
Descoberta
De acordo com Pueschel e JonnLangdon Down, que publicou um trabalho no qual descreveu
algumas das características da síndrome que hoje leva o seu nome. Down mencionou: “O
cabelo não é preto como é o cabelo de um verdadeiro mongol, mas é de cor castanha, liso e
escasso”. (PUESCHEL,2006). O rosto é achatado e largo. Os olhos posicionados em linha
oblíqua. O nariz é pequeno. Estas crianças têm um poder considerável para a imitação. Down
merece o crédito pela descrição de características clássicas desta condição, assim
distinguimos estas crianças de outras [...] (PUESCHEL, 2006). A grande contribuição foi seu
reconhecimento das características físicas, Down criou o termo mongolismo e chamou a
condição inadequadamente de “idiota mongoloide”.
Hoje sabemos que as implicações raciais são incorretas e devem ser evitadas. Os pais se
perguntam frequentemente, se a SD esteve presente na humanidade desde os primórdios da
civilização ou se esta condição surgiu apenas em tempos recentes. (PUESCHEL, 2006). O
registro antropológico mais antigo da SD deriva das escavações de um crânio saxônio, datado
do século VII, apresentando modificações estruturais vistas com frequência em crianças com
SD. Numa tentativa de identificar crianças com Down em pinturas antigas, Hans Zellweger
concluiu que o pintor Andrea Mantegna, artista do século XV, pintou diversos quadros de
madonas com o menino Jesus com feições sugestivas da Down. Um dos seus trabalhos foi a
pintura “Virgem e a Criança”, observe abaixo, (PUESCHEL, 2006, p, 47).
Figura 1: Virgem e a Criança de Andrea Mantega (c 1430-1506).
Zellweger também alega que uma criança com Down, foi representada na pintura “Adoração
dos pastores”, pintada pelo artista flamengo Jacob Jordeans em 1618. Contudo, uma inspeção
criteriosa da criança desta pintura não permite um diagnóstico definitivo de SD. De forma
semelhante, uma pintura realizada por Sir Joshua Reynolds em 1773, intitulada “Lady
cockburn e seus filhos” contém uma criança com certas características faciais parecidas com
aquelas geralmente encontradas na SD como pode ser observada abaixo. (PUESCHEL, 206,
p, 47).
Figura 2: Lady Cockburn e Seus Filhos, de Sir Josshua Reynolds (1723-1792).
Síndrome de Down, o que é?
Segundo Bartalloti (2004), a SD é uma cromossomopatia, ou seja, uma síndrome cujo quadro
clínico global deve ser explicado por um desequilíbrio na constituição cromossômica, no
caso, a presença de um cromossomo extra no par 21 , caracterizando a trissomia do 21. Há
três tipos de trissomiado 21(SD): a trissomia simples, resultado da não disjunção
cromossômica do par 21 que ocorre no momento de divisão celular , representando 95% dos
casos; o masaicismo (2% dos casos), que compromete apenas parte das células, ou seja,
algumas células possuem 46 cromossomos e outras, 47; a translocação, também pouco
expressiva, ocorrendo em cerca de 2% dos casos, em que o cromossomo extra do par 21 fica
grudado em outro cromossomo e, embora o indivíduo tenha 46 cromossomos, ele é portador
da SD. Este é o único caso em que a SD pode ser hereditária. (SHWARTZMAN, 2003).
Esses três tipos de trissomiado 21 não implicam diferenças no grau de desenvolvimento das
pessoas com SD, com exceção do mosaicismo que, por não afetar todas as células, tem um
menor comprometimento no desenvolvimento global do individuo mas, como já mencionado,
trata-se de um caso pouco expressivo. Nota-se, dessa forma que as diferenças que se
observam entre as pessoas com SD dependem mais de suas determinações sociais, do que das
genéticas. (BARTALLOTI, 2004).
Células tem um menor comprometimento no desenvolvimento global do individuo, mas,
como já mencionado, trata-se de um caso pouco expressivo. Nota-se, dessa forma que as
diferenças que se observam entre as pessoas com SD dependem mais de suas determinações
sociais, do que das genéticas. (BARTALLOTI, 2004).
O diagnóstico da SD pode ser feito a partir do nascimento do bebê, ou mesmo antes, por meio
do exame de ultrassonografia, pela observação de alterações fenotípicas e outras
características típicas. Estes diagnóstico, no entanto, só levanta suspeitas, uma vez que tais
características não são específicas da SD e cada uma delas pode estar presente isoladamente
em pessoas comuns, conforme aponta Shwartzman (2003). (BARTALLOTI, 2004).
A leitura das imagens verbais
Segundo Cerdera a semiótica francesa propõe não uma análise de signos prontos,
indecomponíveis em figuras menores, mas analisar o processo de significação capaz de geralos através de um modelo teórico de análise que simula a produção e a interpretação do
significado.
Dentro dessa perspectiva, a análise de um texto visual como um desenho deve-se começar
pelo conjunto das categorias plásticas que formam o plano de expressão, isto é, pela
materialidade desse sistema de significação. Em semiótica plástica, utilizamos a leitura dos
desenhos produzidos pela aluna para dar forma ao sentido, por meio da observação.
(CERDERA, 2012.p.2).
Essas categorias pertencentes ao plano e de expressão plástica, articulando com categorias do
plano de conteúdo, estruturam o sentido do texto visual, como menciona Cerdeira “Ler o texto
visual assim, é sempre considerar que o conteúdo se submeter às coerções do material plástico
e que essa materialidade também significa”. No plano do conteúdo, a semiótica propõe a
análise do sentido através do modelo teórico do percurso gerativo de sentido.
(PIETROFORTE, 2007).
Que, como dissemos, simula e não descreve a produção real de sentido. Esse modelo estrutura
o processo de significação em vários níveis, desde o mais profundo e abstrato, até o mais
superficial e concreto. A semiótica caracteriza-se por estudar os signos respondendo aos
estudos das linguagens não verbais; podemos ler uma pintura ou desenho do mesmo modo
como lemos um texto verbal? (PEREIRA, 2007).
A semiótica de linha francesa, elaborada por Greimas (1917-1992) responde positivamente a
essas questões e disponibiliza um amplo aparato teórico voltado para textos verbais quanto
aos não verbais. [...]. Exemplo da abordagem desse segundo tipo é dado pela semiótica
plástica ou visual que se volta para textos não verbais. (PIETROFORTE, 2007). Esse tipo de
correlação semissimbólica foi empregado em nossas análises em relação às correlações
existentes nos desenhos produzidos a partir da cultura da jovem.
Metodologia Utilizada
Buscaram-se bases teóricas nos estudos elencados a cerca do desenvolvimento de desenhos
analisados a luz da semiótica francesa, e nos estudos dapsicogênese, traçando pontos
relevantes entre os dois sistemas representativos e suas fases evolutivas. Ainda para elucidar a
correspondência gráfica com a expressão da escrita foi levantados juntos a educanda
representações do cotidiano a partir dos desenhos livres do entorno da comunidade e do seu
meio social que está entre o urbano e o rural. (CLAUDIO, 2010).
Em relação aoaprendizado, adotamos a abordagem que trata o desenvolvimento não de forma
independente e acabada (fatores internos, individuais), mas de forma dinâmica, em que o
aprendizado, relacionado á cultura e a interação social fatores externos, sociais,
geradesenvolvimento.(CERDERA, 2012).
As ações se dividiram em pesquisa iconográfica e atividades com a aluna trabalhando o
trinômio ensino-pesquisa-extensão em sua vertente processual. O levantamento de modelos
(desenhos, pinturas e fotografias da região) como material didático baseou-se no fato, que
trazer os objetos do dia-dia é uma forma de lidar com o mundo.
As aulas se dividiram entre a residência e o espaço interno (toda a comunidade de AraçatibaES). Explorando a arte arquitetônica da igreja de Nossa Senhora da Ajuda e a paisagem rural
do local as atividades se concentraram na prática dos desenhoslivres, por entendermos a
importância dessa técnica no tocante a alfabetização da mesma, estimulando dessa forma, a
capacidade de perceber e de imaginar. Organizando, reconstruindo, estabelecendo uma interrelação entre o desenhar e o escrever, deixando em planos subsequentes a representação
figurativizada.
Resultados e Discussões:
Para Vygotsky, o desenvolvimento não depende de fatores exclusivamente internos,
biológicos, não havendo uma relação entre a idade da jovem e o estágio de seus desenhos,
como podem ser observados, na representação pictórica queantecede a construção da escrita
realizadapelo simples prazer em realizar o gesto. Sendo um ato motor, ao perceber que a
produz, o faz outras vezes pela satisfação do gesto, apontando a importância de estudar a
elaboração do desenho, e não só o produto final, para a melhor compreensão do processo de
alfabetização demonstrando um resultado semelhante entre desenho e escrita como pode ser
observado abaixo:
Figura-1 Sapo de Letras
Figura-2 O sol de Maria
Simbioticamente , a categoria semântica universal / cultura (descontinuo), responsável pela
discretização do
mundo enquanto semiótica opõe-se á categoria semântica universal /
natureza / (continuo), responsável pela indistinção do mundo. A análise desses termos nos
leva a afirmar que, no plano do conteúdo desses desenhos, o universal / cultura, (o
descontínuo dos fatores externos). Mostrando uma relação com o ambiente externo e uma
presença da cultura da comunidade onde reside nos traços perceber-se através dos traços uma
infantilização figurativizada. (CERDERA, 2012).
A arte pode contribuir no aprendizado desses jovens com necessidades especiais, auxiliada
pela prática pedagógica e desenvolvida a partir de estímulos sensoriais,estes alunos podem
desenvolver habilidades motoras, visuais e auditivas e intelectuais para tal,é, preciso criar
mecanismos que busquem dar autonomia aos sujeitos envolvidos neste processo de
aprendizagem sendo de suma importância, que o professor utilize uma metodologia adequada
à realidade e ao contexto do aluno para que o ensino não seja um sacrifício para o educando,
os dados obtidos nos levam a conclusão de que a arte tem um papel importantíssimo na
inclusão e um papel fundamental no melhor aprendizado. A participação da família, também,
se torna primordial para uma melhor socialização dos alunos com SD.
Referências
CERDERA, Fábio PEREIRA. Desenho Artístico Inclusão e Construção de Sentido. In:
XXII CONGRESSO DA FEDERAÇÃO DE ARTE EDUCADORES DO BRASIL.
Novembro de 2012, São Paulo,SP. Anais do XXII Congresso da Federação de Arte
Educadores do Brasil, São Paulo, 2012.
MELEIRO,M.L.(1999).Aprendiendo a conocer a las personas con síndrome de down.
málaga: EdicionesAljibe
PUESCHEL,Siegfried. Síndrome de down. Guia para pais e educadores.São Paulo:
Papirus: 1993.
CLAUIDO,Suely da SILVA, Grafismo e a Sua Relação Com a Alfabetização. 2013
SCHWARTZAN, J.S. Síndrome de down. São Paulo: Mackenzie, 1999.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Interação entre aprendizado e desenvolvimento. In:
AFormação Social da Mente. São Paulo, Martins Pontes, 1998. pág: 68- 78.

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