ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA Por José Saramago
Transcrição
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA Por José Saramago
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA Por José Saramago “Provavelmente, só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são” “O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegámos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos, Quem está a falar, perguntou o médico, Um cego, respondeu a voz, sou um cego, é o que temos aqui. Então perguntou o velho da venda preta, Quantos cegos serão precisos para fazer uma cegueira. Ninguém lhe soube responder.” “ (…) o mundo está cheio de cegos vivos, Eu acho que vamos morrer todos, é uma questão de tempo, Morrer sempre foi uma questão de tempo, disse o médico, Mas morrer só porque se está cego, não deve haver pior maneira de morrer, Morremos de doenças, de acidentes, de acasos, E agora morreremos também porque estamos cegos, quero dizer, morreremos de cegueira e de cancro, de cegueira e de tuberculose, de cegueira e de sida, de cegueira e de enfarte, as doenças poderão ser diferentes de pessoa para pessoa, mas o que verdadeiramente agora nos está a matar é a cegueira, Não somos imortais, não podemos escapar à morte, mas ao menos devíamos não ser cegos, disse a mulher do médico, Como, se esta cegueira é concreta e real, disse o médico, Não tenho a certeza, disse a mulher” “Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.” Ensaio sobre a Cegueira é um livro que nos faz ver. Através da metáfora da cegueira, Saramago alerta-nos para a sociedade cega em que vivemos. Com o anonimato das personagens e a não identificação cronológica e espacial, o ensaísta chega a todos os homens, a todas as classes sociais, a todos os espaços e a todos os tempos – uma história universal. Um livro onde a visão se torna numa maldição e onde a cegueira se torna num refúgio. A única mulher que escapa à epidemia da cegueira surge, então, como um Moisés, com a responsabilidade de indicar o norte para a humanidade infortunada, na qual a cegueira é o único abrigo face à realidade crua onde a indiferença ordena. Uma alegoria intensa e chocante com a arte de Saramago esbatida na preocupação cívica. Um livro que desafia os instintos primários do Homem e que nos prova a sua selvajaria bárbara. O fim da civilização, o início do caos. Uma questão pertinente sobre a humanização do Homem, sobre a sua podridão e sobre a sua esperança. Saramago questiona, sempre pertinentemente, “é preciso ficarmos cegos para vermos realmente o que somos?” José Saramago, notavelmente reconhecido pelo seu vasto trabalho literário, recebeu o Prémio Nobel de Literatura em 1998. Dá alguma credibilidade a este galardão e não percas a sua crítica social mordaz no polémico Ensaio sobre a cegueira! Carla Dias - 11º H