Síntese do I Encontro Nacional do Coletivo de Diversidade Sexual

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Síntese do I Encontro Nacional do Coletivo de Diversidade Sexual
Síntese do I Encontro Nacional do Coletivo de Diversidade Sexual da Consulta Popular
Apresentação do encontro:
1. Nosso I Encontro Nacional do Coletivo de Diversidade Sexual da Consulta Popular: colorindo um
projeto popular para o Brasil, foi realizado nos dias 6, 7 e 8 de abril de 2012, na cidade de Seropédica - RJ.
Contou com a presença de militantes da Consulta Popular de dez estados (PI, RN, PB, SE, BA, ES, MG, RJ, SP,
PR).
2. Este encontro foi idealizado durante nossa IV Assembleia Nacional “Carlos Marighella”, na qual definimos que
nossa luta pela emancipação do povo brasileiro passa também pela luta por livre expressão sexual e identidade de
gênero. Nesse momento, demos o pontapé inicial para a construção do Coletivo de Diversidade Sexual, composto
por militantes da Consulta Popular.
3. Sendo este o nosso 1º encontro, resolvemos que seu caráter não seria tanto o de apontar caminhos, mas sim
articular diferentes níveis de acúmulo e intervenção, para que coletivamente pudéssemos nos aprofundar nas
questões basilares da luta pela diversidade sexual e sua relação com a revolução brasileira. Definimos os objetivos
que permeiam toda nossa construção: promover debates, estudos e elaborações sobre o tema da diversidade
sexual; socializar experiências que já desenvolvemos; estreitar laços com militantes da Consulta Popular e com
aqulexs que são próximos e têm experiência nessa luta; estimular novas intervenções e lutas em torno na
diversidade sexual; contribuir para uma maior intencionalidade na nossa intervenção nesse campo; definir um
grupo de militantes nacionalmente responsável pela organização e articulação do Coletivo.
4. Dessa forma, definimos alguns eixos como centrais para a nossa discussão: a) sujeito, a trajetória e os
desafios da luta pela diversidade; b) a diversidade sexual na esquerda: socialização das experiências dos
partidos políticos, em que tivemos um debate com nossxs companheirxs da esquerda, nos apresentando como se
construiu a pauta da diversidade sexual em seus partidos; c) Capitalismo, patriarcado e heteronormatividade,
entendendo esses como elementos estruturantes da sociedade; d) A colaboração do debate e da luta pela
diversidade sexual para a construção da Consulta Popular e do Projeto Popular para o Brasil, buscando
relacionar esse debate com nossa tática e estratégia.
5. Tivemos ainda um espaço de socialização das experiências que já construímos, por meio da exposição de
companheirxs que estão inseridxs nos diversos espaços de articulação e luta pela diversidade sexual, trazendo uma
contribuição importante para debater politicamente nossa construção para fora da organização. Já o espaço que
chamamos de opressões e preconceitos na construção do sujeito político: uma troca de ideias, fundamentou-se
na busca por tratar de elementos que permeiam a construção social da subjetividade dxs sujeitxs, e foi considerado
um dos processos mais ricos do encontro.
Preliminares: fundamentos do debate
6. A sociabilidade capitalista como modo hegemônico de organização social é o sustentáculo concreto para iniciar
nosso debate. Neste sistema, as relações humanas estão submetidas à lógica do mercado e, portanto, à produção de
mercadorias e geração de lucro.
7. O debate sobre a subjetividade humana precisa ser visto como um elemento fundamental na construção de uma
nova forma de sociabilidade. Para tanto, não podemos descolá-lo das condições materiais em que a subjetividade
é construída, de modo a naturalizá-la ou tratá-la como se fosse uma questão puramente individual. Por ser parte de
uma construção sócio-histórica, a subjetividade e a individualidade precisam ser consideradas quando pensamos
na transformação social. Neste sentido, a sexualidade humana não pode ser vista como uma questão menor, ao
contrário, esta é parte constitutiva do ser social e uma dimensão fundamental da vida de todxs nós. Sendo assim, é
indispensável a incorporação desta discussão e da luta pela diversidade na construção da sociedade que queremos.
8. A esquerda tradicional tem tratado dessas questões sem se preocupar com esse tipo de demanda. Contudo, ao
entendermos a relevância da experiência concreta dxs sujeitxs que se colocam em luta pela transformação social,
esses elementos devem ser articulados no processo de construção de outra sociabilidade. Se nosso objetivo
estratégico é emancipatório, precisamos ter clareza de que a liberdade real está articulada com a possibilidade de
cada ser humano desenvolver potencialidades em igualdade de condições.
O movimento histórico
9. Para que nossa compreensão não seja superficial, compreender o movimento histórico que conforma o sistema
de opressão de gênero e sexualidade, ganha relevância. A construção da opressão não é resultado de um simples
movimento ideológico, tem base concreta: o patriarcado como sistema.
10. A necessidade de acúmulo de riquezas gera um processo de complexificação da divisão social e sexual do
trabalho, que demarca o espaço da produção e, portanto, da geração de valor, como sendo masculino e o
doméstico como sendo feminino. Ao fazer isso, destaca na mulher a função biológico-reprodutiva, como sendo
“natural”, submetendo-a à dominação masculina. O patriarcado – sistema de dominação e exploração sobre as
mulheres, no qual a autoridade é masculina e o feminino é inferiorizado – se assenta na divisão binária de gênero,
na heterossexualidade compulsória e é solidificado na família, tendo sido absorvido no processo de construção e
consolidação do sistema capitalista. Ainda que o patriarcado estabeleça relações de dominação masculina, não
podemos deixar de ressaltar que os homens que não correspondem ao modelo patriarcal masculino também
sofrem opressão de gênero. Por exemplo, os homens não-heterossexuais ou que simplesmente ousem ser
humanamente sensíveis.
11. Nesse processo, a família patriarcal e o trabalho doméstico (não percebido como trabalho e naturalizado como
uma atribuição feminina) contribuem na construção da desigualdade de gênero e do heterossexismo. Este contexto
facilita a internalização de uma lógica binária que só reconhece duas possibilidades do gênero: o homem, aquele
que possui características masculinas, e a mulher, que tem caracterísiticas femininas, negando a possibilidade de
quem não se encaixa em um destes extremos. Seguindo esta lógica, o desejo sexual é orientado para o gênero
oposto. Romper com isso é cair na “anormalidade” e estar sujeitx à opressões, preconceitos e violências, uma vez
que confrontar essa normatização binária é confrontar as fortes instituições que produzem e reproduzem,
fundamentalmente, os papeis de gênero e a heteronormatividade: a família, a igreja, a escola, o Estado. O
binarismo de gênero e o imperativo da heterossexualidade são pilares do patriarcado. Isso revela como
historicamente a opressão sexual, e mais especificamente das Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e
Intersex (LGBTI) está ligada a opressão das mulheres.
12. O conceito de gênero ajuda a pensar o caráter relacional dessa construção, considerando a assimetria de poder
e a consubstancialidade de questões de “raça”, classe e gênero, as quais se articulam de forma dinâmica. A
construção social do gênero e do sexo, formulação que defendemos, parte da sexualidade como algo construído
pela mediação cultural, ainda que os elementos biológicos não sejam totalmente superados.
13. Com o trabalho assalariado e a urbanização, e principalmente por meio da criação de espaços de sociabilidade
direcionados para públicos específicos, o capitalismo cria as condições para que as pessoas possam exercer suas
sexualidades desviantes da norma. Surge a possibilidade de se constituir uma identidade homossexual. Já existia
esse comportamento, “o amor que não ousa dizer o nome” nas palavras de Oscar Wilde, mas não uma identidade.
14. No final do século XIX e início do século XX iniciam-se as primeiras lutas por reformas sexuais na Europa,
cuja pauta principal era a descriminalização da homossexualidade. Esse “movimento” tem seu auge nas décadas
de 1910 e 1920, em parte devido à Revolução Russa e as consequentes reformas na legislação sexual realizadas
pelo governo bolchevique. O declínio desse processo se dá com a chegada de Stálin ao poder na URSS e Hitler na
Alemanha. Inicia-se uma perseguição às/aos homossexuais e demais transgressorxs.
15. A partir dos anos 1920 e 1930 surge uma subcultura gay nos principais centros urbanos. Os homens gays
tiveram maior visibilidade do que as lésbicas, pois tinham maiores salários e maior independência. Nos anos 1950
e 1960, a comunidade gay cresce e se estabiliza, o que cria condições para a organização do movimento de
liberação gay, que se consolida após o episódio da Revolta de Stonewall, em junho de 1969.
16. Nas últimas décadas, o sistema capitalista vem assimilando as questões LGBT, sobretudo por meio do Estado
e do mercado. Em relação ao mercado, durante a década de 1990, a identidade dos homossexuais serviu para
elaboração do marketing segmentado, num momento em que o mercado passa a dar visibilidade para a questão
LGBT e se torna parceiro do movimento. Isso tem gerado um movimento pouco crítico ao movimento sistêmico
do capital, que conjuga as formas de opressão e as formas de exploração de classe. E também o Estado, a partir do
processo de “democratização”, vai aos poucos incluindo as questões e reivindicações LGBTs, passando a
incorporar na agenda do governo políticas públicas direcionadas para este segmento.
17. Sabemos que o capitalismo se fortalece com as opressões e temos a clareza da impossibilidade da construção
de relações igualitárias dentro dessa ordem societária. Porém, sabemos que o controle do Estado e dos meios de
produção pela classe trabalhadora, por si, não significam o fim automático de todas as amarras que oprimem a
nossa classe. O desafio está em construir os valores que defendemos nas nossas práticas cotidianas e, assim, ir
pautando o projeto de sociedade que defendemos.
Quem é x sujeitx da luta?
18. Em alguns momentos, parece que a luta social e política só passa pela contradição entre capital e trabalho. A
luta por outra sociedade vai no sentido de fortalecer um processo de humanização. Construir uma sociedade com
base em valores e ideias que pautem a liberdade e o direito à diferença. Essa contradição (de classe) é central, mas
na complexidade da sociedade em que vivemos, o fim da exploração de classe não é suficiente para dar conta da
emancipação. Ela é indispensável, mas não elimina todas as formas de opressão. Precisamos discutir no seio da
classe a construção de outros valores, ainda que saibamos dos limites desta construção nos marcos de uma
sociedade capitalista.
19. A nossa luta envolve, portanto, diversas dimensões que se relacionam com a subjetividade, mas, também, vão
para além dela. Envolve principalmente o elemento da construção de uma sociedade livre. Nossa noção de
liberdade impõe o desafio de fazer desconstruções fundamentais, como a do binarismo de gênero e da
heteronormatividade, elementos basilares do patriarcado, e de enfrentamento às diversas formas de violência,
discriminação, opressão e exploração. Entendemos, portanto, que somente em uma sociedade de igualdade
substantiva a diversidade humana poderá se expressar.
20. Em um primeiro momento, xs sujeitxs centrais são aquelxs que sofrem a opressão, processo criador de
identidade. Contudo, as opressões sexuais não estão presentes somente entre as LGBT, pois as mesmas perpassam
todas as relações humanas, inclusive as relações heterossexuais. Dessa forma, definimos como sujeitxs, todxs que,
de alguma forma, são atingidxs pelas normas sexuais vigentes (heteronormatividade, criminalização do aborto,
casamento monogâmico).
21. Ainda que a opressão e o preconceito una todxs estxs sujeitxs, existem diferenças em virtude da classe social,
raça e gênero. O mercado, se por um lado viabiliza espaços de vivência da sexualidade transgressora para os que
têm como pagar, por outro limita as possibilidades das pessoas que não têm acesso aos recursos necessários para
se inserir nestes espaços. Este fato leva estas pessoas a estarem mais expostas a situações que põem em risco sua
segurança e sua saúde.
22. Assim como a metodologia de auto-organização aplicada pelas mulheres foi central para construir um
entendimento coletivo sobre a necessidade de superar o patriarcado e combater a expressão na forma do
machismo e outras violências, é necessário o fortalecimento dxs trangressorxs sexuais para contribuir na
superação da heteronormatividade e do binarismo de gênero.
23. A sociedade capitalista é, em sua estrutura, racista, patriarcal e heteronormativa e, como as organizações se
constroem nesse espaço, elas vêm carregadas com os valores dessa sociedade, o que nos leva a lidar com práticas
machistas, racistas e homofóbicas também no interior da esquerda. Neste sentido, a luta pelos direitos LGBT
contribui para a luta pelo socialismo. O trabalho deve ser permanente para que não mais se confunda diferença
com desigualdade. A igualdade pressupõe a existência das diferenças e o respeito a estas.
24. Denominamo-nos como um coletivo de diversidade sexual por entendermos que assim abarcamos a todxs.
Entendemos que as políticas voltadas para a afirmação das identidades são necessárias no processo de luta pelo
fim das opressões. No entanto, não podemos cair no erro de essencializar essas identidades e engessá-las, até
porque, em se tratando de sexualidade e diversidade humana, isso seria impossível.
Desafios para Consulta Popular
25. A partir de tais debates, formulações e vivências, apontamos encaminhamentos de construção dessa pauta na
nossa organização política. Tratam-se de encaminhamentos que se relacionam com nosso fortalecimento como
coletivo na organização e que potencializem nossas formulações políticas sobre a luta pela diversidade sexual.
Objetivamos trazer este debate para o cotidiano dos nossos núcleos, formações e lutas.
26. Uma das propostas do Encontro era conseguir mapear as frentes e formas de atuação que xs militantes da
Consulta Popular já integravam. A idéia era conseguir avaliar as maneiras para essa participação ser pensada de
forma orgânica com o partido e avaliar de que modo acumulariam para a construção do Projeto Popular para o
Brasil. Conseguimos perceber que nossa militância já integra frente de massas, movimentos sociais, coletivos e
participa da construção de encontros sobre Diversidade Sexual - ou que trabalham essa pauta -, bem como tem
acompanhado as Conferências Nacionais LGBT. Estamos presentes no Encontro Nacional de Diversidade Sexual
(ENUDS), Coletivo Urucum, Mão Roxa, e Marcha Mundial das Mulheres. A partir disso, nos colocamos, agora,
a tarefa de pautar nossa atuação nesses espaços com as diretrizes da organização.
27. Apontamos a necessidade da realização de Encontros Regionais ou Estaduais de Diversidade Sexual da
Consulta Popular, para que essa temática possa ser melhor trabalhada e compreendida por toda nossa militância, e
principalmente para subsidiar aquelxs que serão responsáveis pelo debate. Para isso, também é necessária a
articulação com todos os setores/coletivos da nossa organização, tendo em vista que este tema perpassa o conjunto
da organização. Indicamos a construção de outro encontro nacional, no qual teremos que nos dedicar ao
aprofundamento de temas mais específicos da diversidade sexual, bem como debates relacionados ao movimento
LGBT contemporâneo.
28. Historicamente, a esquerda colocou esse debate em último plano, não acumulando sobre como tais dimensões
atingem a classe trabalhadora. Nós, hoje, temos o desafio de, por meio da teoria revolucionária, acumular sobre
tais dimensões fundamentais da vida social, formulando politicamente sobre a importância da revolução sexual na
luta pelo socialismo.
29. As lutas em torno da diversidade sexual para nós são direcionadas por um horizonte estratégico, a construção
de uma sociedade livre. O desafio está posto para a classe e, portanto, para o instrumento político. Temos, então, a
necessidade da nossa construção teórica e política em torno dessa luta, entendendo que se a esquerda teve
dificuldades de fazer o debate e enfrentamento dessa manifestação de opressão, temos que nos desafiar a acumular
e intervir sobre este.
30. Dentre as diversas datas elencadas pelo movimento LGBT para impulsionar lutas, apontamos três centrais, nas
quais toda nossa militância deve se envolver: 17 de Maio: Dia Internacional de Combate à Homofobia; 28 de
Junho: Dia Mundial do Orgulho LGBT; 29 de Agosto: Dia Nacional da Visibilidade Lésbica.
31. Os desafios dessa luta estão na ruptura de preconceitos na nossa organização e fora dela. Enfrentamos também
o desafio de politizar o debate em torno da diversidade sexual e especialmente o de debater com a esquerda que
esta luta não é menor, não é pequeno-burguesa, mas perpassa todas as dimensões da vida e tem relação direta com
a luta pela ruptura com os sistemas de dominação e exploração e a conquista emancipação humana.
32. Esse é um desafio que está colocado para nós, militantes da Consulta Popular. Temos que lidar com tais
expressões, vivências e lutas que não eram comuns a nós - pelo menos de forma tão clara. Devemos, portanto,
cotidianamente, como um instrumento revolucionário, buscar construir valores e relações libertárias, colorir o
projeto popular para o Brasil e a nossa revolução socialista. Como integramos uma organização que pretende
construir outra sociabilidade e, sendo esta luta fundamental para a emancipação humana, entendemos que a luta
contra a homofobia é também um compromisso dxs lutadorxs do povo.
33. No final do encontro, definimos um coletivo nacional composto pelxs companheirxs: Andrea (PI), Larisse
(RN), Mateus (MG), Tatiana (RJ), Ana (SP), Rafa (SP), Boing (PR). Este coletivo enfrentará a tarefa de contribuir
para organizar, estimular e articular os debates e as lutas travadas pelxs militantes da organização.
Pátria livre, livre de todos os preconceitos, explorações e opressões!