canto peregrino - Abilio Pacheco
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canto peregrino - Abilio Pacheco
canto peregrino à jerusalém celeste Abilio Pacheco © canto peregrino à jerusalém celeste by Abilio Pacheco - 2013 Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização por escrito do autor. Projeto gráfico, editoração eletrônica: Abilio Pacheco & Deurilene Sousa Capa e contra-capa: Natália Menezes Revisão: Deurilene Sousa Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P116c Pacheco, Abilio. Canto peregrino à jerusalém. Belém: LiteraCidade, 2013. Abilio. p. 44 ISBN 978-85-64488-15-1 1 Literatura Brasileira. 2. Poemas. I Pacheco, CDD: 869.80981 LITERACIDADE CNPJ: 12.757.748/0001-12 Ins. Est. 15.317.340-8 Caixa Postal 5098 - CEP 66645-972 - Belém-PA Telefones: (91) 8263-8344 [email protected] // www.literacidade.com.br canto peregrino à jerusalém celeste “Na terra longínqua, não vos esqueçais do Senhor, E seja Jerusalém o sonho de vossos corações”. Jeremias 51:50 Abilio Pacheco E se eu cantar quiser [...] Hierusalém, sem te ver, a voz, quando a mover, se me congele no peito. A minha língua se apegue às fauces, pois te perdi, se [...] houver tempo em que te negue ou que me esqueça de ti. Camões, Babel e Sião vv 191 a 200. Se eu me esquecer de ti, Jerusalém que a minha direita fique seca! Que a minha língua se agarre ao meu palato, se eu perder as saudades, que tenho, se eu não puser Jerusalém no topo das minhas alegrias”. Salmo 137:5-6” licença eu que fui posto a escrita dos versos [que seguem mero fâmulo dos amplos campos do Senhor, lacaio laico e simples servo da vasta messe como me apresento peço aos senhores que mais sabença tenham escusas se afoiteza vos parecer meu ato e condescendência por alguma leiguice que eu — de inepto, descurado — incida a fim de que eu possa ter, sem entraves, por nosso pai etéreo a augusta outorga e o futuro indulto infindo à urbe celestial 7 1ª parte sub lege alef a caminho da jerusalém celeste parto meu fardo — antes sem mensura — agora eis abrandado: de bens apenas o básico e roupa somente a do corpo tivesse algum palafrém — sem volver mente ou corpo, pescoço ou pensamento — aqui estaria, como estou, deixando mais que os excessos — os vícios, as falsas virtudes e os vãos, tiranos acidentes — para trás 11 bet à lembrança ou reminiscência como em “sonho imaginado” sentimos mais branda a saudade e estes instantes felizes são como estar em sião mas, se despertos e atentos nos vemos, então, cercados de tantos novos edomitas, cuidai, Senhor, que eles um dia se reconheçam também em estranha terra 12 guimel a caminho da jerusalém celeste sigo, quisera firme como suas muradas que meus olhos fiúzos contemplam, enquanto palmilho por vias de aridez e de pedras quisera firme como suas muradas, mas eu — ser humano, pela carne mortiça e sobre penedos calco trêmulo, [em vacilos e titúbios, propenso a estremes deslizes — [litigo e pleiteio força para não desistir e [ímpeto para perseverar 13 dalet não guardo nem levo comigo à cintura um saco de areia de ruas ou jardins para que em último arcar eu rasgue e possa morrer em terras de jerusalém meu imo, mal sofrente de banzo, em todo e qualquer terreno ou solo de calçadas, canteiros e praças, de passarelas, mercados e avenidas, está — remoto, presente e vindouro — em firme alicerce, assentado 14 hê a caminho da jerusalém celeste aprendo, enquanto lento trilho em rastros aos pés a via abraâmica de tão remotos irmãos, narrativas elevadas de ancestres patriarcas, moldes de vivência de nossas tribos primevas 15 waw meu travesseiro não guarda ou esconde flâmula, bandeira ou lábaro de país, estado ou cidade à minha cabeça só tem dentro ou fora, no crânio ou no cérebro, no pensamento ou no sentimento a sempre mesma eterna morada 16 záin a caminho da jerusalém celeste ouço, além de meus próprios passos, dos seus passos próximos e dos passos de outras tantas pessoas próximas, de nossas vozes todas unas, emanar um cântico novo 17 hét todos em terra têm suas santas, sacras cidades onde de fato ou de cordes estão com umbigos plantados e para onde — de desejo — permanecem em vivência ou em regresso eu, entretanto, não fixo — caso tenha, no peito — urbe alguma terrenal dilatam-me as pupilas, [aceleram-me as pulsações, encho-me de alegria a quase transbordar se de ti apenas escuto alguma breve menção 18 tet a caminho da jerusalém celeste canso a via longa, os pés doridos, as pernas tensas, as mãos pesadas, os ombros rijos, o peito arfante, as costas sólidas, os olhos úmidos, mas a alma precisa, rejubilada, certa de consolo a todo choroso: a todo esforço do corpo, eis este conforto. 19 iod a cidade devastada, o templo saqueado, os muros tombados, as casas mal caiadas, as praças encharcadas, o mercado seco, as ruas sujas, as vidas rotas, exangues... jaz! tudo jaz! passado! à frente em regalos de festa toda restaurada madre nubente mana prima uxor espera-nos engrinaldada a urbe etérea 20 caf a caminho da jerusalém celeste sei o quanto de exílio há fora dos muros, longe das ruas delgadas, dos limites e marcos não há paragem que nos sirva de morada, nem plaga que reconforte a fadiga do ser ou mesmo habitação de proveito ou abrigo sem dubta — coisa de humana condição — sei yeroushalaim: lar donde provim e para onde jubilante retorno, a vida toda não é mais que um regresso 21 intermezzo a vida em que vou é esta: o sol se põe sem fazer paisagem como a de detrás da muralhas a sombra de arbustos à beira das estradas in alia tella1 tem sempre outro, [ínfero frescor a vida em que vou é esta: pássaro algum saúda as manhãs com os gorjeios nas gelosias nem salmos e canções são pulcros como os mesmos ressoando nas pedras assentadas nos limites das cercanias 1 In alia tella, do latim: em terra alheia, estranha. 23 a vida em que vou é esta: flor alguma recende os bálsamos dos canteiros dos arredores do templo nem mesmo o cabelo da amada tem o mesmo grado fragror perpassado por brisas e ventos e perfumes de incensos trescalados das aras 24 2ª parte sub gratia lamed a caminho da jerusalém celeste relembro, quão vago de ser era minha andação, ovelha soçobrada e extraviada, que em terreno lábil e tijuco errava mas quando me dei por enganos e me reconheci exilado nesta outra e nova, filha sempre de babel, a cuidado pus meus passos, firmei vista, foquei meta em destino e em retorno à terra de bem-ventura 27 mem o canto que aqui se faz nem de longe emparelha ao que se faz em sião mesmo os que ressoamos em gueto, encontros, retiros, hosanas e acampamentos (quando ledos conseguimos alhearmo-nos do desterro) só nos apenas sugerem os cantares de em sião. 28 nun a caminho da jerusalém celeste sonho por extensão arenosa: pegadas de passos — o Senhor e eu, ladeados — ao depois, em minhas turbulências, [tempos de eu pesado, um só par ao que eu triste, questionante! meu ser remorsoso, penoso, contrito, as pegadas fundas, fundas, firmes, em tempos de provas assim, eu sequer — bondoso Senhor, sei — ponho pés ao chão 29 samec pelas ruas sujas, por vias mal piquetadas com meus pés em lamas ou excedida poeira sob chuvas desesperadas ou [sob um sol de deserto em meu imo permaneço em passos sob singelas, peneiradas garoas, sob sombras de muros ou arbustos em tuas ladrilhadas avenidas 30 ain a caminho da jerusalém celeste vivo a vislumbrar no horizonte tenro (ledo, menino revendo a madre, gaudo, esposo reencontrando a amada) a estrela de graças que me guia a cristo estrela dos mares, lírio de mimos, senhora rainha em majestade plena às portas à espera, aos umbrais parada de mãos estendidas, acolhedoras, na direção de mim que tão choroso chego de vista baça 31 pê meu corpo não tem tatuada face de mulher, mapa de cité, flâmula de time, rosto de menino ou coisa outra alguma mas, se olho minhas mãos — matéria para longo versar e com as quais serei em seu solo quando estiver em post-muros — sei que em mim tracejados estão, como os riscos em minhas palmas, caminhos seus, mistérios infindos, cartografia revelada, desvelada ao se transpor seus umbrais. 32 sade a caminho da jerusalém celeste rezo bendita eleita entre as mulheres, madre de arcanos, de graça e de luz, madre mia, de cristo e de todos, abençoada filha da casa de david, guia de meus sempre vossos passos, que meu ânimo de seguir não esmoreça, antes, nas alvoradas, flame em primo amor. 33 qof o dia vem, se aproxima, erguemo-nos aos salgueiros e retiremos as flautas depostas, pois logo teremos os pés em nossa terra natural e lá hemos “de entoar novamente o canto que só se deve a sião” 34 resh a caminho da jerusalém celeste sou eu, o pródigo faminto, desperdiçada a fazenda; sou eu, mulher hemorrágica, sana e de culpas remida; sou eu, o servo de última hora, recompensado em mesma medida quisera ser também a mulher na fonte de Jacó, o homem samaritano, ______________________ o servo que não enterrou os talentos 35 shin já vejo ao longe os muros altivos acalento para meu desespero agreste e ouço Vossa voz dos vales e montes vindo em mesma hora quisera estar contigo jerusalém — melissa e láctea — de ruas com olores de oliveiras de aromas de pães e vinhos 36 taw a caminho da jerusalém celeste aprumo o corpo mal equilibrado sobre as pernas já bambas de a fio seguir e esta minha vista de labor exausta mas de fidas pupilas firmes sinto e vejo já estar tão perto ah! minha mor alegria calemos os cantos e os versos que tais melhores ressoam em sião... 37 ad fines1 em nossas sempre errâncias fiamos que nos anunciem o rosh chôdesh2 mas à vista da morada eterna — rentes “ao grão dia singular” — estamos ah! jerusalém celeste... caminhemos! 1 Ad fines: do latim tanto significa próximo ao(s) fim(ns), quanto próximo ao território, próximo à terra. 2 Rosh chôdesh: o primeiro dia do mês. Os judeus exilados, fora de Jerusalém, precisavam que alguém saísse da cidade e fosse até eles para avisar há quantos dias o mês havia começado. 39 entrega quão grato e ditoso hei de ser por não me esquecer de ti, por não dar à cerviz a vãs danosas atitudes e por sempre te manter no primor de meus afetos quão grato e ditoso hei de ser tendo — dos grãos senhores sabentes — as devidas escusas por algum verso mal tecido, por alguma palavra mal posta neste meu tão leigo intento. 41 Jerusalém celeste, para mim, cidade renovada – sinal permanente de Deus para nós – que em meio a brutalizada humana condição, em meio aos “mores faustos do mundo” como meta, como alvo, como destino e retorno é lócus de catarse e de afeto (riso soluçado em pranto) lócus de eterno entendimento e vasta compreensão. O autor. Abilio Pacheco nasceu em Juazeiro (BA), viveu a primeira infância em Coroatá (MA), dos 07 aos 27 morou em Marabá, e hoje reside em Belém (PA). Em Marabá, fez a maioria parte dos estudos: na Escola Estadual Dr. Gaspar Vianna estudou da 5ª série ao 3º ano de Magistério; cursou Eletricidade no SENAI e Letras na UFPa. Durante a graduação teve Bolsa de Monitoria e depois de Iniciação Científica, ambas em Teoria Literária. Trabalhou como eletricista. Foi auxiliar de biblioteca ligado a Casa da Cultura por 5 anos. Escreveu para os Jornais O Correio do Tocantins e Opinião. Em Belém, fez Mestrado em Letras - Estudos Literários (UFPa). Integrou o GP Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (CEFETPA). Atualmente é professor de Literatura na UFPA, Campus de Bragança, e cursa o doutorado em Teoria e História Literária na UNICAMP. Juntamente com a Profª Drª. Tânia Sarmento-Pantoja coordena o grupo de pesquisa Estudos sobre Narrativa de Resistência (NARRARES), é membro dos GPs Estéticas, Performances e Hibridismo (ESPERHI) e Laboratório de Estudos e Pesquisas da Contemporaneidade (LEPCON) da UFABC. Publicou Poemia (poesia) em formato semiartesanal em 1998; Mosaico Primevo (poesia) em 2008; Riscos no Barro (ensaios literários) em 2009; Em Despropósito (mixórdia) (romance) sai em 2013 pela Editora LiteraCidade. É membro correspondente da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense com sede em Marabá, Cônsul dos Poetas Del Mundo para o Estado do Pará, Embaixador da Paz pelo Cercle Universal des Ambassadeurs de la Pax (GenebraSuiça) e faz parte da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores (AVSPE). Também escreve contos e publica crônicas regularmente em seu site: www.abiliopacheco.com.br. Livro impresso em Trebuchet MS, em papel ap 75gr/m², em março de 2013 para a Editora LiteraCidade.