o menino que plantava pássaros
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o menino que plantava pássaros
Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta LIVRO 46 - O MENINO QUE PLANTAVA PÁSSAROS 1 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Conto infanto-juvenil que se integra à fantasia natural e criatividade das crianças e dos jovens, divertindo, educando e somando para o desenvolvimento do caráter, valores morais, cidadania, consciência ecológica, valores de família, cultura, conhecimento, espiritualidade, respeito aos educadores, incentivo ao estudo, ordem e disciplina. Livro destinado a crianças e jovens que apreciam leituras inteligentes, sensíveis, culturais, educativas e temas da realidade social brasileira. CONTO COM MAIOR CONTEÚDO LITERÁRIO, UM MELHOR EXERCÍCIO DE LEITURA. Sinopse: O livro conta a história de Tonho, um menino que vivia com seus pais no sertão nordestino, afastado do vilarejo. Em sua lida diária, cuidava das galinhas, dava comida para os porcos, levava as cabras para pastar nos campos próximos, brincava com seu cão malhado e fazia do jegue um de seus amigos mais próximo. Apesar de privados do conforto da cidade, a família de Tonho vivia feliz em sua casa de pau-a-pique. Tonho vendia o excesso de produção da roça no vilarejo. Lá viu crianças felizes e alegres irem para a escola. Ele, também, queria estudar. Finalmente, seu pai conseguiu uma vaga no vilarejo próximo e Tonho encontrou o caminho da escola, percorrendo uma estradinha de terra a pé todos os dias. Notava que o vale era seco com poucos arbustos e animais. Um grupo de casas abandonadas no meio da estradinha indicava para Tonho que ali um dia viveram pessoas que foram embora. Um dia soube das razões para o vale estar tão seco e privado das benções da natureza. No caminho, olhava para a montanha e via que um verde exuberante ainda insistia em se manter vivo. Visitando a montanha um dia, ele pode perceber o paraíso que representa a mata, com seu frescor, fontes de água pura e cristalina, suas árvores com flores e frutos e, principalmente, a interação dos pássaros e animais para ajudar a semear as sementes. Assim, se inspirou para plantar pássaros e conseguiu ao longo de sua infância, criar uma mata ao longo da estradinha de terra e mudar o meio ambiente onde morava. Prosseguiu em seus estudos e se lembrava com saudades dos tempos de infância. Uma comovente, educativa e inspiradora história para as crianças, repletas de cenas de elevado valor moral, consciência ecológica, respeito aos pais e triunfo pessoal através do trabalho e dedicação aos estudos. J. J. Dacosta Direitos autorais reservados. FBN-MEC Registro 578.359 – Livro 1104 – Folha 433 2 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Dedicatória Dedico este trabalho a todos que dedicam parte de suas vidas para educar, de alguma forma, as crianças, com a missão e a crença de que nelas está a esperança de um mundo melhor. Em especial, aos pais, professores e avós, triângulo básico da educação infantil. Agradeço a Deus pela criança que Ele, ainda, permite existir em mim. J. J. Dacosta 3 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta O canto do galo às 5 horas da manhã anunciava para Raimundo que era hora de levantar para mais um dia de trabalho. Sua esposa Benedita nem esperou pelo cantar do galo e já preparava um bule de café, fervia o leite de cabra e aquecia um pedaço de broa de milho no pequeno fogão a lenha. Um trabalho duro e cansativo aguardava por Raimundo na roça e ele precisava ir bem alimentado. O único filho do casal, Tonho, ainda se embrulhava no pequeno cobertor e continuava seu sonho de criança. Mas, com o cheiro de café e da broa de milho, Tonho também se levantava e começava a sua rotina de trabalho. Apesar de seus sete anos de idade, Tonho ajudava muito seus pais. - Kiiii... Ki... Ki... Ki... Ki! - Kiiii... Ki... Ki... Ki... Ki! Com este chamado, as galinhas e o galo corriam para comer o milho que Tonho espalhava pelo terreiro. Tonho picava cana e mandioca para o casal de porcos e saia batendo no fundo da bacia. - Tum... Tum, tum, tum! - Tum... Tum, tum, tum! Cotinho e Banha logo sabiam que a sua comida estava chegando. Malhado, seu fiel cão amigo, tinha que esperar um pouco mais. Ele somente comeria na hora do almoço, ficando com as sobras dos pratos. Mas, às vezes, Malhado pegava um ovo do ninho da galinha e comia. Isto, quando não corria apavorado para não levar bicadas do galo! E Tonho fazia muitas outras coisas, como varrer o terreiro, pegar lenha seca no mato e água no poço. 4 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Tonho e seus pais moravam em uma casa simples. Ela foi construída pelo próprio Raimundo com troncos finos e bambus entrelaçados e amarrados com cipó. Os pequenos espaços formados foram preenchidos com barro amassado. Ficou uma bonita casa de pau a pique. A casa tinha dois quartos pequenos e uma cozinha. Na cozinha, havia uma pequena mesa e três caixotes que serviam de cadeiras. A comida era preparada no fogão a lenha. Do lado de fora, o senhor Raimundo construiu um pequeno banheiro cercado por tábuas e dentro tinha um buraco no chão, que servia de vaso sanitário. Não havia água encanada, esgoto e nem luz na casa de Tonho. Dona Benedita lavava suas panelas, pratos e roupas em uma tábua instalada do lado de fora. Ela pegava água em uma cacimba próxima de sua casa. A cacimba era um poço onde o senhor Raimundo guardava a água das poucas chuvas que caiam no sertão ou que recebia de um caminhão pipa nos períodos de seca. Na roça, o senhor Raimundo e dona Benedita plantavam milho, feijão, mandioca , batata e algumas verduras e legumes. Eles tinham, também, cinco cabras e um cabrito. E tinha o jegue Jabá. O jeque era usado para levar uma parte da produção para vender no vilarejo. Outra parte da produção era para a alimentação da família. O jegue Jabá ajudava carregar lenha para o fogão de dona Benedita e trazer água da cacimba. O jegue ganhou este nome porque, quando era filhote, ele comeu um pedaço da carne seca que estava na janela. A carne seca é chamada, também de jabá. O jegue Jabá transportava, também, dona Benedita em seu lombo aos domingos, quando toda a família ia à missa. O senhor Raimundo e Tonho iam andando ao lado do Jabá. Tonho levava o jegue Jabá e as cabras para pastarem nos campos próximos da casa e os deixava lá. Quando estavam com a barriga cheia, Jabá e as cabras voltavam sozinhas para casa. Com a venda dos produtos da roça, o senhor Raimundo comprava algumas roupas, sandálias, café, carne seca, açúcar e outros produtos que não produzia em sua roça. Raimundo comprou até um pequeno rádio de pilha, que era a alegria todas as noites. Todos adoravam ouvir as músicas sertanejas antes de dormir. 5 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Uma coisa que dona Benedita fazia bem era cozinhar e sempre tinha um prato de arroz, feijão, farinha e ovo frito esperando por Tonho e senhor Raimundo. Às vezes, tinha até um pedaço de frango ou carne seca. Quando isto acontecia, era a maior felicidade de Tonho que arregalava os olhos e comia até ficar barrigudo. Tonho adorava sua casa. À noite, podia ver as estrelas e a lua através dos buracos no telhado. Seu pai falava que tinha que consertar o telhado. Isto seria feito quando encontrasse telhas mais novas entre os materiais abandonados das construções. Mas, Tonho torcia para que ele não encontrasse as telhas novas. Ele preferia dormir contando as estrelas e admirando o brilho da lua. O único problema era quando chovia. A chuva molhava por dentro da casa, fazia lama no chão do quarto e molhava o colchão onde Tonho dormia. Quando isto acontecia, ele procurava o canto mais seco do colchão e adormecia. No dia seguinte, o sol secava a palha de milho do colchão de Tonho e tudo voltava ao normal. Afinal de contas, isto não acontecia todos os dias. Tonho achava engraçado o barro seco que ficava preso entre os dedos dos seus pés descalço. Tonho era um menino feliz e alegre. Adorava seus pais e um era companheiro do outro. Tonho gostava de sentar em um banquinho feito com tijolos soltos perto do fogão a lenha, enquanto sua mãe preparava o jantar e seu pai ouvia o rádio de pilha. Lá, ele ouvia histórias da dona Benedita e do senhor Raimundo, fazia muitas perguntas e se mostrava curioso em aprender. - Pai, por que chove pouco no sertão? - Mãe, por que moramos isolados e longe do vilarejo? - Pai, quando eu vou começar ir para a escola? - Mãe, por que não tive outros irmãos? E seus pais tentavam dar uma resposta a todas às perguntas do Tonho. Realmente, o sertão é uma região semiárida do Brasil, com baixos índices de chuva por ano. Eles viviam isolados do vilarejo em razão de não terem dinheiro para comprar uma casa e um terreno por lá. 6 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta No sertão, o senhor Raimundo nem precisou comprar o terreno. Ele começou a plantar, fez sua casa de pau a pique, se casou com dona Benedita e seguiu sua vida. Dona Benedita não conseguiu ter mais filhos. Ela se alimentava mal, não havia médicos nem hospitais nas proximidades e ela engravidou somente do Tonho. Mas, com relação à escola, o senhor Raimundo tinha uma boa novidade para o Tonho: No próximo ano, você começará a ir para a escola do vilarejo. Eu consegui uma vaga para você! Tonho ficou muito contente com esta notícia. Tonho ficava contente quando viajava com Jabá para a cidade para vender parte da produção da roça. Lá ele podia ver as crianças felizes indo para a escola. Deve ser muito bom ir para a escola. As crianças que vão para a escola estão sempre contentes e alegres. Pensava Tonho, enquanto via as crianças carregando mochilas nas costas. E Tonho sonhava, um dia, poder ir para a escola também. Dona Benedita trocou três galinhas com um comerciante do vilarejo por uma mochila, alguns cadernos, lápis e caneta. Era tudo o que Tonho precisava para começar seus estudos. Mas, a ida e a volta da escola não seria uma tarefa muito fácil para o Tonho. Ele terá que andar cinco quilômetros para ir e mais cinco quilômetros para voltar. Entretanto, isto não desanimava o Tonho, não. Ele andava muito bem e, muitas vezes, corria para chegar mais rápido onde queria. Seu entusiasmo em estudar o encorajava a qualquer sacrifício! Tonho passou a contar os meses, as semanas e os dias para começar seus estudos. Todos os dias ele abria seus cadernos em branco, rabiscava algumas linhas e figuras em papel de embrulho ou jornais para não estragar seus cadernos e ficava imaginando como seria bom saber ler e escrever. Pensava: - Quem sabe, um dia, eu posso ser um médico de animais! 7 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta E sentado no banquinho de tijolos, aproveitando o calor do fogão a lenha, Tonho questionava seus pais com relação à sua lida na casa quando for à escola: Mas, mãe! Quem vai cuidar da casa quando a senhora se juntar ao pai no trabalho da roça? Mas, pai! Quem vai alimentar as galinhas no terreiro, picar cana e mandioca para dar ao Cotinho e para a Banha no chiqueiro? - Mãe, o Malhado pode ir comigo para a escola? - Pai, quem vai levar o Jabá e as cabritas para pastar no campo? O senhor Raimundo e dona Benedita riam das perguntas de Tonho, mas, ao mesmo tempo, ficavam orgulhosos por ter um filho tão dedicado e responsável. E seus pais procuravam tranquilizar o Tonho que todos os serviços que são feitos por ele serão feitos por dona Benedita ou pelo senhor Raimundo, quando ele for para a escola. Além do mais, Tonho poderia, ainda, ajudar um pouco quando do seu retorno da escola à tarde. Os dias, semanas, meses se passaram. Tonho cumpriu à risca toda sua rotina de trabalho, enquanto aguardava o grande dia de começar suas aulas na escola. E, finalmente, este dia chegou! Tonho não dormiu direito nas vésperas. Contou e recontou estrelas. Ouviu por várias vezes o cantar do galo durante a madrugada. Apesar de não ter dormido bem, Tonho estava muito entusiasmado e motivado para o seu primeiro dia de aula. Ele acordou cedo, arrumou sua pequena mochila com os cadernos, lápis e a caneta que ganhara de seu pai. Apesar de ter poucas roupas, dona Benedita vestiu o Tonho com a melhor roupa que ele tinha. Ela já tinha preparado o café com leite de cabra e uma broa de milho quentinha. Tonho tomou o café da manhã às pressas, deu algumas mordidas na broa de milho, colocando o resto na mochila. E Tonho colocou os pés na estrada rumo à escola do vilarejo, quando o Sol ainda começava a nascer. E Tonho colocou mesmo os pés na estrada. 8 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Ele não tinha calçados e andava descalço. Malhado nem pediu autorização para ninguém e se pôs na estrada também, acompanhando o Tonho. Os dois tinham um longo percurso de cinco quilômetros pela frente. Finalmente, chegaram à escola. Malhado quis entrar na sala de aula e foi impedido pela professora. Assim, ele teve que ficar aguardando o Tonho do lado de fora, enquanto se distraia andando pelas ruas do vilarejo, ora correndo atrás de gatos, ora fugindo de outros cachorros. A escola de Tonho era pequena e simples. Tinha apenas duas salas de aula, onde duas professoras se revezavam ensinando os alunos da comunidade. A professora de Tonho se chamava Edite e ela era muito boa e atenciosa com os alunos. Mas, exigia disciplina e cumprimento de horário. E, assim, Tonho entrou no mundo das letras. Ele se sentia orgulhoso e seria o primeiro da família saber ler e escrever. Quando eu aprender a ler e escrever, eu vou ensinar minha mãe e meu pai! Prometia ele. Tonho ganhou alguns livros didáticos usados da professora Edite, guardando-os com cuidado e carinho em sua mochila. E Tonho se maravilhava com tudo o que via na escola - seus novos amigos, os conhecimentos de sua professora, a forma de escrever os números e as letras, a formação das palavras, as contas de somar, subtrair, dividir e multiplicar, o mapa do Brasil com seus estados, rios, oceanos, a história do Brasil desde a sua descoberta por Pedro Álvares Cabral. Tonho, definitivamente, se encantou com o mundo da escola e com as portas que os novos conhecimentos abriam para ele. Até hoje, dona Benedita e o senhor Raimundo se lembram do primeiro dia de aula do Tonho, quando ele voltou: - Mãe, a minha professora se chama Edite! - Pai, ela sabe tudo! Ela é atenciosa e paciente com os alunos! Mas, ela não gosta que os alunos cheguem atrasados ou que sejam indisciplinados na aula! - Eu aprendi a escrever meu nome já no primeiro dia de aula! 9 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Pai, mãe! Quando eu aprender a ler e escrever direitinho eu vou ensinar vocês também! Tonho parecia um tagarela! Neste primeiro dia de aula, Tonho voltou para casa rindo sozinho, dando pulos de alegria, ora andando devagar, ora correndo, brincando com Malhado, chutando pedrinhas do chão. Pena que esta cena foi testemunhada somente por um tatu-peba que escavava um formigueiro, pelo casal de pomba asa branca e alguns lagartos. Mas, Tonho estava predestinado a uma obra maior... Com o passar dos dias, as idas e vindas da escola se transformaram em mais uma rotina para Tonho. Quando chegava em casa, Tonho fazia a lição dada pela professora Edite e ajudava seus pais no trabalho da casa. Malhado, por um tempo acompanhou Tonho até a escola. Era uma novidade para ele. Mas, depois, ele preferiu ficar na casa, curtindo o que mais gostava de fazer – ficar deitado e dormir à sombra de uma árvore próxima do chiqueiro. Mas, as grandes descobertas de Tonho, que se transformariam na grande missão de sua vida, ele aprendeu na própria estradinha de terra a caminho da escola. Ao lado da estradinha, Tonho começou a prestar atenção e descobrir uma variedade de plantas, a maioria arbustos, e alguns poucos animais silvestres. E Tonho formava as imagens em seu pensamento, enquanto caminhava: - Por que será que estas terras são tão secas? - Olha! As borboletas e besouros se alimentam das flores dos arbustos! Nossa! Eu não sabia que estes pássaros comiam flores e estas pequenas frutas e sementes dos arbustos! Como estes arbustos são importantes para eles! E Tonho via muitos formigueiros, com milhões de formigas. Os lagartos comiam as formigas e as cobras comiam os lagartos. 10 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Mas, ao longe, Tonho avistava algumas montanhas ele notava que lá em cima existiam muitas árvores. E ele ficava intrigado: Por que será que no alto da montanha tem árvores frondosas e aqui em baixo tudo é seco e só tem plantas rasteiras? Ele notava que lá no alto viviam muito mais pássaros. Ele podia ouvir da estradinha o som de vários cantos de pássaros que ecoava no vale. Um dia vou lá em cima para ver com os meus próprios olhos! Pensou. Com o passar dos dias, as descobertas de Tonho não paravam. Ele notou pequenas construções abandonadas e em ruína, em forma de ovo. No meio do caminho, ele descobriu que algumas casas estavam abandonadas. Algumas vezes, Tonho parava para conhecer de perto estas casas abandonadas. - Quem sabe encontro um poço com água! Sonhava Tonho. Tonho entrava com cuidado, andando devagar na rua de acesso e nas calçadas. O local oferecia perigo de aranhas, escorpiões e até cobras. Mas, as casas estavam com parte das paredes caídas, os telhados desmoronando, as ruas com folhas secas e alguns arbustos. Apesar de assustado, Tonho entrava em algumas casas, abrindo a porta com os olhos arregalados. - Meu Deus! Está tudo abandonado! - Olha isto! Móveis empoeirados e quebrados! Esta família nem levou o quadro com a foto do casal! Quem será ela? Para onde foi? E esta boneca quebrada jogada no chão? De quem era? Onde está a menina que brincava com ela? 11 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Mas, a visita de Tonho logo era interrompida por dezenas de baratas e ratos que fugiam assustados com sua presença. Em uma destas visitas, ele avistou um poço: - Um poço com água! Viva! Exclamou Tonho. No poço ainda estava uma manivela que prendia uma corda corroída pelo tempo. Na ponta da corda, permanecia amarrado um balde parado no fundo do poço. Tonho não perdeu tempo. Virou a manivela, puxando o balde para cima, na esperança de poder beber um pouco de água fresca. Mas, nem uma única gota de água ele encontrou no balde. O poço estava completamente seco. No fundo do balde Tonho encontrou apenas um pequeno lagarto aprisionado que tinha caído no poço e o soltou. O lagarto, feliz, correu em direção às casas abandonadas. Lá, ele sabia que poderia saborear novamente suas deliciosas baratas! E Tonho ficava intrigado, se questionando: O que teria acontecido com os moradores que abandonaram suas casas, deixando tudo para trás? - Se tinha um poço tinha água, por que a água acabou? Na escola, Tonho se destacava dos demais alunos. Ele aprendia fácil e rápido os ensinamentos da professora Edite. E, tão logo aprendeu a ler e escrever, Tonho começou a pegar livros para ler em casa da pequena biblioteca da escola. Ele tinha sede por novos conhecimentos. Tonho fez muitos amigos na escola. Mas, nenhum deles o visitava em sua casa. Eles não queriam enfrentar a longa caminhada pela estradinha, apesar do incentivo de Tonho: Vocês vão gostar muito de conhecer minha casa. Lá tem porquinhos, cabras, galinhas, o malhado que adora brincar com crianças. E vocês podem até andar no lombo do Jabá! Mas, nada feito. Os amigos de Tonho preferiam ficar no vilarejo... 12 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Entretanto, Tonho era um menino forte e não ficava triste por qualquer coisa. Logo, ele se punha a caminho de sua casa, pegando o rumo da estradinha de terra. E era com seu pai que Tonho procurava esclarecer suas dúvidas à noite, sentado, como sempre, no banquinho de tijolos e ao lado do fogão à lenha: Pai, por que no alto da montanha tem árvores grandes e aqui no vale só tem arbustos? - Pai, por que a estradinha tem a terra tão seca? Pai, por que ouvimos mais pássaros cantar no alto da montanha e eu vejo tão poucos pássaros na estrada de terra? Pai, o que são aquelas construções redondas, com cinzas pretas no chão espalhadas ao longo da estrada? Pai, por que aquelas casas estão abandonadas e em ruínas? Para onde foram as pessoas que moravam lá? Por que saíram deixando tudo para trás? - Pai, por que o único poço das casas está seco e não tem mais água? - Pai, eu posso ir ao alto da montanha um dia? Raimundo, quando a música de seu rádio de pilha não estava tocando, ele procurava dar as explicações que Tonho buscava. Ele fazia isto com muita paciência e com a sabedoria que a experiência de vida lhe dera: - Tonho, você está fazendo muitas perguntas ao mesmo tempo! Mas, Raimundo procurou responder todas elas: Filho, no passado, podia ver árvores grandes também aqui no vale e não somente nas montanhas. Um riacho de água pura e cristalina corria montanha abaixo. Por muitas vezes, eu saciei minha sede bebendo água deste riacho. Agora, ele secou. Os moradores cortaram as árvores para fazer carvão com os seus troncos. Aquelas construções redondas abandonadas, com cinzas pretas no chão, eram os antigos fornos de carvão. Eles ganhavam dinheiro com a venda do carvão e construíram casas próximas dos fornos de carvão. Mas, com o passar dos anos, as árvores foram acabando. Já não havia mais troncos para queimar e virar carvão. Os moradores, sem emprego e sem dinheiro, foram abandonando suas casas. Eles se mudaram para o 13 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta vilarejo e para outras cidades. Sem as árvores, a chuva diminuiu, a terra ficou cada vez mais seca, o único poço de água secou. Os carvoeiros não conseguiam cortar as árvores do alto da montanha e trazer os troncos para o vale para fazer carvão. Não era possível transportá-los. Assim, elas foram preservadas! Lá em cima, a natureza está conservada. Tem muitas árvores que dão sementes e frutas o ano todo. Por isso, podemos encontrar lá no alto da montanha muitos animais silvestres e muitos pássaros! A terra lá se mantém úmida em razão das folhas que caem e forram o chão. Assim, a terra pode esperar as próximas chuvas, mantendo o chão sempre fresquinho. Tonho ouvia as explicações do seu pai com encantamento e tristeza ao mesmo tempo. Mas, pai. O senhor não respondeu se eu posso ir lá em cima da montanha um dia! Tonho! É uma longa caminhada! A montanha parece estar próxima porque é muito grande. Mas, na verdade, ela é bem longe de nossa casa. Se um dia você quiser ir lá, pode ir. Mas, vá ao lombo do Jabá e leve água e comida! Vá bem cedo de manhã e você só conseguirá voltar no final da tarde! Mas, fale com sua mãe e veja se ela está de acordo! Tonho ficou radiante com a possibilidade de subir a montanha e ver o que existia lá em cima. Mas, ele já antecipava que conseguir a aprovação da sua mãe Raimundo não seria nada fácil... E a previsão de Tonho se confirmara: Não, não e não! Você não vai sozinho no alto da montanha e sem o seu pai. É muito perigoso. Dizem que lá em cima tem até a onça pintada! Mas, mãe! O pai concordou e eu vou com o Jabá montado em seu lombo. Eu vou tomar muito cuidado. Por favor, mãezinha, deixe-me ir! Implorava Tonho. Tonho, ponha na sua cabeça uma coisa – sozinho você não vai e ponto final! Finalizou sua mãe. Tonho baixou a cabeça em sinal de respeito e retirou-se para o seu quarto. Mas, sua mãe Raimunda pode perceber com facilidade que ele estava profundamente triste. E isto mexeu com o seu coração de mãe. 14 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Tonho gostava muito de animais, principalmente dos pássaros. Daí, sua ansiedade e esperança de poder um dia visitar o alto da montanha. Ele adorava ficar horas vendo os pássaros voar e ouvindo o seu canto. Ele não se cansava de ver a beleza do tetéu, galo de campina, azulão, asa branca, carcará, andorinha do nordeste, cardeal do nordeste e tantos outros pássaros do sertão que, de vez em quando, visitavam o vale seco para vê-lo cruzar a estradinha de terra. Mas, logo em seguida, os pássaros voavam de volta para o alto da montanha e Tonho seguia sua caminhada solitária rumo à escola. E Tonho se resignou quanto ao seu passeio no alto da montanha. Pelo menos, por um tempo... Tonho seguiu sua rotina diária, cortando a longa estradinha de terra para ir à escola, embaixo de um sol forte a maioria das vezes. No caminho pensava como seria bom se ainda existissem árvores no vale. Poderia ver mais pássaros e animais silvestres, o calor não estaria tão forte. Cada vez que passava pelos fornos de carvão abandonados e em ruínas ele os olhava com os grandes culpados por esta devastação. Alguns dias por ano, Tonho fazia sua jornada debaixo de chuva. Ele procurava se cobrir com um saco de estopa dobrado fazendo um longo capuz que colocava em sua cabeça. Mas, ele adorava esta época de chuva. A roça de seu pai ficava verde e produzia o alimento que a família tanto precisava. Os alimentos que sobravam da colheita garantiam uma boa renda extra para a família com a venda dos produtos da roça no vilarejo. Raimundo comprou até uma bicicleta usada para o Tonho ir para a escola! As galinhas, as cabras, os porcos e Jabá tinham, também, mais alimento e engordavam. E, assim, o tempo passou, os anos se passaram. Tonho comemorou seu aniversário de 8 anos, 9 anos e depois 10 anos. Ele já era um menino alto e forte e estava na quarta série do ensino fundamental. Nestes anos, Tonho fez uma grande amizade com Pedrinho, um garoto que morava no vilarejo e que vivia com sua avó. Seus pais se mudaram para a cidade grande em busca de melhores oportunidades de trabalho e ficaram de vir buscá-lo um dia. E Pedrinho ficava nesta expectativa de rever seus pais e com eles também ir para a cidade grande. 15 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Até que um dia deu certo do Pedrinho passar alguns dias de férias na casa do Tonho. A avó do Pedrinho concordara com esta visita, uma vez que via em Tonho um menino responsável e de bom caráter. E Benedita gostou tanto do Pedrinho que, finalmente, autorizou que ambos visitassem o alto da montanha, realizando, assim, o antigo sonho de Tonho. Pedrinho, lá em cima tem árvores grandes e muitos arbustos. Eu ouço muitos pássaros cantarem lá do alto. Eu tenho certeza que você vai gostar de conhecer este lugar. Eu estou ansioso para ir lá! Disse Tonho. - Mas, como vamos lá? A pé? Quis saber Pedrinho. Não, é muito longe! Nós vamos ao lombo do Jabá! Ele nos aguenta na garupa! Respondeu Tonho. E Tonho e Pedrinho passaram quase a noite toda acordados, nas vésperas da tão sonhada viagem ao alto da montanha. Os dois disputavam quem contava mais estrelas... Bem cedo de manhã, Benedita preparou o lanche que os dois meninos deveriam levar na viagem, além de um cantil com água. Tinha duas broas de milho, bolinhos de arroz, bananas, um pacote de biscoito e dois ovos cozidos. Era tudo o que os dois amigos precisavam para passar o dia todo na montanha. Estava ainda escuro quando Tonho tirou o Jabá do estábulo e o trouxe para o terreiro. Jabá estranhava esta movimentação e, provavelmente, se perguntava: Mas, o que estes dois estão tramando? Aonde vão me levar? Aonde estão as cabras que não estão indo pastar comigo? Raimundo colocou a sela no Jabá e acomodou os dois meninos na sela. E lá se foram os dois, acompanhando o nascer do sol! Tomem cuidado! Não se separem um do outro em nenhum momento. Voltem antes do escurecer! Recomendava Benedita. Em qualquer perigo, subam no lombo do Jabá e voltem para casa na mesma hora! Boa viagem! E me contem tudo o que viram lá em cima. Faz muitos anos que não vou lá. Eu ia somente quando era criança como vocês! 16 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Realmente, é muito lindo lá em cima! Tenho certeza que vocês vão gostar! Dizia Raimundo. E com ar de pura alegria e um largo sorriso nos lábios, Tonho e Pedrinho pegaram o rumo da montanha. Não havia estradinha de terra, apenas algumas trilhas que indicavam a direção a seguir. Jabá se sentia forte e orgulhoso por carregar os dois amigos em sua garupa! E lá se foram os dois amigos rumo ao alto da montanha, felizes, rindo à toa, falando sem parar. Era uma linda e comovente cena, acompanhada somente por um sol escaldante, milhões de formigas e alguns raros arbustos que insistiam em viver na areia quente. Duas horas já tinham se passado. Jabá mostrava cansaço e estava com muita sede. Tonho e Pedrinho procuravam se proteger do sol forte embaixo de dois grandes chapéus de palha emprestados de Raimundo, que caiam sobre suas testas. Mas, finalmente, os dois amigos se aproximaram do pé da montanha. Eles puderam sentir uma mudança do ar. O ar começava a ficar mais fresco e úmido. Isto aliviava a sede e descansava os músculos de Jabá. Agora, Jabá teria que subir montanha a cima com os dois amigos. Logo, estariam lá no alto da montanha. Tonho deu a última porção de água que tinha no cantil para Jabá. - Ele está precisando mais do que nós! Disse ele para o Pedrinho. Pedrinho, com inveja, olhava o Jabá tomar os últimos goles de água do cantil. E quanto mais os três amigos subiam a montanha, mais fresco e úmido ficava o ar. Eles respiravam com alívio e prazer. Mas, a subida da montanha estava cada vez mais íngreme, obrigando Pedrinho segurar na cintura do Tonho e Tonho se agarrar no pescoço do Jabá para não caírem. Jabá se desafiava subir com valentia, apesar das dificuldades. Em dado momento Tonho se lembrou do que disse seu pai: “... Os carvoeiros não conseguiam cortar as árvores do alto da montanha e trazer os troncos para o vale para fazer carvão. Não era possível transportá-los. Assim, elas foram preservadas!”. - Agora, eu entendo o porquê! Concluiu Tonho. 17 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Em dado ponto da montanha, não era mais possível para Tonho e Pedrinho ficar na garupa do Jabá. As árvores começavam a aparecer aos milhares e seus galhos batiam nas cabeças, braços, ombros e pés das crianças. Assim, Tonho e Pedrinho decidiram apear e prosseguir ao lado de Jabá e para alívio do cansado e heroico jegue. A partir deste momento, começou um mundo de encantamento para Tonho e Pedrinho com o espetáculo que a Mãe Natureza preparava para eles! Terminada a subida da montanha, o terreno se apresentava de forma um pouco mais plana, o que facilitava o caminhar dos dois amigos e de Jabá. As árvores deixavam cair as gotas de água formadas pelo orvalho da madrugada. A umidade do ar estava presente e Tonho e Pedrinho sentiam as gotas do orvalho molhar suas cabeças e rosto como um alívio para o calor que acabaram de enfrentar. O ar estava limpo e fresco, fazendo com que a respiração fosse agradável e saudável. Tonho observou que milhares de pequenas mudas de árvores cresciam montanha abaixo. Era a própria natureza procurando fazer sua parte e reflorestas os terrenos devastados pelos carvoeiros. A mata era fechada com árvores e arbustos se entrelaçando formando um verdadeiro jardim do paraíso. Ouvia-se o canto dos pássaros de todos os cantos, um mais melodioso do que o outro. Era começo da primavera e os animais se apressavam em procriar. Os pássaros cantavam sem parar para atrair as fêmeas, alguns pequenos mamíferos disputavam suas namoradas. Ao longe, Tonho e Pedrinho escutaram o barulho de água. O que poderia ser? Seguiram o barulho da água que ficava cada vez mais forte. Olha, é uma pequena cachoeira! E quanta água clarinha! Disse Tonho correndo em direção ao pequeno lago que se formou logo abaixo da pequena cachoeira. Eu vou entrar na água de roupa e tudo! Exclamou Pedrinho, se jogando na água limpa e fria. Jabá aproveitou para beber muito água. Ele estava com muita sede e os dois amigos aproveitaram para jogar água com as mãos no corpo de Jabá, como um agradecimento a todo o seu esforço de levá-los lá no alto da montanha. 18 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Tonho viu que o riacho criado pela fonte de água da montanha seguia em direção ao vale. Mas, ele desaparecia no meio do caminho. A água logo penetrava no solo seco e sumia. O riacho não tinha água suficiente para chegar até o fundo do vale. Acho que este é o riacho que meu pai falou! Antes ele chegava até o fundo do vale e meu pai e os moradores podiam pegar água pura e fresca nele. Mas, agora, tudo está seco lá embaixo! Que pena! Refletiu Tonho. Os pássaros se alimentavam dos frutos e sementes oferecidas pelas árvores e arbustos. Outros animais, comiam as frutas e sementes que caiam no chão. Tonho e Pedrinho conheceram vários animais pela primeira vez. Entre eles, o tatu-peba, ararinha-azul, cutia, gambá, preá, veado-catingueiro, sagui-detufos-brancos, papagaio e outros animais que conseguem viver no ambiente do sertão. Alguns pássaros, como os beija-flores, e borboletas de várias cores se deliciavam com o mel escondidos nas flores. Tonho e Pedrinho se sentiram parte daquele ambiente. Como era gostoso viver neste ambiente cercado de verde e animado pelo canto de tantos pássaros. - Se pudesse, eu moraria aqui para sempre! Disse Tonho. Mas, ele se lembrou de que todo aquele paraíso somente existia por que os homens não moravam lá. Senão, eles estariam cortando todas estas árvores para fazer carvão e fogo. E Tonho fez uma descoberta que lhe daria uma grande inspiração e provocaria uma mudança em sua vida! Ao meio das fezes de alguns pássaros e outros animais, como o cachorro do mato, Tonho percebeu que havia sementes de plantas. Talvez de arbustos ou de árvores. Mas, uma coisa Tonho tinha certeza: Se estas sementes estão aqui, significa que eles comeram frutas que gostavam! Em alguns pontos da mata, Tonho percebeu que algumas das sementes contidas nas fezes dos animais estavam brotando! Elas cresciam fortes e vigorosas alimentadas pelos nutrientes das próprias fezes dos animais. 19 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Pedrinho, veja o que descobri! Os pássaros e outros animais plantam árvores! Pedrinho correu para ver: É verdade! É uma forma que eles encontraram para aumentar as árvores e ter mais alimentos para comer no futuro! Concluiu Pedrinho. Agora eu entendi como as plantas se espalham na floresta! São os pássaros e outros animais que semeiam as sementes das árvores e outras plantas! Que maravilha! Como a natureza é sábia! Disse Tonho. Mas, não é somente através das fezes não! Olha aquele esquilo enterrando castanhas! Com certeza, muitas delas vão germinar e dar origem a outras castanheiras! Disse Pedrinho. Tonho, olha aquele porco espinho! Ele está com um monte de sementes grudadas em seu corpo! Em algum momento, elas vão se desgrudar e, também, nascerão outras mudas de árvores e arbustos! Chamou atenção Pedrinho. E um forte vento sobrou a copa das árvores e jogou muitas sementes e frutos no chão, outras sementes voaram para longe das árvores. Veja, Pedrinho. Estas são as muitas formas com que as árvores e plantas se utilizam para espalhar suas sementes! Agora, tudo isto ficou claro para mim! E por que nós mesmos não fazemos parte desta corrente e plantamos árvores, também? Ou melhor, por que não plantamos pássaros, uma vez que muitos pássaros se alimentam das sementes e frutos das árvores! Disse Tonho com um brilho todo especial em seus olhos e visualizando uma grande contribuição que poderia dar ao vale seco que o esperava lá embaixo. Plantar pássaros! Você tem cada uma, Tonho! Respondeu Pedrinho, balançando a cabeça e rindo. A tarde estava chegando ao fim. Tonho se lembrou que precisavam voltar ainda de dia para casa. Mas, antes de ir embora, Tonho encheu os dois chapéus de palha com todas as sementes que pode encontrar na mata. Sementes de todos os tipos de árvores que encontrou. E fez uma coleção com centenas de sementes. 20 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Vamos pegar o Jabá que ficou na cachoeira e voltar logo. Está ficando tarde! Disse Tonho preocupado e já antecipando a preocupação de seus pais. Porém, ao chegarem no pequeno lago, Tonho e Pedrinho não avistaram o Jabá. E o que era pior! Eles viram várias pegadas de onça pintada no local! Os dois ficaram apavorados! Jabá! Jabá! Onde está você! Jabá, Jabá! Tonho e Pedrinho gritavam sem parar, espalhando-se pela floresta. Mas, Jabá não dava sinal de vida! Será que a onça pintada comeu o Jabá? Disse Tonho, começando a chorar sem parar! Calma, Tonho. Vamos continuar procurando o Jabá! Procurava consolar Pedrinho. E agora? Como vamos voltar! Logo, logo começará escurecer! Respondeu Tonho apavorado! Já desanimados de tanto procurar, Tonho e Pedrinho sentaram em uma pedra próxima do lago, chorando e com medo do que poderia ter acontecido ao Jabá e preocupados como voltariam para casa! E ficavam mais assustados, ainda, quando imaginavam passar a noite na floresta. Se a onça pintada comeu o Jabá, pode comer a gente também! Disse Tonho com os olhos arregalados! Tonho, sabe de uma coisa? Acho melhor a gente voltar andando, sem o Jabá mesmo! Será melhor do que passar a noite aqui! Sugeriu Pedrinho. Pedrinho, acho que você está certo. Vamos embora a pé mesmo! Mesmo que a gente chegue de noite em casa! Concordou Pedrinho. Os dois amigos encheram o cantil com a água fresca da fonte, pegaram os dois chapéus de palha cheios com as sementes das árvores e começaram a andar apressado, descendo montanha abaixo. 21 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta O sol começava a se por no horizonte. Em uma hora a noite estaria presente, o que dificultaria em muito a caminhada de retorno de Tonho e Pedrinho para casa. Quando estavam no meio da descida, eles ouviram o barulho de um galope apressado e a poeira levantando no meio dos arbustos. Com um relinchar forte, Jabá anunciava a sua presença! - Jabá! Jabá! Meu amigo! Você está vivo! Graças a Deus! Gritou Tonho. Tonho, veja! Ele está machucado nas costas. Parece um arranhão profundo! Disse Pedrinho. Jabá era um jegue acostumado a um duro trabalho na roça. E não seria uma onça pintada que o abateria. Muito provavelmente, o arranhão que feriu as costas do Jabá fora feito por uma onça pintada. Mas, poderia também ter sido feito por espinhos grossos e grandes de árvores da mata! O único que sabia e poderia dizer era o Jabá. Mas, jegues não falam! Tonho e Pedrinho subiram na garupa de jabá, se agarram bem e disseram: - Jabá! De volta para casa! Precisamos chegar antes do anoitecer! Jabá desceu o resto da montanha aos pulos e se pôs a caminho da casa de Raimundo e Benedita a um galope rápído. Não se sabia se Jabá estava querendo chegar logo ou se, ainda, corria da onça pintada... Na casa, Benedita e Raimundo estavam muito preocupados! Raimundo, eu não estava querendo deixar o Tonho ir à montanha. Estou ficando muito preocupada! Será que aconteceu alguma coisa? Eles já deveriam ter voltado! Vamos esperar um pouco mais. Se eles não voltarem dentro de meia hora, vou reunir alguns amigos peões e vamos a cavalo procurar estes meninos! E você, Benedita, procure se aquietar! E, ao final dos trinta minutos dados, Raimundo subiu em cima da cisterna e olhou no horizonte em direção à montanha. E, neste momento, ele viu uma nuvem de poeira levantando no ar. A nuvem formava um rastro amarelo que vinha em direção à casa. 22 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Dita, olha! É o Jabá vindo em direção à nossa casa! Graças a Deus, os meninos estão de volta! Jabá vinha como um raio procurando chegar antes que a noite caísse. Em sua garupa, Tonho e Pedrinho riam tão alto dos pulos que davam na garupa de Jabá que sua risada ecoava em todo o vale. E Tonho gritava: - Pai! Mãe! Estamos chegando! Benedita parou de fazer o jantar e correu para o terreiro. - Graças a Deus! Meu filho está bem! Raimundo procurou impor sua autoridade, mas falando com carinho: - Você demorou, menino da peste! Mas, logo Tonho cativou seus pais com seu carinho. Correndo, abraçou primeiro sua mãe, dizendo: Mãe! Obrigado por ter me deixado subir a montanha. Adorei! Você é a melhor mãe do mundo! Em seguida procurou por seu pai! Pai! Eu vi o paraíso! Lá em cima é tudo muito bonito! Tinha uma fonte de água pura e cristalina, onde nascia um riacho... o orvalho molhava o nosso rosto... árvores grandes estavam com muitos frutos e os animais se alimentavam deles... tinha arbustos com flores por todos os lados... eu vi um bicho esquisito que tinha uma casca dura e se enrolava como uma boa... vi um passarinho todo azul... vi um bichinho que parecia um rato grande... vi um bicho cheio de espinho nas costas... vi um macaquinho tão pequeninho e com bigodes... vi um passarinho que tinha um bico comprido e beijava todas as flores que encontrava... vi um bicho que parecia um coelhinho, mas, quando fui pegá-lo, ele começou a soltar um cheiro muito forte. Eu e o Pedrinho saimos correndo... vi um papagaio verde e amarelo. Ele gritava com a gente... Era como seu eu estivesse no paraiso! Calma, Tonho! Respire para falar. Você é tagarela mesmo! Mas, que é isto nos chapéus de palha? Peguntou Raimundo. 23 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta São sementes, pai! Sementes de várias árvores. Eu vi que os pássaros e outros animais semeiam árvores. E eu vou semear pássaros. Muitos pássaros! Raimundo e Benedita não entenderam o que seu filho querido estava querendo dizer, mas o abraçaram e foram todos para casa. Era hora do jantar. Pedrinho, também, estava muito feliz. Mas, ele sabia que, muito dificilmente, voltaria à montanha. Seus pais estavam prestes a vir buscá-lo. No dia seguinte, os dois pegaram a estrada a caminho da escola. Tonho não viu mais seu amigo no dia seguinte. Ele foi para a cidade grande junto com os seus pais, que já o aguardavam na casa de sua avó. Quem sabe, um dia, voltariam a se ver... Alguns dias depois, Jabá começou a ficar doente. O arranhão profundo em suas costas começava a infeccionar. Ele tinha febre e não queria comer. Raimundo achava que o arranhão poderia ter sido feito por uma onça sim. Mas, não tinha certeza. Tonho estava muito preocupado com seu amigo Jabá e não queria que nada de mal acontecesse com ele. Seria impossível imaginar a vida no sítio sem o Jabá. Pai! Um veterinário visita o vilarejo uma vez por semana. Eu vou levar o Jabá para ele tratar. Disse Tonho. Tonho, este veterinário não faz consulta de graça. Você precisa ter dinheiro para pagar o tratamento. Esclareceu Raimundo. Pai, eu vou dar um jeito. Mas, amanhã é o dia que o Dr. Marcelo vem ao vilarejo e vou levar o Jabá comigo. Disse Tonho com firmeza. Jabá seguiu Tonho pela estradinha de terra com muita dificuldade, fazendo várias paradas. Mas, felizmente, conseguiram chegar ao vilarejo. Doutor, o Jabá está muito doente. Ele precisa de sua ajuda! Acho que uma onça machucou suas costas. Olha, doutor, eu não tenho dinheiro, mas trouxe estes produtos da roça para o senhor. Neste saco tem arroz, feijão, milho e oito ovos caipirar do bom! O doutor Marcelo olhou aquele menino desesperado com seu amigo jegue e disse: Garoto, vamos tratar seu amigo sim. Mas, não precisa me pagar com seus produtos não. Eu não vou cobrar nada pela consulta e pelos remédios que eu der! 24 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Mas, doutor, assim eu não posso aceitar. Se o senhor não quiser os meus produtos da roça eu vou ficar envergonhado de voltar aqui novamente. Por favor, aceite! Respondeu Tonho. O Dr. Marcelo olhou Tonho com carinho, pegou o saco com os produtos e o guardou no armário. Em seguida, foi ao quintal examinar o jegue Jabá. Tonho acompanhava atento o trabalho do Dr. Marcelo e ficou apaixonado por esta profissão. “Quem sabe, um dia, eu posso ser um médico de animais também!”. Após alguns minutos, o Dr. Marcelo procurou por Tonho: O seu amigo está com uma infecção muito grande por causa do ferimento. Ele tem febre e precisa ser medicado, além de ficar em repouso por, pelo menos, três dias. Ele deve ficar aqui na cocheira da clínica e eu vou dar injeções de antibiótico para ele e aplicar soro na veia, além de fazer um bom curativo no corte. Ele ficará bom. Tonho agradeceu o empenho do Dr. Marcelo e, naquele dia, voltou sozinho para casa. Raimundo e Benedita levaram um susto quando viram Tonho chegar sem o Jabá. Mas, depois de tudo esclarecido por Tonho, ficaram mais tranquilos. - E o doutor veterinário cobrou pelo tratamento? Perguntou seu pai. Sim, pai! Ele ficou muito satisfeito com os produtos de nossa roça que eu levei para ele! Respondeu Tonho. Tonho visitou Jabá todos os dias em que esteve internado, até que tivesse alta. E, após os três dias de internação, Jabá estave bem melhor e pronto para retornar ao sítio. No caminho de volta da escola, os dois pareciam dois bobos correndo na estradinha de terra, rindo, brincando, deixando a poeira para trás. Tonho seguiu sua vida sozinho se seu amigo Pedrinho. De volta à pequena estrada de terra a caminho da escola, Tonho imaginou como ficaria bonito o vale seco se as árvores e os arbustos, que viu no alto da montanha, também existissem ali. E Tonho deu início, assim, ao seu projeto de plantar pássaros. Ele sabia que, cada árvore plantada, um dia alimentaria vários pássaros e estes ajudariam espalhar suas sementes. 25 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Tonho afiou um galho de árvore na forma de um grande lápis. Com a ponta, ele pensava em furar a terra seca e, em cada buraquinho, colocar uma semente. “Um dia, elas germinarão...!”. Pensou. E no dia seguinte, Tonho começou sua empreitada. Tonho via dezenas de cupinzeiros ao lado da estradinha de terra. E pensou em fazer cada cupinzeiro um comandante protetor de suas sementes. Assim, ele decidiu: Atrás de cada cupimzeiro eu vou fazer 100 buraquinhos no chão e plantar 100 sementes! E cada dia de aula, Tonho nomeava um comandante para o seu batalhão. E, para saber onde já tinha plantado, Tonho desenhava dois olhos grandes e uma boca no cupinzeiro e escrevia um número, designando Comandante 1, Comandante 2, Comandante 3 e assim por diante. Tenho certeza de que os comandantes vão tomar conta de minhas sementes. Os bichos e as pessoas se assustarão com estes olhos grandes e esta boca aberta! Acreditava Tonho. Cada dia de aula, Tonho levava seu bastão afiado nas costas e nomeava um comandate. Ora no cupinzeiro do lado esquerda da estradinha de terra, ora do lado direito. E, todos os dias, Tonho plantava 100 sementes. Ele não sabia se eram sementes de árvores ou arbustos e nem sabia o nome das plantas que nasceriam. A única certeza de Tonho é que, um dia, elas invadiriam o vale seco. E, quem sabe, o riacho de água pura e cristalina voltaria a correr até o fim do vale. O tempo foi passando. Quando as sementes acabavam, Raimundo ia com Tonho no alto da montanha pegar mais sementes. Assim, Tonho conseguia plantar as 100 sementes todos os dias de aula. A estradinha, agora, contava com centenas de assustadores cupinzeiros em forma de fantasmas ameaçadores. As raras chuvas de cada ano começavam a dar vida às primeiras sementes plantadas. E, um dia, Tonho chorou de alegria e emoção... Ao pegar a estradinha de terra rumo à escola, Tonho viu pequenas mudas verdes brotarem do chão, atrás de cada comandante. E isto se repetiu por vários comandantes seguintes. 26 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Elas nasceram! Elas nasceram! Gritava Tonho, chorando e pulando de alegria ao mesmo tempo. Tonho largou seu material escolar no chão e correu mudinha por mudinha, contando cada uma delas. Ele percebeu que nem todas nasceram. Em alguns comandantes haviam 65 mudas, em outros 40, alguns com mais de 80 mudas. Algumas sementes não germinaram ou foram comidas pelos ratos e outros bichos. Mas, Tonho estava muito feliz mesmo assim. Neste dia, Tonho perdeu a aula e voltou para casa. Ele estava ansioso para contar a novidade para o seu pai. Pai! Minhas sementes nasceram! O vale está com muitas mudinhas verdes! Eu consegui, pai! Raimundo ria com a alegria de seu filho, mas ele sabia que não seria nada fácil fazer com que estas mudinhas chegassem a formar árvores e arbustos grandes. A seca era prolongada no vale e as mudinhas corriam o risco de morrer antes de conseguirem colocar suas raizes no fundo da terra seca, onde a umidade era um pouco melhor. Mas, Tonho tinha um compromisso. Ao final da tarde, ele voltava à estradinha de terra com um balde e jogava um pouco de água em cada mudinha, fazendo várias viagens por dia. Assim, ele conseguiu salvar uma boa parte das mudinhas que nasceram. À medida que as outras mudinhas nasciam atrás de seus comandantes, a distância ficava maior. Assim, Tonho passou a ter ajuda de Jabá, que podia carregar uma quantidade maior de água. Em alguns anos, as chuvas foram escassas. Mas, em outros, elas cairam de forma a molhar o vale seco em abundância. E, nas caminhadas rumo à escola, Tonho repetia esta rotina. Ele conversava com as mudinhas que já tinham nascido e, com seu bastão afiado, plantava novas sementes, nomeando mais comandantes. Ele já estava no comandante número 3400 ao final da estrada, próximo do vilarejo. No vilarejo todos ficaram sabendo do esforço de Tonho em reflorestar o vale. Até os antigos carvoeiros estavam contentes. 27 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta De certa forma, eles se sentiam culpados pela devastidão do vale seco. E prometeram que não cortariam nenhuma árvore ou arbusto plantado por Tonho. O que Tonho não sabia é que o sertão nordestino sempre foi uma região de uma rica biodiversidade, apesar de semiárida. Na estação seca, a maioria das árvores e os arbustos perdem as folhas. Mas, elas não estão mortas, apenas guardam a umidade somente para seus galhos e raizes até as próximas chuvas, não desperdiçando a água com suas folhas. Apesar de não saber os nomes, Tonho espalhara sementes de muitas espécies de plantas, como: facheiro, juazeiro, mandacaru, catingueira, faveleira, marmeleiro, aroeira, carnaúba, xiquexique, barriguda, mulambá, jatobá, baraúna, macambira, angico branco, angico de bezerro, birro verbena, cana fístula, caroá, carqueja, coroa de frade, favela, gameleira, ingazeira, jurema branca mimosa, jurema preta mimosa, macambira de flecha, malva sida, maniçoba, miroró, moleque duro, mucunã, mulungu, murici, oiticica, pau d’arco, pau de colher, pau de rato, pau ferro, pereiro, pinhão bravo, quixabeira, umburana de cambão, umburana de cheiro, umburuçu, velame, mangueira, coco, cajueiro, algaroba, entre outras. Tonho avançava em seu curso fundamental. Ele já se encontrava na oitava série e comemorava os seus 13 anos de idade. No vale seco, ao longo da estradinha de terra percorrida por Tonho há anos, as mudas que sobreviveram já estavam altas e, muitas delas, produzindo flores, sementes e frutos. Apesar da vigilância atenta dos comandantes nomeados por Tonho, no total de 3400, as baixas foram grandes. Tonho plantou por volta de 340.000 mudas de árvores e arbustos ao longo de 8 anos. Mas, apenas uma parte delas sobreviveu. Muitas sementes não germinaram, outras que germinaram sucumbiram sob o sol forte e falta de chuva. Entretanto, sobreviveram cerca de 135.000 mudas de várias espécies de árvores e arbustos. Aos poucos, os pássaros e outros animais começaram a se beneficiar de suas flores, sementes e frutos. E, assim, os próprios pássaros e outros animais se encarregavam de espalhar sementes pelo vale seco, ajudando Tonho em sua missão. O caminhar pela estradinha de terra já estava bem mais agradável sob a sombra e o frescor da mata que se formou. Alguns comandantes ainda estavam lá, inteiros ou destruídos pelos tatus-pebas e outros animais que gostam de cupins. 28 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Em casa, Tonho conversava com seus pais a respeito da continuidade de seus estudos. No vilarejo havia somente escola de ensino fundamental. O segundo ciclo poderia ser cursado somente na cidade grande mais próxima. Pai, mãe! Eu não gostaria de parar de estudar. Eu vou perseguir o meu sonho de ser médico de animais. Eu quero ser um veterinário, como o Dr. Marcelo! Suplicava Tonho aos seus pais. Mas, filho, no vilarejo não há mais escolas que você possa cursar. Como vamos fazer? Respondeu sua mãe. Mãe, talvez eu possa ficar na casa do Pedrinho. Na cidade grande onde ele mora, há várias escolas que eu posso frequentar. Ele sempre me escreve pedindo para eu visitá-lo um dia. - O que você acha, Raimundo? Perguntou Benedita. Bem, Tonho tem que seguir o seu destino. Ele fará muita falta aqui. Mas, se isto for bom para ele, eu estou de acordo! Confirmou Raimundo. Tonho escreveu imediatamente para o seu distante amigo Pedrinho e aguardava com ansiedade uma resposta. Os dias se passaram. Tonho aproveitava todas as horas livres para visitar a mata que ajudara a formar. Ele observava com alegria que muitas outras mudas de árvores e arbustos nasciam, agora em direção à montanha. Se novas mudas estão nascendo montanha abaixo e novas mudas estão montanha acima, um dia a mata do vale seco se encontrará com a mata da montanha! E isto será muito bom para a natureza e para os homens! Sonhava Tonho. Os pais de Pedrinho concordaram em hospedar Tonho em sua casa na cidade grande, possibilitando que ele prosseguisse em seus estudos. Agora, Tonho somente visitaria os seus pais, seus amigos animais no sítio e sua querida mata somente nos meses de férias escolares. No dia da partida de Tonho, Benedita estava feliz e, ao mesmo tempo, com o coração partido. Ela sentiria muito a falta de seu único filho. Os mesmos sentimentos eram vividos por Raimundo, que não conseguia imaginar a vida no sítio sem a presença e a ajuda de Tonho. Os anos se passaram... 29 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Tonho já finalizava os seus estudos e, agora, se preparava para o vestibular da faculdade de medicina veterinária. Se lograsse êxito em passar, uma nova mudança se faria necessária. O curso superior mais próximo era em outro estado. Os preparativos para o vestibular tomaram todo o tempo de Tonho. Sua ida à casa dos pais foi ficando cada vez mais rara. Tonho já era um moço e vivia os desafios e alegrias de seus 18 anos. Raimundo, mais velho, achou melhor mudar-se para o vilarejo e trabalhar em uma pequena construtora como ajudante geral. Benedita, acompanhando o marido, aceitou um emprego de empregada doméstica de uma rica família. A casa de pau-a-pique foi abandonada, da mesma forma que as casas dos antigos carvoeiros. O cão Malhado, já muito velho, fez sua partida desta vida. As cabras e os porcos foram vendidos na feira do vilarejo. Jabá foi solto nos campos do vale seco para viver seus últimos anos de vida por conta própria. De vez em quando, ele voltava para a casa abandonada, talvez procurando por Tonho, Raimundo ou Benedita. Não encontrando, ele seguia lentamente em direção aos campos sem entender bem o que tinha acontecido. Raimundo preferiu soltar Jabá nos campos do que vendê-lo ou dá-lo para outro sitiante. Com certeza, ele não sobreviveria muito tempo pelo trabalho pesado e duro que o estaria esperando. A mata formada por Tonho se unia à mata da montanha, formando uma única floresta, como ele sonhara. As pessoas que passavam por lá não tinham a mínima ideia de que toda a floresta devia um agradecimento ao menino Tonho e ao seu sonho de plantar pássaros. Mas, isto nunca foi importante para o agora Dr. Antonio Ferreira da Silva, um jovem veterinário que realizara mais um sonho em sua vida... Agora formado, Tonho visitava seus pais já idosos e aposentados no vilarejo e, reservava alguns dias para passear pela floresta ao redor da antiga casa de pau-a-pique onde passara sua infância. E foi em uma destas visitas, que Tonho foi levado às lágrimas. Ao passar pela antiga estradinha de terra, agora mais uma trilha na mata, Tonho se deparou com um riacho de águas claras e frescas. Finalmente, a fonte de água conseguiu vencer o antigo leito seco e formar um riacho que passava bem ao lado da antiga estradinha de terra. 30 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Era a água pura voltando novamente ao vale, o mesmo riacho que Raimundo havia conhecido quando se mudou para o local. Tonho parou, bebeu a água, refrescou seu rosto e permaneceu lá por longo tempo. Ele nem percebeu que marcas de cascos e excremento fresco demonstravam que algum cavalo ou jegue havia parado ali para beber água. Poderia ser o velho Jabá? Em sua mente, recordou todos os dias de sua infância e como tudo aquilo havia começado. Sentia-se realizado, porém não achava que tinha, ainda, cumprido a missão que Deus lhe confiara. - Ah! Se pudesse, eu ficaria aqui por toda a vida! Pensou Tonho. Mas, na clínica veterinária, muitos animais esperavam pelos cuidados do Dr. Antonio Ferreira da Silva. Mas, antes de voltar, Tonho colheu várias sementes das árvores e arbustos da floresta, pegou um pouco da água do riacho, colocando em potes de vidro. Em sua mesa de trabalho na clínica, o Dr. Antonio, de vez em quando, olha para os potes com a água e com as sementes de sua querida mata. Nestes momentos, ele parava por uns instantes as suas atividades e se deixava embalar pelas lembranças de seu tempo de criança. Em sua mente, passava um filme de sua infância onde ele se via ao lado de Jabá, brincando com Malhado, jogando milho para as galinhas, levando as cabras para pastar nos campos, dando comida aos porcos, ajudando seu pai nos trabalhos da roça, vendendo produtos no vilarejo e, principalmente, os oito anos que andou pela estradinha de terra rumo à escola, nomeando cupinzeiros comandantes e plantando suas sementes. Não raras vezes, era surpreendido por uma lágrima que caia de seus olhos. Apesar de ser um homem com muitas responsabilidades no trabalho e na família, Tonho nunca deixou de proteger sua mata e dar continuidade à missão que começara em sua infância. Pelo menos uma vez por ano, Tonho dedicava dez dias de suas férias para dar continuidade ao seu trabalho. Ele procurava áreas na mata que ainda estavam sem árvores e arbustos e semeava sementes. Assim, a floresta foi se expandindo cada vez mais. E a mata foi reconhecida pelo governo do estado como uma área especial e única na região e que precisava ser preservada. E ela se transformou em uma reserva natural. Milhares de pessoas visitam o parque, o antigo vale seco, onde um rio refrescante e limpo enfeita a vida das plantas e dos animais. 31 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta A antiga estradinha de terra, onde Tonho caminhara por muitos anos a caminho da escola, era agora a entrada principal do parque. Ao lado, os velhos comandantes cupinzeiros estavam destruídos ou abandonados, perdidos no meio da mata. Os cupins preferem campos abertos e se mudaram. Em algumas ocasiões, os visitantes achavam estranha a presença de um homem vestido de branco, de boa aparência e fino trato, furando o chão com um bastão e jogando sementes em lugares ainda desmatados. Ninguém entendia a razão daquele homem semear árvores em um lugar onde já existiam milhares de outras árvores. Mas, Tonho sabia muito bem o que estava fazendo. Ele semeava mais pássaros... Ninguém conhecia a história de Tonho e como tudo começou. No parque não existia nenhuma placa em sua homenagem. Mas, isto não tinha importância para ele. Ele fez isto tudo por satisfação pessoal de atingir uma grande missão de sua vida e ele tinha certeza de que o maior reconhecimento viria da Natureza e de Deus. Outros visitantes relatavam que viam um velho jegue andar e se esconder no meio da mata, como um fantasma. Ele olhava para os visitantes como procurando identificar um menino que costumava carregar em suas costas que, infelizmente, não encontrava. Em uma de suas visitas anuais ao parque, quando mais pássaros seriam plantados, Tonho parou para descansar à beira do riacho, lavar o rosto e beber água. Em dado momento, ele viu um vulto sair da mata e se aproximar dele. Ao longe ele não conseguia distinguir se era um animal ou uma pessoa. Mas, logo identificou que era um animal e um jegue! O jegue se aproximou muito lentamente de Tonho, mancando de uma das pernas. Ele parecia muito cansado e fraco. Quando se aproximou, Tonho gritou: - Jabá, é você? Era Jabá, sim! E Jabá encostou sua cabeça no ombro de Tonho para receber um carinho. Tonho o abraçava e chorava. Jabá estava muito velho e, talvez, só se manteve vivo todo este tempo à procura de Tonho. Tonho deixou Jabá saciar a sede, molhou seu rosto e os dois seguiram pela antiga estradinha de terra rumo ao vilarejo. Lá, Tonho transportaria Jabá para o seu sítio, onde poderia viver seus últimos anos de vida junto a alguns novos amigos - cavalos, vacas, cabras e outro jegue. FIM 32 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta IMAGENS DE ALGUMAS PLANTAS CITADAS NESTE LIVRO Facheiro Mandacaru Juazeiro Catingueira Marmeleiro Aroeira Xiquexique Carnaúba 33 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Barriguda Jatobá Macambira Angico Branco Cana Fístula Carqueja Coroa de Frade Macambira de flecha 34 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Miroró Mucunã Mulungu Murici Pau d´arco Velame Umburana de cambão Coco 35 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta IMAGENS DOS ANIMAIS CITADOS NESTE LIVRO Tetéu Jegue Galo/Galinha Cachorro Veado-Catingueiro Beija-Flor Porco-Espinho Galo da Campina Porco Cabra Rato Preá Borboleta Besouro Esquilo Onça-Pintada 36 Obra: O menino que plantava pássaros Autor: J. J. Dacosta Tatupeba Azulão Formiga Asa-Branca Andorinha do Nordeste Lagarto Cobra Cardeal do Nordeste Gambá Sagui do Tufo Amarelo Barata Ararinha Azul Aranha Carcará Papagaio Cutia Escorpião Cupinzeiro 37