1995-2000 *Fernando Filgueiras Doutorando em Ciência Política no
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1995-2000 *Fernando Filgueiras Doutorando em Ciência Política no
POLÍTICA ORÇAMENTÁRIA, FORMAÇÃO DE INTERESSES E CORRUPÇÃO NO BRASIL 1995-2000 *Fernando Filgueiras Doutorando em Ciência Política no IUPERJ Mestre em Ciência Política pela UFMG Prof. de Sociologia Jurídica na Faculdade Metodista Granbery RESUMO Este artigo trata da relação entre política orçamentária e corrupção no Brasil, tendo em vista o estudo do período entre os anos de 1995 e 2000. Argumento que a política orçamentária no Brasil, instituída pela Carta de 1988, oferece um contexto institucional propício à prática de corrupção, na medida em que as escolhas institucionais privilegiam, nesse contexto, as trocas de recursos entre Executivo e Legislativo no plano individual, representando um recurso de patronagem que privilegia os interesses particulares, no que diz respeito à alocação dos recursos públicos. Palavras-chave: política orçamentária, corrupção, interesses, patronagem, clientelismo. ABSTRACT This article treats of the relation between budget policy and corruption in Brazil, in the period between the years of 1995 and 2000. I argument witch the budget policy, established in the Constitution of 1988, offer an institutional context propitious even the practice of the political corruption. Institutional choice to privilege the exchange of the recourse between Executive and Legislative powers, in the individual plane, representing an recourse of the patronage. The budget policy in Brazil foment individual interests, witch the respect of the allocation of the public recourses. Key words: budget policy, corruption, interests, patronage, clientelism. * Doutorando em Ciência Política no IUPERJ, Mestre em Ciência Política pela UFMG, Prof. de Sociologia Jurídica na Faculdade Metodista Granbery. 1 1. INTRODUÇÃO O debate recente na Ciência Política a respeito da política orçamentária no Brasil é marcado por duas posições contrastantes. Uma primeira visão, segundo a qual a política orçamentária brasileira é caracterizada pelo cultivo do personalismo e pela conexão entre eleitores e políticos sem um conteúdo programático de políticas públicas. O orçamento, de acordo com esta visão, é o instrumento mediante o qual o presidente da República assegura assentimento dos parlamentares junto à sua coalizão de governo e por intermédio do qual os membros do Legislativo aumentam a probabilidade de sua reeleição por meio do uso de clientelismo e da patronagem com as emendas parlamentares individuais, na medida em que a dispersão do poder e a criação de veto players o qual é ampliado com o multipartidarismo, com o sistema eleitoral proporcional de lista aberta e com o federalismo aumenta os custos de coalescência às políticas de governo. O que caracteriza este lado do debate é a observação de que o orçamento é um meio de troca de recursos políticos entre membros do Legislativo, presidente da República, governadores e prefeitos (AMES: 1995a). De acordo com esta visão, o desenho da política orçamentária brasileira favorece a prática do pork-barrel, ou seja, a troca de favores entre atores políticos relevantes, tendo em vista ajuda mútua no processo político. De outro lado, existe uma segunda visão de que a política orçamentária brasileira deixou de ser personalista a partir da CPI do Orçamento, quando o Congresso Nacional instituiu limites às emendas parlamentares individuais e incentivou, institucionalmente, o cultivo de emendas coletivas, como a de bancadas regionais e estaduais, mantendo intacto o projeto de descentralização que emergiu com a revisão constitucional de 1993. Essa visão defende que o atual modelo de política orçamentária não cultiva o personalismo, uma vez que existem mecanismo institucionais que garantem coalescência dos parlamentares junto a projetos de políticas públicas. As emendas parlamentares, portanto, nessa segunda visão, seriam controladas mediante um modelo de organização legislativa centralizado, no qual o papel de coalescência exercido pelos líderes partidários é de suma importância no processo de tomada de decisões do sistema político brasileiro (FIGUEIREDO & LIMONGI: 2002). 2 Este texto tem o propósito de mostrar as diferentes relações entre diversos atores políticos, sejam eles públicos ou privados, no processo de definição e execução do orçamento da União e sua conexão com as fontes institucionais da corrupção no Brasil. A tese a ser defendida é de que o modelo de orçamento do Brasil cria incentivos para que os agentes públicos ajam de maneira personalista, ao contrário do que pensa a segunda visão do debate, mostrada acima, buscando maximizar suas preferências em detrimento de qualquer compromisso político/programático, além de motivar os políticos a sobreporem seus interesses privados aos interesses públicos, definidos mediante o sistema representativo. A primeira seção aborda o modelo de política orçamentária adotado no Brasil a partir da Constituição de 1988. Nessa seção procuramos mostrar a forma como se dá a formação dos interesses dos diferentes atores envolvidos no jogo, de acordo com o contexto institucional no qual estes ocorrem. Na segunda seção mostramos os mecanismos institucionais de controle e fiscalização do orçamento da União e a forma como ocorre a corrupção com o Erário. Finalmente, na última seção, recuperamos, por meio de uma pesquisa documental, a dinâmica mediante a qual a corrupção com o orçamento da União ocorreu durante a década de 1980 e 1990, além de mostrarmos como que esse padrão personalista que organiza a política orçamentária brasileira ainda é recorrente, na medida em que, por meio do personalismo, os políticos, aliados a empreiteiros e burocratas, buscam vantagens indevidas com o Erário. 2. O JOGO DA POLÍTICA ORÇAMENTÁRIA NO BRASIL A importância de tecermos alguns comentários a respeito da política orçamentária no Brasil se dá pelo fato de ser esta a esfera de interação dos atores políticos, mediante a qual se decide a distribuição dos recursos públicos federais. Dessa maneira, a elaboração do orçamento da União é um momento privilegiado, pois reúne em torno de si as disputas entre partidos, o conflito entre o Executivo e o Legislativo, o conflito federativo e tem a presença do Tribunal de Contas da União (TCU) como agência de fiscalização. Ademais, a política orçamentária envolve agentes privados, responsáveis pela execução das obras públicas e efetivação dos programas de assistência social do governo federal. 3 Certamente, a política orçamentária no Brasil é um típico exemplo do que Arnold (1990) chamou de “a lógica da ação congressual”. O cálculo das estratégias adotadas pelos legisladores no parlamento varia conforme o cálculo eleitoral. A preocupação com a reeleição leva o congressista a mudar sua tática de acordo com a arena na qual ele está inserido. No caso da política orçamentária brasileira, como mostraremos abaixo, os parlamentares agirão de acordo com uma visão universalista dos interesses no que tange às rubricas dos programas sociais do Executivo, e de acordo com interesses de sua constituency no que tange às emendas parlamentares. Isso porque a política orçamentária, de acordo com seu formato institucional, pode amplamente expressar as preferências potenciais dos eleitores dos redutos eleitorais dos legisladores, fazendo com que eles otimizem sua performance conforme a arena na qual ele esteja inserido. O atual modelo de ciclo orçamentário no Brasil é regulado pela Constituição de 1988, a qual, em seus artigos de 165 a 169, possibilitou maior influência do Congresso Nacional e dos partidos políticos na divisão dos recursos públicos nacionais. Anteriormente, durante o regime militar, o orçamento era um instrumento ineficiente de planejamento econômico e não continha nenhum elemento de política competitiva (SERRA: 1994). Era decidido na cúpula da burocracia e não possibilitava a interferência dos diferentes interesses dos atores presentes na arena política. No entanto, a partir da Constituição de 1988, o objetivo do orçamento da União é buscar maior eficiência alocativa e maior eqüidade na distribuição dos recursos públicos por intermédio da delegação para o Poder Legislativo e participação de grupos organizados da sociedade civil. De acordo com a Carta de 1988, o orçamento é uma lei de iniciativa do poder Executivo e engloba três planos diferentes: o Plano Plurianual (PPA), a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e as leis de orçamentos anuais (LOA). O Plano Plurianual estabelece os objetivos gerais da administração pública no que se refere às despesas de capital. A lei de diretrizes orçamentárias estabelece as metas relativas à política tributária e à alocação de recursos, estabelece diretrizes para o ano subseqüente e as prioridades para a formulação de políticas públicas. Por fim, a lei orçamentária anual deve estar em consonância com as outras anteriores, e se divide em três dimensões: o orçamento fiscal, o qual se refere às despesas dos Poderes da União em 4 sua totalidade; o orçamento da seguridade social e o orçamento de investimento nas empresas estatais. Elaborado o projeto de orçamento pelo Executivo, o mesmo deve ser apresentado ao Congresso Nacional, nas suas duas Casas, e se submeter ao parecer da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) e também ao plenário da Câmara e do Senado. Chegando à CMO, o projeto de orçamento sofre as emendas dos parlamentares. Tendo o parecer favorável, o projeto retorna para a sanção ou veto do presidente da República e execução. Sendo o orçamento aprovado, os recursos podem ser liberados e são fiscalizados pelo TCU e pela CMO. Além disso, o Executivo, de acordo com o artigo 168 da Constituição, deve publicar por cada período bimestral um resumo das execuções orçamentárias. A figura abaixo resume o ciclo anual do orçamento da União: Figura 1. Ciclo Orçamentário Anual da União (Simplificado) 1. Elaboração da proposta orçamentária Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização 5. Fiscalização 3. Sanção ou veto do Presidente 2. Emissão de parecer da CMO e definição das emendas 5. Fiscalização 4. Execução orçamentária 5. Tomada de Contas e Fiscalização Executivo Plenário do Congresso Estados, municípios, empresas estatais, burocracia e investimentos 5. Tomada de Contas e Fiscalização Tribunal de Contas da União No que tange às emendas orçamentárias, ocorre uma profunda polêmica, que diz respeito à qualidade destas. Por um lado, as emendas parlamentares seriam uma maneira de os legisladores angariarem recursos para suas regiões eleitorais (AMES: 1995a, 1995b). Por outro lado, frente à fraqueza dos partidos e às desigualdades 5 regionais no Brasil, as emendas parlamentares se tornariam instrumento de clientelismo e patronagem em função do pork-barrel, na medida em que ocorre forte correlação das emendas com os círculos eleitorais dos parlamentares, tal como nos mostra Ellwood e Patashnik (1993). Ou seja, as emendas, segundo a primeira visão, seria instrumento para reduzir as desigualdades, enquanto que, de acordo com a segunda visão, elas representariam maneiras de os congressistas serem mais influentes em suas regiões eleitorais, em função da tendência distrital do voto no Brasil. As emendas parlamentares são definidas na CMO e a composição desta comissão, por conseguinte, é muito importante, porque os congressistas podem fazer valer suas preferências no conjunto da peça orçamentária. Os membros da CMO que, a princípio, controlam as emendas parlamentares, são escolhidos e indicados anualmente, conforme a proporcionalidade partidária. Contudo, a composição dessa comissão é muito disputada no interior dos partidos políticos, uma vez que existe clara percepção de que a participação nessa comissão é uma forma importante de influenciar a destinação dos recursos para os seus redutos eleitorais, além de criar poder de controle sobre os membros do partido e sobre o fluxo de recursos e emendas. Apesar de ser preponderante na decisão do orçamento, todavia, ocorre profundo desvio de poder do Legislativo para o aparelho burocrático, uma vez que o Poder Executivo, por intermédio da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e da Secretaria de Orçamento Federal (SOF), tem total autonomia para liberar os recursos orçamentários. O referido desvio do orçamento da esfera legislativa para a esfera executiva ocorre por meio de um dispositivo institucional que garante ao presidente da República a prerrogativa de executar e liquidar as despesas apresentadas na lei do orçamento anual. Sendo assim, o modelo do ciclo orçamentário no Brasil é autorizativo e não impositivo, ou seja, apesar de o Congresso Nacional ter que autorizar as despesas do orçamento da União, o Executivo pode remanejar ou não liberar qualquer uma das rubricas da LOA. Dessa forma, não existe nenhum mecanismo institucional que obrigue o governo a proceder a liberação dos recursos, a qual ocorre de maneira “politizada” dentro dos corredores da burocracia federal1. 1 Existe, atualmente, projeto de emenda constitucional tramitando no Congresso Nacional de autoria do senador, e atual vice-presidente da República, José Alencar (PL-MG) para passar o orçamento da União de autorizativo para impositivo. Isto implica, que se aprovada esta emenda constitucional, o Executivo 6 Por meio desse dispositivo institucional, os recursos orçamentários resultam, portanto, em instrumento de patronagem por parte do presidente da República em relação ao Congresso, ou seja, na medida em que o Executivo tem o poder de liberar os recursos para a execução orçamentária, os parlamentares maximizam as preferências do governo, pois têm ganhos seletivos para investirem em seus redutos eleitorais, já que movimentam-se buscando a reeleição e prestígio junto aos eleitores (AMES: 1995a, 1995b; PEREIRA & MUELLER: 2002). Isso redunda em lealdades individuais ao governo na votação das matérias em plenário. De acordo com Pereira e Mueller (2002), o número de emendas individuais ao orçamento executadas de cada parlamentar cresce na mesma proporção com que ele participa da coalizão do governo. Porém, essas lealdades não se baseiam no programa do partido e nem em coalizões ou alianças em torno de um programa de governo, mas na possibilidade de ver a probabilidade de sua reeleição aumentar, tendo em vista os recursos destinados a seu reduto eleitoral (PEREIRA & RENNÓ: 2001). As emendas dos parlamentares ao orçamento da União favorecem, como observa Ames (1995a, 1995b), a prática do pork-barrel. O pork-barrel é a troca de favores entre atores políticos relevantes no jogo a partir do uso de recursos públicos como moeda de troca. No caso do Brasil, o Legislativo esfera de decisão do orçamento oferece ao Executivo a autorização de recursos para o gasto com seus programas governamentais. Em troca, a burocracia federal oferece a liberação de verbas para as emendas dos parlamentares em seus redutos eleitorais estado e município em troca de apoio no plenário do Congresso. Prefeitos e governadores, com os recursos das emendas nas mãos, oferecem ao parlamentar apoio para sua reeleição. Com as emendas liberadas, as empreiteiras, que executam as obras, oferecem recursos para campanhas eleitorais. Assim, está montado o quadro de troca de favores entre os atores, ou seja, o pork-barrel. Esse padrão já é consagrado na política brasileira, como revelam Amorim Neto e Santos (2001). De acordo com esses autores, esse padrão de patronagem e fisiologismo já é tradicional no Brasil desde o período democrático de 1946 a 1964, no qual os orçamentos públicos eram mecanismos institucionais para cooptar os membros perderia recursos políticos e as rubricas do orçamento obrigatoriamente teriam que ter os recursos liberados sem qualquer possibilidade de remanejamento por parte da burocracia federal. 7 do Legislativo para a aprovação de políticas de iniciativa do Executivo. Nesses termos, o orçamento público no Brasil, no nível federal, se transforma em instâncias políticas de fisiologismo, que amplia a probabilidade de corrupção, na proporção em que é ampliada a fraqueza institucional das agências e instituições de controle e fiscalização. As emendas parlamentares se dividem em dois tipos: as emendas individuais e as emendas coletivas. As emendas individuais podem chegar ao total de vinte para cada parlamentar, obedecendo a um teto estipulado pela CMO, que nos anos de 1996 a 1999 chegariam a um milhão e meio de reais para cada parlamentar. As emendas coletivas são emitidas pelas bancadas regionais e estaduais e pelas comissões permanentes do Congresso Nacional. As comissões permanentes podem emitir até cinco emendas por cada comissão e as bancadas regionais podem emitir até cinco emendas por cada região. Finalmente, as bancadas estaduais podem emitir até dez emendas por unidade da Federação; isso porque, como nos mostra Abrucio (1994), os governadores são peças fundamentais na composição de capacidade governativa. O poder dos governadores está sedimentado na sua estreita relação com as bancadas estaduais no Congresso Nacional. Essa relação se baseia na distribuição de recursos políticos e financeiros que os governadores, por meio das emendas, fazem aos deputados, para que estes otimizem sua performance em seu reduto eleitoral. Em troca, o parlamentar oferece sua fidelidade no Parlamento aos interesses do estado, dificultando, por seu turno, a capacidade do Presidente de formar coalizões que lhe garantam governabilidade. Dessa forma, o sistema partidário fica marginalizado, favorecendo uma modalidade de presidencialismo estadualista (ABRUCIO: 1994). Ademais, é importante ressaltar que os governadores criam pontos de veto dentro do Congresso, uma vez que a relação fisiológica entre eles e os parlamentares é muito forte, o que prejudica enormemente o fluxo das políticas públicas oriundas do Executivo Federal, bem como as tentativas de reforma do Estado, a qual passa prioritariamente pela “reconstrução do pacto federativo”2. Mais uma vez, a estratégia encontrada pelo Presidente é fazer uso dos recursos orçamentários, os quais são distribuídos aos parlamentares para que estes atendam suas clientelas locais, assim como cargos na burocracia federal indicados pelos governadores dos estados mais populosos. É notório 2 O Presidente Fernando Henrique Cardoso quando assumiu o primeiro mandato ressaltou repetidas vezes a necessidade de reconstruir o pacto federativo. Os presidentes, quando iniciam seus mandatos, utilizam a estratégia de negociar previamente com os governadores a formação do status quo. 8 observar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso aumentou os recursos destinados às emendas parlamentares do Orçamento em 2001 para recompor sua coalizão frente à crise instaurada pelas trocas de acusações entre os senadores Jáder Barbalho e Antônio Carlos Magalhães. A tabela abaixo apresenta a força das bancadas estaduais no momento de definir o Orçamento da União. Dessa forma, ao contrário do que pensam Figueiredo e Limongi (2002), o aumento das emendas coletivas não implica, necessariamente, redução do personalismo, uma vez que, como mostra Abrucio (1994), as relações fisiológicas entre governadores e parlamentares considerados “vereadores federais” são fundamentais para se entender o presidencialismo brasileiro. Tabela 1. Emendas Apresentadas ao Orçamento da União por Autor – 2001 (%) Autor % Bancada estadual 56,9 Bancadas regionais e nacional 6,03 Comissões da Câmara 18,47 Comissões do Senado 15,42 Individuais (Deputado Federal) 3,46 Individuais (Senador) 0,54 Total 100,0 Fonte: Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – Câmara dos Deputados e Senado Federal, 2001. Como pode ser observado na tabela abaixo, a divisão das emendas parlamentares entre as regiões perfazem um percentual de 30%, aproximadamente, sobre o total dos recursos destinados às regiões, em média, nos cinco anos relatados. Se considerarmos que grande parte das dotações orçamentárias corresponde às transferências constitucionais, podemos afirmar que o percentual gasto com as emendas é bastante elevado. Na divisão dos recursos entre as regiões, o Centro-Oeste, em média, deteve 25,7% das dotações e emendas. A região Nordeste “abocanhou” em média 24,5% dos 9 recursos do orçamento, enquanto que a região Norte ficou com 9,4% nos cinco anos relatados. Enquanto isso, a região Sudeste ficou com 29,3% e o Sul com 11,1%3. Tabela 2. Execuções Orçamentárias da União por Região Brasileira. 1995 – 2000 (R$ milhões) Região Dotação % Emendas % Total Inicial 1995 Centro-Oeste 4035 16 770 61 4805 Nordeste 6596 26 271 21 6867 Norte 2727 11 25 2 2752 Sudeste 8466 33 154 12 8620 Sul 3440 14 50 4 3490 Total 25264 100 1270 100 26534 % 18 26 10 33 13 100 (continua) (continuação) 1996 3 Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Total 3502 7856 3423 8591 3648 27020 13 29 13 32 13 100 Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Total 7630 8977 3422 11830 4806 36665 21 25 9 32 13 100 Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Total 8557 9255 3485 12531 4864 38692 22 24 9 32 13 100 Centro-Oeste Nordeste 9620 7417 27 21 489 1383 825 2960 812 6469 1997 4011 6368 1696 7106 2898 22079 1998 3604 3029 1000 3511 1386 12530 1999 18350 3169 8 21 13 46 12 100 3991 9239 4248 11551 4460 33489 12 28 13 34 13 100 18 29 8 32 13 100 11641 15345 5118 18936 7704 58744 20 26 9 32 13 100 29 24 8 28 11 100 12161 12284 4485 16042 6250 51222 24 24 9 31 12 100 73 13 27970 10586 46 17 É importante destacar na tabela 2 que o ano de 2000 sofreu uma queda brusca no orçamento em função da desvalorização do real frente ao dólar. Esta política monetária adotada pelo governo federal, a partir deste ano, ensejou uma forte recessão induzida pelo setor público. Na medida em que a opção apontada pelo governo federal foi a de reduzir o investimento e fortalecer a estabilidade da moeda e o programa de austeridade fiscal, a queda nos recursos do orçamento foi inevitável. 10 Norte Sudeste Sul Total 2948 11494 4408 35887 8 32 12 100 Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Total 6985 10337 4103 11095 5008 37528 19 27 11 30 13 100 1014 1675 729 24937 2000 3770 3385 1490 1981 795 11421 4 7 3 100 3962 13169 5137 60824 7 22 8 100 33 30 13 17 7 100 10755 13722 5593 13076 5803 48949 22 28 11 27 12 100 Fonte: Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – Câmara dos Deputados e Senado Federal. Os dispositivos das emendas parlamentares e da preponderância do poder Executivo frente ao Legislativo implicam que o controle dos recursos e a oferta de bens públicos estão separados do sistema representativo, redundando na baixa accountability dos partidos e dos políticos em relação à sociedade, na medida em que estes não são motivados a prestarem contas a seus eleitores. Mesmo tendo a dotação orçamentária nas mãos, nada garante que a oferta de bem público, expressa no orçamento, será executada. Além disso, a liberação de recursos ocorre via burocracia, drenando o controle estabelecido eleitoralmente. Tal afirmação pode ser visualizada na tabela abaixo, que mostra o percentual de recursos que foram liberados em relação aos recursos que foram autorizados. Ano 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Tabela 3. Orçamento da União Autorizado e Liquidado 1995 – 2000 (R$ milhões) Autorizado Liquidado 338.861 239.691 333.476 288.734 546.308 391.068 582.638 499.984 634.911 551.792 1.021.431 525.935 % 70,7 86,5 71,6 85,8 86,9 51,5 Fonte: Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – Câmara dos Deputados e Senado Federal. Tendo a burocracia federal o controle do ciclo do orçamento em todas as suas fases e não existindo o controle da sociedade sobre a destinação dos recursos públicos na medida em que o controle eleitoral é suprimido e, como aponta 11 Przeworski (2001), é insuficiente para incentivar a accountability , a possibilidade de existência de lobbies se torna muito grande. Estando o orçamento completamente separado da sociedade, e não sendo transparente, aumenta-se a assimetria de informação entre os atores políticos, fazendo com que o orçamento, por ser coisa de especialistas, esteja a cargo deles. Isso nos remete a uma análise de outro ator importante na composição do orçamento no Brasil: as empreiteiras e construtoras. Os grupos empresariais que cuidam de executar as obras previstas no orçamento da União são escolhidos conforme processo de licitação que obedecem à escolha por oferta de menores custos e pela capacidade técnica para executá-las. Contudo, os processos de licitação, conforme a lei 8.666 de 1993, não garantem a lisura da destinação dos recursos públicos. As empreiteiras e construtoras têm acesso a informações privilegiadas por meio do uso do pagamento de propinas e pedágios aos burocratas. Como nos mostra Rose-Ackerman (1996a), o pagamento de propinas cresce na proporção em que os burocratas têm controle monopolizado sobre o fluxo de informações e decisões. Além disso, as empreiteiras são responsáveis por apresentar os projetos e listas de materiais, e muitas vezes os próprios políticos encomendam os projetos a elas para apresentarem ao governo e à sociedade. Nesses termos, uma vez que detêm os conhecimentos técnicos necessários à consecução das obras públicas, burocratas e empreiteiros encontram pouca coerção para efetivarem esquemas de corrupção. Havendo profunda assimetria de informação entre empreiteiros e burocratas, de um lado, e políticos e cidadãos, de outro, o orçamento se torna presa fácil para a rapinagem com o bem público. Os empreiteiros, por se tratarem de um grupo pequeno, com poucos participantes, seguem a estratégia de montagem de cartéis, pois os ganhos seletivos com a ação coletiva são maiores que os custos da deserção4. Os burocratas, por estarem isolados de qualquer tipo de pressão social, não encontram coerção que os impeça de auferir incentivos seletivos que os levem a maximizar os ganhos ilícitos. Dessa forma, a composição do orçamento ocorre num contexto de insulamento da burocracia em relação à esfera pública e obedece aos esquemas montados para pilharem os recursos 4 Mancur Olson (1999) aponta que a ação coletiva é melhor empreendida em grupos pequenos, pois um grupo pequeno resulta em melhor forma de distribuição dos benefícios e dos ônus da ação e no maior poder de coesão grupal na medida em que o conhecimento de cada indivíduo sobre a ação dos demais participantes é maior. 12 públicos. Os políticos, interessados na reeleição, se subordinam aos burocratas e aos empreiteiros, pois necessitam apresentar “obras” ao eleitorado (AMES: 1995a, 1995b). Não havendo controle dos partidos e ocorrendo o particularismo (O’DONNELL: 1996), os políticos se tornam fâmulos dos esquemas de corrupção, pois os ganhos seletivos para se aliarem aos empreiteiros e burocratas são maiores que seus custos. Enquanto isso, os cidadãos, por não terem conhecimento sobre o ciclo orçamentário, além de não existir nenhum mecanismo que garanta sua participação na composição do orçamento, não conseguem influir nas decisões políticas. Outro expediente comumente utilizado, especialmente pelo parlamentares, é a dotação de verbas para empreendimentos de assistência social. Deputados e senadores destinam recursos públicos para fundações ou instituições de caridade, normalmente de sua propriedade ou de parentes ou de pessoas intimamente ligadas. Essas verbas pertencem à rubrica de assistência social e são comumente conhecidas como subvenções sociais, destinadas, primordialmente, à filantropia ou “pilantropia”. Isso posto, podemos concluir que os orçamentos no Brasil são compostos nos corredores da burocracia e estão sujeitos ao controle de empreiteiros e de burocratas, pois limitam a capacidade de controle público e accountability, na medida em que ocorre uma disjunção entre o sistema representativo, de um lado, e o processo de tomada de decisão que estabelece o destino dos recursos públicos, de outro. Ocorrendo essa separação entre o sistema representativo e a composição do orçamento da União, os políticos se aliam a burocratas e a empreiteiros. Dessa forma, os esquemas de corrupção dentro do poder, com a participação do Executivo, do Congresso, de governadores e prefeitos, e de agentes privados, se formam, subordinando o interesse público aos exclusivos interesses pessoais dos participantes desses esquemas. Os burocratas, segundo Rose-Ackerman (1996a,1996b), ampliam quantitativamente o trâmite de processos e documentos, dificultando o curso destes pela burocracia. Dessa forma, os burocratas cobram propinas e pedágios para liberarem os documentos, fazendo crescer a corrupção no setor público. Ou, por outras palavras, onde não há a presença de um mercado impessoal e ocorra monopólio seja de recursos econômicos, seja de recursos simbólicos , os agentes públicos são motivados a cobrarem propinas dos agentes privados (RASMUSEN & RAMSEYER: 1994). 13 Todavia, como aponta nossa análise, isso ocorre antes porque a burocracia se encontra insulada de qualquer pressão social via sistema representativo, do que a existência de um mercado impessoal dentro da burocracia. Logo, a ausência de controle público sobre a burocracia antecede o fato de a própria burocracia ampliar seu tamanho com o intuito de ganhar vantagens indevidas, fazendo com que a análise dos autores da public choice5, não contenha os determinantes que façam com que o serviço público cresça de tamanho. Os empreiteiros, por terem conhecimento privilegiado dos projetos e obras do governo federal, montam cartéis e subvertem, dessa maneira, as licitações e contratos. Sendo o sistema de concorrência viciado, aumentam-se os custos econômicos dos empreendimentos estatais. Além disso, os empreiteiros financiam campanhas eleitorais como ficou demonstrado na CPI do Orçamento , para se aliarem a políticos e terem contratadas obras, por meio das emendas, para que possam auferir vantagem via orçamento da União. Os parlamentares, por estarem subordinados ao particularismo e não se submeterem aos partidos, como mostra Mainwaring (1991), usam de clientelismo por meio das emendas ao orçamento para aumentarem sua influência em seus 5 Os economistas da public choice partem do pressuposto teórico de que os indivíduos agem tendo em vista uma aritmética dos benefícios menos os custos de ação, cujo produto os incentivos seletivos informarão o curso da ação e a racionalidade inerente. Tal perspectiva decorre do entendimento da racionalidade de um ponto de vista tido como realista, capaz de compreender os fenômenos sociais de uma maneira generalizante. Além do pressuposto da racionalidade como forma de interação estratégica, a public choice segue o pressuposto de que o mercado cumpre a função de alocar bens e serviços produzidos pela sociedade, na medida em que é a única esfera da vida social na qual os atores agem impessoalmente. Desta forma, o mercado perfeito assegura simetria nas relações entre os agentes privados e eficiência na alocação de bens públicos a partir de trocas impessoais que maximizam a utilidade esperada. Além disso, na dimensão do Estado, caso haja um mercado perfeito e os burocratas se comportem de maneira estritamente pública, as decisões também serão impessoais e os agentes públicos maximizariam o bem-estar coletivo. Contudo, os economistas da public choice reconhecem que os mercados não são perfeitos apresentam assimetrias de recursos e informação entre os agentes e que os agentes públicos do Estado não se comportam de maneira pública, fazendo com que haja distorções nas decisões tomadas, motivando o comportamento rent-seeking, ou seja, maximizador de bem-estar econômico, seja seguindo as regras do sistema, seja não as seguindo. A teoria do rent-seeking foi desenvolvida por Tullock (1967) e Krueger (1974), segundo a qual os agentes econômicos encontram motivação para maximizar o bem-estar econômico. Essa maximização de bem-estar está inserida dentro de um contexto de regras determinadas e de uma renda fixada de acordo com as preferências individuais. Os agentes, segundo estes autores, buscarão a maior renda possível, dentro ou fora das regras de conduta, resultando em transferências dentro da sociedade mediante a existência de monopólios e de privilégios, constituindo um mercado político competitivo em que os agentes lutam por estes monopólios e por estes privilégios, transferindo a renda de outros grupos sociais para si. 14 recintos eleitorais. Por receberem “ajuda” financeira dos empreiteiros, durante os pleitos eleitorais, aliam-se a estes e submetem os recursos públicos à ingerência de grupos privados, além de, como mostra Ames (1995a), verem aumentada a probabilidade de serem reeleitos. Os políticos, por serem racionais, como mostra Lemos (2001), buscam maximizar benefícios sociais em seus redutos eleitorais, pois vêem consideravelmente aumentadas as chances de sua reeleição. O presidente da República, por intermédio da troca de recursos das emendas, vê aumentada a coalescência dos parlamentares à coalizão de governo, ampliando a margem de manobra para a consecução de sua política governamental, além de sua fidelidade nas votações polêmicas no Congresso Nacional. Governadores e prefeitos ampliam o montante de recursos destinados a obras que melhorem a infra-estrutura de seus estados e municípios, redundando em maior probabilidade de reeleição. O custo da ação é apoiar o parlamentar fiel nos pleitos eleitorais para a Câmara dos Deputados e para o Senado. Esse conjunto de benefícios e custos de ação destes grupos na política orçamentária brasileira pode ser melhor resumida no quadro seguinte. Claro é que não derivamos este conjunto de custos e benefícios de ação de maneira mecânica. Eles estão correlacionados com a resultante da engenharia institucional da política orçamentária, além de que instituições apenas, como afirmam Figueiredo e Limongi (2002), não asseguram padrões de relacionamento entre o público e o privado de forma transparente e eficiente, a não ser que todos os demais fatores que influenciam a política, mais especificamente a política orçamentária, estejam mantidos constantes. Quadro 1. Custos e Benefícios de Ação dos Atores na Política Orçamentária Brasileira Ator Presidência → Parlamentares → Custo da Ação Liberação de recursos do → orçamento e comprometimento dos recursos de caixa do governo. Negociação de emendas ao → orçamento Benefício da Ação Coalescência de parlamentares e controle sobre a burocracia Governadores e prefeitos → Apoio na campanha eleitoral ao → parlamentar que destinou emendas Recursos financeiros e prestígio junto às bases eleitorais, aumentando a probabilidade de reeleição Ampliação de recursos destinados a obras, aumentando a probabilidade de reeleição Burocratas Aumento Propinas e pedágios que ampliam → dos trâmites → 15 burocráticos Empresários → Financiamento eleitorais a renda individual de campanhas → Obras públicas, com o acréscimo dos custos de campanha. Do outro lado do processo, os cidadãos, por não terem informações a respeito do orçamento, e pelo fato de o sistema representativo estar isolado destes, se submetem aos desmandos dos políticos e não têm incentivos para participarem do processo decisório. Isso resulta no enfraquecimento da democracia e na ampliação dos dilemas de ação coletiva. Portanto, a distância existente entre o sistema representativo e o processo de tomada de decisões, característica da democracia inaugurada no Brasil com a transição implementada via descompressão do regime militar, faz com que as instâncias de accountability, as quais gerariam maior responsabilização de políticos e burocratas em relação à coisa pública, não se tornem operativas. Nesse contexto institucional, a probabilidade de que ocorra corrupção com a res publica se tornam maiores, na medida em que o arranjo institucional possibilita a predominância do interesse privado sobre o interesse público, tal como ocorre na política orçamentária brasileira. Fechando o ciclo orçamentário brasileiro, as contas são tomadas e fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que tem a incumbência de julgar as contas dos administradores, responsáveis pelo dinheiro, bens e valores públicos mantidos pelo poder público federal. Tem sido recorrente a constatação de que o Tribunal de Contas da União, no Brasil, não consegue julgar eficazmente e penalizar aqueles que se desviam das normas e procedimentos no trato com o Erário. Tal constatação merece atenção da Ciência Política, que necessita descortinar as conseqüências dessa ineficácia na apuração de fraudes e irregularidades com o Erário no Brasil. 3. FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DO ORÇAMENTO DA UNIÃO Como destaca Przeworski (2001), o papel de um tribunal de contas é induzir responsabilização nos políticos para cobrir as falhas da responsabilização induzida via 16 eleições. Uma vez que as eleições sozinhas não conseguem induzir accountability em função da existência de uma assimetria de informação entre os atores, segundo a qual tanto a estratégia do voto vinculado à plataforma eleitoral do candidato, quanto à estratégia do voto retrospectivo, isto é, vinculado ao desempenho dos governos, são falhos é necessário a institucionalização dessas agências de responsabilização, plenamente autônomas em relação às pressões políticas e com poder para denunciar e punir os privilégios na administração pública. O formato institucional do Tribunal de Contas da União permite a tomada de contas em toda a administração pública, com freqüência anual. A importância de um Tribunal de Contas é sua natureza apolítica, segundo a qual a eficiência é alcançada por uma total autonomia das pressões de lobbies e grupos de interesse, presentes na cena política. A partir dessa constatação, o TCU não deve ter nenhum interesse partidário ou alguma meta ideológica. Por sua própria natureza, ele deve ser uma instituição fechada em si mesma, sem qualquer tipo de imbricação com o sistema político ou com grupos sociais específicos tais como famílias, classes ou clãs. Seu formato administrativo permite aos auditores fiscalizarem as contas de todos os atores políticos, em todo o setor público. Caso o administrador público não cumpra as determinações do Tribunal, este determinará a tomada de contas em especial, que se caracteriza pela fixação de um prazo para que o administrador cumpra a decisão. O TCU, portanto, é a instituição do setor público responsável por fiscalizar e penalizar os atores quando estes desviarem recursos públicos para interesses privados. As decisões do Tribunal quanto às prestações de contas podem ser preliminares, definitivas ou terminativas. Uma decisão é preliminar quando o Tribunal resolve cessar o julgamento, ordenar a citação ou a audiência dos responsáveis que sejam necessárias para sanear o processo. Uma decisão é definitiva quando a decisão do Tribunal julga as contas como regulares, regulares com ressalva ou irregulares. Quando a decisão do Tribunal ordena o trancamento das contas que forem consideradas iliquidáveis, a decisão é terminativa. De acordo com a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (2000), as contas serão julgadas regulares quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis e a legalidade da gestão dos recursos públicos. Contas regulares com ressalva são aquelas que apresentam impropriedade ou qualquer 17 outra falta de ordem formal, que não representem danos ao Erário. Finalmente, contas irregulares são aquelas que apresentam qualquer ilegalidade ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, orçamentária, patrimonial ou operacional. Quando o Tribunal julgar uma conta irregular, a condenação é que o responsável pague a dívida corrigida monetariamente, acrescida de juros e multa6. A característica fundamental do Tribunal de Contas da União é que ele garante ampla defesa aos responsáveis pelas agências no interior da administração pública, cabendo, inclusive, recurso às decisões, sejam elas para revisão, reconsideração ou embargos de declaração. Essa característica redunda numa justiça administrativa, que fiscaliza as contas do Presidente da República, atos e contratos, o orçamento da União, bem como presta informações solicitadas pelo Congresso Nacional. A Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União garante a expressão de voz de qualquer cidadão, partido político, sindicato ou associação. No entanto, a denúncia de qualquer ator é apurada em caráter sigiloso, até que se comprove a sua procedência. O processo somente se torna público quando são reunidas evidências concretas de irregularidades. Decorridos noventa dias da realização da denúncia, o Tribunal expede certidão relatando os fatos, mesmo que o processo não tenha as investigações concluídas. Os ministros que compõem o TCU são indicados pelo presidente da República e pelo Congresso Nacional, sendo a proporção de dois terços para este e um terço para aquele, segundo a Carta de 1988. No entanto, nem sempre foi assim. Tradicionalmente, o TCU é dependente do Executivo, que antes de 1988, tinha a prerrogativa de nomear seus ministros, apesar da exigência de aprovação do Senado, que nunca rejeitou qualquer nome apresentado. A composição do TCU é estritamente política, a partir da qual não se pode assegurar autonomia durante a tomada de decisões. Os auditores são recrutados por meio de concurso público, e são nomeados pelo presidente da República. Compõe ainda o TCU a presença do Ministério Público, por intermédio de um procurador-geral, três subprocuradores-gerais e quatro procuradores, nomeados, também, pelo presidente da República a partir de concurso público. 6 Como podemos verificar na história dos diferentes casos de improbidade administrativa, a definição da responsabilidade por atos irregulares é de difícil efetivação, além de que a cobrança da dívida não é feita, tornando-se um instituto legal não institucionalizado. 18 Apesar dessa histórica dependência em relação ao Executivo, analistas têm apontado que o TCU tem experimentado novas formas organizacionais a partir de 1988, aproximando-se do Congresso Nacional (SPECK: 2000; FIGUEIREDO: 2001). Além disso, o TCU experimenta formas mais eficazes de controle, que não só o estreito conceito de fiscalização contábil. Contudo, mesmo com as inovações institucionais, o TCU tem processado lentamente a fiscalização das contas públicas. Como destaca Figueiredo (2001), os relatórios de fiscalização são encobertos pelos ministros do TCU, que não seguem as recomendações dos técnicos por razões políticas. Ela cita como exemplo o caso da construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, na qual o juiz Nicolau dos Santos Neto, junto com o senador Luiz Estevão, desviaram cerca de duzentos milhões de reais dos recursos orçamentários destinados, desde 1992. Somente em 1999 que o processo foi divulgado e tramitou na forma de CPI, sendo que o TCU já sabia dos fatos desde 1992. Além do TCU, exerce fiscalização sobre o orçamento da União a CMO. Desde 1988, como observa Figueiredo (2001), o Congresso Nacional, por intermédio de suas comissões, tem ampliado a capacidade técnica e administrativa de fiscalização sobre o Executivo. A ampla gama de dados processados possibilita aos parlamentares monitorarem a execução orçamentária, bem como o fluxo de dinheiro liberado para obras e investimentos. No entanto, segundo a autora, a CMO não faz a fiscalização do orçamento de maneira satisfatória, ficando esta a cargo da assessoria parlamentar, que visa, primordialmente, ajudar o parlamentar individualmente. No que tange, portanto, à fiscalização do Legislativo sobre o Executivo, Figueiredo (2001) destaca que o Congresso Nacional, comparado ao período democrático de 1946 a 1964, vê seus poderes aumentados. No entanto, segundo a análise da autora, este poder de fiscalização ampliado é menos utilizado que o período anterior, por comparação. Isto porque a capacidade do Executivo de controlar o Legislativo por meio do processo decisório centralizado por meio do controle da agenda do Congresso, do colégio de líderes partidários, pelo controle da mesa diretora de ambas as Casas e pela prerrogativa de iniciar legislações específicas, como o orçamento , mina qualquer possibilidade de controle e fiscalização. O reduzido papel de agente fiscalizador do Legislativo se dá por meio de variáveis institucionais que 19 neutralizam os efeitos da arena eleitoral e da fragmentação partidária. Além disso, como mostra a autora, a concentração de autoridade institucional no Executivo impossibilita a visibilidade das decisões públicas e recrudesce a assimetria de informação entre políticos e cidadãos, reduzindo, assim, a capacidade de accountability vertical. Face a essas variáveis institucionais do processo político brasileiro, o orçamento da União torna-se presa fácil para a corrupção. Uma vez que as agências de controle e fiscalização são fracas operacionalmente apesar das mudanças a partir de 1988 para desempenhar sanções junto aos agentes envolvidos nas decisões públicas, estes encontram motivação suficiente para ampliarem a renda por meio de atos ilegais, que violem o bem público. Como observam Geddes e Ribeiro Neto (2000), a corrupção no Brasil tem três fontes institucionais, que emergem a partir de 1988: (a) a devolução ao Legislativo de poderes sobre o orçamento da União; (b) o sistema eleitoral proporcional de lista aberta; e (c) a desproporcionalidade de representação no Congresso Nacional dos estados. A devolução de poderes orçamentários ao Legislativo favoreceria a prática de fisiologismo e clientelismo com os recursos públicos, em função do característico personalismo da política brasileira, resultante do sistema eleitoral proporcional de lista aberta, além do aumento proporcional dos recursos destinados às regiões mais pobres do país, mais sujeitas à corrupção. Contudo, como mostramos acima, a devolução de poder ao Legislativo, no que tange o orçamento da União, não se confirma em si como fonte de corrupção. O problema da política orçamentária se encontra não na participação dos deputados e senadores na construção do orçamento, e das espoliações que estes fazem dos recursos públicos, como mostram esses autores, mas no profundo fosso existente entre o sistema representativo, de um lado, e o processo decisório no Brasil, de outro. A corrupção no Brasil, não só em relação ao orçamento, é decorrente da ausência dos mecanismos de accountability e de checks and balances, os quais são, por sua vez, decorrentes da disjunção entre sistema representativo, em todos os seus elementos, e o processo decisório, no contexto do sistema político brasileiro, no nível do regime e da organização social e política. Por outras palavras, o déficit de accountability no Brasil ocorre justamente em função da centralização de autoridade legislativa no Executivo. A fraqueza dos mecanismos institucionais de controle horizontal entre os Poderes da 20 União, além da ausência de controle público sobre a destinação dos recursos públicos é que resultam na corrupção política, marcante a partir da abertura na década de 1980 (O’DONNELL: 1998). Ademais, a tese de Figueiredo e Limongi (2002) de que o orçamento da União deixou de cultivar o personalismo não se verifica mediante a recorrência de práticas exclusivamente privadas em relação ao destino dos recursos públicos. Se, por um lado, o sistema político brasileiro ganha em governabilidade com o processo decisório centralizado nas mãos do Executivo, de outro, como mostra a própria Figueiredo (2001), a decadência da accountability, tanto no plano horizontal, quanto vertical, é inevitável. Além disso, a centralização do processo decisório nas mãos do Executivo, torna-o o grande patrão do sistema político brasileiro, colocando todos os parlamentares, individualmente, à mercê de sua vontade, tornando-os fâmulos das coalizões de governo, não representando nenhum ganho para o sistema representativo e para a democracia, como anunciam em sua tese. O orçamento da União, no contexto da centralização de autoridade institucional no Executivo, torna-se moeda de troca entre o presidente, os parlamentares, os governadores e prefeitos, os burocratas e os empreiteiros. Como as instituições de fato pesam, elas favorecem certos cursos de ação dos parlamentares, a partir de um quadro de preferências que maximize a reeleição a partir da destinação de recursos aos seus redutos eleitorais, como mostramos anteriormente, que pese o pork-barrel como prática recorrente (SANTOS, et ali: 1997) e fonte da corrupção com os recursos públicos da União. Esta configuração institucional do orçamento da União possibilita e incentiva a montagem de esquemas de rapinagem com o Erário, tal como ficou constatado na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que ficou responsável por averiguar as irregularidades no orçamento da União. Esta CPI aconteceu no ano de 1993 e, a partir de agora, será objeto para um pequeno estudo de caso que visa a balizar o argumento apresentado acima e a abordar um caso concreto de corrupção no Brasil contemporâneo. A próxima seção disserta sobre a CPI do orçamento. 21 4.CONSIDERAÇÕES FINAIS Mostramos ao longo deste texto a forma mediante a qual são formados os interesses que perpassam a política orçamentária brasileira, bem como os arranjos institucionais que motivam os agentes políticos envolvidos a praticarem a corrupção com os recursos públicos destinados para obras e para as políticas de assistência social do governo brasileiro. O que caracteriza a política orçamentária brasileira é que, mesmo com a centralização do processo decisório do sistema político nas mãos do Executivo, o cultivo do personalismo ainda é um padrão recorrente de ação no interior do sistema. Além disso, o arranjo institucional da política orçamentária brasileira proporciona um déficit de accountability e controle sobre os gastos públicos que motivarão os atores a sobreporem seus interesses privados aos interesses públicos, ou seja, a praticarem atos corruptos que se desviem dos padrões éticos de conduta pública, na medida em que não há qualquer forma institucionalizada de participação política dos cidadãos no processo de tomada de decisões do orçamento da União. A disjunção entre sistema representativo, de um lado, e processo decisório do sistema político, de outro, implica em ausência de sanções aos agentes públicos e privados relavantes na política orçamentária, fazendo com que a já tradicional corrupção com as verbas públicas tornese um padrão recorrente de agência. O quadro de custos e benefícios de ação apresentado neste texto a respeito do processo orçamentário não é deduzido de forma mecânica. O contexto institucional no qual os agentes envolvidos se encontram motivam a prática do pork-barrel enquanto recurso à disposição para a troca de favores entre políticos, burocratas e empreiteiros. A prática do pork-barrel somente será combatida com o uso de formas mais participativas de construção do orçamento da União além de retirar do Executivo o poder de liberar verbas como recurso para a manutenção de coalizões dentro do Congresso Nacional, isto é, mudando o formato institucional do orçamento de autorizativo para impositivo, além de dar a ele um perfil maior de planejamento de políticas públicas. 22 Não é o fato de devolver poder de decisão sobre o orçamento que implicará em sua corrupção, nem tampouco a centralização do processo decisório que impedirá o personalismo, que será combatido com déficit de accountability, mas formas mais participativas e democráticas de acesso da cidadania à informação sobre as políticas públicas do Estado brasileiro. No atual cenário de crise política e de corrupção alastrada no âmbito do governo federal, as lições que vieram com o caso do escândalo do orçamento, em 1993, não foram aprendidas e os mesmos erros retornam com uma força cada vez maior, minando, gradativamente, a confiança do cidadão comum na capacidade da democracia de melhorar sua vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRUCIO, Fernando Luiz. Os Barões da Federação. In: Lua Nova – CEDEC, nº 33, 1994. AMES, Barry. Electoral Rules, Constituency Pressures, and Pork Barrel. Bases for Voting in the Brazilian Congress. In: The Journal of Politics, vol. 57, nº 2, 1995a. AMES, Barry. Electoral Strategy under Open-List Proportional Representation. In: American Journal of Political Science, vol. 39, nº 2, 1995b. AMORIM NETO, Octavio & SANTOS, Fabiano. A Conexão Presidencial. Facções Pró e Antigoverno e Disciplina Partidária no Brasil. In: Dados, vol. 44, nº 2, 2001. ARNOLD, Douglas. The Logic of Congressional Action. 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