INICIAL - 5002021-12.2015.4.04.70081

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INICIAL - 5002021-12.2015.4.04.70081
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República em Paranaguá
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA FEDERAL DA
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PARANAGUÁ-PR
Ref. Inquérito Civil nº 1.25.007.000146/2013-93
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, presentado pelo Procurador da
República signatário, no exercício de atribuições legais, com arrimo no conjunto
probatório colhido no Inquérito Civil Público nº 1.25.007.000146/2013-93, e forte no que
dispõem o art. 129, inc. III, da Constituição Federal; o art. 6º, inc. VII, alíneas “a”, “b” e
“d”, da Lei Complementar nº 75/93; o art. 1º, inc. I c/c o art. 5º, inc. I, da Lei no
7.347/85, o § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/81, bem como o §1º do artigo 927 do Código
Civil Brasileiro e demais dispositivos legais pertinentes, vem, perante Vossa
Excelência, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
(COM PEDIDO DE LIMINAR)
em desfavor de PEDRO AUMANN, brasileiro, casado, aposentado,
natural de São Paulo/SP, filho de Wilhelm Aumann e Marta Shulze Aumann, nascido
aos 06.01.1949, portador do RG nº 5301637 e devidamente inscrito no CPF/MF sob o
nº 016.275.709-34, residente e domiciliado à Rua Dr. Ramos Figueira, nº 725, bairro
Costão, município de Guaraqueçaba/PR; pelos fatos e fundamentos adiante aduzidos:
I – DO OBJETO
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A presente ação visa garantir a compensação do dano ambiental
provocado em terreno acrescido de marinha, de propriedade da União 1, em Área de
Preservação Permanente (APP) localizado na Área de Proteção Ambiental (APA) de
Guaraqueçaba/PR.
O dano foi ocasionado pela construção de uma edificação em alvenaria
do Sr. Pedro Aumann, com três pavimentos, sendo um formado pelos pilotis da
edificação, um pavimento térreo, que apresentava cerca de 130 m², e um pavimento
superior, conforme restou demonstrado no Laudo de Perícia Criminal nº 1921/2014
(fls.142/146).
Ainda, houve configurado o dano ambiental na área, tendo em vista que a
edificação encontrava-se muito próxima à praia e sobre área com vegetação de
mangue pouco desenvolvida.
Dessa forma, restou infringido, em tese, o disposto nos arts. 38-A, 48 e 62
da Lei Federal nº 9.605/98. Por tal razão foi ajuizada denuncia criminal, a qual recebeu
o nº 500171895.2015.404.7008.
Ainda, consoante informado pela SPU (fl. 150), a ocupação da área pelo
Requerido é irregular, de modo que deve ser procedida a desocupação da área.
II – DA SINOPSE FÁTICA
No dia 06 de julho de 2013, por volta das 11h00min, uma equipe de
Policiais Militares Ambientais, pertencentes ao 3º Pelotão Ambiental, lotados no PPMA
de Cacatú; em vistoria no Posto Policial Militar Ambiental do Município de
Guaraqueçaba, foi indagada por moradores locais a respeito de uma grande
construção que estaria sendo erigida próximo ao referido Posto, sendo que, segundo
eles, a área está localizada em terreno de marinha, ou seja, bem pertencente à União.
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Art. 20. São bens da União: (…) VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; (...)”.
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Ainda, foi informado aos policiais que o proprietário não teria qualquer licença
ambiental.
Visando averiguar as informações prestadas pelos moradores locais, a
equipe policial foi aferir o cenário na referida área, sendo atendida de maneira rude e
grosseira pelo responsável da construção, o Sr. Pedro Aumann, o qual lhes informou a
efetiva regularidade da obra, e apresentou a Declaração de Dispensa de Licenciamento
Ambiental (DLAE) nº 002488 (fls. 89-92), expedida pelo escritório central do Instituto
Ambiental do Paraná. Cabe apontar que a referida Declaração de Dispensa refere-se
estritamente à reforma de uma residência, não fazendo qualquer menção à construção
de uma residência de grande porte, como ocorreu no caso em tela.
Neste sentido, de acordo com o Boletim de Ocorrência nº 2013/659439,
verificou-se, segundo o descrito pelos policiais militares ambientais, a “edificação de
uma residência em Área de Preservação Ambiental, ou seja, às margens da orla
marítima; (…) foi verificado que na data de 24 de maio de 2012 já foi confeccionado um
ofício informando a devida situação, porém percebemos que a obra não foi embargada,
visto que o mesmo já está concretando o 2º piso; (…) em contato com o mesmo, este
apresentou apenas uma declaração de dispensa ambiental – DLAE de nº 002488, para
reforma de uma casa de 95 m², quando na verdade o mesmo erigiu uma grande
estrutura em alvenaria, de dois pisos, diretamente das pedras e do solo daquele local
(...)”(fls. 11-13).
Conforme o relatório do 1º Batalhão da Polícia Ambiental, a reforma
descrita neste documento não se refere à citada construção, mas à outra residência de
madeira situada ao lado da construção, que aparece na foto de fl. 09, de cor amarela,
de propriedade de Pedro.
Muito embora o referido boletim tenha sido lavrado em julho de 2013,
vislumbrou-se que a construção vinha, há tempos, causando lesão ao meio ambiente,
conforme depreende-se do Boletim de Ocorrência nº 2012/429805 (fls. 30-33) e do
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Auto de Infração Ambiental nº 108509, lavrado em 18 de outubro de 2012, o qual
descreveu a seguinte conduta:
“Impedir a regeneração natural da vegetação, com a construção de
uma casa de 63 m², em área de preservação permanente, à margem
da baía de Guaraqueçaba” (fls. 25-27).
Em atenção ao citado Boletim de Ocorrência, o réu se manifestou
perante o Instituto Ambiental do Paraná, destacando que possui o imóvel há mais de
vinte anos e que, em razão da deterioração da antiga residência, iniciou a reforma da
casa que acabou sendo demolida pelo seu estado precário. Asseverou, ainda, que no
decurso da construção deste novo imóvel, e após a fiscalização realizada pela Polícia
Militar Ambiental, foi lhe informado a desnecessidade de autorização de qualquer órgão
por motivo da área não se localizar dentro da Área de Proteção Ambiental de
Guaraqueçaba, motivo pelo qual, portanto, prosseguiu a construção (fls. 44-61).
A cópia do referido inquérito civil foi remetida à Delegacia de Polícia
Federal através do Ofício nº 563/2013-PRM-PAR-PR a fim de se apurar a ocorrência
do crime previsto no artigo 64 da Lei nº 9.605/98 2, dando origem, pois, ao Inquérito
Policial nº 0215/2013, processo nº 5002411-50/2013.4.04.7008/PR.
A Secretaria do Patrimônio da União, em relação à regularidade do
imóvel contido no referido licenciamento, informou, através do ofício de fl. 98, que havia
sido encontrado o cadastro de Pedro Aumann, do imóvel objeto do Registro Imobiliário
Patrimonial nº 7585.0100318-11, o qual estava em dia com as receitas patrimoniais.
Esclarece, porém, que este registro não se refere ao imóvel objeto do licenciamento do
IAP nº 11.912.304-6, mas a terreno confrontante. O imóvel, desta feita, estava
irregular perante o órgão.
2
“Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu
valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou
monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida: Pena - detenção, de
seis meses a um ano, e multa”.
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A SPU, ainda, em complementação às informações prestadas
anteriormente, informou que pelo fato da ocupação estar irregular, Pedro havia sido
notificado a desocupar a área. O ocupante, todavia, havia protocolado em 25 de março
de 2014, junto ao órgão, requerimento de Inscrição de Ocupação, o qual foi
posteriormente indeferido pelo órgão, consoante ofício nº 489/2015/DICAR/SPU/PR (fl.
150).
Por tal razão, na mesma ação penal acima informado, o Requerido foi
também denunciado pelo crime de invasão de terras da União (art. 20 da Lei nº
4.947/66).
Em consulta ao inquérito policial instaurado, obteve-se a oitiva do réu
(fl. 122), o qual informou que havia providenciado as devidas liberações para a
construção em tela.
Posteriormente, foi apresentado, no âmbito do referido caderno
investigatório,
o
Laudo
de
Perícia
Criminal
Federal
nº
1921/2014
–
SETEC/SR/DPF/PR, o qual, dentre seus quesitos, apresentou as seguintes
informações:
“(i) a referida edificação encontra-se em terreno acrescido de marinha,
de propriedade da União, em Área de Preservação Permanente (APP),
dentro da APA de Guaraqueçaba; (ii) foi constatada uma edificação em
alvenaria em construção, com vestígios de atividade construtiva
recente, com três pavimentos, sendo um formado pelos pilotis da
edificação, um pavimento térreo, que apresentava cerca de 130 m² e
um pavimento superior, (…) destaca-se, ainda, que houve dano, pois
a edificação encontrava-se muito próxima às águas da baía e
sobre área com vegetação de mangue, ainda que pouco
desenvolvido,
considerado
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como
Área
de
Preservação
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Permanente (APP); (iii) a recuperação da área consiste na retirada
total da edificação e limpeza da área, com o posterior plantio de
essências florestais nativas; (...)” (fls. 142/145).
Destaca-se, por oportuno, que encontra-se em apenso ao Inquérito
Civil em epígrafe o Procedimento Preparatório nº 1.25.007.000006/2014-04, o qual
contém cópia dos procedimentos administrativos em referência à construção em tela,
no âmbito do Instituto Ambiental do Paraná; bem como seu respectivo apenso, que
contém uma denúncia anônima relativa à mesma construção.
Nesse sentido, se faz importante a leitura do documento constante à fl.
2 do referido PP apensado, que deixa claro a indignação da comunidade humilde da
região,
que
tem
suas
liberdades
constantemente
cerceadas
pelos
órgãos
fiscalizatórios, mas que vê, ao mesmo tempo, pessoas que não são nativas, e
detentoras de poder econômico, passando por cima da legislação e construindo casas
em locais não permitidos por lei.
Ou seja, se mesmo às comunidades tradicionais é vedado infringir a lei
ambiental, com muito mais rigor deve-se impedir o mesmo para quem por mero deleite,
o turista veranista, ousa infringir o ordenamento jurídica e promover danos ao meio
ambiente e à paisagem cênica da região.
III – DO DIREITO
III.1 – Do Dano Ambiental:
O direito fundamental ao meio ambiente é fruto de uma nova
concepção
de
direitos
constitucionais,
dotada
de
elevada
complexidade
e
multifuncionalidade. Desta feita, o art. 225 3 da Carta Magna não apenas consagrou a
3
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações; (...)”.
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proteção ambiental como tarefa fundamental do Estado, mas também estabeleceu,
expressamente, um direito público subjetivo. Tal dispositivo, portanto, além de exercer
a função negativa de garantir aos indivíduos a defesa contra agressões ilegais no seu
âmbito material, também ressaltou a imposição ao Poder Público na atuação em favor
da sua efetivação.
Pois bem. O ordenamento jurídico pátrio não dispõe expressamente
sobre o conceito de dano ambiental. No entanto, para se chegar a um conceito,
importante registrar a diferença entre o dano ambiental em sentido estrito e dano
ambiental em sentido amplo.
Francis Caballero4 ensina a distinção ao dizer: "Deve-se distinguir entre
dois tipos de danos ecológicos: o dano ecológico em sentido amplo, isto é, tudo o que
degrada o meio ambiente, e o dano ecológico em sentido estrito, isto é, a degradação
dos elementos naturais".
Firma-se então o entendimento de que dano ambiental em sentido
amplo é aquele que atinge o meio ambiente como bem autônomo e dano ambiental em
sentido estrito é aquele que atinge algum recurso ambiental.
Estabelecidas tais diferenciações, pode-se concluir que o dano
ambiental em sentido amplo é aquele ocorrido em relação ao bem jurídico meio
ambiente. Para tanto, adota-se a conceituação estabelecida por José Rubens Morato 5
Leite:
"Da análise da lei brasileira, pode-se concluir que o dano ambiental deve ser
compreendido como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana
(culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesse
da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente, a terceiros,
tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no
macrobem."
4
5
Apud, MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, p. 422
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. São Paulo.
Revista dos Tribunais, 2003 , p. 104.
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Para aclarar mais o conceito de dano ambiental, recorde-se a definição
de meio ambiente como bem estritamente relacional de seus componentes (recursos
ambientais), sendo que a tutela constitucional busca o equilíbrio nesta relação.
Portanto, pode-se considerar que toda vez que ocorra desequilíbrio na relação entre os
recursos ambientais provocada por ação humana, ocorre dano ambiental.
De qualquer forma o dano ambiental, sob qualquer perspectiva,
deve ser integralmente indenizado e reparado.
Importante ressaltar que os bens ambientais, ainda que dotados de
regime próprio a cada especificidade, seja público ou privado, têm em comum o fato de
serem bens de interesse público, na estrita dimensão de sua influência no meio
ambiente.
Em brilhante lição, Bessa Antunes aponta:
"Meio ambiente é, portanto, um bem communes omnium, de natureza imaterial.
Uma coisa comum a todos, que pode ser composta por bens pertencentes ao
domínio público ou ao domínio privado. A propriedade dos bens materiais e
individualizados que compõem o meio ambiente pode ser pública ou privada,
com exceção do ar atmosférico, que é inapropriável. A fruição do bem jurídico
meio ambiente é sempre de todos, da sociedade. Por outro lado, o dever
jurídico de proteger o meio ambiente é também de toda a coletividade,
podendo ser exercido pelo indivíduo, pelas associações, pelo Ministério
Público ou pelo próprio Estado contra os proprietários individuais e contra o
próprio Estado."6
Neste sentido não se pode deixar de reconhecer que tais bens revelam
interesse a toda coletividade, pois são componentes do macrobem denominado meio
ambiente que é de uso comum do povo.
Esse aspecto muito bem se aplica ao caso em tela, em que alguém,
acreditando estar amparado pelo direito, seja por uma escritura sem valor jurídico
6
ANTUNES, Paulo de Bessa – Direito Ambiental, 16. ed., São Paulo: Atlas, 2014, pg. 524.
8
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algum, usurpa patrimônio da União e ofende o meio ambiente, para satisfazer interesse
unicamente pessoal, que não traz nenhuma função social, utilizando-se de bem público
para interesse estritamente privado.
III.2 – Da Área de Preservação Permanente:
As florestas e as demais formas de vegetação são reguladas pelo
Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), considerando-as como bens de interesse da
comunidade. Seus proprietários exercerão seus direitos de acordo com as restrições e
limitações legais.
O art. 4º do referido diploma conceitua como áreas de preservação
permanente como sendo, in verbis:
“I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente,
excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima
de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de
largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50
(cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que
tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos)
metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos)
metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham
largura superior a 600 (seiscentos) metros; (…) VII - os manguezais, em toda a sua
extensão; (...)”(gn)
Nesta seara, insta apontar a lição de Sirvinskas 7:
“A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo
proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou
jurídica, de direito público ou privado. Tendo ocorrido supressão de vegetação
situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor
ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da
7
SIRVINSKAS, Luís Paulo – Manual de Direito Ambiental, 12. ed., São Paulo: Saraiva, 2014, pg. 578.
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vegetação.”
(gn)
Desta forma, de acordo com o Laudo de Perícia Criminal apresentado,
considerando que a edificação encontra-se sobre área de manguezal, resta-se
indiscutivelmente configurada como área de preservação permanente.
Inclusive, o apontado laudo informa que a área é constituída por
vegetação secundária, em estágio não definido de restauração, do Bioma Mata
Atlântica, que encontra especial proteção, conforme previsto no art. 38-A, da Lei dos
Crimes Ambientais.
III.3 – Da Responsabilidade Ambiental Objetiva:
Pois bem. Uma vez caracterizada a imperiosa necessidade de adoção
de medidas capazes de garantir a compensação e reparabilidade pelos prejuízos,
exsurge a responsabilidade do agente poluidor como sujeito passivo das obrigações de
fazer objeto dos pedidos, mormente a obrigação de desocupação e demolição da obra,
sob intuito de reparar os danos (tutela específica).
Tendo em vista a importância do bem jurídico tutelado no direito
ambiental, a doutrina, e, posteriormente, a legislação, passaram a adotar a teoria
objetiva. Nesta esteia, a interação da legislação constitucional-administrativa, cível e
ambiental, cujos dispositivos pertinentes conjugados, como exposto a seguir,
convergem para a inarredável responsabilidade dos agentes poluidores, considerada
de natureza objetiva, integral e solidária (art. 14, §1º da Lei nº 6.938/81). Ainda, sob
tal aspecto, vigora a independência das instâncias, devendo o responsável responder
criminal, civil e administrativamente (art. 225, §3º, CRFB/88).
Tratando especificamente da tutela ambiental, a Constituição Federal,
em seu art. 225, §3º, numa interpretação inversa da parte final do dispositivo,
determina que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
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sujeitarão os agentes à obrigação de reparar o dano, in verbis: “as condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados”.
Ainda nas lições de Sirvinskas8:
“Não há, pela leitura do dispositivo constitucional, nenhuma incompatibilidade com a
lei infraconstitucional (Lei nº 6.938/81). Essa teoria já está consagrada na doutrina e
na jurisprudência. Adotou-se a teoria do risco integral. Assim, todo aquele que causar
dano ao meio ambiente ou a terceiro será obrigado a ressarci-lo mesmo que a
conduta culposa ou dolosa tenha sido praticada por terceiro. ”
O Código Civil, no artigo que inaugura o título que trata da
“responsabilidade civil” e, mais especificamente, o capítulo “da obrigação de indenizar”,
impôs expressamente a responsabilidade objetiva fundada no risco da atividade, art.
927, parágrafo único: “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem”.
Dos artigos acima mencionados, extrai-se que a responsabilidade para
os causadores de danos ecológicos é objetiva e integral e independente das
instâncias criminal e administrativa.
Sérgio Ferraz, em artigo publicado na Revista de Direito Público,
49/50, p.39 e 40, intitulado “Responsabilidade Civil por dano ecológico”, enuncia as
consequências desse tipo de responsabilidade:
a) irrelevância da intenção danosa (basta um simples prejuízo);
b) irrelevância da mensuração do subjetivismo (o importante é que, no
nexo de causalidade, alguém tenha participado e, tendo participado, de
8
IDEM, pg. 267.
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alguma sorte, deve ser apanhado nas tramas da responsabilidade
objetiva);
c) inversão do ônus da prova;
d) irrelevância da licitude da atividade;
e) atenuação do relevo do nexo causal: basta que, potencialmente, a
atividade do agente possa acarretar prejuízo ecológico para que se
inverta imediatamente o ônus da prova, para que imediatamente se
produza a presunção da responsabilidade, reservando, portanto, para o
eventual acionado o ônus de procurar excluir sua imputação.
E a reparação deve ocorrer, repita-se, independentemente da
existência de culpa por parte dos agentes, graças à responsabilidade civil objetiva
ambiental, também expressamente prevista no art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, que
dispõe sobre a política nacional do meio ambiente:
“sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os
danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para
propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio
ambiente.” (g.n.).
Acerca da responsabilidade objetiva ambiental, não se pode deixar de
trazer à colação a lição de Paulo Afonso Leme Machado:
A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente
tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação.
Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar
e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou
na reparação dos "danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados
por sua atividade" (art. 14, §1º, da Lei n. 6938/81). Não interessa que tipo de
obra ou atividade seja exercida pelo degradador, pois não há necessidade de
que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem for atingido e, se for
o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico jurídico da imputação
civil objetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento
do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito
enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. 9
Portanto, o agente supracitado edificou um imóvel em desacordo com a
legislação ambiental vigente, e, ainda, desprovido de quaisquer licenciamentos
ambientais, bem como de anuência da União, por meio da SPU, proprietário da área;
desenvolvendo, desta forma, atividade efetiva e potencialmente nocivas ao meio
9
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro.
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ambiente em sentido amplo, à flora e à fauna, bem como ao cenário paisagístico local.
Ainda, cabe registrar que qualquer obrigação ambiental veiculado a um
imóvel, ocupação ou congenere, constitui obrigação propter rem, pelo que não é
escusável se justificar que o local já se encontrava dessa ou daquela forma.
III.4 - Do nexo de causalidade entre a conduta do agente poluidor e os danos
ambientais
Como observado no tópico anterior, a responsabilidade por um dano
ambiental recai sobre aquele em que se possa estabelecer um nexo de causalidade
entre sua conduta ou atividade e o dano.
A situação exposta demonstra a efetiva configuração de nexo de
causalidade entre a construção realizada pelo réu para o efetivo dano ambiental
ocorrido na Área de Proteção Ambiental Federal. Não há, dentre o conteúdo probatório
arrolado na presente exordial, qualquer indício de excludente de responsabilidade do
causador do dano, tampouco situações que descaracterizem o nexo de causalidade
existente entre o efetivo dano ambiental e a conduta realizada pelo Sr. Pedro Aumann.
III.5 – Da Multa Diária
Nos termos do artigo 11 da Lei n.º 7.347/85, tratando-se de
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da
prestação da atividade devida, sob pena de execução específica, ou de cominação de
multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento
do autor.
Como na presente ação postula-se o cumprimento de obrigação de
fazer consubstanciada na determinação de desocupação e demolição de imóvel
edificado em área de preservação permanente, afigura-se perfeitamente possível ao
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final, a aplicação da multa diária, conhecida como astreintes, pois trata-se de obrigação
infungível, podendo ser realizada apenas pelo Sr. Pedro Aumann.
Noutros termos, o requerido é o agente que tem o dever de cumprir os
pedidos formulados na presente ACP, razão por que a multa coercitiva deve ser fixada
em seu desfavor.
Já o Código de Processo Civil autoriza o juiz, de ofício ou a
requerimento, a determinar medidas necessárias para assegurar a efetivação da tutela
específica pretendida nas ações que tenham objeto o cumprimento de obrigações de
fazer ou não fazer (fungíveis ou infungíveis) ou de entregar coisa, bem como para
garantir a obtenção do resultado prático equivalente (artigos 461 e 461-A).
Como se pode ver, o artigo 461 do CPC deu ao autor o direito de pedir
uma sentença que, ao reconhecer a ameaça de violação ou a própria violação do
direito, permita a imposição de multa, sem que seja preciso solicitar o meio executivo
através de nova ação.
Assim, faz-se necessário que seja cominada astreintes em valor que
desestimule o descumprimento da decisão, a teor do art. 11 da Lei nº 7347/85 c/c o art.
461, § 4º, do CPC.
III.6 – Da Liminar
O fumus boni iuris está exaustivamente demonstrado nos tópicos
anteriores e confirmado através dos documentos colacionados a esta exordial,
chegando a constituir prova inequívoca da prática de danos ambientais pelo requerido.
O periculum in mora também se revela presente, residindo na possibilidade real e
imediata de agravamento das condições ambientais da área degradada.
Sob a égide do art. 273 do CPC, a antecipação de tutela, requer prova
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inequívoca para comprovar a verossimilhança das alegações. Tal requisito resta
cabalmente comprovado nos autos, haja vista manifestações do IAP como órgão
ambiental e da SPU, órgão da União, como proprietário da área. Ainda, está presente
o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação quanto mais o réu utilize e
modifique a área.
De outra via, a própria Lei da Ação Civil Pública prevê, em seu art. 12,
a possibilidade de concessão de liminar para o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer.
Diante disso, mostra-se imprescindível a concessão da liminar
pleiteada, de forma a impedir que o requerido faça qualquer intervenção na
propriedade objeto dos presentes autos.
O propósito da cautelar postulada restringe-se a estancar um perigo
real e imediato de dano ao direito de reparação da área degradada, afastando-se do
requerido meios para que se aproveite, ainda mais, do ato ilegal por ele praticado.
Por fim, esclarece-se que o pedido de imposição de multa diária em
decorrência do descumprimento da liminar a ser concedida encontra amparo no art.
287 do CPC e não pretende somente garantir a efetividade da medida, mas também
evitar o desrespeito à autoridade do juiz que proferiu a decisão.
Sendo assim, requer-se que seja determinado ao Réu, liminar inaudita
altera pars, para que o Réu seja impedido de realizar qualquer nova intervenção na
propriedade, bem como de usufruir da mesma, devendo o mesmo ser obrigado a
colocar em frente à construção placa indicativa do embargo por decisão da Justiça
Federal em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal.
IV - DOS PEDIDOS
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Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:
a) a citação do réu para, querendo, responder à presente ação, sob pena
de sofrer os efeitos da revelia;
b) o deferimento da medida liminar a fim de impor ao requerido obrigação
de não fazer consistente em abster-se de promover qualquer intervenção na
propriedade, sob pena de multa diária a ser fixada por Vossa Excelência, bem como
para obrigá-lo a colocar em frente à construção placa indicativa do embargo por
decisão da Justiça Federal em ação civil pública movida pelo Ministério Público
Federal;
b) julgamento pela procedência da pretensão, bem como condenar o réu
Pedro Aumann na obrigação de fazer, de desocupar e demolir o imóvel edificado em
Área de Preservação Permanente, situado na Área de Proteção Ambiental de
Guaraqueçaba/PR, bem como promover a limpeza e recuperação do local, tudo isso
em um prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária, em valor não inferior a
R$500,00 (quinhentos reais) por dia de inadimplemento, devendo o órgão ambiental,
ao final, atestar a plena recuperação ambiental;
c) a condenação do réu em custas, despesas processuais e honorários
advocatícios;
Determina-se o valor da causa no montante de R$ R$ 100.000,00 (cem
mil reais), ressaltando a isenção de custas, consoante art. 18, da Lei n o 7.347/85.
Paranaguá/PR, 04 de agosto de 2015.
Documento eletrônico assinado digitalmente.
Data/Hora: 04/08/2015 19:41:49
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