Aproximações e distanciamentos entre brasileiros e bolivianos na
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Aproximações e distanciamentos entre brasileiros e bolivianos na
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CAMPUS DO PANTANAL ANDRÉ LUIS RAMALHO JUNIOR APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE BRASILEIROS E BOLIVIANOS NA VIVÊNCIA FRONTEIRIÇA EM CORUMBÁ-MS. CORUMBÁ – MS 2012 1 ANDRÉ LUIS RAMALHO JUNIOR APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE BRASILEIROS E BOLIVIANOS NA VIVÊNCIA FRONTEIRIÇA EM CORUMBÁ-MS. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito final para obtenção do título de Mestre. Linha de Pesquisa: Ocupação e Identidades Fronteiriças. Orientador(a): Prof. Dr. Paulo Marcos Esselin. Corumbá - MS 2012 2 ANDRÉ LUIS RAMALHO JUNIOR APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE BRASILEIROS E BOLIVIANOS NA VIVÊNCIA FRONTEIRIÇA EM CORUMBÁ-MS. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito final para obtenção do título de Mestre. Tendo sido considerada _________________. Corumbá, 31 de agosto de 2012. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ Orientador(a): Prof. Dr. Paulo Marcos Esselin (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) ___________________________________________ 1º Avaliador(a): Profº. Drº Edgar Aparecido da Costa (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) _____________________________________________ 2º Avaliador (a): Prof. Dr. Jorge Eremites de Oliveira. (Universidade Federal da Grande Dourados) 3 À Georgette, Nair e Genésio: o meu lugar. 4 AGRADECIMENTO A minha família, que sempre se empenhou em transmitir a mensagem de que a educação transforma nossas vidas, assim, investiram e acreditaram muito nos meus planos. Essa é minha maior herança. A Deus, que me deu a vida, meu maior bem. E graças a sua força me mantém lúcido e saudável. Que por sua bondade enviou pessoas especiais para iluminar a minha passagem por este mundo. Dentre essas pessoas, meus avós, meus pais, meus irmãos e amigos. Dentre essas pessoas, Cintia, minha mulher, meu amor. A você agradeço imensa e eternamente. Por todas as horas do seu tempo que destinou a me ajudar, por amor e carinho. Amo você. Ao meu orientador, Professor Paulo Esselin, que com sua seriedade e experiência ajudou infinitamente nos rumos desta pesquisa. Muitíssimo obrigado! Aos professores do Programa de Mestrado, onde cada um ao seu modo nos ajudou grandemente. Agradecimento especial aos professores Gustavo Villela e Edgar Aparecido da Costa, que muito contribuíram no processo de qualificação e em muitos outros momentos. Aos meus colegas do mestrado, turma de 2010, que em algumas oportunidades discutimos fronteira e nos ajudamos com preciosas dicas. Em especial, Edson Grylo e Lourival, com os quais publiquei textos nascidos no âmbito do Mestrado. Também ao Felipe Marôpo, amigo desde a graduação, sempre solícito e educado. Ao meu grande amigo e irmão, Roberto Mauro, companheiro de inúmeras situações indescritíveis e inesquecíveis. Ainda vamos longe, meu amigo. A Ramona Trindade, secretária do Mestrado, sempre muito gentil e prestativa. Aos meus colegas das escolas em que trabalho, em especial à Diretora Adjunta da Escola Dr. João Leite de Barros, Eliete Maciel, que me deu oportunidades e sempre que preciso me estende a sua mão amiga. A Nilza (in memorian), que compartilhou com meus pais a tarefa de educar-me, por isso, uma mãe para mim. A todas as pessoas que direta e indiretamente ajudaram na construção desta pesquisa. A cada pessoa que gentilmente cedeu seu tempo para responder aos meus questionamentos. A cada pessoa que acreditou nesta pesquisa, incentivando e apoiando, debatendo e questionando, contribuindo para seu desenvolvimento e crescimento. Meus sinceros agradecimentos a todos. 5 Creo que He visto una luz al otro lado del rio. (Jorge Drexler - Al otro lado del rio) 6 RAMALHO JR., André Luis. Aproximações e Distanciamentos entre brasileiros e bolivianos na vivência fronteiriça de Corumbá-MS. 69f. 2012. Dissertação de Mestrado do programa de pós-graduação strictu senso Estudos Fronteiriços, da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal. Corumbá, MS. RESUMO A presente pesquisa abordou as interações entre brasileiros e bolivianos na vivência fronteiriça na cidade de Corumbá-MS. O grande número de imigrantes bolivianos presentes nesta cidade e a fronteira suscitam diferentes reações em sua população local. Levantou a hipótese de que o Estado, com suas políticas para as fronteiras, auxiliado pelos meios de comunicação que reproduzem uma imagem da fronteira, geram barreiras na vivência fronteiriça. O objetivo deste trabalho foi captar e analisar manifestações em que brasileiros e bolivianos estejam interagindo. Ao analisar tais manifestações apresenta a teoria de Pontos de Aproximação e Pontos de Distanciamento: em quais situações ou eventos brasileiros e bolivianos se aproximam amistosamente ou se distanciam através de atitudes restritivas entre si e com a fronteira. Caracteriza os Pontos de Distanciamento diante de suas manifestações captadas: são discretas e anônimas. O que por sua vez demonstra a força das aproximações entre brasileiros e bolivianos nesta região. Os Pontos de Aproximação que se mostraram mais evidentes e que foram analisados são o esporte, a religião e as manifestações artísticoculturais. Estes Pontos de Aproximação são resistentes, pois, ergueram-se espontaneamente, sem auxílio governamental. Diante disso, a pesquisa propõe que futuras políticas para as fronteiras devem compreender as particularidades de suas relações, não promover distanciamentos, através de políticas fiscalizadoras e repressivas, mas, sim tentar ampliar as aproximações já existentes. Palavras-chaves: Fronteira, Aproximações, Distanciamentos, Imigrantes. 7 RAMALHO JR., André Luis. Similitudes y diferencias entre Brasil y Bolivia en la frontera viven Corumbá-MS. 69f. 2012. Disertación Programa de postgrado estrictas Estudios Fronterizos sentido, la Universidad Federal de Mato Grosso do Sul, el Campus Pantanal. Corumbá, MS. RESUMEM El presente estudio abordó las interacciones entre brasileños y bolivianos que viven en la ciudad fronteriza de Corumbá-MS. El gran número de inmigrantes bolivianos presentes en esta ciudad fronteriza y elevar diferentes reacciones en la población local. La hipótesis de que el Estado, con sus políticas de fronteras, con ayuda de los medios de comunicación que reproducen una imagen de la frontera, generan barreras a la experiencia fronteriza. El objetivo de este estudio fue el de capturar y analizar los eventos en los cuales los brasileños y bolivianos están interactuando. Mediante el análisis de este tipo de eventos se presentan los puntos de enfoque de la teoría y lugares de Distanciamiento: ¿en qué situaciones o eventos brasileños y el enfoque de los bolivianos o alejarse amablemente a través de actitudes restrictivas entre sí y con la frontera. Puntos características Distanciamiento capturados antes de sus manifestaciones: son discretos y anónimo. Lo que a su vez demuestra la fuerza de las asociaciones entre brasileños y bolivianos en esta región. Enfoque puntos que fueron más evidentes y que se analizaron son los deportes, la religión y las manifestaciones artísticas y culturales. Estos puntos son resistentes Enfoque por lo tanto se levantó espontáneamente sin ayuda del gobierno. Por lo tanto, la investigación sugiere que las políticas futuras de las fronteras deben entender las particularidades de sus relaciones, no promover distancias a través de políticas de control y represión, sino más bien tratar de ampliar los enfoques existentes. Palabras claves: Frontier, aproximaciones, las distancias, los inmigrantes. 8 RAMALHO JR., Andre Luis. Approaching and withdrawing points between Brazilians and Bolivians at the border area of Corumbá-MS. 69f. 2012. Dissertation of Graduate Studies Programm, Master Degree in the strict sense Border Area Studies, Federal University of Mato Grosso do Sul, Campus of Pantanal. Corumbá, MS. ABSTRACT This piece of work addressed how Brazilians and Bolivians deal with each other by sharing the same border at Corumba/MS/Brazil and Puerto Quijarro/Bolivia. The great presence of Bolivians immigrants living at the Brazilian side and the own existence of the border can cause an awakening on its local dwellers, in which each individual reacts differently. It brings up the hypothesis of specific border politics driven by the State that interferes with the frontier worker along with the media that promotes the idea of it by broadcasting what have been causing barriers on the border daily life. This work aims to capture and analyze the common signs of interaction between Brazilians and Bolivians. By analyzing their interactions it proposes a theory called Approching Points and Withdrawing Points: they are situation or events where Brazilians and Bolivians either approach friendly or withdraw through restrictive actions between them and involving the border. The features of Withdrawing Points according to what had been studied are: discretion and anonymity, whereas the Approaching Points shows its ability of bringing Brazilians and Bolivians together at this area. The most effective Approaching Points are sports, religion, artistic shows. These points are resistant, they stand up spontaneously without government aid. Before all this, the actual study proposes that future politics for the boarders should understand its evolving particularities and not support withdrawing through surveillance and repressive policies, rather, they should try making the existent approaching broaden. Keywords: boarder, approaching, withdrawing, Immigrants, Bolivians, Corumba. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 01: Foto de Pichação na Av. General Rondon, em Corumbá – MS. Figura 02: Foto da tabela de preços, em Reais e Pesos Bolivianos, utilizado no Congresso Quéchua. Figura 03: Foto do Convite para o evento em homenagem à Nossa Senhora de Copacabana. Figura 04: Foto do Grupo de dança Caporales, de Cochabamba em Corumbá – MS. Figura 05: Foto da missa na Igreja Matriz de Corumbá em homenagem à Virgem de Copacabana. Figura 06: Foto do andor com a imagem da Virgem de Urkupiña. Figura 07: Foto do banner com a imagem da Virgem de Urkupiña. Figura 08: Foto da final do Campeonato da Bras-Bol: brasileiros e bolivianos jogando futebol em Corumbá - MS. Figura 09: Foto da final do Campeonato da Bras-Bol: brasileiros e bolivianos jogando futebol em Corumbá - MS. Figura 10: Foto do amistoso entre a escolinha de futsal do Corumbaense Futebol Clube e Colégio Boliviano - Canadiense. Figura 11: Foto do amistoso entre a escolinha de futsal do Corumbaense Futebol Clube e Colégio Boliviano – Canadiense. Figura 12: Foto da apresentação cultural do grupo Morenada no III Seminário de Estudos Fronteiriços, Corumbá - MS. Figura 13: Foto da apresentação cultural do grupo Morenada no III Seminário de Estudos Fronteiriços, Corumbá - MS. Figura 14: Foto da Associações bolivianas desfilando no aniversário de 233 anos de Corumbá-MS. Figura 15: Foto do desfile referente à independência da Bolívia: centro de Corumbá - MS 2011. Figura 16: Foto de expressão artística boliviana nas ruas de Corumbá- MS. Figura 17: Foto de expressão artística boliviana nas ruas de Corumbá- MS. Figura 18: Foto de expressão artística boliviana nas ruas de Corumbá- MS. Figura 19: Foto de expressão artística boliviana nas ruas de Corumbá- MS. Figura 20: Foto de expressão artística de grupo boliviano no Dia Internacional da Diversidade Cultural. 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 11 1 - CORUMBÁ: CIDADE FRONTEIRIÇA CONSTRUÍDA POR IMIGRANTES ........... 16 1.1 IMIGRANTES NA CIDADE DE CORUMBÁ .................................................................... 16 1.2 IMIGRANTES BOLIVIANOS NA CIDADE DE CORUMBÁ ........................................... 20 1.3 O IMIGRANTE E A FRONTEIRA ...................................................................................... 23 2 – ESTADO E FRONTEIRA ................................................................................................. 27 2.1 O ESTADO NA CONSTRUÇÃO DA VIVÊNCIA FRONTEIRIÇA. .................................. 27 2.2 A FRONTEIRA CONSTRUINDO A SI PRÓPRIA ............................................................ 35 3 – A FRONTEIRA E SUAS VIVÊNCIAS A PARTIR DE COMENTÁRIOS DE LEITORES DE UM SITE DE NOTÍCIA ................................................................................ 38 4 - PONTOS DE APROXIMAÇÃO E PONTOS DE DISTANCIAMENTO........................ 50 CONSIDERAÇOES FINAIS .................................................................................................... 64 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ..................................................................................... 67 11 INTRODUÇÃO Esta pesquisa lançou seu olhar e análises sobre a vivência fronteiriça das cidades de Corumbá, localizada na região oeste do estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, e Puerto Quijarro, município da província de Germán Bush, departamento de Santa Cruz, Bolívia. O objeto de pesquisa está focado na fronteira e suas circunstâncias. O foco está nos povos fronteiriços1 locais, nos quais se percebem aproximações e distanciamentos entre as duas nacionalidades, por motivos diversos, em diferentes níveis e em diferentes formas, algumas abertas outras discretas. O desenvolvimento retórico retroage no tempo para revelar que a cidade de Corumbá possui uma característica que marca sua História: foi construída, em grande parte, por imigrantes2 de diversas nacionalidades, com destaque aos paraguaios, italianos, portugueses, sírios, libaneses e, em maior quantidade numérica, os bolivianos. Nesta investigação descobre-se que há uma grande presença de imigrantes vindos de diversas partes do território brasileiro. O reflexo desta miscigenação atinge visivelmente a arquitetura, a linguagem empregada, a musicalidade, a culinária, as festividades, entre outras. Dessa forma, esta pesquisa se desenvolveu numa localidade permeada por particularidades, pois, os territórios fronteiriços carregam em si manifestações muito peculiares, tais como as miscigenações (lingüística e matrimonial), fluente troca monetária e transporte internacional de mercadorias. E uma cidade fronteiriça que suas construções sociais foram erguidas por diferentes arcabouços socializatórios, amplifica muito mais suas distinções. Noutros termos, uma cidade fronteiriça construída por imigrantes. Tanto que este é o título do primeiro capítulo. Conforme previamente enunciado, e devido ao seu número de imigrantes que vivem na cidade de Corumbá, os bolivianos figuram como principais atores deste trabalho. Sua forte presença não é apenas detectável em termos numéricos por comporem 74,4% dos imigrantes da cidade de Corumbá, segundo informação do Censo Demográfico do ano de 2.000. Sua presença reverbera no comércio, nas moradias, no trânsito, na culinária, nas manifestações artístico-culturais, esportivas, religiosas, educativas, e outros âmbitos. Essa marcante presença, inarredável, provoca diferentes reações na população local. 1 Nesta pesquisa aponta-se como fronteiriços todos que vivem na fronteira em análise, não se tratando de algum tipo de identificação ou autoindentificação. 2 Nesta pesquisa denominam-se imigrantes todos aqueles que não nasceram em Corumbá, mas que vivem na cidade. 12 Para abordar a presença boliviana, foram imprescindíveis os dados constantes na pesquisa de Souchand e Baeninger (2008), que apresentam diversas características do fluxo migratório boliviano para o território brasileiro, caracterizada pela presença em regiões metropolitanas e fronteiriças. Nada menos razoável, eis que a localidade que mais possui números de imigrantes bolivianos é São Paulo, sendo seguida por Corumbá. Não obstante, o território fronteiriço é marcado pela forte movimentação social, econômica e cultural entre seus habitantes. Os modos e facetas de como estas interações sociais se desenvolvem são os objetos do presente estudo. Se elas caminham para aproximações amistosas, de uma maneira a inclinar-se para solidariedade, ou, se tendem ao distanciamento, tendo como referência ideias preconceituosas. Ainda no primeiro capítulo abordam-se analogias existentes entre a fronteira e o imigrante, que apesar de serem categorias diferentes, possuem intersecções que se apresentaram de relevância na presente pesquisa. O caráter transitório inerente à fronteira e ao imigrante confere amplificações às interações sociais engendradas naquela localidade. A fronteira que vivencia o local, o nacional e o global. O imigrante transitando entre aqui e lá, o provisório e o permanente. Estes elementos atuam no modo como os imigrantes constroem suas relações com o território e seus habitantes. No segundo capítulo, Estado e fronteira, trabalha-se a hipótese que o Estado, com suas políticas e instituições, tem papel preponderante na construção da vivência fronteiriça, que o seu modo de entender a fronteira não somente gerou políticas e instituições com atuação fiscalizadora e repressiva, mas também atuou na maneira como os fronteiriços ergueram sua vivência. Ainda relata como o restante do território nacional enxerga as fronteiras. O Estado, enquanto a maior instituição organizada da sociedade e provedora da sua organização equipou as fronteiras de modo que sua presença fosse evidente, que suas ordens fossem atendidas pelos seus nacionais e entendida pelos vizinhos, em uníssono. Porém, a fronteira é local onde a maleabilidade é a ordem, subvertendo a lógica do poder central. E por esse seu caráter indolente aos olhos do Estado, enseja um permanente requerimento de vigilância. Isto é perceptível nas operações policiais, nas quais o cadeado é utilizado como símbolo oficial. E esta concepção alcançou a alguns fronteiriços, que pedem “que a fronteira seja fechada e que joguem a chave fora”. Ou por aqueles que picham “Muro na fronteira” e “Fora Chollos”. Desse modo, o olhar do Estado para a fronteira ensejou políticas repressivas e restritivas às aproximações entre os povos, ainda que existisse uma ideia de integração, mas 13 que não extrapola os discursos políticos, influenciando no modo como os fronteiriços interagem entre si e veem a fronteira. Sob este prisma, as políticas que o Estado produziu para as fronteiras auxiliaram no distanciamento entre brasileiros e os povos vizinhos, bem como os brasileiros externos às fronteiras enxergam esta localidade. O que se verifica é a vinculação da fronteira ao ilícito e às contravenções. Tudo nela estaria relacionado à permissividade e da relativização das leis. Não há óbice em entender que a veiculação dos meios de comunicações na região aplicou a visão estadista sob suas lentes, contaminando os noticiários. Quase sempre funcionais da reprodução de ideias restritivas, os midiáticos quase sempre focalizam apenas os acontecimentos atrelados às transgressões. É preciso sublinhar que as contravenções e o ilícito realmente ocorrem nas fronteiras, que são portas para o contrabando, o descaminho e ao tráfico. No entanto, é preciso evidenciar mais ainda que, estas atividades não se aplicam a todos os fronteiriços, e que a justificativa para a existência do erro é ainda um fator social nos dois países. Apoiar-se no equívoco como fundo midiático é impedir que o homem de bem, fronteiriço ou não, possa insurgir-se contra qualquer injustiça, enquanto o que incorre em preconceitos pensa ter razão. Com o mesmo esforço que o Estado ergueu marcos físicos na tentativa de manter a integridade territorial e impor suas políticas, os fronteiriços produziram suas vivências a partir das suas necessidades, assim, a fronteira foi ao longo dos séculos construindo a si própria. As políticas estatais fundamentam-se na ideia que a fronteira deve ser o seu instrumento delimitador, que tem por funcionalidade a garantia que suas políticas e ordens serão acatadas. No entanto, contraditoriamente, é na fronteira que os limites são desconsiderados, e a ordem do poder central destoa. Neste cenário, o que se verifica não é a desordem, mas uma nova configuração da ordem, referenciada na própria vida na fronteira. Os fronteiriços, com seu modo de viver a fronteira, quando desconsideram a interpretação totalizante do Estado, promovem uma integração muito mais enérgica e vigorosa que qualquer política de integração jamais alcançará. Sob uma nova ótica, a concepção relativa aos fins deste trabalho e o contexto em que ele está inserido emergem. Seu alvo não se encontra no poder público para fins de políticas publicas, mas diretamente nas pessoas, de modo que elas tornem públicas as ideias de solidariedade entre os povos e seus benefícios. Porque o que se vê com frequência é o Estado se apropriando de ideias e estampando o símbolo estatal, aplicando-as sob o crivo oficial. O que provoca deformações e incompatibilidades, mais distanciamentos e preconceitos. Nesta vertente, as práticas interpessoais cambiam para aproximações amistosas, exigem novos 14 olhares e soluções que respeitem estas condições. De modo lento e gradual algumas políticas já estão sendo implantadas nas fronteiras, respeitando a configuração de suas práticas, como por exemplo, o Programa Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira (PEIBF). Com o propósito de conhecer as interações entre brasileiros e bolivianos na região estudada, foi necessário presenciar alguns eventos e conversar com os atores envolvidos, perceber as reações, principalmente, da população local em relação às manifestações que se desenvolviam. Na maioria das oportunidades se mostrou inoportuno aplicar questionários fechados, mas sim deixar fluir os acontecimentos e, quando possível, se aproximar. No mais, o método consistia em presenciar, tentar captar os acontecimentos, posteriormente analisá-los e, principalmente, compreender as características das interações e onde e como elas se apresentam mais atuantes. Dessa maneira, determinados eventos e situações que foram presenciados serviram de campo de análises. As análises não consideraram apenas as macrorrelações presentes, mas também os sentidos aplicados pelos atores sociais a determinadas expressões e atividades. Depois de feitos os levantamentos bibliográficos e no processo do trabalho de campo, os objetivos foram delineados: captar e analisar pontos de aproximação e pontos de distanciamento na vivência fronteiriça. Situações em que brasileiros e bolivianos aproximamse ou distanciam-se dentro da vivência fronteiriça, apresentando as características dessas movimentações. Para tanto, a cidade de Corumbá foi nosso principal local de análises. Logicamente que os acontecimentos e manifestações nas cidades bolivianas de Puerto Quijarro e Puerto Suárez não foram desconsiderados, sobretudo pelo grande número de seus habitantes que diariamente se deslocam para Corumbá para realizar diversas atividades. O terceiro capítulo, A fronteira e suas vivências a partir de comentários de leitores de um site de notícias, é um estudo de caso no qual se verifica muitas das hipóteses apresentadas nos capítulos anteriores. O modo como os leitores se referem à fronteira e aos bolivianos revela traços interessantes e inerentes das interações sociais construídas na região estudada. O quarto capítulo, Pontos de Aproximação e Pontos de Distanciamento, apresenta casos de manifestações de aproximação e de distanciamento nas relações sociais entre brasileiros e bolivianos na vivência fronteiriça, sua dinâmica e características. Estas manifestações foram apenas captadas e não provocadas ou instigadas. Por isso, elas foram apreendidas do modo como aconteciam, sem interferência deste mestrando. As interpretações que seguem são interferências desta pesquisa. 15 Para compor esta pesquisa buscou-se transitar pelas diferentes disciplinas que os estudos de fronteira se relacionam, sua complexidade demanda um olhar complexo. 16 CAPÍTULO I CORUMBÁ: CIDADE FRONTEIRIÇA CONSTRUÍDA POR IMIGRANTES 1.1 Imigrantes na cidade de Corumbá A cidade de Corumbá completou 233 anos em 2011. Localizada no extremo oeste de Mato Grosso do Sul, dista 427 quilômetros de Campo Grande, capital do estado. Tomando como referência sua zona central, está apenas há seis quilômetros da área urbana de Arroyo Concepción, Bolívia. Seu município abriga grande parte do Pantanal de Mato Grosso do Sul, o que deu origem ao apelido de “capital do pantanal”. Construída às margens do rio Paraguai, Corumbá hoje conta com pouco mais de 100 mil habitantes. Grande parte dos variados fluxos sociais, econômicos e culturais que emergem nesta urbe está relacionada com a existência da fronteira Brasil/Bolívia através deste município. Corumbá possui diversas peculiaridades, algumas próprias das regiões de fronteira, o que a torna uma localidade privilegiada. O destaque é o grande número de imigrantes que sempre recebeu. Após a Guerra do Paraguai, tornou-se importante centro atrativo de estrangeiros, quando imigrantes de diversas nacionalidades, como italianos, portugueses, espanhóis, franceses, sírios, libaneses entre outras se radicaram no local. Desse processo, são notáveis diversos vestígios distribuídos na arquitetura e urbanismo através do casario do porto, prédios do centro da cidade, cemitério, calçadas, etc. A reabertura do rio Paraguai permitiu o contato direto da Província com as Repúblicas sulamericanas platinas, como também o intercâmbio com o Rio de Janeiro e o acesso ao Atlântico. Corumbá foi porta de entrada de mercadorias de todo o mundo e seus comerciantes levavam essas mercadorias a todo o Estado de Mato Grosso uno. Conforme o Censo/20003, verifica-se a marcante presença de diversas nacionalidades na cidade de Corumbá. Os dados registrados informam a existência de 1.474 estrangeiros, o que representa 1,54% da população da cidade, provenientes de 13 nacionalidades especificadas. Na mesma mostra verifica-se também 39 habitantes nominados como de Outros Países da Ásia, e outros 11 como não especificados. Esta cidade recebe grande fluxo de migrantes, e de acordo com os dados da fonte 3 Foram utilizados dados do Censo/2000 e não do Censo/2010 porque as informações referentes à imigração ainda não foram disponibilizadas. 17 citada, verificou-se a presença de naturais de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal. Na amostra, estes migrantes somam 9.897 habitantes, o que representa 10,34% do total da população da cidade, com destaque para os estado de São Paulo (20,5%), Rio de Janeiro (13,3%) e Mato Grosso (19,4%). A entrada de imigrantes é uma característica do estado de Mato Grosso do Sul, tanto uma imigração interna como externa. Com essas contribuições a população de Mato Grosso do Sul aumentou cerca de dez vezes, entre os anos de 1940 e 2007, e de acordo com dados do IBGE, no ano de 2005, os imigrantes representavam 30,2% do total de seus habitantes.4 Uma presença marcante é a dos paraguaios. A acentuada presença dos imigrantes paraguaios em Corumbá está relacionada à Guerra do Paraguai (1864-70), o que foi o mesmo estímulo para grandes movimentos migratórios para outras regiões, devido às consequências desastrosas deste conflito para o Paraguai. Diversos fatores combinados contribuíram para que houvesse grande migração, tanto que os números, dos que partiram e dos que permaneceram, ainda são alvo de debates. No que diz respeito à cidade de Corumbá, de acordo com Wilcox (2008, p.7): “seis anos após a guerra, estimava-se que os paraguaios constituíam mais da metade da população crescente da cidade de Corumbá, provavelmente, seis mil pessoas.” Segundo Lewis, todo o ônus do trabalho recaiu sobre os ombros dos imigrantes paraguaios que entraram na Província após o fim da Guerra da Tríplice Aliança5. Na verdade, foram necessários alguns anos para que a população paraguaia se reestruturasse, consumida que foi no esforço da guerra. Paul Lewis afirma que, “ao iniciar a guerra, o Paraguai contava com uma população de 550 mil habitantes e, no final da mesma, mais da metade havia morrido. Afirma ainda que dos sobreviventes apenas 14.000 eram homens”. (LEWIS apud MORAES, 2000, p. 13). De acordo com Efraim Cardozo, “dos cerca de um milhão e trezentos mil habitantes paraguaios, apenas cerca de trezentos mil sobreviveram à guerra, sendo na sua maioria mulheres e crianças”. (CARDOSO apud MORAES, 2000, p. 13). (...) La teoria de que el pueblo tenía que expiar su adhesión al tirano, freno la ayuda de los vencedores. El Paraguay quedó librado a su suerte. La parte màs dura de la empresa de reconstruir el país recayó sobre las muyeres. Crearon un género de sociedad poligámica, revivencia forzada de las costumbres del siglo XVI, que permitió reponer rápidamente las pérdidas demográficas. (CARDOZO, 1991, p. 121). 4 Disponível em http://www.geomundo.com.br/mato-grosso-do-sul-50122.htm. Acesso em 02/08/2011. Sobre esse assunto ver ainda WILCOX, Robert Wilton. Cattle ranching on the Brazilian frontier: Tradition and innovation in Mato Grosso. 1870-1940. New York University 1992, p. 123 e 124. SODRÉ, Nélson Werneck. Oeste: Ensaio sobre a grande propriedade pastoril. Rio de Janeiro, Jose Olympio, 1941, p. 101. BARROS, Abílio Leite. Gente pantaneira: Crônicas da sua História. Rio de Janeiro, Lacerda Editores, 1998, p. 213 e seg. 5 18 Carlos Pastore, citado por Jorge Lara Castro, diz que “a população paraguaia no início da guerra era estimada em 800 mil pessoas, tendo ficado reduzida a pouco mais de 200 mil. Dos 68.379 homens que sobreviveram, apenas 13.663 eram maiores de 24 anos”. (CASTRO apud MORAES, 2000, p. 13). Isso sem levar em conta os inválidos que, pela natureza dos combates, certamente era um número significativo. Os números apresentados não deixam dúvidas, são consensuais: a nação paraguaia sofreu um duro golpe; a população masculina sobrevivente era na sua grande maioria formada por crianças e idosos, mesmo assim indispensáveis ao esforço nacional de recuperação econômica do país no pós-guerra. As mulheres, grande maioria da população, tiveram que ocupar postos na produção e comércio, até então reservados aos homens, como o de empunhar o arado para tirar da terra o sustento dos seus filhos ou exercer atividades comerciais e industriais. O naturalista Herbert H. Smith, que esteve em Assunção na década de 80 do século XIX, deixou registrado: Quase não se vêem homens; a guerra tragou-os todos, e os rapazes que cresceram depois procuram empregos na cidade ou na labuta do rio. Agora os povoados têm quasi exclusivamente por habitantes mulheres e crianças. (...) Talvez a parte de Assunção que mais parece prosperar é o mercado, que achamos bem supprido de carne e vegetaes. Estava cheio de compradores e vendedores, na maior parte mulheres (...). (SMITH, Herbert H. 1921, p. 231 e 232). De acordo com o Wilcox, o porto de Corumbá, “tornou-se, nos anos de 1870, um centro em relativa expansão, oferecendo a única opção viável para os paraguaios que procuravam uma vida melhor” (WILCOX, 2008, p.14). O referido autor indica que noutras conjunturas houve novas levas migratórias, citando o ano de 1876, na região que compreende Corumbá e a vizinha Ladário, onde se estima que os paraguaios constituíssem metade da população. Nesta localidade, com a retirada das tropas brasileiras do território paraguaio, no mencionado ano e subsequentemente, chegou um contingente feminino com cerca de 1.500 mulheres e crianças, em companhia de aproximadamente 4.000 homens. Ressalte-se que foram necessárias algumas décadas para que a população paraguaia, consumida pelo esforço de guerra, se reestruturasse. Nas palavras do Wilcox: “embora tais estatísticas impressionistas possam estar exageradas, elas revelam efetivamente a enorme presença paraguaia em Corumbá nos primeiros anos do pós-guerra.” (Wilcox, 2008, p.15). Esta presença ainda se verifica acentuada, conforme dados do Censo do ano de 2.000, onde os paraguaios representam 10,4% dos imigrantes da cidade de Corumbá, de fato uma presença destacada. 19 Em meados dos anos 1950, começaram a chegar nesta cidade imigrantes palestinos, expulsos de sua terra natal após a ocupação de Israel em 1948 (OLIVEIRA, 2004). A comercialização de mercadorias, prática dominante entre os imigrantes vindos do Oriente Médio, passou a ganhar maior dinamismo com a presença dos palestinos. Segundo o mesmo autor, um dos motivos que teria atraído os palestinos para esta cidade foi o fato de sírios e libaneses terem alcançado sucesso, principalmente, no comércio. Posteriormente, o que teria estimulado novas migrações palestinas foi o comércio estabelecido com os bolivianos. Sobre a imigração árabe na região do Pantanal, Souza (2009, p.1) afirma que: a maior parte dos imigrantes se estabeleceu em São Paulo, no Brasil, e Buenos Aires, Argentina, no caso da imigração para a América do Sul, e vieram para a região do Pantanal mato-grossense cuja concentração maior foi na cidade de Corumbá. E segundo o mesmo autor, “sua ação foi absolutamente importante não apenas no que concerne ao abastecimento, mas com relação às interferências culturais e espaciais.” Após a Guerra do Paraguai, o Pantanal sul foi o grande beneficiário da expansão capitalista que ocorreu na segunda metade do século XIX, com a internacionalização da economia. A reabertura do rio Paraguai à navegação permitiu intenso intercâmbio comercial, como também o crescimento da economia portuária e a penetração de capitais estrangeiros tanto para o desenvolvimento da pecuária como para os transportes e a mineração. Antes dos árabes, a partir do final da segunda guerra mundial, Corumbá já havia vivido intenso processo de desenvolvimento econômico e cultural. Após a acomodação desses imigrantes na cidade, e a conseqüente ascensão social de parte considerável deles, a partir dos anos 1950, Corumbá experimentou um ciclo de desenvolvimento econômico com a instalação de diversas indústrias, cujos proprietários eram, predominantemente, imigrantes. O ponto de confluência de toda essa movimentação era o porto da cidade, dada sua importância estratégica, como afirma Oliveira Neto (2005, p. 43-44): o seu porto passou a ser o local de transferência dos produtos para embarcações de diferentes calados, dependendo do seu destino. O mesmo acontecia com as mercadorias importadas, que passaram a lotar os armazéns das casas comerciais corumbaenses, para depois seguirem, por vários navios de menores dimensões, para Cuiabá ou para outras cidades ribeirinhas do interior e daí circularem via térrea (...) tudo isso garantiu a elevação da cidade de Corumbá à condição de principal entreposto comercial de Mato Grosso. O volume de mercadorias, possibilitou para aquela cidade, conjuntamente, um grande trânsito de pessoas e de dinheiro (...) Essa nova realidade, causada pelo aumento da circulação de mercadorias, possibilitou a chegada de uma grande quantidade de imigrantes estrangeiros. 20 Imigrantes de diversas nacionalidades contribuíram para a construção da cidade de Corumbá/MS, cada qual com sua importância cultural, socioeconômica, e política. A presente peça versa sobre a seleção e apresentação e importância da presença dos imigrantes citados. Há de se reconhecer a amplitude do universo que é muito maior que a abrangida. Não obstante o reconhecimento desse imenso universo, a intenção é evidenciar a relevância dos imigrantes na construção desta cidade. 1.2 Imigrantes bolivianos na cidade de Corumbá A partir da segunda metade do século XX, com o dinamismo trazido pela construção da ferrovia em direção à Santa Cruz de La Sierra, Bolívia, intensificou-se a construção de relações com os vizinhos bolivianos (OLIVEIRA NETO, 2005). Muitos vieram daquele país para trabalhar nas obras da ferrovia, mas, também, para ocupar-se em outras tarefas no comércio, serviços e construção civil. Neste mesmo sentido aponta Barreda (2008) onde a presença boliviana, no estado de Mato Grosso do Sul, é registrada desde antes dos anos de 1950 e a Ferrovia Noroeste teria sido um chamariz. Como reitera Marques (2008): a ferrovia, portanto, constituiu-se num dos elementos propulsores do povoamento entre fronteiras até então praticamente subordinada à navegação platina. Sobre a presença boliviana no Brasil e na cidade Corumbá, é valiosa a contribuição da pesquisa de Souchand e Baeninger (2008), que apresentam, sob os dados do censo demográfico do ano de 2000, que esta vem aumentando consideravelmente. Entre os anos de 1991 e 2000, o número de imigrantes bolivianos no país apresentou um crescimento anual de 2,41%. Todavia, estes números ainda não representam um total, já que existe um contingente que escapa aos censos. Souchand e Baeninger (2008) traçam um perfil desta presença, que tem por características uma distribuição significativa nas áreas de fronteira e regiões metropolitanas, com uma tendência a aglomeração em municípios fronteiriços, e nisso se destaca a cidade de Corumbá, que tem a segunda maior concentração de imigrantes bolivianos do país (5,4%), atrás apenas de São Paulo (37,9%). De acordo com dados da mencionada pesquisa e do censo demográfico de 2000 registrou-se em Corumbá “789 domicílios com presença boliviana (mesmo que os filhos ou cônjuges sejam brasileiros), representando 3,4% do total dos domicílios e englobando uma população de 3.240 pessoas.” (SOUCHAND e BAENINGER, 2008, p.276). Ressaltando que este número representa os recenseados, não inclui os não documentados, ou seja, os que, 21 devido sua situação ilegal escapam às estatísticas governamentais. De acordo com Fusco e Souchand (2009) “é importante insistir que o Censo subestima a presença boliviana, por subregistro, e segundo a estimativa da Pastoral do Migrante, a população boliviana em Corumbá se aproximaria a 8.000 indivíduos”. Os dados do Censo/2000 informam que os imigrantes bolivianos na cidade de Corumbá representam 74,4% do total de estrangeiros habitantes nesta cidade, o que soma um número de 1.098 pessoas, evidenciando o destaque desta presença. As 3.240 pessoas que a pesquisa acima citada se refere é uma estimativa, que inclui filhos e cônjuges. A presença boliviana na cidade de Corumbá é facilmente perceptível aos olhos. Narram Souchand e Baeninger que “a concentração da imigração boliviana em poucos lugares, ou seja, registrados em poucas cidades, marcadamente em regiões metropolitanas e fronteiriças, faz com que sua presença seja muito mais marcante e visível.” (SOUCHAND e BAENINGER, 2008, p.276). E sobre a cidade de Corumbá, apontam que ela é “um lugar estratégico de articulação dos fluxos de bens, pessoas e informações (...)” Acerca das atividades exercidas pelos imigrantes bolivianos, segundo Fusco e Souchand (2009, p.5) “a atividade principal dos migrantes é o comércio. Essa especialização entende-se pela localização da cidade, sendo a fronteira um lugar predileto para os comerciantes.” Cabe dizer que a opção pela atividade comercial pode estar ligada ao nível de inserção destes imigrantes no mercado de trabalho da sociedade receptora, sobretudo quando se trata de nãodocumentados. A presença boliviana é apercebida com mais frequência nas feiras livres, feira Bras-Bol6 e no centro comercial da cidade. Sobre a escolaridade dos imigrantes bolivianos, os pesquisadores Fusco e Souchand nos apresentam que “as proporções mais semelhantes estão entre 5 e 9 anos de estudo, para ambos contingentes de imigrantes” (os pesquisadores fazem uma diferenciação dos provenientes de Terras Altas e Terras Baixas, isto relativo ao território boliviano). Por Terras Baixas os pesquisadores entenderam os departamentos de Santa Cruz, Beni Pando e Tarija, enquanto os de Terras Altas os departamentos de La Paz, Potosí, Oruro, Chuquisaca e Cochabamba. (FUSCO e SOUCHAND, 2009, p.12). Dessa forma, com o nível de escolaridade apresentado, a inserção no mercado de trabalho, através das vias formais, se torna mais difícil, o que faz da atividade comercial não mais uma opção, mas uma saída. O nível de escolaridade, somado ao tempo de chegada e condições de estabelecimento no novo destino também influenciam na inserção no mercado 6 A feira Bras-Bol assemelha-se a um “camelódromo”, onde trabalham brasileiros e bolivianos, comercializa os mais variados tipos de produtos. 22 de trabalho. A situação ilegal também diminui a possibilidade do estabelecimento de uma atividade formal e até mesmo na capacitação para o trabalho. Assim, como na cidade de Corumbá já existem outros bolivianos que através do comércio prosperaram, esta atividade torna-se um importante ramo para os imigrantes recém-chegados. Vale expor que as atividades comerciais, de certo modo, também tem representado uma alternativa de trabalho aos corumbaenses, devido à dificuldade de inserção em outros ramos do mercado de trabalho, muitas vezes pela baixa qualificação profissional. A pesquisa de Fusco e Souchand (2009) nos revela que a presença boliviana na cidade de Corumbá é marcadamente heterogênea, sob diversos ângulos, tais como linguísticas, socioeconômicos, localização espacial (tanto na origem como no destino), escolaridade, sexo, entre outros, o que confere peculiaridades aos diversos grupos de bolivianos que habitam esta cidade. Esta apresentação tem por proposta expor a marcada presença boliviana nesta região fronteiriça, presença que já foi analisada por diversos estudos no âmbito do Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços, por exemplo, o de Silva (2010, p.28), o qual registra que “eles se fazem presentes em todos os cantos da cidade, como feiras, mercados, escolas, praças, postos de saúde, restaurantes, etc.” A mesma autora descreve um dado interessante: “quem mora em Corumbá geralmente conhece na cidade pelo menos uma família constituída por brasileiros e bolivianos”. Dessa forma, os dados estatísticos e a experiência cotidiana convergem. A intenção deste trabalho não é analisar as características desta presença, mas sim determinados desdobramentos advindos dela, em foco estão as aproximações e distanciamentos provocados pelas manifestações de preconceito e solidariedade entre os fronteiriços desta região. Outras pesquisas desenvolvidas no âmbito do Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços focalizaram diferentes aspectos acerca da presença boliviana na cidade de Corumbá. Estas pesquisas abordaram as moradias, trabalho infantil, práticas comerciais e emprego informal, ambiente escolar, violência doméstica, entre outras. O que reflete a intensidade da presença boliviana nesta cidade. A fronteira Brasil-Bolívia é o foco desta pesquisa, quando abrange as cidades de Corumbá/MS e Puerto Quijarro/BO. As duas cidades conjunta e reciprocamente fomentam atividades das quais se conferem uma acentuada movimentação de pessoas, mercadorias, informações e tantas outras movimentações, lícitas ou ilícitas. Dessa forma pode-se dizer que existe uma sólida vivência fronteiriça neste território, mesmo quando negada por parte dos atores sociais que compõem a vida nesta fronteira. 23 O grande número de imigrantes bolivianos que vivem em Corumbá e os trabalhadores bolivianos que moram na Bolívia, mas que diariamente exercem suas atividades na cidade brasileira potencializam as relações advindas da vivência fronteiriça. Ou seja, elementos com traços marcantes envolvidos num só corpo social: a fronteira, a vivência fronteiriça e o imigrante. Elementos que em sua composição possuem universalidades, mas quando analisadas de perto apresentam suas particularidades. Neste palco, de uma cidade fronteiriça que, em grande parte, construída por imigrantes, que se desenvolveu este trabalho. Assim, numa localidade efervescente do ponto de vista de suas construções sociais, pois tanto a fronteira como o imigrante possuem lógicas próprias pautadas em suas condições e contradições. 1.3 O imigrante e a fronteira O imigrante e a fronteira são elementos constituintes desta pesquisa, ambos os alvos de diversos trabalhos, amplamente discutidos e problematizados. O que interessa são suas intersecções, onde eles interagem e atuam criando representações próprias. E nisso, tanto a fronteira quanto o imigrante são fecundos. Talvez por isso, por essa face das propriedades que estes elementos possuem, ensejam tantas discussões, controvérsias e tentativas de conceituações. O imaginário criado em torno das fronteiras e dos imigrantes gerou e, ainda gera, descompassos entre as interpretações e o real, principalmente sobre suas condições e contradições. Eles possuem uma característica comum: a transitoriedade. A fronteira entre o local e o internacional, entre a integração e integridade, por exemplo. E o imigrante entre o permanente e o provisório. Assim como também são flexíveis nessas suas condições. Por vezes contraditórios, ou ambíguos. Sobretudo, é de grande complexidade envolvê-los. Como apresenta Castilho (2003) citado em Marques (2008), quando se refere às esferas em que o fenômeno migratório se insere: na econômica, nas políticas estatais, na sociocultural, na demografia, entre demais esferas. Dessa maneira, a referida intersecção está nos imigrantes em região de fronteira. E como já exposto, os imigrantes bolivianos escolhem preferencialmente as regiões de fronteira para se estabelecer. O que prescinde diferenciações, pois se trata de um processo singular. A propósito Albuquerque afirma (2008, p. 3): a imigração fronteiriça apresenta singularidades em relação às imigrações internacionais de longa distância e às migrações em contextos nacionais (...) 24 De uma maneira mais específica, entretanto, compreendo a imigração fronteiriça como os deslocamentos populacionais nas zonas de fronteiras entre países vizinhos. Os imigrantes fronteiriços, com exceção das ocasiões de guerra ou outros conflitos diplomáticos entre a nação de origem e de destino, continuam mantendo muitos contatos com seu país e permanecem se comunicando em seu idioma nativo. As fronteiras têm em sua composição a confluência, a interação de diversos elementos. Estes elementos quando gerados tinham como referência o quadro nacional, mas como o próprio processo de erigir fronteiras está atrelado à existência próxima do outro, a convivência aconteceu, e muitos desses elementos acabaram por experimentar alterações, tanto para reforçar a nacionalidade como para criar novos modos de vida. Assim, o manuseio dos símbolos nacionais foi se tornando uma característica forte das fronteiras, o que fez com que seus respectivos Estados adotassem políticas de intervenção, impondo marcos fiscalizatórios, como se estes fossem frear alguma interação que as pessoas que ali vivem se propusessem gerar. Muller (2008, p.16), a respeito afirma: Através de um exercício diário, o fronteiriço extrapola qualquer discurso que pregue a integração, coloca em prática ações surgidas de uma necessidade premente, descobre e inventa formas de ultrapassar barreiras, enfrentando dificuldades de modo a tornar viável a vida na fronteira. Para fortalecer esta ideia “o cotidiano no espaço fronteiriço, tem em si imenso potencial de integração e, da mesma forma, de conflito, capaz de incidir decisivamente nas relações bilaterais e na integração maior” (SCHAFFER apud SOARES, 2008, p.40). Entre a integração de povos vizinhos e a integridade física do território e das políticas nacionais está a fronteira, mas quem determina o sentido dessas ações são agentes diferentes. Para aproximação e também para o distanciamento, estão os fronteiriços, mas o modo de lidar com os vizinhos passa pelo olhar que o Estado emprega à fronteira. Mas, se aqueles que ali vivem se inclinam muito mais para a interação amistosa, ou seja, para uma aproximação, o Estado tem por obrigação agir de acordo com esta característica. Desse modo, infere-se que a flexibilidade é característica da fronteira. Obedece claramente às políticas que partem do poder central, porém sua aplicabilidade requer ajustes, pois, sua atmosfera é singular. E tentar aplicar qualquer projeto que não veja ou não entenda suas particularidades é incorrer em equívocos que podem, como conseqüência, ampliar ainda mais os distanciamentos, tanto no que diz respeito das relações entre os limítrofes quanto das incompatibilidades com o projeto nacional. 25 O que se verifica é que a fronteira, por sua vivência diferenciada e lógica própria, que tem como referência suas necessidades, acabou por se estabelecer num campo transitório, que só é possível através da flexibilização. Tal fenômeno não deveria ser visto como impróprio, quando a diversidade é o mote da globalização, o que faz crer que os Estados prescindem unificações. Contar com diferenciações, sobretudo nas fronteiras, não faz parte do plano do Estado, e tampouco dos agentes de suas instituições. Um Agente Federal, por exemplo, que trabalha na fronteira precisa entender que se trata de uma localidade com estruturas diferentes das de outros lugares, eis que há a inerente proximidade de outro país e todas as circunstâncias advindas desta proximidade. Do contrário, a falta de discernimento sobre as diferenças entre uma região fronteiriça e de outra qualquer, acarretará no equívoco de ver irregularidades e restrições nas legítimas relações construídas historicamente nas fronteiras. Essa visão decorre do tipo de instrução uniformizada que se recebeu, a qual não pondera as diferenças das regiões fronteiriças. E nesse sentido, de rigorosidade com que os Estados foram compondo suas políticas nacionais, com a proposta de unidade em todo seu território, engendraram-se muitas desarmonias, que por sua vez ensejou mais interdições do que aproximações entre os fronteiriços. E nisso a fronteira e os imigrantes têm fortes laços: ganham a forma atual com a criação do Estado-Nação e os olhares que se lançam sobre eles tem como referência o Estado. A ação do deslocamento é muito mais antiga que o Estado e mais ainda que os Estados nacionais. No entanto, com sua criação e estabelecimento como modelo, os deslocamentos passaram a se dar entre nações, ou seja, internacionais. E como um dos pilares do EstadoNação é a unidade, o de fora passou a ser o estranho, o outro, muitas vezes indesejado, pois, rompia com a ideia de unidade, com a ideia de um povo, uma nação. Mesmo antes das unificações nacionais o indivíduo estrangeiro já existia. Na Grécia Antiga não eram considerados cidadãos. Mais precisamente em Esparta eram os periécos, os habitantes da periferia, sem direitos políticos. E esta ideia perpassou a Antiguidade e atingiu a Modernidade, alcançando os dias atuais. Não é difícil ver os imigrantes sendo culpados pelas mazelas de determinados locais. Assim como também as fronteiras são responsabilizadas por diversos problemas, muitos deles não exclusivos das regiões fronteiriças. A condição imigrante se funda na contradição (SAYAD, 1998). Entre o provisório e o permanente. Assim como no permanentemente provisório. A respeito das provisoriedades, afirma Sayad, estão ligadas a ilusão do eterno retorno, elemento constitutivo da condição do imigrante (SAYAD, 2000), e isto ocorre porque cada vez mais os imigrantes se instalam 26 definitivamente, desse forma, estabelecem laços reforçados com suas origens, mas ao mesmo tempo se vê obrigado a se inserir numa nova realidade, e para isto, se nega como imigrante e se mostra como morador de uma nova casa. Ou seja, deveras complexa a condição do imigrante. Entre adotar os novos costumes de um novo lugar e resistir aos antigos costumes, o imigrante se coloca numa situação inédita, que não é nem um nem outro, mas um novo indivíduo. E nesse sentido, se colocarmos a questão da localidade isto se amplifica. Pois, o imigrante também é antes um emigrante (SAYAD, 1998). Noutras palavras, ele não é totalmente daquele novo lugar que o recebeu, como também não é mais do antigo lugar do qual foi embora. Mesmo que conserve antigos costumes, estes estão agora modificados, pois, o novo lugar restringe as condições ideais do seu uso e aplicação. Mais do que apresentar a condição contraditória dos imigrantes, é preciso expor as consequências de sua saída e de sua presença, sobretudo no que diz respeito aos Direitos Humanos. Segundo Schwarz (2010): “a imigração está colocando à prova a capacidade do mundo de universalizar os direitos humanos”. O mesmo autor relaciona este problema às ações estatais, ao afirmar: a imigração está desvelando a dupla face com que atuam os países centrais, generosos no momento de produzir grandes declarações internacionais, mesquinhos no momento de fazer efetivos os mesmo direitos dentro dos respectivos territórios nacionais” (SCHWARZ, 2010, p.1) Nesse sentido, as fronteiras acabam por exercer um papel relevante dentro das políticas destes Estados, pois, quase como regra, são políticas de caráter proibitivo e visam coibir a entrada de imigrantes. O que também revela uma face ambígua da globalização, que prega o viver sem fronteiras. Que noutras palavras quer dizer, sem fronteiras paras as mercadorias dos países capitalistas desenvolvidos. Entretanto, muros, arames farpados e postos policiais para imigrantes dos países subdesenvolvidos. O que Milton Santos denomina de fábula da globalização. Dessa maneira, conjugando a fronteira e o imigrante, colocando-os sob a mesma mira de análise, encontramos a flexibilidade como ponto comum entre estes elementos. Suas condições implicam em contradições, os tornando elementos complexos que transitam, mas que também possuem suas particularidades flexibilidade/transitoriedade são suas marcas. visíveis. Podemos dizer que a 27 CAPÍTULO II ESTADO E FRONTEIRA 2.1 O Estado na construção da vivência fronteiriça Preliminarmente, há que considerar tanto o conceito de Estado como o de fronteira. O referencial encontra-se no trabalho de Sahid Maluf, a Teoria Geral do Estado (2003), na qual o autor apresenta apoiado em outros autores, diversas definições e algumas delas se mostraram apropriadas trabalho em tela. Diante das ideias que se desenvolveram nesta pesquisa, foi imprescindível conceituar Nação, relacionada com a noção de Estado. Assim, nos apresenta Maluf (2003, p.15): “Nação e Estado são duas realidades distintas (...) Nação é uma realidade sociológica; Estado, uma realidade jurídica. O conceito de Nação é essencialmente de ordem subjetiva, enquanto o de Estado é necessariamente objetivo.” Para Mancini, citado por Maluf (2003, p.15), a formação nacional está assentada nos seguintes fatores: naturais (territórios, unidade étnica e idioma), históricos (tradições, costumes, religião e leis) e psicológicos (aspirações comuns, consciência nacional, etc.). Sahid Maluf cita Clóvis Beviláqua, em que “o Estado é um agrupamento humano, estabelecido em determinado território e submetido a um poder soberano que lhe dá uma unidade orgânica” (Maluf, 2003. p. 21). A população, o território e o governo são os elementos constitutivos do Estado. E nesse sentido, afirma Maluf (2003) que “A condição de Estado perfeito pressupõe a presença concomitante e conjugada desses três elementos, revestidos de característica essenciais: população homogênea, território certo e inalienável e governo independente.” Trata-se de o Estado idealizado, no qual os elementos citados na realidade se alteram, principalmente, se pensarmos na heterogeneidade da população do Brasil, nas transitoriedades que o território experimenta e na dinâmica das relações internacionais. Diante desse enunciado conceitual serão pautadas as ideias referentes ao Estado e também à Nação. Do Estado que pretende ser total e soberano, que promove a organização e deseja ser respeitado em todo o seu território, sem considerar insubordinações à sua autoridade, ainda que estas representem a necessidade de sobrevivência e suas referências sejam as necessidades locais, que destoam da ordem nacional. E nesse ponto as fronteiras são 28 especiais, pois, experimentam em algumas oportunidades certas situações, nas quais a sua vivência fronteiriça se sobrepõe aos símbolos nacionais. Com a criação do Estado-Nação, a ótica do poder central sempre caminhou em direção de uma unidade, das forças armadas, território, língua e leis que estivessem de acordo com uma lógica nacional. Mesmo considerando que as fronteiras estiveram, nesse processo, condicionadas à obediência desse sentido, sua existência sempre esteve marcada pela maleabilidade, seja pela experiência bi-nacional, seja pela condição de borda. Quando à baila os assuntos políticos, a ideia de importância e grandeza do Estado emerge. Na atualidade é lúcido raciocinar que sua autoridade reproduza autoridades pregressas, como as das religiões, por exemplo, assim como a força militar, pois, se a primeira buscava a onipresença, a segunda a onipotência das elites sobre seu povo e de um povo sobre outro povo. É mister reconhecer que o Estado é a instituição maior de uma nação. Administrativa e historicamente, ele criou diversas outras instituições com o fim de regular as atividades desenvolvidas na sociedade, sejam econômicas, políticas, sociais, culturais, etc. Tais instituições possuem mecanismos de aferição daquelas atividades para confirmá-las ou coibilas. Ou, pelas palavras de Bresser-Pereira (2005): O Estado é o instrumento de ação coletiva por excelência da sociedade. É a forma, através da qual, a sociedade busca alcançar seus objetivos políticos fundamentais: a ordem ou estabilidade social, a liberdade, o bem estar e a justiça social. Estes quatro objetivos são cada um deles finais, mas a ordem ou segurança pública é o primeiro e o principal deles. Não apenas porque sem ela não é possível alcançar os outros três objetivos, mas também porque é o único que está implicado na definição mínima de Estado. O reconhecimento ao Estado é um dos suportes jurídicos fundadores da modernidade. Não se trata aqui de vinculação às flutuações políticas que ele está sujeito, mas ao seu corpo legal e administrativo. Tal subordinação, e as penalidades aplicadas à insubordinação, visam garantir a ordem social mencionada. Contudo, deve-se admitir que tais prerrogativas do Estado não são monolíticas, pois, o modo de compor a vida em cada lugar também se constitui em uma busca pelos objetivos políticos fundamentais, e a liberdade para essa empreita também é um objetivo. Isto denota a existência de peculiaridades que o Estado não alcança. Uma das características mais marcantes das fronteiras não é apenas estar ou não estar subordinada às ordens nacionais às quais elas compõem. Isto se dá porque que ela extrapola os sentidos de “ordens e desordens”, eis que é notável este fenômeno nas lacunas inatingidas pelo Estado. Em síntese, as fronteiras não são apenas possuidoras de dinâmicas próprias, elas 29 são possuidoras de si próprias, mesmo que em diversas delas isso não seja assumido. Como forma e símbolo de manter as ordens nacionais, nelas circundam e atuam diversas instituições de Estado de cada nação que as compõem. Diante desse quadro fático, destacam-se as que têm caráter repressor e fiscalizador. Tal zelo que as nações descarregam sobre as fronteiras é fruto da insegurança que elas sempre inspiraram ao poder central, criando mecanismos que têm, por essência, o enrijecimento de suas ações. O sentido policial que o Estado-Nação despeja sobre as fronteiras repercute, principalmente, na manutenção da ideia estigmatizada de espaços altamente sujeitos aos atos ilícitos e à violência. O Estado busca legitimar-se de diversas formas, principalmente pela força ou pela organização. Isto é possível através da sua máxima expansão e presença, visíveis nas instituições que criou e operacionalizada pela sua burocracia. De fato, as instituições, segundo suas determinadas cartas, existem num sentido de concretização e sua aceitação, que encontram compatibilidades e são geradas no meio social (HAURIOU, 1927). Neste sentido, entende-se que a reprodução, por parte da sociedade, de enredos funcionais das instituições formais quando a organização social das fronteiras se estabelece através dos fronteiriços, através das suas necessidades. A elas se estabelece valores simbólicos e diversos significantes que delineiam seus semblantes. Ou seja, ao reproduzir o Estado, a sociedade fortalece seus símbolos e diminui os vazios entre o discurso estatal e a vivência fronteiriça. Assim, o Estado se estabelece e o fronteiriço evidencia sua pertinência a ele. Por entender que as fronteiras são palcos de contravenções, o Estado as equipa com vigilância constante. Essa visão tem auxiliado desde sempre para a formação da ideia que se faz das fronteiras. E se o sentido é de que ali residem contravenções, a partir desse olhar serão projetadas as relações com a localidade fronteiriça, sobretudo nas políticas públicas. Essas relações com a fronteira estão presentes tanto naqueles que são seus habitantes quanto nos que não são. E estes últimos, os não-fronteiriços, abraçam muito mais a ideia de que a fronteira é o local da ameaça à legalidade. Principalmente porque nunca experimentaram a vida na fronteira, incorrendo assim em preconceitos. No entanto, alguns fronteiriços também procedem diante da fronteira tendo como referência o olhar estatal, o que acarreta restrições à vivência fronteiriça, alcançando a negação. Desse modo, tomam a condição fronteiriça como algo negativo. Assim, a fronteira enseja experiências diversas, ou seja, a existência de vivências fronteiriças diferenciadas. Na fronteira Corumbá-Puerto Quijarro, o modo como os brasileiros e os bolivianos vivem e entendem a fronteira é diferente. Esta afirmativa pode soar como obviedade, mas é 30 preciso olhar atentamente para o óbvio. É intrigante o número de estabelecimentos na cidade de Puerto Quijarro que recorre ao símbolo das duas bandeiras nacionais entrelaçadas e estampadas em suas paredes. Da mesma maneira é intrigante a ausência desta prática na cidade de Corumbá. Isto pode ser indício da mencionada restrição à vivência fronteiriça, no que resulta em distanciamentos tanto com a fronteira quanto com os bolivianos. E estas restrições têm como base ideias preconceituosas que enxergam a fronteira e tudo que dela emana como passível de subversão. Aí reside a forte vocação da fronteira, subverter a lógica do poder central e criar suas próprias representações, tendo como referência suas condições. Daí decorre a razão do olhar atento com que o Estado continuamente designa à fronteira. Diante dessa perspectiva, de que a fronteira é caracterizada pela subversão, que tanto foi produzida pelo Estado como ainda o é por ele endossada, vide os aparatos fiscalizatórios e repressivos que o Estado se empenha em se impor nas fronteiras. Através de esse olhar, a fronteira, sobretudo a que está em questão, apresenta experiências diversas. De um lado o Estado, que olha e vê na fronteira um local necessitado de sua presença e ordenação, e assim impõe limites físicos. E, por outro lado, o fronteiriço, que vivencia a fronteira de maneira contraditória. Ao mesmo tempo em que cria laços, recusaos, às vezes sem perceber que os reforça. São os paradoxos que fazem a fronteira uma localidade especial, então, os olhares sobre ela devem considerar esta condição, para não incorrer no risco de criar abismos em vez de aproximar. O distanciamento entre os fronteiriços, sobretudo dos brasileiros com a fronteira e com o que a ela está relacionado, tem um auxiliar de peso, o verdadeiro formador de opinião: a mídia. A mídia opera diariamente emitindo o seu olhar, ou seja, sua interpretação e sentido para os fatos, mas de modo imperativo e taxativo. Embora pregue o jornalismo imparcial e respeitoso à diversidade, não obstante se empenha em divulgar as negatividades, e com pouca, ou nenhuma vontade relata as cordiais aproximações existentes, expondo-as quase em notinhas de rodapé. Infere-se que as publicações nas quais brasileiros e bolivianos se integram harmoniosamente não chamam tanta à atenção quanto aos ligados ao tráfico e contrabando. É inegável que as interações positivas ocorrem de maneira fluente e natural, mas não causam nos meios de comunicação e na repercussão dos leitores os mesmos impactos que o noticiário das contravenções. A fronteira tem sido sede constante dos meios de comunicação, quase sempre de maneira informativa e muito pouco analítica. Daí a resultante produção de vácuos entre o que se noticia e o que se vivencia nas experiências da fronteira. Assim, a mídia tem 31 desempenhado um papel negativo, uma vez que sua preocupação tem sido construir no imaginário social a ideia de que a fronteira é o espaço da criminalidade, ilegalidade, irregularidades, etc. Para Pereira (2008, p.133), são “imagens enviesadas que costumeiramente veem a fronteira associada ao contrabando e ao narcotráfico”. Até mesmo o chefe do executivo da cidade de Corumbá, na primeira reunião do Comitê de Integração Fronteiriça Brasil-Bolívia, realizado no dia 28 de setembro de 2011, disse: "não queremos ser conhecidos como corredor de tráfico e vizinhos de uma região que só traz problemas. Aqui e na Bolívia tem gente de bem que quer construir". Estas mensagens transmitidas pela mídia estão fundamentadas no pensamento estatal de fronteira, que trabalha enquanto reprodutora de ideias, de modo a reforçar as negatividades existentes nas regiões fronteiriças. Isto ocorre mais frequentemente nas mídias externas às regiões de fronteira, mas é percebido também na mídia fronteiriça, com menor frequência, eis que a proximidade amistosa entre os fronteiriços de ambas as nacionalidades propalam entre si o que foi enunciado. Neste cenário, a propalado está focado nos assuntos ligados à negatividade de tudo que emerge da vida fronteiriça, ou seja, o contrabando, o descaminho, o furto/roubo de carros, atravessadores, o tráfico de drogas e pessoas, entre outros. Na fronteira em questão, existe uma movimentação que gera diversas reações, até mesmo devido seus desdobramentos para região e para outras localidades que têm suas atividades ligadas à fronteira. Este movimento é o fechamento da fronteira, também denominado de Paro Cívico. Em relação ao Paro Cívico, COSTA (2011) explica que “a principal manifestação pública e política de reivindicação de demandas fronteiriças, que ocorre de forma organizada, entre Puerto Quijarro e Corumbá é o “fechamento” da fronteira, ou “paros cívicos”. As reações que os fechamentos da fronteira geram não se restringem a ordem econômica, mas alcançam outras esferas, pois, suas reivindicações demandam ações políticas, estas reverberam em todo tecido social, em menor ou maior escala. São exigências em torno cotas de mercadorias, impostos, salários de professores, transporte, bem como tantas outras. Por essas razões, os meios de comunicação, apoiados na visão estatal de vigilância constante, e porque as fronteiras estão mais suscetíveis às contravenções e ao afastamento dos rigores da lei, acharam por bem adotar e disseminar uma visão irreal ou exagerada, ou pelo menos parcial e distorcida, sobre as fronteiras, o que tem interferido no modo como os fronteiriços vivenciam as fronteiras. 32 Ressaltar o que é falível e negativo tem produzido um distanciamento na vida da fronteira. Até mesmo porque essas informações estão incompletas e não são profundamente acompanhadas, importando mais em impacto de transmissão da notícia, do que a notícia em si. Estas ideias ganham alcance nacional e até mesmo internacional, o que amplifica os distanciamentos que se dão, à primeira vista, de duas maneiras: o do centro do poder e seus pontos de irradiação para com a fronteira; e do próprio fronteiriço, sobretudo o brasileiro, que prefere a inexistência da fronteira. Diante desta falácia, a opinião mais genérica que se tem sobre as regiões de fronteira é de que ali ocorrem diversas ilegalidades, a ideia de “terra de ninguém”, local das permissividades, o que tem gerado interpretações entre as pessoas e, principalmente, no poder público, que estão ligadas às implementações de políticas públicas. A intenção é criar políticas para as fronteiras. Porém, estas políticas focam apenas nas negatividades e têm por finalidade o seu combate. É fática a questão dos problemas fronteiriços, mas eles não exprimem o todo da vivência fronteiriça. Incorre-se com tais implantações políticas, o grande risco de alargar as distâncias para com a fronteira, bem como com os povos vizinhos. Exemplo deste tipo de visão de fronteira que culminou em política para fronteira é o Gabinete de Gestão Integrada de Fronteira (GGI-F), implantado na cidade de Corumbá, no mês de abril de 2011, com o objetivo de combater o crime organizado nas regiões de fronteira, contando com a integração das forças de seguranças das esferas municipal, estadual e federal, bem como uma ação conjunta com o governo boliviano. A ideia de uma ação integradora entre os países deve ser visto como um passo para aproximações amistosas, pois, entendem que dividem problemas comuns que afetam a ambos, no entanto, no caso do Gabinete de Gestão Integrada, seu único foco é combater articuladamente o crime organizado transnacional, nem ao menos foi considerada a hipótese de uma gestão integrada para políticas culturais na região de fronteira. Outro exemplo de política para fronteiras, que tem como foco somente suas ilegalidades é a operação que ganhou o nome de “Fronteira Legal”. Nesta operação, que conta com os postos da Receita Federal das cidades de Campo Grande, Ponta Porã e Corumbá, já apreenderam mais um milhão de reais em mercadorias irregulares e ilegais, entre drogas, munições, cigarros e veículos. Sob este vértice, não há dificuldades para que se olhe e veja a fronteira como localidade estritamente caracterizada pelas ilegalidades que ali se desdobram. Porém há 33 objeções em considerar que ali existam trocas culturais históricas, variadas aproximações amistosas nas feiras, nos campos de futebol, nas escolas, nos cultos religiosos, e tantas outras que poderiam ser mais visíveis se não houvesse tanto empenho por parte do Estado em sublinhar as negatividades que existem na fronteira, que muitas nem são de sua exclusividade, mas sua condição de borda, de contato imediato com outro modo de vida, com outro projeto político e outro arcabouço histórico-social impõem ao Estado necessidade de marcos físicos, na tentativa de estabelecer e reforçar a unidade e a integridade nacional. O que se pretende aqui não é tratar as contravenções e os ilícitos da fronteira como algo inexistente, ou criação dos meios de comunicação, no entanto, a tentativa é de expor como estas práticas não explicam o todo da vivência fronteiriça, não são suficientes para interpretá-la, pois, não inclui esta visão a grande parte da população fronteiriça. Reitera-se que não se está desconsiderado o grande volume de drogas que circulam nesta fronteira, pois, ela de fato é uma porta de entrada para o narcotráfico e tantos outros crimes, como, por exemplo, o tráfico de pessoas. Porém, o número de fronteiriços envolvidos nestes crimes é muito pequeno e muitas das vezes a prática de algumas atividades que o Estado entende como ilícita, configuram alternativas de sobrevivência. Para exemplificar e dar continuidade às ideias apresentadas, citem-se os enunciados jornalísticos referentes às movimentações na fronteira. Dentre eles, mídias locais, notícias do ano de 2011 com foco na intenção de elucidar como o discurso estatal atinge até mesmo quem vivencia a fronteira. A reação de como absorvem a ideia de que a fronteira é um local que precisa de um olhar atento e de que forma edificam suas atuações. E as consequências que esse mecanismo causa, em especial implicando em distanciamentos entre os viventes desta fronteira. Ao apresentar enunciados jornalísticos e trechos das reportagens, a intenção é expor o caráter e as práticas das instituições que atuam na fronteira em questão, bem como dar voz aos agentes destas operações e analisar a relação existente entre os discursos midiático e estatal para com a fronteira. No dia 09 de setembro, na página inicial do site do jornal Correio de Corumbá o título da notícia era: DOF aponta crescimento de 1623% em apreensão de cocaína. No corpo do noticiário consta a fala do comandante do Departamento de Operações Fronteiriças, onde relata que o número de apreensões demonstra o bom trabalho da instituição. No mesmo site, mas no dia 15 de julho, o título da notícia era: Durante três dias blitz é realizada na Ramão Gomez para combater crimes fronteiriços. Ramão Gomez é a rodovia que liga as cidades de Corumbá e Puerto Quijarro, rotineiramente escolhida para blitz e 34 revista, inclusive a que trata a reportagem. Esta, em especial, uma operação conjunta entre a Prefeitura de Corumbá e a Polícia Rodoviária Federal. Como o próprio título anuncia, o objetivo da ação era o combate aos “crimes fronteiriços”. Ainda neste site, outro título de reportagem chamou a atenção, datado do dia 18 de agosto: Bolívia promete reforçar segurança na área de fronteira com Mato Grosso do Sul. De acordo com a reportagem, a Bolívia anunciara o reforço das áreas de fronteira com o Brasil, o Plano Nacional de Defesa. Nas palavras da ministra da Defesa Maria Cecília Chacón, "o que estamos fazendo agora é uma patrulha ao longo do Rio Paraguai. Estamos visitando vários postos militares nessa área, com o objetivo de intensificar as patrulhas nos rios, permitindo maior presença das forças do Estado". Tal medida, de acordo com diretor da Agência para o Desenvolvimento das Macrorregiões Fronteiriças da Bolívia, Ramon Quintana, objetiva dar atenção às famílias que vivem ao longo dos 300 quilômetros de fronteira. Em outro site da cidade de Corumbá, denominado Diarionline, o título da reportagem do dia 24 de agosto ilustrou a manchete: Integração pode combater roubos e furtos de carros enviados à Bolívia. A matéria tratou da Audiência Pública da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. Em pauta a decisão do governo boliviano em legalizar os veículos sem documentos. A ideia era buscar uma integração entre os países no sentido de evitar o contrabando de carros, que de acordo com os parlamentares brasileiros, a Bolívia teria mais de 128 mil veículos irregulares, em sua maioria de procedência do Brasil e Argentina. Como saída para esta problemática, o delegado de Polícia Federal Luiz Flávio Zampronha defende a integração das forças policias no combate aos carros furtados/roubados e enviados à Bolívia que, de acordo com procurador da República Raphael Parissé, estes carros alimentam o tráfico internacional. No corpo da reportagem também consta a fala do embaixador boliviano Jose Alberto Gonzales Samaniego, em cuja opinião a Bolívia estaria sendo estigmatizada, e disse: "não quero dizer que não exista roubo de carro no Brasil para envio à Bolívia. Contudo, a Bolívia não incentiva isso". E continua: "há sim casos como esses, mas isso não é a regra. A Bolívia está sendo estigmatizada como o país da droga e do delito, mas isso não é verdade". No mesmo site, no dia 25 de julho, o título da reportagem era: Dilma: extensão e diversidade desafiam segurança na fronteira. A reportagem trata do Plano Estratégico de Fronteiras, que tem por objetivo a repressão à entrada de drogas e armas no território brasileiro, e de acordo com a presidente Dilma Rousseff “o tamanho do Brasil e a diversidade da nossa geografia são os grandes desafios para a segurança na fronteira brasileira. São quase dezessete mil quilômetros de extensão. E, para cada região, precisamos ter estratégias 35 diferentes". Sobre estas estratégias ela diz: "é impossível imaginar que quase dezessete mil quilômetros de fronteira possam ser monitorados só com policiais e soldados. É preciso usar informações e ter equipamentos que permitam planejar as ações". Com o objetivo de reforçar a fiscalização e combate aos crimes fronteiriços, foi instituído em junho de 2011, o Plano Estratégico de Fronteiras, com operações permanentes (Sentinela) e de curta duração (Ágata). Trata-se de mais uma política para as fronteiras que considera apenas parte de suas atividades, as relacionadas às contravenções. Pelo que se verifica nos exemplos citados, existe um grande empenho por parte do Estado em firmar sua presença, seja através da repressão, apontando números gigantescos de apreensões de drogas, seja pelo controle do acesso ao seu território, na tentativa de combater os rebatizados “crimes fronteiriços”. Interessante os esforços verificados pelos Estados em se fazer presente na faixa fronteiriça, no entanto, os Estados, tanto brasileiro quanto boliviano pautam suas presenças nas fronteiras pelo viés fiscalizador, e assim equipam suas instituições, que na maioria das vezes, pelo caráter de suas atuações, ampliam os distanciamentos já existentes entre os povos fronteiriços. Dessa forma desconsideram que existam aproximações amistosas que não têm como referência as práticas ilícitas comumente relacionadas à população das fronteiras. 2.2. A fronteira construindo a si própria O modo como o Estado organizou suas políticas nas regiões de fronteira, interferiu nas relações entre os habitantes das fronteiras e seus vizinhos. No entanto, mesmo com todo esforço em criar limites físicos, intencionando que estes criassem barreiras nas fronteiras e em suas movimentações, a vida na fronteira fluiu de um lado ao outro, muitas das vezes desconsiderando ou subvertendo a lógica do poder central, construindo suas vivências a partir das suas necessidades e possibilidades. A vida na fronteira é permeada de contradições, visto que ela faz parte de um projeto assentado na ideia de Estado, no qual o território inalienável é uma condição. Assim, a fronteira ganha um significado estratégico, de instrumento para integridade física do território, bem como das suas leis, sua jurisdição. Mas é justamente nas fronteiras que se apresentam as mais notáveis manifestações de interações positivas entre os povos. Para dar força a esta hipótese, Muller (2008, p.16): “em regiões como a fronteira, a vida passa a ser redesenhada de modo a satisfazer as exigências do momento e do local”. 36 Através das práticas cotidianas os fronteiriços constroem suas vivências e seus respectivos significados, geralmente referenciados na própria vida fronteiriça e não no conceito de Estado homogêneo. Até mesmo as situações conflituosas estão ligadas, na maioria das vezes, às questões locais e não ao sentido restritivo institucional. Essa situação pode ser exemplificada no conflito entre taxistas na fronteira de Corumbá com Puerto Quijarro. O que está em jogo ali é a sobrevivência, devido a uma clientela já reduzida, resultado da atividade moto-taxista, com preços muito mais acessíveis à maioria da população. Não está em jogo, mas acaba sendo utilizado como instrumento, o que é legal ou ilegal, pois, durante muito tempo existiu nesta região fortes relações entre taxistas dos dois lados. Nos dias de hoje os taxistas brasileiros utilizam um “fiscal”, devidamente aparamentado de um porrete, que vigia os carros bolivianos, no sentido de evitar que esses façam transporte ilegal de pessoas. O que se percebe experimentando e analisando a vida na fronteira é que os marcos físicos dos instrumentos institucionais, principalmente, os de atuação regulatória e fiscalizadora, como Polícia e Receita Federal, cumprem seu papel, ou seja, representam a presença do Estado e suas práticas políticas. No entanto, eles são constantemente derrubados, não com a mesma força que são erguidos, pois, esta prática não é arbitrária. Mais uma vez a questão é socorrida por Muller (2008, p.17), que ao abordar aos aspectos culturais da fronteira, diz que “os limites aqui tratados, estão presentes muito no imaginário do que nas práticas cotidianas”. Dessa maneira, se o uso define a excelência do território (SANTOS apud OLIVEIRA, 2009), o modo como os fronteiriços vivenciam a fronteira, diz muito do que eles pensam sobre o lugar de onde vivem. E nesse sentido, podemos dizer que as políticas para as fronteiras que desconsideram o modo como os fronteiriços definem seu território, incorre em equívocos e promovem distanciamentos. Ou seja, é preciso considerar as especificidades do lugar, principalmente das fronteiras, localidades tão exclusivas em suas manifestações. No sentido de colaborar com esta hipótese, que demanda das políticas de fronteiras que conheçam as localidades para as quais estão legislando, no sentido justo, que entendam ao menos que as regiões fronteiriças têm por característica suas especificidades, assim, não se pode cogitar políticas gerais, conforme o olhar que expõe o autor abaixo: A fronteira não é somente o limite ou a linha divisória internacional. Nos dias atuais, a fronteira enquanto categoria político-administrativa que delimita a soberania entre os Estados nacionais, está sendo ressemantizada, deixando de ser apenas como limite formal para se tornar zona de contacto, de intenso intercâmbio, de circulação de pessoas, demandando investigações 37 que elucidem aspectos educacionais, lingüísticos e sociais dessas áreas que ainda se encontram obscuros” PEREIRA, 2008,p.131) Nesse emaranhado de interesses, por um lado o Estado com vistas à integridade, tanto do território como do respeito às suas leis e símbolos; doutro lado o fronteiriço, mais difuso ainda, pois, num sentido reproduz largamente o discurso estatal, endossando sua soberania e, num outro sentido subvertendo e desconsiderando a voz do Estado, construindo a vivência fronteiriça a partir dos seus interesses; em meio a estes tanto outros interesses, principalmente, econômicos, sobretudo externos aos Estados e às fronteiras. É preciso um esforço para entender os símbolos da fronteira a partir das fronteiras territoriais e políticas. Como explicita Grimson: se trata de ir a las fronteras estatales con una perspectiva abierta que permita detectar y comprender no solo la multiplicidad y mixtura de identidades, sino también sus distinciones y conflictos. Disputas culturales en los confines del poder.” (GRIMSON, 2000, p.1) (grifo do autor) Assim, pode-se afirmar que existe uma distância entre o que o Estado pretende com suas políticas e aquilo que se alcança nas fronteiras. Isto não significa que as políticas de Estado não surtem os efeitos desejados, já que efetivamente estão presentes e regulam sobremaneira a vida na fronteira. No entanto, os aparatos que o Estado criou não foram suficientes para serem plenamente eficientes, do ponto de vista do controle, nem de mercadorias, nem de pessoas, muito menos das relações interpessoais ali construídas. Tais aparatos poderiam provocar os limites para os quais foram criados, mas eles não foram suficientes para conter a geração de laços fortes o bastante para resistir, se impor e transpor barreiras. E isto é ilegalidade? Não. É a condição fronteiriça exercendo a vida. Como exposto anteriormente, parafraseando Bresser-Pereira, é pelo Estado que a sociedade busca a ordem, a liberdade e a justiça social. No entanto, quando se trata da fronteira, o Estado tem privilegiado o estabelecimento da ordem, por meio de instituições de caráter fiscalizador e repressivo, que não objetivam a liberdade e a justiça social, mas tão somente a ordem. 38 CAPÍTULO III A FRONTEIRA E SUAS VIVÊNCIAS A PARTIR DE COMENTÁRIOS DE LEITORES DE UM SITE DE NOTÍCIAS.7 Este capítulo versa sobre aproximações e distanciamentos nas interações sociais entre os fronteiriços da região de Corumbá-MS e Puerto Quijarro-Bolívia. Tem por objetivo analisar estas interações a partir de comentários de leitores de um site de notícias da cidade brasileira, diretamente na sessão Fronteira. Analisando os discursos verifica-se o impacto das relações produzidas entre brasileiros e bolivianos, uns com os outros e com a fronteira em questão. No site são transferidos e reproduzidos aqueles comentários, nos quais uns tendem ao preconceito, outros à solidariedade. Serão aqui tratados os aspectos pertinentes à fronteira e sua vivência, principalmente, as manifestações de preconceito e solidariedade para com os bolivianos que vivem nesta região. As manifestações preconceituosas tendem a ocorrer quando a fronteira é o tema, e os comentários solidários quando as situações envolvendo os bolivianos fazem alusão às festividades religiosas e culturais. A vinculação do preconceito contra os bolivianos e a fronteira tem a ver com um discurso comum: o discurso midiático. Este, geralmente, apresenta a fronteira (e tudo que dela emana), como local do ilícito, da contravenção, das drogas, da permissividade e de outros termos pejorativos que depreciam a região fronteiriça. Este tipo de discurso sobre a fronteira, na maioria das vezes, é emitido por quem não vivencia a fronteira. Além disso, os brasileiros desta fronteira não se sentem fronteiriços, e recorrem ao conjunto simbólico nacional ao se oporem ao conjunto (aviltante) fronteiriço, sem se dar conta que carregam consigo a marca da fronteira. Outro fator que alarga as restrições dos fronteiriços brasileiros desta região com a fronteira está no âmbito das relações internacionais. As relações entre países têm por característica a desigualdade (SAYAD, 1998), com preponderâncias por alguma das partes envolvidas, pois no âmbito da América do Sul o Brasil se apresenta como grande potência. Dessa maneira, não é apenas por ser fronteira, mas por ser fronteira com a Bolívia, por isso, tendem a se distanciarem da ideia de convivência. É o jogo diplomático das relações desiguais 7 O texto que compõe este capítulo foi extraído do artigo com o mesmo título, apresentado no Seminário de Estudos Fronteiriços de 2011. 39 entre as nações influenciando as relações interpessoais. Dessa forma, a relação fronteiriça projeta no boliviano o “outro” indesejado, gerando estereótipos que contribuem para manter os distanciamentos (CÁRDENAS, 2006). De acordo com Alves (apud PEREIRA, 2008), há uma tendência de omitir as semelhanças existentes entre os povos latino-americanos, isto a partir de mecanismos ideológicos que enxergam na união uma ameaça à dominação guiada pelo capital, motivando ações desagregadoras nas relações supranacionais, alcançando as relações interpessoais. No mesmo sentido, o centro do poder nacional ergue suas políticas em regiões fronteiriças mirando as depreciações que delas emanam. É preciso reiterar que as atividades depreciativas da fronteira existem, mas não são suficientes para dizer o todo da fronteira. Dessa maneira, o que se vê são as fronteiras abarrotadas de órgãos de fiscalização e repressão, sublinhando os aspectos que a desvaloriza, criando barreiras para relações amistosas. Mesmo assim, elas existem e persistem, porque a fronteira também possui a característica de recriar conceitos em conformidade às suas necessidades. Talvez se deva a isso o olhar atento do poder central. Assim, a fronteira e o fronteiriço, sobretudo o boliviano e suas atividades, foram recebendo nomes depreciativos, que ganham eco nos discursos que partem de diversos atores sociais. Este pequeno painel tem por proposição expor como a fronteira ganhou contornos negativos, suficientes para que uma parcela de seus habitantes a reneguem, e outra deseje a inexistência da convivência. Entretanto, mesmo diante dessas circunstâncias, são engendradas aproximações amistosas, como nos laços matrimoniais, nos eventos esportivos, religiosos e, por exemplo, na rede escolar, principalmente pública8. Outras atitudes de caráter aproximativo partiram de ações do poder público local, como uma cartilha contendo medidas preventivas contra a dengue e um Plano de Ação para Redução de Acidentes (PARA), ambos em língua espanhola e amplamente distribuídos em locais públicos da cidade brasileira. O preconceito apoia-se no senso comum e na reprodução de discursos infundados e insustentáveis. O comom sense é aquilo de conhecimento de todos, no entanto, o discurso é a simples reprodução de ideias, e na reprodução, geralmente, não se recorre a ideias minimamente sustentáveis. Ou como nos apresenta Pereira (2002): “a noção de preconceito se refere a uma atitude injusta e negativa em relação a um grupo ou a uma pessoa que se supõe 8 A Prefeitura Municipal de Corumbá, através Da Secretaria Municipal de Educação (SEMED), divulgou que 548 estudantes bolivianos estudam na Rede Municipal de Ensino (REME). De acordo com o descrito em reportagem para o site www.midiamax.com.br, no dia 05/07/2011, o levantamento visa gerar políticas a fim de garantir que estes alunos aprendam tanto quanto os demais. De acordo com a mesma reportagem, o Secretário de Educação da Corumbá disse: "solicitamos as informações referentes aos estudantes brasileiros que frequentam as escolas de Puerto Quijarro”. 40 ser membro do grupo.” De acordo com Foucault (1979), “os discursos adquirem eficácia e poder, têm o poder de reificar, criando hierarquias sociais.” Para Cárdenas (2006): “los sujetos pueden mantener sus prejuicios y realizar acciones discriminatorias sin siquiera ser conscientes de ello, respondiendo de forma automática o inconsciente en relación a los sujetos del exogrupo.” Mesmo sem haver um esforço intelectual, no sentido de formar um pensamento alicerçado e fundamentado, existe outro tipo de esforço, o de direcionar os discursos. É neste sentido, de captar e analisar esse direcionamento, que este capítulo se desenrola. Pelo mesmo caminho, tentar expor o sentido solidário das relações entre brasileiros e bolivianos na fronteira em questão, no qual a solidariedade é apenas mais um elemento no multifacetado quadro das relações fronteiriças, cujas aproximações amistosas entre os habitantes desta região fronteiriça não deve recorrer às ideias infundadas para estabelecer relações com o outro. Como se trata de uma ação de captar discursos, é mister enveredar-se pela via que os analisa, pois a crença é que eles estão recheados de intenções, na qual as palavras são parte de uma ação. Os discursos referidos, e que serão parte deste campo de análise, são comentários de leitores de um site de notícias da cidade de Corumbá/MS, que possuiu uma coluna destinada às notícias relativas à fronteira, em especial à fronteira local. Isto porque são verificáveis os diversos aspectos das relações ali geradas, de modo que as notícias também constituem um olhar, uma interpretação do real, com capacidade para construir uma realidade. Os comentários utilizados seguem um critério seletivo, privilegiando os que constam nas matérias do último “Paro Cívico”, que aconteceu entre os dias 16 e 19 de maio de 2011. Tal manifestação fechou a passagem da fronteira entre Corumbá/MS com Puerto Quijarro/BO, de tal forma que o assunto tem ensejou reações na população local, em diferentes ordens. Em relação ao “Paro Cívico”, apresentamos Costa (2011): “a principal manifestação pública e política de reivindicação de demandas fronteiriças, que ocorre de forma organizada, entre Puerto Quijarro e Corumbá é o “fechamento” da fronteira, ou “paros cívicos”. Para compor a presente metodologia, além dos elementos citados, também será utilizado o consagrado método da antropologia social, o etnográfico, que envolve a observação-participante. Neste método, de caráter subjetivo, a vivência do pesquisador é muito relevante, sobretudo para entender as dinâmicas sociais de estigmatização. Dessa maneira, não serão desconsideradas as falas ouvidas e as percepções sentidas por este mestrando nos locais de trabalho, no bairro de moradia, nas feiras livres, na vizinhança, nas 41 experiências do dia-a-dia; todos estes locais que contam grande circulação de bolivianos cujas atividades estão ligadas à fronteira; são percepções tanto da Bolívia quanto dos bolivianos. Além disso, utilizaremos a análise de discurso, tal como proposta por Foucault, sobretudo para analisar as narrativas do "senso comum", entendendo-o como um fenômeno coletivo, manifestado nos comentários dos leitores e das reportagens do site de notícia. Num esforço para entender os símbolos da fronteira a partir das fronteiras territoriais e políticas. Aspectos teóricos da História Oral, chamada híbrida, se apresentam adequados, porque fazem uso de fontes orais, documentais, bibliográficas e outras (COSTA, 2000). Um aspecto valioso da História Oral para este trabalho é a ideia de que não existem fatos, e sim versões (COSTA, 2000). De maneira a divulgar ideias daqueles que não o fariam formalmente (escrita ou oralmente), principalmente se não houvesse o instrumental do anonimato, além de tratar das subjetividades implícitas nos discursos, podendo ser utilizado como documento histórico, pois se apresentam num contexto e como construção social. Os discursos não apenas como “conjunto de signos, mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam” (FOUCAULT, 1986, p.56). Assim, como produções históricas que têm suas raízes em relações de poder e estão para além das palavras. Dessa maneira, o nosso olhar será lançado sobre os discursos relativos à fronteira e aos bolivianos, sua construção e efeitos, que implicam na convivência fronteiriça e que são manifestadas, geralmente, sob forma de preconceito, mas que também produz aproximações solidárias. E o que é interessante: ao mesmo tempo. Às vezes, os mesmos atores que produzem manifestações preconceituosas, paradoxalmente se aproximam de maneira solidária. As manifestações serão postas da maneira como se apresentam: discretas e anônimas. O que propomos é uma análise de determinadas “falas” e como elas ecoam, muitas vezes, sem encontrar reflexos na realidade, mas de alguma forma refletindo a “realidade” do preconceito. A fronteira recebeu e ainda recebe, constantemente, um espaço considerável nos meios de comunicação, quase sempre de maneira informativa e muito pouco analítica, o que vem produzindo vácuos entre o que se noticia e o que se vivencia na região fronteiriça. Assim, a mídia tem desempenhado um papel negativo, uma vez que sua preocupação tem sido construir no imaginário social a ideia de que a fronteira é o espaço da criminalidade, ilegalidade, etc. O que se vê é a vinculação da fronteira e, consequentemente, de quem vive nela, aos seus aspectos negativos. Além de muitas dessas ideias serem incompletas e falíveis, produzem um distanciamento nas vivências que ali se estabelecem. E é preciso sublinhar: as vivências ali se estabelecem, ou seja, criam-se a si próprias, independentes do que pretende o midiático e o 42 dogma da soberania (unidade). E estas experiências solidárias da vivência fronteiriça pouco são noticiadas, principalmente, por veículos de comunicação externos a ela. Ainda sobre os distanciamentos, eles se dão, à primeira vista, de duas maneiras: o do centro do poder e seus pontos de irradiação para com a fronteira; e do próprio fronteiriço, sobretudo o brasileiro, que prefere a inexistência da fronteira. Mas estes distanciamentos têm raízes históricas e remetem a contrastes entre as cidades brasileiras e bolivianas, ligadas à urbanidade e economia, o que levou os brasileiros a culpar a fronteira por diversos problemas, como bocas de fumo, sujeiras na cidade, rotas de fugas, entre outros (OLIVEIRA, 2009, p.39). Esta associação, de ideias restritivas com a fronteira e com o boliviano, ensejou distanciamentos pautados em ideias preconceituosas. Essa perspectiva, de que a fronteira é caracterizada pela subversão, que tanto foi produzida pelo Estado, e como ainda o é por ele endossada, vide os aparatos fiscalizatórios e repressivos que o Estado se empenha em decorar as fronteiras. Tais aparatos poderiam provocar limites, para os quais foram criados, mas eles não foram suficientes para conter a geração de laços fortes o bastante para resistir, se impor e transpor barreiras. E isto é ilegalidade? Não. É a condição fronteiriça exercendo a vida. Através dessa ótica, a fronteira, sobretudo a que está em questão, apresenta experiências diversas. De um lado o Estado, que olha e vê na fronteira um local necessitado de sua presença e ordenação, e assim impõe limites físicos. E, por outro lado, o fronteiriço, que vivencia a fronteira de maneira contraditória. Ao mesmo tempo em que cria laços, recusaos, às vezes sem perceber que os reforça. São os paradoxos que fazem a fronteira uma localidade especial, então, os olhares sobre ela devem considerar esta condição, para não incorrer no risco de criar abismos em vez de aproximar. Para fortalecer esta ideia: “o cotidiano no espaço fronteiriço, tem em si imenso potencial de integração e, da mesma forma, de conflito, capaz de incidir decisivamente nas relações bilaterias e na integração maior” (SCHAFFER apud SOARES, 2008, p.40). Corroborando com esta ideia: “Sin embargo, la periferia puede tener una ignorada centralidad” (GRIMSON, 2000, p.1). Desse modo, os discursos a seguir apresentados, e de alguma forma analisados, são recortes de interpretações acerca da fronteira e dos bolivianos, alguns inclinados às aproximações amistosas, outros aos distanciamentos preconceituosos. Seja como for, a presença marcante nas relações sociais produzidas nesta região estão sempre bem registradas, de uma forma que o preconceito e a solidariedade permeiam a vivência fronteiriça. De acordo com Grimson (2003), a nacionalidade para os moradores fronteiriços constitui uma categoria 43 central em sua vida diária, que organiza o espaço cotidiano, determina acesso a direitos ou define o “estrangeiro”, e é condição para tornar-se pessoa na vida local. Tomar os comentários dos leitores de um site de notícias como documento é afirmar seu caráter histórico-social, pois estão carregados de significados, devido às respostas que dão a determinados estímulos, à intensidade e o modo como desenvolvem tal atividade. Sobretudo pelo contexto um site de notícias de uma região fronteiriça, numa seção sobre fronteira. Assim, o que dizem sobre a fronteira expressa o que pensam do lugar onde vivem, significando mais que palavras e refletindo as relações ali produzidas demonstrando que determinados assuntos relacionados à fronteira afloram muito mais movimentos do que indiferenças. O que não ocorre com outros segmentos ali postados. Um fator expressivo é o fato de se fazê-los se valendo do anonimato, o que acentua o valor simbólico dos discursos. Outro fator contundente, relacionado ao anonimato, é que os leitores não compõem um personagem para representar, ou seja, para dizer algo que não pertence a eles, mas justamente o contrário, dizem o que realmente pensam sobre os bolivianos e a fronteira. De modo a emitir opiniões que não correspondem com a realidade, dessa forma, infundados e preconceituosos. O que nos dizeres de Cárdenas (2006) são formas modernas de preconceito, socialmente aceitáveis e que não aludem a causas racistas. Ou ainda, preconceito sutil (Pettigrew e Meertens, apud Cárdenas 2006). Ao fazer seus comentários sob o anonimato, sobretudo os que tendem ao preconceito, revela-se o traço interessante da existência de vínculos solidários suficientemente fortes, que não permitiriam manifestações escancaradas do preconceito, principalmente com os bolivianos. Isto porque estas manifestações, de preconceito e solidariedade, são muitas vezes desenvolvidas ao mesmo tempo. Ao passo que a pessoa que atira adjetivos negativos à fronteira e à Bolívia, rotineiramente para lá se dirige para compras. Ao mesmo tempo em que se distancia dos bolivianos ou nega os laços existentes, os reforça, por exemplo, com o matrimônio. Ou nos dizeres de Oliveira (2009, p.40): “as pessoas, ao comprar ou vender, se conhecem, convivem, se desprezam, se apaixonam, se casam, se separam, etc.”. Após tais considerações teórico-metodológicas, dá-se início ao foco deste capítulo: os discursos contidos em comentários de notícias acerca da fronteira e dos bolivianos que vivem nesta região. No dia 16 de maio de 2011, o título da reportagem da seção Fronteira era “Por cota de mercadorias, bolivianos voltam a fechar a fronteira”. A mobilização reivindicava uma revisão à normativa brasileira RFB nº1.059/2010, da Portaria MF 440. A referida normativa “dispõe sobre os procedimentos de controle aduaneiro e o tratamento tributário aplicável aos 44 bens de viajantes”9 o qual estipula a quantidade de mercadorias estrangeiras que entram no Brasil. De acordo com Marco Aranibar, presidente da Organização 12 de Outubro10 e um dos dirigentes da paralisação, "o problema começou quando a Receita Federal do Brasil baixou a cota de roupas, que era de cinco peças para apenas três e aumentou em álcool e cigarros. Isso é um grande problema, pois a Bolívia é uma grande produtora de roupas e o que podemos trazer da Bolívia é um percentual muito baixo para nós. Não há justificativa para essa redução, e essa é a nossa reivindicação”. Marcos Aranibar argumenta que a paralisação não é apenas pela cota de mercadorias, mas também por questões sociais, alegando maus tratos devido à associação de sua origem às drogas e ao contrabando, sublinha querer igualdade entre os povos e igualdade de direitos. Na mesma reportagem, Thayssa Schiefler da Costa, chefe substituta da Receita Federal, explica que a questão das cotas não depende da Receita Federal de Corumbá, e sim da Coordenação-Geral dos Sistema Aduaneiro (COANA), situada em Brasília. Vejamos alguns comentários relativos à reportagem citada11: Um leitor de cognome Simpson diz: (...) “Fechem bem fechado e joguem a chave fora”. Logo em seguida o leitor A.G diz: “Concordo com você e acho que a grande maioria também”! Mais adiante o leitor Sarandi reforça: “caro Simpson você foi brilhante em sua opinião, concordo com você”. Mas, em seguida o leitor Transporte Dinâmico Express diz: “Trabalhamos há mais de 20 anos Brasil-Bolívia, e enquanto os corumbaenses ficam preocupados com problemas que só o Itamarati pode resolver, a região Sul e Sudeste vende milhões para o país vizinho”. O leitor Claudinei Gonçalves diz: “os bolivianos têm todo direito de requerer aquilo que julgam necessário, devemos, nós, brasileiros, aprendermos com eles e requerer nossos direitos também”. Estes são apenas alguns dos 22 comentários que esta reportagem recebeu. Nenhuma outra coluna com nenhuma outra notícia recebeu tanto retorno dos leitores, o que indica a importância da fronteira na vida desta região, por mais que seja negada ou negativada. Estes e 9 Informações retiradas do site http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/ins/2010/in10592010.htm Uma das instituições cívicas bolivianas envolvidas no fechamento da fronteira naquela ocasião. 11 Lembrando que os leitores do site ficam desobrigados de apresentar seu verdadeiro nome. Assim, tanto aqui quanto no próprio site, são cognomes que estão sendo divulgados. Todos os comentários inseridos então disponíveis em www.diarionline.com.br 10 45 outros comentários, os que tendem ao distanciamento, fazem forçosas associações tanto da fronteira como dos bolivianos com aspectos pejorativos. Os que tendem a aproximação veem na paralisação um instrumento legítimo de luta por direitos e, geralmente, apreciam a atitude, enfatizando que esta atitude de luta por direito nos falta. Ao escrever “Fechem e joguem a chave fora”, o leitor, possivelmente, recorre ao discurso do poder central, contido até mesmo nos nomes com qual batiza suas operações nas fronteiras: Operação Cadeado. Coincidência ou não, os EUA assim também o fazem: Operation Blockad (VILA, 2000,p.167). Dessa maneira, a ideia de integração dos povos fica deveras complicada, mesmo assim ocorre, mas por outras vias, que não invoca a estatal. No dia 18 de maio de 2011, o título da notícia foi “Autoridades do Brasil e da Bolívia tentam pôr fim ao Paro Cívico”. No dia anterior ocorreu uma reunião entre o Consulado Boliviano e os representantes da Receita Federal, a fim de uma revisão da normativa das cotas de mercadorias. No interior da reportagem, algumas falas chamam atenção. A do cônsul da Bolívia em Corumbá, elucidando as recíprocas dependências entre os países, pelo lado boliviano por depender de abastecimentos, sobretudo alimentício, e pelo brasileiro, referindose ao transporte internacional, que movimenta a economia brasileira. Outras falas são da diretoria da feira Bras-Bol e do Centro Boliviano Brasileiro 30 de Marzo12, onde ambos esclarecem não ter participação na manifestação, que apoiam seus compatriotas, mas que respeitam as decisões legais do Brasil. Desta reportagem selecionamos apenas dois comentários, nem por isso, menos pertinentes: O leitor José Carlos diz: “Ainda está fechada Faz alguma diferença? Vamos aproveitar e colocar na pauta de discussão o envolvimento dos bolivianos, principalmente da Polícia Nacional no roubo de veículos”. O leitor Simpson reafirma: “é como falei, “Fechem bem fechado e joguem a chave fora”. Na tentativa de verificar a compatibilidade da fala do leitor José Carlos com a realidade, se o fechamento da fronteira faz alguma diferença, em entrevista com Marcos Panovich, um dos proprietários da Rede de Supermercados Panoff desta urbe, serviu de esclarecimento. Foi controversa sua opinião ao mencionado no site, pois o mesmo afirmou que há um vultoso número de bolivianos que consomem seus produtos e serviços, apesar de ele não saber informar em números concretos. Ao responder se fazia alguma diferença em 12 Entidade que reúne a colônia boliviana na cidade de Corumbá, que completou 50 anos em 2012. 46 suas vendas quando havia fechamentos na fronteira, ele foi enfático: “com toda certeza, há considerável queda”. Este relato é importante devido ao espaço que esta rede de supermercados ocupa no total de vendas da cidade. No sentido de corroborar com esta ideia, também foram entrevistados representantes de algumas empresas de Transportes Internacional de Cargas, devido sua grande presença na economia da região e sua total ligação com o fluxo fronteiriço. Das empresas visitadas13, de diferentes maneiras elas alegaram prejuízos, como a falta de movimentação de mercadorias e recursos, acréscimos de despesas, pátios lotados, entre outros. Todas foram unânimes em afirmar que o fechamento da fronteira altera drasticamente o andamento do serviço, ao ponto de estagná-lo. E isso afeta um grande número de trabalhadores que têm suas atividades ligadas ao transporte internacional de cargas: carregadores, motoristas, despachantes aduaneiros, entre muitos outros. Ou seja, os relatos acima expostos reforçam a interdependência estabelecida nesta região fronteiriça. Ainda sobre os comentários expostos, trata-se de acusação infundada, ou seja, preconceituosa, sendo que não vem devidamente acompanhada de qualquer evidência que alicerce a afirmação. De acordo com dados obtidos junto à Primeira Delegacia de Polícia Civil, da cidade de Corumbá, os números demonstram outro quadro, apenas no mês de maio de 2011 (mês da paralisação), foram registrados 17 roubos ou furtos de veículos, no mês anterior foram 12. A título de comparação, no mês de maio de 2009 (pois 2010 não havia registros no Sistema), foram 13 registros. Em abril de 2010, foram 10 registros14. Assim, diante dos números, verifica-se infundado o argumento que liga o fechamento da fronteira à diminuição do roubo de veículos. No dia 19 de maio de 2011, o enunciado foi: “Manifestantes decidem manter fronteira com Corumbá fechada”. Em nova reunião, a decisão foi pela manutenção da fronteira fechada, agora por tempo indeterminado, no sentido que autoridades bolivianas ratifiquem as reivindicações junto ao governo brasileiro, “para que nosso apelo à normativa possa ser revista de acordo com as necessidades de nossa fronteira”, complementou o cônsul boliviano Juan Carlos Mérida Romero. 13 As empresas de transporte visitadas foram: TransLi, TransNet, Mira Transportes, Rápido Transpaulo, VLG Transportes. 14 Estes números foram obtidos através do Sistema Integrado de Gerência Operacional (SIGO). Foram expostos em períodos mensais, seguindo a estrutura do Sistema, que também não traz uma diferenciação entre roubos e furtos de veículos. 47 Esta notícia suscitou diversos comentários, que seguem o caminho ao distanciamento, e outros ao da aproximação, e na maioria sequer comentam algo relativo ao assunto noticiado, tão importante para região. Seguem alguns comentários: O leitor Cabeça diz: “Coincidência ou fato? Desde que foi fechada (fronteira) diminuiu o roubo de carros e motos”. HD diz: “vejam só a ignorância desses hermanos com a fronteira fechada e se prejudicando. O comércio de Corumbá vendendo mais e o roubo de veículos diminuíram, que interessante, né?”. O leitor Eduardo diz: “viva! Diminui o roubo de motos!” O leito de cognome Corumbaense diz: “não reabram essa fronteira, vamos ver até quando vocês aguentarão. Quem legisla no Brasil são os brasileiros. Respeitem nossas leis, afinal, elas são soberanas”. Mas num outro sentido, escreve e a leitora Dália Cabral: “nossa! A fronteira fechada!? Que bom! Isso é pra ver que os bolivianos têm atitude e não ficam de braços cruzados observando as falcatruas que são feitas contra seu povo”. O leitor Ademilson diz: “acho justa reivindicação dos hermanos bolivianos, não podemos generalizar, há pessoas honestas e trabalhadoras na Bolívia, acho muito baixa a cota realmente, deveria ser revista.” Outra vez os sentidos de distanciamento e aproximação se apresentam. O primeiro de modo preconceituoso, manifestando o discurso do poder central, empenhado em unificar, independente das particularidades locais; a segunda de modo a dirigir-se em direção ao outro. De alguma maneira são as identificações afloradas, evocadas, que aproximam. Ainda no dia 19 de maio de 2011 a fronteira foi reaberta e o site noticiou: “Após 84 horas interditada, fronteira é reaberta e congestiona a Ramão Gomez.15” A decisão pela reabertura foi tomada após contato do Ministério de Comércio Exterior e Imigração com o Consulado Boliviano em Corumbá, indicando que uma comissão governamental se dirigiria para a fronteira para dialogar com os manifestantes, com a finalidade de expor as negociações junto às autoridades brasileiras. A reportagem ainda traz as condições do trânsito após a reabertura, e apresenta a Portaria da Receita Federal. Os comentários desta notícia acabam por seguir os mesmos aspectos discursivos dos demais, a saber: 15 Rodovia que liga Corumbá à Bolívia. 48 Um leitor de cognome H.D postou: cuidado população que preza por aquilo que conquistou seu bem, como moto e carro, vai começar tudo novamente. Roubo! Um leitor de cognome Ramon postou: “Ustedes solo hablan de robo, son los mismos dueños brasileros que vienen los venden y dan el golpe del seguro. Creo que les falta inteligencia para opinar, no sean racistas.” Verificam-se assim, distanciamentos ou aproximações para emitir ideias preconceituosas. É preciso assinalar que os laços existem e seu reforço também, no entanto, como elas se estabelecem é que é o seu diferencial, se através do preconceito ou da solidariedade. Outro aspecto interessante de expor é o “aviso” do site em relação aos comentários dos leitores. O qual diz não publicar “comentários ofensivos, que violem a lei, a moral e os bons costumes ou direitos de terceiros (...) incitação à violência também não é permitida”. Ou seja, os bolivianos e a fronteira não se enquadram nestas prerrogativas, para eles, o filtro é mais largo e permissivo. Se a fronteira enseja aproximações e distanciamentos, tanto para a solidariedade quanto para o preconceito, como captam essas manifestações? Por que não se mostram os atores sociais dessas práticas como querem ser vistos? Sim, pois, não compõem personagens para representar, mas dizem o que realmente pensam sobre a condição fronteiriça e seus vizinhos. E o fazem abertamente, pois se valem do anonimato. É preciso evidenciar que os comentários não configuram gestos involuntários, mas uma sequência de etapas: buscar o site, depois a seção fronteira, em seguida aderir à sala dos comentários, e finalmente, postar seu comentário. Sugerindo que os acontecimentos relacionados à fronteira têm grande importância, provocando diversas reações dos atores sociais daquela região. Desse modo, o que se verifica nos comentários são representações da vivência fronteiriça, gestos de aproximação e de distanciamento. Há componentes desse quadro, no qual o discurso do comentário é o resultante: frases que se reproduzem sem combinação prévia, mas que se assemelham o bastante para não deixar de serem ignorados suas origens e efeitos de verdade (FOUCAULT, 1979). Além dos discursos selecionados, havia outros interessantes no que diz respeito ao que expressam, nomeando pejorativamente a fronteira e os bolivianos, repudias por eles “entupirem e infestarem” às ruas das cidades com suas “bugigangas e quinquilharias”, ou seja, forçosamente associando desprestígio à presença boliviana. A linguagem textual é um código carregado de significados, abrangendo desde o instrumental que cada indivíduo possui para expressar suas experiências, como as relações de 49 poder nelas contidas, que as levam para além das palavras, mas enquanto desdobramentos daquilo que se vivencia. Por isso, os comentários utilizados são um campo audível dessas relações, porque exprimem até mesmo o que não é dito abertamente, compondo um arquivo desse quadro recheado de significados históricos, socioeconômicos e políticos, como já expostos. De alguma maneira o fronteiriço deprecia a si próprio. Se procedesse no contrário, revertesse em positividades o que o deprecia - a condição fronteiriça, a proximidade com o outro, das possibilidades que se abrem diante de suas peculiaridades - encontraria outras ou uma identidade. Uma identidade a partir do seu estigma (HALL, 2003). Os acontecimentos na fronteira em questão tornaram-se notícias, estas por sua vez, comentários de seus leitores, o que indica uma aproximação entre a fronteira e os fronteiriços que nela vivem. Os comentários dos leitores do site de notícias apontaram algumas ideias que colocamos em análise e buscamos verificar a compatibilidade com a realidade. Ideias restritivas à construção de uma vivência fronteiriça harmoniosa, algumas abertamente preconceituosas. No entanto, ficou evidente a importância que a fronteira representa na vida dos habitantes dessa região. Mesmo que de formas diferentes, sua importância se apresenta, até quando negada por parte de seus habitantes. 50 CAPÍTULO IV PONTOS DE APROXIMAÇÃO E PONTOS DE DISTANCIAMENTO Este capítulo expõe as diversas manifestações captadas ao longo do trabalho de campo, tomando como referência a teoria dos pontos de aproximação e pontos de distanciamento, na qual se analisa as diferentes atividades em que brasileiros e bolivianos interagiram. Se nessas interações eles se inclinaram para aproximações amistosas, de forma a estabelecer laços solidários, ou se distanciaram, pautando suas ações em ideias preconceituosas e restritivas. O objetivo está centrado em analisar tais manifestações, sobretudo na cidade de Corumbá, onde sua população se aproxima ou se distancia tanto dos bolivianos quanto da fronteira, ou seja, como compõem a vivência fronteiriça, interagem com o país vizinho e também com os imigrantes bolivianos. Com os dados obtidos foram captados os seguintes aspectos das manifestações analisadas: aquelas que provocam distanciamentos têm como base ideias preconceituosas, por isso, restritivas com a vivência fronteiriça e com os bolivianos; quanto à sua prática, assumem dois aspectos: anônimas e discretas; o exemplo, visualizados a partir de comentários de leitores do site de notícias, no capítulo anterior, possibilita levantar a hipótese de que isto assim ocorre porque as aproximações, as interações amistosas e solidárias são suficientemente sólidas a ponto de não se permitir ações escancaradas de preconceito. Desse modo, os pontos de aproximação se apresentam muito mais resistentes, pois foram estabelecidos abertamente, geralmente de maneira espontânea e amigável, o que possibilita aproximações amigáveis e conciliadoras entre brasileiros e bolivianos, nos mais diferentes âmbitos da vida social na fronteira. A imagem negativa da fronteira, que o Estado e suas instituições auxiliaram em sua construção, (esta imagem) constitui um elemento que distancia os fronteiriços, entre si e com a fronteira. Para exemplificar o exposto, selecionamos a foto que segue: 51 Figura 01: Foto de Pichação na Av. General Rondon, em Corumbá – MS. Autor: André Luis Ramalho Junior, 2009. Nesta foto é possível verificar algumas das características acima citadas: o anonimato, o preconceito, as restrições tanto com a vivência fronteiriça (muro na fronteira) quanto com os bolivianos (fuera chollos!). No entanto, mesmo representando uma manifestação escancarada de preconceito, não causou nenhum efeito e nem conseguiu romper os resistentes laços solidários resultantes dos pontos de aproximação apresentados, porque são fortes, oriundos da religião, do esporte, e das expressões artístico-culturais, e imbuídos de consistência e resistência. No âmbito religioso as manifestações mais exteriorizadas ocorreram na esfera cristã, com atividades conjuntas, entrelaçamentos que extrapolam o campo religioso, alcançando intercâmbios linguísticos, relacionamentos afetivos, até monetários, entre outros. Por exemplo, a Igreja Evangélica Assembléia de Deus, da cidade de Corumbá/MS, mantém interações com os vizinhos bolivianos desde 1962, que segundo o Pastor Euclides Moreira Barreto, a Igreja trabalha prestando assistência espiritual e ministerial, com ensino teológico. No ano de 2011 foi realizada nas dependências da Igreja o Congresso Quéchua, com objetivo de confraternização entre brasileiros e bolivianos. Nestas interações, ainda segundo o Pastor Euclides, foram e ainda são erguidos fortes laços de solidariedades entre brasileiros e bolivianos. 52 Figura 02: Foto da tabela de preços, em Reais e Pesos Bolivianos, utilizado no Congresso Quéchua. Autor: André Luis Ramalho Junior, 2011. É preciso esclarecer que existem pontos de aproximação em outras religiões, por exemplo, naquelas de origem africana. Porém estas ocorrem de maneira mais reservada. Através de contato com alguns membros dessas religiões de origem africana, obtivemos que, periodicamente, grupos se dirigem para a Bolívia para prestar trabalhos espirituais, tanto na região fronteiriça quanto em outras localidades do território boliviano. No ano de 2011, foi realizado um grande evento em homenagem à Virgem de Copacabana. Este evento ocorre há vários anos, no entanto, em 2011 ganhou outra dimensão. O evento se estendeu pelas ruas de Corumbá e caminhou até Puerto Quijarro, contou também com uma missa na Igreja Matriz de Corumbá, celebrada em espanhol, além do grupo de dança Caporales, que veio da cidade boliviana de Cochabamba. Através do comparecimento ao evento foi possível perceber que a religiosidade e as expressões artístico-culturais apresentavam-se como elementos que aproximam, causando reações amistosas. 53 Figura 03: Foto do Convite para o evento em homenagem à Nossa Senhora de Copacabana. Autor: André Luis Ramalho Junior, 2011. Figura 04: Foto do Grupo de dança Caporales, de Cochabamba em Corumbá - MS Autor: André Luis Ramalho Junior, 2011. 54 Figura 05: Foto da missa na Igreja Matriz de Corumbá em homenagem à Virgem de Copacabana Autor: André Luis Ramalho Junior, 2011. Da mesma forma ocorrem festividades pela cidade em homenagem a Nossa Senhora de Urkupiña, contando com muitos devotos brasileiros. Figura 06: Foto do andor com a imagem da Virgem de Urkupiña. Autor: André Luis Ramalho Junior, 2011. 55 Figura 07: Foto do banner com a imagem da Virgem de Urkupiña. Autor: André Luis Ramalho Junior, 2011. Ainda no âmbito religioso, as Prefeituras de Corumbá e Ladário apresentaram um projeto denominado "Unidos pela Fé Brasil/Bolívia - Caminhos da Fé Roteiros do Brasil", que intenciona criar uma rota de peregrinação pelos atrativos históricos e religiosos de Corumbá, e também das cidades bolivianas. Segundo o então Superintendente de Turismo de Corumbá, Rodolfo Assef Vieira, em entrevista ao site de notícias Diário Online no dia 12 de setembro de 2011: "esse roteiro busca a diversificação, para que possamos atrair outro tipo de turista para a região". No esporte, o futebol aparece como forte ponto de aproximação. O que os brasileiros chamam de “paixão nacional”, apresentou-se como uma paixão em comum entre brasileiros e bolivianos. Tal como se verifica nas imagens: Figura 08: Foto da final do Campeonato da Bras-Bol: brasileiros e bolivianos jogando futebol em Corumbá - MS. Autor: André Luis Ramalho Junior, 2010. 56 Figura 09: Foto da final do Campeonato da Bras-Bol: brasileiros e bolivianos jogando futebol em Corumbá - MS. Autor: André Luis Ramalho Junior, 2010. Em Ladário, cidade vizinha de Corumbá, o campeonato amador na categoria de veteranos é atuante, cujo nome é Quijarumbá, uma junção, ou trocadilho, formado a partir dos nomes Quijarro e Corumbá em homenagem às duas cidades fronteiriças entre si. Em seu plantel estão brasileiros e bolivianos, que estendem suas ligações para o pós-jogo, de forma a promover uma aproximação espontânea. Ainda no campo esportivo, captamos outra aproximação interessante, entre os alunos da escolinha de futsal do Corumbaense Futebol Clube e alunos do Colégio BolivianoCanadiense, que esporadicamente promovem amistosos, tanto em Corumbá como em Santa Cruz de La Sierra, sede da escola boliviana. De acordo com os professores que organizam os amistosos, eles já ocorrem há mais de dez anos. 57 Figura 10: Foto do amistoso entre a escolinha de futsal do Corumbaense Futebol Clube e Colégio Boliviano - Canadiense. Autor: André Luis Ramalho Junior, 2010 Figura 11: Foto do amistoso entre a escolinha de futsal do Corumbaense Futebol Clube e Colégio Boliviano - Canadiense Autor: André Luis Ramalho Junior, 2010. As expressões artístico-culturais apresentaram-se como outro resistente e potencial ponto de aproximação. Para esta afirmação nos valemos da análise presencial de diversos eventos, principalmente em que os bolivianos e suas manifestações eram os protagonistas. O que em geral foi registrado foram reações amistosas e curiosas, elementos importantes para derrubar preconceitos. 58 Figura 12: Foto da apresentação cultural do grupo Morenada no III Seminário de Estudos Fronteiriços, Corumbá - MS. Autor: André Luis Ramalho Junior, 2011. Figura 13: Foto da apresentação cultural do grupo Morenada no III Seminário de Estudos Fronteiriços, Corumbá - MS. Autor: André Luis Ramalho Junior, 2011. 59 Figura 14: Foto da Associações bolivianas desfilando no aniversário de 233 anos de Corumbá-MS. Fonte: www.corumba.com.br 2011. Figura 15: Foto do desfile referente à independência da Bolívia: centro de Corumbá - MS 2011. Fonte: André Luis Ramalho Junior, 2011. 60 Figura 16: Foto de expressão artística boliviana nas ruas de Corumbá- MS. Fonte: André Luis Ramalho Junior, 2011. Figura 17: Foto de expressão artística boliviana nas ruas de Corumbá- MS. Fonte: André Luis Ramalho Junior, 2011. 61 Figura 18: Foto de expressão artística boliviana nas ruas de Corumbá- MS. Fonte: André Luis Ramalho Junior, 2011. Figura 19: Foto de expressão artística boliviana nas ruas de Corumbá- MS. Fonte: André Luis Ramalho Junior, 2011. As manifestações culturais bolivianas que ocorrem nas ruas de Corumbá são de grande relevância, pois, solidificam as atitudes amistosas entre os povos desta fronteira. Ademais, além de caminhar em direção à quebra de preconceitos, possibilitam o conhecimento de algo que lhes era invisível aos olhos, desconhecido. E as reações dos corumbaenses curiosos, em geral, são de apreço e respeito pela cultura e pelo povo boliviano. Oportunidade em que estampam sua admiração e retribuem com recepção calorosa através de aplausos, com registro fotográfico. A forma sutil e cordial de agradecimento pela cultura do vizinho. 62 Eis a contestação humana ao governo federal que ergue suas políticas para fronteira, referenciado estritamente na segurança pública. É imprescindível registrar que o poder municipal corumbaense tem tentado outras vias, como a educação e a cultura, para o relacionamento discutido. A prefeitura de Corumbá realiza anualmente um evento para comemorar o Dia Internacional da Diversidade Cultural, em 21 de maio. Oportunidade de evento no qual foi possível captar mais aproximações entre brasileiros e bolivianos através das manifestações culturais, como seguem nas fotos: Figura 20: Foto de expressão artística de grupo boliviano no Dia Internacional da Diversidade Cultural. Fonte: André Luis Ramalho Junior, 2011. Outro ponto de aproximação que vem aos poucos se desenvolvendo através da administração municipal é o da educação. Em junho de 2012, em parceria com a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, foi lançado o Programa Escolas Interculturais de Fronteira, que tem por objeto a interação entre as escolas fronteiriças, alunos e professores, objetivando também a comunicação entre a língua espanhola e a língua portuguesa em seus currículos comuns. Este projeto está contido no programa do Governo Federal, o Projeto Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira (PEIBF), criado em 2005, por ação conjunta entre Brasil e Argentina, que segundo o documento do projeto, visa estabelecer um intercâmbio entre os professores dos países do MERCOSUL. Ações desse tipo são de grande importância para ampliação dos laços de aproximação entre brasileiros e bolivianos que convivem nesta fronteira. Assim, as ações que tem sido desenvolvidas pela administração municipal apoiada em projeto federal, são apenas possíveis porque nesta fronteira as aproximações entre brasileiros e bolivianos já se apresentam 63 presentes, assim, o apoio não vem para promover um primeiro passo de integração, mas sim para dar sequência aos que já existem. Em síntese, aprende-se que os pontos de distanciamento, apesar de contundentes, se disseminam e ocorrem em âmbitos reservados, e quando manifestos abertamente aplicam-se sob o anonimato. Com tais características, os pontos de distanciamento, recorrentemente estabelecidos por preconceito, geralmente se baseiam na imagem negativa associada à fronteira – são frágeis e falíveis. Frágeis, pois, não rompem com os laços solidários estabelecidos, falíveis porque se estabelecem sobre ideias infundadas, que se reproduzem em discursos que ecoam apenas em campos privados, no âmbito dos preconceituosos, senão estatista. Sobre os pontos de aproximação, eles constituem elementos de integração muito resistentes, principalmente porque não são resultantes de projetos políticos governamentais, ocorrem de forma espontânea e aberta, aproximam e criam laços fortes suficientemente rígidos para romper preconceitos e fazer prevalecer o amistoso. Faz-se necessário registrar que a dinâmica dos pontos é empreendida pelas pessoas, os atores sociais, o que implica em variações de comportamento. Com isso queremos dizer que os mesmos que atuam nos âmbitos do distanciamento podem ser encontrados promovendo ou estabelecendo aproximações. E o verso também é verificável. 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS As fronteiras são locais de contato entre diferentes construções sociais, históricas, políticas e econômicas, que podem ter elementos convergentes identificadores da sua forma de se desenvolver e impactar o meio. Esta pesquisa captou e analisou manifestações que demonstrassem as características do contato entre brasileiros e bolivianos na região fronteiriça da cidade brasileira de Corumbá com a cidade boliviana de Puerto Quijarro. Verificou-se que os habitantes dessa região produzem uma pulsante vivência fronteiriça. Além de compartilhar sua peculiaridade na mesma condição de vizinho confrontante com a Bolívia, a cidade de Corumbá também é grande receptora de imigrantes bolivianos que nela habitam fomentando ainda mais as relações sociais da vida nesta fronteira. Dessa forma, o que se verifica nesta urbe é a presença boliviana através de vários signos: nas escolas, no trânsito, nos transportes, nas feiras, nos supermercados, nas festividades, no esporte, na religião, na cultura em geral e em outros. Ou seja, uma sólida vivência fronteiriça. As reações a esta marcada presença foram nosso objeto de estudo. Assim no presente trabalho foi produzida a teoria dos Pontos de Aproximação e Pontos de Distanciamento. Nesse sentido, se brasileiros e bolivianos, diante de diferentes estímulos, se aproximavam ou se distanciavam. Aproximação, criando e reforçando laços amistosos entre os fronteiriços; distanciamento, pautando suas ações em ideias preconceituosas e restritivas. Trabalhou-se a hipótese de o Estado auxiliar na construção da vivência fronteiriça, figurando como o principal ator na produção de distanciamentos, através de suas políticas fronteiriças embasadas na permanente ideia de fiscalização e repressão, e desta forma privilegiando a segurança pública e desconsiderando outras esferas que se desenvolvem na fronteira, como a cultura, por exemplo. O grande número de instituições estatais que se fazem presente na fronteira é o alicerce desta hipótese estatista porque estão exclusivamente para vigiar, reprimir e punir o que se costuma denominar de “crimes fronteiriços”. Podendo-se elencá-las: PEFRON16, DOF17, Polícia Federal, Receita Federal, todos os entes públicos com vistas a frear a criminalidade na fronteira. É preciso registrar que não há nenhum tipo de afirmativa ressaltando que inexistam crimes na fronteira; o que se deseja evidenciar é que eles não 16 Policiamento Especializado de Fronteiras, criado em 2008, com a função de atuar no combate aos crimes nas regiões de fronteira. De acordo com o portal do Ministério da Justiça o objetivo do PEFRON é fomentar os estados brasileiros a criarem grupos especiais para atuarem na prevenção e na repressão de maneira mais qualificada nas regiões de fronteira, combatendo os crimes típicos de cada região do país. 17 Departamento de Operações de Fronteira, de jurisdição Estadual, passou a atuar na fronteira coma Bolívia, também com objetivo de repressão aos crimes na fronteira. 65 representam a fronteira, a qual oportuniza e produz experiências riquíssimas que em nada intersectam com crimes e ilegalidades. Concomitantemente, os meios de comunicação emergem produzindo distanciamento ao se noticiar uma fronteira tematicamente rotulada por criminosa. O que se verifica é a criação da imagem de que tudo na fronteira está associado à ilegalidade, e os que ali transitam ou residem também respondem por esse prejulgamento social-estatista-midiático. Paulatinamente, este mestrando, juntou enunciados jornalísticos que exemplificam o trabalho da mídia e relata o que agentes do Estado pensam e esclarecem sobre o tema. Com a apresentação de alguns noticiários sobre a fronteira, verificou-se a disposição de determinados órgãos que nela atuam e seus objetivos e prática. De um modo geral, os Pontos de Distanciamento recorrem às ideias preconceituosas, como aquelas que relacionam a fronteira com a ilegalidade e a desordem. E em análise, foi levantada a hipótese de que a concepção atual de fronteira é um fator que distancia os fronteiriços. Como a ideia negativa da fronteira foi promovida, em grande parte pelo Estado, quando equipou as fronteiras necessariamente de marcos fiscalizatórios e limitadores, afirmase a teoria que o Estado atuou e atua na construção da vivência fronteiriça. As manifestações de preconceito assumem, em sua maioria, dois aspectos: são discretas e anônimas. O manifestante se vale de um sítio de notícias na internet na cidade de Corumbá para desvelar suas opiniões. Não há relatos de manifestações escancaradas de preconceito que pudesse ser atribuída a determinado grupo ou indivíduo. Estes aspectos das manifestações de preconceito, que incidem no distanciamento entre brasileiros e bolivianos, nos revelaram a força das aproximações existentes. Ou seja, as manifestações de preconceito são dissimuladas, pois, de um lado, recorrem às ideias infundadas e, por outro, encontram um caráter solidário, proporcionado pelas aproximações, muito mais cristalizado e resistente, embora parcamente propalado. Entretanto, é preciso que os Pontos de Aproximação se multipliquem. A integração, enquanto iniciativa governamental, precisa procurar outros elementos que não sejam estritamente repressivos e comerciais. A religião, o esporte e as atividades artístico-culturais são pontos de aproximação deveras resistentes e, principalmente, partiram de iniciativas da população. Isto não pode ser desconsiderado. De maneira geral pode-se concluir que a região fronteiriça estudada enseja muito mais Aproximações do que Distanciamentos, o que já se mostrou propícia para elaboração e efetivação de práticas conjuntas entre brasileiros e bolivianos. Reitera-se que qualquer política 66 pública que intencione integração entre os fronteiriços desta região deve considerar suas formas e as práticas já existentes, pois, elas surgiram de modo espontâneo e vigoroso. Assim, as políticas que venham a se desenhar para Aproximações entre os fronteiriços dessa região devem buscar ao máximo a organização das práticas positivas já existentes, e não criação de práticas aproximativas, pois, elas já existem e se mostram o suficiente para serem aproveitadas. De modo muitíssimo espontâneo e enérgico, brasileiros e bolivianos desta fronteira constroem variados Pontos de Aproximação e nos mais variados e surpreendentes âmbitos de atuação. Nas confraternizações de fim de semana, no futebol, nas celebrações religiosas, nos funerais, na música, na dança, nos protestos, nas escolas, no poder público, no comércio, nas feiras, na construção civil, nas vizinhanças e em tantos outros e pelos mais variados motivos. 67 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, José Lindomar. Imigração em territórios fronteiriços. VI Congresso Português de Sociologia, 2008. Disponível em: < http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/302.pdf>. Acesso em: 06 de junho 2011. 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