Edição nº 40 - Fevereiro 2008
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Edição nº 40 - Fevereiro 2008
F e v e r e i r o 2 0 0 8 - n º 4 0 - P u b l i c a ç ã o Tr i m e s t r a l d o I n s t i t u t o B r a s i l e i r o d e G o v e r n a n ç a C o r p o r a t i v a 3 Informes IBGC Eleição do Conselho de Administração Nova Sede 4 A visão de quem senta na cadeira de aluno Mais de 3 mil pessoas já participaram dos cursos abertos promovidos pelo IBGC. Novas exigências profissionais, necessidade de reciclagem e qualidade de ensino foram algumas das motivações apontadas por ex-alunos entrevistados 7 BM&F inaugura ciclo de debates de 2008 do IBGC O presidente do Conselho de Administração da companhia revela o processo de abertura de capital da BM&F, seus desafios e realizações 11 Sustentabilidade e governança corporativa unidas pela estratégia empresarial Quarto Caderno de Governança permite aos gestores e empresas interagirem sobre os temas por meio de uma linguagem comum, apresentando razões e indicando alternativas para avançarem na excelência de gestão 13 Código das Melhores Práticas está passando por nova revisão Mecanismos como poison pills e proxy voting são debatidos nas reuniões do Comitê de Revisão do Código do IBGC. Armstrong, executivo do GCGF, fala ao IBGC em Foco sobre a necessidade de se atualizar um código, além de trazer diferentes experiências internacionais sobre o assunto 15 O caminho dos controladores absolutistas aos constitucionalistas Em artigo para o IBGC em Foco, Ricardo Leal expõe as tendências no mercado de capitais brasileiro e o papel do sistema de governança corporativa com o atual processo de mudança na realidade societária nacional As empresas estão, de fato, preparadas para o processo de IPO? Bolsa de Valores de São Paulo, CVM e bancos de investimento posicionam-se quanto à abertura de capital, comportamento esperado de investidores e empresas debutantes e assimetria de informações pág. 9 www.ibgc.org.br A governan ç a nas novas R eali d a d es societ á rias O recente surto de aberturas de capital resultará na necessidade de que os sistemas de governança corporativa, tanto em sua estrutura, como em seus processos, incorporem as demandas dos variados perfis de propriedade. O Brasil estabilizado e inserido nos mercados globais, para continuar se desenvolvendo, terá de contar com empresas fortes e competitivas, e estas serem dotadas de sistemas de governança sólidos, com melhores condições de buscar a custos competitivos investimentos e crédito, por meio de um mercado de capitais ativo. Pretendemos durante o ano de 2008, com a nossa agenda temática, oferecer ao debate circunstâncias que cerquem os vários perfis de propriedade, trazendo representantes dessas muitas empresas, a fim de extrair contribuições úteis não só para aqueles que convivem com situações semelhantes, como também para aqueles que buscam aperfeiçoar nosso arcabouço institucional (legisladores, reguladores e outras instituições). 2 Logo em janeiro esteve conosco o presidente do Conselho da BM&F, instituição que, como a Bovespa, passou por uma experiência complexa quando da mudança de seu perfil de propriedade. Em nossa primeira edição de 2008 do IBGC em Foco, privilegiamos o debate sobre o processo de abertura de capital, quais as tendências dessa nova realidade e como avaliar o preparo de empresas e investidores para este momento. A abordagem, em formato de matérias e artigo, referenda a complexidade do assunto. Durante o ano virão outros eventos com o tema e, principalmente, a consolidação dos debates em nosso congresso no final do ano. Continuaremos provendo o conhecimento técnico, formando pessoas, disponibilizando informações e elaborando pesquisa, e, a partir de agora, explicitando opinião e oferecendo diretrizes para situações específicas que afetam os sistemas de governança corporativa. Essas experiências de amealhar conhecimento de várias fontes permitem ao IBGC atualizar os currículos de nossos cursos, editar matérias e disponibilizá-las aos associados, que buscam no Instituto exatamente isso: o conhecimento útil. José Guimarães Monforte Presidente do Conselho de Administração do IBGC fevereiro 2008 INFORMES IBGC Em março, associados do IBGC elegem novo Conselho de Administração E ncontra-se aberto o processo para eleição dos membros do Conselho de Administração do IBGC. A votação será realizada na Assembléia Geral Ordinária (AGO) de 27 de março. Para facilitar a participação e representação dos associados, conforme prevê o Estatuto, além da votação por comparecimento à assembléia, haverá ainda a possibilidade de votação por procuração (procurador e candidato devem obedecer aos pré-requisitos de tempo mínimo como sócio e regularidade financeira e de associação); on-line, por meio do site do IBGC; e por fax. O período para votação será de 04 a 24 de março. Os candidatos terão seus nomes divulgados um dia antes do início do período de votação. Espera-se que a composição do Conselho seja diversificada. A cada ano são eleitos nove conselheiros com mandato de um ano, sendo o presidente e dois vice-presidentes selecionados entre os pares. O exercício corresponde ao período de março deste ano a março de 2009. De um espaço cedido pelo WTC aos 350 m2, as mudanças do IBGC o dia 03 de dezembro passado, o IBGC transferiu sua sede do 19º para o 25º andar do edifício World Trade Center São Paulo, localizado na Av. das Nações Unidas, 12.551. O novo espaço, de 350 m2, foi projetado para sediar o Instituto até o ano 2012 com vistas a melhor atender a demanda dos associados e a ampliar a equipe interna atual. A sede mantém a estrutura anterior, porém, com acréscimo de espaços: abriga uma biblioteca e duas salas de reunião, sendo uma delas projetada também para a realização de alguns dos cursos do Instituto. A crescente participação dos associados nos encontros dos comitês foi imprescindível, de acordo com Heloisa Bedicks, secretária-geral do IBGC, para a ampliação das salas. “Esperamos proporcionar aos nossos associados mais conforto e salas para reuniões dos comitês e do conselho mais amplas e agradáveis. Além de a mudança ser um motivo de orgulho, pois em 12 anos o IBGC partiu de, aproximadamente, 4m2 de espaço cedido pela administração do WTC para o espaço atual”, comenta Bedicks, sobre a quarta mudança de sede. Histórias de um Instituto De uma mesa num espaço emprestado pela administração do WTC, começaram as atividades do IBGC, na época IBCA – Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração. Durante os anos iniciais de sua fundação, reuniões do Conselho de Administração e encontros sobre governança corporativa aconteciam em diferentes sedes emprestadas normalmente pelos seus associados mais ativos. Em 1998, o Instituto começou a formar sua estrutura administrativa, mudando de sede no final do ano seguinte. Logo depois, a equipe passou a ocupar um conjunto do 19º andar do WTC, para assim acompanhar o crescimento do Instituto, hoje, sediado em um espaço mais amplo no 25º andar. Divulgação IBGC N 3 www.ibgc.org.br A visão de quem senta na cadeira de aluno Ex-alunos dos cursos promovidos pelo IBGC revelam por que decidiram participar desses cursos e contam o que aconteceu depois dessa iniciativa Ó rgão educador por excelência, o IBGC é pioneiro na capacitação de conselheiros de administração no País, assim como na formação de pessoas em temas relacionados à prática da boa governança corporativa. Mais de 3 mil pessoas já participaram dos cursos abertos promovidos pelo IBGC, que hoje somam seis títulos mais o Curso In Company (quadro 1). 4 A procura por esses cursos tem sido notadamente crescente, a ponto de a 19ª edição do Curso para Conselheiros de Administração, em São Paulo, do segundo semestre de 2007, antes mesmo de sua divulgação, ter contado com um cadastro de 100 interessados para as 50 vagas existentes. E agora em 2008 o quadro se repete, havendo já uma lista de espera para os interessados em fazer o curso. Entre os ex-alunos do Instituto encontra-se André Parodi, sócio da Trio Alimentos, empresa de produtos à base de cereais, que, segundo ele, vem crescendo “junto e até acima do segmento que participa”. E foi justamente esse crescimento que impulsionou Parodi a buscar novos conhecimentos junto ao IBGC. “Com o desenvolvimento da empresa, nós, os sóciofundadores, decidimos implantar internamente as premissas da boa governança e todas as indicações nesse sentido recaíram sobre o IBGC.” O primeiro curso para o qual Parodi se inscreveu foi o Board Case, no ano 2005. Na época, os sócios tinham decidido sair da gestão da empresa e passar a atuar somente no Conselho de Administração. “O nível de ensino acima do esperado, a organização, professores bem preparados e abrangência da matéria me incentivou a fazer, em 2006, também o Curso para Conselheiros de Administração.” Após a participação de André Parodi nos cursos do IBGC, várias atitudes concretas envolvendo as boas práticas de governança foram implantadas na companhia. “Houve uma melhora na prestação de contas, na transparência do Conselho de Administração e foram criados comitês subordinados ao Conselho, hoje num total de quatro (quadro 2).” Q u a n t i d a d e d e a l u n o s q u e c o n c l u í r a m o s c u r s o s d o I B G C 818 D i s t r i b u i ç ã o d e a l u n o s p o r t i p o d e c u r s o s e m 2 0 0 7* I n C u r s o s C o m p a n y 387 416 831 431 2 0 0 6 *Estimativa fevereiro 2008 2 0 0 7* C u r s o s a b e r t o s Também ex-aluna de uma das turmas do Curso para Conselheiros de Administração em 2006, Liège Oliveira Ayub, assessora da Diretoria Econômico-Financeira e de Relação com Investidores da Sabesp, freqüenta as atividades do IBGC desde 1999. Decidiu fazer o curso em duas etapas, entre 2006 e 2007, em função de sua agenda, época em que acontecia a implantação do Programa de Verticalização da Governança na Sabesp. Apaixonada por governança e pesquisadora do tema, Q u a d r o Ayub foi escolhida como a única palestrante do programa de governança da Sabesp e, por isso, optou por complementar o seu conhecimento por meio dos cursos do IBGC. Hoje Ayub já realizou palestras sobre o tema governança para 600 gerentes da Sabesp. “Com certeza o curso do Instituto me ajudou bastante na montagem das minhas palestras, e, em todas as 1 TRA J ETÓR I A DE I M P L ANTA Ç Ã O DOS C URSOS A B ERTOS DO I B G C Em 1998, o IBGC organizou o primeiro curso no Brasil preparado especificamente para a formação de conselheiros – o Curso para Conselheiros de Administração, que hoje se encontra em sua 20º edição em São Paulo, oferecido também em Porto Alegre e Curitiba. Em 2001, a realização de cursos fora da capital paulista começou a se intensificar. Foi também neste ano que o Instituto introduziu em sua programação o Curso de Governança Corporativa em Empresas Familiares, oferecido em São Paulo e pelos Capítulos Sul e Paraná. No ano seguinte, foi criado outro curso inédito no País: o Board Case, que reproduz o ambiente e as atividades práticas de um conselho de administração. O curso utiliza a técnica da vivência de papéis, em que os participantes atuam em reuniões de conselho de administração e comitês do conselho de uma empresa fictícia. Em 2005, criou-se o curso As Melhores Práticas de Governança Corporativa, que aborda cada um dos capítulos do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. TRA J ETÓR I A DOS Em 2006, introduziu-se o curso A Função Controle na Governança Corporativa, que trata de temas relacionados aos principais agentes dessa área, como comitê de auditoria, auditoria interna e externa e conselho fiscal. No ano passado, foi criado o Curso Avançado para Conselheiros de Administração, com abordagem mais aprofundada sobre o tema. 5 Por meio, principalmente, do feedback dos alunos e ex-alunos, o IBGC constantemente aperfeiçoa seus cursos. Com esta perspectiva, a edição deste ano do Curso para Conselheiros de Administração terá o reagrupamento de módulos e a introdução de novos. Com relação ao tema de Finanças, houve o acréscimo do módulo opcional de meio dia, intitulado “Avaliação do valor das empresas” e do módulo “Operações no mercado de capitais”. “Compra, venda e associação de empresas” e “Instituições da Governança Corporativa” são as outras unidades debutantes. Já para o segundo semestre, o IBGC prevê o lançamento de novo curso: Ferramentas da Governança Corporativa, nome ainda provisório. C URSOS I N C O M PA N Y Em 1999, o Instituto realizou o primeiro Curso In Company, ou curso fechado. Voltado para atender especialmente as demandas específicas de cada empresa, o curso tem como característica oferecer conteúdo e carga horária de acordo com as necessidades e objetivos apresentados por essas organizações. Desde sua criação houve uma elevada procura, atingindo o patamar de 14 cursos em 2007, realizados em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Curitiba. www.ibgc.org.br Q u a d r o A 2 G O V ERNAN Ç A NA TR I O A L I MENTOS Conselho: possui cinco membros, sendo dois independentes, dois sócios e um ex-presidente executivo com participação na empresa (minoritário). Comitês: Estratégico; de Inovação e Desenvolvimento; de Desenvolvimento Humano; e de Riscos. minhas apresentações, tenho por hábito distribuir o Código das Melhores Práticas do IBGC, pois se trata de uma excelente fonte de consulta”, afirma (quadro 3). 6 Com atuação ligada ao mercado de capitais, o exdiretor geral do IBCPI (Instituto Brasileiro de Certificação dos Profissionais de Investimento) e expresidente da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), Haroldo Levy, decidiu fazer o Curso para Conselheiros de Administração certo de que o ajudaria em seu cotidiano. Hoje atuando no CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis), na Comissão Consultiva de Normas Contábeis da Comissão de Valores Mobiliários e no CODIM (Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado), Levy afirma: “Em todas as minhas performances, procuro utilizar o meu aprendizado sobre governança, que inclui o conteúdo desse curso do IBGC, além de outros eventos que tenho organizado e participado. O Instituto continua nos trazendo novos conceitos e experiências inovadoras de como se praticar a boa governança”. Outro ponto positivo desse curso, segundo Levy, foi “proporcionar uma espécie de reciclagem”. “Com muitos anos de experiência em conselhos, diretorias, comitês e comissões de entidades do mercado de capitais e em análise de investimentos, pude comparar melhor e entender alguns pontos de vista de quem está ou esteve atuando dentro de uma companhia e, também, passar a minha visão.” Entre os muitos motivos que levam à participação nos cursos do IBGC, o de Álvaro Augusto de Amaral foi ocasionado pela necessidade de se preparar para uma nova função. Membro do Conselho de Administração fevereiro 2008 da Positivo Informática S. A., de Curitiba, empresa integrante do Novo Mercado (quadro 4), Amaral foi indicado para coordenar o Comitê de Auditoria criado em junho de 2007. “Durante a minha pesquisa para saber que caminho seguir, notei que a grade curricular do curso do IBGC era exatamente o que eu procurava”, revela Amaral. O conselheiro se inscreveu no curso A Função de Controle na Governança Corporativa, em agosto de 2007. “Hoje julgo que, para exercer as minhas atividades no Comitê, foi fundamental receber as informações transmitidas pelos palestrantes desse curso do IBGC, que aconteceram de forma absolutamente didática, em particular sobre a delimitação do trabalho dos membros do comitê de auditoria.” Sua vivência neste curso incentivou-o a se inscrever para a 1ª edição em Curitiba do Curso para Conselheiros de Administração, a fim de ampliar seus conhecimentos. O curso aconteceu no segundo semestre de 2007. Com vasta experiência como diretor-executivo de multinacional, o advogado Alberto Whitaker, hoje sócio de uma consultoria na área de administração, decidiu participar de praticamente todos os cursos do IBGC entre 2006 e 2007. Além de frequentar três cursos no exterior. Q u a d r o A 3 G O V ERNAN Ç A NA SA B ES P Em 2002, a Sabesp aderiu ao Novo Mercado. Conselho: possui dez conselheiros: três independentes, um representante dos minoritários e os demais escolhidos pelo grupo controlador. O estatuto da Sabesp prevê o mínimo de cinco e o máximo de 11 conselheiros. O 11º é reservado para um representante dos empregados. Atualmente a cadeira está vazia. Comitê: no momento, o único comitê vinculado ao Conselho de Administração na Sabesp é o de Auditoria. Curiosidade: o presidente do Conselho de Administração do IBGC, José Guimarães Monforte, foi o primeiro conselheiro independente da Sabesp O resultado desse ‘banho’ de reciclagem, segundo ele, foi muito positivo. “Comparando com os cursos que eu participei no exterior, os cursos do IBGC não ficam nada a desejar”, relata Whitaker. “Por meio de minha experiência como consultor, posso afirmar que as empresas hoje estão muito abertas a evoluir na área de governança. Eu diria, no entanto, que as idéias são aceitas, porém as implementações são mais lentas, mas vão se processando. Esse é um processo irreversível e geral”, avalia. Q u a d r o 4 A G O V ERNAN Ç A NA P OS I T I V O I N F ORM Á T I C A S . A . Aderiu ao Novo Mercado em dezembro de 2006. Conselho: possui independente. seis membros, sendo um Comitê: de Auditoria. BM&F inaugura ciclo de debates de 2008 do IBGC Os eventos deste ano versarão sobre as novas formas de controle societário, entre elas a estrutura de controle disperso adotada recentemente pela BM&F A Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) abriu seu capital no final de novembro passado, a exemplo da Bovespa, cujo processo aconteceu cerca de um mês antes. Essas iniciativas vêm de encontro a uma tendência mundial de abertura de bolsas. “O mundo descobriu que as bolsas em si são um bom negócio”, afirmou o palestrante Manoel Felix Cintra Neto, presidente do Conselho de Administração da BM&F, ao iniciar o evento. Cintra Neto explicou que o mercado passou recentemente a enxergar o sistema cartorial dos corretores, isto é, a sociedade mutualizada, como um limitador para o seu desenvolvimento e o da própria bolsa, “que ficava restrita a esses intermediários e não permitia o acesso direto aos clientes”. E apostou na abertura das bolsas, ou seja, na sua desmutualização. Criada há 21 anos, a BM&F tornou-se a quinta maior bolsa do mundo no segmento de futuros. Para isso, foram realizados fortes investimentos em estrutura e no desenvolvimento de modernos sistemas de negociação e de controles de garantias de risco. “Enfim, a BM&F já estava competindo globalmente e tinha total condição de concorrer com as bolsas que recentemente abriram seu capital no exterior. Assim, decidimos pela abertura”, esclareceu Cintra Neto. 7 No entanto, apesar de ter volumes comparáveis às bolsas internacionais, a BM&F operava praticamente só no mercado doméstico. Desconhecida internacionalmente, a primeira estratégia para a abertura de capital, de acordo com Cintra Neto, foi conseguir um parceiro internacional, um hedge fund especializado em investir em bolsas. Com assento nos conselhos de administração de várias bolsas do mundo, tais como a New York Mercantile Exchange (NYMEX), a New York Stock Exchange (NYSE) e a National Stock Exchange of India, a General Atlantic (GA) foi o hedge fund convidado a compor a bolsa. “A GA sinalizou para o mundo que a bolsa tinha competitividade internacional e valia aquilo que nós estávamos nos propondo a vender”, declarou. Um ano antes, os títulos da BM&F eram negociados por uma vez o valor patrimonial, ao final da negociação com a GA os títulos fecharam em dez vezes o valor patrimonial, sendo vendidas 10% das ações. A próxima meta proposta consistia em atrair para a BM&F uma grande bolsa internacional. A BM&F já tinha um bom relacionamento com o grupo norte-americano Chicago Mercantile Exchange (CME). Por outro lado, havia a possibilidade, devido à força do grupo, de que houvesse competição e a BM&F fosse por ele comprada www.ibgc.org.br Alexandre Machado rapidamente. Para evitar a situação, foi realizado um acordo. Em palestra do IBGC, Cintra Neto afirma ser necessário repensar a participação de pessoas físicas nos IPOs e, assim, evitar o chamado 'efeito manada'. 8 A CME comprou 10% da BM&F e pagou com as suas ações. Assim, BM&F tornou-se o sexto maior acionista da CME e, da noite para o dia, teve acesso a maior plataforma de negociações eletrônicas do mundo, em que negociam 110 mil grandes clientes internacionais. Inclusive a recente compra da NYMEX pela CME entrou na parceria. O grupo tem o maior contrato do mundo de commodities de petróleo. A CME pagou para a BM&F 13,1 vezes o seu valor patrimonial. O acordo estabeleceu que a BM&F tem exclusividade em relação à CME em todos os contratos de futuro a serem desenvolvidos na América Latina, com exceção do México. Com isso, partiu-se para o IPO (Oferta Pública Inicial de Ações). Para fazer a apresentação da BM&F por meio de road shows, a equipe da bolsa viajou 3,5 vezes a volta ao mundo. Nesse percurso, segundo Cintra Neto, constatou-se a atração exercida pelo Brasil hoje sobre os grandes investidores internacionais. “A bolsa como sociedade de capital aberto é uma novidade no mundo e os grandes investidores querem comprar este artigo, assim como hoje existe um grande ‘apetite’ pelo Brasil. Vem daí o grande sucesso tanto da Bovespa quanto da BM&F”, afirmou. O investidor pessoa física e a dispersão do capital Como propõe o Novo Mercado, 10% das ações da BM&F foram vendidas para pessoas físicas. Segundo Cintra Neto, devido ao sucesso financeiro da Bovespa com a abertura, a qual proporcionou no dia do IPO elevação de 50% em suas ações, e à BM&F ser conhecida como “empresa vencedora”, criou-se com a abertura de capital da bolsa “quase que uma euforia nas pessoas físicas”. Para ele, a questão da pessoa física em IPOs deveria ser repensada. “Eu não tenho uma solução, mas acredito que uma saída é educação. Se o investidor souber o que está comprando, então não importa se é pessoa física ou jurídica, ele vai comprar bem. Quando está fevereiro 2008 sem orientação, a pessoa física compra na alta e vende na baixa.” Cintra Neto compara o IPO para a pessoa física com um remédio de tarja preta: ”É uma forma de ela entrar sabendo o que é”. E recomenda às pessoas físicas a entrem na bolsa por meio de corretores que realmente expliquem os prospectos. “Hoje a pessoa física age por meio do ‘efeito manada’, o que tem, de certa forma, prejudicado o desenvolvimento do mercado de capitais nacional”, alertou Cintra Neto. E se perguntou: “Quantas pessoas compraram as ações da BM&F e se decepcionaram? Primeiro, pela quantidade e, depois, como não sabiam o que estavam comprando, na queda provavelmente se desfizeram delas?”. “Acredito firmemente que o futuro do mercado se fará com a diversificação de acionistas, de investidores e com a participação efetiva da pessoa física, mas da pessoa física educada para o mercado, que sabe o que está comprando”, finalizou. A governança na BM&F Atualmente listada no Novo Mercado, a BM&F realizará sua primeira Assembléia Geral Ordinária dia 26 de fevereiro. Será votado, entre outras pautas, o aumento de sete para nove membros do Conselho. Entram um representante da CME e um conselheiro independente. O indicado para esta cadeira é o ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários, Marcelo Trindade. Participa também do Conselho da BM&F, além da CME, a General Atlantic (GA) com um representante, enquanto os outros membros do Conselho são independentes. “Essa estrutura evita o conflito de interesses”, afirmou Cintra Neto. Comitês O Comitê de Nomeação da BM&F, indicado pelo Conselho de Administração, é o responsável pela indicação dos nomes para compor os vários fóruns da bolsa e a diretoria, que têm de ser referendados pelo Conselho de Administração. O voto De acordo com Cintra Neto, não importa quanto o investidor tenha em ações, o seu voto é limitado a 7,5% do capital. Outra limitação está no fato de que ninguém pode deter mais do que 20% das ações. As empresas estão, de fato, preparadas para o processo de IPO? Possibilidade de acesso a financiamento de projetos de expansão e ao crescimento, em uma única cartada, faz empresas de todos os tipos vislumbrarem as emissões de IPOs À parte da atual instabilidade do mercado de capitais acordo com Santana, da seguinte forma: “A autarquia mundial com origem nas dificuldades enfrentadas zela para que as informações importantes estejam pelo setor de crédito imobiliário de alto risco dos disponíveis e o investidor paga aquilo que acredita EUA, o que se observa nos últimos anos no Brasil é valer”. uma crescente opção das empresas pela captação de recursos por meio do mercado de capitais. E, com No entanto, se a empresa conseguiu disfarçar tão isso, um crescimento relevante nos processos de IPOs bem seu despreparo e fez um IPO bem sucedido, para (Oferta Pública Inicial de Ações). Somente em 2007, Mifano, “o susto virá no dia seguinte à publicação do mais de 60 companhias estrearam anúncio de abertura”. “Acionistas, na Bovespa. Entretanto, alguns "O questionamento se uma investidores e analistas, a partir investidores têm alertado para o daí, pressionarão a empresa, organização está pronta fato de que há empresas abrindo mantendo-a sob um foco constante. para abrir o capital compete seu capital sem estarem prontas, Tanto os administradores quanto a apenas para aproveitarem a aos investidores no momento empresa terão de se adaptar à da análise do prospecto oportunidade do mercado. nova realidade.” 9 das empresas" Ao ser indagado sobre essa O diretor geral da Bovespa acredita questão pela reportagem do que a governança corporativa em (Maria Helena Santana) IBGC em Foco, o diretor geral da empresas abertas precisa ser vista Bovespa, Gilberto Mifano, é enfático: “As exigências como um sistema autocorretivo, no qual o feedback da legislação, da Comissão de Valores Mobiliários e vem do mercado na forma de relatórios de pesquisa da BOVESPA, esta última também sobre governança dos analistas, críticas dos acionistas e preço das ações corporativa, são bastante objetivas e as empresas não na bolsa. “O que precisa ser assegurado é transparência obtém o registro sem que sejam cumpridas”. Também e direitos dos acionistas.” questionada sobre o tema, a presidente da CVM, Maria Helena Santana, esclarece que “não cabe à CVM Mifano também chama a atenção para a necessidade de a responsabilidade de avaliar se uma empresa está se garantir aos investidores instrumentos adequados preparada ou não para o IPO. Esse questionamento para a sua defesa, como a Câmara de Arbitragem - um compete aos investidores no momento da análise do mecanismo que faz parte do desenho dos níveis de prospecto das empresas”. governança (Nível 2 e NM). “A própria Bovespa também atua exigindo a prestação das informações nos prazos Ao fazerem as suas avaliações, os investidores, devidos e cumprimento das obrigações previstas nos segundo Mifano, sabem o que esperar em relação à regulamentos dos níveis de governança e aplicando transparência e ao direito societário das empresas, sanções, no caso do descumprimento”, informa. principalmente, das companhias que aderem ao Nível 2 e ao Novo Mercado. “Nesse sentido, as empresas, Ao ser questionado sobre perspectiva da Bovespa quando abrem o capital no Nível 2 e no NM, ‘estão quanto à entrada de novas empresas neste ano, Mifano prontas’, pois colocam nas mãos dos investidores as afirma que “a Bovespa está confiante no crescimento ferramentas que eles precisam para acompanhar do mercado de capitais brasileiro, mas não pode nem a vida da empresa e fazer valer os seus direitos”, deve fazer previsões”. avalia. Quanto à CVM, esse processo acontece, de www.ibgc.org.br E v o l u ç ã o d o s F o n t e : I P O s 70 64 60 B o v e s p a REALIZADO 50 40 26 30 20 10 0 7 2 1 1 1 Na outra ponta do processo de IPOs, atuam os bancos de investimento, que, entre outras funções, coordenam a operação de abrir capital das empresas no País. Nos últimos anos, esses bancos, entre eles o Credit Suisse e o UBS Pactual, obtiveram ganhos como nunca antes com o mercado de emissões de ações. fevereiro 2008 1 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 A visão dos intermediários financeiros 10 9 Essas empresas “prontas” foram naturalmente as primeiras a fazerem seus IPOs, quando o mercado de capitais se abriu novamente em 2004, com a estabilidade econômica interna e o ciclo virtuoso de crescimento mundial. Na seqüência, as empresas que entenderam o movimento passaram a buscar a assessoria de bancos de investimento para prepará-las para o processo, muitas vezes longo, e que, na visão de Bettamio, “passa por definição do veículo emissor, reestruturações societárias e organizacionais”. José Olympio Pereira, chefe da área de Investment Banking do Credit Suisse no Brasil, acredita que “cabe aos intermediários financeiros certificarem-se se as empresas trazidas ao mercado estão prontas para Bettamio informa que “uma vez concluída serem abertas. Não só no aspecto prático, ou seja, que tenham um prospecto e "O que precisa ser a oferta, significa que um número assegurado é suficiente de investidores acreditou que, demonstrações financeiras, mas que transparência naquele preço, a empresa tem condições estejam culturalmente comprometidas de se tornar aberta”. Em contrapartida, com os ônus e bônus impostos a uma e direitos dos “quando o investidor crê no despreparo companhia aberta”. Entre as desvantagens acionistas" da empresa para abrir seu capital ou do processo de abertura de capital, Olympio Pereira citou “a exposição ao (Gilberto Mifano) atribui qualquer outro fator negativo à companhia, isso é refletido em sua escrutínio não só de investidores mas avaliação financeira do ativo e eventualmente na sua também da concorrência; um maior custo da estrutura disposição em estender ou não uma ordem pelas ações administrativa em preparar e comunicar de forma da empresa no processo de bookbuilding”. adequada as informações ao mercado; e a pressão do mercado por resultados de curto prazo que podem, Assimetria de Informações às vezes, afetar a orientação estratégica no longo prazo”. A possível assimetria de informações entre grandes e pequenos investidores, isto é, quando os primeiros têm De acordo com Alexandre Bettamio, diretor de acesso a materiais e projeções informais, inacessíveis Investment Banking do UBS Pactual, como o Brasil aos segundos, é outro tópico que tem suscitado por vários anos esteve com seu mercado de capitais debates. Para Olympio Pereira, “esta é uma questão praticamente fechado para emissões de novas empresas, que pode melhorar muito”. E, segundo ele, “uma das “isso criou um estoque enorme de organizações com formas de equalizar as informações é a utilização do todos os requisitos necessários para serem listadas, mecanismo de conferências telefônicas”. mas que simplesmente não tinham essa alternativa”. Para Santana, uma outra alternativa é a apresentação de home show no site das empresas para que o pequeno investidor possa assistir. Quanto a esta hipótese, declara: “Espero que se concretize o pedido de autorização da Bovespa para a CVM nesse sentido”. Porém, Santana não acredita que haja fornecimento de novas informações aos grandes investidores. “Provavelmente, as companhias estão se atendo ao prospecto, caso contrário correm um grande risco legal.” No entender de Bettamio, o que vem ocorrendo é que “os investidores institucionais geralmente possuem um grau de interação maior com as empresas do que os investidores de varejo em geral. E isso pode passar a impressão de haver assimetria. Na realidade, se investidores de varejo acessarem as companhias da mesma forma que os institucionais, visitando-as, discutindo a estratégia, acompanhando as divulgações de resultado, eles estarão expostos ao mesmo nível de informação”. “Nada substitui o investidor informado na defesa de seu próprio interesse”, completa Santana. Sustentabilidade e governança corporativa unidas pela estratégia empresarial Apresentado ao mercado em novembro último, o Guia de Sustentabilidade para as Empresas propõe uma unificação na linguagem sobre os temas 11 E m fevereiro do ano passado, membros de empresas, da academia, do mercado financeiro, de associações de classe, organizações nãogovernamentais e consultores passaram a se reunir com regularidade a convite do IBGC para discutir o tema da sustentabilidade e sua relação com a governança corporativa. Relativamente em curto espaço de tempo, haja vista a amplitude do assunto, o grupo nomeado GESE - Grupo de Estudos de Sustentabilidade para as Empresas - desenvolveu o Guia de Sustentabilidade para as Empresas. Quarta publicação da série Cadernos de Governança Corporativa editada pelo Instituto, o Guia foi lançado em novembro último, durante o 8º Congresso Brasileiro de Governança Corporativa. O primeiro mérito do Guia, na visão de Carlos Eduardo Lessa Brandão, coordenador do Centro de Conhecimento do IBGC e co-coordenador do documento, é permitir que os administradores entendam o significado da sustentabilidade. “Quando a empresa consegue enxergar a sustentabilidade de maneira organizada, passa a perceber seu ambiente de negócio de forma mais completa. Compreende alguns dos aspectos que o impactam e que, muitas vezes, nem estão refletidos nos preços tampouco contabilizados”, explica. São os chamados ativos intangíveis e as externalidades. “Entender esses fatores torna-se estratégico devido à crescente demanda da sociedade por posturas mais responsáveis a serem adotadas pelas empresas, o que, por outro lado, tem levado-as a um melhor desempenho.” Outro mérito do Guia apontado por Brandão está em “sugerir explicitamente um diagnóstico preliminar”. Por meio do capítulo Os estágios da sustentabilidade nas empresas, qualquer organização pode avaliar o quão alinhada está com a sustentabilidade. As empresas encontram no Guia uma orientação para escolher as ferramentas mais adequadas de apoio à inserção da sustentabilidade tanto nas definições institucionais quanto na estratégia, na operação e na remuneração, assim como nas estruturas e nas práticas de governança corporativa. Com isso, acrescenta Brandão, “a empresa tem meios de fazer a relação com a criação de valor e definir seus próximos passos”. Sustentabilidade e Governança Corporativa O coordenador do GESE e co-coordenador do Guia, Homero Luís Santos, consultor nas áreas de governança e sustentabilidade, chama a atenção para o fato de o documento ser único naquilo que se propõe: www.ibgc.org.br “Desconheço a existência de documento similar no mundo que aborde a sustentabilidade a partir da perspectiva da boa governança corporativa”. Com semelhante parecer, Brandão lembra que na edição de janeiro da revista “Época Negócios”, o criador do conceito de triple bottom line, John Elkington, menciona o Guia do Instituto em artigo assinado em conjunto com Jodie Thorpe. Em trecho do artigo, o leitor é informado que “dois exemplos brasileiros chamam a atenção: o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bovespa (...) e o recente trabalho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, que oferece orientações e mostra que a sustentabilidade está ligada à governança, à filosofia e às estratégias corporativas”, referindo-se a uma crescente preocupação com a natureza estratégica do tema sustentabilidade empresarial na pauta das grandes corporações. E conclui: “Ambas as iniciativas ressaltam caminhos encontrados pelas empresas de economia emergentes para avançar rumo à linha de frente do pioneirismo do crescimento sustentável”. 12 Outra referência internacional sobre o tema, o professor Mervyn King é o autor do prefácio do Guia. King coordena o comitê responsável pela elaboração e revisão do King Report, o código de governança corporativa da África do Sul, reconhecido como um dos melhores do mundo (leia a matéria sobre códigos na página ao lado), e é presidente do Conselho de Administração da GRI – Global Reporting Initiative, iniciativa multistakeholder que estabelece diretrizes para relatórios de sustentabilidade, entre outras atividades. (Leia o trecho do prefácio do Guia, em que sustentabilidade, governança corporativa e estratégia são relacionadas). Quando esteve no País, em novembro passado para participar do 8º Congresso do IBGC, Philip Armstrong, executivo do Global Corporate Governance Forum também participante da elaboração do código King Report, disse para a reportagem do IBGC em Foco: “A maior parte do processo de sustentabilidade, particularmente na Europa Ocidental, é dirigida pela intervenção de reguladores e políticos. O Brasil é um exemplo interessante, porque aqui a sustentabilidade acontece muito mais como um pacto social, um acordo entre as empresas, a sociedade e os facilitadores, como, por exemplo, o IBGC”. Trabalho contínuo Até janeiro, mais de 1200 exemplares do Guia já haviam sido distribuídos. O Instituto também preparou e distribuiu uma minuta do documento em inglês na época da consulta pública, e está finalizando sua edição para o idioma. O Guia de Sustentabilidade para as Empresas pode ser obtido na sede do Instituto ou gratuitamente por meio do website do IBGC em arquivo eletrônico. Uma outra alternativa é solicitar o envio do documento pelo correio. Mesmo após o lançamento do Guia, o GESE continua a se reunir, agora, com o propósito de ilustrar situações de conflito vivenciadas por agentes da governança corporativa ao lidar com a inserção dos temas da sustentabilidade na estratégia e operação das empresas. A linha inicial de desenvolver conteúdo visando à capacitação dos agentes da governança corporativa se mantém. De acordo com o coordenador do Centro de Conhecimento, o resultado dessa série de entrevistas poderá no futuro gerar novos documentos a serem compartilhados com o mercado. “Um dos princípios de boa governança corporativa é que o conselho de administração tem o dever de prover a orientação estratégica para a empresa. No desenvolvimento da estratégia empresarial os aspectos de curto e longo prazos precisam ser considerados. No que diz respeito ao último, deve-se levar em conta os temas da sustentabilidade. Pode-se deduzir logicamente, então, que governança estratégica e sustentabilidade se tornam inseparáveis. Não se pode mais planejar estrategicamente sem levar em conta os temas da sustentabilidade.” (2º parágrafo da pág. 7 - Prefácio de Mervyn King para o Guia de Sustentabilidade para as Empresas do IBGC) fevereiro 2008 Código das Melhores Práticas está passando por nova revisão As discussões, ainda em processo inicial, têm foco na dinâmica do mercado, nas atuais práticas empresariais e nas melhores iniciativas em prol da boa governança N o segundo semestre do ano passado, o IBGC iniciou mais um processo de revisão do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. Esta é a terceira vez em que o Instituto revisa o seu código, lançado em 1999 e reconhecido internacionalmente pela sua qualidade. A iniciativa de revisá-lo outra vez mostrou-se necessária, segundo a conselheira do IBGC e coordenadora do Comitê de Revisão do Código, Eliane Lustosa, “porque o ambiente institucional evoluiu e o documento deve acompanhar essa evolução, uma vez que nele se insere”. mudanças no controle das empresas brasileiras, é o proxy voting. O dispositivo visa facilitar a participação dos acionistas nas assembléias, seja por meio do voto à distância seja pelo direito de delegar a outrem a opção de voto do acionista. Um tema também em debate é a mediação, forma de facilitar o acordo entre as partes que se diferenciam da negociação por envolver um terceiro, o mediador, pessoa treinada para sugerir uma solução satisfatória para a disputa. A discussão dessas práticas observadas na atualidade "À medida que a comunidade incentivou a inclusão de Lustosa explicou ainda que empresarial se acostuma, pode-se representantes de investidores alguns conceitos do Código profissionais no grupo que mantiveram-se intactos ao começar a elevar os padrões. compõe o Comitê de Revisão longo de todas as revisões Então, a cada 18 meses ou do Código. Ainda se juntaram por serem básicos, ao passo dois anos, talvez seja indicado ao grupo pessoas com atuação que, a cada versão, a ênfase iniciar a revisão do código" na elaboração dos Cadernos tem sido alterada de acordo de Governança Corporativa com o amadurecimento (Philip Armstrong) do IBGC. “Decidimos também do mercado, o estágio de trazer para o contexto do evolução da governança e o Código os conceitos que foram debatidos nesses grau de conhecimento dos agentes envolvidos (veja cadernos”, frisou Lustosa. Até o momento a série na pág. 14 o histórico de modificações no Código). A possui quatro documentos publicados: Guia de previsão, segundo Lustosa, é que a atual revisão não Orientação para o Conselho Fiscal, Manual Prático de seja tão ampla quanto as anteriores. “O Código atual Recomendações Estatutárias, Guia de Gerenciamento é adequado. Serão feitos apenas ajustes pontuais de Riscos Corporativos e Guia de Sustentabilidade para e incluiremos questões práticas observadas pelas as Empresas. O atual Comitê de Revisão do Código é empresas na atualidade.” composto por cerca de 30 pessoas. O processo de revisão do documento continuará por todo o ano de Um dos itens discutidos nas reuniões e possivelmente 2008, passando por um período de consulta pública enfatizado na nova versão é o poison pill - mecanismo antes de seu lançamento. de defesa contra a oferta hostil que vem ganhando terreno no País com o surgimento de novas estruturas de Uma visão internacional propriedade. Segundo Lustosa, trata-se de um assunto de códigos de governança complicado, pois “há situações em que o poison pill é adequado e outras em que ele pode ser prejudicial. Com experiência internacional em governança A discussão está na forma de trazê-lo para dentro do corporativa, tendo, inclusive, colaborado na elaboração Código como uma linha indicativa no contexto da do código de governança da África do Sul, o King governança”. Outro mecanismo analisado nessa rodada Report, Philip Armstrong, executivo responsável pelo de revisão, e que também reflete o atual momento de 13 www.ibgc.org.br Global Corporate Governance Forum, falou à reportagem do IBGC em Foco quando esteve no Brasil para participar do 8º Congresso do Instituto. O executivo informou quando uma organização ou empresa deve rever o código de governança, além de citar algumas peculiaridades dos códigos da Inglaterra, África do Sul e das empresas norte-americanas. “Quando se desenvolve um código, é preciso dar tempo para que ele se estabeleça. As empresas precisam de um período para analisar suas exigências e seus benefícios, para se acostumar com as suas diretrizes, saber como usá-lo e perceber que têm de tomar decisões. À medida que a comunidade empresarial se acostuma, pode-se começar a elevar os padrões”, disse Armstrong. Apontou também para as mudanças significativas no ambiente regulatório como um motivador à revisão dos códigos. 14 Na Inglaterra, por exemplo, segundo relatou, quase todo ano há uma nova comissão e se prepara um novo código. “Essa situação tem levado as empresas locais a resistirem aos códigos. Tornou-se contraproducente, porque as empresas vêem as novas diretrizes como uma espécie de competição, no sentido de analisarem aquilo que podem resistir e o que têm necessariamente de cumprir. E aí não se tem qualidade, porque as empresas só fazem pela obrigatoriedade.” Nos Estados Unidos, a discussão sobre códigos de governança é outra. Por causa da estrutura jurídica diferenciada por Estado, não existe um código nacional. E Armstrong acredita que “nunca haverá”. Ele atribui essa realidade a dois fatores: ”Primeiro, as normas federais existem somente para garantir a integridade do mercado e não para proteger a maneira de negociar; e, segundo, os processos judiciais fazem parte da vida diária das empresas, conseqüentemente, os conselhos relutam em usar decisões judiciais que podem ser mais tarde impugnadas. Eles querem regras claras e precisas para que possam simplesmente cumprir”. Quanto ao King Report, código de melhores práticas da África do Sul, Armstrong disse que o seu objetivo principal de “assegurar o alinhamento entre as práticas das empresas sul-africanas às melhores práticas internacionais” foi o motivo que o alçou a um dos melhores do mundo. “Não se esperava que as empresas sul-africanas fossem capazes de aderir a todas essas práticas da noite para o dia, mas, sim, que reconhecessem se tratar de um padrão voluntário de seu total interesse, passando a incorporá-las. As empresas, em geral, reagiram bem. Prova disso são as várias empresas sul-africanas negociando títulos em Nova York e em Londres.” O CÓDIGO DAS MELHORES PRÁTICAS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA E SUAS REVISÕES Lançado em 1999, a primeira versão concentrou-se principalmente no conselho de administração, em seu funcionamento, composição e atribuições, apresentando o primeiro princípio básico de governança corporativa: a transparência. Em abril de 2001, a segunda versão publicada teve a inclusão dos princípios da prestação de contas e da eqüidade, unindo-se ao princípio da transparência. O espectro do Código foi alargado, passando a abordar os principais agentes da governança corporativa e além de discutir conflito de interesses e conduta profissional. Em março de 2004, foi publicada a terceira versão, na qual se destacou a inclusão do princípio de responsabilidade corporativa, trouxe também a discussão sobre a atuação do conselho e comitês, serviços prestados extra-auditoria, entre outros atores da governança. A intenção era atentar para a longevidade das organizações, contribuindo com valores e orientações para a estratégia empresarial. fevereiro 2008 ARTIGO O caminho dos controladores absolutistas aos constitucionalistas Por Ricardo P. Câmara Leal* A s mudanças no controle societário das empresas brasileiras apresentam diferentes tendências que podem ser, às vezes, complementares umas às outras. Cada nova perspectiva traz consigo soluções a serem debatidas e avaliadas pelos elementos-chave envolvidos. Num cenário sem acionistas absolutistas, as decisões dos controladores ou do bloco controlador são submetidas às críticas internas e externas, correndo o risco, por exemplo, de se deparar com o questionamento público, por meio da imprensa, devido a alguma discordância ou fato que demande mais transparência. Uma saída adotada para a situação é a melhora do sistema de governança corporativa, principal responsável pela gestão de riscos seja de imagem seja de conflito de interesses entre as partes. Sua eficiência depende, por sua vez, da eficácia do conselho de administração, que, para isso, deve ser composto por membros verdadeiramente independentes e representantes de acionistas não do sistema alinhados ao majoritário. Uma tendência recente, porém clara, consiste na aceitação de menores percentuais de capital votante por parte daqueles que controlam as empresas no País. Mesmo sem grandes mudanças no grau de proteção ao investidor oferecido pelo judiciário, observa-se a instalação de um círculo positivo, com risco "A eficiência econômico menor, economia de governança corporativa crescente, estabilidade da moeda depende da eficácia do e inflação em patamares bastante conselho de administração, aceitáveis, o que tem aumentado a disposição do controlador de ter que, para isso, deve ser menos votos. composto por membros verdadeiramente 15 Há um conjunto de fatores interligados: ao se reduzir o poder do controlador, aumenta-se a sua exposição ao escrutínio externo e, para que a empresa seja bem bemsucedida diante desta nova realidade, constitui-se um conselho de administração mais representativo e eficaz. Essa é mais uma tendência. Com o quadro mais estável, independentes e o mercado de ações torna-se representantes de acionistas uma alternativa para a empresa não alinhados ao obter financiamento e para o majoritário" controlador vender suas ações na emissão secundária a preços atraentes. Resta ver se À proporção que o capital se dispersa, certos problemas essa tendência continuará a ponto de os níveis de que afetam os interesses dos acionistas podem melhorar, participação do controlador brasileiro no capital votante porém outros surgem, tais como as questões relacionadas serem comparáveis aos dos europeus, de 20 a 30% no com o controle sobre executivos profissionais. Se antes máximo. Há poucos anos atrás, poucos antecipariam as existia um acionista controlador supervisionando mudanças ocorridas nos últimos cinco anos. diretamente os executivos, agora, nas empresas de capital mais disperso, observa-se um acionista A decorrência natural dessa realidade é o aprendizado mais distanciado da operação e até da estratégia da das empresas em conviverem com controladores companhia e executivos com muito mais poder. constitucionalistas ao contrário de controladores absolutistas. E isso não é algo a acontecer, já está À medida que o executivo passa a ter grande acontecendo. Mais e mais os controladores passam a ter de controle sobre a companhia, e não mais o acionista, conviver com opiniões externas mais vocais. O controlador naturalmente há a tendência de maximização de sua não está mais sozinho. Os outros acionistas, mesmo com compensação e a desvinculação, tanto quanto possível, uma participação relativamente pequena, têm voz. Um de seu desempenho. O resultado mostra-se contrário acionista com apenas 2% não ganha a votação, mas pode aos interesses dos acionistas. Para combater esse participar, fazer solicitações e ir à mídia. ‘mal’, existem ao menos duas soluções: a transparência www.ibgc.org.br quanto à remuneração do executivo e a não aceitação, por parte do conselho de administração, de pacotes de remuneração dos executivos pouco vinculados ao desempenho que de fato se deve a ele. Outra tendência, pela qual o Brasil passará, é a da unificação das ações. A experiência da Itália, em particular, é muito parecida com a brasileira em vários aspectos relacionados à governança corporativa e, já há algum tempo, apresenta uma fase de transformações ligadas à unificação. Assim como Espanha e França, em menor grau, há uma lenta migração para esse tipo de estrutura acionária mais dispersa. 16 Nacionalmente, existe um grande contingente de empresas, cerca de 300 companhias listadas no segmento tradicional da Bovespa, que estão assistindo às do Novo Mercado obterem recursos em condições bastante interessantes, e devem se questionar sobre esse aspecto. Em tentativa de mudança, a Telemar propôs transformar todas as suas ações preferenciais em ordinárias, o que não foi aprovado pelos acionistas. A Assembléia de Acionistas da Globex aprovou a conversão de suas ações PN em ON na razão de 1 para 1 em janeiro de 2008 e deverá aderir ao Novo Mercado. Av. das Nações Unidas, 12.551 – 25º andar – cj. 2508 – WTC CEP 04578-903 – São Paulo-SP – tel.: (11) 3043 7008 fax: (11) 3043 7005 - [email protected] CAPÍTULO PARANÁ Av. Cândido de Abreu, 776 - sala 105 - Ed. Word Business – Centro Cívico – Curitiba-PR – tel.: (41) 3022 5035 – [email protected] CAPÍTULO SUL Av. Carlos Gomes, 328 – 4º andar – conj. 404 – Porto Alegre-RS tel.: (51) 3328 2552 – [email protected] CAPÍTULO RIO – [email protected] CONSELHO Presidente: José Guimarães Monforte Vice-presidentes: Gilberto Mifano e Mauro Rodrigues da Cunha Conselheiros: Celso Giacometti, Eliane Lustosa, Fernando Mitri, Francisco Gros, João Pinheiro Nogueira Batista e Ronaldo Veirano. COMITÊ EXECUTIVO Eliane Lustosa, Edimar Facco e Ricardo Veirano Secretária geral Heloisa Belotti Bedicks Produção e coordenação da Newsletter: • Jornalista responsável - IBGC: Maíra Sardão (MTB 42968) • Intertexto - Textos Online (Cristina Ramalho) [email protected] Projeto gráfico e diagramação: Confraria Visuale Agência de Publicidade e Comunicação - [email protected] Gráfico da capa: Bovespa A mudança no grau de concentração do controle societário deve incluir ainda a facilitação para o investidor no processo de ser ouvido. Essa questão envolve três atores: o investidor mais atuante, mais interessado e mais vocal; a autoridade sensível a isso e facilitando essa atuação; e, naturalmente, a empresa, que verá surgir um conselho de administração mais engajado e independente. Os artigos não representam necessariamente a opinião do IBGC ASSOCIADOS PATROCINADORES Compromisso com a Governança Corporativa A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem mostrado empenho ao tentar desburocratizar certas questões nesse sentido, pois ainda há até quem se esconda atrás de tecnicalidades no cadastro de acionista para se proteger de votos antagônicos, uma vez que a nossa legislação é muito detalhista. A atuação da CVM deverá ser muito mais relacionada ao aprimoramento do que à criação de novas regras. O Judiciário também deve seguir o mesmo caminho – trata-se de uma questão muito mais de melhor processo do que de novas leis. No entanto, a facilitação do processo ocorrerá não apenas com a simplificação das regras, volto a insistir, mas com a atuação de um conselho de administração eficaz. * Ricardo P. Câmara Leal é professor titular do COPPEAD/UFRJ fevereiro 2008 APOIO