caderno especial - Instituto Ethos

Transcrição

caderno especial - Instituto Ethos
[BR_JC_10: JC-ECONOMIA-ESPECIAIS <0812_12_SUA_01> [JC1] ... 12/08/11]
Saulo Moreira
Editor de Economia
S
e você chegou até aqui, é porque deve ter lido ou pelo menos folheado as 11 páginas anteriores. E se leu ou folheou, deve estar se perguntando: e agora? Trata-se
de um questionamento natural, considerando que abordamos neste trabalho os
problemas sociais que atingem diretamente quase 270 mil pessoas que habitam
duas das principais cidades de Pernambuco, Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho.
São municípios que migram rapidamente suas matrizes econômicas da secular monocultura da cana-de-açúcar para uma indústria rica em tecnologia. Uma indústria que nem bem
começa a produzir em sua plenitude e já enseja novas relações pessoais, trabalhistas, humanas.
Não estávamos acostumados a tanta complexidade. Não vivemos uma corrida do ouro,
como na Califórnia de meados do século 19; não tivemos uma Serra Pelada, como no Pará
do anos 1980. Em menor escala, nunca experimentamos nem uma expansão como a de
Camaçari, na Bahia, do final dos 70. Para além de análises políticas ou partidárias tão comuns por estas plagas, o marasmo pernambucano acabou. Para o bem e para o mal.
E agora? Eu me faço esta pergunta há pelo menos um mês, quando comecei a editar
os textos da repórter Adriana Guarda. Em cada parágrafo lido, em cada foto selecionada com os editores Heudes Regis e Chico Porto, e com a própria Adriana, a comprovação de um desmando perfeitamente evitável.
Se nossas lideranças acreditaram e acreditam tanto em Suape a ponto de se digladiarem politicamente por este ou aquele empreendimento, por que, então, não imaginaram que, sem o necessário planejamento urbano, um dia a situação ficaria insustentável?
Ora, há pelo menos três décadas Suape é tido como nossa redenção econômica.
Quando a redenção começa a se concretizar, eis que surgem as contradições tão bem
apresentadas aqui na reportagem. Faltou, no mínimo, a preocupação em estudar antecedentes históricos.
Enquanto multinacionais já discutiam os detalhes de um investimento que mais
tarde se instalaria em Suape, as correntes políticas hegemônicas em Pernambuco
tentavam fazer crer que tinham o mérito daquela conquista. Enquanto corriam para anunciar um protocolo de intenção, trabalhadores locais ficavam à margem de
qualquer qualificação. Enquanto os forasteiros chegavam e empreendiam uma legítima busca por uma vida melhor, eleições eram disputadas com muita acusação
e poucas propostas. Com tanta demanda no Litoral Sul, os preços iam disparando,
a criminalidade aumentando, a infraestrutura rapidamente se tornando obsoleta, insuficiente, débil. E o que faziam nosso políticos? Sem a dimensão histórica
do fenômeno, bradavam aos quatro ventos: “A refinaria foi a gente que trouxe, o
estaleiro foi a gente que negociou...” Dos efeitos colaterais de nossa neoprosperidade ninguém reclama paternidade.
A ideia desta reportagem começou em março passado. Foi quando Adriana
Guarda e o também repórter Felipe Lima começaram a cobrir as desavenças
trabalhistas que se agravavam nos canteiros de obra da Refinaria Abreu e Lima e da PetroquímicaSuape.
A cada entrevista, informações diferentes, versões díspares. Debruçaram-se,
então, sobre documentos, falaram com especialistas em relações de trabalho, visitaram os canteiros de obras pelo menos 15 vezes. Estabeleceram vínculo de
confiança com algumas fontes, desconfiaram de tantas outras. Inquietaram-se.
E logo perceberam que a razão de tantos conflitos não estava na superfície. E,
empolgados como devem ser os bons jornalistas, convenceram este que vos escreve de que Suape e adjacências era um barril de pólvora.
Aprovada a ideia de um caderno especial pela direção do JC, seguiram-se
novas entrevistas, novas idas ao Cabo e a Ipojuca. Mais documentos, mais
fontes, mais entrevistas. Felipe saiu do jornal para desempenhar uma nova
função em outra empresa. Adriana assumiu a reportagem sozinha, a designer Karla Tenório elaborou o projeto gráfico, sempre valorizando as belas
fotos de Bobby Fabisak e eis aqui o caderno em suas mãos, leitor.
Normalmente, este tipo de texto fica no começo. Neste caso, deixemos no
fim, para que a pergunta sobre o futuro do nosso Estado continue na sua cabeça. E agora? Agora é prestar mais atenção nas ações de nossos políticos para que nossas grandes conquistas não se transformem em grandes frustrações.
Author:KTENORIO
Date:05/08/11
Time:23:21
[BR_JC_10: JC-ECONOMIA-ESPECIAIS <0812_12_SUA_02> [JC1] ... 12/08/11]
Author:KTENORIO
2 jornal do commercio k Recife | 12 de agosto de 2011 | sexta-feira
Date:05/08/11
Recife | 12 de agosto de 2011 | sexta-feira k jornal do commercio 3
PLANEJADO HÁ TRÊS
DÉCADAS, SUAPE NÃO É SÓ
UMA REALIDADE. É O
PASSAPORTE DE PERNAMBUCO
PARA O FUTURO
Em 2035, Pernambuco, que tem um Produto Interno Bruto (PIB) hoje de R$ 80 bilhões, poderá ter seu conjunto de riquezas equivalente ao
do Nordeste, atualmente na casa dos R$ 400 bilhões. Ou, numa projeção menos otimista, alcançar a casa dos R$ 255 bilhões. Em qualquer
um dos dois cenários, traçados por especialistas, a economia do Estado
vai crescer pelo menos três vezes, na comparação com o panorama
atual. O Complexo de Suape será a locomotiva dessa expansão e vai motivar um crescimento acelerado também nos municípios do chamado
território estratégico, responsáveis por 20% do PIB estadual.
Mesmo antes da entrada em operação de grandes empreendimentos,
como a Refinaria Abreu e Lima, o “Eldorado pernambucano” já mostra
sua força transformadora na economia. Enquanto o PIB brasileiro ficou
estável em 2009, com crescimento de 0,2%, registrou taxa de 5,6% no
Estado. No ano passado o PIB pernambucano se aproximou dos dois dígitos (9,3%), enquanto o nacional ficou em 7,5%. A construção civil é o
setor que mais cresce, em razão da fase de obras dos empreendimentos
em Suape, ultrapassando a casa dos 20%.
Os municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca, que recebem os impactos diretos do “fenômeno Suape”, também assistem a uma franca expansão de
suas economias. No Cabo, a receita mais que dobrou desde que os
grandes empreendimentos começaram a chegar, a partir de 2005.
Entre aquele ano e 2010, o di- por cento foi o crescimento da
nheiro em caixa saltou de R$ economia pernambucana em 2009.
157,7 milhões para R$ 347,8 mi- No mesmo período, o País registrou
uma expansão de 0,2%
lhões.
Cidade-sede da maioria das novas indústrias estruturadoras localizadas em Suape, Ipojuca é destaque nacional nas listas de municípios que lideram geração de empregos, desembolsos de financiamentos
bancários e volume de investimentos privados. O superintendente regional do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) em Pernambuco, Paulo Guimarães, lembra que Ipojuca ficou
em segundo lugar no País na liberação de financiamentos em 2009,
atrás apenas de São Paulo. “É verdade que naquele ano foram liberados
R$ 9 bilhões para a refinaria, mas em 2010 o município continuou apresentando uma boa colocação, ficando em 7º lugar no País”, acrescenta.
Ipojuca figura, ainda, como a nova fronteira do emprego. O Ministério do Trabalho e Emprego aponta para a criação de 16.413 vagas formais em 2010. Só em dezembro do ano passado foram 1.376 postos, colocando o município em terceiro lugar no ranking nacional.
“Nos últimos 8 anos, Ipojuca tem percebido esse crescimento econômico com muita força. Nosso povo só sabia o que era a economia do
açúcar. Apesar de o Porto de Suape ter se instalado aqui há três décadas, a participação de ipojucanos trabalhando nas indústrias era muito
pequena. Hoje isso mudou, porque existe um acordo entre as empresas, o governo do Estado e a prefeitura para contratar pessoas da região. Apesar disso, ainda ficamos com os menores salários”, lamenta o
prefeito Pedro Serafim.
O gestor afirma que, apesar de a receita ter engordado, as demandas
sociais cresceram com muita rapidez e alerta para a necessidade de as
empresas oferecerem contrapartidas sociais. “A Petrobras está investindo R$ 30 milhões em projetos numa parceria conosco, mas a conta acaba ficando pela receita, porque a empresa tem com um grande pacote
de benefícios fiscais e exige uma infraestrutura gigante para atender a
seus trabalhadores”, observa.
5,6
HISTÓRIA
Em novembro deste ano, o Complexo de Suape comemora 33 anos
de história. “Quando o então governador Eraldo Gueiros lançou a pedra fundamental do primeiro porto-indústria de Pernambuco, já vislumbrava que o complexo se transformaria em motor da economia
do Estado. O projeto inicial previa a implantação de uma unidade de
refino e de estaleiro, que hoje se concretiza”, recorda o jornalista Anchieta Hélcias, que integrou a primeira equipe responsável por tratar da implantação de Suape. O porto alterou a paisagem da região,
secularmente ocupada pelo cultivo da cana-de-açúcar. As indústrias
surgiram no lugar dos engenhos e mudaram o curso da história.
Hélia Scheppa/JC Imagem
Hélia Scheppa/JC Imagem
S
obrevoos de helicóptero viraram rotina no Complexo Industrial Portuário de Suape. São pelo menos oito por mês.
É do alto que o governo de Pernambuco gosta de apresentar, a empresários daqui e do exterior, o maior polo de
atração de investimentos do Brasil. Distante 50 quilômetros do Recife, com área distribuída entre os municípios do Cabo de
Santo Agostinho e Ipojuca, esse gigante tem uma carteira de empreendimentos privados estimada em US$ 22 bilhões. A construção
de uma refinaria de petróleo, de estaleiros, de um complexo petroquímico, de dezenas de fábricas e de projetos de infraestrutura faz
de Suape um canteiro de obras sem similar em território nacional.
Redenção da nova economia de Pernambuco, Suape poderá devolver ao Estado sua posição de liderança regional.
“De cima é possível ter uma dimensão do que é Suape hoje, desde
a área portuária até o complexo de indústrias. Recebemos, por mês,
uma média de 20 grupos de empresários e instituições interessadas
em conhecer o fenômeno que ocorre aqui”, diz o vice-presidente do
porto, Frederico Amâncio. Os empresários que escolhem o complexo como endereço de seus negócios, apontam pelo menos três singularidades em comum: localização geográfica privilegiada, boa infraestrutura e mercado consumidor em expansão.
A chegada de grandes empreendimentos (veja artes) provocou
uma mudança de escala no porto. Os investimentos públicos saltaram da casa dos milhões para alcançar o patamar dos bilhões. Nos últimos 4 anos, os aportes do governo somaram R$ 1,1 bilhão. Para o
próximo quadriênio, a projeção é desembolsar R$ 4,4 bilhões em
obras. São intervenções para melhorar a infraestrutura portuária,
com a construção de novos cais, além de obras viárias, de mobilidade
e habitação. Os investimentos da iniciativa privada também se multiplicam. Atualmente, 114 empresas integram o complexo industrial,
gerando 20 mil empregos, e outras 30 estão em implantação.
“Não é mais possível pensar em Suape sem olhar o que acontece
no mundo. Os países emergentes ganharam importância na economia global. Os Brics (Brasil, Rússia, China e Índia) já representam
22% do PIB mundial. Nessa tendência, Brasil, Nordeste e Pernambuco ganham importância”, aposta o secretário de Desenvolvimento
Econômico do Estado e presidente do Porto de Suape, Geraldo Júlio.
Com players mundiais instalados em Suape, a exemplo da Petrobras,
a diretoria do complexo criou o fórum Suape Global e elaborou um
novo plano diretor do local. O fórum quer transformar o Estado num
polo provedor de bens e serviços para as indústrias de petróleo e gás,
naval e offshore. E o plano diretor revisado vai permitir planejar a expansão de Suape num horizonte de 20 anos.
A estratégia do governo de Pernambuco é transformar Suape em
um hub port (porto distribuidor de cargas) do Nordeste. A movimentação de mercadorias, que hoje cresce a taxas superiores a do PIB estadual, terá salto exponencial quando a refinaria, o polo petroquímico e a ferrovia Transnordestina entrarem em operação. No ano passado, Suape movimentou 9 milhões de toneladas, com crescimento de
16,3% sobre 2009. Para este ano, a estimativa é alcançar 11 bilhões de
toneladas e saltar para 30 milhões em 2013 e 50 milhões em 2016. Só
no primeiro semestre deste ano, a expansão já foi de 20,1% sobre
igual intervalo de 2010. “Também fomos o primeiro porto do Nordeste a operar linhas direta para a Ásia. A partir deste ano passamos a
contar com duas linhas. Antes, essa movimentação era feita a partir
do Porto de Santos”, comemora Amâncio.
O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, afirma que o gigantismo de Suape exige a prática de uma nova governança. “Cresce
na nossa consciência a importância de planejar a expansão dessa região. Não queremos repetir desigualdades que se arrastam por quatro séculos de história. Porque de desigualdade esse território de Suape entende. São marcas muito profundas, que começaram com a exploração dos índios e dos escravos, e não poderão se repetir nesse novo ciclo de desenvolvimento”, defende.
Pernambuco vive um processo de reindustrialização. Após duas décadas de letargia, o setor volta a ter relevância no Produto Interno
Bruto (PIB) do Estado, capitaneado pelos empreendimentos ancorados no Complexo de Suape. A economia historicamente arraigada na
cana-de-açúcar estreia, agora, em setores de integração global. O Estado crava sua bandeira no mundo do refino de petróleo e da petroquímica e na emergente indústria naval.
“Entre 1985 e o final dos anos 90, a economia do Estado não se deu
bem e o principal problema estava na indústria de transformação. Setores inteiros deixaram de existir e outros perderam força. Um exemplo foi a atividade têxtil, que impactou outras indústrias da cadeia
produtiva, como a metalmecânica”, recorda a economista Tania Bacelar, especialista em estudos do Nordeste.
Eram tempos amargos para a economia pernambucana. Os empresários andavam cabisbaixos e pairava um clima de desânimo com as
repetidas notícias de que o Estado perdia espaço no cenário nordestino para Ceará e Bahia. O PIB apresentava taxas negativas de expansão. De 1985 até 2003, o crescimento médio da economia foi minguado (1,9%). O setor industrial estava estagnado (0,5%) e a indústria de
transformação registrava taxa negativa de 0,6%. A participação da atividade no PIB despencou de 25% para 11,3%. “Agora existe uma tendência consolidada de retomada da participação da indústria na economia do Estado, com perspectiva de que volte a representar um
quarto ou um terço do PIB”, acredita o economista Sérgio Buarque.
Enquanto o Brasil fala em desindustrialização, por conta do câmbio que provocou uma desova de produtos importados por aqui, Pernambuco comemora uma nova revolução no setor. As transformações têm contornos semelhantes (guardadas as proporções) ao que
aconteceu na Inglaterra no século 18, durante a Revolução Industrial. O país europeu experimentou um acelerado crescimento econômico, mas também conviveu com concentrações urbanas (por conta
do deslocamento rural para as cidades), com trabalhadores habitando cortiços, com crescimento exponencial da população de Londres
e aumento das demandas sociais.
Em Pernambuco, a industrialização protagonizada por Suape motivou a volta de nordestinos para a região, uma invasão de trabalhadores de outros Estados e o desafio aos municípios de oferecer infraestrutura para dar conta das necessidades sociais que surgiram. A renovação da indústria mudou, ainda, a relação entre capital e trabalho. A
importação de operários mais politizados e com experiência nacional mudou o cenário dos canteiros de obras, impondo aos industriais
a necessidade de reaprender a dialogar com essa nova mão de obra.
25
por cento para 11,3%. Foi essa a queda da
participação da indústria de transformação
no PIB pernambucano entre 1985 e 2003.
Agora, com a retomada dos investimentos,
estima-se que a fatia do setor volte a ser de
um quarto sobre toda a economia estadual
Time:23:41
[BR_JC_10: JC-ECONOMIA-ESPECIAIS <0812_12_SUA_04> [JC1] ... 12/08/11]
4 jornal do commercio k Recife | 12 de agosto de 2011 | sexta-feira
Date:05/08/11
Recife | 7 de agosto de 2011 | sexta-feira k jornal do commercio 5
OPERÁRIOS
DEIXAM
OBRA DA
PETROQUÍMICA
APÓS DIA DE
TRABALHO:
TODA A
CIDADE
MUDOU
IPOJUCA E CABO DE SANTO
AGOSTINHO SOFREM UMA
INVASÃO DE OPERÁRIOS.
ECONOMIA CRESCE.
FERIDAS SOCIAIS TAMBÉM
É
com saudosismo de um passado recente, que os moradores do Cabo de Santo Agostinho e de Ipojuca falam das
transformações no cotidiano das duas cidades. “Aqui era
um lugar pacato. A gente conhecia todo mundo. Saíamos
à tarde para conversar na calçada de casa. Agora não conhecemos mais ninguém. Chegaram esses homens com palavreado diferente e tomaram os bairros, as praias. A cidade virou dormitório de Suape”. No desabafo comum aos nativos, os homens de sotaque são os operários que migraram de todos os Estados do Brasil para trabalhar na
construção de empreendimentos como a Refinaria Abreu e Lima
(Rnest) e a PetroquímicaSuape (PQS).
Sem mão de obra qualificada na área de montagem, Pernambuco precisou importar boa parte do operariado, provocando o surgimento de
uma “minicidade” na região de Suape. Hoje, 38 mil peões trabalham nas
obras da refinaria e da petroquímica. O número representa quase metade da população de Ipojuca (veja arte). Essa “minicidade” ainda vai crescer quando a Rnest alcançar o pico da construção, em outubro, totalizando 28 mil funcionários.
Do total de operários das duas obras, 35% (13,3 mil pessoas) vieram
de outros Estados e estão alojados nos municípios vizinhos ao complexo, principalmente no Cabo e em Ipojuca. A eles ainda se juntam os pernambucanos que moram em municípios do interior e também precisam
se instalar na vizinhança de Suape. Só os alojamentos somam quase 10
mil vagas. Isso sem falar nas repúblicas espalhadas por casas e pousadas
alugadas. Além desses 38 mil homens, outros 20 mil trabalham nas indústrias e empresas de serviços já implantadas no complexo.
Forjadas na cultura da cana-de açúcar, Ipojuca e Cabo viveram a transição para uma economia industrial, com a implantação do Complexo
de Suape, há três décadas. Mas é só agora, com a enxurrada a um só tempo de US$ 22 bilhões em empreendimentos até 2014, que os impactos
se sobressaem. O Brasil volta os olhos para Pernambuco. Aqui está o novo, o platô do desenvolvimento econômico que estimula uma espécie de
corrida do ouro, como aconteceu em Serra Pelada, no Pará, na década
de 80. Lá o saldo foi de favelização, baixos indicadores sociais e degradação ambiental.
Pernambuco e Rondônia (com a construção das hidrelétricas do Rio
Madeira) são hoje os Estados com maior onda migratória no País, por
conta das obras do Programa de Aceleração do Crescimento. A diferença é que, historicamente, Porto Velho viveu os ciclos da borracha e do
garimpo, enquanto a tradição pernambucana sempre foi de exportar trabalhadores para outras regiões do Brasil.
O carpinteiro alagoano Josemar Elísio da Silva realça essa onda migratória de retorno ao Nordeste. Com apenas 23 anos, já trabalhou no Espírito Santo, Rio e Minas. “Agora estou bem mais perto de casa. Quero trabalhar, juntar dinheiro e levar para minha família, em Delmiro Gouveia”, diz. Dividindo um quarto de 18m² no alojamento da Odebrecht
com outros cinco conterrâneos, ele foi contratado para a obra da petroquímica em maio.
Se por um lado os municípios do Cabo e de Ipojuca comemoram o
momento de ebulição na economia, por outro, precisam conviver com
as dores do crescimento. O batalhão de operários que chegou com as indústrias fez explodir as demandas sociais. O déficit habitacional que já
existia na região vai duplicar. As cidades não têm sistema de água e esgoto para suportar população equivalente a um novo município. Invasões
se multiplicam, inclusive em áreas de preservação ambiental. O trânsito
beira o caos. Bancos e postos de saúde estão sempre lotados. O consumo
de drogas e de álcool explodiu. Prostituição e exploração sexual de menores crescem em ritmo galopante. “A necessidade de investimentos sociais e em infraestrutura surge numa velocidade que o poder público
não consegue acompanhar”, assinala a secretária de Planejamento e
Meio Ambiente do Cabo, Vera Tenório. A preocupação é compartilhada
pela assessora especial da Prefeitura de Ipojuca, Simone Osias. “Os municípios do entorno de Suape precisam se unir e conclamar o governo
do Estado e as empresas para avaliar o que pode ser feito para minimizar os impactos negativos e planejar esse crescimento”, defende.
Author:KTENORIO
JOSEMAR
VOLTOU
PARA O
NORDESTE
APÓS
VIVER NO
SUDESTE
Juntos, os municípios do Cabo de Santo Agostinho e de Ipojuca abrigam uma população que beira os 270 mil habitantes. Isso sem contar
com os operários forasteiros vivendo na região. Falta casa pra tanta
gente. A agência de planejamento de Pernambuco, Condepe/Fidem,
estima um déficit habitacional de 35 mil residências nos cinco municípios vizinhos do Complexo de Suape. Com a efervescência econômica
da região, esse número deverá saltar para 85 mil até 2035. A escassez
de moradias e uma inflação imobiliária desenfreada fez proliferar as invasões de terra.
Os terrenos públicos são o principal alvo, colocando em xeque a capacidade do Estado e das prefeituras de coibir a construção de casas,
que “brotam” numa velocidade espantosa na região. Barracos e casebres surgem até em áreas de preservação ambiental e patrimônio histórico. A reportagem do JC acompanhou o aparecimento de uma invasão na comunidade de C.Povo, no Cabo. Em março, os barracos de lona apareceram num terreno em frente à Igreja Batista da comunidade.
Um mês depois, os ocupantes já haviam erguido casas de alvenaria.
“Eu e meu marido estamos desempregados. Vivo de fazer bicos, vendendo coxinha ou trabalhando como ajudante de cozinha. Temos quatro filhos pra criar. Depois que veio esse monte de gente trabalhar em
Suape, os aluguéis subiram demais. A gente pagava R$ 300 numa casa
de dois quartos, que hoje custa R$ 500. Não dá pra pagar, por isso
construímos aqui”, diz Cícera Lourenço da Silva. O poder público demorou três meses para retirar a ocupação de 12 casas, derrubada em junho. Agora, Cícera alugou por R$ 300 uma casa de um quarto, que
abriga hoje nove pessoas da família.
A secretária de Programas Sociais do Cabo, Edna Gomes, conta que
começaram a aparecer moradores de rua no município depois da explosão do emprego em Suape. “São pessoas que vêm de outros Estados
e querem se alojar em qualquer lugar até conseguir um trabalho. Alguns acampam em barracas e dentro de contêineres. Estamos recolhendo esses homens e mulheres e, muitas vezes, bancando passagens
aéreas para que retornem a seus lugares de origem. Precisamos ter
uma casa de passagem na cidade”, afirma.
O problema reverbera dentro dos terrenos do Complexo de Suape.
O vice-presidente do porto, Frederico Amâncio, diz que o Plano Diretor apontou para a existência de 25 mil pessoas vivendo nos domínios
de Suape. “Estamos avaliando o projeto de construir 2.600 casas com
recursos do programa Minha Casa, Minha Vida para abrigar os posseiros que serão retirados de áreas consideradas estratégicas para o porto”, afirma. A previsão é investir R$ 200 milhões nesse Projeto Morador, que se arrasta desde o início da primeira gestão do governador
Eduardo Campos. Do lado da iniciativa privada, o Estaleiro Atlântico
Sul está concluindo a construção de uma Vila Operária com 1.328 casas para seus funcionários.
Com recursos próprios ou do PAC, as prefeituras investem na construção de conjuntos residenciais para minimizar o déficit habitacional.
No Cabo, um convênio com o Ministério das Cidades permitiu a implantação do conjunto Novo Tempo. Foram investidos R$ 36,7 milhões no condomínio de 859 casas populares. “Temos projeto de construir outras mil, com R$ 47 milhões do PAC 2, mas ainda sem previsão
de início das obras”, observa a secretária de Planejamento, Vera
Tenório. Em Ipojuca, onde se estima um déficit de 6 mil moradias, R$
24 milhões do PAC foram usados na construção do conjunto habitacional Miguel Arraes, com 525 casas, no distrito de Camela. A previsão
era inaugurar até dezembro, mas as chuvas postergaram o cronograma para junho de 2012.
A Praia de Gaibu, no Cabo de Santo Agostinho, deixou de ser
um lugar frequentado por turistas e veranistas. Pousadas e casas
do balneário se transformaram em repúblicas de trabalhadores.
As empreiteiras arrendam as hospedarias e oferecem preços acima do valor de mercado por casas e prédios inteiros para alojar
seus operários. O panorama, que se repete em outras praias e
bairros dos municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca,
desencadeou uma especulação imobiliária desmedida na região.
O valor dos imóveis explodiu, os terrenos escassearam e o preço do metro quadrado saltou de R$ 500 para até R$ 2 mil. A Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco
(Ademi-PE) estima que os aluguéis na vizinhança de Suape subiram 20% em 2010 frente ao ano anterior e alcançaram valores
equiparáveis à de bairros valorizados do Recife. A previsão é que
persista a tendência de alta, com a chegada de novos operários
para dar conta do pico da obra da Refinaria Abreu e Lima, em outubro, quando o canteiro terá 28 mil pessoas.
“Os moradores estão alugando suas casas e indo morar em outros lugares para aproveitar a oportunidade de negócio. Nossa
preocupação é que essa sublocação traga problemas para a cidade, porque as residências ficam entregues a terceiros, pessoas
sem compromisso com o município. E a prefeitura não tem como controlar esse movimento especulatório”, assinala a secretária de Planejamento do Cabo, Vera Tenório. É corriqueiro encontrar residências de dois quartos apinhadas de operários dividindo um banheiro, com instalações sanitárias degradantes.
A especulação imobiliária também instituiu o negócio dos “puxadinhos”, com os moradores construindo quartos e casas para
alugar. Irandir Amaro Pojuca entendeu que o trunfo para driblar a escassez de terreno era verticalizar a construção. No pedaço de terra que tem no distrito de Nossa Senhora do Ó, em Ipojuca, a construção subiu degraus. No térreo instalou seu negócio
de fabricação de lajes. Depois ergueu quatro casas no primeiro
PEQUENAS
BARRACAS
DE LONA
COMEÇARAM
A APARECER
EM MARÇO
UM MÊS
DEPOIS,
INVASORES
CONSTRUÍRAM
CASAS DE
ALVENARIA
andar. “Agora estou construindo outras quatro no segundo andar. Duas já estão alugadas para um baiano e um sergipano, que trabalham nas obras de Suape e querem trazer a família”, diz. Ele está investindo R$ 8 mil na obra e espera alugar cada casa de
dois quartos por R$ 500. Antes, o preço era R$ 400.
A multiplicação das repúblicas de trabalhadores não conta com a simpatia do trade
turístico. Nem mesmo Porto de Galinhas (a praia mais badalada de Pernambuco) escapou à ocupação dos forasteiros. Pelos menos 15 pousadas foram alugadas para empreiteiras. “O arrendamento desses estabelecimentos é uma disfunção do setor. O que se espera para um destino turístico de lazer é um público de casais, famílias e viajantes. O
que temos hoje é uma grande comunidade masculina”, reclama o empresário Arthur
Maroja, do hotel Solar de Porto de Galinhas. Na tentativa de frear a proliferação das
hospedarias para operários, a Prefeitura de Ipojuca iniciou uma fiscalização.
Os municípios-dormitório convivem, ainda, com a implantação de alojamentos. Hoje são quatro em funcionamento e construção no Cabo e em Ipojuca, com capacidade
para 9.476 homens. A discussão travada pelas prefeituras é a necessidade de instituir
contrapartidas a serem pagas pelas empresas em razão das demandas sociais geradas
pelo operariado alojado nas cidades.
IRANDIR NÃO
PERDEU A
CHANCE. CRIOU
NOVOS ANDARES
EM SEU IMÓVEL E
AGORA TEM MAIS
INQUILINOS
Time:23:46
[BR_JC_10: JC-ECONOMIA-ESPECIAIS <0812_12_SUA_06> [JC1] ... 12/08/11]
Author:KTENORIO
6 jornal do commercio k Recife | 12 de agosto de 2011 | sexta-feira
Date:05/08/11
Recife | 12 de agosto de 2011 | sexta-feira k jornal do commercio 7
PRINCIPAL FATOR DE
DESENVOLVIMENTO DO
ESTADO, SUAPE DEVE ZELAR
PELO RICO ECOSSISTEMA
QUE O CIRCUNDA
S
uape ostenta o título de ser o único complexo industrial
portuário do Brasil a destinar 48% de sua área para preservação ambiental. Apesar de exibir a iniciativa como um diferencial, o porto acumula um passivo ambiental relevante.
O desafio hercúleo que se impõe agora é compensar a área
desmatada equivalente a 210 campos de futebol (210 hectares) e recuperar 4 mil hectares degradados de Mata Atlântica, na Zona de Proteção Ecológica (Zpec). Somado a isso, grandes empreendimentos privados descumprem acordos de sustentabilidade, a execução dos planos
básicos ambientais se arrasta há dez anos e invasões de terra pululam
em áreas de preservação rigorosa.
Reverter o déficit ambiental da locomotiva do desenvolvimento de
Pernambuco é a missão do governo para afiançar a estratégia de promover crescimento econômico com sustentabilidade. O tema foi defendido durante a campanha à reeleição do governador Eduardo Campos,
que iniciou seu segundo mandato criando a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade para atacar o problema. O titular da pasta,
Sérgio Xavier, se apressa em dizer que desta vez as ações vão sair do
papel, porque existe uma disposição política. Em junho, o governo lançou o projeto Suape Sustentável para reforçar o compromisso.
“Nossa ação emergencial será compensar as áreas de vegetação suprimidas pelo complexo. Temos que substituir 210 hectares com o
plantio de mudas de mata atlântica. Por enquanto, estamos trabalhando em 36 hectares e adquirindo outros 92. Depois vamos incorporar
mais 100 hectares para zerar esse passivo”, adianta o vice-presidente
do Complexo de Suape, Frederico Amâncio.
A segunda etapa para eliminar o déficit ambiental é a recuperação
da Zpec, que conta com 6.800 hectares, mas apenas 1.900 estão completamente preservados. A área sofreu degradação pela extração ilegal
de madeira, cultivo de cana-de-açúcar e
de outras lavouras e construção de moradias. Hoje, a maior parte das 6 mil famílias de posseiros que vivem no porto ocupa a Zpec.
Para recuperar a área, Suape fechou
parceria com o Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), que elaborou uma espécie de diagnóstico da situação da Zpec e vai coordenar as ações. O
hectares foram desmatados em nome
programa mira um horizonte de 20 anos.
do crescimento econômico. Desafio
agora é compensar esta destruição
“Queremos estimular as empresas que estão se instalando em Suape a investir na
recuperação da Zpec”, diz o diretor de
projetos do Cepan, Severino Rodrigo Ribeiro.
Pelo menos 72% do investimento no plano será para indenizar propriedades encravadas nas áreas de preservação ambiental. Na Mata do
Zumbi e nas proximidades das barragens de Bita e Utinga – dois principais pulmões de Suape - brotam invasões. As terras foram ocupadas
tanto por pequenas moradias e barracos de lona de posseiros quanto
por casarões erguidos por políticos da região.
“Eu sei que estou numa área de preservação, mas foi o próprio governo que deixou a gente colocar um sítio aqui e agora diz que não
tem dinheiro para nos indenizar”, reclama João Sebastião da Silva. O
posseiro faz parte da chamada Fazenda dos Trabalhadores, um grupo
de 609 famílias de agricultores que se fixou nas proximidades dos mananciais de Bita e Utinga desde 1989. A dona de casa Maria José da Silva diz sentir medo a cada vez que os helicópteros de Suape sobrevoam
a Mata do Zumbi, monitorando as invasões. Há cinco meses, ela, o marido e os três filhos foram morar numa casinha que construíram dentro da mata. “Meu marido trabalha na caçamba de lixo e não conseguimos mais pagar aluguel porque tá caro demais. Quero ficar aqui, mas
vai depender da vontade de Deus”, resigna-se. No local, os sinais de
desmatamento de mata atlântica são visíveis. Amâncio admite a dificuldade em fiscalizar e frear as invasões. “A área do complexo é gigante
(13,5 mil hectares), maior do que municípios como Olinda e Itamaracá”, justifica.
Do lado das empresas, a Agência Pernambucana de Meio Ambiente
(CPRH) precisa melhorar a eficiência na fiscalização. Nos últimos dez
anos, dos 11 empreendimentos que impactaram o meio ambiente, apenas a termelétrica Termopernambuco cumpriu o acordo de compensação. As obras suprimiram 365,36 hectares de vegetação nativa. Os casos que chamam mais atenção são do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), do
moinho de trigo da Bunge e da dutovia da Refinaria Abreu e Lima. Os
três foram autuados por descumprimento total dos termos de compromisso. O EAS teria que reflorestar uma área equivalente aos 37,4 hectares de vegetação que suprimiu para se instalar na Ilha de Tatuoca.
ACIMA, ESGOTOS A
CÉU ABERTO NO CABO.
ABAIXO, EMPRESAS
TRANSPORTANDO
OPERÁRIOS E, ASSIM,
OCUPANDO O PAPEL
DO ESTADO
210
ACIMA, ÁREA
DEVASTADA. AO
LADO, MARIA JOSÉ,
QUE MORA EM
INVASÃO E TEME
PERDER A CASA
“FOI O GOVERNO
QUE DEIXOU A
GENTE COLOCAR
UM SÍTIO AQUI”,
DIZ JOÃO
SEBASTIÃO
O congestionamento que se forma todos os dias na saída do Complexo de Suape no final do expediente serve
como termômetro para medir o vigor econômico da região, ao mesmo tempo que escancara a falta de planejamento público. Sem transporte de massa eficiente até o
porto, as empresas são obrigadas a fretar ônibus para garantir a mobilidade de seus funcionários. O resultado do
despreparo são 1,2 mil ônibus circulando, diariamente,
ao lado de 6 mil caminhões e 3 mil carros de passeio.
Na BR-101 e na PE-60, principais rodovias de acesso
ao maior polo de investimentos do Brasil, os motoristas
precisam fazer um bailado com os carros para driblar os
buracos. As horas perdidas no trânsito para ir e voltar de
Suape fazem a jornada indireta de trabalho esticar. A saída muitas vezes é usar rotas alternativas, como a Ponte
do Paiva (onde é preciso pagar pedágio). Pelos cálculos
do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), o movimento de veículos na região de Suape multiplicou por
três nos últimos dez anos, passando de 15 mil para 50
mil por dia. Só entrando e saindo do complexo, diariamente, são 10,2 mil veículos.
O movimento também tumultua o trânsito dentro das
cidades vizinhas ao porto. “Precisamos reforçar o trabalho da Guarda Municipal, principalmente nos horários
em que os operários desembarcam”, diz o secretário de
Defesa Social do Cabo de Santo Agostinho, Luís Lima Filho, fazendo referência às filas de ônibus que se formam
nas ruas de vários bairros.
A falta de transporte público na região deixa numa situação de vulnerabilidade as empresas que dependem
de fretamento. Em maio, os motoristas de ônibus das
companhias de transporte terceirizado ameaçaram uma
greve que, caso fosse confirmada, deixaria praticamente
vazios os canteiros de obras da Refinaria Abreu e Lima e
da PetroquímicaSuape. Se os 38 mil funcionários dos
dois empreendimentos tivessem que chegar a Suape
usando ônibus, metrô ou trem, provocariam um colapso
no sistema de transporte atual, despreparado para essa
demanda. Hoje, apenas uma linha de ônibus entra no
Porto de Suape e 74% dos trabalhadores concentram
sua chegada no horário entre as 6h e as 7h.
Os avanços andam em marcha lenta no transporte ferroviário. Desde outubro do ano passado, espera-se a entrada em operação da primeira das sete composições do
veículo leve sobre trilhos (VLT), que vai substituir o
combalido trem a diesel. O trenzinho passa com intervalos de 47 minutos, não é climatizado, faz longas paradas
ao longo do percurso e demora 25 minutos na estação antes da partida. Na diretoria de Suape, começa a sair do
plano das ideias um projeto de recuperação da estação
de trem de Massangana, que foi construída em 1982,
mas está desativada. A proposta é ter uma linha de VLT
ligando a estação do Cabo ao porto. Em junho foi assinada uma autorização para realizar o projeto executivo.
O vice-presidente de Suape, Frederico Amâncio, afirma que estão sendo realizados investimentos para preparar a infraestrutura viária do porto para os próximos 20
anos. “Além da duplicação das vias internas, estamos duplicando parte da PE-60 e construindo a Express Way”,
diz, calculando um aporte da ordem de R$ 385,8 milhões. A estrada vai permitir o transporte pesado de cargas na região e liberar outras rodovias para o acesso ao
Litoral Sul do Estado, uma das reivindicações do trade
turístico.
BR-101: MUITO
ENGARRAFAMENTO E
MUITOS BURACOS NA
PRINCIPAL ROTA
PARA SUAPE
Nos cinco municípios da vizinhança de Suape (Cabo de
Santo Agostinho, Ipojuca, Jaboatão dos Guararapes, Escada e Moreno) apenas 21,7% das residências são atendidas
por rede de água e esgoto. A taxa está bem abaixo da média
pernambucana (também acanhada) de 34,2%. A população
de trabalhadores de Suape aumenta a demanda por saneamento na região sem que os investimentos acompanhem o
ritmo de crescimento.
Na Praia de Gaibu, no Cabo, o esgoto correndo na praça
Laura Cavalcanti na entrada do bairro é o cartão de visita.
Saneamento é um problema crônico no balneário. “Há três
anos foi iniciada uma obra e só agora será concluída. Mas a
praia convive com o esgoto há 50 anos, que descambava inclusive no mar”, diz o presidente da Associação de Moradores de Gaibu, Crélio José da Silva.
Com recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur), a Secretaria Estadual de Turismo (Setur)
está concluindo a obra de ampliação do sistema de abastecimento de água e implantação do esgotamento sanitário. Orçada em R$ 18,1 milhões, a intervenção também vai reduzir
a contaminação dos canais. De acordo com a Setur, a infraestrutura foi concluída e agora caberá à Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) instalar as ligações
nas residências.
A secretária de Planejamento e Meio Ambiente do Cabo,
Vera Tenório, diz que a prefeitura está investindo R$ 33 milhões com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em obras de saneamento e urbanização nas
comunidades de Vila Maruim e Chiado do Rato, no distrito
de Pontes dos Carvalhos.
No município de Ipojuca é difícil andar pelas ruas do distrito de Nossa Senhora do Ó ou da comunidade de
Rurópolis sem chafurdar os pés na água suja. Depois de passar 20 anos no Japão e voltar ao Brasil para trabalhar no Estaleiro Atlântico Sul, em Suape, o encarregado da área de
solda, o paulista Márcio Rodrigues, reclama do esgoto correndo a céu aberto na Rua 4, onde mora, em Nossa Senhora
do Ó. “Pago R$ 500 num apartamento de dois quartos nesse condomínio. É caro pra ainda ter que conviver com essa
sujeira na porta de casa”, queixa-se.
O montador de estrutura Leonardo Dias também reclama das condições de moradia em Ipojuca. “A prefeitura deveria cuidar melhor disso aqui, já que está recebendo tanto
dinheiro com todos esses investimentos em Suape”, provoca. O trabalhador fluminense alugou uma casa em
Rurópolis e reclama que enche quando chove, falta água e
não tem esgoto. A assessora especial da Prefeitura de Ipojuca, Simone Osias, afirma que a gestão está fazendo parceria
com o Estado e a União para fazer investir em saneamento.
Time:23:47
[BR_JC_10: JC-ECONOMIA-ESPECIAIS <0812_12_SUA_08> [JC1] ... 12/08/11]
8 jornal do commercio k Recife | 12 de agosto de 2011 | sexta-feira
O surto de adolescentes grávidas nos municípios do chamado Território Estratégico de Suape é apontado como um dos principais impactos negativos da chegada do batalhão de operários. Na região, as meninas olham com atenção especial para os homens de sotaque e farda
dos empreendimentos considerados responsáveis pela redenção econômica de Pernambuco.
“As adolescentes veem no crachá de Suape o futuro e a esperança.
Muitas moram nos engenhos da região e descem para a cidade e as
praias ao encontro desses homens. De dois anos para cá, aumentou
22% o número de jovens grávidas que atendemos aqui”, lamenta Maria José Bezerra, gerente do Centro de Referência Especializada da
Assistência Social (Creas) do Cabo.
A psicóloga revela que a maioria das famílias finge não perceber
que as adolescentes estão se prostituindo, por acreditar que a relação
com os trabalhadores poderá significar uma vida melhor para elas.
“Muitas vezes a prostituição acontece de forma indireta, sem receber
dinheiro. Adolescente quer visibilidade. Pode trocar favores sexuais por um biquíni para desfilar na Praia de Gaibu”, exemplifica. O problema é que o envolvimento está deixando para os municípios os “bastardos de Suape”. “A maioria dos operários
tem passagem transitória pelo
Estado e a família vive fora da- por cento foi o aumento no
qui. E muitos dos solteiros não número de meninas grávidas nos
assumem a paternidade dos fi- últimos dois anos, segundo centro
lhos e vão embora”, alerta Maria de assistência social do Cabo
José.
As soluções chegam com atraso, descasadas da cadência frenética dos empreendimentos. Desde
2009, a Refinaria Abreu e Lima, da Petrobras, e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) iniciaram uma articulação para lançar o
projeto Diálogos para o Desenvolvimento Social em Suape. Junto
com instituições de assistência a homens, mulheres e adolescentes, como o Instituto Papai e o Centro das Mulheres do Cabo, a proposta é
minimizar os problemas sociais provocados pela onda migratória.
“Estamos falando de uma região que tem um histórico de desigualdades e relações de gênero conflituosas. Existe uma tradição do cultivo de cana que veio acompanhada por escravidão e violência contra a
mulher”, diz Ricardo Castro, responsável pelo programa no Instituto
Papai. O coordenador-geral pela UFPE, Felipe Rios, adianta que a meta é desenvolver ações com homens das obras, adolescentes, agentes
de saúde e profissionais do sexo. A estimativa é que o projeto seja iniciado este mês, bem próximo do pico da obra da refinaria, daqui a
dois meses depois. “A Petrobras é uma empresa muito grande e os
processos acabam sendo burocráticos”, avalia Nivete Mendonça, do
Centro das Mulheres do Cabo.
O Departamento de Antropologia da UFPE também estuda o fenômeno de Suape. O professor Parry Scott coordena a pesquisa Três polos de desenvolvimento e a vida sexual das mulheres, que se debruça
ainda sobre Porto de Galinhas e Petrolina. “Queremos analisar que impactos esse crescimento econômico e a concentração de homens trazem para a vida da população feminina dessas localidades”, diz, afirmando que uma das dificuldades é obter informações oficiais. A pesquisa deverá ser concluída em dois anos.
É INSTINTIVO, INERENTE
AO HOMEM. GRANDES
AGLOMERAÇÕES PROVOCAM
MUDANÇAS NA VIDA SEXUAL.
EM SUAPE NÃO É DIFERENTE
T
Date:05/08/11
Recife | 12 de agosto de 2011 | sexta-feira k jornal do commercio 9
NAS RUAS ESCURAS DO CABO, TRABALHADOR VESTIDO COM A FARDA DA REFINARIA USA OS SERVIÇOS DOS TRAVESTIS
odas as noites, pontualmente às 18h, os travestis Jaqueline, Bruna, Brenda e Bianca se instalam à
beira da Avenida Presidente Vargas, uma das principais vias de acesso ao município do Cabo de
Santo Agostinho. O horário rigoroso é para não perder o movimento dos ônibus, desembarcando os
trabalhadores que encerraram o dia de expediente no Complexo de Suape. Os “homens de uniforme”, que movimentam a engrenagem do principal polo econômico de Pernambuco, turbinam o
mercado do sexo na região.
“Isso aqui tá o paraíso. Não tenho do que reclamar. Só neste mês (de maio) já comprei minha TV de plasma e
uma cama box”, comemora Jaqueline Ferraz, de 27 anos. Nascida Jadson Francisco da Silva, numa família de 11 irmãos e um pai severo, ela conta que foi expulsa de casa aos 13 anos, quando escancarou sua homossexualidade.
“Hoje vivo e sustento minha mãe com o dinheiro que ganho aqui. Acho que esse bom momento de Suape não vai
acabar tão cedo. A maioria dos clientes é de fora do Estado. São homens solteiros ou casados que estão longe da família, pegando no pesado. Eles nos procuram para aliviar o estresse e em busca de atenção. Somos um pouco psicólogas”, diz o travesti, confessando sua preferência pelos baianos.
A chegada dos “homens de fora” também fez crescer a exploração sexual de menores e os índices de gravidez
na adolescência. Marcelo Peixoto, um dos fundadores da ONG Barong, com atuação em estudos sobre sexualidade, alerta para a importância de não demonizar os forasteiros, que também são vítimas de uma estrutura produtiva
perversa. “Em busca de trabalho, os homens deixam suas casas e migram para outros Estados. As empreiteiras contratam o macho sozinho, não costumam trazer a família por conta do custo. Eles ficam alojados com centenas de
outros operários. Na educação machista que recebemos não é
permitido chorar, admitir que está com saudade da mulher e
dos filhos. Para aplacar a carência afetiva, vão beber e procurar
os pontos de prostituição”, analisa.
Exaltando o instinto de animal reprodutor da espécie humana, Peixoto compara que durante um período de 28 dias a mulher tem três dias de “cio”, enquanto o homem está pronto para a reprodução a cada 12 horas. “É científico, não há o que
questionar. Isso sem falar que os operários com idade na casa
dos 20 anos estão no auge da fabricação de testosterona”, obNa história mundial, os aglomerados
serva. Peixoto, um teatrólogo que trabalha com questões de semasculinos sempre atraíram
xualidade há mais de 30 anos, acredita que proibir a prostituiprofissionais do sexo para pacificar os
ção não é uma estratégia inteligente.
desejos sexuais dos homens. Os casos
O estudioso conta a experiência da Prefeitura de Uchôa, em
estão na literatura, nos folhetins de TV e
São Paulo, onde um prefeito médico permitiu que uma casa
na vida real. No livro Pantaleão e as
abandonada fosse transformada em prostíbulo, depois que favisitadoras, o nobel de literatura Mario
zendas foram arrendadas por usinas na região e a cidade se enVargas Llosa transformou em ficção a
cheu de forasteiros. “Ele construiu um posto de saúde do lado
história de Pantaleão Pantoja, um
da zona, que disponibilizava preservativos, atendia as profissiocapitão do Exército peruano que criou
nais do sexo, prestava orientações e distribuía material educatium serviço de prostitutas para as Forças
vo”, lembra. Pressões de religiosos fizeram o lugar ser desativaArmadas. O trabalho das visitadoras era
do e o índice de doenças sexualmente transmissíveis disparou.
serenar a tensão dos militares isolados na
No ponto dos travestis em Suape, Jaqueline explica que
Floresta Amazônica.
uma das regras é usar preservativo. Ela tem bom trânsito na SeEm Fordlândia, cidade criada na
cretaria de Programas Sociais e em ONGs do Cabo. Numa das
Amazônia pelo industrial norte-americano
vezes em que a reportagem do JC acompanhou a movimentaHenry Ford, em 1927, para garantir a
ção no local, cada um deles fez pelo menos três programas ráborracha dos pneus fabricados para sua
pidos. Na maioria das vezes o ato sexual acontece nas ruas e
montadora de veículos, os trabalhadores
becos transversais à avenida. “Os motéis são longe, caros e têm
tinham que seguir um rígido regime de
fila por causa do grande movimento de homens na região. O
comportamento. As visitas de prostitutas
jeito é fazer dentro dos carros ou por aqui mesmo”, conformaeram estritamente proibidas, o que
se. O grupo instituiu uma tabela de preços para o programa, aliprovocou motins e obrigou a peãozada a
nhada com o que os operários podem pagar. O sexo oral custa
criar, fora do município, a chamada Ilha dos
R$ 20, a transa sai por R$ 30 (se o travesti estiver na posição
Inocentes. O lugar era uma espécie de oásis
de passivo) e por R$ 50 se fizer as vezes de ativo. “O primeiro
de liberdade, cercado de proibições. Era ali
programa a gente não pode recusar, senão pode dar azar a noionde trabalhadores e prostitutas se
te toda. É uma superstição”, explica Brenda.
encontravam.
Author:KTENORIO
22
À ESPERA DOS
OPERÁRIOS,
TRAVESTIS FAZEM
PONTO NUMA DAS
VIAS QUE DÃO
ACESSO A SUAPE
O fenômeno na
literatura
ENCRAVADO ENTRE AS
INDÚSTRIAS, O RECANTO
FELIZ FAZ A ALEGRIA DOS
OPERÁRIOS E GERA RENDA
PARA AS MULHERES QUE
VÊM DE FORA
“Mulher é luxo aqui na área de Suape.” A frase de uma garota de
programa de Ipojuca resume o que acontece hoje no negócio da
prostituição, depois que 38 mil homens passaram a morar e circular na região. Assim como os trabalhadores, as prostitutas chegam
de vários lugares, em busca de oportunidade no eldorado pernambucano. Nos últimos dois anos, os bordéis se multiplicaram, muitos
deles sob a fachada de botecos.
O Recanto Feliz é o prostíbulo mais badalado de Suape. Fica espremido entre fábricas situadas na BR-101 Sul, quase no começo da
PE-60, no Cabo. Quem coloca os pés no local custa a acreditar que
está no bordel conhecido como um dos mais rentáveis do Nordeste
para as prostitutas. O chão é de cimento batido. Galinhas, gatos e cachorros transitam entre os clientes. Para chegar até lá é preciso pegar uma estrada de barro mal iluminada. No muro, uma mensagem
permite inferir o ofício praticado no estabelecimento: “Proibida a
entrada de menores de 18 anos”.
Prostitutas de outros Estados e de várias cidades pernambucanas, sobretudo do interior, vão faturar no local. Todas atraídas pela
explosão demográfica masculina em Suape. O lugar funciona das
11h às 23h, obedecendo aos turnos dos operários. Os que trabalham
pela manhã aparecem logo depois do almoço, por volta das 13h. Outro horário de maior movimento é por volta das 20h, depois que larga o turno da noite.
Na parte da frente funciona um bar, que vende bebidas e refeições com pagamento adiantado. Das mesas dá para ver as portas
dos quartos fechadas. Para ficar com as meninas, os clientes precisam pagar R$ 50 pelo programa, além de R$ 23 pelo aluguel do
quarto com ar-condicionado ou R$ 12 para um com ventilador.
Com a rápida expansão de Suape, o Recanto Feliz passou a ser o
melhor endereço para as prostitutas. “Me disseram que aqui é o lugar para ganhar dinheiro. É isso o que quero. Dinheiro”, diz Marília*, de 24 anos, que decidiu ser garota de programa há três anos
para garantir sua independência financeira. Ela diz que vai passar mais três anos nessa vida até conseguir quitar o apartamento que comprou em Natal, sua terra de origem. Com rosto de menina, Karina* parece ser menor de idade, mas afirma ter 19 anos. Diz que começou a vida sexual aos 13 anos
e engravidou aos 15. O filho está com 3 anos e fica com a avó em Caruaru, onde mora. “Passo a semana dormindo aqui e digo a minha mãe e meu namorado que estou trabalhando no Recife.” Passandose por um casal de namorados, a repórter e o fotógrafo do JC convidam Karina* para um programa
a três. Ela hesita um pouco, alegando que não costuma sair da casa com desconhecidos, mas marca
o encontro para quando terminar o expediente. Cobra R$ 150 pela saída, que não se concretiza.
Além do Recanto Feliz, outros locais funcionam como ponto de prostituição. O Bar da Galega está há dez anos na entrada de Ipojuca. Fica na garagem de uma casa com primeiro andar. Quando a
reportagem do JC, sem se identificar, pergunta o que funciona no andar de cima, um frequentador
diz que são os quartos onde as garotas fazem programa. O cenário se repete no Bar das Morenas,
também em Ipojuca. As casas de prostituição estão proibidas no Cabo e em Ipojuca, mas representantes das prefeituras e autoridades policiais admitem saber onde elas estão e até quem são seus donos.
* Todos os nomes são fictícios
BAR DA
GALEGA, EM
IPOJUCA: NA
GARAGEM, UM
SIMPLES LOCAL
PARA BEBER.
NO PRIMEIRO
ANDAR,
ACONTECEM OS
PROGRAMAS
Time:23:47
[BR_JC_10: JC-ECONOMIA-ESPECIAIS <0812_12_SUA_10> [JC1] ... 12/08/11]
10 jornal do commercio k Recife | 12 de agosto de 2011 | sexta-feira
Author:KTENORIO
Date:05/08/11
Recife | 12 de agosto de 2011 | sexta-feira k jornal do commercio 11
EXPANSÃO SEM
PLANEJAMENTO TROUXE
MAIS DROGAS E MAIS
INSEGURANÇA
J
ussara* só descobriu que seu filho Bruno*, de 22 anos,
era viciado em crack quando ele chegou em casa acompanhado por um policial, depois de ser flagrado com duas
pedras da droga no Centro do Cabo de Santo Agostinho.
Era novembro de 2010. Descortinada aos olhos incrédulos da mãe, a notícia passou a fazer parte de uma rotina de tormento.
A funcionária pública recobrou a esperança quando o rapaz conseguiu uma vaga na refinaria, no Conest - consórcio formado pelas empresas Odebrecht e OAS. Vestir a farda das empresas de Suape é o sonho de muitos jovens do município de tradição açucareira.
“Achei que ia ser bom para meu filho, mas foi pior. Na obra ele conheceu vários homens de outros Estados, que usam e vendem crack
lá dentro. Passou a fumar com muita frequência, faltava ao trabalho
e acabou sendo demitido. Os R$ 700 que recebeu de indenização foram todos para as mãos dos traficantes”, conta. Para Jussara, a imagem próspera de Suape foi desconstruída. “Não queria mais meu filho trabalhando ali. Preferia que arrumasse um emprego na prefeitura, mas ele conseguiu uma vaga em outra obra da Odebrecht”, lamenta. Chorando, diz que o crack devastou a vida da família. Bruno passou a pedir dinheiro e a vender móveis e eletrodomésticos da casa
para comprar pedras.
Paraíso do emprego, o território de Suape também é mercado certo para o tráfico de drogas. Dados da Secretaria de Defesa Social de
Pernambuco (SDS) mostram que as apreensões nos municípios do
Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca cresceram 293% em 2010, na
comparação com 2009. O aumento é quase dez vezes superior à média do Estado, que ficou em 36%. O consumo está disseminado nas
obras e nos alojamentos mantidos pelas empreiteiras. Mais barato
que a cocaína, o crack vive uma escalada sem precedentes. Na região, as apreensões aumentaram sete vezes (veja arte).
Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco e especialista em estudos sobre crime organizado, Adriano Oliveira entende que o aumento das apreensões significa um trabalho
melhor da polícia. “A elevação do consumo está relacionado ao mercado, à circulação de dinheiro numa região. E ali isso já existia por
causa do turismo no Litoral Sul”, observa.
Na avaliação do secretário de Defesa Social, Wilson Damázio, a
concentração de uma população masculina com poder aquisitivo
maior também contribuiu para o consumo de drogas disparar na vizinhança de Suape. “A prova de que está girando dinheiro na região é
que a pedra é vendida por R$ 10, enquanto em outros locais é encontrada por R$ 5. Mas a polícia se preparou melhor para o combate ao
crime organizado e estamos monitorando seus líderes”, defende.
O consumo de bebida alcoólica também se propaga na área de Suape. Botecos e espetinhos se multiplicam, inclusive dentro do porto.
Só em frente à obra da PetroquímicaSuape é possível ver vários ambulantes. “Vendia tudo o que o peão gosta: espetinho, cerveja e Pitú,
mas fui chamado pela diretoria de Suape e impedido de comercializar bebida, por conta das regras de segurança”, conta um paulista que vendia churros em Ipojuca e decidiu mudar o foco do negócio
e se transferir para dentro do porto. “Já fizemos várias reuniões com
a diretoria de Suape, pedindo a retirada desses ambulantes, mas nada aconteceu. Imagina se funcionários adoecem por causa dessas comidas? Vão dizer que foi o nosso refeitório”, reclama o gerente administrativo-financeiro da Odebrecht, Bernardo Pedral.
No Cabo de Santo Agostinho, o secretário de Defesa Social, Luís
Lima Filho, diz que a prefeitura poderá limitar o horário de funcionamento do comércio informal. “Estamos falando de centenas de homens que largam do trabalho e ficam confinados, sem ter o que fazer. O resultado é sair para beber. Toda esquina tem um espetinho
vendendo cerveja aqui no município”, diz. “As repúblicas de trabalhadores também se transformam em ponto de bebedeira, brigas,
som alto e visita de mulheres”, completa.
“A situação é de insegurança aqui em Gaibu, depois que a praia virou dormitório de Suape. Tivemos um banco Bradesco estourado pelos bandidos, os assaltos são frequentes e a matança aumentou”, queixa-se o presidente da Associação de Moradores de Gaibu, Crélio José da Silva. Pelas estatísticas da SDS, os números da violência diminuíram no Cabo e em Ipojuca. Entre 2009 e 2010, os homicídios caíram 7,36% e os latrocínios 10,3%. A SDS não divulga os números por
áreas, que poderiam identificar aumento em locais considerados críticos nas duas cidades, como Gaibu.
* Todos os nomes são fictícios
Estado, municípios e empresas terão que investir R$ 10 bilhões
no Território Estratégico de Suape para garantir que nosso eldorado tenha um desenvolvimento sustentável e não repita a experiência negativa de outros polos econômicos. O volume de recursos é
equivalente a um quarto da carteira de empreendimentos industriais em implantação hoje no complexo. O dinheiro precisa ser
aplicado em obras de infraestrutura no porto e na estruturação dos
municípios do território (veja mapa).
O ponto de partida para desenvolver uma ação integrada entre
Estado, empresas e municípios foi a elaboração de quatro estudos
que fazem um diagnóstico da região e sinalizam para algumas
ações. O primeiro a ganhar tintas foi o Território Estratégico de
Suape - Diretrizes para uma Ocupação Sustentável, apresentado
em 2006, pela Agência de Planejamento de Pernambuco (Condepe/
Fidem). O trabalho queria se antecipar ao que aconteceria após o
anúncio oficial da implantação de uma refinaria e um estaleiro no
complexo. Além de mapear toda a área, o estudo propôs três temas
principais: organização do território, mobilidade e meio ambiente/
saneamento.
Em 2007, o projeto da Condepe/Fidem ganhou reforço do BNDES, que lançou em Pernambuco um programa inédito no País para financiar ações de controle urbano e ambiental em regiões de desenvolvimento como Suape. A ideia é garantir governança aos municípios para que eles possam monitorar o impacto dos empreendimentos. O BNDES disponibilizou R$ 11 milhões a fundo perdido
para a iniciativa. O problema é que o dinheiro demorou quatro
anos para chegar. A liberação foi em junho passado. “Eu era menino quando o BNDES prometeu esse dinheiro”, brinca o prefeito de
Ipojuca, Pedro Serafim.
O presidente da Condepe/Fidem, Antônio Alexandre da Silva,
explica que o entrave foi burocrático. “O BNDES fazia exigências
de regularidade fiscal que os municípios não conseguiam cumprir.
Era uma contradição, porque o banco queria capacitar a gestão municipal, mas pressupunha uma capacidade de ordenamento jurídico que eles não tinham”, analisa. A questão só destravou quando o
Condepe assumiu a responsabilidade de tomador dos recursos para repassar às prefeituras do território.
O superintendente regional do BNDES em Pernambuco, Paulo
Guimarães, acredita que até o final deste ano 80% do total do empréstimo seja liberado. “Temos uma grande preocupação com o desenvolvimento social do território, porque o banco financiou os
principais grandes empreendimentos instalados em Suape.” A participação foi de 71% na instalação do Estaleiro Atlântico Sul, de
60% na PetroquímicaSuape e de 49% na Refinaria Abreu e Lima
(Rnest).
Do lado das empresas também surgiu o interesse de estudar o
território A Rnest encomendou um levantamento sobre o impacto
econômico e social da unidade na região. Outros dois diagnósticos
são o Plano Diretor de Suape (em fase de conclusão) e o Fórum
Suape Global, que quer transformar Pernambuco num polo de
bens e serviços em energia, petróleo, gás, setor naval e offshore.
Em junho passado, o Estado lançou o projeto Suape Sustentável
com a missão de reduzir impactos provocados pelo grande dinamismo na região. A largada será a criação de um fórum para discutir
um modelo de gestão integrado. O governador Eduardo Campos se
apressa em dizer que as transformações não vão acontecer a curto
prazo. “Estamos falando de uma região onde as desigualdades sociais perduram há 500 anos, desde a escravização”, argumenta.
ACIMA, O PREOCUPANTE
CONSUMO DE ÁLCOOL
ENTRE TRABALHADORES.
AO LADO, A MÃE QUE VIU O
FILHO MERGULHAR NO
CRACK
Nos finais de semana, pelo menos 80 policiais militares deixam
seu posto no Quartel do Derby, no Recife, para reforçar o policiamento nos municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca.
Dias de folga para os operários de Suape e de movimento no turismo representam trabalho dobrado para a Polícia Militar. Em maio
deste ano foram contratados 122 praças recém-formados, aumentando para 626 o efetivo responsável por atender as duas cidades.
O número achatado está distante da recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU), que é de um policial para cada 250
habitantes. Hoje, a população do Cabo e de Ipojuca é de 265.665
pessoas. Juntando com a comunidade flutuante de forasteiros, passantes e turistas, ultrapassa 300 mil habitantes. Isso quer dizer
que a região conta com um policial para cada grupo de 453 pessoas.
“O ideal seria ter pelo menos mil homens para dar conta de tudo
o que está acontecendo aqui. O efetivo das guardas municipais das
duas cidades chega a ser maior do que o da PM. Com o crescimento
no número de incidentes, em algumas operações trabalhamos junto
com as Polícias Civil e Militar”, conta o secretário de Defesa Social
do Cabo, Luís Lima Filho. Muitas vezes, a Guarda realiza diligências à noite, flagrando consumo de drogas e fechando inferninhos,
como uma boate sem licença para funcionar na Praia de Gaibu.
O secretário de Defesa Social do Estado, Wilson Damázio, adianta que encaminhou ao governador Eduardo Campos um pedido
de contratação de mais 2.696 homens para reforçar o trabalho da
SDS. “Desse total, pelo menos 10% serão para atender a região de
Suape. Estamos solicitando, mas não sei se vamos conseguir”, diz.
Hoje, as demandas do Porto de Suape são atendidas pelo efetivo
da PM no Cabo e em Ipojuca. Um dos incidentes mais emblemáticos foi a greve dos trabalhadores da refinaria e da petroquímica,
em março, que terminou com o incêndio de um alojamento da
Odebrecht, no Cabo, com prejuízo de R$ 9,5 milhões para a empresa.
O crescimento da demanda por segurança no “Eldorado pernambucano” vai obrigar o governo de Pernambuco a abrir o caixa
e investir na região. Até junho de 2012, a SDS espera inaugurar
uma Área Integrada de Segurança, no Cabo. Com investimento de
R$ 3,6 milhões, o espaço vai abrigar Polícia Civil, Delegacia da Mulher, posto da Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente e
Delegacia Seccional. A SDS também terá presença dentro do Complexo de Suape, com a instalação de uma Unidade Integrada de Segurança. “Será uma parceria entre a SDS e Suape. Vamos investir
R$ 961 mil no local, que terá uma companhia da PM e uma delegacia. A previsão é inaugurar no prazo de um ano”, revela Damázio.
GUARDA
MUNICIPAL
REALIZA RONDAS
NOS BARES. MAS
O CONTINGENTE
AINDA É
PEQUENO
No Brasil e no mundo são muitas as experiências
de polos de desenvolvimento em que o crescimento
econômico ocorreu desvinculado dos avanços sociais. Apesar do atraso nas ações de planejamento, o
governo de Pernambuco sabe o que não quer para o
Complexo de Suape.
“Os erros do passado servem de lição para o que
não queremos ser. No mundo temos os exemplos do
porto italiano de Taranto e do tailandês Map Ta
Phut, que cresceram e deixaram uma herança de desigualdades sociais e degradação ambiental”, destaca
o vice-presidente de Suape, Frederico Amâncio. No
Brasil, ele aponta os casos do polo baiano de Camaçari, do Porto de Santos e de Macaé, no Rio de Janeiro.
Criado nos anos 70, como iniciativa do governo militar que declarou a região como uma área de interesse da segurança nacional, Camaçari sofre ainda hoje
o efeito colateral do desenvolvimento econômico
sem sustentabilidade. O professor de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Salvador José Gileá
de Souza, estudou o fenômeno. O resultado está no
trabalho Camaçari, as duas faces da moeda: crescimento econômico x desenvolvimento social.
“Os indicadores positivos do PIB muitas vezes servem de peças de marketing dos governos para alardear um pseudodesenvolvimento da região. Na verdade, os empreendimentos se transformaram em enclaves, porque a arrecadação dos impostos não é aplicada devidamente no município”, observa.
Gileá alerta para a importância de as empresas oferecerem contrapartidas sociais aos municípios-sede
dos empreendimentos. “A Petrobras está investindo
R$ 30 milhões em Ipojuca, mas é uma compensação
pelos benefícios fiscais”, diz o prefeito de Ipojuca, Pedro Serafim. O superintendente regional do BNDES,
Paulo Guimarães, informa que o banco conta com a linha Investimento Social das Empresas (ISE), onde é
possível aplicar até 1% dos recursos financiados em
ações sociais, pagando apenas a TJLP. Das obras em
Suape, apenas a petroquímica optou pela modalidade e vai investir R$ 25 milhões em programas. Por enquanto, é evidente o poder transformador de Suape
para a economia. O futuro dirá se será capaz de mudar também o cenário social de Pernambuco.
Time:23:48

Documentos relacionados