Comportamento alimentar e dimensões de personalidade numa

Transcrição

Comportamento alimentar e dimensões de personalidade numa
Actas do 6° Congresso Nacional de Psicologia da Saúde Organizado por
Isabel Leal, José Pais Ribeiro, e Saul Neves de Jesus 2006, Faro:
Universidade do Algarve
Comportamento alimentar e
dimensões de personalidade numa
amostra não-clínica
CLAUDIA CARMO (*)
ISABEL LEAL (**)
Quando tentamos definir personalidade, aquilo que parece mais
consensual é a idéia de que se trata de um conjunto de características únicas
num indivíduo e relativamente constantes ao longo do tempo; determinando
aquilo que ele faz e não faz, pensa e não pensa, sente e não sente, na relação
consigo e com os outros.
Defini-la não é tarefa fácil. Lima (1997) refere que as definições sobre a
personalidade são tantas e tão diversas que se coloca a questão de saber se
se trata do mesmo constructo ou de outros muito diferentes, designados com
o mesmo nome.
'*>
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade do Algarve.
***' Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa.
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6° CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE
São muitas as teorias e as definições de personalidade que nos confundem
com longas caminhadas por termos e descrições exaustivas e complexas;
umas apelam ao caracter imutável e estático da personalidade e outras
parecem defini-la como dinâmica e em permanente alteração, %pelando à
sua constante mudança.
A abordagem histórica da teoria dos traços agora actualizada por Costa e
McCrae através do Modelo dos Cinco Factores, apesar das inúmeras
críticas, apresenta suporte empírico quando se procura relacionar variáveis
da personalidade com outros constructos, como a saúde mental (Lima,
1997).
Numa investigação que procurou avaliar as relações entre personalidade,
comportamentos alimentares e sintomas psicológicos relacionados com as
doenças do comportamento alimentar, numa amostra de mulheres
universitárias, Brookings e Wilson (1994) aplicando os mesmos
instrumentos que utilizámos no presente estudo, verificaram que as seis
facetas da dimensão Neuroticismo (N) correlacionaram de forma positiva
significativamente com todas as medidas de desordem alimentar, à
excepção de uma, resultados que coincidem com outros estudos onde o N
ou constructos relacionados foram incluídos como factores predisponentes
para as doenças do comportamento alimentar (e.g., Friedlander & Siegel,
1990; Johnson et ai, 1989; Katzman et ai. 1984; Tobin et ai., 1991, cit. in
Brookings & Wilson, 1994).
Quanto à dimensão Extroversão (E), todas as facetas correlacionaram
positivamente com a sub-escala: Desejo de Magreza e, negativamente com
a sub-escala: Desconfiança Interpessoal do Eating Disordcr Inventory
-EDI-2 (Garner & Olmstead, 1991).
Verificaram-se ainda correlações negativas, relativamente pouco
significativas, entre as facetas de Abertura à Experiência e as medidas de
desordem alimentar.
Um estudo semelhante ao anterior (Podar, Hannus, & Allik, 1999)
envolveu um grupo de pacientes com perturbações do comportamento
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COMPORTAMENTO AUMENTAR E DIMENSÕES DE PERSONALIDADE NUMA AMOSTRA NÃO-CLÍNICA
alimentar clinicamente diagnosticadas, de acordo com critérios de
diagnóstico do DSM-IV; um grupo inserido num programa para redução de
peso 6 UIT1 grupo de controlo, sendo o índice de massa corporal
significativamente superior no segundo grupo.
O grupo com perturbações do comportamento alimentar obteve uma
pontuação significativamente mais elevada em N e mais baixa em E,
relativamente aos outros dois grupos; quanto à dimensão Abertura à
Experiência (O) o grupo de controlo obteve uma pontuação significativamente mais elevada; na Conscienciosidade (C), o grupo clínico obteve uma
pontuação Significativamente mais baixa e, relativamente à Amabilidade
(A), não existiram diferenças entre os três grupos.
No que diz respeito às facetas de N, as pacientes com perturbações do
comportamento alimentar pontuaram significativamente mais alto que as do
programa de redução de peso na Ansiedade, Hostilidade, Depressão e na
Vulnerabilidade e, mais alto que o grupo de controlo na Auto-Consciência;
nas facetas de E, o grupo com perturbações do comportamento alimentar
pontuou significativamente mais baixo que os outros dois em Calor,
Gregariedade e Emoções Positivas e mais baixo que o grupo de controlo em
Àctividade; nas facetas de O, o grupo clínico pontuou significativamente
mais alto que o de controlo em Sentimentos, Acções e Idéias e, o grupo do
programa de redução de peso obteve valores significativamente mais
elevados em Fantasia, Estética e Idéias.
Após a análise destes dados podemos concluir que a dimensão
Neuroticismo parece estar associada a uma predisposição para problemas
alimentares, enquanto a Extroversão, em primeiro lugar e a Abertura à
Experiência, em segundo, mostraram-se dimensões protectoras
relativamente às doenças do comportamento alimentar e aos síndromes
parciais.
O objectivo do presente estudo é descrever e caracterizar a relação entre
as atitudes e comportamentos face à alimentação e à forma corporal e, os
cinco factores de personalidade segundo o modelo de Costa e McCrae.
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6° CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE
MÉTODO
Participantes
Foi realizado um estudo preliminar, num trabalho que ainda decorre,
sendo o n de 32 sujeitos do sexo feminino, com idades compreendidas entre
os 18 e os 33 anos e que freqüentavam o 1.° e o 2." ano de uma licenciatura
numa instituição de ensino superior do Algarve.
j
Material
Foram utilizados os seguintes instrumentos: um questionário constituído por
dados demográficos e dados auxiológicos; o Eating Disorder Inventory EDI--2 (Garner & Olmstead, 1991), tradução portuguesa (Carmo,
Galvão-Teles, Bouça, no prelo) e o Inventário de Personalidade NEO Revisto
(NEO-PI-R; Costa & McCrae, 1992) aferido para a população portuguesa
por Lima (1997).
O Eating Disorder Inventory (EDI-2) é um instrumento constituído por 91
itens divididos por 11 sub-escalas. As três primeiras sub-escalas dizem
respeito às atitudes e comportamentos relacionados com a comida e a forma
do corpo: Desejo de emagrecer; Bulimia e Insatisfação corporal. As demais
8 sub-escalas, contém itens associados a características psicológicas,
clinicamente relevantes para as doenças do comportamento alimentar:
Ineficácia; Perfeccionismo; Desconfiança interpessoal; Mal-estar
interoceptivo; Medo da maturidade; Ascetismo; Regulação do impulso e
Insegurança social. As respostas são assinaladas numa escala tipo Likert e a
cotação rar/a enfre 0 e J, se/tífo # potffáaf/o /ffâXJfflâ Sefefefít£ ã
sintomatologia agravada.
Para avaliar as dimensões da personalidade foi utilizado o Inventário de
Personalidade NEO Revisto. Este instrumento está teoricamente sustentado
no Modelo dos Cinco Factores e avalia as dimensões da personalidade que
cousspsaàffiEB •à rafo m to àcsmos, <gsm: NeuTOticiçmo, Ex.ttQvetsãa,
Abertura à Experiência, Amabilidade e Conscienciosidade. Cada um dos
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COMPORTAMENTO ALIMENTAR E DIMENSÕES DE PERSONALIDADE NUMA AMOSTRA NÃO-CLÍNICA
domínios é constituído por Seis facetas. No total o instrumento é composto
por 240 itens que consistem em afirmações às quais se responde numa
escala de cinco pontos, classificadas de O a 4 valores.
Procedimento
Os instrumentos foram aplicados de forma colectiva em sala de aula com
a autorização do docente da disciplina. O auto-preenchimento dos
inventários foi precedido de uma breve explicação sobre os objectivos do
estudo, garantindo o anonimato e a confidencialidade. Os dados foram
recolhidos no Último trimestre de 2005.
RESULTADOS
Com O objectivo de organizar, apresentar e interpretar os dados
recolhidos, efectuou-se uma análise estatística recorrendo ao programa
informático SPSS 14.0.
As correlações obtidas revelaram valores significativos, podendo
observar-se um grau de associação positivo moderado entre a dimensão
Neuroticismo (N) e as sub-escalas: Ineficácia (I); Mal-estar interoceptivo (IA);
Medo de maturidade (MF); Ascetismo (A); Regulação do impulso (IR) e
Insegurança Social (SI), do EDI-2. É de referir que estas correlações
mostram que à medida que N aumenta, também os valores respeitantes às
sub-escalas do EDI-2 aumentam, com valores de correlação que variam entre
r=0,33 (/?<0,01) e r=0,58 (p<0,01) correspondente a uma variância explicada
de 11% e 34%, respectivamente.
Correlações negativas foram registadas para a dimensão Extroversão e as
sub-escalas: Ineficácia (I); Desconfiança Inter-pessoal (ID); Mal-estar
interoceptivo (IA) e Insegurança Social (SI) do EDI-2, cujos valores de
correlação mostraram uma variação entre r=-0,45 e r=-0,51 (p<0,01) que
corresponde a uma variância explicada de 20% e 26%, respectivamente.
Para a dimensão Amabilidade verificou-se uma correlação negativa com
a sub-escala Bulimia (B), com um valor de correlação de r=-0,38 (p<0,01)
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6° CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE
revelando que os valores de B aumentam à medida que valores da dimensão
Amabilidade diminuem.
Para a dimensão Conscienciosidade observou-se uma correlação positiva
com a sub-escala Perfeccionismo (P) (Quadro 1).
Quadro l
Valores do coeficiente de correlação entre o NEO-PI-R o EDI-2
DT
Neuroticismo
Extroversão
Abertura à
experiência
Amabilidade
Conscienciosidade
r
P
0,33
,07
r -,10
P ,58
r -,03
P ,87
r
,04
P ,84
r
p
,15
,42
B
BD
,19
,31
,06
,76
,31
,09
,25
,17
-,38*
,03
-,15
,40
l
-,11
,55
,12
,52
,58*
,00
-,51*
,00
,04
,83
,33
,06
,12
,52
,02
,90
-,16
,37
Nota. r=coeficiente de correlação de Pearson
significativa para c=0,01. DT - desejo
I - ineficácia; P - Perfeccionismo; ID
M - medo de maturidade; A - ascetismo;
P
ID
IA
MF
A
IR
SI
,21
,24
-,22
,24
,00
1,00
,21
,26
,61*
,47*
,53*
,00
-,18
,33
,56*
,00
-,28
,12
,38*
,00
-,49*
,00
-,14
,45
,37*
,04
-,45*
,01
-.20
,26
-,10
,57
.19
,31
-,08
,67
,01
-,01
,98
.no
,63
-,28
,12
,17
,35
,16
,38
,34
,06
,03
-,47* ,01
-.19
.29
,48
-,17
,37
,21
-,13
,47
,50
-,03
,87
,06
,74
,34
,06
,20
,26
; p=probabilidade de significãncia bilateral; "correlação
de emagrecer; B - bulimia; BD - insatisfação corporal;
- desconfiança interpessoal; IA - mal-estar interoceptivo;
IR - regulação do impulso; SI - insegurança social
DISCUSSÃO
Os resultados do presente estudo preliminar, sendo válidos unicamente
para a amostra estudada, parecem corroborar dados de ÍIWeSlÍgaÇÕeS
anteriores realizadas em diferentes países de cultura ocidental. Apesar da
grande limitação do actual n da amostra, tal como acontece noutros estudos
semelhantes (e.g., Friedlander & Siegel, 1990; Johnson et ai., 1989;
Katzman et ai, 1984; Tobin et ai., 1991, cit. in Brookings & Wilson, 1004;
Podar, Hannus, & Allik, 1999) a dimensão N parece ser aquela que se
correlaciona positivamente de forma mais significativa com um maior
número de sub-escalas do EDI-2, ao contrário do que acontece com a
dimensão E. A menor Slgnifícância dos resultados nos restantes faetores do
NEO-PI-R, poderão ser explicados pelo tamanho da amostra no momento.
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COMPORTAMENTO ALIMENTAR E DIMENSÕES DE PERSONALIDADE NUMA AMOSTRA NÀO-CLÍNICA
REFERENCIAS
,
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