(RE)CRIANDO IDENTIDADES: AMARGOSA, DE PEQUENA SÃO
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(RE)CRIANDO IDENTIDADES: AMARGOSA, DE PEQUENA SÃO
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL Jaqueline Argolo Rebouças (RE)CRIANDO IDENTIDADES: AMARGOSA, DE PEQUENA SÃO PAULO À CIDADE JARDIM (1930 A 1950) Santo Antônio de Jesus, BA 2013 JAQUELINE ARGOLO REBOUÇAS (RE)CRIANDO IDENTIDADES: AMARGOSA, DE PEQUENA SÃO PAULO À CIDADE JARDIM (1930 A 1950) Dissertação apresentada como requisito final para obtenção do grau de Mestre em História no Programa de Mestrado em História Regional e Local do Departamento de Ciências Humanas – Campus V Santo Antônio de Jesus, da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Prof. Drª. Sara Oliveira Farias. Santo Antônio de Jesus, BA 2013 JAQUELINE ARGOLO REBOUÇAS (RE)CRIANDO IDENTIDADES: AMARGOSA, DE PEQUENA SÃO PAULO À CIDADE JARDIM (1930 A 1950) Dissertação apresentada como requisito final para obtenção do grau de Mestre em História no Programa de Mestrado em História Regional e Local do Departamento de Ciências Humanas – Campus V, Santo Antônio de Jesus – BA, da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Prof. Drª. Sara Oliveira Farias. Santo Antonio de Jesus, _______________________________________________ _______________________________________________ ______________________________________________ AGRADECIMENTOS Agradecer a todos que ajudaram a construir esta dissertação não é tarefa fácil. A riqueza de um indivíduo é medida pela quantidade de amigos que tem. E estes são elementos fundamentais para a lida diária e em qualquer circunstância. Este agradecimento não poderia ser iniciado sem lembrar do Professor Raimundo Nonato da Silva Fonseca (in memorian), figura importante para o meu crescimento enquanto Professora-Pesquisadora e que muito me orientou, durante a Graduação, para que percorresse o caminho da Pesquisa Histórica. Meu respeito, admiração e saudade. Em seguida, agradeço aos meus pais que me permitiram, dentro de suas possibilidades, uma boa formação, marcada por princípios morais e éticos. Exemplo de seres humanos vencedores e de muita fé. Como também a minha família, em especial, a minha Tia Brotas Argolo, que sempre acreditou na importância da educação e na minha evolução acadêmica. Ao meu companheiro e sempre amigo Paulo Henrique, maior incentivador da minha trajetória, pela paciência e compreensão, em minhas ausências; sempre aconselhando e apoiando ao longo da jornada. Não poderia deixar de lembrar também daqueles que colaboraram para a minha participação na seleção, momento de extrema importância, agradecendo ao meu primo Luiz Argolo pela condução por essas estradas sinuosas e as palavras de incentivo durante os percursos. No âmbito acadêmico, aos professores pelos bons conselhos, instruções e esclarecimentos; a minha eterna gratidão pelos ensinamentos transmitidos. E mais que especial, agradeço a Profª Drª Sara Oliveira Farias por ter aceitado a orientação da minha dissertação; pelo exemplo de dedicação ao trabalho e orientação. Sem o seu direcionamento e auxílio, o estudo aqui apresentado seria praticamente impossível. Fico na esperança de poder retribuir a confiança a mim depositada. Às Professoras Drª Ana Maria Carvalho dos Santos Oliveira e Drª Nancy Rita Sento Sé de Assis pelas contribuições e por terem atendido ao convite para desempenhar este papel, dispondo de seu tempo e conhecimento para analisar este trabalho. Declaro-me honrada pela participação no meu trabalho. A secretária e funcionários do Programa e do CAMPUS V da UNEB sempre atenciosos e prontos a ajudar com eficiência e disposição. Aos colegas do Mestrado pelo convívio divertido e harmonioso durante esta caminhada. Sobretudo, ao meu querido amigo e colega Miguel José da Silva, pelas viagens, conselhos e colaboração durante esta jornada; e a atenciosa Gisely Barreto pelas conversas, apoio e desenvolvimento de uma amizade que não vai acabar. Sinto que nós percorremos este caminho juntos, nos complementando e nos fortalecendo. Aos meus sempre amigos/familiares Maria José Andrade, Regina Bahia, Leandro Bahia, Amélia Gonsalves e Fabiane Argolo pela colaboração e apoio durante as pesquisas. E em especial a Joelma Argolo e Raul Lomanto, com quem dividia minhas maiores dúvidas e questionamentos. Para os quais deixo meu respeito, carinho e admiração. Não poderia esquecer também, daqueles que encontramos no caminho e que somam forças as nossas jornadas. Neste sentido, agradeço aos sempre prestativos Ivan de Corta-Mão e Luana Quadros. Aos funcionários das Bibliotecas e Arquivos do Município de Amargosa e do Estado da Bahia pela dedicação, presteza e principalmente pela vontade de ajudar. E a todos aqueles que a mim confiaram suas memórias, parte fundamental deste trabalho. A Universidade do Estado da Bahia por mais uma vez abrir as suas portas, possibilitando a realização deste sonho. E ao órgão financiador deste projeto, CAPES, pelo apoio financeiro. Enfim, agradeço a Deus por todas as alegrias, pela saúde e pela força que me concedeu, para que conseguisse chegar até aqui. Certa de que ninguém vence sozinho... Muito obrigada a todos e a todas! “A cidadezinha onde moro, lembra soldado que fraqueasse na marcha e, não podendo acompanhar o batalhão, à beira do caminho, se deixa ficar, exausto e só, com os olhos saudosos pousados na nuvem de poeira erguida além. Desviou-se dela a civilização. O telégrafo não a põe à fala com o resto do mundo, nem as estradas de ferro se lembraram de uni-la à rede por intermédio de humilde ramalzinho." LOBATO, Monteiro. A vida em Obilivion. In: Cidades Mortas. 1919. RESUMO A história do município de Amargosa, situado no Recôncavo Sul da Bahia, abarca um período de riqueza e destaque regional, proporcionados pelo comércio agroexportador do café, que acabou por contribuir para a construção de uma paisagem urbana, marcada pelos ideais de modernização, e para o desenvolvimento de sociabilidades e sensibilidades acerca do espaço urbano. Essa prática local resultou no processo de (re)criação de discursos e identidades para a cidade: de “Pequena São Paulo” (identidade gestada no período em que a cidade possuía importante status de polo regional devido à economia agroexportadora do café) a “Cidade Jardim” (que remonta às transformações urbanísticas, sobretudo, à construção do Jardim Público na principal Praça da cidade), entre as décadas de 1930 e 1950. Neste sentido, objetiva-se, através das fontes, percorrer os caminhos da modernidade e que permitiram a (re)criação de visões e imagens que identificaram a cidade. Para recuperação dessa tessitura histórica, esta pesquisa norteia-se em fontes escritas (jornais, atas municipais, leis, ofícios, entre outros), orais (depoimentos/entrevistas) e iconográficas (fotografias), bem como referencial teórico, na tentativa de compreender como os indivíduos e seus grupos constroem e definem a cidade. PALAVRAS-CHAVE: Cidade. Modernidade. Identidade. Memória. ABSTRACT The history of the municipality of Amargosa, located in South of Bahia Reconcavo, spans a period of regional wealth and prominence, provided by agro-export trade coffee, which eventually contribute to the construction of an urban landscape, marked by the ideals of modernization , and the development of sociability and sensitivities about urban space . This local practice resulted in the (re) creation of discourses and identities for the city: "Little Saint Paul" (identity gestated in the period in which the city had major regional hub status due to the economy agroexport coffee) the "City garden " (which dates back to the urban transformations, especially the construction of the garden in the main town square), between the 1930s and 1950s . In this sense, the objective is, through the sources, following the trails of modernity and that allowed the (re) creation of visions and images that identified the city. To recover from this historic fabric, this research is guidedP in written sources (newspapers , minutes municipal laws, crafts, among others), oral (statements / interviews) and iconographic (photographs) as well as theoretical, in an attempt to understand how individuals and groups construct and define their town. Keywords: City. Modernity. Identity. Memory. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CEPLAB Centro de Planejamento da Bahia EFN Estrada de Ferro de Nazaré IBC Instituto Brasileiro do Café IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística PSD Partido Social Democrático RMS Região Metropolitana de Salvador SEI Superintendência de Estudos Regionais e Econômicos da Bahia SEPLANTEC Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia TRN Tram Road de Nazaré UDN União Democrática Nacional LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Evolução político-administrativa de Município................................................... 20 Figura 2 – Localização do Município de Amargosa – Recôncavo Sul da Bahia .................. 22 Figura 3 – Estado da Bahia – Região de Amargosa – 1963 .................................................. 26 Figura 4 – Localização dos Municípios que faziam parte da EFN ....................................... 41 Figura 5 – Mapa parcial: linha passando pelo Município de Amargosa ............................... 41 Figura 6 – Meninos Vendedores – Estação Ferroviária de Amargosa .................................. 44 Figura 7 – Recepção na Estação Ferroviária de Amargosa ................................................... 45 Figura 8 – Chegada do novo Bispo D. Florêncio S. Vieira a Amargosa ............................... 54 Figura 9 – Prédio do Matadouro Municipal reformado ........................................................ 69 Figura 10 – Capela, sede da Freguesia Nossa Senhora do Bom Conselho ....................... 79 Figura 11 – Estátua do Cristo Redentor ................................................................................ 83 Figura 12 – "Festa chic" em comemoração a instalação da Diocese em Amargosa ............. 85 Figura 13 – Praça Manoel Vitorino antes da construção do Jardim Público Municipal ....... 86 Figura 14 – Evento público no Coreto do Jardim Lourival Monte ....................................... 86 Figura 15 – Vista parcial da antiga Rua Dr. José Gonçalves ................................................ 87 Figura 16 – Visão parcial da Rua Conselheiro Dantas .......................................................... 88 Figura 17 – Perspectiva da fachada do “Cine Pérola”, desgastada com o tempo ................. 93 Figura 18 – Vista parcial dos principais prédios na área do Jardim ...................................... 129 Figura 19 – Aspectos do Jardim Público – Obelisco comemorativo .................................... 130 Figura 20 – Aspectos do Jardim Público Municipal ............................................................. 131 LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS Gráfico 1 – Amargosa – Produção do Café: 1890 – 1962 ..................................................... 48 Tabela 1 – População dos Municípios que compõem a “Região” de Amargosa – Anos: 1940 – 1950 ........................................................................................................................... 24 Tabela 2 – Exportação de café e fumo por Nazaré: 1930 – 1939 ..................................... 33 Tabela 3 – Estabelecimentos comerciais de compra e venda de produtos agrícolas: 1929 – 1953 ........................................................................................................................ 48 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................... 12 1 CONSTRUINDO O ESPAÇO: DE CIDADE À REGIÃO ..................... 18 1.1 DELIMITANDO A “REGIÃO” DE AMARGOSA .................................................. 23 1.1.1 Localização estratégica .......................................................................................... 25 1.1.2 O “ouro verde” .......................................................................................................... 28 1.1.3 Nos trilhos do “progresso” ....................................................................................... 39 1.2 DECLÍNIO DA REGIÃO E NOVAS DINÂMICAS ............................................... 47 2 TRANSFORMANDO A CIDADE: FORJANDO ESPAÇOS DE ORDEM E PROGRESSO .......................................................................... 59 2.1 MELHORAMENTOS URBANOS: SERVIÇOS ESSENCIAIS ............................. 65 2.2 MUDANÇAS NA PAISAGEM: INTERVENÇÕES ESTÉTICAS ........................... 77 2.3 INSTITUIÇÃO DA CIVILIZAÇÃO: ASSISTÊNCIA, EDUCAÇÃO E LAZER ... 89 2.4 ADMINISTRAÇÃO E CONTROLE PÚBLICOS: TENSÕES POLÍTICAS E SOCIAIS ........................................................................................................................ 99 3 (D)ESCREVENDO A CIDADE: DE “PEQUENA SÃO PAULO” A 109 “CIDADE JARDIM” ................................................................................. 3.1 UMA “PEQUENA SÃO PAULO” NO INTERIOR DA BAHIA ........................... 112 3.2 CONSTRUINDO UMA “CIDADE JARDIM” ....................................................... 128 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 148 FONTES .......................................................................................................... 150 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 158 APÊNDICE A ....................................................................................................................... 165 12 INTRODUÇÃO Fazendo um breve panorama historiográfico, no sentido de analisar alguns dos aspectos da história de um lugar, é possível compreender parte da sua trama histórica em meio à região. A partir dos estudos de história regional e local e de sua metodologia, podemos historicizar uma localidade e sua região, tecendo os fios do passado que definiram e representaram o espaço de uma forma plural. A frase de Tolstoi, “Para ser universal basta falar de sua aldeia” 1, pode servir de contextualização para a emergência de histórias locais 2, como a do município de Amargosa, mas sem deixar de considerar aspectos globais, que influenciaram as suas dinâmicas. Pretende-se nesta pesquisa analisar o processo de (re)criação das identidades de “Pequena São Paulo” a “Cidade Jardim” no Município de Amargosa, localizado no Recôncavo Sul da Bahia, a 231 km de Salvador, pertencente ao território de identidade do Vale do Jiquiriçá3, com população de 37.081 habitantes, segundo estimativa do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2013, a partir das tessituras históricas praticadas entre as décadas de 1930 e 1950. O recorte definido está situado no período em que a Cidade, beneficiada pelo comércio agroexportador do café, passou por significativas experiências, a partir das transformações físicas e sociais experimentadas pela cidade. Essas resultariam na construção da sua paisagem urbana, no desenvolvimento de sociabilidades e na produção de sensibilidades – possuindo destaque regional, até o declínio econômico e diminuição do seu poder na região. As marcas que as pessoas deixam cotidianamente no seu cenário urbano são relevantes. Demonstram de que forma, em seu dia a dia, construíram e estabeleceram seu 1 2 3 TOLSTOI apud SANTOS, Milton. A natureza do espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 251. Segundo a perspectiva da “História Local”, toda e qualquer ação histórica é produzida a partir de um “lugar”, neste sentido, consideramos a perspectiva de José D’Assunção Barros quando afirma que “toda história é local”. Sobre o assunto, ver: BARROS, José D’Assunção. O lugar da história local na expansão dos campos históricos. In: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos; REIS, Isabel Cristina Ferreira dos (Orgs). História Regional e Local: Discussões e Práticas. Salvador: Quarteto, 2010. p. 229. Segundo a Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia – SEPLAN, o Governo da Bahia passou a reconhecer a existência de 27 Territórios de Identidade, definidos a partir da especificidade de cada região. Nesta definição o território é conceituado nos seus mais variados aspectos: espaço físico, geograficamente definido e caracterizado por critérios multidimensionais, como ambiente, economia, sociedade, cultura, política e instituições, bem como aspectos da sua população e grupos sociais, que se relacionam interna e externamente por meio de suas especificidades, indicam elementos comuns de identidade, coesão social, cultural e territorial. Assim, o Território de Identidade do Vale do Jiquiriçá abrange 21 municípios, incluindo Amargosa, que compõem a bacia hidrográfica do Rio Jiquiriçá, localizada a oeste do Recôncavo da Bahia. 13 modo de vida na cidade, apresentando-a como um espaço plural marcado pelas mais diversificadas atuações. Uma cidade “feita de sonhos e de desejos” 4, heterogênea, “ressignificada” nas memórias e vivências cotidianas: A memória olha para o passado. A nova consciência olha para o futuro. O espaço é um dado fundamental nessa descoberta. Ele é o teatro dessa novação por ser, ao mesmo tempo, futuro imediato e passado imediato, um presente ao mesmo tempo concluído e inconcluso, num processo sempre renovado. 5 Assim, o espaço6 se constitui a partir das práticas cotidianas que são dinâmicas, sujeito à determinação dos homens na sociedade. Essas vivências podem revelar também processos de apropriação de referência ou de identidade – e que apesar de coletivos, por vezes, podem também excluir ou segregar seus usuários. As feituras do espaço podem ser observadas nos movimentos diários ou como uma espécie de observador que à distância o acompanha. Um olhar totalizador, sem o acompanhamento minucioso das vivências que definem o lugar, pode levar ao desconhecimento da diversidade das suas práticas e comportamentos7. As mudanças ocorridas a partir da prática, durante o tempo, resultam no surgimento das mais variadas formas de organização socioespacial, onde a imaginação modifica o presente, motivando a exploração de outras possibilidades que podem ser realizadas. Assim, os problemas históricos podem ser equacionados sintonizando passado, presente e futuro. E na perspectiva espacial, aliada ao tempo histórico, a cidade é (re)produzida pela ação conflitiva ou articulada dos agentes sociais os quais combinam interesses próprios, extralocais de uma ordem distante ou de ordem próxima. A cidade, nesta perspectiva, assim como a dinâmica espacial, não abriga um tempo linear e sincrônico, mas uma trama de cronologias descompassadas, que se correlacionam das mais diferentes formas, ocasionando as mudanças sob um caráter constante8. O dinamismo que compõe cada momento da cidade revela uma dialética frequente entre o local e o global, sendo que “cada lugar é, à sua maneira, o mundo” 9. Neste sentido, revisitando o espaço, a 4 5 6 7 8 9 REZENDE, Antonio Paulo. (Des)Encantos Modernos: histórias da cidade do Recife na década de vinte. Recife: FUNDARPE, 1997. p. 21. SANTOS, M., 1996, p. 264. O espaço não é admitido apenas em sua dimensão física, mas como “todo o cenário múltiplo da cidade que toma conta dos seus habitantes na construção do seu cotidiano, na sua necessidade de (re) inventar práticas”. Sobre o assunto, ver: REZENDE, Antonio Paulo. (Des)Encantos Modernos: histórias da cidade do Recife na década de vinte. Recife: FUNDARPE, 1997, p.14. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 1. Artes de fazer. Petrópolis: Ed. Vozes, 2011. p. 176-203. LEPETIT, Bernard. Por uma história urbana. São Paulo: EDUSP, 2001. p.139-145. SANTOS, M., op. cit., p. 252. 14 partir do cotidiano e de suas variáveis, podemos encontrar seus antigos ou novos significados. Essa dinâmica também rompe as barreiras temporais, pois os efeitos dos acontecimentos indicam a necessidade de deslocamentos temporais, uma vez que os eventos não estão congelados em um período determinado, mas sofrem interferências dos tempos idos, o que justifica as “viagens no tempo e no espaço” que subsidiam a tessitura desta narrativa histórica. “A cidade, sem dúvida, pode ser lida” 10 em seus desenhos e movimentos cotidianos, quando os seus moradores vão reeditando a sua escrita, utilizando seus sentidos e se apropriando dos espaços, o que pode resultar na criação de identidades espaciais. A partir das ações e da articulação das ideias e imagens representativas da realidade, “[...] a identidade estabelece uma existência social distinta que se afirma no plano do imaginário e se traduz em práticas sociais efetivas.”11 Para Stuart Hall, o conceito de identidade não é fixo, mas em constante formação através dos processos sociais 12. Essas transformações espaciais e temporais constituem uma espécie de jogo de construção identitária; um fazer histórico que considera a heterogeneidade, as lutas que constituem os acontecimentos, e não apenas espera encontrar nele a unidade que permitirá aos sujeitos a noção de pertencimento. A identidade não é apenas uma extensão do objeto, mas uma representação que permite “compreensão”, ou seja, o conjunto das “qualidades” e “atributos” que o significam. Para Gilbert Durand, “a identificação não reside ‘num sujeito’, mas na trama relativa dos atributos que o constituem, ou melhor, que definem o ‘objeto’.” 13 Entender o contexto que deu forma a uma identidade requer a recomposição dos seus elementos fundadores, na dialética da compreensão: desconstruir para construir, ou viceversa. E no caso da análise de identidades de uma cidade, é necessário considerar as suas mais variadas dimensões: organização, história, cultura, economia, funções, formas, já que não se pode isolar uma única dimensão para explicar uma cidade 14. Com este texto não se pretende analisar a totalidade dos aspectos urbanos, mas levantar as discussões necessárias ao processo de criação dos discursos que identificaram a cidade e que serviram de base para as identidades: “Pequena São Paulo” e “Cidade Jardim”. 10 BARROS, José D’Assunção. Cidade e história. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. p. 41. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Contribuição da História e da Literatura para a construção do cidadão: a abordagem da Identidade nacional. In: LEENHARDT, Jacques; PESAVENTO, Sandra Jatahy (Orgs.). Discurso histórico e narrativa literária. São Paulo: UNICAMP, 1998. p.18. 12 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 3. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. 13 DURAND, Gilbert. O Imaginário: ensaio a cerca das ciências sociais e da filosofia da imagem. Trad. Renée Eve Levié. Rio de Janeiro: DIFEL, 2001. p. 81. 14 BARROS, op. cit., p. 41. 11 15 Ítalo Calvino, em seu livro “Cidades Invisíveis”, narrou o diálogo entre Kublai Khan e Marco Polo: Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. – Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? – pergunta Kublai Khan. – A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra – responde Marco –, mas pela curva do arco que estas formam. Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta: – Por que falar em pedra? Só o arco me interessa. Polo responde: – Sem pedras, o arco não existe.15 As inscrições que definem a cidade são registradas em sua paisagem e nas memórias urbanas. Não há como compreender uma cidade ou o arco, decifrado por Marco Polo, apenas a partir da sua visualidade instantânea, pois os elementos que os compõem são necessários para a sua existência. Como também não há memória desvinculada do tempo e do espaço. Neste sentido, o objetivo não está em buscar as origens das identidades (em um tempo) e nem esgotar as possibilidades históricas (o que seria impossível), mas tentar recuperar alguns dos elementos que compunham os discursos e a visualidade sobre o urbano: revelar os conteúdos (as “pedras”) para melhor compreender as formas (o “arco”) 16. Para tanto, foram analisadas as mais variadas fontes, dentre as quais estão os documentos da Prefeitura Municipal de Amargosa. O Arquivo Público Municipal da cidade possui um acervo, ainda em organização, mas já catalogado. Seus documentos permitem, entre outros aspectos, o acompanhamento dos projetos e ações executadas e dos discursos/justificativas do Poder Público Municipal. Outras fontes foram localizadas na casa de particulares, de forma avulsa ou na forma de resumos e obras (não publicadas) de memorialistas; além dos documentos pertencentes à Diocese (Livro de Tombo). Também foram realizadas pesquisas no Arquivo Público do Estado da Bahia e na Biblioteca Pública Central, no Setor de Obras e Jornais Raros. Dentre os documentos localizados nestas instituições estão os Jornais e as Revistas Ilustradas. No Fórum de Amargosa foram encontrados diversos processos-crimes, cujo arquivo está, atualmente, em processo de organização. As fontes orais complementam o corpus documental utilizado e permitem, a partir das entrevistas, trazer aspectos cotidianos e vivências dos sujeitos, para além da memória oficial. A partir da análise das vivências locais, durante o recorte cronológico definido, também foram verificadas a partir de fotografias as transformações no espaço vivido pelos 15 16 CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Cia das Letras, 2003. p. 81. REZENDE, 1997, p. 24. 16 citadinos – suas novas territorialidades e como a população reorganiza seu cotidiano (a partir dos ideais de modernização vigentes na época). Assim, as imagens fotográficas revelam o desenho urbano e as relações sociais e culturais dos moradores da cidade. No entanto, é necessário considerar que estas se apresentam enquanto seleção, constructo, mediante a escolha do fotógrafo e aliada ao auxílio do aparelho fotográfico em determinado espaço e tempo, resultando em uma interpretação da realidade, e não em uma cópia fiel do acontecido. Quando analisadas e relacionadas aos demais documentos e à memória, permitem possibilidades outras de interpretação para a história, e para a construção da narrativa, trazendo informações relevantes pela rememoração ou análise de quem vê, fala ou escreve. Por isso o ver e o ouvir acabam acionando a análise e a capacidade de cada indivíduo ou grupo de organizar mensagens, associando-as com aquelas guardadas na memória e/ou aquelas documentadas com o tempo. A leitura de fontes escritas (jornais, decretos, atas, leis, processos-crime, entre outras), associada aos recursos da memória e das imagens, possibilita o entendimento de como alguns setores sociais e a administração local influenciam nas práticas cotidianas da cidade e na transformação da paisagem urbana. A estrutura narrativa deste texto está dividida em duas partes. A primeira diz respeito à construção do espaço seja enquanto “Cidade” e/ou como centro de uma “Região” economicamente importante devido ao comércio agroexportador do Café, que permitiu, entre outras possibilidades, as transformações da urbe e as formas de praticar a cidade. Nesse sentido, são identificadas as tessituras históricas que permitiram a (re)construção dos discursos sobre a cidade, pretendendo contextualizar historicamente, em cada um dos primeiros capítulos, os elementos que fomentaram a (re)criação das identidades para e no Município. Assim, engloba os dois Capítulos: “Construindo o Espaço: de Cidade à Região” e “Transformando a Cidade: forjando espaços de ordem e progresso”. O primeiro Capítulo, “Construindo o Espaço: de Cidade a Região”, analisa o processo de consolidação da cidade de Amargosa enquanto centro de uma significativa região agroexportadora, a partir do tripé de desenvolvimento: localização estratégica do município, economia cafeeira e construção da Estrada de Ferro de Nazaré. Elucida também as novas dinâmicas, durante o período de crise econômica, em torno da criação da Diocese em Amargosa, que permitiram elementos outros de referência regional para a cidade. Assim, percebe a cidade enquanto espaço construído e definido por sujeitos em suas vivências. O capítulo seguinte, “Transformando a Cidade: forjando espaços de ordem e progresso”, analisa os cenários de uma pequena cidade do interior nordestino que foi 17 impulsionada, dentro de suas especificidades, para transformação da urbe e dos costumes, inerente às possibilidades socioeconômicas que o local apresentava na época. Discorre também sobre como o ufanismo pelo “moderno” foi percebido e utilizado na cidade, através das reformas urbanísticas ou do controle público nos espaços citadinos, o que permite a compreensão sobre alguns dos diversos aspectos da vida social e cotidiana da urbe, trabalhando o cenário e as imagens da paisagem construída – espaços – e as práticas vivenciadas pelos indivíduos em seus cotidianos. A segunda parte refere-se ao último capítulo, “(D)Escrevendo a Cidade: de ‘Pequena São Paulo’ a ‘Cidade Jardim’”, tratando das imagens e discursos veiculados como apresentações da cidade em revistas e jornais e das memórias de pessoas que residem ou residiram no Município de Amargosa, objetivando problematizar o processo de (re)construção das identidades em questão. Revelado o cenário e suas tramas, nos capítulos anteriores, as tessituras das memórias sobre o espaço urbano e cotidiano dão forma a esse capítulo, correlacionadas ao conjunto imagético e discursivo, que possibilitam as mais diversas leituras para a compreensão das imagens/visões sobre a cidade. Lugares, imagens e sons trazem, assim, histórias fragmentadas da cidade, fornecendo suporte à multiplicidade de memórias que acabam por delinear cenários em constante movimento e que estão presentes em cada pedra da cidade em permanente interação e transformação. Os resgates de algumas das suas histórias podem revelar parte dos discursos formadores de cada uma das identidades, uma vez que a dinâmica histórica é marcada pelas incertezas e dúvidas em um constante devir, ficando o historiador com o papel de compreendê-la a luz da sua época e a partir dos fragmentos do passado (fontes). Assim, percorrendo os caminhos da sonhada modernidade, traçados na paisagem e memórias urbanas, intenta-se historicizar a (re)criação das visões/imagens que identificaram a cidade no período: “Pequena São Paulo” e “Cidade Jardim”. 18 1 CONSTRUINDO O ESPAÇO: DE CIDADE À REGIÃO Caminhando por Amargosa, a uma primeira vista não visualizamos o jogo de forças que operaram na construção do espaço da cidade. O espaço da cidade é modificado pela ação dos sujeitos a partir das suas vivências na maioria das vezes conflitantes. O território do município se apresenta, assim, como resultado da dinâmica das práticas individuais ou coletivas que criam e determinam os espaços, buscando a efetivação dos interesses e necessidades, em geral, dos indivíduos e seus grupos. Configurando os movimentos iniciais, surgem nos documentos, entrevistas e nas obras de memorialistas discursos sobre o povoamento do lugar definindo o espaço que abrigaria, mais tarde, a cidade de Amargosa. Nestes são destacados, sobretudo, os embates que ocorreram entre os “desbravadores” – os primeiros fazendeiros a se apossarem das terras do local – e os índios17 que, derrotados, fugiram para outras localidades da região. Assim, o mito do desbravador tomou forma e se consolidou, indicando o indígena enquanto entrave para o início da exploração do lugar e os desbravadores como homens corajosos que trabalharam arduamente para construção do espaço. Pode-se pensar que este discurso reproduz uma versão tradicional de uma pequena parte da população local, que se dizia descendente dos “fundadores” da cidade e tentaria controlar, por muito tempo, o seu espaço. Em pesquisas realizadas por Altino de Cerqueira e Antonio Martins Brasileiro 18 foram considerados outros aspectos relacionados à formação da cidade. Para estes, Amargosa emergiu a partir do trabalho dos primeiros agricultores que ali chegaram – Gonçalo Correia Caldas e seus filhos Cazuza e Joaquim Correia, Joaquim José de Sant’Anna, Bernardo Côxo, Francisco Ramos, Francisco Moreira e Manoel José Piriquito, que criaram as primeiras roças, mais tarde, fazendas. Para Altino Cerqueira, ao contrário do que afirma o discurso memorialista local, “não havia ali nenhuma aldeia de índios que se oppuzessem (sic) à conquista desses lavradores que só temiam ás onças e febres perigosas”. Para ele, também, nunca existiu a tribo “Baetinga”, denominação esta muito usada na história local que dizia 17 Algumas fontes indicam a existência de tribos no território que daria lugar à cidade, dentre eles os Cariris e a suposta tribo dos “Baetingas”. HISTÓRICO do Município de Amargosa. Amargosa, 1939. Mimeografado. 18 Pesquisas realizadas e resumidas em forma de diversos artigos publicados no Jornal A Tarde: CERQUEIRA, Altino. Como nasceu Amargosa. Jornal A Tarde. Salvador, dez. 1938; BRASILINO, Antonio Marques. As origens de nossas cidades: Como nasceu Amargosa. Jornal A Tarde. Salvador, dez. 1939; CERQUEIRA, Altino. Origem de Amargosa. In: Jornal A Tarde. Salvador, mar. 1939. 19 respeito a um índio, o “João Baetinga”, que percorria as terras que dariam lugar ao município.19 As diferentes perspectivas históricas ora elucidadas e relacionadas à formação inicial da cidade só reafirmam a necessidade de estudos mais específicos sobre o assunto em benefício da história regional, inclusive no que concerne ao conhecimento dos grupos indígenas que habitavam ou circundavam na região. Contudo, todas as fontes relacionam o topônimo “Amargosa” à existência de uma espécie de pomba azulada, na região, parte da fauna local, cuja carne apresenta sabor amargo – que enfeitavam os roçados dos primeiros fazendeiros. O nome também aparece ligado aos caçadores/lavradores da região que, atraídos pelos pássaros, percorriam o lugar através do convite: “vamos às amargosas” 20. Não sendo encontrada outra evidência histórica que explique o nome da cidade, ele deriva das ações desses primeiros habitantes que com suas significações singulares, batizaram o local. Os seus percursos (atos de ir e vir) e ações definiram o lugar, e o enunciaram criando sentidos e significados, onde a referência à famosa ave criou um hábito e sua repetição cristalizou a subjetivação da terra, denominada como a “Amargosa”. O lugar que deu espaço à Amargosa foi transformado com o tempo. Sob as mais variadas perspectivas, as vivências no território da cidade compõem histórias múltiplas a partir de trajetórias fragmentadas e em constante definição. A cidade é planejada e torna-se visível a partir das “maneiras de fazer” 21 e viver no espaço. São os seus habitantes que a criam e a vivenciam a partir de interesses individuais e/ou coletivos. Assim, a cidade pode ser entendida como “imagem do pensamento” e pode ser lida e interpretada: “A cidade se torna escrita a ser decifrada e o texto [...] se transforma, por sua vez, numa paisagem a ser percorrida.” 22 Dentre as práticas organizadoras do espaço em suas formas mais elementares, estão os mapas que, entre os percursos, delimitam e criam as fronteiras dos lugares. Das 41 vilas existentes na província da Bahia estava a Vila de Nossa Senhora de Nazaré da Pedra Branca, 19 Para Altino Cerqueira, os índios Cariris estabeleceram seu “quartel” na Serra da Giboia (sic) e Ribeirão Preto, lugar hoje denominado “Gentio”. CERQUEIRA, Altino. Como nasceu Amargosa. Jornal A Tarde. Salvador, dez. 1938. Antonio Martins Brasileiro concordou com Altino Cerqueira, quanto a inexistência de tribos em Amargosa e complementa informando que a denominação “Baetinga” refere-se ao nome de um índio – batizado como “João” – “audacioso e impulsivo”, que “intitulava-se Capitão e senhor destas terras” e não a uma tribo. BRASILINO, Antonio Marques. As origens de nossas cidades: Como nasceu Amargosa. Jornal A Tarde. Salvador, dez. 1939. 20 Informações disponíveis em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/ba_ilheus/amargosa.htm>; <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/bahia/amargosa.pdf>. Acesso: 31 out. 2012. 21 CERTEAU, 2011, p. 173. 22 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete Aulas Sobre Linguagem, Memória e História. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1997. p. 160. 20 criada em 1761. Parte do seu território deu origem a Vila de Nossa Senhora do Bom Conselho de Amargosa, instalada oficialmente em 5 de fevereiro de 187723. Com o tempo, a dinâmica e o desenvolvimento regional foram modificando a área de Amargosa, elevada à cidade em 19 de junho de 1891, pelo então Governador do Estado da Bahia, José Gonsalves da Silva 24. Dos desmembramentos do seu território foram formados os municípios de Brejões – a partir da Lei Estadual nº 1.715 de 24 de julho de 1924, composto pelos antigos Distritos de Brejões e Veados – e de Milagres – com a Lei Estadual nº 1.589 de 22 de dezembro de 1961, composto pelas áreas dos antigos Distritos de Nossa Senhora dos Milagres e Tartaruga25. Figura 1 – Evolução político-administrativa de Municípios Fonte: SEI. Evolução territ... 2008. 1 mapa, color26. A partir dos mapas, que são resultados dos percursos e operações históricas, podem ser visualizados os aspectos da organização dos espaços, onde são constituídos os itinerários e definidos os territórios, sempre em transformação. 23 AGUIAR, Durval Vieira. Descrições Práticas da Província da Bahia. Bahia: Typografia do Diário da Bahia, 1888. p. 220-222. 24 Histórico disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/bahia/amargosa.pdf>. Acesso: 31 out. 2012; ZORZO, Antonio Francisco. Transporte e desenvolvimento urbano-regional: o caso de Amargosa e da estrada de ferro de Nazaré. In: GODINHO, Luis Flávio R.; SANTOS, Fábio Josué S. (Coord). Recôncavo da Bahia. Amargosa: Ed CIAN, 2007; AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA da Sessão Solene. Livro de Atas da Câmara Municipal da “Vila de Nossa Senhora do Bom Conselho d’ Amargosa”. Amargosa, 2 jul. 1891. 25 Histórico disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/bahia/amargosa.pdf>. Acesso: 31 out. 2012. 26 Mapa readaptado. Sobre mapa original, ver também: LINS, Robson Oliveira. A região de Amargosa: transformações e dinâmica atual (recuperando uma contribuição de Milton Santos). 2008. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Instituto de Geociências. Salvador, 2008. p. 71. 21 Anterior à década de 1950, limite do recorte temporal desta pesquisa, Amargosa não aparecia no rol das localidades que compunham a zona do Recôncavo 27. Nos estudos de Maria de Azevedo Brandão e Milton Santos sobre o Recôncavo da Bahia foram abandonadas as ideias tradicionais e a classificação oficial quanto aos limites da região. Nesta perspectiva, a região aparece mais enquanto um conceito histórico do que como uma unidade geográfica. Santos apresentou um Recôncavo com apenas 28 municípios sem mencionar a cidade de Amargosa28. Diferente de Brandão, que considerou até a década de 1970 um Recôncavo composto de 40 municípios, mas que também não agregava a área de Amargosa29. Embora a cidade não fosse destacada diretamente nos mapas e classificações oficiais como parte do Recôncavo, foi citada por Milton Santos devido a sua função de entreposto comercial para a produção de outras localidades vizinhas. Essa dificuldade em definir o Recôncavo está relacionada, entre outras possibilidades, à sua diversidade, já que “o Recôncavo nunca fora ... uma área uniforme”30, mas “uma complexa tradição cultural, um tecido social territorialmente diverso e uma exuberante paisagem construída.”31 Um Recôncavo composto por pequenas cidades em uma região caracterizada também pela diversificação da sua produção agrícola – dotadas, portanto, por suas singularidades em que “cada área se desenvolveu uma cultura e um modo de viver específico.” 32 27 ZORZO, Antonio Francisco. Transporte e desenvolvimento urbano-regional: o caso de Amargosa e da estrada de ferro de Nazaré. In: GODINHO, Luis Flávio R.; SANTOS, Fábio Josué S. (Coord). Recôncavo da Bahia. Amargosa: Ed CIAN, 2007. p. 88. 28 SANTOS, Milton. A Rede Urbana do Recôncavo da Bahia. In: BRANDÃO, Maria de Azevedo (Org.). Recôncavo da Bahia: Sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1998, p. 66-67. A região do Recôncavo em questão abrigava os Municípios: Alagoinhas, Aratuípe, Cachoeira, Camaçari, Castro Alves, Catu, Conceição de Feira, Conceição do Almeida, Coração de Maria, Cruz das Almas, Feira de Santana, Irará, Itaparica, Jaguaripe, Maragogipe, Mata de São João, Muritiba, Nazaré, Pojuca, Santo Antonio de Jesus, Santo Amaro, Santo Estevão, São Félix, São Felipe, São Francisco do Conde, São Gonçalo, Santo Estevão, São Gonçalo dos Campos, São Sebastião do Passé, além de Salvador. 29 BRANDÃO, Maria de Azevedo (Org.). Os vários Recôncavos e seus riscos. In: Revista do Centro de Artes, Humanidades e Letras. Vol. 1 (1), 2007, p. 54. São “quarenta municípios compõem o Recôncavo: Amélia Rodrigues, Aratuípe, Cachoeira, Camaçari, Candeias, Catu, Conceição do Almeida, Conceição de Feira, Conceição do Jacuípe, Cruz das Almas, Dias D´Ávila, Dom Macedo Costa, Governador Mangabeira, Itanagra, Itaparica, Jaguaripe, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Maragogipe, Mata de São João, Muniz Ferreira, Muritiba, Nazaré, Pojuca, Salinas da Margarida, Santo Amaro da Purificação, Santo Antonio de Jesus, São Felipe, São Felix, São Gonçalo dos Campos, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Sapeaçu, Saubara, Simões Filho, Teodoro Sampaio, Terra Nova, Varzedo e Vera Cruz e Salvador”. 30 Id. Recôncavo da Bahia: Sociedade e economia em transição. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado; Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1998. p. 32. 31 SANTOS, M., op. cit., p. 62 32 OLIVEIRA, Ana Maria Vaz Carvalho dos Santos. Recôncavo Sul: terra, homens, economia e poder no século XIX. 2000. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia – UFBA. Salvador, 2000. p. 45. 22 Dessa diversidade foi desenvolvida a unidade que redefiniu a área de abrangência do Recôncavo33. Segundo Brandão, a delimitação do Recôncavo mudou nas estatísticas e cartografias oficialmente na década de 1970, quando o Governo Estadual excluiu do termo Recôncavo a Região Metropolitana de Salvador (RMS) e os municípios a norte e a oeste desta e incluiu a designação de Recôncavo Sul para municípios ao sul da RMS, além dos 14 municípios ao Sul do Médio Paraguaçu e de parte do vale do Médio Jiquiriçá 34, ver mapa a seguir. Figura 2 – Localização do Município de Amargosa – Recôncavo Sul da Bahia Fonte: SEI. Localização... 2008. 1 mapa, color. Adaptado. Nesse contexto, Amargosa passou, oficialmente, a fazer parte do Recôncavo, evidenciando também suas particularidades e especificidades históricas, sendo que no plano econômico ia além da cultura de subsistência, destacando-se, em período anterior dessa reorganização regional, por sua forte economia cafeeira 35. E só a partir de 2007, com a 33 O que pode ser evidenciado a partir da pesquisa de Ana Maria Vaz Carvalho de Oliveira, quando afirma que: “o Recôncavo é uma região há um tempo singular e noutro plural; se existem elementos que lhe dão unidade há também aqueles que demonstram a sua diversidade”. OLIVEIRA, Ana Maria Vaz Carvalho dos Santos. Recôncavo Sul: terra, homens, economia e poder no século XIX. 2000. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia – UFBA. Salvador, 2000. p. 48. 34 BRANDÃO, 1998, p. 55. 35 Embora não fizesse parte dos mapas e classificações oficiais, no período que remonta à sua pujança econômica, o município de Amargosa, talvez (por suas especificidades locais), pudesse acrescentar ao Recôncavo mais um subsistema agroprodutivo, aquele relacionado à cultura do café: “É possível identificarmos o Recôncavo canavieiro, o Recôncavo fumageiro, o Recôncavo mandioqueiro e da subsistência, o Recôncavo da pesca e o Recôncavo ceramista. Esses pequenos recôncavos revelam a diversidade, a não uniformidade do Recôncavo”. OLIVEIRA, Ana Maria Vaz Carvalho dos Santos. Recôncavo Sul: terra, 23 política de desenvolvimento territorial do Estado da Bahia, a cidade passa a integrar o rol dos 25 municípios que compõem o Território de Identidade do Vale do Jiquiriçá. Essa breve contextualização acerca da divisão territorial do Recôncavo não se apresenta como objetivo geral desta pesquisa, ultrapassando os limites do período de estudo, mas fornece subsídios para entender a formação espacial da cidade e, depois, da sua área de abrangência. Também permite maior compreensão acerca dos documentos analisados nesta pesquisa, que ora indicam Amargosa enquanto parte do Sudoeste da Bahia ora como parte do Sertão Baiano. As novas cidades iam se transformando e sendo agregadas, com o tempo, a regiões mais amplas, segundo suas dinâmicas e especificidades, como aconteceu com o município de Amargosa, que passou de Sudoeste/Sertão Baiano, para Recôncavo Sul da Bahia e hoje compõe também o Território de Identidade do Vale do Jiquiriçá. Durante as últimas décadas do século XIX e início do século XX, ocorreu a criação de novas cidades no país. O processo de emancipação política, a partir da mudança de vila a categoria de cidade, os ideais de modernidade e as novas propostas republicanas transformaram, dentro de suas possibilidades, a vida da sociedade, até então, predominantemente rural, resultando na existência de singularidades e contradições em cada localidade. O aumento das diferenças regionais ou locais apresenta cada região como "um espaço de conveniência", distinguindo cada uma a partir das suas práticas locais 36. Esse pensamento pode justificar a importância do “fausto do Recôncavo” e de localidades que o compõem, como Amargosa, a partir de suas práticas socioeconômicas e culturais possibilitadas, sobretudo, pelos recursos obtidos pelo comércio agroexportador do café que permitiram a identificação desta cidade enquanto “Pequena São Paulo” e “Rainha do Café”. 1.1 DELIMITANDO A “REGIÃO” DE AMARGOSA A concepção da “Região” de Amargosa foi adotada em um trabalho de pesquisa coordenado pelo Geógrafo e Professor da Universidade da Bahia, Milton Santos, em 1963, enquanto recorte espacial analítico (categoria de análise), remetendo à perspectiva desta como espaço socialmente construído que está sempre em interação com forças externas que dão homens, economia e poder no século XIX. 2000. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia – UFBA. Salvador, 2000. p. 49. 36 SANTOS, M., 1996, p. 196-197. 24 impulsos ao seu desenvolvimento37. Nesta perspectiva, ele é formado por um conjunto dinâmico de práticas e resultados, onde através da natureza (estado de origem), os sujeitos interagem a partir da técnica. Assim, as coisas advindas da natureza são transformadas em objetos pelos homens, conforme suas intenções e necessidades sociais, quando ele realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria o espaço, que não está resumido ao aspecto físico, mas à vida social como um todo. Pensando o lugar enquanto resultado das forças e jogos de poder, Durval Muniz de Albuquerque define região enquanto construção da sociedade 38. O conceito de Região ora adotado não entende este como um espaço dado, mas aquele construído socialmente 39, onde grupos se definem e se instituem a partir das relações sociais de poder. Enquanto espaço político-administrativo, a região também é considerada como uma configuração socialmente articulada, tendo como ponto de partida para esta delimitação e análise a cidade. Amargosa, como a maior parte das pequenas cidades do interior, tinha sua economia apoiada em atividades rurais, onde se concentrava a maior parte da sua população. Tabela 1 – População dos Municípios que compõem a “Região de Amargosa” – Anos: 1940 – 1950 POPULAÇÃO EM 1940 POPULAÇÃO EM 1950 MUNICÍPIOS ZONA URBANA ZONA RURAL ZONA URBANA ZONA RURAL TOTAL TOTAL Amargosa40 5.189 23.377 28.566 5.886 21.476 27.362 Brejões 1.516 9.452 10.968 2.161 11.166 13.327 Laje 1.334 10.231 11.565 1.529 10.117 11.646 Santa Terezinha 2.094 28.366 30.460 2.985 33.183 36.168 São Miguel das Matas 1.109 10.464 11.573 1.086 8.819 9.905 TOTAL – REGIÃO 11.242 81.890 93.132 13.647 84.761 98.408 41 Fonte: Elaborado pela autora com dados do IBGE. Censos Demográficos de 1940 e 1950 Do total dos 93.132 indivíduos que habitavam a região, na década de 1940, apenas 12% residiam na zona urbana dos municípios em questão. A grande massa populacional 37 SANTOS, Milton. Espaço e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979. p. 10. ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011. 39 LEPETIT, 2001, p. 139-145. 40 A região de Amargosa, definida por Milton Santos, abrangia o atual município de Milagres e sua área. Até o ano de 1961, pertencia ao território de Amargosa. Dessa forma, a demografia dessa localidade está inclusa na População desta. 41 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico: População e Habitação. Recenseamento Geral do Brasil (1º de Setembro de 1940). Série Regional. Parte XII – Bahia. Tomo 1. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1950. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/ >. Acesso em: 6 maio 2013.; IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estado da Bahia: Censo Demográfico. Série Regional. Volume XX. Tomo 1. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1955. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/ >. Acesso em: 6 maio. 2013. 38 25 estava no campo, o que perfazia um total de 88%, no ano-base. Na década de 1950, houve apenas um acréscimo de 2% na área urbana dos municípios, o que totalizou 14% da população. Há que se considerar que entre 1940 a 1950, o censo registrou um aumento populacional de 5.276 pessoas na região, o que corresponde a, aproximadamente, 6%, mas que reforçou o adensamento demográfico nas áreas rurais. Em sua demografia, no ano-base de 1940, Amargosa, em específico, totalizou 28.566 habitantes, dos quais apenas 18% moravam na área urbana/suburbana do município. Enquanto que em 1950, passou para 22% da população – o que significa uma parcela diminuta ocupando o espaço urbano municipal. No entanto, dos municípios que compunham a região, Amargosa era a que agregava mais habitantes na sua área urbana. Apesar do aumento populacional na região, houve uma expressiva diminuição demográfica no município, entre 1940 e 1950, o que pode evidenciar o início do êxodo dos indivíduos, em busca de trabalho, para outras localidades, como São Paulo e Paraná. Outrossim, com o grande efetivo populacional ainda ocupando as áreas rurais do município, foi intensificada a sua economia basicamente rural. A historicidade dessa região agroexportadora baseada na cafeicultura destacou o município de Amargosa enquanto importante entreposto comercial de parte do Vale do Jiquiriçá e do sertão baiano. A posição (localização) estratégica de Amargosa, o forte comércio do café e a existência de um Ramal da Estrada de Ferro ligando Amargosa a Nazaré e ao Recôncavo muito contribuíram para a sua consolidação regional – o que juntos formariam o “tripé” de desenvolvimento da região, sendo elementos-chave para a sua ocupação e florescimento42. 1.1.1 Localização estratégica A história da região, a partir de sua dinâmica regional, chama a atenção de Milton Santos: “O que até então tínhamos ouvido falar é de riqueza regional que contribuiu para criar uma sociedade local importante, cujos ecos perduram até hoje.”43 A dinâmica que o local apresentava, devido ao seu forte comércio, o definiu enquanto importante polo socioeconômico de uma região agrícola e exportadora. Dos seus movimentos cotidianos foi construída uma cidade que ainda traz consigo vestígios do seu período de apogeu. 42 43 LINS, 2008, p. 31. SANTOS, Milton. A Região de Amargosa. Salvador: Comissão de Planejamento Econômico. 1963. p.1. 26 Com o aumento da produção agrícola, de caráter extrativista, e a consequente necessidade de comercialização, o povoado de Amargosa (já formado no século XIX) configurou-se como centro das relações de trocas comerciais com o sertão. Até transformar-se em município, todas as resoluções da Freguesia Nossa Senhora do Bom Conselho de Amargosa estavam sob a responsabilidade da Vila de Tapera, hoje cidade de Santa Terezinha. A consolidação do comércio agroexportador ligava os moradores da localidade ao campo, então, característica marcante na época. Ficando a área urbana restrita ao local que hoje corresponde ao centro da cidade. Amargosa se constituiu, ao longo dos anos, enquanto centro de polarização regional da economia cafeicultora da época, devido, sobretudo, a sua localização, alcançando os municípios de Brejões, Santa Terezinha, Milagres, São Miguel das Matas e Laje (Figura 3) – já que a maior parte das estradas carroçáveis da época convergia para o local. Figura 3 – Estado da Bahia – Região de Amargosa – 1963. 44 Fonte: IBGE. Malha digital... 2008, 2008. 1 mapa, color . Segundo Robson Lins, para a construção da ideia de região, Santos considerou a importante função da cidade enquanto entreposto comercial: 44 Municípios que compunham a Região de Amargosa definida por Milton Santos. Sobre concepção cartográfica, ver: LINS, Robson Oliveira. A região de Amargosa: transformações e dinâmica atual (recuperando uma contribuição de Milton Santos). 2008. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Instituto de Geociências. Salvador, 2008. p. 32. 27 a historicidade econômica da região, baseada numa economia agroexportadora que tinha no café o seu “combustível” de desenvolvimento regional, gerando uma gravitação econômica, política e social em torno do município de Amargosa, que tinha a função de importante entreposto comercial de uma vasta área do Vale do Jiquiriçá e também com o sertão baiano. 45 A contextualização acerca da consolidação da região de Amargosa revela a importância da cidade e sua abrangência socioeconômica e cultural na época, pois toda ação humana de mudança não pode ser explicada senão no contexto da estrutura onde ocorre. Os discursos sobre riqueza e desenvolvimento do município associaram a imagem da cidade à forte economia cafeeira da região, cujo título exportava a ideia de tratar-se de uma “Pequena São Paulo”. Dessa forma, faz-se necessário analisar os elementos que deram à cidade esta identificação e que foram constituídos antes do período de estudo aqui definido, o que pode justificar os recuos no tempo para a recuperação dos fios do passado que compunham a tessitura histórica do município nas décadas de 1930 a 1950. O desenvolvimento da cidade, a partir da sua efetivação enquanto região agroexportadora, foi intensificado pela construção do Ramal da Estrada de Ferro de NazaréAmargosa, ligando a cidade a outros polos regionais. Esse fator marcou significativamente a emergência da urbanização de Amargosa, bem como a expansão do comércio regional subsidiado pela utilização dos transportes ferroviários na Região.46 A produção do “ouro verde” 47 (café), aliada à possibilidade de escoamento do produto e, dessa forma, o contato com várias localidades, entre outras possibilidades, resultaria em novas práticas a serem adotadas e/ou capazes de efetivar transformações na sociedade, a partir da adoção dos “signos” do “moderno”, a serem analisados nas páginas que seguem. 45 LINS, 2008, p. 31. Para Zorzo, “o caso de Amargosa é esclarecedor dos efeitos da modernização regional que se alcançou com o episódio ferroviário e com o incremento do comércio de exportação”. ZORZO, Antonio Francisco. Transporte e desenvolvimento urbano-regional: o caso de Amargosa e da estrada de ferro de Nazaré. In: GODINHO, Luis Flávio R.; SANTOS, Fábio Josué S. (Coord). Recôncavo da Bahia. Amargosa: Ed CIAN, 2007. p.89-93. 47 Apesar de existirem diversos produtos denominados enquanto “ouro verde”, aqui significa o café. Segundo Regina Beatriz Guimarães Neto, foi em busca das riquezas do “ouro verde” que muitos pioneiros e desbravadores de sertões – do Vale do Paraíba, Oeste Paulista, Norte Paranaense, terras Amazônicas, entre outros – dedicaram-se à cultura do café. A produção e comércio do café fizeram o país entrar em um período de prosperidade e mudanças, embora em algumas localidades – o que não aconteceu em Amargosa – não tenha passado de uma lenda, sem resultados rentáveis. GUIMARÃES NETO, Regina B. A lenda do ouro verde. 1986. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1986 Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000017772>. Acesso em: 3 jun. 2013. 46 28 1.1.2 O “ouro verde” A cultura cafeeira, introduzida no Brasil no século XVIII, desencadeou o desenvolvimento da economia no país, gerando enorme riqueza. Em algumas localidades, o café impulsionou a construção de ferrovias, pois um dos objetivos primordiais era o escoamento do principal produto de exportação brasileiro da época: “o café se tornara a base da economia brasileira, de tal modo que um desastre na produção cafeeira traria resultados danosos à nação.” 48 No início do século XX, o Brasil concentrava ¾ da produção mundial do café, detendo o monopólio deste comércio – cuja produção agrupava-se em torno dos estados de Minas Gerais e, sobretudo, de São Paulo. O complexo cafeeiro brasileiro monopolizou o comércio do grão, afastando os concorrentes por seu baixo preço e projetou São Paulo como maior centro econômico do país. A riqueza advinda da exportação permitiu a dinamização econômica e a renovação da infraestrutura material do país49. O café determinava o ritmo de vida e de crescimento das cidades diretamente beneficiadas pelo seu comércio: tudo era mantido pela sorte do "ouro verde". A economia cafeeira permitiu a transformação do espaço geográfico e da configuração da sociedade. As mudanças necessárias à efetivação dessa economia resultaram na transformação da paisagem local, desde meados do século XIX, onde as plantações do café cobriram os vales, entrecortados e conectados pelos trilhos do trem. Segundo o Centro de Planejamento da Bahia (CEPLAB), a política cafeeira, em suas variadas fases, não pode ser considerada separadamente da política econômica geral da nação. A fase que durou até 1970-71 revelou “uma política de quem detinha a hegemonia do mercado mundial do café, uma política que privilegiava os aspectos quantitativos da produção para exportação”50 – ficando a produção da Bahia também regulada por esta política em nível nacional. Em Amargosa, o café e o fumo eram os principais produtos agrícolas comerciais, baseando, até as primeiras décadas do século XX, a economia regional. Aliados à cultura da mandioca, assentavam a importância da região a partir de um “tripé de produtos” importantes para a economia local. No entanto, o café possuía uma cultura economicamente forte e foi a principal atividade dos fazendeiros abastados da região: “a cultura do rico, a cultura do 48 BAHIA. SEPLANTEC. Centro de Planejamento da Bahia. A penetração do café na Bahia. Salvador, 1979. p. 23. 49 PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Brasil contemporâneo. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1994. p. 12-13. 50 BAHIA. SEPLANTEC, op. cit., p. 21. 29 ‘forte’”. Já o fumo e mandioca eram “as culturas do pobre, do ‘fraco” 51 . Mesmo sendo o fumo a cultura do “fraco”, do “pobre”, o lucro advindo do comércio deste produto ficava concentrado nas mãos dos “fortes” que monopolizavam o comércio em seus grandes armazéns instalados na cidade. A economia basicamente cafeeira acabou por deixar seus reflexos na paisagem. Vindo de Maragogipe, o café se espalhou, largamente, sendo plantado como cultura de subsistência, inicialmente. A excelência, atribuída no período à qualidade dos produtos, do café e do fumo de Amargosa, motivou a economia local para participação no comércio agroexportador do estado. Segundo a Revista editada em 1978, em propaganda da “1ª Exposição Agropecuária de Amargosa”: O solo desta região era coberto quase na sua totalidade das culturas do CAFÉ e FUMO. Extraíam-se dessas lavouras produtos de excelente qualidade que daqui eram diretamente exportados para outros países, levando inclusive, na sua sacraia, o nome desta região.52 Desse comércio agrícola, destinado à exportação, foram introduzidas no cenário urbano da cidade, fábricas e máquinas. Uma grande fábrica de charuto e uma máquina de beneficiamento do café foram instaladas no centro da cidade. Foram construídas também mais três fábricas que industrializavam o fumo, além de duas torrefadoras e quatro armazéns de beneficiamento do café e do fumo. Já em 1930, a cidade contava com mais uma serraria, movida a vapor, que fornecia madeira para o mercado local e regional. 53 O maquinário e as instalações necessários e aliados à forte produção de café e fumo, então principais produtos agrícolas comerciais, possibilitaram os elementos que subsidiaram a economia regional, resultando em prosperidade e riqueza para a cidade: A história econômica de Amargosa, fala de uma época de grande prosperidade e riqueza que viveu a região, quando o município obtinha elevada produtividade na lavoura cafeeira aliada à de fumo. Possivelmente, dos fins do século XIX até as primeiras décadas do século XX, apesar dos métodos rotineiros e empíricos que ainda se empregam na lavoura, o café, hoje decadente, foi o principal produto da região de Amargosa.54 51 SANTOS, 1963, p.6-7; 36-37. 1ª EXPOSIÇÃO Agropecuária de Amargosa. Revista Amargosa Cidade Jardim. Amargosa, 1978. 53 Sobre as máquinas e fábricas na cidade, ver: SANTOS, Milton. A Região de Amargosa. Salvador: Comissão de Planejamento Econômico. 1963. p. 9-10. 54 SANTOS, op. cit., p. 7. 52 30 Além disso, Amargosa desfrutava do seu reconhecimento como “centro regional”, devido a sua posição geográfica – que possuía estradas carroçáveis direcionadas a cidade –, estava no percurso da Estrada de Ferro de Nazaré – EFN. Mesmo anterior à construção da Estrada de Ferro, como pode ser observado no depoimento do Sr. José Peixoto Andrade, o local já possuía o status de grande produtor agrícola da região e vínculo com o município de Nazaré – o que o destacava como importante entreposto comercial da região: Conta meu avô que ele transportava o produto para vender em Nazaré das Farinhas, transportado a lombo de animal. Tempo depois foi surgir a feira de Amargosa, onde o povo vendia pra levar pra o sertão, não só a fabricação da raspadura, como também a farinha, como o café em seguida e a lavoura de fumo. Para transportar daqui da região pra Nazaré, apelidado por Nazaré das farinhas, era entreposto comercial da região, todo produto da região era escoado pelo porto fluvial de Nazaré. A dificuldade era tamanha que eles faziam feira de 15 em 15 porque não tinha condições de uma toda semana. Saíam daqui sexta e retornava domingo na madrugada.55 O intervalo de 15 em 15 dias, evidenciado na fala acima, para a negociação dos produtos agrícolas na feira de Nazaré, aparecia como um entrave para os produtores da cidade, porque “aqui não tinha feira”. Analisando dessa forma, esse intervalo pode revelar como era necessário o espaço da feira para produtores de Amargosa e cidades da região, que não possuíam produção tão intensa como a de Amargosa ou não contavam com estrutura necessária para efetuar as transações comerciais (empresas e firmas). A afirmação “porque não tinha condições de uma toda semana” indica a dificuldade encontrada pelos agricultores no comércio de seus produtos, uma vez que viajavam durante três dias (entre ir e vir), levando sua produção em “lombo de animal”. Assim, observa-se também a dificuldade no transporte, principalmente pela inexistência de meios mais rápidos, já que até final do século XIX os produtos eram transportados por animais. Havia espaços na cidade para abrigar as tropas que por ali passavam, como a área onde seria construída a Praça da Estação (atualmente, o Bosque) até o espaço da Praça Manoel Vitorino (atual Jardim Lourival Monte): [...] onde é o jardim, a prefeitura e aquelas casa tudo até o bosque, não foi meu tempo, disse que era tudo grama, campo aberto... era o povo de tropa [...]. A feira era onde tá o Cristo! E fizeram uma estatística de contagem de animais, chegavam a contar seiscentos burro de tropa.56 55 ANDRADE, José Peixoto. José Peixoto Andrade: entrevista [maio. 2006]. Entrevistadora: Ana Rosa Alves Moura. Amargosa, 2013. 2 cassetes sonoros. [lavrador aposentado, 76 anos]. 56 ANDRADE, José Peixoto. José Peixoto Andrade: entrevista [maio. 2006]. Entrevistadora: Ana Rosa Alves Moura. Amargosa, 2013. 2 cassetes sonoros. [lavrador aposentado, 76 anos]. 31 O deslocamento temporal, entre os dois trechos destacados acima, relatados pelo Sr. José Peixoto, evidencia um tempo em que não havia feira até o momento que esta atraía um grande número de tropeiros e seus animais de carga de outras regiões, quando ele afirma o total de seiscentos burros numa possível estatística. Cabe ressaltar que a rememoração dele indica uma informação que ele trouxe de outra pessoa – do seu avô – quando relata “não foi do meu tempo” ou mesmo no trecho anterior que se inicia com a observação: “conta meu avô...”. Para Maurice Halbwachs, até a memória mais particular remete a vivências sociais. Essa memória, neste sentido, pode ser compartilhada entre variadas gerações, como quando os avós socializam aos seus netos suas lembranças. A ação de contar histórias, reinventando as vivências antigas, pode se constituir como o elo que prende a atenção dos netos e que permitem o reconhecimento dos conteúdos, experiências e hábitos antigos narrados e que deixou registros no presente: A criança também está em contato com seus avós, e através deles remonta a um passado ainda mais remoto. Os avós se aproximam das crianças, talvez porque, por diferentes razões, uns e outros se desinteressam pelos acontecimentos contemporâneos em que se prende a atenção dos pais.57 A lembrança do que lhe contaram foi selecionada e guardada na memória do indivíduo e veio à tona no momento da rememoração do comércio agrícola na feira da cidade, do qual sua família participava, vendendo produtos oriundos da cana-de-açúcar (mel e rapadura), então, de consumo interno, também, a cultura do “pobre”. Na narrativa, pode ser observado que remonta a um período antigo, quando os espaços importantes na cidade na década de 1930, como os do jardim e do bosque, não eram urbanizados, eram campos vastos de capim e que serviam de rancharia para as tropas que ali chegavam. Mas com os movimentos dos anos posteriores seriam delimitados e organizados enquanto espaços centrais da urbe, os quais serão abordados nas análises do próximo capítulo. Da crescente necessidade e em atenção aos anseios passados dos produtores rurais, ocorreu a formação da feira no município, sendo o seu espaço organizado aos poucos, a partir da prática destes sujeitos. Os produtos destinados ao consumo local e da região, entre eles, por exemplo, os derivados da mandioca e da cana-de-açúcar, eram comercializados na feira. Os moradores da zona rural traziam suas produções agrícolas até o centro da cidade, atual Praça Iraci Silva (Praça do Cristo), para vender e lá estabeleciam as trocas comerciais. Assim, a 57 HALBWACKS, Maurice. A Memória Coletiva. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006. p. 84. 32 feira-livre de Amargosa passou a acontecer em dois dias na semana, quarta-feira e sábado, sendo este o dia principal, atraindo diversos produtores, comerciantes e compradores da região58 e do Sertão Baiano. O aumento nos dias de realização pode indicar a sua relevância para os produtores rurais e negociantes. A movimentação possibilitada pela feira também contribuiu para o desenvolvimento de Amargosa, já que esta se destacava enquanto polo de produção e comércio externo e interno, atraindo pessoas de outras realidades, outras cidades e que em suas práticas também podem ter contribuído para o desenvolvimento e expansão da cidade. Nesse sentido, a feira se apresentava enquanto “elo de ligação entre o viver urbano e o rural.”59 A relação campocidade não pode ser negada, não existindo uma separação entre as duas. A zona urbana se apresentava para muitos produtores rurais como um novo espaço de trabalho, diferenciado da roça. No entanto, ela se aproximava do campo a partir dos meios de comunicação, transportes, estradas, entre outros. E o campo também alcançava a cidade – seja na forte dependência econômica que este tinha dela, ou mesmo quando “colorindo, de algum modo, o urbano de matizes rurais.” 60 A crescente produção ativou o comércio local. Neste contexto, alguns dos maiores produtores rurais passaram a se instalar na urbe na tentativa de aumentar suas possibilidades comerciais. Para o comércio e exportação dos produtos locais, foram criados na cidade armazéns compradores de produtos agrícolas exportáveis61 locais e até de cidades vizinhas, como Brejões, Santa Inês, São Miguel das Matas, entre outras62. Algumas dessas firmas possuíam filiais fora do país, o que confirma o significativo comércio da época, bem como a 58 Até o início do ano de 1993, a feira-livre acontecia na atual Praça Iraci Silva, quando foi transferida para a Praça Josué Melo, onde se encontra até hoje. O espaço atual da feira foi idealizado na gestão do Prefeito Francisco Juventino de Souza. No entanto, as obras só foram iniciadas durante a administração da Prefeita Iraci Borges Silva, sendo inaugurado o novo espaço em Novembro de 1992. 59 SANTOS, Hamilton Rodrigues dos. Caminhos dos sonhos: experiências de feirantes na cidade da Capela. In: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos; COSTA, Alex Andrade. (orgs.). Uma cidade, várias histórias: Santo Antonio de Jesus(séculos XIX e XX). Santo Antonio de Jesus: União, 2010. p. 340. 60 Sobre a relação campo/cidade, ver: SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e Ventura Camponesas: trabalho, cotidiano e migrações – Bahia: 1950-1980. São Paulo: Anablume, 1998. p. 135. 61 Foram localizadas informações dos Armazéns na cidade, desde finais do século XIX. Alguns deles foram instalados nos Distritos (entre eles, de Tartaruga e Corta-Mão). Outros possuíam filias na Europa, como por exemplo, a “Casa Paris na América”, de propriedade de Pedro Calmon de Freire Bittencourt – pai de Pedro Calmon Muniz de Bittencourt – e a Firma Tude, Irmão e Cia, instalou lojas em Salvador, Nazaré, Santa Inês, Jaguaquara, Jequié, entre outros, e possuía filiais em Paris. Segundo Zorzo, em seus estudos acerca do movimento comercial nas cidades servidas pela Estrada de Ferro de Nazaré, já no final do século XIX, foram computados 80 registros de firmas dentre as quais 39 eram de Amargosa.Sobre o assunto, ver: ZORZO, Antonio Francisco. Transporte e desenvolvimento urbano-regional: o caso de Amargosa e da estrada de ferro de Nazaré. In: GODINHO, Luis Flávio R.; SANTOS, Fábio Josué S. (Coord). Recôncavo da Bahia. Amargosa: Ed CIAN, 2007. p.89-93. 62 SANTOS, M. 1963, p.8. 33 possibilidade de contato com realidades e culturas distintas – influenciando as transformações urbanísticas pelas quais a cidade passaria nos anos posteriores. No final da década de 1920, a Revista dos Municípios informou que a cidade já contava com grande número de lojas, armazéns, farmácias e padarias, no entanto, onde havia maior numerário era nos grandes armazéns de compras e exportação de fumo e de café, estando as de maior evidência: Tude, Irmão & Cia; Mario Muricy Sant’Anna; Arnulpho Rebouças; Euthychio de Lemos; e Scaldaferri, Irmãos63. A quantidade de firmas existentes64 na cidade revelou o seu desenvolvimento comercial e até a sua função enquanto entreposto, dada a sua elevada produtividade agrícola. Vale ressaltar que de 1930 a 1939, a quase totalidade do café produzido e exportado por Nazaré provinha de Amargosa: Tabela 2 – Exportação de café e fumo por Nazaré: 1930 – 1939 Ano Café (arroba) Fumo (arroba) 1930 154.388 71.735 1931 168.816 72.190 1932 155.000 75.000 1933 122.000 53.790 1934 177.024 83.180 1939 120.000 100.000 Fonte: Elaborado pela autora com base nas informações de: SANTOS, 1963, p.9. Milton Santos verificou que Amargosa, no final da década de 1920, possuía uma área de 203.400 ha de terras ainda ocupadas com estabelecimentos rurais, o que representava o percentual de mais de 60% sobre a área total do município. Sendo a maior área destinada ao cultivo do café65. Cerca de 609 propriedades eram produtoras de café, abrangendo uma área cultivada de 6.741ha, 32 produziam fumo com 599 de terras plantadas. Em 1936, a produção média do café de ótima qualidade foi de 300.000 arrobas, 500.000 em 1937 produzidas em 1.250ha. Já o fumo de 1ª qualidade teve em 1936 uma produção de 200.000 arrobas e, em 1937, 800.000 arrobas plantadas em 6.000ha.66 63 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. Sobre as firmas, ver: Apêndice 1. 65 SANTOS, 1963, p. 10. 66 REVISTA AMARGOSA CENTENÁRIA. 1891-1991. Itabuna, 1991.; SANTOS, M., 1963. 64 34 A citação acima destaca o período de esplendor que a cidade viveu até, aproximadamente, finais da década de 1930. O café e os demais produtos para exportação eram recebidos por Nazaré e por ela eram comercializados. As transações eram comandadas pelas grandes firmas e armazéns de beneficiamento e resultavam no acréscimo do capital estrangeiro na cidade. O Senhor José Peixoto de Andrade reafirmou a importância dos principais produtos – café e fumo: “O destaque forte mesmo era café e fumo porque era um produto de exportação onde vinha o capital estrangeiro [...]. O produto de exportação era o que pesava na balança.” 67 Era desses produtos que saía o maior giro de capital financeiro para o município, justificando maior atenção e investimentos em maquinário e na administração das fazendas para sua produção, pois deles sairiam os recursos que subsidiariam, também, a riqueza e o desenvolvimento local. Relembrando em entrevista o comércio de seu pai 68, Suzete Rebouças Sampaio contou que funcionava onde morava, quando criança, no Distrito de Tartaruga – que atualmente pertence ao território de Milagres, mas que, na época Era ligado a Amargosa. Pertencia a Amargosa. Milagres pertencia a Amargosa. Aí quando a gente veio para Amargosa, por necessidade de estudar, tinha só escola primária, aí mainha veio embora para aqui. Meu pai ficou lá e minha mãe veio para aqui. Aí ele abriu um armazém aqui. Meu pai abriu um armazém aqui para ela tomar conta. De início, ela vinha dia de sábado para comprar café. Depois abriu um armazém de venda, era de Secos e molhados, que seria os mercados de hoje. [...]. Tinham as pessoas que compravam café, que era Seu Jonas Sales; era Vavá Sampaio; era Seu... o pai de Seu Hugo: Agnelo Nogueira; e tinha painho. Painho comprava também café de São Miguel, que era na mão de Seu Alírio Andrade. Seu Alírio Andrade comprava lá. Painho comprava na mão dele. Isso passava aqui na máquina e escoava tudo para lá. E aí quando foi... ficou nisso, mainha ficou nesse comércio. 69 O estabelecimento de Antonio Edson Sampaio, pai da entrevistada, já estava instalado na década de 1940 em Tartaruga e possuía contatos comerciais com outras firmas da região, como a de Seu Alírio Andrade, do município de São Miguel das Matas. Além disso, ela relembra que devido à preocupação dos seus pais com a educação dos filhos, tomaram a 67 ANDRADE, José Peixoto. José Peixoto Andrade: entrevista [maio. 2006]. Entrevistadora: Ana Rosa Alves Moura. Amargosa, 2013. 2 cassetes sonoros. [lavrador aposentado, 76 anos]. 68 O senhor Antonio Edson Sampaio (pai da entrevistada), além de fazendeiro e comerciante, exerceu a vereança no município no final da década de 1940 e início de 1950, eleito pela legenda do Partido PSD. A sua participação na política local pode revelar o envolvimento das camadas mais abastadas da sociedade nos cargos políticos municipais. 69 SAMPAIO, Suzete Rebouças. Suzete Rebouças Sampaio: entrevista [maio 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (60 min. 19 seg.). [Servidora pública aposentada, 69 anos]. 35 decisão de que sua mãe deveria instalar-se no centro da cidade a fim de facilitar o acesso dos filhos à escola. Nessa mesma época, abriram um comércio na sede do município. Esse momento de distanciamento do marido, que ainda morava na zona rural, também foi destacado por sua mãe, Carlita Rebouças Sampaio: Fiquei aqui muito tempo sem ele, aqui em Amargosa. [...] Fiquei sete anos aqui. Eu disse a ele que agora ou ele vinha ou eu ia embora. Eu vim para aqui por causa de Zete. Zete internou aqui no Colégio e a vida de Zete era chorar, foi uma coisa horrível. Qualquer hora que eu chegasse lá ela já vinha... [...] Eu vim para aqui por causa dela.70 As mudanças efetivadas, baseadas nos novos conceitos de modernização, a partir da década de 1930, colocaram em pauta também o papel da mulher no Brasil – como o direito de votar e ser votada, durante os primeiros anos do governo de Getúlio Vargas. Muito embora algumas conquistas tenham acontecido, o modelo patriarcal ainda marcava a sociedade – o mundo feminino continuava ligado a casa e à família 71. A figura de Dona Carlita em Amargosa, no entanto, ganha projeção em outro contexto. Apesar de informar que só veio para a cidade para acompanhar a sua filha – interna do Ginásio Santa Bernadete –, salientando a falta que seu marido fazia, à sua responsabilidade foi acrescentada a função de gerenciamento de um dos comércios da família. Assim, além das funções de cunho doméstico e da educação dos filhos, ela agregava uma ocupação que era tipicamente masculina. O produto forte do comércio de D. Carlita e S. Antonio Edson Sampaio, bem como de alguns produtores e comerciantes de Tartaruga, era o café, embora também negociasse mamona e farinha. Suzete relembra a importância do trabalho para Seu Edson quando afirmou: “Painho era só trabalho. Não me lembro de um dia de meu pai e de minha mãe que não fosse trabalhando. Não me lembro”. Essa importância pode ser justificada no fato dele abrir um estabelecimento comercial para ocupação da sua esposa que agora residia no centro, como também destaca a função do trabalho para educação dos seus filhos: Me lembro de uma vez que um Senhor, a gente estava lá na venda, no armazém, e a gente ficava lá trabalhando. Ia para a escola e voltava, fazia o que tinha que fazer e ia para lá trabalhar. Lembro de um Senhor que tinha 70 SAMPAIO, Carlita Rebouças. Carlita Rebouças Sampaio: entrevista [maio 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (60 min. 19 seg.). [Aposentada, 88 anos]. 71 FIGUEREDO, Elton Flaubert de. Questões de Gênero: novas ideias, vestes nem tão novos assim. In: Alegorias Modernas: a afetividade entre modernidade e tradição no Recife dos anos 1930. Projeto PIBIC. Disponível em: <http://razaocritica2.blogspot.com.br/p/alegorias-modernas-afetividade-entre.html>. Acesso em: 5 jun. 2013. 36 um negócio com painho e ele perguntou um dia ao meu pai: “Edson, precisa isso”? E a gente estava trabalhando. Meu pai disse assim: “Doutor, trabalho é hábito. Se eu não ensinar eles aqui agora, como é que eles vão aprender?” Porque a gente fazia tudo. Naquele tempo tinha cachaça. Ele tinha uma roça que fazia cachaça e vinham aqueles vinhos reserva, tudo em barris de 100 litros. A gente tinha que lavar as garrafas e engarrafar, fechar, rotular. E ainda fazíamos aquela goma de – não sei se tu alcançou (sic) isso – na panela [risos], para passar no rótulo para colar na garrafa e outras coisas mais. Pesar açúcar, o açúcar vinha todo em sacos. A gente pesava aquilo e tinha que colocar em saquinhos de papel: um quilo, meio quilo, duzentos e cinquenta gramas, o povo comprava.72 A existência de ideias dissonantes – como a do Senhor que discordou da criação de S. Edson – define a heterogeneidade da educação familiar entre diferentes famílias da localidade. Para a família de D. Carlita, a função do trabalho estava direcionada à formação dos seus filhos e era associada, também, à possibilidade de ganhar e poupar dinheiro – o que muito orgulhava Suzete. Como destaca em suas lembranças: Eu também me lembro que a gente também ficava em casa catando mamona para vender para a gente ganhar dinheiro. Tinham umas mamonas, também. A gente catava mamona para vender ao meu pai [Risos]. Só que ele incentivava para você trabalhar. E um negócio que valia 200 réis, ele dava 1 real. Sei lá, quanto ele dava. Aquela coisa do trabalho... valia a pena você trabalhar para você se manter. E me lembro que uma vez a Senhora [dialogando com a mãe que estava presente no momento da entrevista] abriu uma poupança para mim, minha mãe [...]. Eu fiquei toda orgulhosa porque abri uma poupança.73 A educação para o trabalho também utilizava como motivação pagamentos simbólicos pelas tarefas realizadas. O incentivo promovido por S. Edson reforçou a relação entre trabalho e independência financeira, o que pode ser evidenciado na fala: “valia a pena você trabalhar pra se manter” – muito embora, ela estivesse falando de seu tempo de criança, em que dependia da sua família. A importância do torrão natal das entrevistas para a economia de Amargosa baseavase, sobretudo, na produção do melhor café para exportação. O café de Tartaruga, na época, foi considerado, segundo Valdemiro Vaz Sampaio (S. Mimiro), em entrevista, o “melhor café importado do Brasil”: 72 SAMPAIO, Suzete Rebouças. Suzete Rebouças Sampaio: entrevista [maio 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (60 min. 19 seg.). [Servidora pública aposentada, 69 anos]. 73 SAMPAIO, Suzete Rebouças. Suzete Rebouças Sampaio: entrevista [maio 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (60 min. 19 seg.). [Servidora pública aposentada, 69 anos]. 37 Era pra exportação. Eu me lembro que o café que exportava, o café daqui, tinha o café de “Tartaruga – Amargosa – Bahia”. Porque da Serra de Tartaruga, Alemanha considerou o melhor café importado do Brasil. Cabia o melhor café aqui, a Alemanha importava e era do Brasil. E vinha de Amargosa, de Tartaruga. Da Serra de Tartaruga. Lá no saco do café tinha escrito: “Café Amargosa – Tartaruga.”74 A projeção do distrito de Tartaruga na economia local, então, devia-se à qualidade do seu principal produto exportado para a Alemanha – o que, para ele, podia ser evidenciado na inscrição do nome da localidade na sacraia do café. Segundo as memórias de Suzete Rebouças, Na Serra de Tartaruga [...] tinha fazendeiro de café, inclusive o pai de Seu Rosalvo Santos que foi Prefeito aqui de Amargosa, Renê Otávio Dantas, que também ainda tem coisa lá. E outras pessoas: Seu Theodomiro, Seu Teobaldo [...]. Eu sei que tinha muita gente ali que tinha fazenda de café. E painho comprava muito café, não era pouco, era muito. E o café lá de Tartaruga chamava “café azul”. [...] Porque era o café, lá tinha a coisa de não secar em giral, porque tinha a chuva, mas tinha o sol. Então, era o café de primeira. Esse café era exportado, todo exportado.75 A qualidade do “café azul” – “de primeira” – era proporcionada pela técnica e pelas condições climáticas inerentes a sua localidade. Enquanto que, para ela, o café de Amargosa não era de boa qualidade, porque era produzido em local onde chovia muito e “era secado num lugar que chamava giral, que era: fazia um negócio em cima e botava fogo embaixo”, ficando o café produzido “com cheiro de fumaça”. O acréscimo econômico permitido pelas transações realizadas pelos armazéns e pelo comércio desenvolveu a economia local, resultando na implantação de Agências Bancárias no município. No Livro de Registro de Ofício e Telegramas da Prefeitura, foi localizado um ofício – no final do ano de 1939 – indicando a preparação do local para instalação de uma “Filial” da Caixa Econômica Federal, o que o Prefeito considerava como “inestimável benefício para o comércio e população deste Município e bem como para aquelas das zonas circunvizinhas.”76 74 SAMPAIO, Valdemiro Vaz. Valdemiro Vaz Sampaio: entrevista [jul. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (67 min. 19 seg.). [Avicultor e comerciário aposentado, 90 anos]. 75 SAMPAIO, Suzete Rebouças. Suzete Rebouças Sampaio: entrevista [maio 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (60 min. 19 seg.). [Servidora pública aposentada, 69 anos]. 76 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO nº 158 da Prefeitura Municipal de Amargosa para o Presidente da Caixa Econômica Federal. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 30 nov. 1939. Muito embora existam, nos documentos, indicações a respeito de transações efetuadas entre o comércio local e a Caixa Econômica Federal, no período aqui estudado, a Agência deste banco só foi instalada na cidade no ano de 1954. 38 Em 10 de julho de 1943 foi inaugurada a agência do Banco do Brasil na cidade77, reforçando a constituição desta importante praça comercial para os municípios da região. Apesar das sucessivas crises econômicas vividas na Bahia, a produção e o comércio deste município ainda era forte: “porque mesmo no momento das maiores crises financeiras que tém (sic) devastado o paiz (sic), o commercio (sic) de Amargosa nunca deixou de satisfazer os seus compromissos com elogiável pontualidade.”78 Fazendo deslocamentos no tempo, anterior ao período de estudo, a Revista dos Municípios, numa edição dedicada a Amargosa, do final da década de 1920, afirmava a dinâmica da agricultura local e do progresso por ela proporcionada: Amargosa começa a entrar numa época de grande desenvolvimento e progresso, porque ao tempo que crescem consideravelmente as suas fazendas de café, estão sendo augmentados (sic) os seus meios de transporte, que é, no momento, a maior das preocupações do seu honrado Intendente Municipal, auxiliado pela patriótica iniciativa de particulares.79 A citação acima indica um momento histórico anterior ao período deste estudo, mas que fornece possibilidade de análise quanto à preocupação de introdução dos meios de transportes fundamentais ao comércio agroexportador da época. Apesar de no período já existir um ramal da estrada de ferro na cidade, construída como alternativa principal para o escoamento da produção e viabilização de meios que agilizassem o transporte dos produtos, no final do século XIX, “conforme projeto do 2º Império, tendo como origem primeira ‘o café e a aristocracia’, interessada no escoamento das fazendas.” 80 A economia agroexportadora justificaria a construção da ferrovia na região, cobrindo a extensão de todo o trecho sem alternativa de meio de transporte mais eficiente até o porto fluvial de Nazaré, de onde a produção partia para a exportação: A Estrada Geral para Amargosa, a de Laje, a do Sobradinho e São Felipe, eram os caminhos de tropas que traziam café, açúcar, farinha e outros produtos para o porto de Nazaré. A exuberância da famosa rubiácea tinha pressa em vencer as distâncias, ganhar tempo para alcançar o mercado e obter o dinheiro necessário ao brilho da aristocracia.81 77 FERREIRA, Jurandyr Pires. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE. XX Vol. Rio de Janeiro. Jul. 1958. 78 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. 79 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. 80 ZORZO, Antonio Francisco; RAMOS, Antônio César. A formação da Rede Urbana Baiana do Alto-Jiquiriçá na Primeira República. In: III Seminário História da Cidade e do Urbanismo. v. 3, n. 1, 1994. Disponível em: <http://www.anpur.org.br/revista/rbeur/index.php/shcu/article/view/357/333 >. Acesso em: 11 out. 2012. 81 OLIVEIRA, Alberto de Sá. Pequena História da Estrada de Ferro de Nazaré. Salvador, 1962. p. 17. 39 A ferrovia instalada na região se apresentou, então, como possibilidade para atendimento das necessidades comerciais de uma aristocracia que, não coincidentemente, se revezava no poder nas mais variadas localidades do país. Para acompanhar o desenvolvimento econômico da cidade também era necessária a existência de mais transportes além do trem, inclusive, para viabilizar o comércio da produção agrícola local. As melhorias nas vias de acesso e nos meios de transportes também faziam parte do rol das preocupações das vertentes progressistas do país e eram sempre destacadas, nos discursos e propagandas de governo, podendo ser inferida a relevância de práticas administrativas e políticas, através da alocação de recursos públicos ou particulares visando ao progresso. Neste caso, a possibilidade de meios de transportes mais eficientes para satisfazer à necessidade do forte comércio agroexportador. 1.1.3 Nos trilhos do “progresso” O incremento do transporte ferroviário no país seguiu o interesse, inicialmente, de uma aristocracia que buscava a efetivação de um sistema de transporte mais eficaz. A implantação das ferrovias esteve intimamente ligada às políticas de governo que visavam à integração do território nacional e o desenvolvimento da economia, através de financiamentos a empresas, cujo objetivo estaria em subsidiar a cadeia produtiva. A premência de escoamento da produção agrícola foi responsável pela implantação de uma infraestrutura até então inexistente no país. Inclui-se, entre outras mudanças, a construção de redes ferroviárias cujo objetivo primordial era a garantia da agilidade no transporte dos grãos. Assim, o empreendimento ferroviário apresentou um papel decisivo para fomentar a economia cafeeira: “A expansão da malha ferroviária era parte das estratégias de desenvolvimento econômico impulsionadas pelo sucesso das exportações do café que exigiam eficiência no transporte de mercadorias.”82 O crescimento da economia agroexportadora trouxe consigo a necessidade de aumentar a fluidez das pessoas e das mercadorias83. Na época, a construção da ferrovia foi declarada, para a região, como uma “operação republicana” necessária para conexão com o “fausto imperial do Recôncavo.”84 Um Recôncavo, conforme destacado anteriormente, de 82 BERNARDINI, Sidney Piochi. “O público e o privado na expansão da rede ferroviária do estado de São Paulo no início do século XX”. In: CAMPOS, Cristina de; OLIVEIRA, Eduardo R. de; GITAHY, Maria Lucia Caira. (Orgs.). Território e cidades: Projetos e representações, 1870-1970. São Paulo: Alameda, 2011. p. 41. 83 LINS, 2008, p. 80 84 ZORZO, 2012. 40 economia diversificada em cada localidade e que impulsionava a economia baiana. Estado e iniciativa privada se articularam em torno do empreendimento, integrando territórios produtivos em potencial, neste caso específico, uma rede de cidades do interior da Bahia, incluindo Amargosa85. A criação de transportes mais rápidos, ligando a Província ao interior era, dessa forma, de suma importância para o incremento da economia baiana. O prolongamento para Amargosa foi “de interesse da Província e da Empresa, face à riqueza da fértil região, que se desenvolvia com a perspectiva da chegada da Estrada.”86 A obra, de iniciativa particular da Empresa Tram-Road Nazaré – TRN, compensou o subsídio do Governo nos transportes de toda a produção da região, contribuindo para a circulação de recursos financeiros no Estado. A história dessa estrada de Ferro está dividida, para Antonio Francisco Zorzo, entre a administração da iniciativa privada, quando os contratos estavam relacionados à Companhia TRN (1871 a 1906) e, depois, o domínio do Estado, sendo arrendada a firmas particulares (a partir de 1906), a saber: Companhia Estrada de Ferro de Nazaré – EFN87 e, depois, Companhia Viação Sudoeste da Bahia 88. O traçado da linha da EFN seguia por Nazaré – Onha (Muniz Ferreira) – Santo Antonio de Jesus – São Miguel das Matas – Amargosa – Laje – Mutuípe (Distrito Mutum, pertencente a Jiquiriçá) – Jiquiriçá – Areia (Ubaíra) – Santa Inês – Itaquara – Jaguaquara – Jequié, conforme destacado no mapa abaixo. 85 Um relatório do Engenheiro H. Matheó, encarregado de realizar os estudos da ampliação da linha da estrada de ferro até Amargosa, encaminhado à Tram-Road Nazaré (TRN), em 1886, justificava a preocupação econômica em ligar áreas produtivas ao comércio de exportação, já que neste indicava o potencial econômico da região, informando que a sudoeste da Villa de Amargosa, se estendia “o melhor centro agrícola da província da Bahia” onde as terras eram de “ótima qualidade e próprias para toda a lavoura”. Ainda informava que os principais produtos eram café, açúcar e fumo, que as lavouras eram conduzidas pelos chefes de família e seus parentes mais próximos, sem auxílio do “menor braço escravo”, e que raríssimos proprietários das grandes fazendas utilizavam o trabalho escravo. O relatório apresentava, então, a futura extensão como uma oportunidade econômica em potencial, desde a fertilidade dos solos até a produção, sem o perigo da escassez de mão-deobra nas lavouras. Sobre o assunto, ver: OLIVEIRA, Alberto de Sá. Pequena História da Estrada de Ferro de Nazaré. Salvador, 1962. p. 17. 86 OLIVEIRA, Alberto de Sá. Pequena História da Estrada de Ferro de Nazaré. Salvador, 1962, p. 17. p.50. 87 O Ramal da Estrada de Ferro de Amargosa foi inaugurado em 17 de julho de 1892. Conforme o Decreto Federal nº 6053, de 29/05/1906, o Governo Federal transferiu para o Estado da Bahia o direito de resgate do trecho Santo Antonio de Jesus a Amargosa, passando a denominação, com o Decreto Estadual nº 442, de 10/12/1906, de Estrada de Ferro de Nazaré. Mais tarde, segundo a Revista dos Municípios, datada da década de 1920, a antiga Estrada de Ferro de Tram-Road de Nazareth, passou a ser conhecida como Companhia Viação Suduéste da Bahia. 88 ZORZO, Antonio Francisco. Ferrovia e Rede Urbana na Bahia: Doze Cidades Conectadas pela Ferrovia no Sul do Recôncavo e Sudoeste Baiano (1870-1930). Feira de Santana: Universidade Estadual de feira de Santana, 2001. 41 Figura 4 – Localização dos Municípios ao redor da EFN Fonte: ZORZO; RAMOS. Localização..., 1994. 1 mapa, p&b. O mapa a seguir, Figura 5, indica o percurso do Ramal de Amargosa dentro dos limites do município, alcançando o povoado de Corta-Mão. Os itinerários demarcados na imagem relatam as operações históricas que definem os espaços, conforme sua importância em dado tempo histórico. O prolongamento dos trilhos até Amargosa, passando por esta localidade rural, justificou-se, no passado, pela sua importância no complexo de produção para agroexportação89. Figura 5 – Mapa Parcial: linha passando pelo município de Amargosa Fonte: IBGE. Trajeto... 1960. 1 mapa, color. 89 No final do século XIX, o pequeno vilarejo rural, de Corta-Mão, já contava com cinco empresas comerciais, o que pode destacar sua alta produtividade. Sobre o assunto, ver: ZORZO, Antonio Francisco. Transporte e desenvolvimento urbano-regional: o caso de Amargosa e da estrada de ferro de Nazaré. In: GODINHO, Luis Flávio R.; SANTOS, Fábio Josué S. (Coord). Recôncavo da Bahia. Amargosa: Ed CIAN, 2007. p.91. 42 A construção e o funcionamento da estrada de ferro na cidade estiveram ligados, assim, às necessidades econômicas: “O café produzido nos vales do Jaguaripe e Jiquiriçá era a principal riqueza agrícola [...]. O cultivo deste produto estendia-se por toda zona do chamado ‘Baixo Sudoeste da Bahia’ (hoje, denominado Vale do Jiquiriçá).”90 Amargosa, ao longo dos anos, [...] se tornou uma cidade ponta de trilho, fundo de um funil, por onde escoavam os produtos, principalmente o café, com destino a Nazaré, que os comercializava com a Europa. Seu rápido desenvolvimento [...] foi uma consequência direta desta sua condição de cidade ponta de trilho. Amargosa absorvia, então, não só a produção regional, mas, também a do Sertão baiano. 91 Por ser fim de linha, a cidade usufruía uma posição de destaque, já que recebia moradores e a produção das zonas mais próximas que não tinham acesso à ferrovia – o período em que permaneceu enquanto “ponta de trilho” garantiu a sua forte economia, apoiada na produção agrícola, nos serviços e comércio. No final do ano de 1929, uma das preocupações do Intendente Municipal, Sr. Antonio Espinheira, era a ligação da estrada de ferro a outras redes férreas como possibilidade de maior mobilidade para outros centros, cujo objetivo maior era o atendimento às expectativas de uma cidade, “cabeça” de região, em desenvolvimento devido ao negócio agroexportador: Servida pela Estrada de Ferro Suduéste (sic) da Bahia, nem por isto se arrefece o enthusiasmo do governo local para ligá-la, por Estrada de Rodagem, a Estrada de Ferro Central da Bahia. E’ um ideal digno dos maiores aplausos, porque os grandes surtos de progresso de uma localidade agricultora, está devéras (sic) dependendo do maior numero possível de meios de transporte.92 Além das estradas de ferro, as de rodagem apareciam como alternativa e incremento ao desenvolvimento de locais do interior do país ainda “adormecidos” pela falta de transportes: As estradas de rodagem estão para um paiz (sic) como o nosso, assim como estão as artérias para o corpo humano, porque se estas levam ao coração sangue novo para revigora-lo, as estradas de rodagem cortam o interior do 90 SANTOS, Oscar Santana dos. Uma viagem histórica pelas Estradas da Esperança: representações literárias do cotidiano, da região e da desativação da Estrada de Ferro de Nazaré (Bahia, 1960-1971). Santo Antonio de Jesus, 2011. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. p. 34. 91 SANTOS, M., 1963, p. 27. 92 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. 43 paiz (sic), levando-lhe a civilisação (sic) e desenvolvendo-lhe as fontes de riquezas, até ali adormecidas, por falta absolucta de transportes.93 Até 1950, o trem se apresentava como principal transporte do município, apesar de em 1937 a construção da Rodovia Amargosa – Brejões já ter sido iniciada, contando com financiamentos do Governo Federal, auxílios de rendas municipais, bem como recursos do Estado, através de verbas advindas do comércio do café. Esta importante estrada destinava-se, além do trânsito de veículos e pessoas, ao escoamento da produção e à comunicação com cidades vizinhas94. Mas somente na década de 1950, o município foi ligado à capital pela estrada de rodagem, com percurso de aproximadamente 306 km; quando também a vila de Nossa Senhora dos Milagres, pertencente ao território de Amargosa, seria cortada pela rodovia Rio-Bahia e tendo contato com o município de Brejões, por meio de uma rodovia com 121 km95. A construção de um Ramal da Estrada de Ferro, aliada à construção de estradas de rodagem, para a região evidenciou uma dimensão não só do progresso e de mais um subsídio à economia, mas também de integração e comunicação do município – anteriormente mal articulado – com as cidades vizinhas numa espécie de “estreitamento de espaços” 96. Segundo Gisafran Nazareno Mota Jucá, “o trem servia de elo de ligação entre as cidades que se situavam em pontos distantes do interior e da capital, afinal era o meio mais seguro e constante de aproximar o que antes parecia impossível.”97 A ligação de Amargosa com outras localidades revelou também a preocupação em viabilizar o transporte de mercadorias e pessoas tão essencial à atividade capitalista vigente, contribuindo, assim, para intercâmbios culturais, sociais e econômicos. A EFN, entre outras possibilidades, permitiu a articulação de Amargosa com o Sertão e com diversas cidades do Recôncavo. Durante o final do século XIX até a década de 1960, seu ramal viria, sobretudo, como uma alternativa à otimização do escoamento da produção da região. Mas, além disso, a ferrovia dava o tom do crescimento da rede urbana: “Do ponto de vista territorial, a incorporação de Amargosa à rede de cidades baianas conectadas pela ferrovia e sua participação na constituição de um modo de vida urbano no sec. XIX” está 93 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO nº 68 da Prefeitura Municipal de Amargosa para o Presidente da Caixa Econômica Federal. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 28 dez. 1937. 95 FERREIRA, Jurandyr Pires. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE. Rio de Janeiro. Jul. 1958. 96 ZORZO, 2007, p. 89-93. 97 JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. O significado da Ferrovia no cotidiano da vida interiorana. In: O público e o privado. Nº 2. Jul/Dez, 2003. p.43. 94 44 correlacionada diretamente à construção e operação do Ramal da EFN 98. Amargosa já era emancipada quando a estrada de ferro foi inaugurada, mas os impactos da ferrovia alteraram o seu ritmo de vida, permitindo o delineamento de novos espaços no município: como o da estação, que passou a fazer parte do centro, e a contar com implantação de infraestrutura, ampliando o seu desenho urbano. A “estação colocava-se como referência urbana do lugar” 99, devido à arquitetura do seu prédio e pelo trem e seus equipamentos que representavam o progresso – o “novo”, para a época, bem como se apresentava como nova “porta” de entrada para a cidade. Estabelecimentos comerciais, vendedores ambulantes, hotéis etc., passariam a se concentrar nas imediações da estação. Nas fotografias antigas nota-se o espaço da estação como lugar de sociabilidades: de passeio, encontros e despedidas, comércio, conversas, entre outros. O próprio trem se apresentava como um espaço, porém, móvel, que permitia reencontros e acesso a outras realidades. Figura 6 – Meninos vendedores – Estação Ferroviária de Amargosa. Autoria: VERGER, Pierre, [1940-1950]. 1 fotografia, p&b 100. 98 ZORZO, 2007, p. 87. GHIRARDELLO, Nilson. Cidades e Ferrovia. In: CAMPOS, Cristina de; OLIVEIRA, Eduardo R. de; GITAHY, Maria Lucia Caira. (Orgs.). Território e cidades: Projetos e representações, 1870-1970. São Paulo: Alameda, 2011. p. 41. 100 Disponível em: <http://www.pierreverger.org/br/photos/photos_themetree.php?leThemeID=1128>. Acesso em: 29 jan. 2013. 99 45 A figura 6 focaliza meninos descalços, vendedores ambulantes, sentados na calçada da Praça da Estação que, possivelmente, esperavam a chegada do próximo trem para vender seus quitutes, uma vez que ao fundo registra uma parte do último vagão. O cenário retratado indiretamente pela lente do fotógrafo Pierre Verger também registra a presença de armazém, ao fundo, e casas ao redor da estação, bem como indica a presença de infraestrutura básica e serviços públicos comuns à urbe: existência de calçamento, passeio e alinhamento da rua, energia elétrica e iluminação pública nas áreas centrais do município. Figura 7 – Recepção na Estação Ferroviária de Amargosa. Autoria: OLIVEIRA, Manoel Ciríaco, [1940-1950]. 1fotografia, p&b. 101 Na Figura 7 pode ser observado o trem e a antiga estação ferroviária no mesmo espaço, porém, em outro ângulo. A presença de missionários, marcante na época, denota o papel da Igreja Católica na vida da cidade. No centro da foto, está a Professora Sisínia Vieira, professora do Ginásio Santa Bernadete (fundado em 1946), importante instituição educacional da cidade. Embora seja evidenciada na fotografia abaixo a presença de homens e mulheres que mesmo em seu vestuário revelam a ideia de que pertençam a uma parte das famílias mais abastadas da sociedade, o trem pode ser entendido como um espaço que diluía fronteiras onde transitavam vários grupos sociais102, mas que, internamente, segregava os passageiros conforme suas posições sociais (em vagões diferenciados) 103. Em um segundo plano, também 101 Acervo Digital da Prefeitura Municipal de Amargosa. JULIÃO, Letícia. Belo Horizonte: Itinerários da Cidade Moderna (1891-1920). In: DUTRA, Eliana de Freitas (org.) BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1996. p. 80. 103 Segundo os entrevistados, há concordância quanto a segregação de classes entre os vagões. No entanto, para Valdemiro Vaz Sampaio os espaços internos de cada um deles não apresentavam muitas diferenças: “era quase igual. Agora era uma questão de diferença de poder aquisitivo. Pra não, pra não misturar uma [classe com a outra], vamos assim dizer”. Enquanto que, conforme as memórias de José Manoel Chaves Barbosa, “tinha a primeira classe e a segunda classe. A primeira classe era aqueles bancos acolchoados, a segunda classe era 102 46 foi registrada a presença de um jornaleiro em uma bicicleta, o que pode remeter, além do visível, ao espaço de troca de informações da cidade com o mundo e fomentada também pelo telégrafo, uma vez que o município era servido pela rede telegráfica particular de propriedade da EFN104. A ferrovia possibilitava à urbe um novo ritmo de vida, controlado pelos ponteiros do relógio da estação e, talvez, pelos sons dos seus apitos: enquanto esperava o horário para a próxima viagem, um funcionário fazia a manutenção e passageiros, ao fundo, chegavam e aguardavam a próxima partida. José Manoel Chaves Barbosa (S. Zito de Corta-Mão), aposentado da Marinha, já com seus 70 anos de idade, lembrou da época – no final da década de 1940 – que, quando menino, o trem passava pela localidade de Corta-Mão, onde residiu e reside até hoje: Aqui ó, aqui, na época que tinha ferrovia, aí em Amargosa tinha o chamado a... aquelas partidas de futebol e vinha a seleção de Nazaré jogar com a seleção de Amargosa, a seleção de Santo Antonio, jogar com a seleção... Aí vinha no chamado “trem de passeio”. Uma vez eu quis embarcar aqui, rapaz, eu não consegui embarcar, eu era garoto, é com o Chefe da Estação que era muito amigo do meu pai. Aí eu queria... [...] Quem disse que eu consegui? A mulher do Chefe da Estação não conseguiu embarcar [Risos], ninguém acredita... de cheio. A locomotiva parava aqui na estação, o final, o final do trem você não via o final do trem que encobria lá na curva lá embaixo aquela que vai lá pra São Miguel, o final do trem ficava lá. Então, aquela banda, banda de... era um negócio, era uma festa, banda, uma banda de música, uma banda mesmo, uma banda... não era (sic) três instrumentinhos não, era banda, uma orquestra, pra animar a festa pra esse trem fazer... Aí vinha uma locomotiva, vinha uma locomotiva possante. 105 As partidas de futebol, comuns no período, aconteciam na zona urbana da cidade. Seu José Barbosa lembra esse momento de descontração quando da passagem dos times pela localidade. A situação, o movimento e os sons ficaram registrados em suas lembranças. A possibilidade de fazer parte da viagem e da festa significava muito para um menino da zona rural, que por diversas questões, não tinha acesso a tais eventos. Enquanto significado, o trem, seus trilhos e estações se apresentavam, na época, como signo do progresso, sobretudo, da antiga aristocracia que enriquecia com a economia cafeeira banco de pau [Risos]. E era claro que era mais barato, né? Era mais barato”. SAMPAIO, Valdemiro Vaz. Valdemiro Vaz Sampaio: entrevista [jul. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (67 min. 19 seg.). [Avicultor e comerciário aposentado, 90 anos].; BARBOSA, José Manoel Chaves. José Manoel Chaves Barbosa: entrevista [jan. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (116 min. 44 seg.). [Militar aposentado, 70 anos]. 104 HISTÓRICO do Município de Amargosa. Amargosa, 1939. Mimeografado. 105 BARBOSA, José Manoel Chaves. José Manoel Chaves Barbosa: entrevista [jan. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (116 min. 44 seg.). [Militar aposentado, 70 anos]. 47 e que comandava os destinos da política de suas localidades. Nessas localidades, como em Amargosa, o progresso possibilitado pelo trem influenciou, conforme exposto, modificações importantes na estrutura socioespacial da cidade. Este importante transporte, no entanto, passou a ter os seus “dias contados”, desde o final da década de 1950, devido, entre outros fatores, ao declínio econômico que sofreu a região e ao surgimento de novas dinâmicas regionais e de novos meios mais rápidos e econômicos de deslocamentos de pessoas e produtos. 1.2 DECLÍNIO DA REGIÃO E NOVAS DINÂMICAS Da década de 1930 a 1940, o Brasil passou por um período de transições – do ponto de vista do governo revolucionário provisório e da política de Getúlio Vargas que tentava preparar o país para sucessão dos seus dirigentes, ameaçando “um rompimento com o estilo oligárquico de governo, que a Velha República representava”, caracterizado pelo revezamento de poder entre São Paulo e Minas, a conhecida política “café-com-leite” 106. A partir da crise de 1929107, a situação da economia cafeeira entrou em colapso no país e o comércio do café sofreu um processo de quebras em cadeia (redução dos preços, demanda insuficiente, falências e concordatas, entre outros), advindo de uma estagnação mundial. Essa crise destacou as deficiências do modelo de progresso então vigentes. A queda do rendimento das principais atividades econômicas, sobretudo do café, e a baixa dos preços, aliados à crise, resultaram no enfraquecimento dos agricultores médios e no aniquilamento da produção dos pequenos agricultores que não conseguiam vencer a situação. Nessa mesma época, Amargosa experimentou um período de significativo declínio econômico, marcado pela redução na produção e exportação dos seus principais produtos agrícolas: café e fumo. A tabela a seguir destaca algumas das mudanças econômicas ocorridas no município. 106 Segundo Zélia de Oliveira Gominho, os contemporâneos da década de 1930 pensavam na Revolução enquanto ruptura, imagem essa reforçada por muito tempo. No entanto, pesquisadores do período posterior questionaram essa perspectiva de real rompimento com o regime oligárquico – o que rejeita uma visão simplista a situação. Sobre o assunto, ver: GOMINHO, Zélia de Oliveira. Veneza Americana X Mucambópolis: o Estado Novo na cidade do Recife (décadas de 30 e 40). Recife: CEPE, 1998. p. 69. 107 Com a Crise de 1929 houve uma queda drástica na economia cafeeira, sobretudo, no Brasil. Reportagem: A BOLA da vez? O Crash da Bolsa. Revista Veja. Edição Especial: Brasil. Outubro de 1929. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/historia/crash-bolsa-nova-york/brasil-crise-do-cafe-exportacoes-falencias.shtml>. Acesso em: 21 dez. 2011. 48 Tabela 3 – Estabelecimentos comerciais de compra e venda de produtos agrícolas: 1929 – 1953 DESCRIÇÃO ARMAZÉM DE COMPRA DE CAFÉ ARMAZÉM DE COMPRA DE FUMO ARMAZÉM DE COMPRAS 1929 ANOS DE REFERÊNCIA 1930 1933 1943 1953 16 12 9 1 6 2 4 5 16 ARMAZÉM DE COMPRAS DE PRODUTOS DO ESTADO 8 ARMAZÉM DE EXPORTAR CAFÉ 7 4 3 1 ARMAZÉM DE EXPORTAR FUMO 6 4 2 1 ARMAZÉM DE COMPRAS E EXPORTAÇÃO 3 1 TORREFADORA DE CAFÉ 1 1 5 2 TOTAL 36 23 23 19 19 Fonte: Elaborado pela autora com dados dos Livros de Impostos de Indústria e Profissões – Amargosa108. A amostragem, proposta na tabela acima, permite visualizar a diminuição dos estabelecimentos comerciais entre os anos de 1929 e 1953, sobretudo, quando os armazéns de compra e exportação de café e de fumo já não encontravam grandes perspectivas de comercialização. A partir da década de 1940, ocorreu uma diversificação do comércio, com a inclusão de novos produtos agrícolas, como: mamona, ouricuri, pó de ouricuri, entre outros. Dessa forma, as antigas denominações dos principais estabelecimentos da cidade – os “armazéns de compra e venda” ou “armazéns de exportação de café ou fumo” – deram espaço para o registro de armazéns de produção diversificada e de forma generalizada: “compras e/ou exportação de produtos agrícolas”. Além disso, para abastecimento da região existiam as torrefadoras de café que só não foram registradas no ano-base de 1943. Gráfico 1 – Amargosa – Produção de Café: 1890 – 1962 250.000 200.000 200.000 150.000 Produção por saco 100.000 80.000 50.000 30.000 10.000 0 1890 1924 1955 1962 Fonte: SANTOS. 1963, p. 12. [Adaptação das informações] 108 Para análise dos dados constantes nos Livros de Imposto de Indústrias e Profissões da Prefeitura de Amargosa, aqui tomados como referência para elaboração da tabela, é preciso considerar que alguns contribuintes comercializavam mais de um produto no mesmo Armazém, embora os impostos fossem lançados separados em tais documentos – o que resulta na repetição de um mesmo comerciante/firma para cada estabelecimento descrito na tabela. Segue no Apêndice 1 a relação completa dos contribuintes e endereço dos estabelecimentos. 49 A fase de desequilíbrio financeiro, durante a década de 1930, culminou no forte recesso econômico, já na década de 1940, devido à crise na produção do seu principal produto – apesar da variação dos produtos comercializados pelos armazéns. Durante o recorte cronológico estudado, em Amargosa a produção do café, especificamente, caiu consideravelmente. De acordo com Milton Santos, das 200.000 sacas de café produzidas em 1890, chegou ao montante de apenas 30.000 sacas na década de 1950. No plano local, o problema nas exportações trouxe transtornos à economia que produzia em grande escala para outros países. Segundo Sr. José Peixoto, de uma hora pra outra trancou a exportação, ninguém comprava, ninguém vendia. Houve a quebradeira [...]. Ninguém comprava, ninguém vendia. Depois ficou uma calamidade, quebrou a fama estrangeira que estava aqui [...]. Essas cidades já estavam se desenvolvendo e Amargosa perdeu o apogeu de intercâmbio comercial pro sertão e o porto fluvial de Nazaré perdeu essa partilha.109 O relato acima vai além do recorte cronológico de estudo e indica vários momentos históricos, a partir de um deslocamento temporal, entre finais da década de 1920, no momento da crise financeira mundial, até a década de 1960, quando os trilhos do trem “perdiam para a rapidez e versatilidade do asfalto” 110 – com a decadência financeira da EFN. Cresciam as rodovias, que passavam a ser vistas como possibilidade mais eficiente de integração entre as mais diversas localidades do país e naquela ocasião não abrangiam em seus percursos o município de Amargosa, mas outras cidades da região que continuaram a crescer, agora em função desta, como o município de Santo Antonio de Jesus. Com a eliminação das linhas, as cidades foram desvinculadas do comércio regional, já em declínio, e perderam espaço para outras regiões, devido à escassez dos novos transportes. O fortalecimento das rodovias aconteceu em paralelo à decadência do transporte ferroviário. O automóvel passou a representar o novo, no entanto, boa parte dos municípios, até então conectados através da EFN, ficaram fora do novo entroncamento rodoviário. O transporte de passageiros não era o principal fator de lucro da EFN e o decréscimo da produção agrícola, juntos, já não justificavam a continuidade da rede ferroviária na região, resultando em sérios problemas de transportes para a cidade. Aliados a estes problemas, concorriam o péssimo estado de conservação das estradas de ferro (aceleradas também pelas 109 ANDRADE, José Peixoto. José Peixoto Andrade: entrevista [maio. 2006]. Entrevistadora: Ana Rosa Alves Moura. Amargosa, 2013. 2 cassetes sonoros. [lavrador aposentado, 76 anos]. 110 REVISTA AMARGOSA CENTENÁRIA. 1891-1991. Itabuna, 1991. 50 enchentes) e a dificuldade em encontrar combustível (lenha), levando à estagnação deste transporte. O impacto da ferrovia e a dependência que a cidade passou a ter desta foi distinta para cada localidade interligada à ferrovia, no entanto, neste caso específico, “Amargosa ficou fortemente dependente da linha férrea.”111 O trem se apresentava como o meio de transporte mais eficiente, senão o único do município e região, permitindo o escoamento da produção – através do transporte de cargas – e o serviço de passageiros. Aliado à forte economia cafeicultora, também influenciou a expansão da urbe, com a abertura de novas ruas (ao longo do percurso do trem) e de novas casas comerciais, resultando numa diversidade de edificações, equipamentos públicos e privados e vias na cidade. Para Milton Santos, o sistema rodoviário precário da região, que tinha todas as estradas carroçáveis convergindo para Amargosa, associado a “função de empório” comercial exercida pela cidade, eram os principais fatores que contribuíam para uma relativa importância à cidade na época. A abertura de novas vias de comunicação com outras cidades, como Santo Antonio de Jesus, Feira de Santana e Jequié, representaria a decadência total da região, pois estas localidades dividiriam o que restava da área de influência amargosense 112. A questão dos transportes se apresentou, dessa forma, como sério problema regional e foi um dos responsáveis pelo crescimento da feira de Amargosa, uma vez que os pequenos produtores, impossibilitados de ir a outros centros consumidores, passaram a ter a feira como único local para comércio das suas produções. Após vários momentos de crise, a partir da década de 1950, o município não acompanhou o processo de desenvolvimento, marca de um ritmo de vida da sociedade industrial contemporânea comum às grandes cidades, havendo mais uma queda na produção associada à política do produto despolpado: “o pequeno lavrador, não possuindo condições econômicas para aquisição de maquinário, não pode produzir o café despolpado” 113 - determinado pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC), criado em 1952, em proibição ao comércio do “café de terreiro”, considerado de má qualidade. Aliados a este problema, resultado de um cultivo predatório ao serem mal manejados, os solos das plantações foram perdendo a fertilidade e sofreram erosão, o que levou a sério desgaste e intensificou o problema agrícola. Só algumas grandes propriedades conseguiram resistir a essa política por possuírem condições técnicas e econômicas para beneficiamento do produto, já que com a 111 ZORZO, 2007, p. 92. SANTOS, 1963, p. 40. 113 Ibid., p. 12-3. 112 51 política do IBC o café caldeado114 não era permitido entre os produtos de exportação, tendo, assim, as fazendas que aderir à industrialização do produto para atendimento às exigências do Instituto. Como resultado para a população rural, a decadência do café levou ao aumento do êxodo rural, quando pequenos agricultores, diretamente dependentes do comércio do café e sem maiores condições de subsistência, foram atraídos por polos econômicos em evidência na época, procurando empregos em outros grandes centros, como Paraná e São Paulo. Embora, com o tempo, Amargosa fosse perdendo seu esplendor regional enquanto importante entreposto comercial da região, os elementos espaciais foram transformados a cada momento histórico a partir das práticas cotidianas. O acúmulo do capital permitido pelo café possibilitou, dentre outros fatores, muitas transformações urbanísticas, que, mais tarde, desenvolveriam novas possibilidades de representação: “o espaço ganha nova dinâmica, um novo significado condicionado pela nova forma de produzir inerente a cada momento histórico.”115 Apesar do declínio econômico, o município deu continuidade à produção agrícola – porém, de forma diversificada e direcionada ao consumo interno, demonstração disso é a participação dos administradores e produtores locais em eventos nacionais, como a 3ª Feira Nacional de Amostras da Bahia, inaugurada em 24 de dezembro de 1938 116, expondo outros produtos cultivados em Amargosa e que ainda diversificavam a economia local, bem como trabalhos artesanais fabricados por escolas municipais. A cidade que se destacou e que foi diretamente beneficiada pelos recursos do café na região, teve a oportunidade de remodelar o seu quadro urbano, sobretudo, a partir da construção de importantes obras, dentre elas o Jardim Público Municipal (1934), a Igreja Matriz (1936) e a estátua do Cristo (1939). Ao estudar as cartografias da reforma urbana implementada em Campina Grande, Fabio Gutemberg Ramos Bezerra de Sousa considerou a articulação em torno do ideário de civilização e progresso comum inspirado em corolários europeus e que foram incorporados por projetos de urbanização das cidades, inclusive no Brasil. No entanto, ela chama a atenção a respeito dos caminhos percorridos por cada cidade que variavam de acordo com as 114 A expressão “café caldeado” refere-se a grãos de café torrados ou o produto deles obtido, misturados com outros produtos (como a rapadura) durante a torrefação. 115 LINS, 2008, p. 31. 116 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIOS nº 41 e nº 42 da Prefeitura Municipal de Amargosa à Comissão da 3ª Feira Nacional de Amostras da Bahia. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 21 dez. 1938. 52 condições de cada localidade e dos grupos sociais que as esposassem em cada período117. Neste ínterim, a vertente progressista, idealizada pelos grupos dominantes para modernização dos grandes centros urbanos do país, também foi interiorizada para o restante do país, e Amargosa, dentro das suas possibilidades, tentou acompanhar as transformações. Com o tempo, novos rearranjos foram desenvolvidos no espaço e Amargosa se estabeleceu enquanto sede de novas “regiões”, embora com objetivos e focos distintos. Nesse sentido, a criação da Diocese – com sede em Amargosa, pela Bula “Apostolicum Munus” do Papa Pio XII em 10 de maio de 1941, abrangendo uma área que se estendia do litoral até a divisa com o Estado de Minas Gerais 118 – trouxe novas redefinições e possibilidades para a cidade: para além da sua missão religiosa, ampliava o contato com outras localidades, que agora compunham a região de abrangência da Diocese, e o seu papel no incentivo e promoção da educação para o local e demais municípios circunvizinhos. Embora, na ocasião, Amargosa tivesse número menor de habitantes que outras cidades do interior da Bahia – tais como Jequié, Vitória da Conquista, Santo Antônio de Jesus, entre outras – foi a que se dispôs a sediar a nova Diocese. Sob o comando do Vigário Pe. Antonio José de Almeida foi realizada forte mobilização (sobretudo, através de abaixo-assinados), contando com apoio de famílias locais tradicionais, como a do Coronel Benedito José de Almeida, que viabilizou as instalações do espaço físico necessário ao novo bispado 119. Na maior parte dos documentos localizados, quando se trata de execução de obras da Igreja Católica, o nome do referido Coronel é destacado como principal colaborador da instituição. O Jornal O Conservador noticiou, em 02 de Agosto de 1936, a inauguração festiva da nova Matriz que abrigaria a futura Catedral de Nossa Senhora do Bom Conselho, após instalação da Diocese. Nesta notícia já indicava que a cidade viria a tornar-se sede de um novo Bispado, e o povo já se organizava para angariar os donativos e organizar o patrimônio. Na nota também foi destacado que já se esperava do então vigário de Amargosa, Padre Almeida, que conseguisse de seu pai, Coronel Almeida, mais um auxílio e agora para edificação do palácio do Bispado, cujo terreno já havia sido oferecido junto à futura Catedral – o que pode comprovar que já existiam especulações e movimentação para a criação de uma Diocese no município. 117 SOUSA, Fabio Gutemberg Ramos Bezerra de. Campina Grande: cartografias de uma reforma urbana no Nordeste do Brasil (1930-1945). In: Revista Brasileira de História. São Paulo. V. 23. Nº 46, 2003, p. 61-92. 118 Segundo o 1º Relatório da Diocese, datado de 1950, possuía 70.000km 2 e uma população estimada em 70.000 habitantes. Sobre o assunto, ver: GALVÃO, José Raimundo. Diocese de Amargosa 70 anos: Memórias. Aracaju: Editora Criação, 2012. p. 27-28. 119 GALVÃO, José Raimundo. Diocese de Amargosa 70 anos: Memórias. Aracaju: Editora Criação, 2012. p. 2728. 53 Tais episódios podem demonstrar a correlação de forças existentes entre a Igreja e o Estado e a interferência dos Coronéis em todos os assuntos locais, inclusive, no religioso. A figura do Coronel Benedito José de Almeida, da Fazenda Penedo – localizada em Itachama – estava sempre vinculada às ações da Igreja, no entanto, as fontes pouco informam sobre sua vida. O memorialista Emanoel Castro Oliveira, em suas “cartografias da memória”, relembra o que disseram sobre a riqueza do Coronel e sua forte relação com a Igreja local: Diziam que o Coronel Benedito do Penedo, morador na mesma diocese, enveredou por caminhos mais embaraçosos. À aproximação do acerto de contas de um trato antigo e do qual lhe rendera fartura de posses danou-se de medo e antes de chegado o dia e a hora resolveu ao seu modo tomar resguardos. Logo cuidou do arremate da construção da igreja da padroeira que se arrastava por trinta e tantos anos e de contrapeso compromissou um filho ao serviço Dela, ordenando-lhe padre. Isto me contaram; e mais: que o moço ao confessar uma noiva às vésperas dos seus esponsais pediu-lhe que rezasse por ele e no confuso do momento revelou o quanto que lhe desagradava aquela servidão. 120 Contando o que ouviu dizer, o memorialista rememora um suposto pacto do Coronel com forças ocultas e que lhe renderam as suas posses – pois, segundo a memória local, ele era um dos fazendeiros mais abastados do lugar. A sua relação com a Igreja, sob a forma de doações, é justificada como forma de livrar-se do fardo pactuado, anulado também com a ordenação do seu filho – que, conforme disseram, não queria ser padre. Esta informação pode estar vinculada também ao fato de o Padre ter uma filha, o que afrontava o princípio do celibato clerical. A história do pacto do Coronel Benedito também foi lembrada, entre outros entrevistados, pelo Sr. Alirio Maia Sales, “dizia-se naquele tempo do atraso que a pessoa que enricava tinha pacto com o demônio, não é? E ele aí doou grande parte do que era dele pra Igreja pra se livrar do demônio [Risos]. E o povo comentava isso na rua.” 121 Para o mesmo, a religiosidade do Coronel era o que motivava as doações e o seu enriquecimento aconteceu devido ao seu árduo trabalho. Tanto para Alirio Maia Sales quanto para Valdemiro Vaz Sampaio, o Coronel Almeida não possuía envolvimento com a política local. Era a sua devoção religiosa o que 120 OLIVEIRA, Emanoel Castro. Cartografia da memória. Rio de Janeiro, 7Letras, 2009. p. 112. SALES, Alírio Maia. Alírio Maia Sales: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 56 seg.). [Fazendeiro, 90 anos]. 121 54 justificava suas ações em favor da Igreja 122. Católico fervoroso e dono de muitas posses, como é lembrado por muitos em Amargosa, a figura do Coronel ganha destaque principal nas memórias da Igreja Católica local. Mas que um mês após a instalação do Bispado veio a falecer, em 15 de setembro de 1942, sendo “assistido religiosamente, nos seus últimos momentos, pelo Bispo Diocesano.”123 Renato Arrais verificou que no Recife, a crença na possibilidade de salvação atribuída a Igreja pode ter motivado as doações e atenção aos assuntos religiosos pelos “católicos de fato”. Em contrapartida, a Igreja velava e ajudava na passagem para a outra vida. Nesse sentido, a condição social se apresentava como elemento indispensável nessa relação, sendo reproduzida nos rituais finais desses indivíduos124 – o que remete às cerimônias realizadas quando da morte do Coronel em Amargosa. A instalação canônica da Diocese aconteceu em 15 de agosto de 1942 com a posse do primeiro Bispo, Dom Florêncio Sisínio Vieira, que chegou à Cidade no dia anterior a sua posse, sendo recebido na Estação da EFN – o Bispo atuou em Amargosa até 31 de janeiro de 1969, quando foi publicada a aceitação do seu pedido de renúncia ao Papa. Figura 8 – Chegada do novo Bispo D. Florêncio S. Vieira a Amargosa Autoria: NOGUEIRA, J., 1942. 1 fotografia, p&b125. 122 SAMPAIO, Valdemiro Vaz. Valdemiro Vaz Sampaio: entrevista [jul. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (67 min. 19 seg.). [Avicultor e comerciário aposentado, 90 anos].; SALES, Alírio Maia. Alírio Maia Sales: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 56 seg.). [Fazendeiro, 90 anos] 123 SAMPAIO, Gilberto Vaz. Histórico Amargosa: Livro de Tombo e outras curiosidades. Memórias. Amargosa, [200-?]. Trabalho não publicado. 124 ARRAIS, Raimundo. O Pântano e o Riacho: a formação do espaço público no Recife do século XIX. São Paulo: Humanitas: FFLCH: USP, 2004. p.165-172. 125 A Foto e as informações podem ser encontradas em: GALVÃO, José Raimundo. Diocese de Amargosa 70 anos: Memórias. Aracaju: Editora Criação, 2012, p. 27-28. p. 36. 55 A Figura 8 indica a recepção ao primeiro Bispo na escadaria da estação, contando com presença de pessoas ilustres e autoridades locais, em destaque o então Prefeito Dr. Raul Paranhos Dias dos Santos que, na oportunidade, proferiu um discurso de boas vindas, diante da presença do Padre Almeida e da multidão. Segundo as memórias do Padre Gilberto Vaz Sampaio, D. Florêncio chegou a Amargosa acompanhado do representante do Arcebispo Primaz, do Interventor Landulfo Alves, de muitas autoridades, considerável número de Sacerdotes, Seminaristas, recebido por todas as autoridades locais, Colégios, por uma multidão incalculável. À chegada foi saudado pelo Prefeito Municipal Dr. Raul Paranhos, abrindo as portas da cidade, e pelo Mons. José Andrade Lima.126 O Jornal O Paládio, de Santo Antonio de Jesus, em 20 de julho de 1942, noticiou o cronograma das festas a serem realizadas em comemoração ao novo Bispado, no mês de agosto do mesmo ano: sendo o dia 15 para a recepção ao Bispo; o dia 16 para celebração de solene Pontificial, Procissão e, à noite, Banquete oferecido pela “sociedade amargoense”, ao som das filarmônicas locais; no dia 17, quando ocorreriam apresentações e manifestações locais; e, por fim, o dia 18, quando seria, durante a manhã, “oferecido pela Prefeitura Municipal [...] um churrasco aos ilustres visitantes da cidade” e, à noite, uma festa pública no Jardim Lourival Monte, onde, também, seria organizada uma “festa chic” 127. Neste anúncio, observa-se a divisão das comemorações, em uma nítida distinção social, com eventos oferecidos à “sociedade amargoense” e aos “ilustres visitantes” e as festas populares e públicas, abertas a todos os moradores no principal equipamento público da época: o Jardim Lourival Monte. Os documentos também destacam a figura do Prefeito e da Prefeitura Municipal na recepção e promoção de festas em comemoração ao bispado que se instalara na cidade. No entanto, cabe salientar que a presença do Prefeito Raul Paranhos128 no evento suscitou 126 SAMPAIO, Gilberto Vaz. Histórico Amargosa: Livro de Tombo e outras curiosidades. Memórias. Amargosa, [200-?]. Trabalho não publicado. 127 AMARGOSA e o seu Bispado. Jornal O Paládio. Santo Antônio de Jesus, 20 jul. 1942. 128 De 1937 a 1945, o Brasil viveu no regime de exceção do Estado Novo, chefiado pelo presidente Getúlio Vargas, contando com o apoio dos chefes militares. No período da ditadura do Estado Novo, ocorreu a extinção da Justiça Eleitoral, sendo abolidos os partidos políticos e suspensas as eleições livres. Com a Constituição de 1937, entre outras ações, ficava a cargo do presidente da República a nomeação das autoridades estaduais, os interventores. E a estes cabia nomeação das autoridades municipais. Para o cargo de Interventor Federal da Bahia foi escolhido, entre diversos nomes, o engenheiro agrônomo Landulfo Alves de Almeida, que assumiu o governo desse estado durante mais de quatro anos (de 1938 a 1942). E no nível local, 56 críticas, resultando em uma denúncia às autoridades públicas do estado da Bahia, de que o mesmo, além da participação e realização de comemorações, havia ofertado ao novo Bispado uma quantia retirada dos cofres públicos para a sua instalação que estaria infringindo a Carta Política129 vigente na época, que proibia o Poder Público da prática e exercício de cultos. Até a primeira constituição republicana, quando foi proclamada a separação entre a Igreja e o Estado, a Igreja Católica possuía importante poder junto à sociedade brasileira – obtendo o monopólio sob a vida cotidiana e social, principalmente quando relacionada à família e à educação, e até político. O regime laico promulgado com a Constituição de 1891 resultou em mudanças significativas nas relações de poder, sempre conflitivas entre ambos, o que permite visualizar a fragilidade da laicização do Estado brasileiro. Também porque sob a perspectiva constitucional, a separação não dizia respeito à relação entre a religião e a política – a disputa pelo poder é algo mais complicado que um dispositivo jurídico-constitucional. Os princípios liberais até então admitidos quanto ao aspecto religioso foram modificados com a Constituição de 1934, o que possibilitou a interferência do religioso em assuntos políticos e públicos do Estado, e reforçados com a Carta de 1937, quando foi instaurado o Estado Novo e a Igreja Católica apoiava o presidente Getúlio Vargas. Muito embora o restabelecimento da democracia com a Constituição de 1946, as relações entre Estado/Igreja, no período, não mudaram muito130. É fato que, com o tempo, a Igreja Católica perdeu parte da sua hegemonia enquanto produtora de bens simbólicos, diante do surgimento de outras instituições religiosas, o que a fez mudar sua estratégia de atuação, mas que, no período em questão, tinha certa participação nos poderes públicos sob a perspectiva de atuar em “prol do interesse coletivo” 131. Assim, o Prefeito justificou, em documento, a sua presença, defendendo-se da acusação com o seguinte argumento: “Não seria o Prefeito – que deve ser sempre um reflexo da vontade popular – foi indicado o nome do médico Raul Paranhos Dias dos Santos que administrou o município de Amargosa no período de 1938 a 1943. 129 Legislação que trata da Separação do Estado das Igrejas: Decreto Nº 119-A, de 07 de janeiro de 1890, que declarou que a religião católica deixava de ser a religião do Estado; e a Constituição Federal de 24 de fevereiro de 1891, que indica a liberdade de culto religioso, seguidos por dispositivos legais da Constituição de 1891, que se seguem à proclamação da República em 1889. A segunda Constituição, de 1934, define uma orientação laicista, que resultou na crise nas relações entre Estado e a Igreja. 130 Sobre as relações entre Igreja e Estado, ver: LIMA, Janilson Rodrigues. Entre a Cruz e o Estado: Igreja Católica, Estado Novo e o corpo jovem fortalezenese (1937-1941). Disponível em: < http://www.ce.anpuh.org/1340150044_ARQUIVO_EntreaCruzeoEstado-ANPUH.pdf>. Acesso em: 15 maio 2013.; EMMERICK, Rulian. As relações Igreja/Estado no Direito Constitucional Brasileiro: um esboço para pensar o lugar das religiões no espaço público na contemporaneidade. In: Revista Latinoamericana. Sexualidad, Salud y Sociedad. Nº 5. 2010. p.144-172. Disponível em: <http://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/SexualidadSaludySociedad/article/view/383/822>. Acesso em: 15 maio 2013. 131 EMMERICK, 2013. 57 quem se abstraísse e tornasse a excessão (sic) no acontecimento”, já que este se enquadrava enquanto “cristalização de velha aspiração local”, embora mencionasse o conhecimento da rigidez da separação entre Igreja e Estado. Quanto à oferta do valor de $5.000.00 ao Bispado, ele informou que se onerou pessoalmente da importância, não havendo registro da despesa nos cofres públicos132. Apesar do discurso do Prefeito, que o relaciona como “reflexo da vontade popular”, a maior parte da população parecia excluída das principais decisões sobre os rumos da cidade, já que a criação da Diocese se apresentava enquanto “velha aspiração” de uma antiga aristocracia local. A denúncia da participação e colaboração do Prefeito no evento foi aqui analisada também por instigar algumas discussões, para além do objeto de estudo desta pesquisa, demonstrando a existência de forte oposição política e revelando as posições e grupos políticos rivais que formariam, entre 1945 e 1964, os dois partidos majoritários na cidade no período, o Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrática Nacional (UDN), que suscitam possibilidades de estudos específicos133. Durante o período em que assumiu o Bispado, D. Florêncio inaugurou o Seminário Menor, em 11 de fevereiro de 1944, quando começou a receber seus primeiros seminaristas, com papel relevante na escolarização masculina. Além disso, neste período, foram fundadas a Escola Paroquial e o Ginásio Santa Bernadete (1946), que contou com o apoio da Congregação Religiosa das Irmãs do Santíssimo Sacramento (Sacramentinas). Esta Instituição promovia aulas para o curso primário, inicialmente, e, depois, para os cursos de admissão, ginásio e pedagógico, abrigando alunas de várias cidades do interior. Dessa forma, começava a se delinear, a nível local, uma nova dinâmica desenvolvida com a atuação da Igreja Católica, que acabava também por contribuir para a criação de novas práticas e atrair pessoas para o município, também, por seu papel educacional. Conforme a Bula Papal, a Diocese, inicialmente, seria composta por 24 municípios: Amargosa, Affonso Pena (Conceição do Almeida), Aratuipe, Areia (Ubaíra), Brejões, Castro Alves, Itaquara, Itirussu, Jaguaquara, Jaguaripe, Jequiriçá, Laje, Maracás, Mutuípe, Santo Antônio de Jesus, Santa Inês, São Miguel das Matas, Santa Terezinha, Boa Nova, Conquista, 132 AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 133 Com o Decreto-Lei nº 7.586 de 28 de maio de 1945 foi restabelecida a Justiça Eleitoral, regulando em todo o País o alistamento eleitoral e as eleições. Em seu artigo nº 39 regula o registro dos candidatos que somente poderiam concorrer às eleições se registrados nos partidos – o que permitiu a criação dos partidos políticos. Sobre o assunto, ver: BRASIL. Decreto n. 7.586, de 28 de maio de 1945. Dispõe sobre o alistamento eleitoral e as eleições. Rio de janeiro. 1945. Legislação Federal. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=26767>. Acesso em: 5 jun. 2013. 58 Encruzilhada, Itambé, Jequié e Poções, perfazendo, em 1950, uma área de 70.000 km2 e uma estimativa de população de 700.000 habitantes 134. Com o tempo, seu território foi desmembrado, criando as Dioceses de Vitória da Conquista (27 de julho de 1957) e a de Jequié (07 de novembro de 1978) 135. A ideia da criação do bispado, talvez, tenha se dado a partir da crescente importância da cidade e dos efeitos do seu desenvolvimento econômico, permitindo que alguns segmentos das famílias locais pretendessem sediar outro território, embora em outras perspectivas (religiosas e educacionais), mas Amargosa passou a ter uma nova centralidade que permitiu trocas e acesso a novas realidades. As práticas socioespaciais, assim, são determinantes e determinadas por esses rearranjos locais. A análise dessa dinâmica local possibilita observar o delineamento e ocupação de um espaço, entendido como o município de Amargosa, da ferrovia e do café, que passou a articular economias, saberes e outras cidades, para, em seguida, perceber como foi construída e transformada sua paisagem urbana, em sua materialidade e nos seus modos de viver na urbe. 134 GALVÃO, 2012, p. 29. A área atual da Diocese abrange 27 municípios, a saber: Amargosa, Aratuípe, Cairu, Castro Alves, Conceição do Almeida, Dom Macedo Costa, Elísio Medrado, Iaçu, Itatim Jequiriçá, Laje, Milagres, Muniz Ferreira, Mutuipe, Nazaré, Nilo Peçanha, Presidente Tancredo Neves, Rafael Jambeiro, Santa Terezinha, Santo Antônio de Jesus, São Felipe, São Miguel das Matas, Taperoá, Ubaíra, Valença e Varzedo. 135 59 2 TRANSFORMANDO A CIDADE: FORJANDO ESPAÇOS DE ORDEM E PROGRESSO O fluxo contínuo de transformações econômicas, sociais, políticas e culturais, em fins do século XIX e meados do século XX, resultou em um novo dinamismo na sociedade, modificando o espaço, o tempo e os modos de praticar e perceber o cotidiano. O ufanismo modernizante136 embasava a maioria das intervenções urbanas do país e embora buscasse o progresso nem sempre resultou em melhorias de qualidade de vida da população. Desde a virada do século, almejava-se o progresso através da tentativa de urbanizar e civilizar as cidades, a partir dos modelos europeus. A apologia à ordem e ao progresso, também em Amargosa, fazia parte dos discursos e planos dos governantes e do anseio das camadas mais favorecidas da sociedade. Aos poucos o progresso foi apresentado na forma de embelezamentos das vias, na construção de praças e avenidas, na instalação de serviços de água, luz ou até mesmo de esgoto, entre outros, e na tentativa de modificar hábitos e costumes da população. Neste ínterim de transformações urbanísticas, foram identificadas algumas das principais palavras de ordem do período: “melhorar”, “transformar”, “racionalizar”, “urbanizar”, “civilizar”, “embelezar”, que indicavam, também, a necessidade de introdução de novas formas de sociabilidade e modos de vida da urbe. A década de 1930 foi marcada por um período de experimentação política no país137, que desejava romper com o passado e implantar o novo e o moderno nas cidades. Em Amargosa, embora os interesses comerciais tenham motivado a sociedade, a economia moviase em torno da agricultura, o que ainda lhe imprimia uma imagem tipicamente rural e provinciana. O anseio pela modernização permitiu a (re)avaliação dos principais espaços da cidade e todas as imagens e ações que não servissem ao progresso e a manutenção da ordem deveriam ser suprimidas. 136 O ufanismo modernizante que caracterizou os discursos e as transformações urbanísticas desde o final do século XIX trouxe consigo uma noção de ordem urbana, quando o progresso humano, muitas vezes, foi confundido com o progresso material. Para Robert Moses Pechman, a ordem higienista desenvolveu as concepções de que todos os males urbanos derivavam de cidades mal construídas e mal traçadas. Assim, urgia “curar, sanear, higienizar e intervir, reformar, embelezar transformaram-se num verdadeiro programa de política urbana, numa nova modalidade de ordem a permear as relações sociais entre as pessoas, coisas e grupos no espaço urbano”. PECHMAN, Robert Moses. A cidade dilacerada. In: SOUZA, Célia; PESAVENTO, Sandra. Imagens Urbanas: os diversos olhares na formação do imaginário urbano. Porto Alegre: Ed. da Universidade; UFRGS, 1997. p. 214-215. 137 GOMINHO, 1998, p. 15. 60 O processo de transformação do centro da cidade, baseado nos anseios das famílias tradicionais que também se revezavam no poder, possibilitou a (re)criação de suas identidades alicerçadas por uma nova materialidade urbana que se pretendia moderna. Muito embora existissem ainda aspectos primitivos comuns a pequenas cidades do interior, o que permite a visualização de contrastes entre velho e novo, antigo e moderno. Dentre as fontes analisadas neste capítulo, além das fotografias, dos jornais e documentos do Arquivo Público Municipal (atas, leis, decretos, telegramas, petições, entre outros), foram localizados no Arquivo Público do Estado da Bahia e no Fórum de Amargosa diversos processos-crimes do período. Desses últimos, são destacados dois, já que o período foi permeado de experiências e mudanças políticas que acabaram por influenciar no cotidiano da cidade138. O primeiro diz respeito a uma defesa do Prefeito Dr. Raul Paranhos Dias dos Santos a termos de representação e/ou denúncia contra a sua administração, por indivíduos de grupos políticos locais dissidentes139. O segundo refere-se a uma denúncia-crime contra o seu principal opositor na cidade, o Escrivão Vilarino Borges dos Santos, considerado, por seus defensores, como defensor incansável dos interesses locais. Nos autos de defesa das denúncias contra sua administração 140, o Prefeito Raul Paranhos evocou duas datas: o Movimento de 1930 e a “aurora de 10 de Novembro de 1937”, e que, para ele, resultaram na profunda transformação do país “de sentido moral, social, político, jurídico e administrativo”. Essa menção visava comparar o novo regime ao antigo, enquanto ruptura para um novo momento pelo qual passava o país. Neste sentido, indicava as denúncias como “proposições descabidas, inverídicas, insubsistentes, propositadamente construídas pela maldade, com o sentido dramático de procurarem resultados e efeitos políticos [...] tão comuns no antigo regime.”141 138 Para Zélia de Oliveira Gominho, não é possível estudar a história do Brasil no período do Estado Novo sem considerar o contexto político da época: “Ao estudarmos a história do Brasil no período de 1937 à 1945 dificilmente poderemos nos afastar do contexto político. Não só pela presença predominante de uma historiografia preocupada com a dimensão política institucional, mas também pelas práticas e representações, criadas e recriadas nesse período, terem sido formuladas sob a égide de uma nova concepção de política ou de relação entre Estado e Sociedade”. GOMINHO, Zélia de Oliveira. Veneza Americana X Mucambópolis: o Estado Novo na cidade do Recife (décadas de 30 e 40). Recife: CEPE, 1998, p. 80. 139 O município de Amargosa foi administrado pelo Prefeito Raul Paranhos entre os anos de 1938 e 1943, período este em que prevaleceu o Estado Novo. As dissidências políticas contra o seu governo, tomavam forma nas diversas denúncias encaminhadas a Justiça por indivíduos que fundariam os futuros partidos e protagonizariam a luta política entre o final da década de 1940 e primeiros anos de 1960 – principalmente, PSD e UDN. 140 Os processos-crimes encontrados e referentes a questões políticas, em sua maioria, estão relacionados a queixas ou denúncias que envolvem os Senhores Vilarino Borges dos Santos, serventuário da Justiça, e Afrânio Cerqueira e Silva, conhecido rábula da cidade, e que fariam parte do Diretório da UDN em 1946. 141 AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 61 As dissidências políticas continuaram ao longo dos anos, sendo também denunciado e processado, diversas vezes, o seu principal inimigo político, o Sr. Vilarino Borges dos Santos. Em um dos processos, julgado em 1954, a defesa do serventuário da Justiça argumentou que este seria alvo dos adversários políticos que não aceitavam a sua atuação política na cidade e que desejavam o “afastamento de Vilarino Borges de Amargosa”: Como político, o denunciado é um constante defensor, desambicionado, dos interesses locais, não medindo sacrifícios para, sob a égide da lei, enfrentar lutas contra certas autoridades prepotentes e atrabiliárias que por aqui têm passado, repelindo-as pelos jornais e pela justiça, conseguindo condenações para uns, remoções para outros e exonerações de vários, como foram os casos do Tenente Nestor Tavares; do Prefeito Raul Paranhos; dos soldados Agenor e Osvaldo e muitos outros, prova de que suas atitudes são calcadas em pontos básicos de legalidade, tanto que a justiça e as autoridades do Estado as acolheram punindo os faltosos. Dessas lutas, como é natural na política do interior, certos elementos que desejam não passe isto aqui de um feudo, onde a vassalagem e a submissão fossem os atributos incondicionais dos que residissem em Amargosa, advêm fortes inimisades (sic) contra o ora acusado que, por sua vez, tempo também não perde no quebramento desse tabu, politisando (sic) e pedagogiando o povo dos direitos que lhe assalte de verberar, de blaterar contra os desmandos em busca das garantias do cidadão, como previstas na Carta Magna do Paiz (sic).142 Atribuía os procuradores à Vilarino Borges, assim, o papel de politizar a população e defender os interesses locais da atuação, para eles, “arbitrária” dos políticos aos quais fazia oposição. Como defesa, também foi ponderada a forte oposição que o denunciado fazia, inclusive, a Raul Paranhos e que resultou no afastamento do Prefeito da Prefeitura. Segundo eles, o plano seria sempre o de expor a figura de Vilarino, diminuindo-lhe a moral perante a opinião pública e convencendo as autoridades judiciárias do seu demérito para contestar as falhas políticas e administrativas dos gestores e servidores municipais. Em contraposição, Raul Paranhos questionou as contestações contra sua administração que, para ele, significavam um “racionarismo (sic) às renovações do Estado vigente” e citando a fala do então Ministro Marcondes Filho, “... Frigoríficos do outrora” que “representam a escravatura do passado”. Dessa forma, os ideais do Estado Novo, o qual representava, foram chamados ao argumento, sendo o processo-documento, por ele montado, definido como a 142 O processo-crime em questão informa que após ser agredido a chicotadas pelo seu inimigo pessoal e político – o Sr. Julio José Rodrigues (também indiciado em outro processo), Vilarino Borges dos Santos, em revide, feriu a pauladas seu adversário político, bem como sua esposa. Ver: AMARGOSA, Fórum de. Processo Crime. Carta Precatória (Lesão Corporal). Ano. 1954. 62 “transubstanciação de coisas improcedentes” e a comprovação da “verdade” 143 . Os autos da sua defesa compunham um dossiê contendo argumentos e cerca de cinquenta e cinco documentos, bem como mais de duzentas fotografias de Amargosa e região, que, segundo as suas justificativas, se apresentavam enquanto atestado das ações realizadas, a maior expressão da “verdade”: [...] junto uma quantidade de peças documentaes, incontestaveis – significativo retrato dos fatos, espelho refletor da verdade. São fotografias fixadoras e precisas de trabalhos realisados no transcurso da gestão prefeitural [...]; são documentos, com autenticidade absoluta, instruidores jurídicos e históricos, apoiados no tempo, e, jamais por isso mesmo, repelidos pelo Direito.144 É certo que as fotografias permitem o reconhecimento da cidade de outrora, deixando monumentalizada uma perspectiva do passado e remontando um sentimento de nostalgia; no entanto, não podem ser vistas enquanto verdade incontestável do passado, já que sofrem influência do seu autor, que escolhe cenas, personagens, momentos, entre outros. Se os arquitetos e idealizadores urbanistas deixaram suas marcas no traçado das cidades, os artistas – fotógrafos – visualizaram organizações e remanejamentos dos seus espaços, criando e revelando essas novas imagens145. Entre os fotógrafos-autores que perenizaram as imagens de Amargosa, apenas aparecem nos registros de particulares ou oficiais os Senhores Manoel Ciríaco de Oliveira Neto (“Fotografia Oliveira”) e J. Nogueira (como assinava). As fotografias são originárias, sobretudo, das famílias tradicionais e das administrações municipais, sendo que estas últimas contratavam os serviços de fotógrafos com objetivo de registrar seus feitos, como é o caso das imagens capturadas por J. Nogueira 146 e constantes, em sua maioria, nos autos de defesa do Prefeito Raul Paranhos. Já os outros registros fotográficos, como os produzidos por Oliveira147, serviram de cartão-postal ou fizeram parte de álbuns comercializados por ele, no 143 AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 144 Ibid. 145 KHOURY, Yara Aun. “Arquitetura e Arte nas mutações da cidade”. In: PROJETO HISTÓRIA 18. Espaço e Cultura. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e Departamento de História PUC-SP. Nº 18. São Paulo: EDUC, 1999. p. 65. 146 Não foram localizadas informações nos documentos referentes ao Fotógrafo, cuja assinatura era J. Nogueira. Sabe-se que este foi contratado pelo Prefeito Raul Paranhos para registrar as principais obras do seu governo. 147 O Senhor Manoel Ciríaco de Oliveira Neto era o fotógrafo mais conhecido na cidade. Segundo as lembranças dos entrevistados, Oliveira era o “melhor e mais conhecido na época” em Amargosa. Ele divida seu tempo com a fotografia e entre outras atividades comerciais na época. 63 período, reproduzindo imagem(ns) que referencia(vam) os melhores aspectos da e sobre a cidade. O acervo fotográfico sobre Amargosa permite visibilidades dos seus mais variados aspectos: ruas, construções, eventos, entre outros. Numa sociedade que se pretendia moderna, dotar a cidade de elementos e símbolos que evidenciassem o progresso seria o objetivo maior, dada a importância que se atribuía ao aspecto visual das urbes – a visão seria o sentido mais requisitado nos rituais urbanos148. Dessa forma, as transformações deveriam atuar no campo da visualidade, que atrelada aos discursos formariam as imagens que cada cidade pretendia externar. Essa civilização da imagem demonstra visualmente as suas sequências 149, que podem ser identificadas em cada transformação urbana: em suas ruas, avenidas, praças, jardins. Neste sentido, “a cidade é sempre um organismo em transformação” 150 e suas construções históricas são incompletas, (re)criadas em cada momento histórico. Cada cena urbana, retratada em Amargosa, revela uma tentativa de modernização do espaço em uma época de predomínio do campo e suas principais atividades correlatas, perenizando cenários de constante inter-relação entre rural e urbano. Desde finais do século XIX, “uma cidade bela era indício de riqueza, prosperidade e civilização” 151. Acompanhando também tais mudanças ocorridas nos grandes centros urbanos brasileiros, ao longo do tempo, os administradores municipais de cidades beneficiadas pelo cultivo e comércio do café incorporaram esse ideal de embelezamento. A tarefa de encontrar o novo e o belo numa localidade do interior baiano, tal como lograram os maiores centros políticos e econômicos do Brasil na época, São Paulo e Rio de Janeiro, é um tanto difícil de compreender. Mas é conveniente que essa perspectiva seja levada em conta quando se projetam políticas públicas para o alcance nacional: o culto ao moderno152 e a tentativa de adesão ao progresso. A diversidade de estudos existentes sobre o processo de modernização de diferentes cidades brasileiras153, aqui tomados enquanto referencial, centraram a atenção para as 148 Sobre a preocupação com o aspecto visual em Salvador, ver: FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. Fazendo fita: cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930.Salvador: EDUFBA,2002.p.17. 149 KHOURY, 1999, p. 67. 150 NASCIMENTO, Francisco Alcides do. Em busca de uma cidade perdida. In: Dossiê História Oral. Nº5, 2002, p. 181. 151 FOLLIS, Fransérgio. Modernização Urbana na Belle Époque Paulista. São Paulo: UNESP, 2004. p. 84. 152 “Moderno” aqui identificado enquanto ruptura do passado colonial. 153 Sobre o assunto ver: SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo: sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992; REZENDE, Antonio Paulo. (Des)Encantos Modernos: histórias da cidade do Recife na década de vinte. Recife: FUNDARPE, 1997; FONSECA, 64 reformas implementadas em centros urbanos e as tensões existentes em cada período, o que em muito contribuiu para a compreensão do processo, identificando os seus limites e chamando a atenção para o cuidado com a tendência a generalizações, colocadas como paradigmas completos a todas as outras evidências. É certo que a transformação de pequenas cidades, como Amargosa, não apresentou as mesmas potencialidades de grandes cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo, mas a diversidade das realidades históricas de cada localidade permitiu a cada uma delas utilizar do ideal de modernização, conforme suas possibilidades. 154 Neste capítulo objetiva-se entender as principais transformações pelas quais passou a cidade e que permitiram a criação de novas visualidades que a representariam, após o declínio do comércio e esplendor da “Pequena São Paulo”, evidenciaram os elementos fundamentais para a construção da nova identidade de “cidade jardim”. Será analisada, dessa forma, a paisagem urbana e as formas de recepção das mudanças ocorridas na urbe, inicialmente, definidas pela construção material da cidade e de sua ordenação para depois tentar entender as novas práticas e sociabilidades cotidianas, bem como os possíveis conflitos de ordem que resultavam desse processo. “Artes de fazer” o lugar a partir das experiências humanas, capazes de localizar nas vivências cotidianas os espaços para a criação de novas alternativas, em contraposição à ideia de hegemonia dos processos socioculturais.155 Nesse sentido, são percebidas as significativas transformações do centro do município de Amargosa, dinamizado, principalmente, pelo comércio agroexportador, mas que passou por uma série de crises, diminuindo seu poder enquanto polo regional para outras cidades do Recôncavo – como Santo Antonio de Jesus. Embora os discursos – dos representantes do poder municipal e das camadas mais abastadas da sociedade – fomentassem as transformações urbanísticas, as suas ações públicas e práticas reguladoras do espaço, muitas vezes, segregavam boa parte da população local. Contudo, a materialidade construída e as práticas socializadas modificaram a paisagem urbana da municipalidade, permitindo a (re)produção de novas imagens e discursos sobre a cidade. Raimundo Nonato da Silva. Fazendo fita: cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador: EDUFBA, 2002; SOUSA, Fabio Gutemberg Ramos Bezerra de. Cartografias e imagens da cidade: Campinas Grande – 1920-1945. 2001. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2001.; GOMINHO, Zélia de Oliveira. Veneza Americana X mucambópolis: o Estado Novo na cidade do Recife (décadas de 30 e 40). Recife: CEPE, 1998; JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. Verso e reverso do perfil urbano de Fortaleza (1945-1960). São Paulo: Anablume, 2003; ARRAIS, Raimundo. O Pântano e o Riacho: a formação do espaço público no Recife do século XIX. São Paulo: Humanitas: FFLCH: USP, 2004. 154 Sobre a busca pela modernização de pequenas e médias cidades brasileiras, ver: FOLLIS, Fransérgio. Modernização Urbana na Belle Époque Paulista. São Paulo: UNESP, 2004. p.17. 155 CERTEAU, 2011. 65 2.1 MELHORAMENTOS URBANOS: SERVIÇOS ESSENCIAIS Desde finais do século XIX, a atenção dos administradores públicos se voltou para os melhoramentos indispensáveis para o viver na cidade, como as obras de saneamento, iluminação, abastecimento de água e de carnes que permitiriam à cidade uma visão tipicamente moderna. As primeiras solicitações para concessão da exploração de serviços públicos (construção e gestão do Matadouro Municipal, iluminação, abastecimento de água, entre outros) foram localizadas em documentos anteriores ao período de estudo, através de petições a Câmara Municipal por empresas concessionárias locais, formadas pela especulação entre as atividades essenciais de uma zona urbana em desenvolvimento e que contavam com o apoio ou mesmo investimento dos comerciantes e fazendeiros locais (os coronéis) e/ou de financiamentos bancários, conforme será discutido a seguir. Ao analisar o processo de expansão da cidade de Fortaleza e os obstáculos ao bemestar da sociedade, Gisafran Nazareno Mota Jucá observou que o funcionamento de alguns serviços urbanos também envolvia a atividade de particulares, que usufruíam de protecionismo e que a maioria dos serviços básicos atendia apenas a um pequeno percentual da sociedade que, como usuários, reivindicavam e pressionavam as autoridades públicas 156. Tal análise remete à situação vivenciada em Amargosa, que apesar de apresentar algumas melhorias urbanas, elas estavam disponíveis, muitas vezes e de forma precária, apenas a um percentual restrito da população, gerando uma série de reclamações aos poderes competentes. Contudo, era evidente a intencionalidade do poder público de implantar as mudanças sanitárias necessárias à urbanização da cidade. Em Salvador, segundo Raimundo Nonato da Silva Fonseca, várias transformações já podiam ser visualizadas, dentre elas: ruas alargadas com maior iluminação e ventilação; sistema de distribuição de água potável; mercados para comércio de gêneros alimentícios, entre outros. E muito além do propósito higienista atribuído a tais serviços, eles contribuíram para a criação de uma imagem moderna para a cidade157. Em Amargosa, o desejo dos gestores municipais e das famílias tradicionais em implantar tais melhoramentos na zona urbana resultou na tentativa de reprodução dessas transformações urbanas comuns às grandes cidades do país. Ao primeiro contato com as fontes, foi destacada a tentativa de resolução dos problemas relacionados ao abastecimento de carnes, que iam além da estrutura do prédio e do 156 JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. Verso e reverso do perfil urbano de Fortaleza (1945-1960). São Paulo: Anablume, 2003. p. 97. 157 FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. Fazendo fita: cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador: EDUFBA, 2002. p. 32. 66 local que abrigava o matadouro municipal até a exploração dos serviços. Este caso específico não pode ser compreendido ignorando a importância da construção de Matadouros Públicos para as cidades, pois este era o principal espaço de regulação de abate e corte do gado, que abastecia o local e alguns pontos da região. Conforme a necessidade das mudanças urbanas e sanitárias, propostas e executadas pela municipalidade, em 1890, o projeto inicial indicou a preocupação na transferência do Matadouro para “um local mais apropriado”. Escolhido o local para edificação do prédio, após inúmeras sessões da Câmara Municipal, passou-se à discussão acerca da contratação do serviço para edificação do prédio. Os anos se passaram e só no final da década de 1920, na administração do Intendente Antonio Espinheira, foi iniciada a obra para construção do Matadouro “Modelo”, que, segundo os discursos da época, se apresentava como uma “obra pública de subido valor” para o município 158. O novo prédio do Matadouro em Amargosa foi destacado como uma obra municipal de vulto, não só por otimizar o comércio e o serviço de uma atividade econômica local importante, mas porque também seria construído um “novo e moderno” matadouro para a cidade159, com estrutura arquitetônica diferenciada, que em sua monumentalidade estaria de acordo com a estética urbana, sendo utilizado como exemplo de ações e obras municipais nas revistas de propaganda de diversos governos do município. A presença do antigo Matadouro em Amargosa, para além de apresentar elementos tipicamente rurais (animais, vaqueiros, entre outros) nos espaços centrais da cidade, acabou por incomodar a população e o poder público por estar próximo às moradias, devido ao mau cheiro e as condições anti-higiênicas do lugar. A preocupação com a salubridade foi revelada quando alguns médicos foram contratados para fiscalizar e emitir parecer acerca das condições de higiene do local. Em contrato assinado com o poder público, em 20 de julho de 1929, o Dr. Carlos Cavalcanti da Silveira se comprometeu a realizar a manutenção do prédio, inclusive, atendendo às exigências do Código Sanitário do Estado da Bahia, bem como tomou o encargo de construir um mercado de carnes verdes na cidade e galpões nos Distritos, ficando cada uma das partes com 50% da renda auferida. Durante a administração municipal 158 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. O processo de modernização de Feira de Santana incluiu a construção dos “Currais Modelos” como alternativa a comercialização de gado no município. Os Currais, no período, se apresentavam enquanto elementos imprescindíveis ao progresso daquela cidade – onde e quando os ideais higiênicos e disciplinares, aliados as práticas comerciais foram introduzidos na urbe. Neste sentido, a implantação destes espaços permitiu a representação de um padrão urbanístico desejado, deslocando a imagem de uma Feira de Santana de bases rurais para outra, dotada de estruturas urbanas adequadas. Sobre os “Currais Modelo”, ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em tempos de modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano (1950-1960). 2008. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008. p. 42-46. 159 67 do Dr. Domício de Barros, já em dezembro de 1930, o termo foi revisado e aditado160, ficando o contratado com a obrigação de finalizar as obras necessárias à construção do prédio e em iniciar a administração deste, logo após a sua inauguração161, realizada em 1º de janeiro de 1931, contando com a participação de grande número de pessoas e de figuras ilustres da região e do estado162. Apesar de dispostas em contrato, as condições de higiene e salubridade indispensáveis ao tratamento do local não foram atendidas. Em sessão ordinária do dia 4 de março de 1933, o Conselho Consultivo de Amargosa promoveu reunião objetivando analisar os contratos assinados para exploração do Matadouro, celebrados nas gestões anteriores entre a Prefeitura Municipal e o Dr. Silveira e que, pela sua natureza, segundo o Conselho, vinha “provocando revolta geral da população amargoense”. Na oportunidade, foi solicitado o envio de uma representação ao Interventor Federal, requerendo poderes para rescindi-lo, como que se oficiasse o Prefeito a necessidade da sua intervenção contra o “ludibrio de que está [estaria] sendo victima (sic) a Municipalidade”, pois em 20 de dezembro havia encerrado o prazo para finalização das obras (que iam além da estrutura do prédio, alcançando também os currais) e reformas necessárias, mas não havia sido cumprido. Argumentava-se que o Conselho tinha o “dever moral de defender os interesses da Collectividade (sic)” 163 e a missão de tentar resolver a situação, se não sob a forma de negociação local, com a intervenção federal no caso. Apesar da interrupção no andamento da obra, por diversas vezes, as autoridades municipais trabalharam na transferência em definitivo do Matadouro. As iniciativas para resolução do problema foram registradas em inúmeras discussões na Câmara, bem como em solicitações ao Estado para análise e intervenção no caso e até mesmo no envio de engenheiros para elaboração de projeto de construção de um “Mercado Modelo” na cidade. A fala dos vereadores municipais nas atas das sessões sempre destacava a intencionalidade em dotar a cidade do equipamento, pois não admitiam “que uma cidade importante como é Amargosa não se tenha ainda cuidado de tão importante melhoramento.”164 160 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. ATA de Sessão Pública. Livro de Termos e Atas do Conselho Consultivo. Amargosa, Bahia, Brasil. 4 mar. 1933. 161 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. ATA de discussão e acordo sobre o contrato lavrado entre a Prefeitura Municipal de Amargosa e o Senhor Carlos Cavalcante de Albuquerque. Livro de Termos e Atas do Conselho Consultivo. Amargosa, Bahia, Brasil. 18 dez. 1930. 162 Só foram localizadas fotografias do prédio do Matadouro construído na década de 1920, no ano de 1943, quando foi reformado o imóvel durante o governo do Prefeito Raul Paranhos, conforme segue nas páginas seguintes. 163 Sobre o assunto, ver: AMARGOSA, Prefeitura Municipal. ATA de Sessão Pública. Livro de Termos e Atas do Conselho Consultivo. Amargosa, Bahia, Brasil. 4 mar. 1933. 164 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 20 jun. 1949. 68 Contudo, o anseio dos vereadores não foi suficiente para conseguir o referido equipamento público, já que o poder público municipal não dispunha dos recursos necessários para a obra. A implantação de um mercado modelo em Amargosa, entre outras possibilidades, agregaria esforços no sentido de regularizar o abastecimento de carnes (aliado a outros produtos) e em sua arquitetura moderna seria mais um elemento para incrementar a materialidade urbana que se pretendia, contudo não aconteceu. As mudanças efetivas que se seguiam ao longo dos anos pareciam mais relacionadas à preocupação com a estrutura física que abrigava o prédio do Matadouro já construído, do que com as condições de acessibilidade e qualidade dos produtos para a população em geral, pois, conforme as fontes, os lucros obtidos pela empresa só aumentavam e o serviço não apresentava melhorias. Em ofício, o Prefeito Raul Paranhos convidou o Interventor Federal para participar das inaugurações de obras realizadas em 15 de novembro de 1939, como homenagem ao cinquentenário da instalação da República. Dentre as obras se encontrava a completa restauração do prédio do Matadouro Público e dos seus currais de contenção do gado a ser abatido165. O Jornal O Estado da Bahia, datado de 01 de setembro de 1942, também noticiou a reconstrução do Matadouro pelo Poder Público Municipal, para otimizar o serviço de abastecimento de gado166. Dessa forma, observa-se que no período estudado apesar de intervenções pontuais no sentido de regularizar o serviço de abastecimento e torná-lo mais acessível à população pobre167, a maioria dos documentos analisados indica que as melhorias existentes estavam relacionadas, sobretudo, à estrutura física do prédio. Uma forte tendência do poder público municipal em conservar a estrutura do prédio que, junto a materialidade urbana (re)construída, agregava os elementos modernos que o município deveria externalizar. 165 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO Nº 154 da Prefeitura Municipal de Amargosa ao Interventor Federal do Estado da Bahia. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 03 nov. 1939. 166 AMARGOSA, Cidade líder do Sudoeste Bahiano. Jornal O Estado da Bahia. Salvador, 1 set. 1942. 167 A administração municipal demonstrou sua preocupação com a população mais carente, quando instalou um açougue de emergência, cujo objetivo era o de “beneficiar a classe pobre [...], tornando-se assim mais barata a carne verde e fazendo uma grande barreira aos gananciosos do mercado de gado.” O que faz referência aos concessionários do serviço público diretamente ligados aos grandes fazendeiros locais e comerciantes de gado que controlavam o comércio praticado pelo matadouro municipal. Este excerto do jornal também evidencia a impossibilidade da população pobre em adquirir o produto, pois se fazia necessário o barateamento da carne verde, e, mais, a situação em que havia chegado a concessão do serviço a ponto da municipalidade ter de instalar um açougue de emergência para concorrer com o preço praticado pelos “gananciosos do mercado de gado” (os grandes fazendeiros locais). AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO nº 315 da Prefeitura Municipal de Amargosa ao Médico Itinerante do Serviço de Saúde Pública. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 20 nov. 1940. 69 A Figura 9 exibe a Fachada do prédio do Matadouro já reformado, perenizando um dos feitos do então Prefeito Raul Paranhos, em 1943, que, igualmente aos gestores das décadas anteriores, indicou o espaço como sendo de grande valor para cidade. Além disso, considerando as discussões a respeito do local mais adequado e que abrigaria o “novo” prédio, pode ser observado que este, ainda em 1943 quando a fotografia foi registrada – situava-se em um campo aberto, longe das habitações, porém, em local próximo da urbe 168. Figura 9 – Prédio do Matadouro Municipal reformado Autoria: NOGUEIRA, J., 1943. 1 fotografia, p&b169 Os projetos de modernização também incluíam outros serviços públicos necessários à cidade e, em especial, a introdução de iluminação pública que passou a ser um dos grandes símbolos da modernidade. A sua implantação expressou a novidade, pois utilizava as mais variadas tecnologias, e resultou em transformações na infraestrutura urbana e mudanças no cotidiano da população. Salvador já contava com a energia desde 1885, no entanto, “a cidade ainda não era bem servida de luz elétrica” – o que colocava em pauta a necessidade de um melhor serviço de iluminação pública para a capital. Para Fonseca, “a exigência de um melhor serviço de iluminação pública era decorrente do hábito de sair à noite para divertir-se, que os baianos vinham cultivando com mais frequência, o que requeria maior conforto e maior segurança”. 170 168 Fotografia parte do relatório fotográfico disponível em: AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 169 A estrutura do prédio do antigo Matadouro ainda resiste ao tempo e, nos últimos, serviu ao município, porém, com outras funcionalidades. Relatório fotográfico disponível em: AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 170 FONSECA, 2002, p. 38. 70 Nas cidades do interior baiano, a introdução do serviço de iluminação pública ocorria de forma lenta e conforme as possibilidades econômicas de cada localidade 171. Até as primeiras décadas do século XX, os municípios concediam os serviços de eletricidade no país, que dependiam da relação entre as administrações locais e as empresas, bem como a responsabilidade e a fiscalização sobre os contratos e a sua execução. Em Amargosa, a necessidade de instalação do serviço de iluminação pública foi apresentada como uma das principais discussões do Conselho Municipal. O serviço, no início do século XX, ainda ocorria através de combustores, alimentados a querosene, e utilizavam lampiões. Mesmo de forma ineficiente, esse serviço já possibilitava novos aspectos a Vila. Só a partir de 21 de novembro de 1925, o serviço foi modificado. Entre os documentos foi localizado o contrato original, assinado nesta data entre a Intendência e a Sociedade Anonyma Companhia Luz Eléctrica de Amargosa, legalmente representada pelos Senhores Anselmo Moreira Coelho, Manoel Cyriaco de Oliveira e pelo Engenheiro Eletricista Virgilio Velloso de Oliveira, por um período de 40 anos e com isenção de impostos aos contratados172. A principal cláusula do termo determinava a execução do serviço de iluminação pública e particular à força motriz, por meio de motor a gás ou hydro elétrica173. Ainda no contrato, ficou acordado que os proponentes deveriam oferecer energia para todas as ruas e casas sujeitas ao imposto de décima urbana – sobretudo, nas suas principais praças: do Comércio e Manoel Vitorino, bem como para todos os serviços urbanos públicos ou particulares, incluindo os trabalhos das indústrias e da lavoura. Em resposta a uma circular enviada pelo Governo Federal em 1939, o então Prefeito Raul Paranhos enviou um telegrama informando as condições sobre a energia elétrica do 171 A luz elétrica passou a ser desejada em outras cidades do estado. Algumas localidades do interior baiano passaram a ser servidas pela eletricidade em um ritmo muito mais lento que Salvador. Em 1920 foi inaugurada a Usina Hidroelétrica de Bananeiras em Paulo Afonso. Só na década de 1940 foi construída a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) – criada em 1945 e constituída em 1948, cuja missão, entre outras, era estender o serviço de eletricidade para todo o Estado da Bahia. Sobre o assunto, ver: SOUZA, Edinelia M. Oliveira; SOUZA, Edilma Oliveira. Modernização e vida urbana na cidade de Santo Antonio de Jesus – BA. Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/Simposio/cSouzaSouza_Modernizacao.pdf>. Acesso em: 1 out. 2012. 172 Em maio do mesmo ano, os incorporadores da Companhia realizaram duas assembleias objetivando constituir a sociedade (negociando as ações entre indivíduos influentes na sociedade) e elaborar o seu estatuto. No entanto, cerca de quatro anos após a constituição da Empresa, a mesma foi arrendada ao mecânico e eletricista Alberto Macêdo por um período de dez anos – de 02 de outubro de 1929 a 02 de outubro de 1939. Findo esse prazo, ocorreu a prorrogação do mesmo até o ano de 1944, quando foi mais uma vez aditado sem prazo determinado, continuando o Sr. Alberto Macedo a obrigação de cumprir o Contrato existente entre a Empresa e a Prefeitura. Só em 16 de fevereiro de 1946 o arrendatário solicitou rescisão afastando-se da Empresa. AMARGOSA, Fórum de. Processo: Autuação (Sequestro). Ano. 1946. Processo: Apelação Cível (Ação Ordinária de Arbitramento). Ano. 1947. Processo: Embargo de Terceiros. Ano. 1948. 173 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. CONTRATO s/nº entre a Intendência Municipal de Amargosa e a Sociedade Anonyma Companhia Luz Eléctrica de Amargosa para exploração dos serviços de iluminação pública e particular. Amargosa, Bahia, Brasil. 21 nov. 1925. 71 município, dentre as quais destacava que o serviço só existia no perímetro urbano, não havendo iluminação elétrica em outras localidades do município. 174 Apesar de não ser acessível a todo o município, o serviço era desejado, pois também representava importante requisito para uma cidade que se pretendia moderna e civilizada. Mesmo contratadas e ajustadas as cláusulas que garantiriam a implantação do relevante serviço público, os problemas aconteciam, levando ao descontentamento do poder público e da população. Uma das queixas apresentadas por moradores da cidade, por exemplo, foi localizada na forma de matéria sob o título: “Amargosa novamente ameaçada de ficar às escuras”, publicada em 2 de janeiro de 1940 pelo Jornal O Estado da Bahia175. A matéria traduziu o descontentamento da população frente à ameaça de não contar com tal serviço, o que se destacava também como um retrocesso no processo de urbanização e modernização da cidade. As reclamações de deficiência da iluminação pública continuaram com o tempo. De um lado, os ofícios encaminhados aos principais acionistas da Companhia de Energia Elétrica de Amargosa, solicitando restabelecimento dos serviços, então deficientes, em vários trechos da cidade. De outro, a população que, insatisfeita com o serviço público ou mesmo a falta dele, protestava a deficiência deste serviço – através de denúncias em jornais176 ou até mesmo agredindo funcionários da companhia 177 ou, ainda, representações contra os administradores municipais e/ou contra o arrendatário da empresa. O Jornal O Estado da Bahia, em matéria publicada em 01 de setembro de 1942, mais uma vez questionava sobre a situação municipal: “Quem da zona do sudoeste (sic) baiano não conhece o caso ruidoso da luz elétrica de Amargosa?”, e, assim, completava: “Quase todo mundo responderá que sim. Os Prefeitos que ali passaram não deram atenção ao caso do pagamento da luz elétrica de Amargosa.” Mas, desta vez, o Jornal atribuía ao Prefeito Raul Paranhos o empenho em tentar resolver a situação em quitar o débito com a concessionária 178. Cabe salientar o cuidado ao analisar tais fontes, já que, por vezes, apresentam reportagens 174 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. TELEGRAMA Nº 45 da Prefeitura Municipal de Amargosa ao SECEFMF/RJ. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 24 jun. 1939. 175 AMARGOSA, novamente ameaçada de ficar às escuras. Jornal O Estado da Bahia. Salvador, 2 jan. 1940. 176 A maior parte das denúncias foi publicada no Jornal O Estado da Bahia. 177 Nos autos da defesa do Prefeito Raul Paranhos consta, no item dois, uma denúncia acerca de medida policial de feição repressiva (e não preventiva) contra agitadores no município que agrediram fornecedores de energia elétrica em Amargosa, devido a precariedade do serviço oferecido pela Empresa. AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 178 AMARGOSA, Cidade líder do Sudoeste Bahiano. Jornal O Estado da Bahia. Salvador, 1 set. 1942. 72 com discursos diferentes, quando o mesmo jornal ora denunciava o Prefeito Raul Paranhos como responsável pela deficiência do serviço de energia no Município (como na notícia aqui analisada de 02 de janeiro de 1940), ora destacava o Prefeito como único administrador a tentar resolver a questão. No entanto, o jornal de uma forma geral criticava o serviço e indicava a necessidade de resolução do problema. Em sessão pública do Conselho Consultivo Municipal, datada de 23 de setembro de 1945, as principais autoridades municipais (dentre estas, o Prefeito Américo Vaz Sampaio, o Bispo D. Florêncio Sisínio Vieira e o Promotor Dr. Jaime Muniz de Aragão Oliver) cobravam do Senhor Alberto Macedo uma solução para a situação em que se achava a luz elétrica de Amargosa. Após longa discussão e negociações, o contratado se comprometeu a consertar a Usina Elétrica de Amargosa e realizar os melhoramentos necessários 179. A mobilização das principais autoridades da cidade para resolver o problema confirma a importância deste serviço para o progresso e modernização da paisagem urbana, contudo, a situação persistiu. Em 18 de julho de 1947 foi rescindido o Contrato entre a Prefeitura e a Empresa, sendo dissolvida a Companhia em 22 de setembro de 1947. Como consequência da crítica situação pela qual passava a Empresa, o maquinário e o material da Companhia foram considerados de utilidade pública pela Prefeitura Municipal de Amargosa, para fins de desapropriação, assumindo o município a iniciativa de exploração do serviço.180 Em 1948 foram adquiridos novos motores para incrementar o maquinário existente, o que rendeu ao Prefeito João Leal Sales e ao Governador Otávio Mangabeira moções de louvor na Câmara Municipal: A Câmara dos Vereadores do Município de Amargosa, no início dos seus trabalhos de 1949, cumpre o dever indeclinável de, traduzindo os sentimentos [...] de gratidão do povo Amargosense, votar e aprovar uma moção de louvor ao Prefeito João Leal Sales pela maginifica (sic) administração que vem fazendo e particularmente pela instalação vitoriosa do serviço de luz Elétrica nesta terra, velha aspiração de muitos anos. [...] E de solidariedade e aplausos ao Eminente Governador Dr. Otavio Mangabeira 179 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 25 nov. 1948. 180 A Firma da Companhia Luz Elétrica de Amargosa S/A foi dissolvida em 31 de janeiro de 1949, quando o Sr. Vilarino Borges dos Santos, possuidor de quase totalidade das ações da Empresa, declarou que “por motivo de fôrça maior, pois que as rendas da Cia. nem davam para a sua manutenção; que a firma foi dissolvida [...] em virtude da sua precária situação econômica e financeira”. Sobre o assunto, ver: AMARGOSA, Fórum de. Processo. Recurso Ordinário nº 140. Ano. 1951. Sobre processo de desapropriação ver Decreto-Lei Municipal Nº 264. 14 out. 1947. Disponível em: AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 3 abr. 1940. 73 [...] pelo valioso auxílio que o seu Governo prestou ao Município de Amargosa na instalação do serviço de luz elétrica desta Cidade. 181 Os documentos indicam que as tentativas de implantar um serviço de iluminação pública eficiente, agora sob a responsabilidade direta da Prefeitura, continuaram. No entanto, a moção pode evidenciar a importância deste serviço para a cidade, que, embora insuficiente, propiciou um novo modo de viver na urbe e, quiçá, a possibilidade de uma vida noturna pública mais dinâmica, onde as luzes artificiais permitiam a cidade a adentrar, de acordo com suas possibilidades, num novo tempo, do progresso e da modernidade. Outros serviços também ocupavam lugar de destaque nas preocupações das sucessivas administrações municipais, dentre eles o abastecimento de água e a preocupação com a salubridade. As fontes indicam que o abastecimento de água da cidade era realizado através do transporte em animais. Um processo-crime registrou a denúncia realizada contra o menor F.P., que foi contratado pelo negociante Daniel Cerqueira e Silva para o serviço de condução de água e abastecimento da casa do contratante, mas que acabou por roubar o animal de carga182. Para além do delito registrado no referido processo, a fonte analisada evidencia como acontecia o abastecimento da cidade: contratando funcionários para o serviço ou adquirindo o líquido que era negociado pelos “aguadeiros”. Em todos os casos, anterior a implantação do serviço em Amargosa, era necessário o carregamento do líquido até as casas. Oliveira analisou o papel dos “aguadeiros” para o abastecimento de água em Feira de Santana – BA, chamando a atenção para o fato de que esta atividade representava, à luz dos discursos do poder público no período, costumes considerados antigos183. Da mesma forma, em Amargosa fazia-se necessária a instalação do serviço de água encanada com o objetivo de realizar o desejo de uma urbe moderna e longe das práticas destoantes da sonhada modernização. Até 1947, o serviço de fornecimento de água e de saneamento da cidade não havia sido resolvido, problema este que constava nos programas de governo dos dois candidatos a Prefeito: Rubens Vaz Sampaio (UDN) e João Leal Sales (PSD). O Programa do candidato Rubens Vaz Sampaio previa medidas para sanar o problema de abastecimento de água da cidade, cujo discurso estava direcionado à dificuldade de acesso da população ao “precioso líquido”: 181 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 2 maio 1949. 182 AMARGOSA, Fórum de. Processo crime. Queixa-crime (Roubo). Ano. 1936. 183 OLIVEIRA, Ana., 2008, p. 132-136. 74 É doloroso ver-se a população aflita em busca do precioso líquido, cujo transporte feito em animais, não satisfaz às necessidades, dadas as dificuldades de acesso ao manancial, principalmente na época invernosa. Máquinas novas para Usina e um grande reservatório de água construído nos terrenos adjacentes ao prédio da referida Usina, resolverão esses dois importantes assuntos.184 A promessa política contida no programa de governo do candidato identifica o serviço de água como um dos maiores problemas da cidade, indicando o transporte do líquido em animais como ineficiente. Além disso, evidencia a dificuldade de acesso ao produto, sobretudo, durante o Inverno. Em sua propaganda eleitoral, o candidato da oposição, João Leal Sales, eleito Prefeito a partir de 1948, também destacou a necessidade de solucionar a situação, cujo programa considerava a necessidade de empregar processos modernos e higiênicos para tais serviços. As formas de acesso ao imprescindível mineral – em mananciais, fontes ou por meio dos aguadeiros – resultou na (re)avaliação das posturas quanto à utilização da água. A necessidade do produto pela população é o que justificava as promessas e os planos de dotar a cidade de tão relevante melhoramento: implantação de sistema hídrico. O desejo de conseguir essa importante obra estava imbricado nos discursos dos partidos políticos da cidade. No entanto, em termos de políticas públicas não se concretizou no período estudado 185. A composição do cenário desejado para a urbe também indicava a necessidade de manter a cidade limpa e organizada. Em denúncia, moradores reclamaram à redação do Jornal O Estado da Bahia a situação em que se encontrava a cidade devido à falta de higiene. Neste sentido, apontou o descuido dos fiscais que são nomeados para este fim: Os prefeitos dos Municípios [...] costumam nomear um fiscal ou um inspector sanitário que se tomam a incumbência de fazer cumprir os preceitos de hygiene dictados (sic) pelas necessidades do município, não só para que, os amontoados de sujo não o dêem logar (sic) as nuvens de murissocas (sic) como também para que a cidade apresente aos olhos do publico com a limpeza que deve ser peculiar a todas as localidades. 186 184 AMARGOSA, Fórum de. Processo crime. Queixa-crime (Difamação). Ano. 1947. Antes da década de 1950, existiam na cidade apenas cinco locais de armazenamento de água: “o chafariz da Igrejinha antiga (hoje Praça do Cristo); água da Rua do Buraco (hoje Rua Dr. Hélio Rocha); água da Baixa do Sapo (Chácara de Seu Joaquim e Dona Santa) e depois foi vendida para o Senhor Manoel Ciríaco; chafariz da Rua Nova; e a fonte da Minguara”. Só em 1952 foi construído o Reservatório de Água em Amargosa e em 1954 foi inaugurado o Sistema de Água na cidade. Sobre o assunto, ver: SANTOS, Emanuel Oliveira dos. Amargosa de A a Z: Eu conto os contos que me contaram em contos e histórias, 1825 a 2008. Amargosa, [200-?]. Trabalho não publicado. 186 AMARGOSA, Falta de Hygiene em. Jornal O Estado da Bahia. Salvador, 23 jan. 1933. 185 75 A preocupação com o olhar do público ao conjunto estético, revelado pelo articulista, pretendia livrar a cidade da imundície das ruas e dos espaços particulares: “É sabido que um dos pontos principais da hygiene (sic) residencial é aquelle (sic) que dita como de grande utilidade para a prevenção das moléstias a caiação e limpeza das casas, toda vez que estas mudem de inquilinos”. A reforma na fachada das casas também se apresentava como aspecto principal da higiene pública e a caiação interna das residências como uma espécie de “desinfecção” dos ambientes. Neste sentido, o asseio desejado para os diferentes ambientes da urbe – públicos ou particulares – objetivava prevenir a propagação das moléstias e dotar a cidade de um ambiente higienizado. Os políticos de oposição continuavam com as denúncias das falhas administrativas, sendo a deficiência no serviço de asseio da cidade delatada pelo Vereador Afrânio Spínola do Partido UDN, em sessão da Câmara: Verificamos que, neste setor as cousas (sic) vão de mal a pior, desde a administração passada. Quando da gestão – Américo Vaz Sampaio e (aqui faço um parêntese, para uma explicação: não sou amigo do Sr. Américo Vaz, nem tampouco, fui ou sou correligionário de S. Senhoria. Estou lembrando o seu nome, comentando um fato, que não pode ser contestado). Efetivamente, o asseio da Cidade, quando da gestão de Américo Vaz, era muito bom, daí para cá, dia a dia se torna pior. Além da sujeira diária, nas ruas principais (as zonas suburbanas, nem é bom falar), verifica-se nos dias de domingo, até quase ao meio dia, os montões de lixo [...]. A coleta do lixo vem sendo com uma displicência de irritar. Além do asseio ser feito em hora imprópria, os empregados da limpesa (sic) publica, esfarrapados, quase nus, (sinal que vem percebendo salário de fome) é uma nota triste, para nós que aqui vivemos, quanto mais para o visitante, que, muitas vezes desacostumados a tais fatos, os observa dolorosamente! A carroça, parece, vem da administração passada, já aos pedaços. Urge modificar tal estado de cousas (sic) e o Exmo. Sr. Prefeito, o fazendo, prestará um serviço a terra que vem administrando. 187 O asseio das principais ruas da urbe se apresentava como elemento fundamental para tornar a cidade mais agradável. Ao discurso que reclama o serviço ineficiente de coleta do lixo foram adicionados os fatos dos servidores da limpeza trabalharem sem fardamento e por perceberem baixa remuneração, bem como pelo fato de a carroça de recolhimento do lixo estar quebrada, o que para os olhos do edil, destoava da imagem que a cidade deveria exportar aos visitantes. Como argumento balizador, o Vereador ainda fez referência à gestão do Prefeito anterior, enfatizando que aprovava seus serviços frente à Prefeitura, mesmo não 187 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 2l fev. 1948. 76 sendo seu correligionário. A comparação da gestão de João Sales com a do seu antecessor (Américo Vaz Sampaio) se apresenta, dessa forma, como elemento de subsídio a sua contestação. E continuou as reclamações, agora discorrendo sobre a quantidade de animais soltos nas ruas da cidade nos dias de feira e criticando a ineficiência da fiscalização municipal: É lamentável e até perigoso, o número de animais que ficam nos dias de sábado, soltos ou amarrados as árvores nos armazéns de Estivas e Compras etc. Há poucos dias, o Dr Agenor G. Araújo, digno vereador licenciado, chamou-me a atenção para a quantidade de animais que fica impedindo o trânsito de pedestres e até alguns feirantes, derrubando suas cargas, sobre os passeios da Cidade. A fiscalização municipal deve agir, prohibindo (sic) abuso que tais. Temos um chamado “Curral do Conselho”, portanto, que se prenda os animais, porém que se o faça, agindo com um certo modo, sem maltratar aos lavradores afim de não os afastar da Cidade. Agindo sem violências e... prendendo os animais de gregos e troianos, de Pessêdistas ou Udenistas. A propósito, vou citar uma passada ocorrência, que não afeta a dignidade de pessôa alguma, porém serve para reforçar esta minha advertência, para que se resolvam as cousas (sic) com imparcialidade. Quando era prefeito o Sr. Américo Vaz, existia um fiscal por nome Baco. O rapaizinho (sic) não era mau, porém não possuía a menor dose de tolerância com os adversários. Um dia, ele se apresentou bem em frente a minha casa de residência, onde se encontrava um animal amarrado a árvore fronteiriça. Reclamou num tom de autoridade ditatorial e não aparecendo o “dono”, gritou para o seu “Secretário” – “leva o bicho para o Curral”. A esta voz, surge da casa visinha, pessoa muita conhecida, nessa ocasião, correligionário do Prefeito e disse no seu jeitinho de quem está “de cima”: - Olá rapaz, o bicho é meu... e a resposta foi incontinente: “-Ah!... é seu? Então nós deixa (sic)”. E deixou mesmo. 188 A circulação de animais nas ruas da cidade destoava dos sinais de urbanidade desejada para a urbe189. A quantidade de animais soltos resultava em perigo aos transeuntes. Urgia a necessidade do recolhimento dos animais, indispensáveis ao comércio e ao transporte de pessoas e cargas, no “Curral do Conselho”, até o retorno à zona rural. A advertência do edil vai além, chama a atenção para a existência de fiscais que proibiam a permanência de animais nas vias públicas da cidade. No entanto, rememora um fato acontecido na gestão anterior e que destaca, mais uma vez, a perseguição e a briga político-partidária entre os dois grupos majoritários na cidade: PSD e UDN. Dessa forma, orienta a medida disciplinadora de prisão dos animais independente de posição política – 188 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 2l fev. 1948. 189 Sobre o assunto, ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em tempos de modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano (1950-1960). 2008. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008. p. 127. 77 “prendendo os animais de gregos e troianos, de Pessêdistas ou Udenistas” – e sem uso da violência, pois assim poderia afastar os lavradores indispensáveis ao comércio da cidade. Para a efetivação de uma feição moderna na cidade cabia a extinção dos hábitos e ações considerados impróprios, bem como a transformação da materialidade urbana, seja nos serviços públicos necessários ao viver na urbe ou nos espaços que significassem o novo, o moderno. O desejo de efetivar uma urbe moderna, através, também, da normalização do atendimento dos serviços indispensáveis à cidade, muitas vezes não correspondeu à realidade. Por trás dos discursos e práticas ditas modernas, se encontrava a ineficácia, a falta de recursos financeiros e até a falta de vontade da política para equacionar melhorias urbanas. A perspectiva de implementar uma rede de serviços públicos comuns nas grandes cidades do país no período implica na ideia de benefício de toda a população, o que não acontecia, uma vez que tais serviços – quando existentes – não atendiam todos os segmentos da sociedade, mas a uma parcela mais abastada da sociedade. Além disso, favorecia os concessionários (investidores locais, sobretudo, os coronéis, dominadores da política local) com suas cláusulas exorbitantes (inclusive no sentido de aumentos constantes das taxas) e previstas em longos períodos de privilégio. Mas que se apresentavam como elementos de progresso, pois modificavam, mesmo que tímida e insuficientemente, o cotidiano dos moradores do centro da urbe. Esses melhoramentos pontuais teriam continuidade e seriam ampliados, baseados na busca pela estética e embelezamento urbano, que também se destacariam nos discursos dos administradores municipais. 2.2 MUDANÇAS NA PAISAGEM: INTERVENÇÕES ESTÉTICAS As projeções, planos e preceitos urbanísticos expressavam a necessidade de transformações urbanas mais visíveis. Buscava-se constituir uma cidade onde a ordem e o progresso não estivessem distantes. As mudanças destacariam um novo momento, enfatizando novas práticas e a criação de novos espaços, através do movimento entre demolição e construção, não só de espaços públicos, mas também dos privados. Neste reordenamento do espaço estariam os planos de efetivação de novas formas de estar ou de viver na urbe. Embora tivessem maior ocorrência entre as décadas de 1930 e 1950, os projetos urbanísticos iniciais aparecem nos documentos encontrados nas Atas Municipais do final do século XIX, sendo justificados pelos administradores públicos enquanto necessidade de “modernização” dessa nova cidade que se pretendia, através da instalação de 78 novos espaços coletivos e de equipamentos e serviços públicos, bem como do “alinhamento e embelezamento” da urbe.190 Segundo uma notícia do Jornal A Tarde, de 13 de julho de 1933, em Amargosa “nos últimos annos (sic) registraram-se alguns impulsos do progresso, o que tem contribuído para a modificação do seu aspecto primitivo” 191 . As principais transformações ocorreram mais especificamente no seu centro, para atendimento dos anseios de um Poder Público e de parte da população local diretamente beneficiada pelo comércio do café a fim de representar-se como uma cidade moderna em contraposição ao considerado arcaico período colonial. Iniciado o processo de expansão, com o tempo, a cidade passou a contar com a presença de alguns casarões e de calçamento, quando uma parcela da população mais beneficiada com o comércio agrícola, interessada em se manter mais próxima das decisões saiu de suas residências rurais para se instalar neste espaço. Em 1938, o Prefeito Raul Paranhos determinou a área urbana que compreendia a sede do município para além da sua composição inicial, agregando novos bairros192. No entanto, a zona urbana ainda era muito pequena e somente uma diminuta parcela da população residia nela, conforme exposto no primeiro capítulo. No auge das discussões em torno da transformação do centro da urbe – alvo dos discursos e dos desejos e que se desejava transformar –, cogitou-se a transferência ou construção de novos equipamentos urbanos em um novo espaço da cidade, como a construção de um novo templo católico e a transformação da antiga Praça Manoel Vitorino em um dos mais belos jardins do interior baiano. A composição desse novo cenário permitiu nova visualidade à cidade, desenvolvendo os elementos que compuseram a nova identidade que a representava. As antigas formas deste espaço destoavam da imagem almejada para a cidade pelo poder público e as famílias tradicionais locais. É possível também inserir neste contexto a intencionalidade de representantes da Igreja Católica em aderir à perspectiva de embelezamento da urbe193, já na transferência do templo católico para este local. O centro da Freguesia era demarcado, inicialmente, por uma capela, sendo a base urbana do local até alcançar seu status de cidade. Em 1991, quando do centenário de 190 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal da “Vila de Nossa Senhora do Bom Conselho d’ Amargosa”. Amargosa, Bahia, Brasil. 10 dez. 1894. 191 AMARGOSA. Jornal A Tarde. Salvador, 13 jul. 1933. Coluna do Interior, p. 2. 192 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. ACTO nº 52. Livro de Registro de Actos e Leis da Prefeitura Municipal de Amargosa. Nº 5. Amargosa, Bahia, Brasil. 31 dez. 1938. 193 Sobre a contribuição da igreja católica nas paisagens das cidades, ver: ARRAIS, Raimundo. O Pântano e o Riacho: a formação do espaço público no Recife do século XIX. São Paulo: Humanitas: FFLCH: USP, 2004. p.157-165. 79 Amargosa, um grupo de interessados pela história local editou a Revista Amargosa Centenária, afirmando a interferência e o poder da Igreja no período: “Amargosa, como a maioria das nossas cidades, emergiu da religiosidade dos primeiros agricultores que aqui chegaram.”194 O que pode demonstrar o papel da Igreja Católica nas pequenas localidades em processo de formação, que sempre “chegava antes da emancipação política da cidade e outros serviços básicos.”195 Figura 10 – Capela, sede da Freguesia Nossa Senhora do Bom Conselho. Autoria: Sem informação do autor, [193-?]. 1 fotografia, p&b. 196 A Figura 10 revela a situação em que se encontrava a antiga Matriz de Amargosa que, “além de ser uma construção antiga começando a ruir, já não apresentava condições de acolher convenientemente os fiéis”, fazendo-se, “portanto, necessária a construção de outra igreja.” 197 A fotografia demonstra a falta de importância dispensada ao antigo espaço, uma vez que o novo já se encontrava em vias de construção e projetado conforme as necessidades locais. Falta de importância esta não aceita pelo fotógrafo que registrou o antigo templo, perenizando o cenário que ficou na lembrança como um dos primeiros espaços da cidade. A citação anterior, a saber: “condições de acolher convenientemente os fiéis”, destacou a necessidade de ampliação do espaço que acomodasse um maior número de fiéis – permitindo a hipótese que, no período, já pretendiam a implantação da Diocese em Amargosa. No entanto, fazendo um deslocamento temporal, as informações localizadas nas fontes 194 REVISTA AMARGOSA CENTENÁRIA. 1891-1991. Itabuna, 1991. SANTOS, O., 2011, p. 24. 196 ACERVO da Prefeitura Municipal de Amargosa. 197 GALVÃO, 2012, p. 22. 195 80 indicam mais que isso: a necessidade de adaptação das instalações físicas da Igreja aos preceitos urbanísticos e estéticos da cidade, conforme analisado a seguir. Em 1894, o Cônego José Soares Portella, Vigário da Freguesia de Amargosa, solicitou ao Conselho Municipal da Cidade que mandasse marcar o local e dar alinhamento para a nova Igreja que seria construída, e que o dito Conselho julgasse o lugar “mais conveniente ao aformoziamento (sic) da cidade e às conveniências do culto”, sendo aprovado e solicitado, pelo dito Conselho, que o requerimento fosse arquivado “para em todo tempo constar.”198 Em troca, o Cônego colocou à disposição do Conselho um terreno situado na Praça Riachuelo, pertencente ao patrimônio da Padroeira da Freguesia, sob o argumento de que a construção naquele local (em virtude da dimensão e extensão do Projeto) “poderia prejudicar-lhe o embelezamento”. O então representante da Igreja Católica local já demonstrava que a referida instituição religiosa poderia contribuir para as transformações urbanísticas na cidade, quando indicou o novo templo a ser construído como possibilidade de embelezamento da cidade. Argumentou o clérigo que o novo templo foi projetado conforme os preceitos e “traçados modernos” e com essa justificativa tentava conseguir que a nova Igreja ficasse situada em um dos espaços centrais e novos da urbe. Ainda neste ínterim, o Conselho fez questão de constar e arquivar a solicitação do Cônego para “todo tempo constar”, sem maiores justificativas, mas que, talvez, fosse para que no futuro pudesse comprovar a “troca” dos terrenos da Igreja com o município. Escolhido e definido o novo lugar, mais tarde seriam iniciadas as obras de construção. Segundo José Raimundo Galvão, em seu livro sobre a Diocese de Amargosa, a pedra fundamental da nova Igreja a ser construída foi lançada em 15 de agosto de 1917, pelo então Vigário Cônego Francolino d’Alves Oliveira, em um espaço maior na antiga Praça Manoel Vitorino (atual Praça Lourival Monte). O projeto executado, inspirado numa Igreja da Holanda199, contou com a aprovação do arcebispo da Bahia, D. Jerônimo Thomé da Silva200. No entanto, conforme artigo publicado no Jornal O Conservador, em 02 de Agosto de 1936, a primeira pedra da nova Matriz foi colocada em 1920, seguindo o Projeto de João Miguel Lourenço201. A inexatidão com relação à data que marcou o início da obra indica o longo período de execução dos serviços até a sua finalização. 198 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal da “Vila de Nossa Senhora do Bom Conselho d’ Amargosa”. Amargosa, Bahia, Brasil. 16 jan. 1894. 199 SAMPAIO, [200-?]. 200 GALVÃO, 2012, p. 22. 201 AMARGOSA e a sua nova Matriz. Jornal O Conservador. Semanario, Noticioso, Litterario e Popular. Nazareth, 2 ago. 1936. 81 Devido, sobretudo, à falta de recursos, as obras seguiram lentamente ao longo dos anos. As autoridades religiosas pareciam ter interesse em seguir o progresso que almejava o poder público da cidade, chamando esse argumento para conseguir fundos para a finalização da construção que se delongava com os anos. Assim, mais outra negociação entre poder público e Igreja foi iniciada para decisão acerca da demolição da primeira capela do local que nos idos da década de 1930 já se encontrava em péssimo estado de conservação, destoando da estética da urbe, mas que garantiria à Igreja uma quantia a efeito de desapropriação a ser, então, utilizada para término da construção da nova matriz. Em 1º de janeiro de 1931, foi realizada uma reunião entre a Interventoria Municipal e a Comissão Organizadora de Obras da nova Igreja Matriz, a fim de formalizar um Convênio cujo objeto principal era a resolução da situação precária em que se encontrava a antiga capela, que constituía um “atentado à vida pública, ameaçando desabar a qualquer momento, sendo a demais um ludibrio aos sentimentos cathólicos (sic) do povo amargoense e a esthetica (sic) da cidade”. A Comissão criticava o descuido com um espaço sagrado católico e deixava evidente, nesta justificativa, como os interesses religiosos poderiam estar relacionados a questões típicas da administração pública municipal, sobretudo no que tange à conservação ou (re)criação de símbolos que representassem a principal religião local nas praças da cidade: do antigo templo à nova Igreja e construção da estátua do Cristo. O interventor achou por bem, após discussão, ordenar a desapropriação da antiga Igreja que quase em ruínas, dava “um aspecto triste a praça principal da cidade”. Para tanto, entrariam em negociação para a indenização pelo ato. No entanto, o chefe municipal alegou o decréscimo das rendas municipais e a Comissão sugeriu a cobrança de uma taxa adicional nos impostos de exportação, cujo proveito seria revertido em prol da desapropriação, ficando ajustado e decretado, assim: seriam cobrados mais 500 reis por volume de café ou fumo e 100 reis por couro de boi a ser exportado.202 Tal ação, segundo a administração municipal e a comissão de construção da Igreja, resolveria a questão estética da principal praça da cidade na época, com a demolição do antigo templo, bem como a contribuição permitiria as “obras indispensáveis a celebração dos actos” da nova Matriz. Apesar do acordo de 1931, em 13 de julho de 1933, o Jornal A Tarde registrou a situação da velha igreja ainda em ruínas no centro do comércio da cidade, pois se achava “quase completamente demolida”, reafirmando a antiga negociação entre o Poder Público e a 202 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. ACTA de Convênio celebrado entre a Interventoria Municipal de Amargosa e a Comissão encarregada das obras da nova Igreja matriz. Livro de Termos e Atas do Conselho Consultivo. Amargosa, Bahia, Brasil. 1 jan. 1931. 82 Mitra para este fim e que ainda não havia sido resolvida. No entanto, não deixou de fazer menção à construção da nova igreja que em comparação a situação do primeiro templo, já estava em vias de conclusão – das decorações internas pelo grande artista Antônio Pedro Ferreira – e que já podia ser considerado “como dos melhores que possui o Estado”. A matéria do jornal apresentava, mais uma vez, a indicação do pensamento da época, considerando que a antiga capela “não correspondia à importância da cidade.”203 Embora a subvenção tenha sido acordada, em 1931, entre a Interventoria e a Comissão de Obras da Igreja para fins de indenização por desapropriação, uma ata de sessão do Conselho Consultivo de Amargosa, datada de quatro de março de 1933, registrou a leitura de um ofício do Padre Antonio José de Almeida cobrando pagamento a efeito de desapropriação da antiga Matriz. Neste, o padre lembrava ao Conselho Municipal que desde três de setembro de 1928 já havia sido votada e aprovada a Lei nº 237 que autorizava o Prefeito a abertura de crédito especial para a referida indenização. Justificava-se no pleito à ação municipal, “a bem da esthetica” da urbe, que “situada na praça mais movimentada”, oferecia “maximé aos olhos do visitante, pela sua construcção archaica (sic), um aspecto triste, nada recommendavel (sic) aos creditos da cidade”. A solicitação incita a dúvida sobre a contribuição do Poder Público Municipal, seja na subvenção (a partir do acréscimo do imposto de exportação), ou no pagamento na forma de crédito especial (cobrado pelo padre), pois as duas formas dizem respeito ao mesmo fim: indenização por expropriação do terreno onde funcionava a antiga Matriz pela Prefeitura. Na ata em questão, o conselho consultivo deliberou ainda a favor do pleito do Padre, autorizando o Prefeito a abrir crédito de seis contos de réis para esse fim, que seriam parcelados mensalmente e que garantiria a Prefeitura o direito de dispor do material advindo da demolição do templo.204 Ademais, não foi localizado nas fontes se esta deliberação foi cumprida pela gestão municipal e como se deu o pagamento entre as duas formas de compensação pela desapropriação ou mesmo se ocorreu o referido pagamento duplamente, mas os documentos municipais (as atas) indicam a colaboração do poder público municipal para a construção do novo templo católico que foi inaugurado em nove de agosto de 1936. A velha matriz, à luz dos discursos progressistas da época, destoava da nova situação atribuída à cidade, o que pode ser inferido nos trechos “não correspondia a importância da cidade” ou “nada recommendavel aos creditos da cidade”, assim, eram tecidos os argumentos 203 AMARGOSA. Jornal A Tarde. Salvador, 13 jul. 1933. Coluna do Interior, p. 2. AMARGOSA, Prefeitura Municipal. ATA de Sessão Pública. Livro de Termos e Atas do Conselho Consultivo. Amargosa, Bahia, Brasil. 4 mar. 1933. 204 83 que pretendiam extirpar daquela nova materialidade urbana, uma estrutura considerada “archaica”, era necessário dar visibilidade ao “novo”. O Jornal A Tarde, de 13 de julho de 1933, noticiou ainda que no sítio primitivamente ocupado pela primeira igreja seria “collocado (sic) um obelisco commemorativo (sic)”. No entanto, demarcando o local da primitiva Igrejinha que foi demolida, foi erigido pela Prefeitura, sob iniciativa do Prefeito Dr. Raul Paranhos, um monumento ao Cristo Redentor, constituído de uma estátua de concreto armado (uma réplica do Cristo, erguido no Rio de Janeiro), na antiga Praça Cônego Francolino. A obra foi executada pelo escultor Antônio Pedro Ferreira, responsável pelas decorações internas da Igreja Matriz da cidade, e foi inaugurada em missa campal em 1º de março de 1939. Figura 11 – Estátua do Cristo Redentor Autoria: NOGUEIRA, J. [1939]. 1 fotografia, p&b. 205 Segundo o Ato nº 48, de 30 de novembro de 1938, o Prefeito abriu crédito especial para “construção de um monumento commemorativo ao Christo Redemptor (sic), no local onde há cem annos existiu o primeiro Templo Catholico do Município e o qual data a fundação desta Cidade” 206 . O Cristo, assim, assumiu o lugar da antiga Capela, Figura 11, como o marco da fundação da cidade. 205 Fotografia disposta em: AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 206 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. ACTO. Livro de Registro de Actos e Leis da Prefeitura Municipal de Amargosa. Nº 5. Amargosa, Bahia, Brasil. 30 nov. 1938. 84 O símbolo católico também se apresentou como um indício do “novo”, como ícone da modernidade: uma “miniatura do Cristo do Corcovado” 207: A Cidade de Amargosa possue (sic) um dos mais tocantes e enternecedores monumentos: Christo Rei, imperando em uma das suas mais belas praças n’uma comovente atitude, os braços amplamente estendidos para a benção dos seus filhos e dos seus destinos, em magnifico exemplo de cristandade. 208 A descrição acima, do monumento do “Christo Rei” vai além da perspectiva de embelezamento da urbe, permitindo a visualização da importância da religião católica para a população local. O monumento foi pensado e erigido enquanto um símbolo da principal religião da cidade, numa espécie de recomposição da paisagem com elementos que remetem, ao mesmo tempo, ao sagrado e ao progresso. A citação acima também apresenta um discurso, produzido no período do Estado Novo, sobre um “Christo Rei” que abençoa “filhos”, “súditos” de uma cristandade – permitindo observar a relação forte do Estado (representado pelo Prefeito Raul Paranhos) com a Igreja Católica. Com a efetivação da República, uma série de transformações ocorreu na Igreja Católica, redimensionando seu poder na sociedade.209 Nesse sentido, pode-se destacar que, em primeiro lugar, a edificação da Catedral pode evidenciar também a ideia de necessidade de construção de um edifício religioso que conseguisse representar os novos modelos e, ao mesmo tempo, que refletisse a participação da Igreja nas novas questões, mas sem perda de seus valores específicos. Em segundo lugar, a mudança do local para edificação desse templo também poderia destacar a perspectiva de centralização, uma vez que o novo espaço onde seria erigida a Catedral seria o “lugar” dos principais prédios públicos da cidade 210, ou parte do “centro do poder”. Neste sentido, a arquitetura, concretizada em pedra, cimento, ferro e vidro, forja, através de sua estrutura, símbolos que sustentam propósitos e projetos políticos próprios. Conforme pode ser observado na Figura 12, a arquitetura da Igreja Matriz obedeceu a um estilo arquitetônico neogótico 211, largamente utilizado no país desde fins do século XIX, 207 REVISTA Bahia Tradicional e Moderna. Salvador, Abr. 1939. HISTÓRICO do Município de Amargosa. Amargosa, 1939. Mimeografado. 209 ALMEIDA, Marcelina das Graças de. A Catedral da Boa Viagem de Belo Horizonte: fé, modernidade e tradição. In: DUTRA, Eliana de Freitas (Org.) BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1996. p. 258. 210 Sobre a redefinição da cartografia urbana e símbolos do poder local, ver: SOUSA, Fabio Gutemberg Ramos Bezerra de. Campina Grande: cartografias de uma reforma urbana no Nordeste do Brasil (1930-1945). In: Revista Brasileira de História. São Paulo. V. 23. Nº 46, 2003. p. 82. 211 No século XIX, algumas construções brasileiras seguiram o estilo “neogótico”, congregando algumas características do gótico medieval em contraste com os estilos clássicos dominantes na época. Sobre o padrão 208 85 com traçados e proporções clássicas, onde se observa a quase ausência de plantas e formas curvas, optando-se pelas linhas retas e pelo verticalismo. Figura 12 – “Festa chic” em comemoração a instalação da Diocese de Amargosa Autoria: NOGUEIRA, J. 1942. 1 fotografia, p&b212 No mesmo espaço que abrigou o novo templo católico, foi construído o novo Jardim, cuja obra foi finalizada antes da terminação da Igreja, em 1934. Na tentativa de acelerar a modernização e embelezamento da cidade, na década de 1930, o Prefeito Lourival Monte apresentou o projeto para construção de um Jardim, na antiga Praça Manoel Vitorino213 – espaço aberto que até então era utilizado como área de pastagem, rancharia ou para instalação de circos e touradas (Figura 13). A nova praça projetada uniria os elementos estéticos a propósitos sociais, permitindo novas sociabilidades. estético neogótico, ver: ALMEIDA, Marcelina das Graças de. A Catedral da Boa Viagem de Belo Horizonte: fé, modernidade e tradição. In: DUTRA, Eliana de Freitas (Org.) BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1996. 212 Fotografia disposta em AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 213 Nas viagens ao passado, através das fontes, foi localizada uma discussão da Câmara Municipal, em 10 de dezembro de 1894, acerca de um Projeto de Lei cujo objetivo era o ajardinamento da antiga Praça Manoel Vitorino, que gerou intenso debate sobre o “stylo” da nova praça a ser edificada que, após consenso e definição, foi unanimemente aprovado. O que pode, talvez, levantar a hipótese de que apesar de ser construída durante a gestão do Lourival Monte, na década de 1930, poderia ter sido planejada muito antes da sua administração. Sobre o assunto, ver: AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal da “Vila de Nossa Senhora do Bom Conselho d’ Amargosa”. Amargosa, Bahia, Brasil. 10 dez. 1894. 86 Figura 13 – Praça Manoel Vitorino antes da construção do Jardim Público Municipal Autoria: OLIVEIRA, Manoel Ciríaco, [192-?]. 1 fotografia, p&b. 214 Analisando as Figuras 13 e 14, observa-se, ao fundo, que existiu uma conservação de boa parte dos antigos casarões antigos de estilo colonial com telhados a mostra, que ainda resistiam ao tempo no entorno da Praça. Nesse local, apresentavam-se, segundo os moradores mais antigos, bandas e orquestras regionais – Figura 14. Figura 14 – Evento público no Coreto do Jardim Público Lourival Monte Autoria: NOGUEIRA, J. 1943. 1 fotografia, p&b215 Seria nessas ocasiões que se demonstraria a existência da multidão, trazendo à cena pública as famílias tradicionais da urbe e, por vezes, os “excluídos” ou “inibidos” do centro da cidade, sob o papel de expectadores dos rituais e cerimônias do grupo social mais emergente. O que pode ser bem exemplificado nos próprios sinais de esvaziamento das ruas, que marcam 214 ACERVO Digital da Prefeitura Municipal de Amargosa. Foto tirada do topo da Igreja Matriz. Fotografia disponível em: AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 215 87 quase todas as fotografias analisadas nas páginas que seguem, em contraposição a eventual ocupação revelada no Jardim Público Lourival Monte216, na Fotografia 14. A evolução do cenário, visualizada nas Figuras 13 e 14, retrata, também, a modificação da paisagem em sua materialidade, como também os aspectos relativos às sensibilidades e ao seu uso. A desruralização do espaço realizado a partir da construção do equipamento público (praça ajardinada) permitiu, certamente, novas práticas urbanas que simbolizavam uma visão “moderna” à cidade. Essa construção imagética realizada pelo olhar dos fotógrafos pode situar a dinâmica de transformação no espaço e no tempo, já que focalizou o mesmo local, em períodos distintos e sobre o mesmo ângulo. Atitudes estas que podem comprovar a intencionalidade de perenizar o progresso praticado na urbe. Assim, a Figura 14 seria transformada no principal cartão-postal da cidade (do período até a atualidade), produzindo uma das visões que a municipalidade exportaria, a “Cidade Jardim”. Na organização dos espaços públicos, também foi destacado o interesse em calçar as principais ruas da cidade. Com o crescimento do município, seu centro foi delineado nos limites das duas avenidas centrais, o que pode indicar as definições entre o espaço “planejado” e “equipado” e outro entregue à “própria sorte”. Nessa área central seriam investidos os recursos públicos. Enquanto que em pontos mais afastados das principais “artérias” da urbe, as ruas eram disformes, com traçados irregulares. Figura 15 – Vista parcial da antiga Rua Dr. José Gonsalves. Autoria: OLIVEIRA, Manoel Ciríaco, [194-?]. 1 fotografia, p&b.217 216 Ao saber do falecimento do ex-Prefeito Dr. Lourival Monte, o então Prefeito Raul Paranhos enviou correspondência a viúva D. Aldina Monte prestando solidariedade e informando decretou luto oficial por três dias e a mudança na nomenclatura para “Jardim Público Lourival Monte. Ver: AMARGOSA, Prefeitura Municipal. TELEGRAMAS nº 47 e 48 da Prefeitura Municipal de Amargosa D. Aldina Monte. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 14, 15 set. 1939. 217 ACERVO da Prefeitura Municipal de Amargosa. Em foco a atual Avenida Lomanto Junior. 88 A preocupação com a construção de vias e avenidas mais largas, retas e arborizadas, também é retratada, conforme Figuras 15 e 16. Estavam localizados, assim, no centro da urbe, os espaços considerados mais “atraentes” e também os serviços urbanos considerados mais modernos – como saneamento, iluminação, bem como a presença marcante de uma arquitetura que fixava as áreas mais apropriadas para uma parte da população da cidade. Figura 16 – Visão parcial da Rua Conselheiro Dantas. Autoria: OLIVEIRA, Manoel Ciríaco, [194-?]. 1 fotografia, p&b.218 Essas características consideradas modernas, por vezes contrastavam com elementos tipicamente rurais: presença de animais nas ruas, utilizados como meios de transporte, conforme pode ser observado na Figura 16. Assim, o “novo” mistura-se ao “velho”, tanto nas tradições quanto nas edificações, revelando o caráter híbrido dessa sociedade e suas experiências múltiplas. Nesse espaço é que os comerciantes e a antiga aristocracia, principalmente, construiriam suas residências, fariam seus negócios e criariam redes de sociabilidades. Com relação ao lazer, seria no centro da cidade que estariam localizados e edificados os espaços reservados para este fim, como as sedes das Filarmônicas Lyra Carlos Gomes e da 15 de abril, bem como o Cine-Theatro Pérola, que durante muitos anos foram palcos de inúmeras festas. A falta de movimento nas ruas, evidenciadas em boa parte das fotografias, pode remeter, à primeira vista, à ideia de que tal espaço fora projetado apenas para um grupo social emergente. Assim, podem ser identificadas as principais incongruências desses ideais de transformação da urbe: equipamentos e melhoramentos urbanos atraentes, porém, que não 218 ACERVO da Prefeitura Municipal de Amargosa. Em foco a Rua Conselheiro Dantas. 89 lograram abertura à participação de todos os segmentos sociais e que não se constituía em uma experiência vivida plenamente por todos do lugar. No entanto, cabe lembrar que não existe uma imparcialidade e objetividade na fotografia. Toda fotografia tem origem a partir do desejo do fotógrafo em determinado espaço e tempo, se apresentando assim como um “filtro cultural”, o “testemunho de uma criação” 219 . Existe uma necessidade de esforço contínuo para a compreensão dos documentos fotográficos. Para tanto, há que se contextualizar o artefato e aliá-lo a outras fontes do período em que foram registrados, no sentido de procurar subsídios para entendimento do momento histórico em que foram produzidos. Assim, também existe a possibilidade de o fotógrafo esperar o momento, a partir da coordenada de situação tempo e espaço, para registrar com exatidão o conteúdo que desejava: as transformações urbanísticas ocorridas na urbe, sem que outros indícios (como pessoas) roubassem a cena, caracterizando em certos aspectos uma maneira de enxergar tais transformações. As mudanças na paisagem, desejadas e executadas pelos gestores públicos, resultaram em maior visibilidade do espaço citadino, no entanto, esse empenho com a visualidade urbana ia além da infraestrutura e estética da cidade, sendo almejada também em instituições, equipamentos e produtos comuns aos grandes centros “civilizados” e que ensejariam novos padrões de comportamento e sensibilidades para a população. 2.3 INSTITUIÇÃO DA CIVILIZAÇÃO: ASSISTÊNCIA, EDUCAÇÃO E LAZER Desde o final do século XIX, manter a ordem e percorrer os caminhos do progresso era uma necessidade imperiosa para os novos “burgueses”, aliados aos políticos locais. Para tanto, era necessário ir além da materialidade urbana, fazia-se necessário “civilizar”220 as pessoas para que se adequassem à “nova” urbe. As ações do poder público buscavam, também, a “renovação da mentalidade popular e da mentalidade social”221 através da inserção das mais variadas práticas socioculturais no cotidiano da cidade, que (re)produzissem os novos padrões de comportamento urbanos necessários à “civilização” Além dos aspectos relativos à modernização das cidades, ocorreu a tentativa de disciplinarização dos indivíduos, o que reforçou a ideia de importância da educação para o 219 KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p. 50. Para Nobert Ellias, a noção do “civilizado” refere-se ao ser “cultivado, polido, contido”. ELLIAS, Norbert. Apud ORTIZ, Cultura e Modernidade. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 122. 221 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. 220 90 país e a valorização da juventude e da criança. A construção dessa perspectiva baseava-se na necessidade de higienizar a sociedade a fim de livrá-la dos elementos nocivos à ordem e aos costumes civilizados. Desde o século XIX, a instrução pública idealizava o progresso material, moral e intelectual dos indivíduos, difundindo-se a perspectiva da escola como meio para a mudança social – muito embora a grande maioria da população não tivesse acesso a ela. A instrução se destacou como principal estratégia para garantia do progresso e, neste sentido, importante signo de civilidade. Essa importante ferramenta foi reforçada no período estado-novista, e aspirada pelo projeto do regime que direcionava o papel da educação para constituição de uma nova “mentalidade”, pautada tentativa de construção do cidadão-trabalhador222. Os ideais que permeavam o período no país acenavam para a importância da educação do povo, vislumbrando, sobretudo, formação moral, cívica e preparação para o trabalho. A instrução primária surgiu como iniciativa dos poderes públicos para a formação de crianças e jovens. Com o tempo, novos ideais foram incorporados e a República trouxe consigo o discurso acerca da formação para o “civismo” – perspectiva de uma espécie de veneração ao poder do Estado e da Nação – e a necessidade de combate à criminalidade e à "vadiagem" das crianças e jovens nas cidades. É evidente que a criação de instituições educacionais cresceu progressivamente com o tempo, no entanto, em Amargosa, a instrução escolar, no período, ainda estava centrada no ensino primário e não alcançava todas as localidades rurais e camadas sociais. O surgimento dos Ginásios na cidade aconteceu a partir da iniciativa particular de representantes da Igreja Católica. De 23 instituições de ensino, no final da década de 1920223, passou para o número de 30 escolas estaduais, 38 municipais e 02 particulares, na década de 1950. Dentre estas, o Ginásio Santa Bernadete (1946), com curso ginasial e pedagógico e o Seminário Menor da Imaculada Conceição (1944).224 Em ofício encaminhado ao Diretor do Departamento das Municipalidades, o Prefeito, em 08 de abril de 1940, destacava o interesse do poder público em desenvolver a instrução pública no município: Aproveito a oportunidade para revelar a V. Exa. o interesse que esta Prefeitura vem mantendo pelo maior desenvolvimento da instrução pública neste município, aonde ainda para o ano que decorre anseio de crear (sic) 222 Sobre o papel da educação no período estado-novista, ver: GOMINHO, Zélia de Oliveira. Veneza Americana X Mucambópolis: o Estado Novo na cidade do Recife (décadas de 30 e 40). Recife: CEPE, 1998. p. 123. 223 GALVÃO, 2012, p. 22. 224 FERREIRA, Jurandyr Pires. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE. Jul. 1958. p. 31. 91 novas escolas municipais mobilizando-as a medida de suas forças. Vai além deste interesse auxiliando diretamente ao próprio mobiliário das escolas estaduais, ou creando (sic) bibliotecas infantis tão úteis e indispensáveis pela precariedade de recursos da juventude pobre – desta cidade.225 A intencionalidade destacada pelo gestor municipal vai além do ensino em si, identificando a infraestrutura necessária para realização das atividades escolares e se embasa no discurso da impossibilidade financeira de crianças e jovens ao ensino particular. Embora o número das instituições tenha crescido até 1950, conforme destacado anteriormente, as escolas ainda não agregavam boa parte da população, restringindo as oportunidades, sobretudo, para a população pobre da cidade, estando a maior parte destas localizadas no centro da urbe. Em algumas localidades municipais, o ensino acontecia em “escolas isoladas” – como eram conhecidas as salas de aula que funcionavam na residência de algumas professoras, não existindo prédios escolares. As melhores escolas e de propriedade particular atendiam aos filhos das famílias tradicionais. A participação da Igreja Católica foi importante para o desenvolvimento da educação no Município e região, quando [...] na década de 40 [...] foi criado o Seminário aqui em Amargosa e surgiu o internato de estudante. Quem conseguiu trazer o Colégio das Freiras era o pai do padre Almeida, Coronel Benedito Almeida. Com a chegada do Colégio das Freiras, Amargosa tomou o centro da educação. As cidades vizinhas, muitos desses compraram casas aqui [...]. Foi um ponto chave de desenvolvimento. 226 O contato com outros municípios, aliado à atuação educacional da Igreja, nas palavras do Sr. José Peixoto de Andrade, possibilitou maior dinâmica para a cidade que atraía estudantes de vários pontos da região de Amargosa. A criação do Seminário permitiu a instrução escolar de muitos alunos do sexo masculino. Embora a educação fosse voltada para a formação de padres, muitos viam no Seminário a oportunidade, sem custos, para garantir uma escolarização de qualidade. Já o Ginásio Santa Bernadete pertencia à Congregação das Religiosas do Santíssimo Sacramento e abrigava alunas de várias localidades da região. Além das suas funções cívicas e morais, a educação desta importante escola era baseada no desenvolvimento dos valores cristãos e objetivava educar as mulheres para as suas funções 225 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO nº 218 da Prefeitura Municipal de Amargosa ao Departamento Central das Municipalidades do Estado da Bahia. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 8 abr. 1940. 226 ANDRADE, José Peixoto. José Peixoto Andrade: entrevista [maio. 2006]. Entrevistadora: Ana Rosa Alves Moura. Amargosa, 2013. 2 cassetes sonoros. [lavrador aposentado, 76 anos]. 92 enquanto futuras mães e professoras 227. A importância dessas instituições de ensino foi destacada pela Câmara Municipal devido aos “relevantes serviços prestados a esta Cidade, moral, espiritual, social e intelectualmente pelo Ginásio Santa Bernadete e Seminário.” 228 Outra importante aspiração da mocidade local, também no campo educacional destacada pelo Prefeito, foi a criação de bibliotecas. Em 1938 foi construída uma Biblioteca Pública que contava com espaço organizado e com importantes obras, onde o público amargosense poderia “desfrutar em horas vadias, os mais agradáveis momentos de tão útil e seleta leitura.”229 Segundo o discurso da época, a criação de tais espaços se apresentava como mais uma opção para os momentos ociosos, bem como proporcionaria cultura à mocidade local. Este equipamento, aliado ao papel da instrução escolar, possibilitaria à população formação educacional e cultural e os elementos de civilidade, resultando em novos padrões de comportamento, necessários à “vida moderna”. Diversos outros espaços também representavam possibilidade de acesso à cultura nos tempos idos vividos pela “Pequena São Paulo”, que além de se apresentarem enquanto instrumentos civilizadores, também exportava à cidade a aparência de uma sociedade moderna – como a construção de Teatro e Cinema 230 e a criação de Filarmônicas, Liras e Grêmios Recreativos. O “Theatro Variedades” foi inaugurado em 1893, localizado em área do centro da urbe, na Rua do Curiaxito (atual Rua Moreira Coelho), sendo seu primeiro proprietário o Senhor Anselmo Moreira Coelho. Com o tempo, o espaço do “Variedades” passou para os cuidados do Sr. Afrânio Spínola e, em 1946, foi adquirido pelos comerciantes Vilarino Borges dos Santos, Rubens Vaz Sampaio e José Francolino de Almeida, sendo denominado “Cine Theatro Pérola”231. O moderno prédio, ver figura 17, era apresentado como símbolo de riqueza, materializando os tempos áureos da cidade. 227 SILVA, Miguel José da. Educação da Rainha do Lar: Formação das professoras no Ginásio Santa Bernadete em Amargosa/BA – 1946-1973. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA ORAL. Anais... Rio de Janeiro: UFRJ, 2012 Disponível em: <http://www.encontro2012.historiaoral.org.br/resources/anais/3/1331257366_ARQUIVO_textoparaenchistoral .pdf>. Acesso em: 30 abr. 2013. 228 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 13 jun. 1949. 229 BIBLIOTHECA Municipal de Amargosa. Jornal A Palavra. Nº 7. Amargosa, 29 ago.1938. 230 Sobre o cinema enquanto instrumento civilizador na Bahia, ver: FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. Fazendo fita: cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador: EDUFBA, 2002. 231 GALVÃO, 2012, p. 22; MARQUES, Edicarla dos Santos. Uma história social dos carnavais de Amargosa: modos de brincar e os “Cão”, 1940-1980. 2010. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, 2010. p. 50-51. 93 Figura 17 – Perspectiva da fachada do “Cine-Theatro Pérola”, desgastada com o tempo. Autoria: IBGE, [195-?]. 1 fotografia, p&b232 Com capacidade para trezentas pessoas, o prédio do cinema era composto de dois pavimentos e contava, entre outros espaços, com salão de exibição com piso em declive, acesso lateral, palco tabuado com cortinas de cetim, camarim, salão interno e sala do motor. Na sua fachada “havia uma águia sustentando correntes de flores, cujos olhos brilhavam como pedras semipreciosas.”233 No espaço do Cine-Theatro Pérola aconteciam os mais variados eventos: sessões de filmes, apresentações teatrais, programas de calouros, shows, bailes, festas, bem como também funcionava uma rádio local, cujo sistema de alto-falantes estava espalhado pelo centro da urbe234 – muitas vezes utilizada para o serviço político eleitoral, sobretudo, do Partido UDN, ao qual o último proprietário era filiado. Suas funções iam além do incremento de materialidade e estética urbana, significava possibilidade de sociabilidades e acesso à cultura, bem como ludicidade e diversão “nas horas vadias”. Outrossim, fomentava a economia local, já que a casa de espetáculos seguia a lógica de mercado; com exceção dos eventos destinados somente à “fina flor da sociedade” local. Dessa forma, tais espaços não eram acessíveis a toda a população. Essa segregação econômica e social repercutia na restrição ao acesso às formas de lazer na cidade, cuja programação cultural beneficiava aqueles que possuíam condições financeiras para frequentá-la. 232 Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/fotografias/GEBIS%20-%20RJ/BA27639.jpg>. Acesso em 6 mai. 2013. 233 Foram poucos os documentos localizados sobre este cinema. A Professora Regina Maria Vaz de Almeida, filha do último proprietário José Francolino de Almeida, guarda algumas das memórias que não se apagaram com o tempo sobre esse importante espaço de entretenimento da cidade. Parte das informações foi apresentada pela mesma, o que inclui algumas fotos do prédio em ruínas e detalhes acerca da sua estrutura. ALMEIDA, Regina Maria Vaz de. Cine Theatro Pérola. Amargosa, 2013. Trabalho não publicado. 234 MARQUES, 2010, p. 50-51. 94 Esses grupos também tinham acesso aos espaços de diversão dos salões das Filarmônicas “15 de Abril” e “Lira Carlos Gomes”. A Filarmônica Carlos Gomes foi fundada em 1905, tendo sua sede construída em 1932. Já em 28 de fevereiro de 1945 foi inaugurada a sede da “Filarmônica 15 de Abril”235. Do ponto de vista da materialidade da urbe, essas instituições (aliadas ao Cine-Theatro) representaram novos símbolos do progresso, onde os edifícios construídos para abrigá-las permitiram nova monumentalidade à paisagem urbana. No entanto, muitas vezes, reforçavam a segregação quando restringiam o acesso a uma pequena parcela da população que possuía recursos e distinção (principalmente, no que diz respeito aos trajes utilizados nos eventos) para acesso as novas oportunidades culturais. A pujança econômica do município, na época, conferiu a uma pequena parcela da sociedade amargosense condições econômicas para frequentar tais espaços. Sendo o contato do povo, em geral, com as apresentações das Filarmônicas durante as tocatas em festas e eventos que aconteciam nos locais públicos. A vida cultural da cidade ia além dos espetáculos e apresentações do Cinema e das Liras, entre as fontes foram localizadas inúmeras fotografias e notícias acerca dos principais festejos que aconteciam em Amargosa. A primeira metade do século XX destacava-se como ápice das festas carnavalescas no município.236 As fotografias indicam a existência de espaços de diversão e suas apropriações. O encanto do carnaval alterava o cotidiano da urbe e em seus cenários imprimiam-se os aspectos da vida local, revelando as distinções sociais. Nos jornais e atas, os discursos definiam o “lugar” de cada um no espaço da cidade, como uma espécie de percepção do social a partir de suas práticas festivas, tendendo a uma nítida segregação social. Por exemplo, no período burlesco, existiam as brincadeiras que faziam parte das comemorações das famílias mais abastadas locais: pranchas (carros ornamentados de senhoritas da cidade), Bailes, Cordões (majoritariamente de mulheres), Blocos Críticos (de jovens estudantes contra ações ou figuras político-sociais), Mascarados (com fantasias padronizadas). Em contraposição, os pobres, geralmente, participavam das Batucadas, Mandus, Caretas, Dominós (sem fantasias padronizadas) e do grupo dos “Cão” 237. Assim, o “jogo” das hierarquias encampado pela nova burguesia, mais uma vez, estruturava territórios e definia espaços e práticas segregadoras comuns a cada grupo social. 235 GALVÃO, 2012, p. 22. MARQUES, 2010, p. 50-51. 237 A brincadeira dos “Cão” ainda se destaca como elemento representativo do Carnaval de Amargosa e da tradição popular local. Sobre o assunto, ver: MARQUES, Edicarla dos Santos. Uma história social dos carnavais de Amargosa: modos de brincar e os “Cão”, 1940-1980. 2010. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, 2010. p. 127-160. 236 95 Em nota, o Jornal O Paládio, do Município de Santo Antônio de Jesus, em 13 de fevereiro de 1942, noticiava sobre o Carnaval na cidade, quando seriam realizadas festas de “cunho familiar” da “elite amargoense” no Prédio do Cine-Teatro Pérola. Os bailes “de requinte não comum de entusiasmo e beleza” representavam, segundo o articulista, o “fino gosto da sociedade.”238 Na seguinte apresentação dos “folguedos de Momo”, observa-se, claramente, a separação social, embora a mesma nota considerasse o festejo como pertencente a todos: Não obstante os planos da elite, o zé-povo não deixará de fazer a sua festa de rua, fantasiando-se, saltando, passeando em grupos alegres para que os dias da grande folia sejam por êle gozados também. O Carnaval pertence a todos. E é uma doença que vem, traz febre, e este calor abrange plebêos (sic) e fidalgos, grandes e pequenos.239 À elite, assim, eram reservados os espaços de “requinte”, ao “zé-povo, plebeu” cabia o espaço das ruas. E o festejo, como que uma “doença”, acabava por envolver indivíduos de todas as classes sociais, porém cada grupo em seu espaço. Apesar da distinção social indicada nas fontes até 1950, na década seguinte, para Milton Santos, era impossível a classificação da frequência aos clubes sociais, uma vez que em seus estudos ele verificou in loco que qualquer pessoa poderia ter acesso aos mesmos, indistintamente, mediante o pagamento de uma taxa baixa. 240 O que identifica o início da complexidade da divisão de classes na cidade. Talvez os espaços de festa estivessem, com o tempo, inseridos nos moldes capitalistas, quando qualquer pessoa com poucos recursos financeiros poderia usufruir desses locais a partir do pagamento de uma taxa mínima. Neste sentido, o pagamento, e até a diminuição do valor de entrada para acesso a estes locais minimizava esse caráter segregador. O que não acontecia até a década de 1940, nos “espaços de requinte”, então frequentados apenas pela “elite amargoense”, a “fina flor da sociedade” local, onde muitos eram convidados ou pagavam altas taxas, o que impossibilitava o acesso à população mais pobre. Entre os festejos populares mais comuns, estavam as festas cristãs, alguns eram praticados entre camadas sociais e espaços distintos, como o natal, ternos de reis, festa da Padroeira, festas em homenagens a Santos.241 Outros estavam diretamente direcionados ao folclore regional, os folguedos: incluindo as rezas a São Cosme e Damião e as comemorações à Santa Bárbara, Bumba-meu-boi, Burrinha, Jaraguá, Ema, Quilombo e Manjada. Os festejos 238 AMARGOSA e o Carnaval. Jornal O Paládio. Santo Antônio de Jesus, 13 fev. 1942. AMARGOSA e o Carnaval. Jornal O Paládio. Santo Antônio de Jesus, 13 fev. 1942. 240 SANTOS, M., 1963, p.34. 241 MARQUES, 2010. 239 96 tradicionais, normalmente ligados à Igreja Católica (como Natal, festa da Padroeira, entre outros), eram organizados pelas famílias tradicionais locais e realizados em grandes festas, principalmente no espaço do Jardim Público Municipal. Essas festividades, por serem tradicionais, expressavam a forte devoção e religiosidade local; enquanto que as festas mais populares estavam ligadas ao folclore e aos folguedos do “zé povo”, que envolviam a população pobre e que era, quase sempre, marginalizada. Os eventos cívicos242 compunham também o calendário festivo local e, geralmente, aconteciam em datas históricas brasileiras (como, por exemplo, a Semana da Pátria – evidenciando 7 de Setembro; o 10 de Novembro – dia do golpe que levou à instauração do Estado Novo; dia da Bandeira; Dia do Trabalho, entre outras) e que, na oportunidade, também se apresentavam muitas vezes como momento para inauguração de obras municipais. A escolha das datas para realização das festas cívicas era justificada pela importância que cada uma delas possuía, fundamentando o regime instituído no período, que se baseava numa política de massas e diretamente relacionada aos líderes do Estado. Como no convite encaminhado ao Interventor do Estado: Tenho a súbita honra de convidar V. Exa. para presidir as inaugurações de obras realisadas no correr do presente ano, por esta Prefeitura, neste município, as quais, em homenagem ao cincoentenário (sic) da instalação da República, verificar-se-ão no próximo dia 15 de Novembro dentro do entusiasmo popular e da gratidão dos Munícipes – ao notável governo de V. Exa. – que patrioticamente dirige os destinos da Bahia.243 As datas comemorativas oportunizavam eventos e o momento ideal para inaugurações, lançamento de pedras fundamentais, passeatas, decretação de leis, para pronunciamentos importantes, etc.244 Cada festividade e discurso proferido pela elite política local, em cada ocasião, reforçava o poder instituído. Em Amargosa, foram localizadas diversas atas de solenidades, ofícios e cronogramas enviados aos chefes do Estado, convidando ou informando das programações de cada uma das festividades realizadas. Na ata de sessão cívica que comemora o primeiro aniversário da Revolução, realizada em 24 de outubro de 1931, entre os diversos discursos de políticos locais, Dr. Clovis de Athayde proferiu suas palavras, fazendo “um estudo profundo do valor das revoluções no 242 Sobre a disseminação da cultura cívica no país, ver: DUTRA, Eliana de Freitas. O Ardil Totalitário: imaginário político no Brasil dos anos 30. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997, p. 149-215. 243 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO nº 154 da Prefeitura Municipal de Amargosa ao Interventor do Estado da Bahia, Landulpho Alves de Almeida. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 3 nov. 1939. 244 GOMINHO, 1998, p. 169. 97 progresso dos povos, citando factos históricos que vem corroborar o valor da Revolução nacional, exaltando a figura dos grandes que se bateram pela redempção (sic) do Brasil.”245 Tais oradores, como o citado, “eram presenças constantes nas comemorações e homenagens na cidade. A palavra era veículo de promessas, esperanças, otimismo e luta.”246 E com o Estado Novo, o poder da oratória foi ampliado. As escolas e as filarmônicas acabavam por contribuir para as encenações políticas247 em tais eventos, quando, baseadas na ordem e disciplina militar, colaboravam para a “teatralização do poder” comum ao período. Além da preocupação com educação, cultura e lazer, outras práticas também mereceram atenção do poder público: as práticas esportivas.248 Em 01 de setembro de 1942, o Jornal O Estado da Bahia noticiou que o Poder Público Municipal procurava ensinar a mocidade local a prática de esportes, “tendo em vias de conclusão um grande estádio”, que, de acordo com o articulista, seria um dos maiores do norte do país, “implantando no seio da mocidade amargosense o verdadeiro sentimento de brasilidade, comemorando as grandes datas da nossa Pátria.”249 O futebol, dessa forma, também se apresentava como “um importante meio de socialização de modelos civilizados, de internalização de fórmulas de progresso.”250 Sugeriu o poder público municipal que fosse utilizada uma área de mais de 400 metros, adquirida em 1936, para construção do novo Estádio, e que até então, por ser mal iluminada, servia de local de despejo de lixo, desova de animais mortos, “despachos” e até como “local predileto para a prática de atos indecorosos por parte da criadagem e da ralé, rebeldes à vigilância da própria policia e da fiscalização municipal”. Assim, urgia, a bem dos costumes e da estética da cidade, que fosse aproveitada a área para construção de um campo desportivo no município: porque, deles (campos desportivos), muito dependerá o adestramento físico e a robustez da raça, condições preliminares para se prepará-la ‘ao cumprimento dos seus deveres para a defesa da Nação’. Entre nós, na Capital do Estado, e graças a V. Exa. o Sr Interventor Federal, está assentada 245 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 24 out. 1931. 246 GOMINHO, 1998, p. 170. 247 O termo “encenação” foi utilizado na perspectiva adotada por no sentido de “qualquer aparição pública das autoridades ou em qualquer manifestação de apreço dos subalternos pelas primeiras”. BERTOLINI, Carlos Américo. Encenações Patrióticas: a educação e o civismo a serviço do Estado Novo (1937-1945). 2000. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2000. p.16. 248 Sobre o aumento das práticas desportivas, ver: FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. Fazendo fita: cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador: EDUFBA, 2002. p. 51-69. 249 AMARGOSA, Cidade líder do Sudoeste Bahiano. Jornal O Estado da Bahia. Salvador, 01 set. 1942. 250 OLIVEIRA, C., 2011. 98 a construção do grande estádio bahiano. Neste exemplo dignificante, Ilhéus, Jequié, Nazaré, Joazeiro (sic), Itabuna, possuem, em construção ou concluídas praças desportivas. Era justo, pois, que Amargosa uma das mais antigas cidades bahianas, tradicional no seu passado e cheia de esperança no seu futuro, cogitasse também, ainda que modestamente, de possuir o seu campo de cultura e educação física para o adestramento de seus filhos. Para isso tomou a iniciativa de construi-lo, sem se deixar esmorecer no intuito, pelos que, embora amargoenses também não souberam compreender tão significativo e atestante melhoramento.251 Ademais, utilizava-se o argumento de que outros municípios já possuíam, ou estavam em processo de construção de suas praças desportivas. Amargosa carecia de um espaço para “adestramento de seus filhos”, exigido pela sua mocidade como alternativa de utilidade do tempo livre, entre socialização e diversão. Mas, o ofício também indicou que alguns “amargoenses [...] não souberam compreender tão significativo e atestante melhoramento”, já que alguns viam na prática desportiva o incentivo ao ócio. Apesar da menção da necessidade e intenção de construção do estádio nos documentos do período, não foram localizados documentos que atestem essa implantação, uma vez que o Estádio Municipal (que funciona na cidade até hoje) só seria construído nas décadas posteriores ao período estudado. Contudo, em ofício encaminhado ao Departamento Administrativo da Bahia, datado de 1940, o Prefeito informou que o estádio já se encontrava em vias de construção252, porém, não indicava o local do seu funcionamento, embora já existissem os famosos torneios de futebol no município. Reconhecia-se, dessa forma, uma quantidade de novas práticas civilizatórias, “indispensáveis aos povos cultos” que resultasse na “renovação da mentalidade” da população, como acontecia nas “cidades adeantadas (sic)” 253 do país. Objetivava-se, na época, criar um espaço citadino onde se tem muito o que fazer, característica primordial de civilização. Mas que, no entanto, segregava – não estando ao alcance de todos. As apropriações dos espaços, equipamentos e paisagem urbana aconteciam de forma diferenciada. O que justificou, conforme o discurso emergente da época, a atuação do poder público na ordenação e regimentação da urbe e dos comportamentos da população, sobretudo do controle daqueles “rebeldes”, alvos de um poder vigilante e “punitivo” (repressivo), que pretendia controlar a tudo e a todos. 251 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO nº 191da Prefeitura Municipal de Amargosa ao Departamento Administrativo do Estado da Bahia. LIVRO de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 21 fev. 1940. 252 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO nº 191 da Prefeitura Municipal de Amargosa ao Departamento Administrativo do Estado da Bahia. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 21 fev. 1940. 253 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. 99 2.4 ADMINISTRAÇÃO E CONTROLE PÚBLICOS: TENSÕES POLÍTICAS E SOCIAIS As forças políticas que resultaram no Golpe e no Estado Novo (em 1937) levaram à desestabilização as antigas oligarquias, cujos ideais de organização e controle dos espaços públicos e particulares e da vida dos indivíduos não apresentaram neutralidade, em nome da ordem, em seus mecanismos. 254 Estruturado em torno de um Estado forte, uma das principais obrigações do poder público, no período estado-novista, seria a de silenciar as “vozes e écos do passado coronelesco, que o Presidente Vargas renegou”255 e efetivar o novo projeto imposto pelo Estado Novo. Em nota publicada, o interventor da cidade (no período de 1930 a 1932), o advogado Domício de Barros, destacou suas intenções em dotar o município de “engrandecimentos e progresso” comuns as grandes cidades do país e conforme os “moldes dos ideaes (sic) revolucionários”. Chamou ao discurso o Decreto nº 19.398 de novembro de 1930 que organizou o Governo Provisório da República, indicando as atribuições dos interventores à frente do Executivo municipal, reforçando a importância do poder discricionário “para agir em bem da ordem pública, da moralidade administrativa e da harmonia política”. Assim, destacou o interesse em garantir a ordem pública na cidade e, na perspectiva administrativa, evidenciou seu objetivo em seguir o programa revolucionário, alcançando o progresso local, independente das paixões partidárias256. No entanto, apesar do discurso estar fundamentado na “liberdade” administrativa para a prática dos atos municipais, cabe destacar que o mesmo poder discricionário – indicado como meio de supressão da desordem – poderia resultar em tensões e conflitos sociais, já que ele fora largamente utilizado no período estado-novista por meio de atos e decretos, muitas vezes, arbitrários.257 As transformações, principalmente a partir da década de 1930, pelas quais passou o município de Amargosa demonstram o papel do poder público e dos grupos mais abastados da população local na organização da vida cotidiana e no uso dos espaços, seja na segregação 254 Sobre os mecanismos de garantia da ordem, ver: DUTRA, 1997, p. 226-282; CANCELLI, Elizabeth. Ação e repressão policial num circuito integrado internacionalmente. In: PANDOFLI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 1999. p. 309. 255 AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 256 FALA aos Amargoenses e o Interventor Local. Jornal O Conservador. Nazareth, 07 dez. 1930. 257 SOUSA, 2003, p. 75. 100 espacial (conforme a posição social do indivíduo ou grupo), seja na proibição de práticas indesejáveis aos espaços públicos (jogos, brincadeiras, relacionamentos, entre outros) ou até na interferência pública nos locais privados (como as demolições ou desapropriações de casas particulares por não estarem de acordo com a infraestrutura e estética da cidade). O controle público sempre agiu sobre o texto urbano exercido pelos administradores municipais. Em meio às fontes oficiais da Prefeitura Municipal, desde os idos de 1890, principalmente nos Projetos de Posturas Municipais, ficaram definidos alguns princípios ordenadores da cidade, como o fechamento de casas comerciais à noite, aos domingos, dias santificados e de festas nacionais; sobre as (re)edificações de casas, de passeios e alinhamento de ruas; sobre a proibição dos jogos, principalmente, do entrudo; sobre a proibição de pastagem e de corridas de animais em praças e ruas da cidade, bem como, a caça por profissão; a colocação de postes para levantamento de barracas no centro da urbe. Bem como o estabelecimento de outras medidas a respeito dos carroceiros, vendedores de água e condutores de animais carregados, entre outros.258 A partir da localização e análise das fontes, sobretudo jornais, atas municipais, ofícios, telegramas, leis/decretos, entre outros, os fios dos acontecimentos passados, dinamizados pela dialética tempo/espaço, vão aparecendo e definindo uma série de práticas, muitas vezes conflitantes entre as formas de uso da urbe e os princípios ordenadores. A tentativa de organização dos espaços citadinos, conforme a perspectiva de uma ordem pré-estabelecida, como aconteceu no período aqui estudado, influenciou (e foi influenciada) o surgimento de um poder vigilante (fiscalizador) e até punitivo (repressivo)259 que visava ao progresso e à manutenção dos arranjos destacados pela revolução. Em Amargosa, o uso e as apropriações do espaço, ordenados pelo poder público, pelos mais diferentes sujeitos resultariam, muitas vezes, em práticas que burlavam os projetos e a fiscalização. Inicialmente, as fontes indicam a atenção dispensada pelas autoridades locais à garantia da moralidade nos locais públicos. Em ofício encaminhado ao Tenente Delegado de Polícia da cidade, em 1937, o Prefeito solicitou patrulhamento a partir da 22 horas, “em face dos factos que se vêm desenrolando no Jardim Público [...], onde os pares amorosos necessitam de um poder moderador que os obrigue a conter os excessos.”260 Fica evidente a 258 AMARGOSA, Câmara Municipal. ACTA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal da “Vila de Nossa Senhora do Bom Conselho d’ Amargosa”. Amargosa, Bahia, Brasil. 3 mar. 1890. 259 Sobre o poder da vigilância, ver: FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1977. p. 29. 260 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO nº 191 da Prefeitura Municipal de Amargosa ao Departamento Administrativo do Estado da Bahia. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 5 maio 1937. 101 existência do poder fiscalizador e repressivo na cidade, como garantia de manutenção da ordem pública. Algumas práticas eram impróprias aos espaços públicos, como os relacionamentos amorosos, que deveriam ficar restritos aos limites da vida privada – o que justificava, ao poder público, a necessidade da vigilância. Os espaços privilegiados da cidade – como é o caso do Jardim Público, definido como um dos símbolos do desenvolvimento local – foram praticados por uma multiplicidade de segmentos e experiências cotidianas. Para alguns, a principal praça pública do município servia de local de passeio ou ambiente propício para eventos públicos, para outros poderia se apresentar para usufruto diferenciado, conforme disposto anteriormente. Assim, em um mesmo ambiente, poderiam ser constituídas vivências e percepções múltiplas, mas que deveriam ser fiscalizadas e controladas, a bem da civilidade e da ordem e segundo as regras do poder público local. Essas definições do uso dos espaços da cidade nas vivências públicas transcendiam as práticas comuns para uma parcela significativa da população. De acordo com a perspectiva dos personagens mais tradicionais da localidade, os “excessos” podiam ser vistos como ofensa pública, agressão à moral e aos bons costumes, causando desconforto, justificando, sob os seus discursos, a necessidade de contenção destes. É grande a possibilidade de que essas situações de usos diferenciados e fiscalizações severas tenham ocorrido, mas ainda cabe ressaltar que no telegrama do Prefeito ao encaminhado ao Delegado não menciona a qual camada social pertencia esses “pares amorosos” – cabendo a hipótese de que estes pertenciam a camadas pobres da população, uma vez que, à época, seria difícil a possibilidade de um “poder moderador” e público contra os indivíduos das famílias tradicionais, pois estas, normalmente, o compunham. Nas praças e ruas também eram proibidos outros modelos de “espetáculos”, como os jogos de entrudo e os jogos de azar.261 Estes últimos ainda foram considerados ilícitos para além dos limites dos espaços públicos. Conforme Telegrama enviado ao Governador da Bahia, o Prefeito informou que a “Notícia proibição jogos [tinha] causado optima (sic) impressão sociedade Amargosense.”262 Os fundamentos utilizados para a proibição da prática e exploração de tais jogos, na época, pareciam decorrer dos argumentos que elegiam o 261 Sobre a fiscalização aos jogos de azar, ver: JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. Verso e reverso do perfil urbano de Fortaleza (1945-1960). São Paulo: Anablume, 2003. p.151.; FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. Fazendo fita: cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador: EDUFBA, 2002. p. 77. 262 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. TELEGRAMA nº 24 da Prefeitura Municipal de Amargosa ao Governador do Estado da Bahia. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 19 nov. 1937. 102 trabalho enquanto forma de civilizar os indivíduos, em contraposição à vadiagem que pretendiam abolir no contexto da modernidade. Buscava-se, assim, uma sociedade de bemestar social, livre dos perigos da ociosidade e dos vícios e esperava-se uma moralidade pública para uma cidade que se pretendia “civilizada” e moderna. Apesar desta proibição, em 1938, foi enviado ao Tenente local um Memorando, informando a volta do jogo do bicho na cidade e solicitando envio de esforço para restabelecimento das quotas, que, segundo o documento, minoraria “os prejuízos da jogatina causadora de aniquilamento moral e physico de nosso povo.”263 O discurso abriga a ideia de “moralidade” e consciência do povo, o que são conceitos subjetivos, e que denotam a busca de garantia dos "bons costumes" sociais, mas que, no entanto, parece ligado a um pensamento conservador das famílias sociais tradicionais. O ambiente moderno que se pretendia para o centro da urbe exigia comportamentos mais civilizados, resultando em diversas outras ações264 que distanciassem a sociedade dos vícios e hábitos desviantes. Mesmo que as formas de controle e o rigor nas sanções impostas pudessem variar, a depender do histórico social de cada indivíduo. Neste ínterim de controle e tensão públicos, destaca-se também a questão das demolições para o processo de formação de quase todas as cidades brasileiras, enquanto movimento de rejeição às antigas formas e abolição das memórias e práticas de vida de um tempo pretérito.265 As visões de civilização e progresso também foram materializadas no espaço, conforme discutido anteriormente, tendo como um dos recursos de legitimação da intervenção urbanística, os processos de demolição /reconstrução que constituíram novas memórias e formas de vida, demonstrando as intenções necessárias à transformação do espaço. Dessa forma, foi recorrente a intervenção do poder público municipal em espaços particulares, solicitando reformas, demolições ou, quando não atendidas, recorria-se ao processo de 263 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. MEMORANDUM da Prefeitura Municipal de Amargosa ao Major Chefe de Polícia. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 14 mar. 1938. 264 Outra situação localizada refere-se a um inquérito policial referente a crime de contravenção, sendo autuados e detidos cinco indivíduos – Aurelino Bispo da Silva, Synezio Sampaio da Silva, Dulcindo Cardoso, José da Silva de Oliveira e José Pitta dos Santos – que participavam de jogo de baralho nos fundos da Panificadora Progresso, de João Lopes da Silva (situada na sede do município) – onde trabalhavam. Em testemunho, o dono da Padaria informou a autoridade policial que já havia surpreendido os citados em tais atividades ilegais, reprimindo e aconselhando a não “esbanjar no jogo o produto de suas rendas”. Por fim, o Juiz de Direito optou pelo arquivamento do processo, uma vez que ficou comprovado que os mesmos não eram profissionais de jogos, advertindo-os contra uma “diversão que a lei condena e a sã consciência repele por ser nociva.” AMARGOSA, Fórum de. Processo crime. Inquérito Policial (Contravenção – Jogo de Cartas). Ano. 1940. 265 LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma Cidade na Transição: 1870-1913. São Paulo: HUCITEC, 1996. p. 88. 103 desapropriação de casas na urbe. Para tanto, tal ação deveria ter anuência do Legislativo local que deveria aprovar em lei as solicitações do executivo municipal, o que algumas vezes poderia resultar em conflitos políticos/ideológicos entre os partidos locais. Outras vezes, a autorização para os atos era solicitada diretamente ao Departamento Central das Municipalidades do Estado da Bahia. Um Ofício encaminhado ao citado Departamento pelo Prefeito pleiteou a urgente desapropriação de prédio situado na Praça do Comércio e Rua Marquez de Herval, cuja justificativa só utilizava o argumento de ser por “utilidade pública e estética da Cidade” 266, não havendo maiores esclarecimentos acerca do dono da propriedade e nem maiores motivações para a ação, mas o documento indicava por si só a importância pública acima da propriedade privada, neste caso, baseado no discurso de embelezamento da cidade. O Ato nº 23, assinado em 19 de setembro de 1938, identificou como medida inadiável o corte de seis casas na Rua do Comércio e mais uma na Rua Moreira Coelho, todas no centro da cidade. Entre outras considerações, o Prefeito justificou que os antigos prédios atentavam “contra a higgiene e a esthética da cidade” e que com tal melhoramento, a Prefeitura resolveria “os seus mais complexos problemas de salubridade e urbanismo”. Para além do interesse do poder público, o documento mencionou a existência de apelos de munícipes que desejavam extirpar da cidade os “degradantes pardieiros”, sendo nos respectivos locais “construídos prédios novos e de estylo (sic), melhorando [...] a estética da cidade” e/ou iniciadas “obras de alargamento e de higgienização (sic) imprescindíveis a própria profilaxia da cidade.”267 Nunes Neto, ao apresentar a situação das lavadeiras em Salvador – BA, na década de 1930, analisou o processo de urbanização que se respaldava pelo saber médico, procurando higienizar as principais urbes do país. Neste sentido, na capital da Bahia “as ruas, outrora sujas, assim como as casas, passaram a sofrer mudanças que simbolizavam o reordenamento dos espaços.”268 Em Amargosa, o anseio de expurgar a materialidade indesejada, típica do passado colonial, foi uma das características do período. Assim, os espaços e construções 266 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO nº 08 da Prefeitura Municipal de Amargosa ao Departamento Central das Municipalidades do Estado. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 21 jun. 1938. 267 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. ACTO nº 23. Livro de Registro de Actos e Leis da Prefeitura Municipal de Amargosa. Nº 5. Amargosa, Bahia, Brasil. 19 set. 1938. 268 NUNES NETO, Francisco Antonio. A condição social das lavadeiras em Salvador (1930-1939): quando a História e a Literatura se encontram. 2005. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2005. p. 52-53. 104 antigos, considerados impróprios para uma urbe que se desejava moderna, deveriam ser extintos e os ambientes anti-higiênicos transferidos do centro da cidade. O discurso de embelezamento da cidade, aliado à justificativa de necessidade de higienização e saúde pública, era chamado ao argumento pelo poder público de Amargosa. As antigas visualidades urbanas que a cidade ainda trazia consigo no período deveriam dar lugar a uma materialidade urbana que justificasse o seu momento de “real florescimento”. Foram localizados também dois memorandos, datados de 1938, encaminhados ao Senhor Carlos Tosta, proprietário da casa nº 06 da Rua Ruy Barbosa, e a Srª Honorina de Jesus (sem informação sobre a residência) que solicitavam a restauração ou demolição de “ruína”, mais uma vez, a bem da “esthética da cidade”. Com base nas informações constantes nessas fontes, não há como avaliar o que seria entendido como “ruína”, para o poder público, dado o ideal de modernização da época. Também nas fontes não foram localizadas as respostas dos proprietários à solicitação da Prefeitura.269 Em ofício apresentado à Srª. Lindalpha de Queiróz Paes, datado de 07 de março de 1940, o poder público municipal notificou o término do prazo para a reforma de sua casa e que foi adiado para que esta atendesse ao pleito: Estando já esgotado o prazo que esta Prefeitura vos concedeu para reformar a fachada de vossa propriedade nº 28 à rua Tiradentes desta cidade, notificovos; de ordem do exmo. Sr. Dr. Prefeito, que dentro do prazo de oito dias, devereis dar início à citada obra, sob pena desta Prefeitura executá-la de acordo com a lei e cobrar-vos todas as despesas pelo executivo local. 270 Nos documentos citados, fica evidente a obrigatoriedade quanto à conservação estética das fachadas de casas no município, imposta pela administração municipal, caso contrário caberia à prefeitura a execução do serviço. Neste último, é indicada a existência de uma lei que orienta e fixa a atuação municipal a esse respeito, mas que, no entanto, a mesma não foi encontrada entre os documentos disponíveis na Prefeitura Municipal. No Livro de Petições e Requerimentos da Prefeitura Municipal de Amargosa, constam diversas solicitações de moradores da cidade ao poder público municipal, no período de 1920 até final da década de 1940, que entre outros pleitos desejavam autorizações para as mais diversas obras em propriedades particulares: asseios, consertos, reformas, reparos, vistorias, 269 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. MEMORANDUM nº 01 e nº 02 da Prefeitura Municipal de Amargosa ao Senhor Alberto Macêdo. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 3 ago. 1938. 270 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. OFÍCIO nº 196 da Prefeitura Municipal de Amargosa a Srª Lindalpha de Queiróz Paes. Livro de Offícios e Telegrammas da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 7 mar. 1940. 105 etc, sob o argumento principal de obedecer à uma “esthetica (sic) moderna”. Alguns proprietários, ao concluírem suas reformas, solicitavam também isenção do imposto urbano, como é o caso da Petição nº 03, de 5 de outubro de 1932, apresentada pela Srª Paulina Maria da Silva, proprietária da casa nº 45, situada na Rua das Flores no centro da cidade: [...] que, tendo reconstruído a dita que se achava em ruínas de acordo com a lei municipal, isto é, com fachada de alvenaria e platibanda, vem, confiada no espírito de Justiça, que caracterisa (sic) todos os atos de V. Exa. requerer isenção do imposto de décimas, por cinco anos de acordo com a lei que rege a espécie. 271 Mais uma vez é citada “a lei que rege espécie”, pois conforme a petição acima, essa lei possibilitava àqueles que reconstruíssem suas propriedades isenção de imposto urbano, o que poderia ser um incentivo aos proprietários para aderir ao projeto de embelezamento da cidade. Ainda neste contexto de reorganização espacial, o Poder Executivo procedeu à desapropriação de muitos prédios na urbe. O Livro de registro de Projetos, Decretos e Portarias da Prefeitura de Amargosa contém uma série de Projetos de Decretos-Lei, da década de 1940, que versam sobre desapropriações de prédios por “utilidade pública”272 para “melhorar a visão urbana da cidade, integrando-lhe um aspecto novo de real florescimento”, cujas casas se apresentavam como “degradantes pardieiros” e “verdadeiros atentados à saúde pública, em face da inexistência absoluta de higienização imposta pela profilaxia local.”273 Tais desapropriações resultaram em inúmeras denúncias contra a gestão de Raul Paranhos. Uma delas indica a desapropriação de cinco propriedades, que pertenciam à Santa Casa de Misericórdia e à D. Ana Maria Vaz Coelho, localizadas no centro da cidade. Para tanto, o Poder Público Municipal precisava de um Decreto-Lei que autorizasse o ato “por utilidade pública”, sendo aprovada a ação na sessão da Câmara de 15 de setembro de 1941 e pelo Departamento Administrativo do Estado da Bahia (conforme Ofício nº 1866/1942). Para 271 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. Livro de Petições e Requerimentos da Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 27 abr. 1920 a 03 abr. 1945. Envelope nº 02. 272 Sobre desapropriação por utilidade pública, ver Decreto-Lei Federal nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que, entre os casos de utilidade, considera a salubridade pública, as obras de melhoramentos urbanos (para “melhor utilização econômica, higiênica ou estética”) e a construção de equipamentos públicos (prédios, monumentos, etc). Para todos os casos é obrigatória a devida indenização. 273 AMARGOSA, Prefeitura Municipal. Livro de Registro de Projetos, Decretos-Lei e Portarias Prefeitura Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 17 jul. 1941 a 22 nov. 1950. 106 tanto, o Prefeito argumentou que os “bens mencionados, não possuía (sic), por dizê-lo, uso público” 274, o que destaca a importância do bem público sobre o privado. Fazendo um recuo no tempo, o Projeto de Decreto Lei nº 1, publicado no Jornal Órgão Oficial do Município, em 30 de Abril de 1940, visava à indenização de um morador da cidade por prejuízo com corte, demolição e construção de parte de três prédios situados na Rua Tiradentes, Centro da zona urbana. O poder público local alegou a ação como “um velho desejo da urbs e impunha-se pela estética de um dos mais pitorescos recantos de Amargosa” e, mais, que os propósitos a serem alcançados com ações de estética pública estavam integrados ao “programa moderno da administração pública.”275 Para tanto, citou a Carta Constitucional de 1937 que, para ele, sublinhava “com energia o caráter social da propriedade”, mas que deveria sempre seguir os princípios de utilidade em benefício da coletividade, onde “a sociedade [...] possue (sic) também direitos mais poderosos, mais imperiosos que quaisquer outros e diante dos quais devem curvar-se os dos particulares.”276 Com base nesse discurso, a municipalidade objetivava o poder da “ação demolitória”, sobretudo, com relação a obras que estivessem em desacordo com os ideais de higiene e de estética local. Neste sentido, subentende-se que o ideal de modernização da cidade, intencionado pelo poder público municipal, que por finalidade serve e representa a coletividade, é colocado como bem maior, independente das posições individuais e dos direitos de propriedade particular. Para o Prefeito seria injustificável que esse mesmo poder, a ele conferido, e que deve servir ao povo, se voltasse contra seus direitos. Ao mesmo tempo em que destacou que as ações municipais objetivavam alcançar as transformações como “um velho desejo da urbs” (de sua população urbana), o Prefeito mencionou que este era um “programa moderno da administração pública”, fortemente ligado, então, à estratégia de modernização do país e ao autoritarismo do Estado Novo. Contudo, apesar das inúmeras justificativas, o caráter autoritário do Prefeito Raul Paranhos fica visível e foi destacado entre as fontes localizadas, sobretudo, entre discursos proferidos em sessão da Câmara Municipal, após a sua gestão: 274 AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 275 AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 276 AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 107 Há 16 anos, Sr Presidente, que resido neste Município e durante este tempo, foi o Município administrado por 5 Prefeitos, com excepção do atual, e destes, apenas um, Dr. Raul Paranhos, usou e abusou do poder policial, cujos fatos ainda estão na memória do pôvo, o que para mim seria desprazer ter de relembra-los. Os demais, os Srs. Drs. Lourival Monte e Bartolomeu Costa e os Srs. Américo Vaz Sampaio e Otávio Ribeiro de Oliveira, se esquecera, que havia uma Delegacia de Polícia e acredito que disto não se arrependeram, porque essas cousas só servem pra trazer contrariedades, sem beneficiar ao pode executivo.277 A fala do Vereador da UDN, o Sr. Aristides Carmelo Gomes de Melo, em sessão do dia 12 de janeiro de 1948, então da bancada oposicionista, indica os “abusos” cometidos pelo Prefeito Raul Paranhos, quando da sua gestão, e no momento ao Prefeito João Leal Sales que, segundo o mesmo, perseguia seus correligionários. Mesmo considerando as rivalidades e intencionalidades políticas inerentes ao discurso proferido, o vereador relembrou o administrador Raul Paranhos, o destacando num rol de cinco prefeitos (que atuaram no período de 1932 a 1948) como o que mais abusou do poder, o que pode significar o seu autoritarismo frente à população municipal. Como também comparou a atuação deste com a do Prefeito João Sales que, segundo ele, também fazia sentir sua “atividade no setor policial”. Muitas ações administrativas, em cada tempo, esbarravam nas posições individuais, sociocultural ou politicamente. As denúncias normalmente indicavam a insuficiência de vários serviços públicos e o autoritarismo municipal. Já as justificativas do poder público municipal às reclamações eram avaliadas enquanto “acusações da politicalha”, argumentação de opositores. Em seus autos de defesa de denúncias políticas, por exemplo, o Prefeito Raul Paranhos argumentou que o lema “Quieta non movere” não poderia “ser princípio de administração, sob pena da mesma se tornar estática”. Citando a frase em latim “quieta non movere”, cujo significado é atribuído à expressão “Quieto, não se mova”, argumentou sobre a necessidade de atuação incisiva do poder público e da sua dinâmica a bem da coletividade. Ao forjar o discurso, o Prefeito pretendia evidenciar a necessidade dos seus atos sobre os direitos e desejos particulares, bem como contra-atacar seus opositores, cuja justificativa se baseava na ideia de que o poder público deve estar a serviço da coletividade e não dos anseios individuais e políticos dos seus adversários278. Apesar de chamar esse argumento em sua defesa, suas “ações estéticas” demonstram autoritarismo com relação à propriedade particular 277 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 12 fev. 1948. 278 AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 108 em nome de uma coletividade que, muitas vezes, não aprovava sua administração e tentava resguardar seus direitos, seja por meio de denúncias ou de representações judiciais. Em 1948, representantes da Câmara Municipal solicitavam atuação do então Prefeito João Leal Sales, esperando providências junto aos proprietários para que fossem asseadas as frentes das casas que se encontram em péssimo estado de conservação e da demolição dos prédios em ruínas que arriscavam a vida dos transeuntes.279 Neste argumento já se encontrava mais um elemento de justificativa ao ato: a preocupação com a segurança da população ameaçada por possíveis prédios em ruínas localizados no centro da urbe. A constituição de um espaço que se pretendia ordenado e materializado sob uma forma estética moderna seguia as regras e ordens impostas pelo poder público, limitando, muitas vezes, as práticas da sua população, dessa forma, seriam comuns as reações. Outras vezes, o desejo de efetivar mudanças não era realizado, sendo as utopias apropriadas pelos discursos daqueles que intencionavam a manutenção do poder, mesmo que, algumas vezes, acontecessem de forma arbitrária. Para Gisafran Nazareno Mota Jucá, “a sonhada modernização comuns em algumas das cidades brasileiras, apenas se estribava no discurso das elites que a tudo recorriam para explicar a sua peculiar hegemonia [...]. Surgia, assim, a contradição entre o discurso e a práxis de uma classe, sempre ansiosa por garantir o controle das condições sociais existentes.”280 Assim, a política local usufrui(u) de tais mecanismos também para reproduzir o ideário do progresso para construção de um espaço considerado “racional”. Porém, a racionalização do espaço sempre ultrapassa o caráter da funcionalidade em que o planejamento e construção do espaço visam “condicionar”, “determinar” as ações dos indivíduos e instituições. As palavras de ordem e de progresso dispostas no cotidiano da urbe podem tentar projetar um caráter coletivo sobre as intervenções. No entanto, o que muitas vezes se apresenta nas fontes é certa distância entre a ação pública e a participação coletiva. A busca pela urbanidade e civilidade não é unicamente o que rege as tessituras das práticas cotidianas: as resistências ou adesão às práticas públicas por parte da população podem confirmar isso. Os fios de cada ação executada, visando externar imagens positivas aos ideais de cada época, teceram e foram tecidos conforme os discursos e resultaram em novos significados que subsidiariam a (re)criação dos laços de identidade de cada momento histórico e que resultaram na (re)criação das identidades: de “Pequena São Paulo” à “Cidade Jardim”. 279 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 26 fev. 1948. 280 JUCÁ, 2003, p. 61. 109 3 (D)ESCREVENDO A CIDADE: DE “PEQUENA SÃO PAULO” A “CIDADE JARDIM” Revelado o cenário e suas tramas, traçados na paisagem e nas memórias urbanas, nos capítulos anteriores, as tessituras das lembranças sobre o espaço urbano e o cotidiano, correlacionadas ao conjunto imagético e discursivo, possibilitam as mais diversas leituras para a compreensão das imagens/visões criadas sobre a cidade. Ao imaginar a cidade como escrita, realizada a partir da relação dos sujeitos e seus grupos cotidianamente, pode-se pensar a tentativa de produção de uma cidade que pretendia suprimir traços de ruralidades, substituindo-os por uma organização social que privilegiava a perspectiva do progresso. Muito embora a cidade fosse idealizada pelas autoridades públicas ou por certos grupos sociais, os desejos nem sempre foram praticados, o que permite visualizar a ideia de uma “cidade ideal” (desejada) e uma “cidade real” (a cidade possível), cujos sinais e significados advêm do contrabalanço dessas duas perspectivas.281 Para além do desejo, buscava-se inscrever os elementos que transformassem Amargosa numa cidade bela e aprazível. E para compreender a descrição relacionada à cidade, é preciso ler a esfera pública e suas relações com a sociedade tradicional local que propunham a construção de imagens, em períodos distintos. Nesta perspectiva, é importante a análise das imagens veiculadas sobre a cidade por apresentações em revistas e jornais e nas memórias daqueles que residem ou residiram no Município de Amargosa, objetivando problematizar o processo de (re)construção das identidades: “Pequena São Paulo” e “Cidade Jardim”. Sem dúvida a cidade é uma escrita e suas linhas são definidas cotidianamente. Mas existem os expectadores, que como leitores especiais – como exemplo, os fotógrafos, pintores, cronistas, entre outros – produzem imagens específicas direcionadas para os consumidores da urbe, a população comum da cidade. Para além de meros consumidores, esses indivíduos desenvolvem releituras, as mais variadas possíveis, podendo apropriar-se ou não das imagens oficiais. 282 Exemplo disso foi a formação de uma Comissão – após a 281 Sobre a relação entre as “cidades ideais” e as “cidades reais”, ver: PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Imaginário da Cidade: Visões Literárias do Urbano – Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999. p. 157-231.; ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1993. p.73. 282 Sobre o processo de apropriação das imagens criadas para cidades, ver: CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. São Paulo: Bertrand, 1990; OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos 110 existência de denúncias contra o Prefeito Raul Paranhos – para averiguação dos fatos apontados nas denúncias da gestão municipal, já que segundo o Prefeito, só “observadores sinceros e desapaixonados” conseguiriam verificar e descrever os “surtos de progresso” pelos quais passavam o município. Comissão esta formada por pessoas de destaque na sociedade local, dentre eles: fazendeiros, advogados, comerciantes, funcionários públicos, oficiais da justiça, entre outros.283 A pretensão na criação de uma comissão, para além de certificar os indícios do progresso patentes na paisagem da cidade, por outro lado, poderia revelar que existiam problemas ainda não solucionados na cidade e que só esses observadores especiais, indicados por ele, poderiam atestar, já que os indivíduos e seus grupos distintos não apresentam visões uniformes sobre o cotidiano e o espaço da cidade. A operação objetivada, neste sentido, resultaria na construção de uma espécie de mapa de exibição da cidade, escolhendo entre o ocultar ou o exibir os elementos (des)necessários a imagem da urbe que se pretendia. As transformações ocorridas e subsidiadas no desejo pelo moderno 284 podem levar a um processo de perda de referências. No entanto, apesar das mudanças, certos traços originais da formação da cidade ainda podem repousar na cidade e são esses fragmentos que revivem as lembranças e vão fornecendo matéria-prima para a ação da memória. Ao mesmo tempo em que os acontecimentos vão sendo (re) lembrados, vêm os personagens, as cenas, o cenário, aparecendo na sucessão-sobreposição de tempo e espaço.285 O projeto modernizador, baseado na avidez de “civilização”, buscou um futuro diferenciado, a partir da rejeição do passado e da abolição dos seus vestígios, numa espécie de perspectiva de superação da realidade. Ao longo dos anos, Amargosa ganhou destaque não apenas por sua forte economia regional, mas pelas práticas dos fazendeiros, dos políticos e dos novos “burgueses” locais que a revelaram como uma “das mais progressistas communas bahianas (sic)”: Amargosa é a linda cidade. [...] Apresentando ao visitante uma physionomia (sic) adorável, pelo seu irrepreensível asseio e hygiene (sic), Amargosa achaSantos. Feira de Santana em tempos de modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano (19501960). 2008. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008.; PESAVENTO, Sandra Jatahy. Muito além do espaço: por uma história cultural do urbano. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro. Vol. 8, n.16, 1995. 283 Aviso público, datado de 22 nov. 1938. Disponível em AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 284 Sobre o processo de transformação das cidades a partir da modernidade, ver: BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. 285 SANTOS, M., 1996, p. 264. 111 se, presentemente dotada de excellentes melhoramentos materiaes (sic). [...]. Está assim, a bela cidade de Pedro Calmon e Diógenes Sampaio usufruindo melhoramentos materiaes (sic) que se observa em todos os seus aspectos. 286 As visões que tentaram construir para a cidade, em cada momento, identificaram a cidade como espaço belo, civilizado e progressista. A apresentação de Amargosa na Revista Bahia Chic revela o discurso produzido em torno dos elementos considerados modernos para uma cidade: estética, higiene, novas construções, bem como recorre a citação a dois de seus filhos ilustres e bem conceituados no país, Pedro Calmon e Diógenes Sampaio. Filhos estes que deveriam se orgulhar dos melhoramentos materiais que a cidade passava a dispor. Os desejos anunciados e/ou concretizados pelo poder público podem estar conceituados na vontade política de reprodução de símbolos para manutenção do poder local. 287 Dessa forma, é possível pensar como as identidades, aqui analisadas – “A Pequena São Paulo” e “A Cidade Jardim”, sobrepõem-se uma a outra, sobretudo a partir da ideia de que elas são construídas, nestes casos, tanto da intencionalidade política e das camadas sociais mais beneficiadas com tais modificações, quanto das vivências cotidianas, como também das ideias comuns aos grandes centros urbanos do país em cada momento histórico. Partindo desse pressuposto, a memória oficial pode também se utilizar de recursos como os jornais288 e as Revistas Ilustradas (que ao texto escrito aliam as fotografias como “prova do real”), para propagação dos seus discursos, em um processo de efetivação e imposição, que termina perpetuado em alguns setores sociais, deixando registros nas memórias dos moradores da cidade. No entanto, existem nelas movimentos que se combinam além do poder panóptico: dentre estas se encontram as astúcias dos indivíduos e seus grupos que podem não reconhecer as identidades cristalizadas na memória oficial. Tais experiências revelam as tensões existentes no mundo cotidiano, já que os símbolos e os significados de cada discurso são identificados a partir do interesse daqueles que os forjam. Até a década de 30, a pujança cafeeira apresentava os elementos para representação da cidade. A “Pequena São Paulo” reinava na região que abrangia parte do Vale do Jiquiriçá. Mas em meados do século, a realidade era outra. O início do declínio econômico motivou as 286 REVISTA Bahia Chic. Ano II, nº 13. Salvador, fev. 1941. Sobre o papel do poder público como agente importante na gestão do processo de modernização das cidades, ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em tempos de modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano (1950-1960). 2008. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008. p. 21. 288 Sobre os jornais enquanto veículos de formação e opinião pública, ver: OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em tempos de modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano (19501960). 2008. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008. p. 33. 287 112 famílias tradicionais, beneficiadas pelo comércio agroexportador, ao desejo pelo ordenamento e aformoseamento urbano, permitindo a hipótese de que usavam o espaço para ostentação do poder que esvaía com a crise. Além disso, seguir os modelos dos grandes centros urbanos, modificando os traços eminentemente rurais da paisagem urbana da cidade, conforme o discurso do poder municipal, era o que teria que ser realizado. Dessa forma, abria-se espaço e possibilidade para o surgimento e imposição de novas identidades para a cidade. O que acabou por colaborar para a construção de imagens de uma cidade “moderna” e “civilizada”. A cidade das pombas amargas e do majestoso Jequitibá passaria, com o tempo, a ser reconhecida também por sua aparência física: Amargosa, a “Cidade Jardim”. 3.1 UMA “PEQUENA SÃO PAULO” NO INTERIOR DA BAHIA A partir do século XIX, o café ganhou grande importância nacional, projetando São Paulo como o principal centro econômico do país. A riqueza proporcionada pela exportação desse produto destacou esse estado como o lugar mais dinâmico da economia brasileira 289. Assim, o café determinava o ritmo de vida e de crescimento da cidade: tudo era mantido pela sorte do “ouro verde”. As plantações de café modificaram a paisagem natural e urbana, deixando inscrições nelas, desde as construções materiais até as práticas culturais, e definindo a política, a sociedade e a cultura de parte do país. As imagens que representavam o país encontravam no principal produto – o café – o seu elemento fundador: “O Brasil era o café, o país do ouro verde, e São Paulo, a capital do café”. 290 A produção da valorosa rubiácea não sucumbiu com as mudanças do Império à República. O modelo agroexportador reforçou a predominância do café como principal produto no período. E Amargosa, a “Rainha do Café” do estado da Bahia, também passou a ser comparada a um dos maiores centros de produção e comércio da região do tão valioso “ouro verde”: As lavouras de café, de cana e da mandioca, foram as primeiras ocupações dos habitantes dali; e tão valiosa tornou-se a primeira delas, que [...] foi appellidada de pequena São Paulo. 291 289 FOLLIS, 2004, p.32. MARTINS, Ana Luiza. História do Café. São Paulo: Contexto, 2009. p. 277. 291 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. 290 113 Os recursos financeiros obtidos com o comércio da rica rubiácea permitiu, em certos aspectos, a modernização da cidade, introduzindo na paisagem urbana elementos do progresso: ferrovia, reformas urbanas, instituições culturais e novas sociabilidades. Constituindo importante status de polo regional, até a década de 1930, a cidade ficou conhecida como a “Pequena São Paulo” devido à pujança econômica determinada pela forte lavoura cafeeira. Segundo o Senhor José Peixoto, Amargosa não era uma cidade. O desenvolvimento surgiu em 1840. Em 1877 passou para Vila de Nossa Senhora. Salvo engano, nesse intervalo, houve a imigração de estrangeiros aqui na região [...] e causada pela fertilidade do chão. O incentivo da lavoura do café teve um grande desenvolvimento: atraiu os europeus, aí surgiram (sic) a colônia portuguesa, inglesa, alemãs, francesas; aí vieram italianos. Amargosa foi surgida de uma hora pra outra, um apogeu de riqueza e ficou sendo o entreposto daqui para o porto fluvial de Nazaré. O desenvolvimento pesado mesmo de Amargosa surgiu em 1877 e quando foi criada a Vila em 1880. Em 1890, o desenvolvimento foi acelerando, a estrada de ferro foi começada na década de 70. Quando chegou em Santo Antonio de Jesus o apogeu do desenvolvimento da Vila de Amargosa estava num aceleramento tamanho que a estrada de ferro de Santo Antonio a Amargosa foi construída num tempo recorde, em 05 anos. A estrada chegou aqui em, salvo engano, em 1892. Amargosa já era emancipada, emancipou em 1891. Aí o comércio facilitou o escoamento dos produtos. Como a raspadura, o café e o fumo era base da economia da região, Amargosa era o centro agrícola da região, especialmente pela lavoura cafeeira que era considerado o São Paulo baiano. 292 Para o desenvolvimento da economia cafeeira, indicada pelo entrevistado, é importante considerar a instalação dos armazéns reguladores de grandes firmas estrangeiras na cidade, conforme analisado no primeiro capítulo. No entanto, em Amargosa, fazendeiros mais abastados também implantavam seus armazéns particulares no centro da cidade. Normalmente, estavam localizados próximos às estações com objetivo de estocar o produto e facilitar o escoamento. Além disso, a necessidade de implantação desses grandes comércios no centro do município motivou a mudança dos grandes fazendeiros da zona rural para a zona urbana, devido, entre outras possibilidades, à necessidade de acompanhar de perto os seus lucrativos negócios. Para além de refletir o apogeu econômico, a quantidade de armazéns e das elegantes casas comerciais apresentava a aparência de uma cidade comercial para Amargosa. 292 ANDRADE, José Peixoto. José Peixoto Andrade: entrevista [maio. 2006]. Entrevistadora: Ana Rosa Alves Moura. Amargosa, 2013. 2 cassetes sonoros. [lavrador aposentado, 76 anos]. 114 Essas casas comerciais eram instâncias fundamentais para a economia local: despachavam os produtos, inclusive para o mercado internacional, bem como proporcionavam novas áreas de cultivo, já que conseguiam financiamentos/empréstimos necessários às transações econômicas. E, com o tempo, passaram a expandir suas atividades para além de agentes exportadores, introduzindo outras atividades – como é o caso do agente exportador Arnulpho Rebouças que, em sociedade, criou a Companhia Elétrica de Amargosa. A atração ao trabalhador estrangeiro também foi destacada por Seu José Peixoto, indicando a existência de formação de diversas colônias na cidade. Essa ocupação estrangeira pouco foi destacada em outros documentos do período ou entrevistas, o que permite a hipótese que, embora tenha acontecido, não foi intensa em Amargosa. No depoimento a construção do Ramal da Estrada de Ferro foi destacada como uma das consequências do “desenvolvimento pesado”, econômico, da cidade – que já era emancipada no período. É fato que o trem era, na época, mais que um símbolo da modernidade – era uma máquina vista como revolucionária –, ele expressava a ação humana sobre a natureza, a locomotiva anunciava o futuro. A velocidade do novo transporte também acelerava o ritmo da produção que requisitava cargas cada vez maiores. Gravitando em torno dos principais elementos que desencadearam o processo de desenvolvimento da cidade – grande produção cafeeira, polarização regional do comércio agroexportador e agilidade no transporte dos produtos –, a “Pequena São Paulo” passou a imperar na região. O Senhor José Peixoto, em suas memórias, faz um deslocamento temporal anterior ao período aqui estudado, indicando o desenvolvimento pelo qual a cidade passou, seja a partir da sua efetivação enquanto região agroexportadora ou da construção do Ramal da Estrada de Ferro de Nazaré – Amargosa, ligando a cidade a outros polos regionais. Assim, “a emergência da urbanização de Amargosa [...] tem a ver com a expansão do comércio regional e com os transportes ferroviários.”293 A conclusão do Ramal de Amargosa – que passava pelo distrito de Corta-Mão – fortaleceu, com o tempo, sua função enquanto entreposto comercial e dinamizou as localidades a que tinha acesso a EFN. Segundo José Manoel Chaves Barbosa, conhecido por Seu Zito de Corta-Mão, o desenvolvimento permitido pelo negócio agroexportador, aliado ao 293 Para Zorzo, “o caso de Amargosa é esclarecedor dos efeitos da modernização regional que se alcançou com o episódio ferroviário e com o incremento do comércio de exportação”. Sobre o assunto, ver: ZORZO, Antonio Francisco. Transporte e desenvolvimento urbano-regional: o caso de Amargosa e da estrada de ferro de Nazaré. In: GODINHO, Luis Flávio R.; SANTOS, Fábio Josué S. (Coord). Recôncavo da Bahia. Amargosa: Ed CIAN, 2007. p.89-93. 115 transporte ferroviário, fortaleceu a importância da sua terra natal para a economia da cidade, passando a ser chamada de “São Paulinho”: Corta-Mão que era chamado de São Paulinho. Por quê? Por que chamava São Paulinho? Porque Corta-Mão era um polo de distribuição de mercadorias. Por exemplo, aqui a ferrovia, aqui desse lado aqui, logo desse mesmo lado aqui da minha casa, ali tinha uma rede de armazéns, uma rede de armazéns atacadistas. E ali onde é aquela área de casas; ali era um hotel. Aquele hotel que existia ali não alcancei, mas depois alcancei o hotel que é dividido em três casas, transformaram o hotel em três residências. E o hotel tinha vezes que ficava tão superlotado que construiu aqui dentro do meu pasto, ali em cima, tem um assentamento que fizeram um anexo, os representantes comerciais eram tantos que às vezes o hotel não comportava. E fizeram o anexo, fizeram uma escada ali na ladeira e até hoje o assentamento tem a marca da construção do hotel que tinha ali.294 A fala de S. Zito evidencia, em certo momento, o distrito de Corta-Mão com um dos espaços mais importantes da cidade. Neste sentido, se para Amargosa cabia o título de “Pequena São Paulo”, por analogia talvez, Corta-Mão seria a “São Paulinho”. A quantidade de armazéns reforçava o discurso formador da identidade, incluindo a existência de um Hotel – elemento importante para a construção da imagem de urbanidade pretendida em meio a uma localidade eminentemente rural e importante atestado de progresso295. Essa referência até a atualidade marca a localidade, pois, segundo o mesmo, ainda existe no distrito “a marca da construção do hotel” – apesar de o espaço inicial ser desmembrado para a construção de três casas. Os traços que referenciam a identidade do local não se apagaram com o tempo e foram revisitados como forma de evidenciar aquele tempo que se foi. O “lugar de memória” 296 que ancora a lembrança social do entrevistado revela os elementos do passado que expressam a identidade forjada e a memória coletiva 297 que o alicerça – já que ele afirma não ter “alcançado” esse período, mas que a partir das lembranças vividas que lhe foram repassadas, ele rememora acontecimentos de um período que destacou a sua comunidade, grupo. 294 BARBOSA, José Manoel Chaves. José Manoel Chaves Barbosa: entrevista [jan. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (116 min. 44 seg.). [Militar aposentado, 70 anos]. 295 Sobre a importância da construção de Hotéis para construção de imagens para as cidades, ver: SOUSA, Fabio Gutemberg Ramos Bezerra de. Campina Grande: cartografias de uma reforma urbana no Nordeste do Brasil (1930-1945). In: Revista Brasileira de História. São Paulo. V. 23. Nº 46, 2003. p. 70. 296 Sobre os “lugares de memória”, ver: NORA, Pierre. Entre memória e história: A problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo, n. 10, 1993. 297 HALBWACKS, 2006. 116 Quando indagado o porquê do título de “São Paulinho”, ele reforçou os elementos que para ele criaram o discurso que sustenta a identidade: São Paulinho, porque girava muito dinheiro aqui na região. Eu não estava te falando que aqui tinha um hotel, uma rede de distribuição? Tinha uma rede de armazéns atacadistas, que abastecia a região de Corta-Mão. Era um polo de abastecimento. Por isso que era chamado de São Paulinho, pelo dinheiro que corria.298 No alinhavar da trama constitutiva da identidade forjada e, então, redimensionada como representação do seu lugar, as lembranças de S. Zito permitem identificar a existência de instâncias que o vinculam ao espaço, dotando-o da noção de pertencimento àquele lugar histórico que, para ele, em muito contribuiu para a dinâmica do município: “a identidade é uma construção simbólica cuja eficácia é permeada por esta sensação de pertencimento, a qual permite a coesão social de um grupo, classe ou categoria, que se identifica, se reconhece e se consolida como iguais ou semelhantes.”299 O incremento financeiro permitido pela localidade rural à cidade era o que indicava a sua importância. No entanto, ao ser perguntado se ele tinha conhecimento sobre a identidade de “Pequena São Paulo” para Amargosa, ele respondeu: “Era Corta-Mão. Corta-Mão que era chamado de São Paulinho”. 300 É preciso considerar a heterogeneidade que marca a(s) memória(s), sobretudo, no sentido daquilo que se quer lembrar. O lugar de memória indicado por S. Zito resgata somente a identidade que o convém, aquela que reforça a preservação da história da sua localidade. As representações são elaboradas conforme os embates dos grupos, onde cada um tenta impor os discursos e as imagens mais convenientes. Contudo, é preciso considerar que a rememoração individual está situada na encruzilhada das redes de sociabilidades nas quais cada um está envolvido 301. Nesse sentido, a dificuldade de acesso à cidade pode ter afastado seu grupo do discurso e da memorização da imagem criada pela elite e balizada na experiência coletiva dos grupos urbanos, já que, para S. Zito Barbosa, “era difícil [...] essa fluência do povo de Corta-Mão a Amargosa”. Na época e conforme informações do mesmo, só se tinha acesso à zona urbana do município por meio de 298 BARBOSA, José Manoel Chaves. José Manoel Chaves Barbosa: entrevista [jan. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (116 min. 44 seg.). [Militar aposentado, 70 anos]. 299 OLIVEIRA, Ana., 2008, p. 82-83. 300 BARBOSA, José Manoel Chaves. José Manoel Chaves Barbosa: entrevista [jan. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (116 min. 44 seg.). [Militar aposentado, 70 anos]. 301 DUVIGNAUD, Jean. Prefácio. In: HALBWACKS, Maurice. A Memória Coletiva. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006, p. 12. 117 animal ou de trem. A viagem de animal era cansativa e demorada, o trem encurtava a distância. No entanto, os horários das viagens das locomotivas prejudicavam, sobretudo, os feirantes – que para trabalhar no sábado precisavam pernoitar na cidade e se voltassem no trem perdiam a feira, já que a partida da estação acontecia às 7 horas da manhã. A fluência da população rural para a cidade, proporcionada pelos dias de feira, ganhou destaque em todas as fontes, não só pelo seu incremento à economia, mas pela possibilidade de desenvolvimento das redes de sociabilidades entre os indivíduos que nela transitavam, sendo uma oportunidade dos moradores da zona rural de terem acesso à urbe. A diversificação da produção das mais diferentes localidades ficava evidente nos dias de feira, que somada ao comércio dos grandes armazéns permitia maior dinâmica ao município. Para alguns, como para S. Zito Barbosa, ir à feira também se apresentava como oportunidade de saber sobre as coisas e novidades da cidade.302 O desconhecimento acerca da identidade forjada se estendeu também aos moradores de outras localidades rurais, como o caso do Senhor Alirio Maia Sales, que declarou, em entrevista, desconhecer o título: “Não, não ouvi falar nenhuma vez isso aí não”. No entanto, ele relembrou o forte comércio cafeicultor da época: “O café já teve muito aqui, hoje não tem mais. O café já teve uma quantidade enorme aqui. Era a lavoura preferencial. Hoje não tem mais café, pode bem ver que hoje não tem mais. [...]. Hoje tem um cafezinho bobo por dentro de casa mesmo.”303 Até o início da década de 1950, o mesmo residia na zona rural da cidade e quase não vivenciava os acontecimentos do espaço urbano: “Eu nasci e me criei na roça. Casei e fiquei lá um ano e pouco, depois eu vim me embora pra aqui. A minha filha nasceu e aí fiquei e aí fiquei: ‘Família é melhor ir pra cidade’. Eu era caminhoneiro nessa época e vivia muito viajando e mudei pra aqui em 51.” 304 Ao fato de residir na zona rural, distanciando-se do cotidiano da zona urbana, unia-se a ideia de que o S. Alirio viajava muito, já que exerceu a atividade de caminhoneiro por um bom tempo, o que pode explicar o fato de ele ignorar o título em questão. No transcorrer da entrevista, o depoente também ressaltou que após a sua instalação na zona urbana do município, ele foi eleito e assumiu a vereança por dois mandatos. 302 BARBOSA, José Manoel Chaves. José Manoel Chaves Barbosa: entrevista [jan. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (116 min. 44 seg.). [Militar aposentado, 70 anos]. 303 SALES, Alírio Maia. Alírio Maia Sales: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 56 seg.). [Fazendeiro, 90 anos]. 304 SALES, Alírio Maia. Alírio Maia Sales: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 56 seg.). [Fazendeiro, 90 anos]. 118 Considerando essa informação, quando o mesmo tinha acesso a documentos oficiais e acompanhava diretamente as discussões em torno das atividades do poder público, o desconhecimento de S. Alirio, por outro lado, pode também denotar que o título destacado, sobretudo, nas revistas de governo dos tempos idos, já havia sido esquecido ou sobreposto por outros no período. Essa verificação do entrevistado permite inferir que a identidade em questão, embora referenciando os elementos ligados ao forte comércio agroexportador e que tinha no café o seu principal produto, apresentava o interesse daqueles que a forjaram – fazendeiros, políticos e comerciantes locais que agora residiam no centro da urbe. A identidade parecia não indicar os elementos e símbolos de pertencimento necessários para a apropriação da maior parte da população do município – que não tinham acesso às “benesses” do poder público, ao numerário proveniente do próspero comércio cafeeiro e aos espaços e instituições criadas para acesso das camadas elitizadas da urbe. Soma-se a este fato a compreensão de que as imagens e discursos eram veiculados, sobretudo, em revistas e jornais, justamente em uma época que apenas uma parcela diminuta da população sabia ler e escrever. Os atributos simbólicos criados pelos grupos abastados não apresentam, assim, o mesmo significado para todos da cidade, já que tantos outros moradores, em conversas informais, que não residiam no centro da cidade e estavam distantes dos meios políticos ignoravam a imagem de “Pequena São Paulo” atribuída à Amargosa. Relembrando o seu torrão natal, Suzete Rebouças, embora não reconhecesse a identidade em questão, destacou o período de pujança econômica do município, porém, atribuindo ao seu distrito de Tartaruga o papel de principal produtor da valorosa rubiácea: Na Serra de Tartaruga também tinha muito café, muito café. Tinham muitas famílias ali em Tartaruga, que hoje imagino assim: como é que viviam de uma forma boa num lugar tão seco hoje e naquele tempo que tinha cachoeirinha, não é? Entendeu?305 Ao contrário de S. Zito de Corta-Mão, ela relacionou, durante a entrevista, a importância da produção da sua localidade para a economia da cidade. Entre outros entrevistados, como S. Valdemiro Sampaio, foi informado que era do distrito de Tartaruga que saía o melhor café da região. A relevância de Corta-Mão evidenciada por S. Zito pode 305 SAMPAIO, Suzete Rebouças. Suzete Rebouças Sampaio: entrevista [maio 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (60 min. 19 seg.). [Servidora pública aposentada, 69 anos]. 119 estar direcionada ao fato do local ser escolhido para instalação do ramal da EFN, mesmo antes de serem construídos os trilhos que dariam acesso à zona urbana da cidade. A recordação da entrevistada denota, também, a nostalgia de um tempo quando o seu distrito apresentava as condições necessárias a produção, um lugar de “cachoeirinhas”, e dos fazendeiros e suas famílias abastadas, ao contrário de hoje: “lugar tão seco”. O imaginário que ancorou a lembrança da entrevistada guardou a imagem das antigas fazendas de café, perpetuando a sua memória ligada ao bucolismo do campo e suas características tipicamente rurais. O Senhor Albertino Paulo dos Santos, que sempre residiu na área suburbana da cidade, também não soube explicar, informando que nunca teve conhecimento dessa identidade: “Pequena São Paulo? Por que é Pequena São Paulo? Relicaram assim? [...] Não ouvi não... Assim... lembraram diferente que era Amargosa pelas pomba (sic) Amargosa! Porque tinha pomba que amargava.” 306 O estranhamento à identidade fica evidente em sua fala. Recorrendo as suas lembranças, ele remonta ao tempo de formação da cidade e do seu nome. A cidade continuava, para ele, sendo a Amargosa devido ao amargor das carnes das suas pombas. Nesse sentido, apreende-se que não há homogeneidade em torno das identidades forjadas, já que imagens outras podem ter sido elaboradas e conduzidas pela multiplicidade dos fatos que compõem o cenário cotidiano e suas vivências. Os embates sociais acontecem e cada grupo, conforme seus interesses, cria imagens e discursos, tentando impor aos demais os significados que lhes são mais apropriados e convenientes. O fato de lembrar-se ou não de cada uma das imagens veiculadas está balizado no tempo e no espaço de cada grupo e relacionado com as suas formulações simbólicas próprias, o que pode resultar, para alguns, no esquecimento ou desconhecimento. Em apresentação da Revista Bahia Tradicional e Moderna, a cidade foi destacada enquanto município policultor – produzindo café, fumo, ouricuri, couro, peles e mamona. No entanto, o artigo registrou que era do café e do fumo que se exprimiam as perspectivas econômicas promissoras. Era a produção agroexportadora que baseava a região e em seu panorama físico caracterizado como um ambiente de “clima ótimo, solo variado e fecundo”. Essa condição permitia a cidade uma dinâmica especial que chamou a atenção do articulista, 306 SANTOS, Albertino Paulo dos. Albertino Paulo dos Santos: entrevista [jan. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (20 min. 04 seg.). [Pedreiro aposentado, 87 anos]. 120 intitulando o artigo publicado na referida Revista: “Amargosa, uma cidade que (grifo meu) sorri em pleno sertão baiano.”307 Finalizando a apresentação, a revista reforçou o discurso quanto à posição estratégica e condição geográfica (clima, relevo, vegetação, entre outros) de Amargosa, conjunto este que a dotaria dos elementos fundamentais para a instalação e desenvolvimento de uma grande cidade do estado: “Se a Bahia tivesse de mudar a Capital, Amargosa, pelos seus recursos naturais e pela sua posição geográfica seria um dos lugares indicados.”308 Mais uma vez, sobressaía a importância da sua localização geográfica, reforçada, então, na utopia da possibilidade de sediar a capital do estado. A cidade, enquanto polo de uma região de forte economia agroexportadora se destacou dentre as cidades do interior da Bahia. São muitas as apresentações da Cidade em Jornais e Revistas (como a Revista dos Municípios) que, dentre outros títulos, ficou conhecida como a “Rainha do Café Baiano”: Amargosa é a rainha do café baiano por ter se constituído o maior centro de compra e venda da saborosa rubiácea, atrahindo (sic) para seu mercado os productores (sic) dos limites de municípios visinhos (sic) como: Brejões, São Miguel, Monte Cruzeiro, Areia, Nova Lage, Jequiriçá (sic), Mutuype e Maracás, além do vultoso algarismo de sua produção. 309 O império do café permitiu certo desenvolvimento, sendo a cidade o lugar para efetivação dos ideais de modernidade. Outras cidades do país, como São Paulo, experimentavam há muito as mudanças possibilitadas pela dinâmica cafeeira, sendo suas especificidades reconhecidas e até desejadas por outras localidades do país. O anseio de conseguir os atributos e qualificativos para poder comparar-se ao outro também permitia, por outro lado, a distinção e o destaque que a cidade pretendia perseverar na sua região. Nesse sentido, pode revelar o olhar e a tentativa do poder público e das camadas mais abastadas da cidade em dotar a urbe dos elementos imprescindíveis à imagem desejada, numa espécie de metáfora visual, reforçando o seu reinado utópico junto às pequenas localidades vizinhas. Semelhante definição foi localizada em uma edição dedicada ao estado da Bahia da Revista A Luva: “Amargosa é chamada a rainha do café bahiano (sic), por ter se constituído como o maior centro de compra e venda dessa lavoura.”310 Em todas as apresentações, a 307 REVISTA Bahia Tradicional e Moderna. Salvador, abr. 1939. REVISTA Bahia Tradicional e Moderna. Salvador, abr. 1939. 309 AMARGOSA. Número dedicado ao Estado da Bahia. Revista A Luva. Salvador, 1928. 310 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. 308 121 imagem da cidade é vinculada, na forma de títulos, à sua forte produção e ao seu próspero comércio cafeeiro, o que contribuiu para o seu desenvolvimento. O café possibilitou o reinado da “Pequena São Paulo” até a década de 1930, cuja produção devia-se a qualidade da melhor bebida do país: “Afirma-se até que durante muitos anos, Amargosa ficou conhecida como a Pequena São Paulo em razão do café aqui cultivado produzir a melhor bebida mole do país.”311 O memorialista Emanuel Oliveira dos Santos (Sr. Nené) perenizou em seus escritos a imagem criada para Amargosa no auge do seu apogeu econômico: “no apogeu do Café [...] a cidade ficou conhecida como a Pequena São Paulo pela sua pujança econômica e pelo clima frio.”312 Alguns moradores mais antigos relembraram, em entrevistas, como era reconhecida no passado. Quando indagado sobre o título “Pequena São Paulo”, o Senhor Leobino José de Souza recorreu as suas lembranças, revelando as suas dúvidas e impossibilidade de comprovar por meio de algum documento escrito o que sabia: Eu não tenho nada escrito [...], mas era porque era uma das que despontava aqui na região e a maiorzinha era ela. Então, era a cidade São Paulo e era como algumas pessoas chamavam. [...]. E talvez porque sentissem que era uma cidadezinha maior, que dava alguma oportunidade que não tinha na região. Por que quem era aqui? Santo Antonio era uma Capela... Era pequena. [...]. Desenvolveu mais com o desenvolvimento da estrada, a 101. [...].Então, não tinha uma cidade grande aqui a não ser aqui, Jequié e Feira. Então, a maiorzinha como tá (sic) sendo e vai ser era Amargosa. [...]. Mas chegaram a chamar a cidade São Paulo; a cidadezinha São Paulo. Mas isso aí não é muito justificativa não, viu? 313 Ao tentar explicar o título “cidade São Paulo”, o entrevistado reforçou o destaque do município na região, porém, por possuir a zona urbana maior no período, que para além de sua extensão era a que possuía diversas oportunidades (econômicas e culturais) também para as cidades vizinhas menores. O recuo do tempo que ele fez pretendeu comparar a cidade ao município de Santo Antonio de Jesus, sugerindo o seu tardio desenvolvimento – quando da construção da rodovia 101 – com o de Amargosa. Ele também destacou o período de declínio de Amargosa, muito embora a cidade ainda exercesse certo poder entre outras pequenas localidades do Vale do Jiquiriçá, o que pode ser evidenciado no trecho: “a maiorzinha como tá 311 1ª EXPOSIÇÃO Agropecuária de Amargosa. Revista Amargosa Cidade Jardim. Amargosa, 1978. SANTOS, Emanuel Oliveira dos. Amargosa de A a Z: Eu conto os contos que me contaram em contos e histórias, 1825 a 2008. Trabalho não publicado. 313 SOUZA, Leobino José de. Leobino José de Souza: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 12 seg.). [Servidor público aposentado, 81 anos]. 312 122 (sic) sendo e vai ser era Amargosa”. Por fim, o depoente revelou, mais uma vez, incerteza quanto as suas informações quando destacou: “Mas isso aí não é muito justificativa não, viu?”. E a incerteza que o depoente evidencia na fala refere-se ao fato dele não possuir documentos escritos do período para comprovar o que ele sabia. Sobre Amargosa ser também identificada, no período, enquanto a “Rainha do Café”, S. Leobino relembrou: “Amargosa era uma das grandes produtoras de café e fumo. Era! Onde exportava, através do trem [...]. E o café que era o celeiro, a fortaleza do município.” 314 A ideia de celeiro destaca uma imagem tipicamente rural e nesta perspectiva indica a imagem “Rainha do Café” às características comuns ao campo. Por outro lado, pode evidenciar também a grande capacidade de estocagem de produtos, destacando que o município possuía inúmeros armazéns, indicando progresso e desenvolvimento econômico, pautado na elevada produtividade da região. Armazéns estes, conforme observado anteriormente, instalados no centro da cidade. Dessa forma, observa-se a forte relação entre o campo e a cidade315. Já a “Pequena São Paulo”, para ele, expressava o caráter urbano apresentado pela cidade, que oferecia “alguma oportunidade” para a região. Essas oportunidades dizem respeito às modificações urbanas e implantação de equipamentos de lazer, cultura e esportes da cidade. Para Maria Belarmina dos Santos, professora e também interessada pela história do município, o título “Pequena São Paulo” deveu-se ao desenvolvimento econômico de Amargosa naquela época. Eram vários armazéns de fumo e de café, tinham firmas estrangeiras aqui, [...] casa de tecido, casas de perfume, até numa filial da França. [...]. O trem de ferro contribuiu para o desenvolvimento de Amargosa porque exportava as mercadorias, que era mais barato. [...]. Mas acho que esses produtos que levaram nessa época, que desenvolveram Amargosa.316 Para além dos lucros advindos do comércio dos produtos, a identidade, para ela, foi forjada a partir dos outros elementos que transformaram a materialidade urbana, como o trem e a grande quantidade de casas comerciais que existiam na cidade e que revelavam o seu progresso comercial. A ênfase ao destacar a importância do trem pode ser entendida como a 314 SOUZA, Leobino José de. Leobino José de Souza: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 12 seg.). [Servidor público aposentado, 81 anos]. 315 Sobre o assunto, ver: SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e Ventura Camponesas: trabalho, cotidiano e migrações – Bahia: 1950-1980. São Paulo: Anablume, 1998. 316 SANTOS, Maria Belarmina dos. Maria Belarmina dos Santos: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (16 min. 01 seg.). [Professora aposentada, 70 anos]. 123 possibilidade que ele trouxe para escoamento da produção de forma mais rápida e com baixos custos, facilitando o comércio agroexportador. O discurso criado pela elite e, recordado por apenas uma pequena parcela da população, Amargosa firmou-se enquanto a “cidade progressista e vivamente simpathisada (sic) na zona de Nazareth”317 – uma cidade enriquecida pela força do seu comércio que, em muito, contribuía para a dinâmica da região. Mas que “amargou” após uma série de sucessivas crises econômicas pelas quais passou. Por não conseguir acompanhar o processo de desenvolvimento industrial, quando houve uma queda na produção, associada à política do produto despolpado, resultando na substituição da agricultura do café por outras atividades, como a pecuária, já que os produtores não possuíam “condições econômicas para aquisição de maquinário, não pode produzir o café despolpado.”318 Com a restrição do café e do comércio em Amargosa, a população acionou novos mecanismos que visavam recuperar o destaque que o município tinha frente às outras localidades da região, criando novas práticas na cidade, as quais teriam o papel de retratar um novo momento que representasse o local: partindo do ano de 1891, quando o povoado foi elevado à categoria de cidade, até aproximadamente 1937, quando viveu o seu período de esplendor e prosperidade econômica, Amargosa teve a oportunidade de remodelar o seu quadro urbano, as marcas do seu apogeu são bem presentes, ainda hoje, embora as funções tenham se modificado. 319 “Como todas as cidades adeantadas (sic)”320, Amargosa, antes do período aqui analisado já convivia com outras “invenções” da modernidade, possuindo seus espaços sociais de educação, saúde, cultura e lazer. Aliando os equipamentos públicos (jardins, praças, etc), aos locais de festa e aos mais variados serviços (bancos, telégrafos, entre outros) estavam disponíveis espaços de mobilidade e encontro da sociedade local, como possibilidade de produção de novos padrões de comportamento urbanos comuns à “civilização”. Com o tempo, surgiram clubes e espaços sociais onde se realizavam festas, bailes, jantares, estudos, entre outros. Além das suas belas Praças e das Escolas, as Liras e Filarmônicas, as Bibliotecas e o Cinema constituíam-se como importantes espaços de sociabilidade da urbe, sendo este último, por suas tecnologias modernas, um importante 317 AMARGOSA e a sua nova Matriz. Jornal O Conservador. Semanario, Noticioso, Litterario e Popular. Nazareth, 2 ago. 1936. 318 SANTOS, Milton. 1963, p. 13. 319 Ibid., p.10. 320 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. 124 símbolo de modernidade. 321 A construção do Cine-Theatro Pérola de Amargosa permitiu, para além da sua materialidade, a identificação de outros elementos que reforçariam a imagem da cidade moderna, a “Pequena São Paulo”. A implantação deste espaço na cidade traduzia, do ponto de vista simbólico, o grau de desenvolvimento que o município havia conseguido devido a sua pujança econômica. Importante signo da civilização, o cinema exigia comportamentos mais adequados para essa nova cidade que se pretendia criar, compondo uma variedade de novas experiências que ora forjavam estilos e/ou servia de espaço de convivência para diversas manifestações culturais. O hábito de ir ao cinema era valorizado pelas famílias mais abastadas da localidade e como que um acontecimento social era importante para o compartilhamento das vivências e experiências cosmopolitas. Dessa forma, só o fato de lembrar-se do cinema traz à tona as memórias dos frequentadores que experimentaram essa época marcante da cidade: E o teatrinho das “Variedades”, inaugurado festivamente em 23 de Outubro de 1893, e que presenciou taful sagrações entusiásticas a Apolónia Pinto, Julia Plá, Dolores Lima, Mariana das Neves, Alexandre Fernandes e Sílio Bocanera Júnior, e onde se exibiu o Bioscope Inglês, lá estão em estilo colonial, à Rua do Curriaxito, senescente, acachapado, desolado, lembrando passadas glórias e os grandes triunfos do meu rincão, nos belos tempos em que o apelidavam de São Paulo Pequeno. 322 O “Teatro Variedades” foi palco de inúmeras apresentações com artistas renomados em nível nacional e internacional. Simbolizava os triunfos possibilitados pelo desenvolvimento da cidade. Porém, com o passar dos anos, sucumbiu, dando lugar ao CineTheatro Pérola, que conservou sua estrutura física de estilo colonial até sua demolição. Aquele prédio que representou novidade na paisagem urbana e novas possibilidades de acesso à civilização, apesar de continuar com suas atividades nas próximas décadas, se materializou como “uma espécie de metonímia dos tempos vividos”323 pela “Pequena São Paulo”. As experiências, narradas pela memória, revelam os diversos sentimentos dos indivíduos que no viver citadino sofrem as tensões do mundo moderno, entre o antigo e o novo. A lembrança de 321 Sobre a introdução de costumes civilizados na cidade, ver: FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. Fazendo fita: cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador: EDUFBA, 2002; GOMINHO, Zélia de Oliveira. Veneza Americana X mucambópolis: o Estado Novo na cidade do Recife (décadas de 30 e 40). Recife: CEPE, 1998. 322 JORDÃO, Theodomiro. Vultos e Factos da Minha Infância. Salvador: Imprensa Glória, 1949, p.28. 323 OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Moraes. “Canções da cidade amanhecente”: memórias urbanas, silêncios e esquecimentos em Feira de Santana, 1920-1960. 2011. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília. Brasília, 2011, p. 104. 125 Theodomiro Jordão acentua, dessa forma, a nostalgia por aquele rincão que Amargosa deixou de ser. Para além da execução das obras e serviços públicos essenciais e do aformoseamento da cidade, os lucros auferidos pelo comércio agroexportador também foram investidos nas principais instituições que representavam uma elite que se desejava educada e civilizada: O grau de civilisação (sic) de um povo, hoje em dia, aquilata-se pelo numero de suas escolas e instituições outras de subido valor moral e social, taes (sic) como: Hospital, sociedades beneficentes, recreativas e literárias, Theatro, ou cinema, agencias de bancos, Caixa Rural, telegrapho, Correio, hotéis, bem como o automobilismo, com boas estradas de rodagem, que se encaminhem para os centros productores (sic).324 Segundo S. Leobino, as intervenções urbanísticas e a criação de espaços socioculturais na cidade foram surgindo por conta da evolução e do desenvolvimento econômico da cidade, em cada época e conforme as necessidades da população: “Com a cidade evoluindo e crescendo começaram a surgir, como hoje tá (sic) surgindo até faculdade, né? É porque é dada a o quê? A evolução!.”325 As transformações pelas quais passaram a urbe, sobretudo no que concerne às demolições, por outro lado, podem ter apagado parte das referências da cidade para alguns moradores. O vínculo das pessoas com o ideal de “modernização” – inerente a cada tempo histórico –, contudo, pode ter acabado por criar um sentimento de estranhamento ou de não pertencimento àquele lugar, já que a paisagem e a vida cotidiana ainda continuavam presas ao passado. A negação a elementos outros que significavam o moderno é visível na escrita de Theodomiro Jordão, já em finais da década de 1940, e pode demonstrar o medo pelo esquecimento da antiga cidade, da qual só restavam alguns prédios e casarios antigos que ainda resistiam ao tempo. Dessa época feliz, dessa quadra ditosa, dessa fase de vida e de progresso, que resta ali, na minha estremecida Amargosa? Vetustos prédios de construção arcaica, um casario inestético e secular, coevo dos primeiros habitantes e a saudade dos tempos idos torturando o coração de minha gente! 326 324 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. SOUZA, Leobino José de. Leobino José de Souza: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 12 seg.). [Servidor público aposentado, 81 anos]. 326 JORDÃO, Theodomiro. Vultos e Factos da Minha Infância. Salvador: Imprensa Glória, 1949, p.28. 325 126 Empreendem-se da escrita da cidade, dessa forma, diferentes diálogos entre a tradição e a novidade. Outras leituras históricas foram realizadas para além das memórias oficiais, dentre estas e, por exemplo, pode ser destacado o importante papel dos memorialistas. A descrição do memorialista destaca dois momentos: do fausto do passado à nostalgia do seu tempo, o que pode demonstrar seu desencanto com a realidade. A intenção de Jordão em perenizar suas lembranças demarca a operação de registrar as referências perdidas com o tempo e aquelas que ainda existem, mas que estão ameaçadas, já que a “sedução pelo novo tem nos deixado sem algumas referências” 327, resultando em certo estranhamento aos lugares. Suas memórias, assim, testemunham a relação intrínseca entre sua vida pessoal e a história da cidade. O ciclo de esplendor baseado, sobretudo, na economia agroexportadora sucumbiu diante da crise pela qual passava o país, levando ao declínio do “reinado” de Amargosa a partir da década de 1930. Segundo nota publicada no Jornal O Estado da Bahia, Amargosa, cidade florescente e culta, indiscutivelmente possuidora de um povo laborioso e honesto, passa, como as demais suas semelhantes por uma phase (sic) de desequilíbrio financeiro, que lhe não permitte (sic) dar provas dos seus valores intrínsecos. Por effeito de uma observação, meticulosa, se depreende que o desvalor (sic) dos seus productos implica numa depressão da actividade do seu commercio (sic), cuja intensidade, até então, febricitava os differentes (sic) ramos da operosidade de sua gente. 328 E apesar do declínio de suas principais atividades comercial, a cidade passou por modificações importantes que viriam a dotar a urbe dos elementos que comporiam uma nova visualidade para o município – os remodelamentos urbanos – já que o valoroso grão não mais assegurava o discurso formador da antiga identidade: O reinado cafeeiro na “Pequena São Paulo” perdurou de 1891, data de sua elevação à categoria de cidade, até aproximadamente 1937, quando a lavoura cafeeira começou a se desestruturar no município. Porém, neste período de esplendor econômico das “verdes ramarias” a cidade passou por remodelamento de alguns dos seus aspectos urbanos.329 A cidade foi beneficiada, sobretudo a partir da execução de importantes obras, como a construção do Jardim Público Municipal (1934), da Igreja Matriz (1936) e do Cristo Redentor 327 NASCIMENTO, 2002, p. 173. AMARGOSA. Jornal O Estado da Bahia. Salvador, 1 fev. 1934. 329 MARQUES, 2010. 328 127 (1939), bem como do alinhamento, pavimentação, arborização das principais ruas da urbe. E apesar do declínio econômico proporcionado pela queda dos rendimentos do comércio agroexportador, o município ainda exercia grande influência regional na década seguinte – quando contou com a criação da Diocese de Amargosa (em 1942) e do Ginásio Santa Bernadete (em 1946) que possibilitavam à cidade novos elementos de destaque regional, inclusive, por seu papel educacional, conforme analisado nos capítulos anteriores. Analisando as alterações no local, realizadas pelas administrações municipais no período, pode-se pensar sobre a preocupação técnica e econômica em trazer o “progresso” para a região. Seria nesse contexto, talvez, que a cidade apareceria como o espaço pleno para efetivação de um novo momento histórico. Assim, a cidade do café passou a ser vista a partir dos elementos que compunham a sua estética urbana, considerados enquanto modernos. Esse discurso sobrepunha a perspectiva da identidade que gravitava em torno da produção e comércio do “ouro verde”. A cidade, dessa forma, foi construída sob uma forma de vida indefinida e híbrida, tendendo entre o passado e o futuro: como um cenário urbano com ares de povoado, ou como celeiro do progresso. Mas, apesar dessas revelações, está retratada, sobretudo, a imagem de uma localidade urbana que tentou se “enquadrar” nos ritmos do progresso, criando a imagem de uma urbe moderna. Como acontecia em outras cidades do país, beneficiadas pelo negócio cafeeiro e agroexportador, Amargosa também foi transformada: “do rural ao urbano, do Império à República, da opulência à ruína” 330. Alinhavando e descrevendo suas experiências cotidianas pelo fio condutor das imagens que gravitavam em torno do café, em sua cultura material e alegorias foram criados novas possibilidades, discursos e narrativas. Outras cidades foram construídas, dentro da mesma cidade. O reinado da antiga “Rainha do Café” deu espaço a “Pequena São Paulo”, do poder das oligarquias do café durante a República. E tão logo veio declínio da produção da rica rubiácea, a partir da década de 1930, e durante o contexto de um novo Estado, novos medos e desejos331 marcaram o cotidiano dos moradores da cidade. Sentimentos estes que motivaram a tentativa de consolidação de um novo momento para a cidade – a ideia de uma cidade moderna, bela e ordeira, passou a ser tramada e reforçada. 330 MARTINS, 2009, p. 12. Para Ítalo Calvino, “as cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos”, muito embora não se reconheçam seus motivos, o que se pode aproveitar de uma cidade, são as respostas que dá as perguntas. CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Cia das Letras, 2003. p. 44. 331 128 3.2 CONSTRUINDO UMA “CIDADE JARDIM” A República trouxe consigo novos conceitos históricos, sobretudo, pelo lucrativo comércio cafeicultor, levando a sociedade de Amargosa a um novo compasso social. A possibilidade de dotar a cidade de um ambiente cosmopolita resultou no surgimento de novos sentimentos para alguns moradores da urbe, que desejavam mudanças no seu “lugar”, inspirados nos grandes centros urbanos. Com o tempo, o ufanismo modernizante, aos poucos, foi modificando a estrutura urbana inicial da cidade, resultando em olhares outros que a referenciassem. Dessa forma, é que a nova paisagem do centro da cidade ganhou novos contornos com fins estéticos, voltados, principalmente, para o embelezamento do espaço urbano. Da expectativa em alcançar o desenvolvimento econômico até o crescimento da cidade uniram-se os ideais de progresso, urbanização e modernização tão recorrentes nos principais centros urbanos brasileiros. Decorre disso, entre outras possibilidades, o desejo de transformação do espaço da urbe, a partir da nítida preocupação com o seu embelezamento, configurado também na construção de praças ajardinadas 332, levando a uma apreciação positiva da vegetação, que ornamentava a paisagem urbana e que viria a influenciar fundamentalmente na composição e criação da nova identidade. As transformações ocorridas na cidade teve na Praça Lourival Monte a sua principal referência. O jardim municipal agregou as características que permitiriam para a cidade uma nova singularidade frente a outros municípios da região, como forma de substituição daquela cidade que se desenvolveu em torno do comércio do café, mas que entrou em decadência no período. Segundo a Revista Amargosa Centenária, em 1932, na gestão de Dr. Lourival Monte, descobriu-se que o município, em administrações anteriores, havia deixado de recolher certa taxa do Estado, sendo ressarcido desse débito com a construção do jardim (finalizado no ano de 1934). Inspirado em jardins franceses, Cecil Macedo – irmão de Alberto Macedo, engenheiro arrendatário da Companhia Luz Elétrica de Amargosa – encarregou-se da obra e trouxe mudas de palmeiras reais, além de outras plantas para o seu embelezamento. Neste 332 Sobre a construção de praças ajardinadas na cidade como sinais do progresso, ver: JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. Verso e reverso do perfil urbano de Fortaleza (1945-1960). São Paulo: Anablume, 2003, p. 217-239; ARRAIS, Raimundo. O Pântano e o Riacho: a formação do espaço público no Recife do século XIX. São Paulo: Humanitas: FFLCH: USP, 2004, p.37. 129 também foi construído um coreto, destinado ao armazenamento de água para molhar as plantas – Figura 18. Figura 18 – Vista parcial dos principais prédios na área do Jardim. Autoria: NOGUEIRA, J.. 1943. 1 fotografia, p&b. 333 Em volta do coreto foram erigidos quatro pilares, que segundo a história local, serviriam para construir os bustos de quatro filhos ilustres da cidade 334. Baseado no processo de construção da identidade nacional, os representantes do poder público também objetivaram evidenciar os modelos de cidadãos que a cidade deveria homenagear. O ideal de nação e de cidadão ganhou destaque durante o governo Vargas, que com suas qualidades e virtudes representavam a identidade nacional desejada335. Contudo, tal propósito não foi realizado. Em dezembro de 1940 foi inaugurado o Obelisco, de autoria de Celso Machado, contendo uma placa em homenagem e agradecimentos ao Prefeito Lourival Monte (Figuras 19 e 20), em cuja inscrição pode ser lido: “Heliópólis – A.R.S.. Homenagem póstuma pelo trabalho magnífico e indelével da administração do Dr. Lourival Monte. 1932 – 1934. A 333 Fotografia disponível em: AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 334 REVISTA Amargosa Centenária. 1891-1991. Itabuna, 1991. Os entrevistados e demais documentos confirmaram que a intenção do Prefeito era mesmo de homenagear alguns filhos ilustres da cidade, mas que, no entanto, não houve concordância entre os nomes indicados: Pedro Calmon, Diógenes Sampaio, Astério Barbosa de Campos, Theodomiro Jordão, Theobaldo Sampaio, Bertino Passos, entre outros. 335 Sobre o assunto, ver: SCHACTAE, Andréa Mazurok. As comemorações de Tiradentes: Memória e identidade de gênero na Polícia Militar do Paraná. In: Revista de História Regional, Inverno, 2009. Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/viewFile/2356/1850>. Acesso em: 29 jun. 2013. 130 cidade de Amargosa engrandecida e grata perpetua e consagra a sua memória. Em 08.12.40. Oferta de Amigos”. Figura 19 – Aspectos do Jardim Público – Obelisco comemorativo. Autoria: NOGUEIRA, J. 1943. 1 fotografia, p&b. 336 O Senhor Alirio Maia Sales destacou, em entrevista, a importante obra realizada pelo Prefeito e que perenizou o seu nome para a história e memória da cidade 337: “um senhor de nome Lourival Monte. [...]. Foi ele que fez... Lourival Monte. E ficou o nome dele pra toda vida.”338 O fato de o depoente lembrar da figura do Prefeito é compreensível, pois foi ele que à frente do poder público operacionalizou uma das mudanças fundamentais para a criação da nova identidade. A Professora Maria Belarmina dos Santos também registrou o trabalho desse Prefeito quando na construção do jardim: “até hoje eu me pergunto como, na década de 30, esse, o Dr. Lourival Monte conseguiu com a dificuldade de estrada, de transporte, de material, construir um jardim desse porte.”339 A implantação de um equipamento público no porte do Jardim 336 Fotografia disponível em: AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 337 Para Michael Pollak, as memórias são constituídas de três elementos fundamentais: os acontecimentos, os personagens e os lugares e que balizados no tempo, mantêm a coesão dos indivíduos e grupos de certa sociedade. Sobre o assunto, ver: POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos históricos. N. 10, v. 5, 1992. 338 SALES, Alírio Maia. Alírio Maia Sales: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 56 seg.). [Fazendeiro, 90 anos]. 339 SANTOS, Maria Belarmina dos. Maria Belarmina dos Santos: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (16 min. 01 seg.). [Professora aposentada, 70 anos]. 131 Municipal, para uma pequena cidade do interior na época, chamou a atenção da depoente. O esforço atribuído ao gestor municipal foi evidenciado na fala, sobretudo, pelas inúmeras dificuldades que ele pode ter encontrado no período para realização da obra. Talvez, hoje, a construção de uma praça ajardinada no porte do Jardim de Amargosa, não tenha importante significado para outras cidades, mas, aos olhos da época, era um dos maiores atestados de progresso para o município 340, e que eivada de símbolos – racionalização, beleza, civilização, etc – se apresentava como principal cartão de visita para a elite e muitos políticos. Na Figura 20 pode ser observado no jardim um espaço de convivência entre a racionalidade e seus traços definidos, impostos pelos ideais de progresso, onde a beleza do verde da natureza existe, mas de forma controlada pelo homem. Figura 20 – Aspectos do Jardim Público Municipal. Autoria: OLIVEIRA, Manoel Ciríaco, [193-?]. 1 fotografia, p&b. 341 Para Magnus Pereira existiam ideias distintas quanto ao paisagismo das cidades. Alguns embelezadores urbanistas do país entendiam a presença de árvores na zona urbana como elemento nocivo à saúde, outros abriam exceções a algumas espécies que pertenciam ao universo da “natureza doméstica”, mas que em sua forma bruta ainda eram incompatíveis com a urbe. A única forma para resolver o impasse seria desnaturalizando a vegetação, ou seja, “para entrar na cidade, o mundo das plantas, entendido como caótico, teve de ser submetido a 340 Sobre o assunto, ver: SOUSA, Fabio Gutemberg Ramos Bezerra de. Campina Grande: cartografias de uma reforma urbana no Nordeste do Brasil (1930-1945). In: Revista Brasileira de História. São Paulo. V. 23. Nº 46, 2003. p. 70. Analisar, sobretudo, quando ele destaca a importância da construção de um grande hotel para visualidade do progresso na cidade de Campina Grande. 341 ACERVO da Prefeitura Municipal de Amargosa. Foto tirada do topo da Igreja Matriz. 132 princípios de ordem geométrica.” 342 Assim, a vegetação seria submetida ao controle e à racionalidade humana, o que pode ser evidenciado no corte geométrico das árvores tanto nas praças ajardinadas como ao longo das avenidas e ruas principais da cidade. O Jardim Lourival Monte servia, também, para vislumbrar o poder público sobrepondo-se ao resto da cidade: a construção de uma nova praça ocupada por novos prédios, dentre eles a Prefeitura Municipal de Amargosa e a Catedral Nossa Senhora do Bom Conselho (rever Figura 18). Para além destes espaços, na década de 1940, também foi instalada uma agência do Banco do Brasil neste mesmo espaço, onde e quando já existia o prédio da Filarmônica Lyra Carlos Gomes. A praça apresentava os elementos principais da paisagem urbana e que contribuíram para a composição da nova identidade: estética, civilização, modernização, progresso e ordem. Ao conjunto estético do Jardim Municipal foi agregada a visualidade projetada pela nova Igreja, mais tarde Catedral com a efetivação da Diocese na cidade. O referido templo passou a ser um dos símbolos da época áurea do município, pois apresentava os traços estéticos adotados no período e representava, em sua materialidade, a adoção ao “novo” e ao “moderno”: “A Igreja é, incontestavelmente, um monumento de arte, cujo conjunto de linhas e harmonia de traços emprestam-lhe a nobresa (sic) heráldica que marcará para a posteridade uma luminosa era.”343 Assim, a Igreja seria registrada, nas lentes do progresso e na memória, como um monumento344 histórico e “lugar de memória” 345, de perpetuação e materialização de lembranças e intenções históricas. Em notícia da inauguração do novo templo católico, o Jornal O Conservador, em dois de Agosto de 1936, informou que este ficava situado em “uma linda praça junto ao novo parque, de estylo completamente moderno.”346 A praça, por seus traços e belezas característicos, ganhou destaque no Estado, sendo considerada como “a mais bonita do interior baiano” pela Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Para além deste espaço público, unia-se a visualidade permitida pelo delineamento e arborização das principais ruas 342 PEREIRA, Magnus R. Mello. Cidade – Memória. In: SOLLER, Maria Angélica & MATOS, Maria Izilda S. (Orgs.). A cidade em debate. São Paulo: Ed. Olho d´Água, 2000. p. 41. 343 AMARGOSA, Cidade líder do Sudoeste Bahiano. Jornal O Estado da Bahia. Salvador, 01 set. 1942. 344 LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: História e Memória. 4. ed. Campinas: UNICAMP, 1992. 345 NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n. 10, 1993. 346 AMARGOSA e a sua nova Matriz. Jornal O Conservador. Semanario, Noticioso, Litterario e Popular. Nazareth, 2 ago. 1936. 133 da urbe, que na década de 1950 já eram pavimentadas e contavam com o serviço de iluminação elétrica e serviço de água canalizada. 347 Em nove de agosto de 1936, ocorreu a inauguração festiva da nova Matriz com a presença do Arcebispo de Salvador, Dom Augusto Álvaro da Silva 348, quando “a bella e hospitaleira cidade sertaneja” abriu “com festas extraordinárias as portas do seu magestoso (sic) templo.”349 A estética atribuída às principais ruas e praças da cidade e o grau de civilidade dos seus habitantes “hospitaleiros”, destacados em diversas apresentações dos jornais e revistas do período, formavam o conjunto pretendido – pelo poder público – da imagem que se desejava revelar. Nos discursos constantes nas atas das sessões da Câmara Municipal também foram apresentadas discussões em torno da importância da arborização da cidade, sobretudo em seus espaços centrais. Como a observação do Vereador Aristides C. Gomes de Oliveira, que solicitou do Secretário do Legislativo envio de ofício ao Prefeito pedindo-lhe mandar replantar as árvores que tem morrido, deixando os lugares falhos na arborização da Cidade, ficando lugares abertos. Como também saber se é do conhecimento do mesmo a mutilação de uma árvore que fica em frente ao novo prédio ora reconstruído junto a esquina da travessa Almeida Sampaio, que responda se deu consentimento para tal.350 O discurso do vereador evidencia a preocupação com a estética da cidade. As praças e o paisagismo da urbe seriam desejados e construídos, “como os sinais de progresso que uma cidade deveria exibir.”351 No entanto, em Amargosa, apesar da perspectiva de racionalização do espaço, tais transformações permitiram a aproximação do urbano emergente com visões de campo, preservando, na medida do possível, os elos naturais que se romperam pela força do progresso352. De acordo com o Projeto de Decreto-Lei Nº 1, era dever do poder público “zelar pela bôa estética de sua sede, integrando-lhe um aspecto agradável e de justo florescimento”, bem 347 FERREIRA, Jurandyr Pires. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE. XX Vol. Rio de Janeiro. Jul. 1958. 348 SAMPAIO, Gilberto Vaz. Histórico Amargosa: Livro de Tombo e outras curiosidades. Memórias. Amargosa, [200-?]. Trabalho não publicado. 349 AMARGOSA e a sua nova Matriz. Jornal O Conservador. Semanario, Noticioso, Litterario e Popular. Nazareth, 2 ago. 1936. 350 AMARGOSA, Câmara Municipal. ATA de Sessão Ordinária. Livro de Atas da Câmara Municipal de Amargosa. Amargosa, Bahia, Brasil. 27 jun. 1949. 351 ARRAIS, 2004, p. 217. 352 Sobre a tentativa de vinculação da sociedade urbana (“civilizada”) com a natureza (que em sua forma bruta é considerada “inculta”), ver: JULIÃO, Letícia. Belo Horizonte: Itinerários da Cidade Moderna (1891-1920). In: DUTRA, Eliana de Freitas (org.) BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/ Arte, 1996. p. 75. 134 como implantar outros melhoramentos urbanos na cidade: alinhamento e alargamento de ruas, recuo das calçadas, e estética de prédios do centro.353 Neste sentido, seriam também incentivadas as construções de “elegantes e higienicos ‘bungalows’(sic)” no local onde se encontravam as “velhas e deploráveis ruínas” e “pardieiros” na cidade 354, cujo objetivo estava em harmonizar a estética urbana a partir dos novos modelos urbanísticos, adaptando os espaços particulares à nova racionalidade das vias públicas. A revelação dessa cidade que se pretendia externar sustentava o jogo entre a exibição e o ocultamento, criando para Amargosa uma imagem cuidadosamente preparada: “Suas lindas avenidas caprichosamente alinhadas, com sua arborização frondosa, fazem o visitante ficar encantado, julgando mesmo estar em uma grande metrópole.”355 Assim, se constituiu o “futuroso município de Amargosa”356 – como foi considerado pela Revista Bahia Chic –, enriquecido e destacado, inicialmente, por toda a região pelo comércio do café e que tentou inserir-se nos modelos socioculturais e econômicos capitalistas, mesmo após a estagnação desse comércio: “[...] já não era aquele apogeu tamanho, mas já era a riqueza que sustentava a região voltando ao passado, o que era o apogeu da riqueza capitalista.”357 Em apresentação, a Revista dos Municípios adicionou ao conjunto imagéticodiscursivo sobre a cidade, a descrição das belas paisagens verdes que chamavam a atenção dos visitantes que por ela passassem: Poesias que lhe cantassem as bellezas; tellas que reproduzissem as paysagens de sua opulenta vegetação, nada disso traduziria a grandeza do espectaculo que observamos, sem saber que o mais bello podessemos (sic) admirar – se todo aquelle festival da verde ramaria em flor embalsamada de mysticos perfumes ou se a phantasia das cores que no momento bordava a concha azul do infinito.”358 Segundo o articulista da referida Revista, esse conjunto de aspectos de arte da natureza permitia a Amargosa um conjunto visual especial, que considerava a paisagem local como a arte de uma obra divina: “tal a impressão que causa esse conjuncto de aspectos de arte, 353 DECRETOS. Jornal Órgão Oficial do Município de Amargosa. Amargosa, 30 abr. 1940. AUTOS de Defesa do Prefeito Raul Paranhos disponíveis no Arquivo Público do Estado da Bahia: Fundo/Grupo: Republicano/Secretaria de Justiça. Maço, caixa: 3527 / 460. Séries/Livro: Representação contra o prefeito de Amargosa. 1943. 355 AMARGOSA, Cidade líder do Sudoeste Bahiano. Jornal O Estado da Bahia. Salvador, 01 set. 1942. 356 REVISTA Bahia Chic. Ano II, nº 13. Salvador, fev. 1941. 357 ANDRADE, José Peixoto. José Peixoto Andrade: entrevista [maio. 2006]. Entrevistadora: Ana Rosa Alves Moura. Amargosa, 2013. 2 cassetes sonoros. [lavrador aposentado, 76 anos]. 358 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. 354 135 verdadeira confirmação do Supremo mysterio; siluêta (sic) dessa magestosa (sic) obra divina que os homens percebem, mas que, até hoje não poderam (sic) definir por escassez de linguagem.”359 O olhar romântico observado nessa apresentação remete o natural ao divino e espiritual. A perspectiva do Romantismo atribuía ao espaço uma imagem carregada de subjetividades: No Romantismo, em oposição à visão científica, que tende a perceber o mundo natural como objeto de estudo e desconsiderar seu componente espiritual, a paisagem se encarrega de comunicar o natural através de imagens repletas de interioridade, emoção e sentimento.360 Se com a transformação urbana o ambiente natural das cidades fora modificado, eram necessárias ações que visassem ao reencontro com a natureza – a estetização da natureza passou a ser desejada. A concepção de organização do espaço das cidades que existia até o século XIX tendia ao desejo de afastar o espaço urbano da imagem rural, valorizando os espaços construídos nas cidades. Muito embora os espaços verdes, como os jardins públicos, voltados ao lazer e integrados às paisagens urbanas no Brasil tenham sido criados no século anterior, é no século XX que surgem em números mais significativos.361 O aparecimento dos jardins, parques e praças levou, com o tempo, ao aperfeiçoamento da prática de paisagismo e de arborização dos espaços urbanos. Para Arrais, o interesse pela arborização das cidades surgiu no momento de criação dos jardins.362 Dessa forma, os antigos imensos espaços abertos e com pouca vegetação cederam lugar à construção de praças ajardinadas, cujo conjunto estético passou a favorecer a visualidade moderna das cidades. Contudo, a plantação das árvores nas cidades não tinha motivos exclusivamente estéticos, pois, também, havia a pretensão de proporcionar bem-estar à população contra algumas moléstias e até como forma de proteção aos raios solares. As árvores se apresentavam ao poder público enquanto solução para o problema de insalubridade nas cidades. Além disso, do ponto de vista social, a plantação das árvores na urbe possibilitava 359 MUNICÍPIO de Amargosa: A Rainha do Café. Revista dos Municípios. Salvador [1926-1929]. Sobre o desejo pela estetização da natureza, ver: FAVERO, Franciele. O Romantismo e a estetização da natureza. Disponível em: <http://www.ceart.udesc.br/dapesquisa/files/9/02VISUAIS_Franciele_Favero.pdf>. Acesso em 11 jun. 2013. 361 Sobre a construção de Jardins e Praças Públicas ver: GOMES, Marcos Antônio Silvestre; SOARES, Beatriz Ribeiro. A vegetação nos centros urbanos: considerações sobre os espaços verdes em cidades médias brasileiras. In: Estudos Geográficos, Rio Claro, 1(1): 19-29, Junho, 2003. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/geoesp/arquivos/artigos/ArtigoAmbientePracas.pdf>. Acesso em 5 jun. 2013. 362 ARRAIS, 2004, p.220. 360 136 novas formas de convívio público com a natureza nos novos espaços da cidade. Nesse sentido, o jardim, por seus inúmeros atributos, se apresentava como uma metáfora da modernidade e dos ideais de civilização.363 Em Amargosa, pode ser percebida a evolução da função de suas antigas praças, sobretudo da antiga Praça Manoel Vitorino para o novo Jardim Público Municipal – conforme exposto no capítulo anterior. A partir da construção desse Jardim ocorreu uma mudança nos pontos de referência da cidade, até então situados no local de fundação desta (a antiga Capela). Construindo novos símbolos, associando novas práticas, foram criados novos lugares de memória364 social: [...] o aspecto elegante do jardim construído pelo Dr. Lourival Monte, que dotou a cidade talvez do mais formoso jardim do Estado, cercado de um panteon central de linhas implacáveis, ladeado de varias alamedas de estonteantes corolas abertas em seus matizes magníficos. Obra de grande valor para o nosso Estado, podemos dizer que no Interior há dois jardins que encantam aos que os conhecem, sendo o de Santo Inácio pela sua riqueza e o de Amargosa pela sua rara beleza, com suas plantas regionais.365 A paisagem natural de Amargosa favorecia a estética urbana desejada pelos administradores municipais, dotada dos elementos modernos em harmonia com a natureza, quando da ruptura realizada em nome da modernização. A imagem da cidade elaborada pela elite local deveria harmonizar a capacidade de transformação da cidade, como arte criadora humana, a partir daquele dado bruto que lhe forneceria os elementos necessários para este fim, a natureza.366 Aliada à imponência da natureza dos campos abertos, a beleza das plantas que ornamentavam o ambiente urbano, inclusive em suas praças e avenidas “arborizadas a ficos”, garantia a singularidade de Amargosa, dentre outras do estado. A imagem atribuída à cidade em histórico elaborado durante e pelo governo do Prefeito Raul Paranhos evidencia essa intencionalidade: Em breve Amargosa seria “a cidadesinha serrana, branca, entre montes, encrustada (sic) em verdura, no meio silencioso e imponente de uma naturêsa (sic) de contraste”. E efetivamente, “quase o coração da Bahia”, na esplendida belesa (sic) do estilo atico e berço de um dos seus maiores filhos, 363 Ibid., p.224-226. Sobre assunto, ver: LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: UNICAMP, 1992. 365 AMARGOSA, Cidade líder do Sudoeste Bahiano. Jornal O Estado da Bahia. Salvador, 1 set. 1942. 366 ARRAIS, 2004, p. 180-181 364 137 Pedro Calmon. [...]. Mas a cidade quasi (sic) toda arborizada a ficos (sic), é uma das mais belas do Estado.367 A particularidade da estética urbana da localidade, que apresentava os elementos necessários para uma nova imagem sobre a cidade, podia ser encontrada e resumida num único espaço: o Jardim Público Municipal. Unindo preceitos estéticos a princípios sociais, a existência dos jardins permitiu a identificação de uma urbe que se pretendia moderna. Palco de inúmeros eventos sociais e das tocatas públicas das filarmônicas locais – que testemunhavam a civilização –, o jardim trazia consigo os símbolos da civilização e do moderno. Dessa forma, seria comum observar o fato de que a “nova” identidade está relacionada a estas intervenções urbanísticas, implementadas pelos administradores públicos locais e também almejadas pelas camadas “elitizadas”, impulsionados pela visão de transformação urbana a partir de modelos pré-estabelecidos, que intencionavam reconhecer-se como anunciadores de um novo tempo: “Mirando-se nos exemplos das cidades européias, tais imagens vinculavam a um ambiente promotor do desenvolvimento material ininterrupto e de mudanças profundas na vida social e cultural.”368 Os patrimônios da cidade, como o Jardim em Amargosa, podem ser constituídos como espaços de memórias coletivas, vinculando os indivíduos e seus grupos ao local, até porque pode existir uma dimensão afetiva de cada um com o espaço. Atribuem-se ao conjunto (i)material da cidade juízos de valor que possam distinguir a cidade entre as outras da região e prevalecer a sua imagem de forma positiva e sobre as demais. A história, a memória individual/coletiva e a identidade produzem o imaginário em torno dos elementos que representam a cidade e que apresentam o suporte vital para a sobrevivência do discurso que é forjado para o local. Segundo S. Valdemiro Vaz Sampaio, Amargosa passou a ser identificada como “Cidade Jardim”, após a inauguração do Jardim Público, já que este era “considerado um dos jardins mais bonitos da Bahia.”369 Em suas rememorações, ele também informou que a imagem de “São Paulo” atribuída em Amargosa não era “oficial”, mas era como o povo caracterizava a cidade até o declínio da produção e comércio cafeeiro. 367 HISTÓRICO do Município de Amargosa. Amargosa, 1939. Mimeografado. JULIÃO, 1996, p. 50. 369 SAMPAIO, Valdemiro Vaz. Valdemiro Vaz Sampaio: entrevista [jul. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (67 min. 19 seg.). [Avicultor e comerciário aposentado, 90 anos]. 368 138 Fica evidenciado nessa nova imagem criada para a cidade, o arroubo ufanista revelando o jardim como o principal cartão de visita da cidade. Considerando que, para ele, o jardim era um dos “mais bonitos da Bahia”, compreende-se também que a identidade foi forjada em torno da perspectiva de distinguir o eu do outro, onde os atributos da paisagem urbana de Amargosa prevalecem sobre as outras localidades. Em entrevista com Suzete Rebouças Sampaio, foi perguntado sobre o seu entendimento referente à identidade “Cidade Jardim” e ela vinculou essa imagem à existência do Jardim Lourival Monte na cidade: Um jardim muito bonito. A praça é linda. Você não vê cidades do porte de Amargosa com praças assim como aqui tem. Amargosa, hoje, o centro mais antigo, é mais bem estruturado do que as ruas novas. Porque as ruas novas hoje são estreitas, o passeio é estreito, não tem praça, não tem nada. Você vê que o centro de Amargosa as ruas são largas, às vezes até de canteiro central, bosque, tem essa pracinha aqui... Tem a imagem do Coreto que é lindo, a Igreja é solta. A igreja não tem junto dela, como em Santo Antônio tem aquela praça com o comércio ali do lado, não existe. 370 Os elementos materiais que compõem a estética da urbe são indicados como suporte à criação da identidade. A materialidade desejada e construída no período, com seus jardins, praças e – mais tarde – unidos à construção do bosque371 compõem o conjunto visual da imagem que representa a cidade. O contraste entre as ruas antigas com as mais recentes, indicadas no depoimento, destaca certo planejamento em um período em que as vias públicas eram maiores para circulação de pessoas, veículos e do ar necessário, as boas condições de salubridade. E mais, a depoente fez a comparação da principal praça da cidade com a do município de Santo Antonio de Jesus, que agregou a rede de cidades que faziam parte da região de Amargosa, após o declínio do comércio cafeeiro e desenvolvimento das rodovias. A sua fala permite inferir que, embora Santo Antonio de Jesus fosse um município mais dinâmico, Amargosa possuía uma praça bem dimensionada, com Igreja posicionada e com certa distância do comércio – que, para ela, sugere movimento, barulho e sujeira. O Sr. Leobino José de Souza também destacou a importante obra do Prefeito Lourival Monte, que construiu o jardim, projetando-o entre os demais da região: 370 SAMPAIO, Suzete Rebouças. Suzete Rebouças Sampaio: entrevista [maio 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (60 min. 19 seg.). [Servidora pública aposentada, 69 anos]. 371 O espaço do Bosque, atualmente denominado Praça da Bandeira, foi urbanizado durante a gestão do Prefeito José Viana Sampaio, na década de 1950 (mandato: 1951 a 1954). Muito embora, fosse alvo de intervenções pontuais do poder público em gestões anteriores. 139 O jardim foi feito em 42 por Dr. Lourival Monte que foi Prefeito daqui. [...]. Eu creio até que o jardim daqui chamou a atenção foi um lugar que sempre criou de área verde, que sempre foi bem arborizado. Porque aquele bosque foi depois. Foi Dr. Viana que fez. Viu? E que chamou a atenção. Então, começaram de chamar de Cidade Jardim como chamam Feira de Cidade Princesa, né?. 372 A arborização da cidade, mais uma vez, é destacada, tendo no jardim o seu espaço de excelência. Para o depoente, ao contrário das lembranças de Suzete Rebouças, a identidade devia-se, sobretudo, aos atributos do jardim e não aos outros construídos com o tempo e por outros prefeitos, como o bosque criado pelo Dr. Viana. Mais uma vez, a identidade é conceituada na ideia de alteridade, sendo necessário existir o outro e seus caracteres para definir por comparação. Tanto Suzete Rebouças – que comparou as particularidades de Amargosa com as de Santo Antonio de Jesus –, quanto Leobino Souza – contrapondo à imagem de Feira de Santana –, recorrem a essa diferenciação para explicação da identidade forjada para a cidade. E mais, fica evidente no último caso, sobretudo, que S. Leobino revelou aceitar o outro, quando relacionou o título “Cidade Jardim” com o de “Cidade Princesa” atribuído a Feira de Santana. Aceitando a existência do que é alheio é que ele pode propor aquilo que se destacou como diverso e particular. Da mesma forma, o reconhecimento da “modernização” de Amargosa também alcançou o olhar dos outros municípios. O depoimento de José Peixoto indicou o papel da educação oferecida na cidade e que lhe permitia novas oportunidades de desenvolvimento, justamente numa época em que uma ínfima parcela da população tinha acesso à escola, quando afirma que a década de 40, 42, foi criado o Seminário aqui em Amargosa e surgiu o internato de estudante. Quem conseguiu trazer o Colégio das Freiras era o pai do Padre Almeida, Coronel Manoel Benedito. Com a chegada do Colégio das Freiras, Amargosa tomou o centro da educação. As cidades vizinhas, muitos desses compraram casas aqui [...]. Foi um ponto chave de desenvolvimento. 373 O olhar dos visitantes reforçava a trama constitutiva da identidade que se pretendia criar. No depoimento, embora Seu José faça uma referência à importância da atuação do Coronel Benedito Almeida para a implantação do Colégio Santa Bernadete, que aconteceu em 372 SOUZA, Leobino José de. Leobino José de Souza: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 12 seg.). [Servidor público aposentado, 81 anos]. 373 ANDRADE, José Peixoto. José Peixoto Andrade: entrevista [maio. 2006]. Entrevistadora: Ana Rosa Alves Moura. Amargosa, 2013. 2 cassetes sonoros. [lavrador aposentado, 76 anos]. 140 1946, é importante salientar o falecimento do Coronel Almeida em 1942. O ato de lembrar e esquecer e selecionar os fatos da memória se apresenta como importante meio para análise histórica. O papel fundamental do Coronel para efetivação da Instituição, indicado nesta fala, pode estar na doação374 do terreno e a condição de transferência deste, exclusivamente, para construção de uma “Casa de Educação”. Já que a educação se apresentava como importante condição para alcance da civilização, igualmente almejada pelos projetos modernizadores que alcançaram as grandes cidades do país. Para Áurea Andrade Melo (conhecida como Dona Aurinha) 375, a imagem de “Cidade Jardim” também foi criada devido às práticas de jardinagem que eram adotadas pelas principais famílias da cidade: “Era Cidade Jardim porque em todo lugar tinha jardim. A terra é muito boa. Todo mundo tinha jardim nas casas [...]. Todo mundo tinha. Antigamente aqui tinha muitas roseiras. Aqui mesmo era lindo. Agora acabou”. Os jardins particulares adornavam os prédios das famílias mais abastadas da cidade e eram cultivados em espaços mais visíveis das maiores e melhores residências – como na casa da entrevistada, que possui a demarcação do antigo jardim, hoje sem nenhuma planta ornamental. Já a jardinagem da residência da população mais pobre era realizada no fundo das casas. Para Maria Belarmina dos Santos, ao contrário das casas do centro, o jardim das “casas mais simples, da periferia, era no fundo do quintal.” 376 Segundo D. Aurinha, a estética dos ambientes particulares, somada ao dos espaços públicos e aos eflúvios da natureza – sobretudo, do Jardim Público – resultaram nos elementos que forjariam a nova identidade: Cidade Jardim porque tinham muitas flores. Dr. Lourival Monte foi o primeiro prefeito, não, não sei quem foi o primeiro prefeito, porque eu não morava aqui. Dr. Lourival Monte morava aqui, mas eu já sabia que ele foi quem construiu o jardim Lourival Monte. Me disseram que antigamente era um campo de animal. Ele era prefeito e construiu o jardim. Quem fez o desenho foi Osvaldo, irmão de Ioiô Lopes que era agrônomo. E ele foi quem fez o desenho. Era todo geométrico, as leiras... 377 374 Informação constante na Escritura de Doação Condicional do Coronel para o Bispado de Amargosa, datada em 01 de setembro de 1942 (LTD, nº 01, p 10 e 10v). 375 Dona Aurinha é uma figura de destaque na política local. Viúva do ex-prefeito Josué Melo Sampaio que esteve a frente do poder público municipal por quatro mandatos: 1951-1954; 1959-1962; 1973-1976; 1983-1988. 376 SANTOS, Maria Belarmina dos. Maria Belarmina dos Santos: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (16 min. 01 seg.). [Professora aposentada, 70 anos]. 377 MELO, Áurea Andrade. Áurea Andrade Melo: entrevista [maio 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (67 min. 19 seg.). [Dona de casa aposentada, 80 anos]. 141 As transformações baseadas no embelezamento dos locais públicos aliados aos espaços particulares possibilitaram o conjunto imagético necessário à criação da identidade atribuída à cidade. O prefeito Lourival Monte apareceu, em sua fala, como um dos responsáveis por essa nova identidade, pois inscreveu na cidade os sinais que a forjariam. A estética associada à racionalidade das leiras com seus formatos geométricos permitiam os atributos necessários para o destaque do jardim entre os demais. O sucesso da tentativa de efetivação do projeto de modernização, progresso e embelezamento da cidade também foi possível graças ao impacto causado pela “nova paisagem” e sua associação com o “moderno” ou com o paradisíaco. Isso leva a pensar sobre a dinâmica do lugar com o processo global e sobre a “identidade urbana”. As avenidas largas, as praças imensas e os jardins extremamente bem cuidados dão-lhe ares de grande cidade, seu parque residencial é muito avançado e as residências luxuosas demonstram bom gosto [...]. Mostrar o índice de progresso e desenvolvimento do seu povo que atesta sua fé na majestade de seus templos, seu bosque no centro da cidade equilibra ecologicamente e área de lazer. 378 Esse discurso tenta revelar a cidade e seu “progresso”, destacando elementos característicos da modernidade. A preocupação com a imagem da cidade corrobora o sentido de aparência física da cidade e do grau de civilização do seu povo, sobretudo do seu centro, como podemos observar na passagem acima. O conjunto estético que compunha o centro da cidade passou a subsidiar os discursos que a descreviam. Para o Sr. Leobino José de Souza, os elementos que reforçaram a identidade para além da praça estão no fato de esta ser “uma cidade arborizada. Que ela sempre foi bem arborizada, sempre foi e continua sendo.”379 Em pesquisa ao acervo documental junto à prefeitura de Amargosa, observa-se que a concepção de cidade-jardim380 implantada foi seguida apenas no plano paisagístico, se distinguindo do conceito original no plano administrativo. No que diz respeito à gestão e ao planejamento de toda a cidade, eram centrados no poder público local e das famílias 378 1ª EXPOSIÇÃO Agropecuária de Amargosa. Revista Amargosa Cidade Jardim. Amargosa, 1978. SOUZA, Leobino José de. Leobino José de Souza: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 12 seg.). [Servidor público aposentado, 81 anos]. 380 O conceito urbanístico de “cidade jardim” foi criado por Ebenezer Howard, um urbanista inglês do final do século XIX, como tentativa de equacionar os problemas de insalubridade, pobreza e poluição nas cidades por meio do desenho e criação de novas cidades que tivessem uma estreita relação com o campo. Sobre o assunto, ver: ANDRADE, Lizia Maria Souza de. O conceito de cidades-jardins: uma adaptação para as cidades sustentáveis. In: ARQUITEXTOS. Ano 4, nov. 2003. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.042/637>. Acesso em: 26 jul. 2013. 379 142 tradicionais da cidade, que decidiam o que, quando, onde e como construir381. Segundo Santos382, a paisagem é a materialização de instantes da sociedade. Sendo assim, o momento estudado refere-se à tentativa do poder público municipal em desenvolver políticas de revitalização da cidade, forjando imagens que identificaram o local como um espaço moderno e progressista. O reconhecimento da identidade “cidade jardim” por boa parte da população pode ser justificada pelo fato de externar uma imagem positiva da cidade e relacionado com os interesses da elite política que intenciona(va) a veiculação de um conjunto visual agradável aos visitantes, fortalecendo o título que já existia. Ao contrário do título “Pequena São Paulo” – apresentado nos documentos e hoje esquecido ou mesmo desconhecido por parte da população383 – a nova identificação da cidade não foi localizada nas fontes do período, embora a cidade seja assim conhecida até a atualidade. Para S. Alirio Maia Sales, foi a própria política que se encobriu de botar, de apelidar de Cidade Jardim porque fez um jardim bonito. Ele foi bonito desde quando ele foi feito e, talvez, não esteja tão bonito quanto na época, porque houve um certo abandono, né? Mas botaram esse nome Cidade Jardim por isso, porque fez um jardim muito bonito e não tinha nenhuma outra cidade não tinha, aí foi por isso. Foi política somente.384 Apreende-se na fala acima, mais uma vez, que a identidade também é forjada pelo reconhecimento de diferenças entres os locais. Apesar de considerar que a criação do título foi um movimento político e que teve no Jardim a sua principal expressão, já que era o mais bonito da região, o entrevistado não atribuiu essa criação identitária ao Prefeito Lourival Monte que construiu o jardim: “Lourival Monte fez e foi embora. Depois foram os comentários dos próprios políticos que ficaram na cidade. [...]. Foi a política que botou esse apelido, mas foi por conta do jardim mesmo.”385 Considerou o papel dos políticos que, logo após a gestão do prefeito, forjaram essa imagem para a cidade através de discursos. Indiretamente, o Prefeito foi responsável pela criação da nova identidade, pois construiu o espaço que simbolizaria o novo momento vivenciado, mais coerente com as 381 LINS, 2008, p. 78-79. SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988. 383 A informação do desconhecimento acerca da identidade “Pequena São Paulo”, aqui citada, foi conseguida em várias entrevistas e conversas com moradores da cidade. 384 SALES, Alírio Maia. Alírio Maia Sales: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 56 seg.). [Fazendeiro, 90 anos]. 385 SALES, Alírio Maia. Alírio Maia Sales: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 56 seg.). [Fazendeiro, 90 anos]. 382 143 novidades materializadas na urbe. As experiências individuais ou coletivas após a sua obra foram partilhadas, o que pode ter resultado nas memorizações comunitárias. Os elementos que passaram a compor a materialidade urbana provocaram novas interpretações para os indivíduos e que em torno de um imaginário sobre a cidade formularam novas formas de representá-la386. Distante de objetivar encontrar as origens 387 baseadas nas datas de fundação de cada identidade, o que interessa é entender por quem, como e para que foram criadas, já que também não há concordância do momento em que foram forjadas. Para o Senhor Albertino Paulo dos Santos: “Cidade Jardim já foi por causa da Professora Iraci. [...]. Foi criada depois de Professora Iraci. [...]. O povo antes não chama jardim. Era Praça do Cristo.” 388 Observa-se neste depoimento, uma perspectiva diferenciada da dos demais. O depoente atribui como principal elemento de referência à identidade a Praça do Cristo, pois quando da sua transferência da feira para outro espaço foi também construída uma nova Praça, na gestão da Prefeita Iraci Alves Borges Silva, que esteve à frente do poder público no período de 1993 a 1996. Neste sentido, apreende-se que o reconhecimento do título pelo entrevistado aconteceu em período recente e que foi (re)criado a partir de outro contexto sociopolítico da cidade. Quando indagado sobre a ligação da identidade com as transformações mais antigas da cidade, especialmente o Jardim Lourival Monte, o mesmo negou a relação, muito embora tenha observado que nas revistas de propaganda e programas de governo da gestão da Prefeita Iraci a imagem do Jardim tinha especial destaque. Aspectos da cidade e do seu patrimônio urbano indicam que elementos da tradição socioespacial foram preservados como história e memória da comunidade local. E aliados a construções recentes (como a nova praça construída pela Prefeita Iraci Silva), eles podem ter sido redimensionados, resultando no reforço à identidade já criada. Esse imbricamento 386 Como imaginário entende-se a forma como os indivíduos podem perceber fatos que o cercam, influenciando suas ações e visões sócio-político-culturais. Neste ínterim, o imaginário resulta e é resultado das representações: “As representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio”. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações São Paulo: Bertrand, 1990. p. 17. 387 Para Michel Foucault o que interessa não é a busca pelas origens (aquela que diz recolher a essência exata das coisas), mas é a arqueologia e a genealogia do conhecimento (que, pelo contrário, reconhece nos atos e acontecimentos históricos o próprio devir), investigando as forças que permitem a emergência de cada um dos discursos. Sobre o assunto, ver: FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010; ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2011. 388 SANTOS, Albertino Paulo dos. Albertino Paulo dos Santos: entrevista [jan. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (20 min. 04 seg.). [Pedreiro aposentado, 87 anos]. 144 cultural permite a interação entre o que é considerado moderno com o tradicional, destacando o caráter híbrido da sociedade 389. Cada grupo, em contato com as mudanças e permanências, defenderá aqueles aspectos e atributos que sustentarão seus discursos, identidades e memórias. Apreende-se que o sujeito, dessa forma, não possui uma identidade fixa e permanente, ela está em constante processo de transformação e é construída socialmente a partir dos diferentes discursos390. Nesse sentido, faz-se necessário compreender os espaços de criação e os jogos de poder que a significam. A multiplicidade dos elementos que compõem a imagem que representa a cidade pode resultar em opiniões e visões distintas, pelos indivíduos, os grupos sociais, pois também sofrem alterações com o tempo e são forjadas conforme os interesses dos atores envolvidos. Nesse sentido, os diferentes discursos que sustentam as identidades podem também levantar alguns questionamentos e dúvidas sobre o processo de criação delas mesmas. Maria Belarmina dos Santos também considerou a identidade “Cidade Jardim” como uma construção recente: “essa identidade, isso aí já é mais novo. [...]. Não sei a quem ou quem intitulou.”391 No entanto, informou que não sabia dizer quem, o porquê e nem o contexto de quando foi construída essa identidade. Contudo, ela demonstrou, durante a entrevista, reconhecer o título, aliando-o às novas praças construídas na cidade e à existência do Jardim Lourival Monte. Os processos sociais articuladores da dinâmica econômica e política, em nível de cidade, deram continuidade ou incrementaram a vida social no tocante à dimensão cultural e da cotidianidade, consolidando os elementos necessários para a construção do discurso que forjou a identidade. À medida que a ideologia dominante e os símbolos da modernização foram criados e, ao longo do tempo, assimilados pela população (ou parte dela), a sua identidade pode ter sido (re)criada. A partir da revitalização da paisagem, seja ela a partir da construção de jardins ou da ressignificação dos antigos casarões senhoriais ou até da instalação de instituições que significam o “novo”, o “moderno” (bancos, colégios, entre outros), é que essa ordem distante, “modernizadora”, pode ter transformado o pensamento, permitindo que outras pessoas e 389 Sobre a questão da hibridização cultural, ver: CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2000. 390 Sobre a identidade enquanto construção social, ver: HALL, Stuart. A identidade cultural na pósmodernidade. 3. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. 391 SANTOS, Maria Belarmina dos. Maria Belarmina dos Santos: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (16 min. 01 seg.). [Professora aposentada, 70 anos]. 145 grupos se reconhecessem em um “lugar moderno”, fornecendo-lhes uma forte ligação com o local e reconstruindo uma nova identidade. É grande a possibilidade de que os elementos novos inscritos na paisagem disputem espaços com aqueles antigos, criando outros pontos de referência para a sociedade. Contudo, é valido ressaltar, mais uma vez, que as mudanças desejadas e implementadas não alcançaram todos os espaços da urbe – sendo mais comuns no centro da cidade. Outrossim, as diferentes memórias, vinculadas às tradições, podem ter criado resistências ao novo, principalmente, quando o moderno se apresenta como ameaça à tradição e à identidades dos grupos. Da mesma forma que a cidade – enquanto palco privilegiado da modernidade – pode seduzir, ela também remete à nostalgia para aqueles que perderam suas referências: “Eis, simbolicamente colocado, um dos grandes dilemas da modernidade: a possibilidade ou não de ser seduzido por um tempo insaciável que não cessa de buscar o novo, despreza o passado, possuído pelo impulso de esquecê-lo.” 392 Essa situação pode explicar porque diversas pessoas e grupos sociais, que vivenciaram a cidade no mesmo período, podem ter visões, explicações e, até mesmo, identidades diferenciadas sobre Amargosa. Segundo Ana Fani Carlos393, o lugar é entendido como a “identidade histórica” que vincula o ser humano ao local onde a vida se realiza. É essa mesma identidade, neste caso a socioespacial, enquanto construção, que possibilita a coesão social do grupo que a forja, dotando-o de uma noção de pertencimento ao espaço no qual está inserido. O que não significa que esta noção pode alcançar todos os grupos da cidade, levando-os, inclusive ao estranhamento e/ou ao desencanto. Na primeira metade da década de 1950, em resposta a um convite especial de formatura da primeira turma de professoras do Ginásio Santa Bernadete, Pedro Calmon, em Carta escrita a punho, agradeceu a lembrança, ao tempo em que se referiu às estudantes enquanto “as jardineiras abençoadas do Jardim de Amargosa”. Na mesma, ele ainda felicitou o trabalho realizado no campo da Educação em Amargosa e informou sobre o seu interesse em participar do evento, estando “em meio de gente, conterrânea, que a enalteceu com o seu estudo.”394 392 REZENDE, 1997, p.22. CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 28. 394 CALMON, Pedro. CARTA enviada do Rio de Janeiro para... Carta pessoal do autor enviada para a Direção do Ginásio Santa Bernadete. Arquivo particular do Colégio Estadual Santa Bernadete. Rio de Janeiro, Brasil. 23 nov. 1955. 393 146 Ao falar da sua “modesta terra natal”, o ilustre Pedro Calmon congratulou as formandas e comemorou o acontecimento que, conforme sua concepção, em muito dignificou a sua terra natal, comparando, dessa forma, as novas professoras como “jardineiras” do Jardim, que passou a representar a cidade. Figura-se a imagem da cidade ao seu jardim e aqueles que a enaltecem, como as alunas do ginásio e futuras professoras, como as representantes da civilização. Nesse sentido e ao mesmo tempo, a formação das alunas pode ser analisada como comprovação do grau de civilização que a cidade já possuía, bem como estas se apresentavam como coadjuvantes para a promoção da educação da população. A revitalização da paisagem urbana e social tinha como intenção a legitimação de um “novo momento” que indicava o desenvolvimento da cidade, resultado da vontade política – (re) criando a imagem da cidade como elemento de um projeto político e econômico, simultaneamente. Tais objetivos também perpassam pela ideia de embelezamento da paisagem urbana, pela população mais beneficiada com ela: “o poder costuma se configurar, nos lugares e na arquitetura que compõem o cenário da cidade.”395 Essa intencionalidade política pode ser verificada também quando analisados os discursos que veiculam a imagem que as gestões administrativas e políticas querem apresentar e impor, principalmente quando são analisadas as Revistas de Governo ou as propagandas de eventos locais, como no caso da apresentação da Revista da 1ª Exposição Agropecuária de Amargosa: Seu nome é Amargosa e com absoluta propriedade foi lhe conferido o título de “CIDADE JARDIM”. [...] Aqui o verde impera, não só nas matas conservadas como nos campos cultivados, nas pastagens ondulantes como nos belíssimos jardins e praças caprichosamente traçados que com suas flores e plantas ornamentais são motivo de encantamento de seus moradores e de agradável surpresa para o visitante. [...] As ruas arborizadas e pavimentadas ensejam caminhadas que nos levam a conhecer o jardim e praça Lourival Monte considerados dos mais belos do interior do estado. 396 As imagens das apresentações em revistas municipais revelam intencionalidades políticas, destacando os principais feitos de cada gestor. No trecho anterior, mais uma vez é destacada a imagem de uma cidade moderna, que ostenta sinais de ordem, beleza e asseio, cujo conjunto estético apresenta vias pavimentadas e arborizadas, novos jardins e praças. Mas o que é mais significativa na revista é a reafirmação do antigo argumento da identidade já 395 396 ALMEIDA, 1996, p. 239. 1ª EXPOSIÇÃO Agropecuária de Amargosa. Revista Amargosa Cidade Jardim. Amargosa, 1978. 147 formada: recorre-se, portanto, à explicação das especificidades da cidade como um lugar onde a natureza demonstra sua grandiosidade. A preocupação com a preservação da natureza imbricada nesse discurso, forjado em período distinto, permite releituras outras sobre a imagem criada para o espaço urbano, mas que demonstra o desejo externado pelo título que ainda identifica a cidade, preservando, até a atualidade, a identidade: “Cidade Jardim”. 148 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da prática cotidiana foi construída uma cidade de caráter híbrido, tendendo entre o passado e o futuro; entre o velho e o novo: como um belo cenário, mas com ares de povoado. Contudo, apesar dos sinais do passado que ainda resistem na paisagem urbana, foi retratada a imagem de uma localidade que tentou aderir ao processo de “modernização” pela qual passavam os grandes centros do país. No período analisado foi verificada uma tentativa de “modernização” fragmentada, sobretudo devido às fragilidades impostas pelo sistema econômico, político e sociocultural local. As ações existiram no sentido de estabelecer uma cidade “bela”, “civilizada”, mas dentro das possibilidades e limites de uma cidade do Estado da Bahia. Embora com expectativa de se adaptar aos “modelos modernizantes”, Amargosa, como outras cidades brasileiras, não conseguiu acompanhar o ritmo capitalista dos grandes centros urbanos do país, devido, entre outras condições, ao declínio econômico e suas consequências, resultando na combinação entre dois opostos: “novo” e “velho”. As modificações no espaço central da urbe tentaram seguir a perspectiva de transformação comum a outras localidades do país, configurada, inicialmente, no processo de ordenamento, embelezamento, saneamento e racionalização dos mais variados espaços da cidade. Tentava-se alcançar, revelar e retratar todas as aspirações de uma sociedade tradicional local, beneficiada pelo comércio agrícola, mas que, tão logo o declínio de suas atividades econômicas, tentou vencer a “inércia” regional. Nesse sentido, foi observado como certos grupos sociais investiram nos elementos que referenciavam os discursos, criando as identidades convenientes aos seus interesses em cada momento histórico – que foram apropriados (ou não) pela população. Articulando elementos do presente e do passado da cidade, foram criados os “lugares de memória” – reiterados pela memória social – que remetem aos tempos de apogeu e desenvolvimento da cidade. A superação dos obstáculos históricos pode ser observada por diversas fontes (escritas, orais, iconográficas) que revelam as vivências dos agentes sociais, caracterizadas por um forte potencial instituidor de novas práticas e novas representações. Verificou-se, ao longo do tempo, a criação de uma nova condição urbana, que não é homogênea, mas plural, e marcada pela alteridade, pelo conflito de interesses e vivências socioculturais e políticas diversas. 149 Em busca do objetivo central, de analisar a (re)criação de identidades espaciais a partir das variadas experiências individuais/sociais, foi analisado como os principais elementos ditos modernos foram apropriados e utilizados no cenário urbano pelo Poder Público Municipal e pelas famílias tradicionais de forma a justificar e retratar sua marca na região e se houve a participação da população na criação dos títulos/identidades que identificam(aram) a cidade. Assim, pode-se pensar nessas construções identitárias como um circuito de trocas ou imposições, processo no qual as partes se transformam, estabelecem e reconstroem seus valores, imagens e práticas sociais. Não existiu a pretensão de pensar as identidades de uma forma homogênea e estática, compreendendo os grupos sociais dentro de suas especificidades; além de procurar definir apenas um recorte histórico-geográfico, definindo um complexo de práticas cotidianas em apenas um nome. Os grupos humanos e suas referências identitárias são extremamente flexíveis e dinâmicos, mas exibem imagens oficiais aproximadas. Apesar de criarem diferentes identidades para a cidade, em momentos e contextos distintos, figuradas nos títulos “Pequena São Paulo” ou “Cidade Jardim”, elas apresentaram uma visualidade em comum: a construção de uma imagem da cidade como um espaço belo, civilizado e moderno. A identidade, assim, é acionada conforme a realidade histórica de cada momento e os interesses dos indivíduos em questão. Admitiu-se neste trabalho, portanto, um conceito de identidade não estático. A adoção de comportamentos tradicionais e não tradicionais pode ser vista como uma maneira a partir da qual as identidades são construídas e que nem sempre são lembradas por todos, já que elas expressam os interesses dos grupos que as forjam. A cidade, como palco privilegiado das vivências cotidianas e que vincula o homem ao espaço social, vem se revelando como fonte de análise a ser pesquisada pelo historiador, apresentando uma multiplicidade de histórias em sua paisagem urbana. Esta pesquisa não encerra a trama constitutiva da cidade, de espaços e vivências heterogêneas, pois novas perguntas resultarão em outras respostas e novas histórias serão (re)escritas e lidas. 150 FONTES FONTES ORAIS ANDRADE, José Peixoto. José Peixoto Andrade: entrevista [maio. 2006]. Entrevistadora: Ana Rosa Alves Moura. Amargosa, 2013. 2 cassetes sonoros (130 min. 39 seg.). [lavrador aposentado, 76 anos]. BARBOSA, José Manoel Chaves. José Manoel Chaves Barbosa: entrevista [jan. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (116 min. 44 seg.). [Militar aposentado, 70 anos]. SALES, Alírio Maia. Alírio Maia Sales: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 56 seg.). [Fazendeiro, 90 anos]. SAMPAIO, Carlita Rebouças. Carlita Rebouças Sampaio: entrevista [maio 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (60 min. 19 seg.). [Aposentada, 88 anos]. SAMPAIO, Suzete Rebouças. Suzete Rebouças Sampaio: entrevista [maio 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (60 min. 19 seg.). [Servidora pública aposentada, 69 anos]. SANTOS, Albertino Paulo dos. Albertino Paulo dos Santos: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (20 min. 04 seg.). [Pedreiro aposentado, 87 anos]. SANTOS, Maria Belarmina dos. Maria Belarmina dos Santos: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (16 min. 01 seg.). [Professora aposentada, 70 anos]. SOUZA, Leobino José de. Leobino José de Souza: entrevista [set. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (37 min. 12 seg.). [Servidor público aposentado, 81 anos]. MELO, Áurea Andrade. Áurea Andrade Melo: entrevista [maio 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (67 min. 19 seg.). [Dona de casa aposentada, 80 anos]. SAMPAIO, Valdemiro Vaz. Valdemiro Vaz Sampaio: entrevista [jul. 2013]. Entrevistadora: Jaqueline Argolo Rebouças. Amargosa, 2013. 1 arquivo. mp3 (67 min. 19 seg.). [Avicultor e comerciário aposentado, 90 anos]. FONTES ICONGRÁFICAS ACERVO de Fotografias da Prefeitura Municipal de Amargosa. 151 ACERVO de Fotografias da Fundação Pierre Verger. ACERVO do IBGE. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/fotografias/GEBIS%20-%20RJ/BA27639.jpg>. 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Cyrilo Bispo dos Santos COMPRA DE João Andrade CAFÉ João Sales Joaquim Ferreira Galvão José de Cerqueira Mota Laurentino Dias do Nascimento Leovegildo Mota Luciano Andrade Octavio José Cardoso Orêncio Borges da Silva Paulo Emilio de Lemos Paulo Vaz Sampaio Agnelo Nogueira Álvaro Coelho Antonio Geraldo Mota Augusto Manoel Sampaio ARMAZÉM DE Fratelle Maimone COMPRA DE Frederico Alves de Oliveira FUMO João Sales José de Cerqueira Mota Laurentino Dias do Nascimento Leovegildo Mota Paulo Vaz Sampaio A. Fonseca Agnelo Nogueira Antonio Edson Sampaio Bulhões e Irmãos Comercial de Mamona Brasileira Comercial Overback Companhia Industrial da Bahia Correia Ribeiro e Cia Florival Cerqueira Sampaio ARMAZÉM DE Gabrieli e Bloisi COMPRAS King e Cia Lucilio Castro e Companhia Luiz Barreto Filho e Cia Mário Rocha Raymundo Amalino R. de Oliveira Rubens Vaz Sampaio S. A. Exportadora Garrido Sena e Lopes Severino Leal Sales Teotonio Oleman Sampaio ENDEREÇO Rua da Lapinha Rua Nova Cajueiro Praça Manoel Vitorino Rua Dr. José Gonçalves Rua Riachuelo Rua Boa Vista - Cajueiro Praça Manoel Vitorino Rua da Lapinha Rua do Ribeirão Rua Marques de Herval Praça Manoel Vitorino Rua do Ribeirão Rua da Lapinha Praça Manoel Vitorino Rua da Lapinha Rua Conselheiro Dantas Rua do Ribeirão Rua da Lapinha Praça Manoel Vitorino Rua da Lapinha Rua Nova Rua Dr. José Gonçalves Rua Riachuelo Praça Manoel Vitorino Rua da Lapinha Praça Manoel Vitorino Rua da Lapinha Praça Manoel Vitorino Rua da Lapinha Praça Manoel Vitorino ANOS DE REFERÊNCIA 1929 1930 1933 1943 1953 X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X - X X X X X X X X X X X X X X - X X X X X X X X X X X X X - X X X X X X - X X X X X X X X X X X X X X X X 166 DESCRIÇÃO ARMAZÉM DE COMPRAS DE PRODUTOS DO ESTADO ARMAZÉM DE EXPORTAR CAFÉ ARMAZÉM DE EXPORTAR FUMO ARMAZÉM DE COMPRAS E EXPORTAÇÃO TORREFAÇÃO DE CAFÉ CONTRIBUINTE Arnulfo Rebouças e Cia Braz Bartilote e Cia Felix Pereira Lacerda Mário Rocha Orêncio Borges da Silva Raimundo Borges da Silva Sales e Miranda Scaldaferri e Irmãos Arnulfo Rebouças (agente de Rafhael Schavab) Bartilotti e Cia C. Venet e Cia Elizeu de Assis Batista Eutychio Lemos (agente de Luiz B. Filho) Mario M. de Sant’Anna Mario Rocha Scaldaferri e Irmãos Tude Irmão & Cia Arnulfo Rebouças (agente de Rafhael Schavab) Cia Generale des Tabacs Elizeu de Assis Batista Eutychio Lemos (agente de Luiz B. Filho) Luiz Barreto Filho e Cia Mario M. de Sant’Anna Scaldaferri e Irmãos A. Fonseca (Agente de Gondim e Guedes) Sales e Miranda Scaldaferri e Irmãos Orêncio Borges da Silva Antonio Joaquim da Silva Alfredo Borges Celson Andrade Camila Miranda Dantas Frederico Alves de Oliveira José Vieira Mendes Ranulfo Vaz Sampaio ENDEREÇO Praça Manoel Vitorino Praça Manoel Vitorino Praça Manoel Vitorino Rua Dr. José Marcelino Praça Manoel Vitorino Praça Manoel Vitorino Rua Dr. José Marcelino Rua Dr. José Gonçalves Praça Manoel Vitorino Rua Dr. José Marcelino Rua Dr. José Marcelino Praça Manoel Vitorino Praça Manoel Vitorino Praça Manoel Vitorino Rua Dr. José Marcelino Avenida Tiradentes Rua Rio Branco Rua da Lapinha Rua Marques de Herval Praça Manoel Vitorino ANOS DE REFERÊNCIA 1929 1930 1933 1943 1953 - - - X X X X X X X X - X X X X X X X X X X X X X X X - - X X X X X X X - X X X X X - X X X X X X X X X X X - X X X - Obs.1. Os livros de impostos não indicam o endereço dos estabelecimentos comerciais a partir da década de 1940, o que pode justificar a ausência dessa informação na tabela, para algumas casas comerciais. 7