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JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2011 4 (7): 259 – 273.
Transplante do bloco cardiopulmonar em cão utilizando a
técnica de auto-perfusão
Transplant of cardiopulmonary block in a dog using the
technique of auto-perfusion (self-infusion)
Trasplante de bloque cardiopulmonar en perro utilizando la
técnica de auto perfusión
Lívia Gomes Amaral1*, Cintia Lourenço Santos2, Daniela Fantini
Vale3, Alessandra Castello da Costa3, Ricardo de Andrade Paiva4,
André Lacerda de Abreu Oliveira5
Resumo
Na Medicina Veterinária, o transplante cardíaco ainda encontra-se em fase
inicial. A grande exigência de equipe multidisciplinar, bem como a
dificuldade na captação dos órgãos em período de tempo viável e o
controle da rejeição representam em conjunto barreiras importantes para o
desenvolvimento de serviços nestas áreas. Este trabalho descreve um
transplante de bloco cardiopulmonar em um cão. O bloco foi retirado,
mantido pela técnica de auto-perfusão e implantado sem parada
circulatória, estando o receptor em circulação extracorpórea. O objetivo do
trabalho foi testar a viabilidade do transplante do bloco cardiopulmonar
sem parada cardíaca. Para isto, foram utilizados dois cães com pesos e
conformação de tórax semelhantes. Do primeiro coletou-se o bloco
cardiopulmonar sem que houvesse a interrupção dos batimentos
cardíacos, sendo em seguida acondicionado em recipiente estéril para
conservação do conjunto cardiopulmonar. Para o implante do bloco
cardiopulmonar no receptor foi necessária a submissão do animal à
circulação extracorpórea. O experimento foi realizado com sucesso e
encerrou-se após o restabelecimento da hemodinâmica. Para que seja
1
Graduanda em Medicina Veterinária. Universdade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro –
UENF. *Email: [email protected]
2
Doutoranda em Cirurgia Geral. Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
3
Doutoranda em Ciência Animal. UENF.
4
Médico Veterinário Autônomo.
5
Professor Associado de Técnica Cirúrgica. UENF.
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usado clinicamente na Medicina Veterinária, as técnicas de transplante do
bloco cardiopulmonar precisam ser aprimoradas e melhor desenvolvidas,
bem como o controle da rejeição e o apoio à recuperação com auxilio da
terapia intensiva.
Palavras-chave: Cirurgia cardíaca, cardiopulmonar, transplante, autoperfusão, cão.
Abstract
In veterinary medicine, heart transplantation is still in its initial phases. The
requirements of a multidisciplinary team, as well as the difficulty in
obtaining the organs within a viable period of time, and the control of
rejection represent important barriers to the development of services in
these areas. This paper describes a transplantation of the cardiopulmonary
block in a dog. The block was removed, maintained by way of the
technique of self-infusion and implanted without circulatory arrest, with the
receiver in extracorporeal circulation. The objective was to test the
feasibility of transplanting the block without cardio-pulmonary arrest. For
that, two dogs were selected for their similarity in weight and conformation
of the chest. The cardiopulmonary block was collected from one of the
dogs without any interruption of the heartbeat, and was then placed into
sterile containers for conservation. To implant the cardiopulmonary block in
the receiver requires submitting the animal to extracorporeal circulation.
The experiment was successful and ended after the restoration of
hemodynamics. To be used clinically in veterinary medicine, the techniques
of cardiopulmonary transplantation of the block need to be improved and
further developed in addition to measures to control rejection and support
for recovery with the help of intensive therapy.
Keywords: Cardiac surgery, cardiopulmonary, self-infusion, transplant, dog.
Resumen
En la medicina veterinaria, el trasplante cardíaco se encuentra aún en fase
inicial. La grande exigencia de un equipo multidisciplinar, bien como, la
dificultad en la obtención de órganos en un período de tiempo viable y el
control al rechazo representan en conjunto barreras importantes para el
desarrollo de servicios en estas áreas. Este trabajo describe el trasplante
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del bloque cardiopulmonar en un perro. El bloque fue retirado, mantenido
por la técnica de auto-perfusión e implantado sin parada circulatoria,
estando el receptor en circulación extra-corpórea. El objetivo del trabajo
fue probar la viabilidad del trasplante del bloque cardiopulmonar sin parada
cardiaca. Para esto, fueron utilizados dos perros con peso e conformación
de tórax semejantes, del primero se colecto el bloque cardiopulmonar sin
que hubiera interrupción de los latidos cardiacos siendo enseguida
acondicionado en un recipiente estéril para conservación del conjunto
cardiopulmonar. Para el implante del bloque cardiopulmonar en el receptor
fue necesario el sometimiento del animal a circulación extra-corpórea. El
experimento fue realizado con éxito y término después del restablecimiento
de la hemodinámica. Para que sea usado clínicamente en medicina
veterinaria, las técnicas de trasplante del bloque cardiopulmonar necesitan
ser perfeccionadas y mejor desarrolladas, también como el control al
rechazo y el apoyo en la recuperación con auxilio da terapia intensiva.
Palabras-clave:
cirugía
cardíaca,
cardiopulmonar,
trasplante,
auto-
perfusión, perro.
Introdução
O primeiro relato na literatura
dias.
Em
meados
Demikhov,
na
Chicago,
realizou pioneiramente no mundo e,
Estados Unidos, por Alexis Carrel e
em cães, transplantes heterotópicos
Guthrie,
o
seguidos de ortotópicos de coração
coração de um cão para o pescoço
e coração-pulmões. Todos estes
de outro cão maior, conseguindo
eventos
que o órgão transplantado batesse
advento da circulação extracorpórea
por duas horas até a interrupção do
(CEC) e das técnicas de hipotermia.
experimento. Em 1933, Frank Mann
A maior sobrevida de transplante
e colaboradores, da Mayo Clinic,
coração-pulmões foi de seis dias em
investigaram
de
um cão conhecido mundialmente
obtendo
como "Dog Damka"1,2,3. Neptume e
funcionamento do órgão por até oito
colaboradores, em 1953, realizaram
que
transplante
de
transplantaram
a
em
técnica
cães,
União
1940
sobre transplante foi feito em 1905,
Universidade
na
de
ocorreram
Soviética,
antes
261
do
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o
transplante
do
bloco
hipotermia
e
uso
de
solução
cardiopulmonar, com resfriamento
cardioplégica para preservação do
de superfície e parada circulatória4.
bloco coração-pulmão é reservada,
Em outras espécies, os transplantes
portanto, para o estágio final de
começaram a ser aplicados em
doença
1967, por Nakae et al.3.
pulmonar7.
A substituição simultânea dos
cardiopulmonar
Atualmente,
o
e
transplante
pulmões e do coração em bloco foi
cardíaco tem como objetivo não
considerada, no início dos anos 80,
apenas promover a sobrevivência
a técnica mais adequada para tratar
de um paciente com enfermidade
pneumopatias
cardíaca avançada, mas proporcionar
terminais,
muitas
vezes associadas a algum grau de
melhor
disfunção
vislumbrando o resultado positivo e
transplante
cardíaca.
do
Atualmente
bloco
tem
o
sido
reservado a uma diminuta população
representada pelos portadores de
cardiopatias congênitas incorrigíveis
cirurgicamente,
e
associados
à
hipertensão pulmonar severa5,6.
vida,
o sucesso do próprio transplante8,9.
A maioria das técnicas de
preservação
da
unidade
cardiopulmonar
baseia-se
na
hipotermia
diminuição
do
para
desta, em geral considera-se que
grande
quatro horas é o tempo máximo de
complexidade e de alta morbi-
isquemia cardíaca para transplante,
mortalidade, considerando-se o alto
tempo que exclui a possibilidade de
índice de complicações pulmonares
realização de transplantes entre
em médio e longo prazo e também
doador
a gravidade destas complicações,
distantes. Em geral, a fim de
que ocasionam um baixo índice de
minimizar
sobrevida tardio, bem como a pobre
preservação
relação entre custo e benefícios do
transplantado é obtida através da
procedimento6.
de
cardioplegia, o que aumenta o
tratamento, que pode se utilizar de
tempo de viabilidade do órgão10.
é
procedimento de
de
metabolismo celular. Na vigência
O transplante cardiopulmonar
um
qualidade
Esta
técnica
e
receptor
tais
do
de
locais
barreiras,
órgão
a
a
ser
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Somado a tal fato, a técnica de
administrou-se heparina na dose de
preservação do bloco cardiopulmonar
4 mg/kg de peso corporal por via
por auto-perfusão difere das demais
intravenosa. Em seguida, o tronco
por preservar a ventilação pulmonar,
braquiocefálico e a artéria subclávia
os batimentos cardíacos, a circulação
esquerda
coronariana,
depois
a
normotermia
e
foram
dissecados
duplamente
ligados
e
e
assegura a estabilidade da pressão
seccionados (figura 3-A e 3-B).
sanguínea na aorta, o que determina
Inseriu-se uma cânula de silicone
um tempo maior de viabilidade do
maleável no átrio direito através da
órgão11,12,13,14.
veia ázigos e outra, através do
Este
estudo
experimental
testa a viabilidade da técnica do
transplante do bloco cardiopulmonar
sem parada cardíaca, utilizando
para isso a técnica de autoperfusão
cardiopulmonar como método de
preservação do órgão.
tronco braquiocefálico, na aorta
ascendente até o nível dos óstios
coronarianos. Ambas as cânulas
foram conectadas por meio de um
tubo
de
PVC
reservatório
de
de
1/4’
a
um
cardiotomia
suspenso a 70 cm acima da mesa
cirúrgica.
Foram
colocadas
torneiras de três vias no circuito
arterial para retirada de amostras
Material e métodos
sanguíneas e a aferição contínua
Foram utilizados dois cães
da pressão arterial média e no
sem raça definida, pesando 15 kg e
circuito venoso para infusão de
com
torácicas
medicamentos. A face posterior do
semelhantes para coleta do bloco
coração foi liberada por dissecção
cardiopulmonar. A mesma técnica
digital no plano anterior ao esôfago
cirúrgica foi adotada em ambos os
e os pulmões liberados pela divisão
animais:
dos ligamentos pulmonares.
conformações
após
procedimento
A
anestésico, o tórax foi aberto por
traquéia foi dissecada até a altura
esternotomia
seguida
da cartilagem cricóide sendo, em
pela ligadura e secção da veia
seguida, seccionada, diretamente
ázigos.
entubada e novamente conectada
mediana,
Neste
momento,
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ao ventilador. Com o clampeamento
ventricular e a pressão transmitida
aórtico
da
pelo peso do volume sanguíneo
artéria subclávia esquerda, cerca
contido no reservatório e na coluna
de
foram
com 70 cm. A altura da coluna
drenados para o reservatório. Com
sanguínea e o nível de sangue no
a dupla ligadura e secção de veia
reservatório
cava
correspondem
após
350
a
ml
emergência
de
caudal,
sangue
secção
da
aorta
de
cardiotomia
naturalmente
à
descendente e abertura do saco
pressão sanguínea no arco aórtico.
pericárdico
A pressão na aorta representa a
longitudinalmente,
pressão de perfusão coronariana
completou-se a retirada do bloco.
A preparação assim isolada
foi envolta em um saco plástico
estéril (figura 3-C), suspensa pelo
tubo
orotraqueal
e
pela
pinça
aórtica, e colocada em recipiente
contendo
solução
fisiológica
aquecida de maneira a conservar a
normotermia
e
ressecamento
impedir
das
o
estruturas
anatômicas. Manteve-se todo o
conjunto
em
perfusão
e
regime
sob
de
auto-
ventilação
mecânica, por período de 12 horas
pré-determinado
Nesta
em
preparação,
protocolo.
uma
vez
posicionada a cânula arterial e
aberto o sistema que a liga ao
reservatório sanguíneo, o sangue é
imediatamente impulsionado para
cima pela pressão existente no arco
aórtico. O nível alcançado é o de
equilíbrio entre a pressão de ejeção
que
assegura
a
perfusão
miocárdica e pulmonar. O sangue
insaturado
retorna
ao
átrio
e
ventrículo direitos através do seio
coronário e capilares sinusóides. O
retorno venoso, como na circulação
normal, é ejetado pelo ventrículo
direito na circulação pulmonar. O
sangue oxigenado pelos pulmões
sob ventilação mecânica retorna ao
átrio
esquerdo
pelas
veias
pulmonares. Uma vez no ventrículo
esquerdo, é novamente ejetado na
raiz
da
circulação
aorta
reiniciando
coronariana.
a
Este
reservatório, ao mesmo tempo que
mantém a pressão no sistema
coronariano
estável,
regula
o
volume sanguíneo circulante na
preparação,
o
qual
deve
proporcionar irrigação sanguínea
suficiente para manter os órgãos
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como
do circuito 15 (figuras 1 e 2). O início
estabilizador do sistema. Encontra-
da perfusão deu-se rotineiramente
se conectado à preparação por
da seguinte forma: início lento da
meio de duas cânulas. A cânula
circulação
venosa é mantida fechada durante
indução
todo o tempo. A cânula arterial
profunda, até que se chegasse ao
aberta, além de proporcionar a
fluxo de 1,3 l/min. O fluxo total era
pressão de perfusão miocárdica,
calculado de acordo com a área de
permite
sangue
superfície corporal, na base de 2,4
ejetado pelo ventrículo esquerdo,
l/m /min. A solução cardioplégica foi
evitando resistência ao trabalho
utilizada
ventricular.
misturada ao sangue.
viáveis.
Funciona
o
Para
perfusão
escape
o
de
procedimento
(CEC)
de
extracorpórea,
lenta
de
com
hipotermia
2
de
No
forma
cão
contínua
receptor,
e
após
realizou-se
esternotomia mediana, foi realizada
esternotomia mediana, ligadura da
a ligadura da veia ázigos e uma
veia ázigos, abertura do pericárdio,
abertura no pericárdio. A aorta
reparo
de
ascendente e o arco aórtico foram
poliéster, ressecção da gordura
dissecados para canulação da aorta
peri-aórtica, confecção de duas
descendente, conectada ao tubo
bolsas
arterial
da
aorta
com
concêntricas
na
fita
aorta,
do
oxigenador,
também
administração de heparina na dose
sendo canuladas as veias cavas
de 4 mg/kg de peso corporal,
cranial e caudal, sendo ambas
confecção
bolsas
conectadas ao tubo venoso do
separadas em parede lateral do
oxigenador. A perfusão foi iniciada
átrio direito, para canulação de
lentamente, com indução lenta da
veias cavas anterior e posterior,
hipotermia
canulação de aorta e conexão ao
estabelecimento
tubo arterial do oxigenador após
calculado. A aorta e a artéria
retirada de ar do circuito, canulação
pulmonar
de veia cava anterior e posterior e
realizados o pinçamento aórtico e a
conexão de ambas ao tubo venoso
oclusão das veias cavas cranial e
do oxigenador, após retirada de ar
caudal
de
duas
profunda,
foram
com
do
até
fluxo
o
total
dissecadas,
torniquetes.
e
A
265
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em
parede lateral do átrio direito até o
septo
nó inicial. A partir deste momento foi
inter-atrial, com pequenas aberturas
feito o reaquecimento do animal, em
simultâneas em átrios direito e
seguida a anastomose da aorta e da
esquerdo. A incisão foi continuada
artéria pulmonar. Foram realizadas
para átrio esquerdo, em direção à
a liberação dos torniquetes de veias
base
cavas
cardiectomia
foi
extremidade
iniciada
posterior
do
do
apêndice
atrial,
anterior
posterior,
à
permitindo
extremidade anterior do septo inter-
cavidades
atrial.
incisão
venoso e a saída do ar destas
semelhante foi realizada em direção
cavidades. Posicionou-se a cânula de
à base do apêndice atrial, também
cardioplegia na raiz da aorta, e
contornando-o
à
insuflou-se o pulmão para a retirada de
extremidade anterior do septo inter-
ar das cavidades esquerdas, sendo
atrial. A confluência do septo inter-
feita a aspiração contínua pela cânula
atrial foi então realizada, partindo-se
de cardioplegia e então realizada uma
da extremidade posterior para a
massagem delicada do coração e a
anterior. A aorta foi secionada sobre
liberação da pinça aórtica. Após esta
a valva aórtica, e a artéria pulmonar
etapa, o coração voltou ao ritmo
sobre a valva homônima.
sinusal
contornando-o
No
Para
em
átrio
direção
direito,
em
a
direção
realização
da
implantação do novo órgão foi utilizado
fio de polipropileno 5-0 e a sutura
iniciada na extremidade posterior do
septo inter-atrial, prosseguindo pela
parede lateral do átrio esquerdo e
retornando pelo septo inter-atrial até o
o
e
enchimento
direitas
normal.
com
A
das
sangue
circulação
extracorpórea foi interrompida e os
tubos venosos ocluídos. Depois de se
alcançar
a
hemodinâmica,
estabilização
procedeu-se
a
descanulação da cardioplegia, da veia
cava cranial, caudal e da aorta.
Por
fim
foi
realizada
a
nó inicial com o mesmo fio. A segunda
esternorrafia com a colocação de um
sutura
dreno torácico. Os animais foram
foi
iniciada
também
em
extremidade posterior de septo inter-
mantidos
por
48
horas
sendo
atrial, prosseguindo pela face atrial
eutanasiados de forma humanitária
direita do septo e retornando pela
após este período.
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Figura 1: Percurso do sangue do animal após canulação: Cânula Venosa; RV
(Reservatório Venoso); BA (Bomba Arterial); PC (Permutador de calor);
Oxigenador e Cânula Arterial
Figura 2: Máquina de Circulação extracorpórea em funcionamento. A seta indica
o oxigenador.
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Figura 3: Diferentes etapas do transplante do bloco cardiopulmonar.
A: A seta indica a dissecção do tronco braquiocefálico. B: A seta indica
a canulação do tronco braquiocefálico com tubo siliconizado e
heparinizado. C: Vista dorsal do bloco cardiopulmonar. A seta menor
indica o tronco braquiocefálico canulado e a seta maior mostra a
traquéia com o traqueotubo. D: A seta indica a anastomose da parede
posterior da traquéia com sutura simples usando fio de propileno 3-0.
Resultados e discussão
manipulação
órgãos
A
técnica
cirúrgica
da
descuidada
pode
irregularidades
dos
acarretar
do
ritmo
coleta do bloco cardiopulmonar
cardíaco e sangramento. Ambos
(figura
devem ser evitados durante a
3)
não
complicações
em
trouxe
nenhum
fase
de
exteriorização
e
momento. Mostrou-se adequada
preservação. A colocação da
pelo tempo cirúrgico pequeno,
cânula
em
considerada o ponto crítico do
torno
de
50
minutos
arterial na aorta foi
(máximo de 75 e mínimo de 34
procedimento,
minutos),
quantidades de sangue podem
resultados
e
pelos
obtidos.
bons
A
onde
maiores
ser perdidas.
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O funcionamento do bloco
soluções fisiológicas aquecidas,
foi considerado excelente visto
o que certamente contribuiu para
que este se manteve em bom
o sucesso das preparações.
estado por oito horas, quando
foram
interrompidos
os
experimentos. Nas preparações
estudadas,
a
pressão
sanguínea estável (entre 70-90
mmHg)
na
circulação
aorta
e
coronariana
responsável
desempenho
na
foi
pelo
bom
hemodinâmico.
Infere-se que as pressões nas
quatro
câmaras
estivessem
cardíacas
normais
pela
ausência de distensão, edema,
perturbação do ritmo cardíaco
ou
comprometimento
da
contratilidade.
a
importante.
preparação
Em
é
estudos
anteriores, observou-se que o
esfriamento e o ressecamento da
superfície do coração acarretam
distúrbios do ritmo e eventual
parada cardíaca em uma a duas
horas16.
Temperaturas
baixas
induzem fibrilação ventricular17.
Neste estudo a normotermia foi
mantida
durante
experimento,
auto-perfusão ficou demonstrado
pelo
tempo
de
duração
da
preparação, ausência de edema
pulmonar
e
contratilidade
cardíaco,
ventricular
satisfatória, ritmo cardíaco sinusal
regular e ausência de lesões
isquêmicas
macroscópicas.
O
funcionamento normal do coração
e dos pulmões por 8 horas
consecutivas no sistema de autoperfusão permitiu concluir que a
preservação destes órgãos é
exequível para o transporte de
órgãos à distância, possibilitando
A temperatura em que se
mantém
O sucesso do método de
por
todo
o
meio
de
ainda, pela sua maneira simples
de coleta, a obtenção de enxertos
em hospitais menos aparelhados.
A viabilidade da cirurgia
cardíaca depende do sucesso da
realização
da
extracorpórea.
Os
obtidos
o
perfusão
com
circulação
resultados
modelo
de
empregado
demonstraram os bons resultados
deste procedimento, estando de
acordo com a literatura2,18.
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O
uso
do
oxigenador
os temas que constituem a base
artificial e da máquina coração-
para
pulmão (figuras 1 e 2) permitem
transplante
a realização deste procedimento
animais nos retira da fase do
de forma similar à descrita por
obscurantismo abrindo-nos uma
diversos autores13,14,19.
série de possibilidades para a
Os bons resultados da
CEC permitem que esta técnica,
ainda que pouco aplicada na
Medicina Veterinária, possa ser
utilizada
e
aperfeiçoada
em
desenvolvimento
de
órgãos
do
em
execução desta nova fase, que
certamente
acontecerá
em
algum tempo futuro.
Os próximos passos são o
estudo da isquemia dos órgãos
que serão transplantados, o
nosso meio.
Quanto ao transplante, o
resultado foi satisfatório, com a
retomada
o
do
ritmo
sinusal
estabelecimento do suporte em
terapia intensiva e o controle da
rejeição.
normal e do restabelecimento
dos valores normais de pressão
venosa central, pressão arterial
invasiva (entre 70 e 100 mmHg)
e
função
de
utilização do coração por um
ventilação
intervalo de tempo acima de 12
horas, o que pode solucionar o
mecânica.
Podemos
domínio
circulação
da
dizer
que
técnica
extracorpórea
o
da
em
cães, bem como a captação e o
implante de órgãos, são a base
para a realização do transplante
clínico, estando de acordo com
outros
Esse método permite a
sem
respiratória
necessidade
Conclusão
autores1,2.
Este
conhecimento específico sobre
problema
relativo
ao
curto
intervalo de tempo disponível
entre a captação do órgão e seu
implante no receptor, que hoje é
de aproximadamente 4 a 6
horas. Acreditamos que quanto
mais simples e fisiológica for a
retirada e a preservação do
bloco cardiopulmonar, maiores
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serão
as
procedimento
operatório
estudado
poderão
servir
Concluímos que a técnica de
modelo
para
coleta do órgão, a perfusão e o
clínicos de coração.
realização
oportunidades
de
de
transplantes.
de
transplantes
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Recebido em: Maio de 2010
Aceito em: Abril de 2011
Publicado em: Julho de 2011
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