a exclusão da voz feminina e a reclusão da mulher ao espaço

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a exclusão da voz feminina e a reclusão da mulher ao espaço
A exclusão da voz feminina e a reclusão da mulher ao espaço doméstico evidenciadas na
obra naturalista En la sangre (1887), de Eugenio Cambaceres
PÁDUA, Elizabeth Pericin Faleiro de (G – UNIOESTE)1
FLECK, Gilmei Francisco (UNIOESTE/ PG – UNESP – Assis)2
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar as causas da exclusão da voz feminina
na obra En la sangre (1887), do escrito argentino Eugenio Cambaceres. A obra ambientada na
década de 80, do século XIX, - um período no qual a Argentina vê-se diante de um enorme
fluxo de imigrantes, especialmente de italianos – retrata com objetividade a escalada social de
Genaro. Este personagem, que encarna todas as características do “gênero”, é protótipo do
homem machista que, ao encontrar-se com Máxima, vê nela apenas um degrau para a
ascensão social. Ante a realidade mimeticamente retratada, com base no cânone naturalista, o
leitor percebe a degradação da personagem feminina à medida que se torna degrau para a
escalada social de Genaro. Sua voz está condicionada à submissão imposta pelas convenções
sociais que fazem do homem o poder máximo. Embora pertencente à classe burguesa,
Máxima, ao se unir a Genaro, é submetida a viver em um aglomerado de pessoas, em
condições subumanas, passando a ter o papel passivo de reprodutora, já que seu companheiro
tráz, En la sangre, a superioridade masculina. Deste modo, a obra de Cambaceres (1887) é
modelo, pois explora, com objetividade, a realidade da mulher nas sociedades de valores
masculinos do século XIX, nas quais seu papel é sempre passivo, destinada a ser submissa ao
homem, educadora da prole e, desta forma, agente reprodutor do próprio sistema que a
oprime. A reprodução desta realidade pela arte literária é, sem dúvida, significativa para
compreender as diferentes vertentes dos atuais estudos de gênero.
PALAVRAS-CHAVE: Realismo/Naturalismo argentino; Eugenio Cambaceres (1887);
exclusão da voz feminina.
O romancista argentino Eugenio Cambaceres (1843-1889), possui uma produção
literária que inclui romances como Pot-pouri: silbidos de un vago (1882), Música sentimental
(1884), Sin rumbo (1885), e En la sangre (1887). Todas elas consideradas paradigmas do
naturalismo argentino. Ao longo deste trabalho nos deteremos na obra En la sangre (1887), e
nela buscaremos evidenciar alguns aspectos concernentes à configuração das personagens
femininas. Neste intento nos concentraremos, basicamente, em duas personagens: Doña María
– esposa de imigrante italiano, condicionada a viver em um cortiço onde dará à luz seu filho
Genaro (protagonista da obra); Máxima – filha de oligarcas argentinos que será seduzida por
1
Acadêmica do 4º ano de letras português/espanhol da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE – Cascavel. E-mail: [email protected]
2
Professor de Literaturas Hispânicas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE –
Cascavel.
Doutorando do programa de pós-graduação da UNESP – Assis. E-mail: [email protected]
Genaro, servindo-lhe de meio de ascensão social.
Os romances de Cambaceres estão intrinsecamente ligados um ao outro pela presença
marcante em todos eles da temática da imigração européia que, em grande número, “invade”
os países americanos no final do século XIX. Com olhares objetivos e críticos o romancista
insere as personagens de suas obras neste contexto, normalmente de ambiente degradante,
para revelar os grandes problemas que tal processo produzia no seio da sociedade portenha da
época. Segundo se expõe no estudo introdutório da obra de Cambaceres (1980:21), no período
que vai de 1880 a 1890, foram os imigrantes italianos que ocuparam o primeiro lugar das
estatísticas (70%), na Argentina, seguidos dos espanhóis (15%). A maioria desta massa de
imigrantes se concentrou, embora fossem em sua maioria agricultores, nas grandes cidades
como Buenos Aires e Rosário. Este fato fará surgir mais tarde, na sociedade portenha, a classe
média e o proletariado. Uma das explicações para isso é o fato de que neste país a posse das
terras sempre esteve concentrada nas mãos de apenas alguns grandes proprietários,
impossibilitando os imigrantes de se fixarem no campo.
Ao trabalhar neste romance, En la sangre (1980), com o estereótipo do imigrante
italiano – um sujeito rude, sem instrução, símbolo de todos os valores machistas,
intransigente, sovina, interesseiro – o autor, ao dar-lhe papel de protagonista, submerge mais
ainda nas questões de xenofobia já presentes em suas obras anteriores. Em seu primeiro
romance, Pot-pouri (1882), os imigrantes recebem um tratamento cômico que denota a
superioridade daqueles que narra. São postos em trabalhos subalternos e servem de chacota
aos demais. Já em sua obra Música sentimental (1884), os imigrantes não são apenas
indivíduos, mas grupos que, após enriquecerem em terras alheias, retornam às suas pátrias.
Estes grupos de imigrantes tornam-se uma multidão na obra Sin Rumbo (1885) e invadem
todos os espaços, revelando-se nesta obra uma forte aversão a tudo que é estrangeiro. Na obra
que aqui enfocamos, En la sangre, publicada pela primeira vez em 1887, na qual o imigrante
italiano já é protagonista da obra, o tratamento de refuta ao estrangeiro é muito mais radical e
aparece como uma ameaça que deve ser condenada. Revela-se, assim, ao longo de toda a obra
de Cambaceres, um intento muito claro de expor as atitudes dos homens ilustrados da
Argentina da década de 80, do século XIX, a respeito dos imigrantes como fenômeno social.
As visões expostas vão desde o menosprezo inicial ao combate efusivo, em atitudes cheias de
receios e temores.
En la sangre (1980), já traz em seu título a própria essência da escrita
realista/naturalista: nela um imigrante italiano arrasta-se pelas ruas de Buenos Aires
vendendo, de porta em porta, as suas mercadorias. Ao retornar para casa, certo dia, depara-se
com a cena do nascimento de seu filho, porém não lhe dá qualquer importância. A custa de
muitos esforços consegue acumular certa fortuna, mas isso não altera em nada a sua rude e
miserável conduta. Ao morrer, a esposa e o filho gozam das economias. A ambição do rapaz
leva-o a enviar sua mãe à Itália, uma vez que sente vergonha dela e a vê como um estorvo em
suas intenções de ascender socialmente. Processo esse que se realiza por meio de seu
casamento com Máxima, a quem seduz e engravida. A narrativa mostra, assim, a repetição
das mesmas ações do pai executadas pelo filho no tratamento dispensado às mulheres.
Num primeiro momento, a obra volta-se para as circunstâncias nas quais o
protagonista nasceu. Tal procedimento, semelhante ao da picaresca espanhola, explora a
gênesis do sujeito, a fim de comprovar futuras teorias de influência do meio sobre o caráter e
a personalidade, como fatores hereditários. Nesta parte, encontramos nossa primeira
personagem feminina: Doña María - esposa de imigrante italiano, confinada a uma vida
doméstica, vivendo em condições de penúria que beiram a miséria. O leitor é introduzido
neste ambiente da obra pelas descrições precisas do narrador extradiegético que, segundo os
estudos de Gérard Genette (s/d), atua como conhecedor de todas as experiências narradas e
que examina a realidade ao entorno das personagens, que também são alvos de suas
observações. Ao aproximar o leitor da realidade deste submundo no qual vivem os imigrantes
italianos, nos bairros da grande Buenos Aires, a focalização é cada vez mais precisa. Assim, o
narrador anuncia: “Algo insólito, anormal, parecía alterar la calma, la tranquila animalidad de
aquel humano hacinamiento”. A ação do narrador, já no início da obra, estabelece uma
divisão clássica entre o mundo no qual ele atua, estabelecendo relações de igualdade com seu
leitor – ambos postos num plano superior de onde observam este “outro” mundo – o dos
imigrantes – como se os habitantes deste fossem animais. Sob tal perspectiva se “observa” o
nascimento de uma criança. Uma cena na qual prevalece a frieza, a insensibilidade, o
desinteresse do homem e o desespero, a gritaria e o escândalo das mulheres, como se pode ver
no trecho que segue:
Mudo y como ajeno al cuadro que presenciaban sus ojos, dejóse estar el
hombre, inmóvil un instante. Luego, arrugando el entrecejo y barbotando
una blasfemia volvió la espalda, echó mano de una caja de herramientas,
alzó un banco, y sentado junto a la puerta, afuera púsose a trabajar
tranquilamente, dio comienzo a cambiar el fondo roto de un balde.
Sofocados por el choque incesante del martillo, los ayes de la parturienta se
sucedían, sin embargo, más terribles cada vez. [...]. En los grupos de
inquilinos, las mujeres alborotadas, se indignaban [...]. El tachero
entretanto, imperturbable, seguía golpeando. (CAMBACERES, 1980:5253).
Nesta rápida cena podemos observar as condições da figura feminina na obra. Ao se
descrever um momento crucial de sua vida, momento em que ela mais precisa do apoio de seu
marido este lhe dá as costas. Vemos as condições precárias em que se encontra essa mulher:
dores lhe ultrapassam a razão, soltando gemidos presenciados pela comunidade em que vive,
ignorada pelo marido que se põe tranquilamente a dar seguimento às suas atividades, não por
acaso, do lado de fora da casa, alheio aos problemas enfrentados pela mulher. Desse modo, é
que esse homem consegue, sem fazer muito esforço, sufocar a voz feminina, dando as costas
aos seus gemidos, proferindo blasfêmias e fazendo um ruído maior que os gemidos dela.
Uma vez mostradas as atitudes do imigrante com relação a sua esposa, no momento de
dar à luz seu filho, o narrador lança mão do recurso da elipse para avançar rapidamente no
tempo da narrativa, mencionando: “Así nació, llamáronle Genaro, y, haraposo y raquítico, con
la marca de la anemia en el semblante, con esa palidez, amarillenta de las criaturas mal
comidas, creció hasta cumplir cinco años” (CAMBACERES, 1980:53). A escolha do nome
dado àquele que será o protagonista da obra é bastante significativa: Genaro provém de
gênero e genérico, para designar a alguém que vem do obscuro submundo dos imigrantes,
sem identidade, um apenas entre uma multidão anônima.
Sua existência no sistema social, econômico e cultural que o rodeia esta, de certo modo,
pré-destinado ao anonimato, porém a arte literária vai transformando-o no que Forster (1969)
chamaria de “personages redonda”, complexa e, além disso, no protagonista da história que
nos é contada. Esse fato nos faz recordar aquilo que Aguiar e Silva escreveu a respeito dos
personagens de ficção:
O nome da personagem funciona freqüentemente como um indício, como se
a relação entre o significante (nome) e o significado (conteúdo psicológico,
ideológico, etc.) da personagem fosse motivada intrinsecamente (SILVA,
1976:277).
Tal motivação intrínseca estará presente na construção de todas as personagens que, além
de uma clara mensagem de humanismo, tem seus destinos extremamente vinculados aos
significados que se pode extrair dos nomes que lhe foram eleitos por aqueles que as criaram.
Todos eles, Doña María, Genaro e Máxima, são exemplos claros desta teoria de Aguiar e
Silva, como adiante veremos.
Aos cinco anos, Genaro é tirado de casa, da proteção da mãe e lançado na rua pelo pai,
pois, segundo as suas convenções e valores, aí é que se aprende a viver. Uma situação que o
narrador expõe da seguinte maneira: “[…] y empezó entonces para Genaro la vida andariega
del pilluelo, la existencia errante, sin freno ni control, del muchacho callejero, avezado, hecho
desde chico a toda la perversión baja y brutal del medio en que se educa.” (CAMBACERES,
1980:53). O narrador, com objetivos de naturalista, volta seus olhos para a realidade que
passa a circundar a existência do menino e descreve, com precisão o meio em que este se
educa:
Eran, al amanecer las idas al mercado [...]. El zaguán, más tarde, los patios
de las imprentas, el vicio fomentado, prohijado por el ocio, el cigarro, el
truco en los rincones. Era, en las afueras de los teatros, de noche, el
comercio de contraseñas y de puchos. Toda una cuadrilla organizada,
disciplinada, estacionada a las puertas del Colón, con sus reglas, su jefe, un
mulatito de trece años, reflexivo y maduro como un hombre y depravado
como un viejo. […] Como murciélagos que ganan el refugio de sus nichos,
a dormir, a ‘jugar’ antes que acabara el sueño de rendirlos, tirábanse en fin
acá y allá, por los rincones. Jugaban a los ‘hombres y las mujeres’; hacían
de ‘ellos’ los más grandes y de ‘ellas’ los más pequeños, y, como en un
manto de vergüenza, envueltos entre tinieblas, contagiados por el veneno
del vicio hasta lo íntimo del alma, de a dos por el suelo, revolcándose se
ensayaban en imitar el ejemplo de sus padres, parodiaban las escenas de los
cuartos redondos de conventillo con todos los secretos refinamientos de una
precoz y ya profunda corrupción. (CAMBACERES, 1980:54).
Dona María, configurada dentro dos padrões de esposa submissa e mãe dedicada,
reclusa ao ambiente do cortiço no qual vive, fica alheia a toda esta realidade “masculina” da
rua, da noite, do espaço público que está alicerçando a educação de seu filho. Ingênua e
inocente sonha com um futuro diferente para Genaro. Um futuro bem diferente daquela
realidade vivida pelo seu pai, embora a “vida” se encarregasse de fazer pai e filho, cópia um
do outro. A persistência do homem era, neste contexto, melhor compensada que a da mulher,
pois “[...] viviendo apenas para no morirse de hambre, como esos perros sin dueño que
merodean de puerta en puerta en las basuras de las casas, llegó el tachero a redondear una
corta cantidad. Iba a poder con ella realizar el sueño que de tiempos atrás acariciaba: abrir
casa, establecerse […]”. (CAMBACERES, 1980:55).
Ao contrário do que se possa pensar, ao melhorar as condições econômicas do casal, a
vida de Doña María e a de seu filho Genaro, já posto a trabalhar nas ruas - como vendedor
ambulante igual ao pai, não se alteram em nada. Seu marido possui princípios rígidos que
devem ser seguidos sem qualquer contestação. Assim, “no se alteró por eso lo mínimo su
régimen de vida. La misma estrechez, la misma sórdida avaricia reinaba en el manejo de la
casa. Los golpes, los azotes a su hijo siempre que tenía éste la desgracia de volver con los
bolsillos vacíos […]”. (CAMBACERES, 1980:56). O narrador, sempre em nível
extradiegético - segundo as definições de Gérard Genette (s/d) - ao retratar esta realidade,
volta-se para as comparações de tal situação e a dos animais irracionais, ao mencionar, por
exemplo, as reações do pai ao ver-se minimamente contrariado: “semejante al gato que se
encrespa y manotea al solo amago de verse arrebatar la presa que tiene entre uñas”.
(CAMBACERES, 1980:56). Estas são as estratégias narrativas que conferem à obra seus mais
fortes traços do naturalismo: o homem é animalizado pelo narrador.
Sem voz para manifestar-se, Doña María decide cuidar do destino do filho ocultamente. É
sobremodo importante assinalar que essa mulher, com todos os secretos instintos de amor
materno, dava-se conta da necessidade de uma mudança na vida de seu filho. Ela não gostaria
de ver Genaro passar pela vida, vivendo na miséria. Acreditava que a educação poderia
libertar seu filho da condição deprimente em que eles viviam. Incansavelmente ela solicitava
ao seu marido que a criança fosse à escola. Tudo era em vão, pois, como ele nunca tinha
sentido necessidade disso também não via nenhuma serventia disso para seu filho. Com muito
trabalho ela consegue uma pequena soma em dinheiro que lhe possibilita arcar com os
primeiros gastos do menino para freqüentar a escola. Algo que seria feito sem que seu pai o
visse. Posto em prática este plano, novos acontecimentos mudariam o rumo tanto de sua vida
como a de seu filho. O narrador registra: “tenía diez años de edad Genaro, cuando, determinando
un cambio profundo en su existencia, un acontecimiento imprevisto se produjo”. (CAMBACERES,
1980:57). Com tal estratégia narrativa, o narrador faz novo avanço na narrativa e relata a morte do
imigrante napolitano. Dando início a uma nova etapa na vida do protagonista que se vê livre das
amarras do pai e passa a viver uma vida dentro de “seus” princípios, que, entre várias outras coisas, o
leva a estabelecer relações com Máxima. Inicia-se assim, a ascensão social de Genaro na estratificada
sociedade portenha da década de 80, do século XIX.
Antes de que Doña María desapareça da obra, cumpre-nos dizer que é bem verdade que
entre tantos obstáculos pelos quais teve que passar ela é mostrada como uma mulher de
caráter que, apesar de ter sido sempre reprimida, tinha sabedoria, e soube empregar muito
bem os bens adquiridos pelo marido após a sua morte. Quando este estava vivo, porém,
sempre foi obrigada a submeter-se a seus caprichos de homem cruel e mesquinho.
Configurada, também, dentro do estereótipo da imigrante italiana, supermãe, protetora e
ingênua, nunca quis ver a realidade na qual seu filho estava envolvido, preferindo sempre
protegê-lo, mimá-lo e defendê-lo. Isso a tornava, por outro lado, também submissa às
vontades dele que conseguiu convencê-la a voltar à Itália, para que esse pudesse por seus
planos em marcha. Doña María, dentro da configuração que lhe dá o narrador, pensou que
tudo fosse apenas para seu bem. As atitudes dominadoras e incontestáveis do marido, as
falsidades e enganos do filho – que ocupam o plano central da narrativa – impediram sua voz
de manifestar-se. Assim Doña Maria, em sua configuração discursiva, serve à obra apenas
como modelo destas mulheres lutadoras, ingênuas que se contentam com a aquisição de uma
casa pequena na qual possam viver sem a ameaça do fantasma da miséria, para quem a
manifestação da voz serve apenas para condicionar-se e não criar atritos. A felicidade reside
em conseguir burlar o rígido sistema de controle e poder agir, ocultamente, para educar o
filho.
É, sobretudo, importante assinalar que, apesar de desprestigiar a mãe de Genaro, a
obra de Cambaceres (1980) retrata essa mulher como fonte de bondade, um personagem tipo,
segundo a classificação de Óscar Tacca (1973). Um arquétipo de bondade, qualidade que em
sua configuração a desvaloriza, porque faz dessa mulher uma personagem passiva, sem voz
no meio familiar e social, sendo ela apenas um objeto reprodutor e simples companheira.
Dessa forma a mulher passa pela obra sem ser notada.
Num segundo momento, a história se repete com Máxima. Esta é uma jovem
representante da oligarquia que, seduzida por Genaro, engravida e é forçada a casar-se com
ele. A relação entre os dois, Genaro e Máxima, acaba sendo uma repetição daquela entre seu
pai e sua mãe no início desta obra. É o circulo vicioso das sociedades machistas que se repete
de geração em geração. Homem de mau caráter como é Genaro, depois de casado com
Máxima passa a tratá-la como seu pai tratava a sua mãe, com brutalidade. Genaro somente vê
Máxima como mulher quando se rasteja como répteis para conseguir dela o que lhe dá glória
e ascensão social: seu dinheiro. Dessa forma, os mesmos gestos do pai são reproduzidos pelo
filho. Máxima dessa forma tem o mesmo destino de Doña María: é reprimida, desrespeitada e
sufocada. Sua voz some dentro da representação de uma sociedade machista, refletida nesta
obra de Cambaceres (1980): En La Sangre.
É importante mencionar ainda que a participação feminina nesta obra é fundamental,
pois por meio da configuração das personagens femininas é que se consegue mostrar a
realidade social plasmada na obra, embora, como pessoas elas tenham sido bastante
prejudicadas e desvalorizadas, pois, vemos as duas mulheres passar pela obra sem voz, como
objeto nas mãos de dois carrascos. Num primeiro momento, a mãe de Genaro é vista como
modelo de mulher lutadora, porém sempre é submissa, e num segundo momento, a mulher de
Genaro é vista como meio de ascensão social, objeto monetário.
REFERENCIAS:
AGUIAR E SILVA, V. M. Teoria da Literatura. São Paulo: 1978.
CAMBACERES. Eugenio. En la sangre. Buenos Aires: Ediciones Colihue, 1980.
FORSTER, E. M. Aspectos do romance. Porto Alegre: Globo, 1969.
GENETTE, Gérard. Discurso da Narrativa. Trad. Fernando Cabral Martins, Lisboa: Vega
Universidade, s/d.
GARCÍA, Susana e PANESI. Introducción, selección, notas. In CAMBACERES. Eugenio.
En la sangre. Buenos Aires: Ediciones Colihue, 1980.
TACCA, Óscar. Las voces de la novela. Madrid: Gredos, 1973.

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