SUZANA MARIA CORRÊA MARTINS

Transcrição

SUZANA MARIA CORRÊA MARTINS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE DIREITO
SUZANA MARIA CORRÊA MARTINS
ALIMENTOS GRAVÍDICOS: A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO EM
RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO
Belo Horizonte
2015
SUZANA MARIA CORRÊA MARTINS
ALIMENTOS GRAVÍDICOS: A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO EM
RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO
Monografia apresentada ao Curso de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de Bacharel
em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Edgard Audomar Marx Neto
Belo Horizonte
2015
Suzana Maria Corrêa Martins
ALIMENTOS GRAVÍDICOS: A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO EM
RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO
Monografia apresentada ao Curso de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de Bacharel
em Direito.
____________________________________________
Professor
____________________________________________
Professor
______________________________________________
Professor
Belo Horizonte, novembro de 2015
À minha mãe, pelo amor incondicional e por sempre
acreditar em mim.
AGRADECIMENTO
A todos que, de alguma forma, contribuíram para a
construção deste trabalho.
RESUMO
As estruturas familiares estão ganhando novos contornos, não se podendo falar ou ter
em mente apenas aquela família formada entre homem e mulher. Há, então,
uma
pluralidade de arranjos que estão postos na sociedade e que carecem de tutela estatal e
consequentemente de amparo legal. No entanto, o que se tem presenciado é a falta de
atuação do legislador, fazendo com que o judiciário atue tentando conferir resposta às
demandas latentes destas “novas famílias”. É neste cenário de falta de legislação que
abranja as relações homoafetivas que se insere o objeto deste trabalho, que pretende
analisar se há possibilidade de conceder alimentos gravídicos à gestante que manteve
relacionamento com outra mulher.
Palavras – chave: Direito de família. Novas famílias. Relações homoafetivas; Alimentos
gravídicos.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................7
2 A UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA NO MUNDO JURÍDICO.............................................10
2.1 Do reconhecimento da união estável como entidade familiar à sua extensão aos
relacionamentos homoafetivos......................................................................................................10
2.2 Conversão da união estável entre pessoas do mesmo sexo em casamento.............................13
2.3 Decisão do STF.......................................................................................................................15
3 REPRODUÇÃO ASSISTIDA........................................................................................................16
4 FILIAÇÃO.....................................................................................................................................19
4.1 Filiação biológica....................................................................................................................22
4.2 Filiação não biológica.............................................................................................................22
5 O RECONHECIMENTO DA DUPLA MATERNIDADE.............................................................23
6 ALIMENTOS.................................................................................................................................27
6.1 Conceito..................................................................................................................................27
6.2 Espécies..................................................................................................................................28
6.3 Pressupostos de fixação : binômio necessidade - possibilidade.............................................31
6.4 Principais características.........................................................................................................32
6.5 dever de sustento.....................................................................................................................38
7 A LEI 11. 804 DE 2008..................................................................................................................42
7.1 O Projeto de Lei 7376 de 2006...............................................................................................42
8 MENSAGEM DE VETO N º853 E COMENTÁRIOS À LEI 11.804 DE 2008............................44
9 A POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS ENTRE MULHERES. .50
10 CONCLUSÃO..............................................................................................................................59
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................................62
7
1 INTRODUÇÃO
A Constituição de 1988 no art. 226, no capítulo que dispõe sobre a Família,
trouxe importantes alterações que romperam e afrontaram posicionamentos e
entendimentos até então vigentes.
A visão patriarcal, no que se refere à sociedade conjugal, foi substituída pela
igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, os filhos havidos fora do
casamento passaram a ser reconhecidos como legítimos, reconheceu-se a família
monoparental bem como a união estável.
Muito embora os avanços tenham sido significativos e relevantes, não foram
e não são suficientes para assegurar a especial proteção que o legislador preceituou
no art. 226 da Constituição Federal, tampouco para tutelar todas as formas de
convívio entre as pessoas, bem como seus efeitos.
O primeiro impasse a ser sanado era quanto a aplicabilidade da união estável
a relacionamentos homoafetivos, uma vez que a Constituição, conforme §3º do art.
mencionado, apenas reconhecia a “união estável entre o homem e mulher como
entidade familiar”. Mas, com a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIn 4277 e
na ADPF 132, os casais homossexuais tiveram tal direito reconhecido.
Com a equiparação, para que se pudesse dar maior efetividade a decisão do
Superior Tribunal Federal, começou a ser suscitado se a união estável homoafetiva
poderia se converter em casamento, instituto até então exclusivamente aplicado aos
relacionamentos heterossexuais.
A conversão somente passou a ser possível em virtude de proposta do ex
Ministro Joaquim Barbosa aprovada em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça,
segundo a qual os cartórios são obrigados a realizar o procedimento. 1
Certo que existe um mundo para além da possibilidade de união estável e
casamento entre pessoas do mesmo sexo, e diante da complexidade da sociedade,
1 Resolução 175. Conselho Nacional de Justiça. 2013
8
há muito que avançarmos.
Muitas são as situações que não encontram respaldo legal, mas que
requerem proteção do ordenamento jurídico, sob pena de se negligenciar a
observância de princípios, como a dignidade da pessoa humana, igualdade,
interesse do menor, dentre outros.
Uma vez reconhecida a união estável e casamento homoafetivo, podem ser
suscitados outros questionamentos que envolvem a seara do direito de família.
Pensemos, por exemplo, na hipótese de um casal formado por mulheres,
tendo uma delas se submetido à reprodução assistida, e durante a gestação terem
rompido o vinculo afetivo-jurídico que as unia. Diante desta situação, indo além do
debate se a mãe seria somente aquela que se submeteu ao processo procriativo, ou
se tal parentesco também se estenderia à companheira que participou do processo
psicologicamente, podemos levantar a seguinte pergunta: poderia ser concedido
alimentos á parceira gestante?
A prestação alimentícia durante a gravidez pretende conferir à futura mãe
condições mínimas durante este período, assim como ao nascituro, que de acordo
com o art. 2º do Código Civil Brasileiro é um sujeito de direito. Entretanto, a Lei
11804/08 que regulamenta os alimentos gravídicos traz expressões como “futuro pai”
e “indícios de paternidade”, como se observa no parágrafo único do art. 1º e no art.
6º.
Sendo assim, diante de aparente conflito entre a necessidade de se proteger
a gestante e o nascituro e o conteúdo do mencionado dispositivo legal, o presente
trabalho terá por finalidade buscar compreender se é possível a concessão de
alimentos gravídicos em relacionamento entre mulheres.
Para isso, no segundo capitulo será apresentado um panorama da união
estável no mundo jurídico, destacando seu caminho de instituto não reconhecido à
entidade familiar, e posterior possibilidade de sua conversão em casamento.
No terceiro e quarto capítulos, a ideia desenvolvida abarcará a reprodução
assistida, método utilizado pelos casais homoafetivos para que possam realizar o
9
projeto da maternidade/paternidade, passando pelo tema da filiação.
No quinto capítulo será apresentado o tema da dupla maternidade, mostrando
como que os tribunais vem reconhecendo a possibilidade de uma criança ter duas
mães.
No sexto capítulo, análise acerca da prestação alimentícia, com sua definição,
características e pressupostos, destacando o dever de sustento dos pais em face
dos filhos.
No sétimo e oitavo capítulos, a Lei 11.804/08 será comentada em sua
totalidade, para posteriormente compreendermos qual a sua “ratio legis”.
No nono capítulo, será discutido o cerne do questionamento levantado, qual
seja, se é possível haver a fixação de alimentos gravídicos entre pessoas do mesmo
sexo.
10
2 A UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA NO MUNDO JURÍDICO
2.1 DO RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL COMO ENTIDADE FAMILIAR
À SUA EXTENSÃO AOS RELACIONAMENTOS HOMOAFETIVOS
Francisco Amaral ao definir a palavra “direito” afirma ter esta vários
significados, sendo o mais comum e frequentemente usado, a concepção de um
conjunto de prescrições disciplinadoras e organizadoras da vida em sociedade,
dotadas de juridicidade, elemento que as diferem das demais regras de
comportamento social e as conferem eficácia garantida pelo Estado.
Acrescenta que o direito, principalmente o direito civil, deve ser analisado
como um processo histórico, na medida que vai se formando com o passar dos
anos, sendo inerente à vida e à cultura dos povos.
2
A Constituição de 1988 abriu horizontes ao instituto jurídico da família,
atentando para a entidade familiar, planejamento familiar e assistência direta à
família.3
Importantes posicionamentos e entendimentos enraizados na sociedade
foram afrontados.
A visão patriarcal, no que se refere à sociedade conjugal, foi substituída pela
igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, os filhos havidos fora do
casamento passaram a ser reconhecidos como legítimos, reconheceu-se a família
monoparental bem como a união estável.
Da análise conjunta do art. 226 da Constituição Federal de 1988 e art. 1723
do Código Civil de 2002, conclui-se que a união estável entre homens e mulheres é
reconhecida como uma entidade familiar, desde que configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família.
2 AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 6º ed. Rio de Janeiro. Renovar, 2006. p. 2
3 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19º ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2011. p. 41
11
Art. 226,§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento. 4
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. 5
Os requisitos presentes no art. 1723 do CC/02 devem ser preenchidos sob
pena de não se ter o relacionamento reconhecido como união estável e,
consequentemente não produzir os efeitos daí recorrentes, como se pode perceber
na decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. AÇÃO MOVIDA PELA SUPOSTA
COMPANHEIRA. SITUAÇÃO RETRATADA QUE NÃO SE CARACTERIZA
COMO UNIÃO ESTÁVEL, RECONHECIDA COMO ENTIDADE FAMILIAR,
NOS TERMOS DO QUE DISPÕE A LEI Nº 9.278/96 (ART. 1º),
REPRODUZIDO NO ART. 1.723 DO CCB/02. AUSÊNCIA DE PROVA A
DETERMINAR
UM
JUÍZO
DE
CONVENCIMENTO
DE
QUE
EFETIVAMENTE HOUVE UMA UNIÃO ESTÁVEL ENTRE OS
CONVIVENTES, COM OS REQUISITOS DO AFFECTIO MARITALIS. AÇÃO
IMPROCEDENTE, SENTENÇA CONFIRMADA. APELAÇÃO DESPROVIDA,
POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70038877866 RS, Oitava Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Data de
Julgamento: 02/12/2010, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário
da Justiça do dia 10/12/2010)6
Assim, para a configuração da união estável, as provas ganham relevante
importância, devendo a parte requerente demonstrar de forma indubitável, por meio
de testemunhas, fotos, documentos, por exemplo, que foram preenchidos os
requisitos do art. 1723 CC/02. Por outro lado, cabe ao juiz analisar todos os fatos e
provas apresentadas, não podendo fundamentar sua decisão em mera aparência
sob pena de desrespeito ao princípio da motivação da decisão, conforme art. 93, IX
da Constituição Federal.
4 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
5 Código Civil de 2002
6 Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70038877866.
12
Art. 93, IX. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade,
podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e
a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação
do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação 7
Há que se ressaltar que quando o legislador constitucional afirmou ser
possível a união estável entre homens e mulheres e que esta seria reconhecida
como entidade familiar, omitiu-se quanto aos relacionamentos homoafetivos, o que
segundo Maria Berenice Dias não impediu que as pessoas do mesmo sexo
continuassem a se relacionar, pelo contrário, passaram a almejar tutela judicial.
Nem a ausência de leis nem a omissão do Judiciário podem ensejar a
consagração de injustiças. Preconceitos de ordem moral ou ética não
podem levar à omissão do Estado. Reconhecer como juridicamente
impossíveis pretensões de caráter patrimonial é chancelar o enriquecimento
sem causa de parentes, em prejuízo de quem muitas vezes dedicou uma
vida a outrem, participando na formação do acervo de bens. Descabe julgar
as opções de vida das partes. Há que se cingir o juiz em apreciar as
questões que lhe são postas, devendo centrar-se exclusivamente na
apuração dos fatos para encontrar uma solução que não se afaste de um
resultado justo. 8
Mas, apesar da omissão legislativa, o Poder Judiciário em 2011, em
posicionamento histórico, como afirmou o Min. Luiz Fux, em suas palavras
transcritas abaixo, estendeu direitos e deveres emanados da união estável entre
heterossexuais às relações homoafetivas, no julgamento da ADIN 4277.
Canetas de magistrados não são capazes de extinguir o preconceito, mas,
num Estado Democrático de Direito, detêm o poder de determinar ao
aparato estatal a atuação positiva na garantia da igualdade material entre os
indivíduos e no combate ostensivo às discriminações odiosas. Esta Corte
pode, aqui e agora, firmar posição histórica e tornar público e cogente que o
Estado não será indiferente à discriminação em virtude da orientação sexual
de cada um; ao revés, será o primeiro e maior opositor do preconceito aos
7 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
8 DIAS, Maria Berenice. Novos Contornos do Direito de Família. Disponível em
http://mariaberenice.com.br/uploads/1_-_novos_contornos_do_direito_de_fam%EDlia.pdf
13
homossexuais em qualquer de suas formas.
9
Diante do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, os
aplicadores do direito passaram a admitir a meação dos bens adquiridos pelo
esforço comum, bem como direitos relativos a previdência, dentre outros.
UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA - Ação de reconhecimento e dissolução
de união estável. Possibilidade de reconhecimento da união estável
homoafetiva incontroversa nos autos - Provas que permitem a conclusão
pela existência de vida comum - Requisitos bem delineados pela doutrina Existência da posse de estado de casado, consistente em relacionamento
público, notório, duradouro, que configure um núcleo familiar - Artigo 1.723
do novo Código Civil Conjunto probatório contundente neste sentidoManutenção integral da r. sentença de procedência- Recurso desprovido.
(TJ-SP - APL: 00601626720098260576 SP 0060162-67.2009.8.26.0576,
Relator: Moreira Viegas, Data de Julgamento: 20/02/2013, 5ª Câmara de
Direito Privado, Data de Publicação: 22/02/2013)10
A decisão acima é um exemplo de que os magistrados vem reconhecendo a
união estável entre casais do mesmo sexo e os reflexos daí resultantes.
2.2 CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO
EM CASAMENTO
Superada a discussão acerca da possibilidade do instituto da união estável
ser aplicado à relação homoafetiva, próxima indagação dirige-se a sua conversão
em casamento, a qual começou a ser solucionada com a Resolução do Conselho
Nacional de Justiça, aprovada em 2013, não podendo mais os cartórios se
recusarem a viabilizar este procedimento.
APELAÇÃO CÍVEL. CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA
EM CASAMENTO. CASAMENTO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DESCONSTITUIÇÃO DA
SENTENÇA PARA REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO. 1. Tendo em
9 Tribunal Superior de Justiça. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade. 2011.
10 São Paulo Tribunal de Justiça. Apelação Civil nº 00601626720098260576.
14
vista o julgamento da ADI nº 4.277 e da ADPF nº 132, resta superada a
compreensão de que se revela juridicamente impossível o reconhecimento
de união estável, em se tratando de duas pessoas do mesmo sexo. 2.
Considerando a ampliação do conceito de entidade familiar, não há como a
omissão legislativa servir de fundamento a obstar a conversão da união
estável.(TJ-RS - AC: 70048452643 RS , Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl,
Data de Julgamento: 27/09/2012, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação:
Diário da Justiça do dia 02/10/2012)11
APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL
HOMOAFETIVA EM CASAMENTO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO.
INCONFORMISMO DOS REQUERENTES. CASAMENTO ENTRE
PESSOAS DO MESMO SEXO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
ADI nº 4.277 e da ADPF nº 132. AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE
ENTIDADE FAMILIAR. OMISSÃO LEGISLATIVA QUE NÃO PODE SERVIR
DE FUNDAMENTO A OBSTAR A CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
HOMOAFETIVA EM CASAMENTO, NA MEDIDA EM QUE O
ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL CONFERE À FAMÍLIA A ESPECIAL
PROTEÇÃO DO ESTADO, ASSEGURANDO, ASSIM, QUE A CONVERSÃO
EM CASAMENTO DEVERÁ SER FACILITADA (ART. 226, § 3º, CF/88).
PROVIMENTO DO RECURSO.(TJ-RJ - APL: 00598497820128190000 RJ
0059849-78.2012.8.19.0000, Relator: DES. CLAUDIO BRANDAO DE
OLIVEIRA, Data de Julgamento: 03/07/2013, QUARTA CAMARA CIVEL,
Data de Publicação: 04/09/2013 17:13)12
Não se tendo um ordenamento jurídico compatível com a complexidade da
sociedade, ao que parece, o Poder Judiciário está fazendo as vezes do legislador.
Muito embora sabido do descompasso existente entre as alterações sociais e as
respectivas alterações normativas, não se pode empregar o discurso da ausência de
norma regulamentadora para se perpetuar o comportamento omisso diante da
pluralidade e complexidade dos aspectos que envolvem os relacionamentos
homoafetivos, carecedores de tutela do Estado.
Maria Berenice Dias (2010) afirma que “a omissão acaba por consagrar
violação aos direitos humanos, pois afronta a liberdade sexual, direito fundamental
do ser humano que não admite restrições de qualquer ordem”
13
11 Rio Frande do Sul. Tribunal de Justiça. Apelação Civil nº 70048452643.
12 Rio de Janeiro. Tribunal de Justiça. Apelação Civil nº 00598497820128190000.
13 DIAS, Maria Berenice. Uniões Homoafetivas. In: Pereira, Rodrigo da Cunha (Org.). Família e
Responsabilidade: Teoria e prática do direito de família. 1ª. ed. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010.
p. 29- 37
15
2.3 DECISÃO DO STF
Em 17 de março de 2015 o Superior Tribunal Federal manteve a decisão
proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná, a qual autorizava a adoção conjunta
por casal gay, em resposta ao recurso extraordinário interposto pelo Ministério
Público do mesmo estado. O Parquet alegou que o casal não formava uma entidade
familiar e por isso não estaria apto a adotar filhos conjuntamente.
O STF negou seguimento ao recurso conferindo ao casal Toni Reis e David
Harrad direito à adoção conjunta, além de se tornar válida a todos os casais
homoafetivos do país que buscam adotar.
De acordo com a ministra relatora Carmem Lúcia, a família formada por
pessoas do mesmo sexo é entidade familiar amparada pela Constituição e digna de
reconhecimento e proteção do Estado.
a Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a família
formalmente constituída e aquela existente ao rés dos fatos. Como também
não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e a
que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso que, sem
nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender
que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo “família” nenhum
significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. Recolheu-o com o
sentido coloquial praticamente aberto que sempre portou como realidade do
mundo do ser. Assim como dá para inferir que, quanto maior o número dos
espaços doméstica e autonomamente estruturados, maior a possibilidade
de efetiva colaboração entre esses núcleos familiares, o Estado e a
sociedade, na perspectiva do cumprimento de conjugados deveres que são
funções essenciais à plenificação da cidadania, da dignidade da pessoa
humana e dos valores sociais do trabalho. Isso numa projeção exógena ou
extramuros domésticos, porque, endogenamente ou interna corporis, os
beneficiários imediatos dessa multiplicação de unidades familiares são os
seus originários formadores, parentes e agregados. Incluído nestas duas
últimas categorias dos parentes e agregados o contingente das crianças,
dos adolescentes e dos idosos. Também eles, crianças, adolescentes e
idosos, tanto mais protegidos quanto partícipes dessa vida em comunhão
que é, por natureza, a família. Sabido que lugar de crianças e adolescentes
não é propriamente o orfanato, menos ainda a rua, a sarjeta, ou os guetos
da prostituição infantil e do consumo de entorpecentes e drogas afins. Tanto
16
quanto o espaço de vida ideal para os idosos não são os albergues ou
asilos públicos, muito menos o relento ou os bancos de jardim em que levas
e levas de seres humanos abandonados despejam suas últimas sobras de
gente. Mas o comunitário ambiente da própria família. Tudo conforme os
expressos dizeres dos artigos 227 e 229 da Constituição, este último alusivo
às pessoas idosas, e, aquele, pertinente às crianças e aos adolescentes.
Assim interpretando por forma não-reducionista o conceito de família, penso
que este STF fará o que lhe compete: manter a Constituição na posse do
seu fundamental atributo da coerência, pois o conceito contrário implicaria
forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso
indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico. Quando o certo − data
vênia de opinião divergente - é extrair do sistema de comandos da
Constituição os encadeados juízos que precedentemente verbalizamos,
agora arrematados com a proposição de que a isonomia entre casais
heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se
desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada
família. Entendida esta, no âmbito das duas tipologias de sujeitos jurídicos,
como um núcleo doméstico independente de qualquer outro e constituído,
em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e
durabilidade”. 14
A decisão é um marco histórico na seara dos relacionamentos homoafetivos.
3 REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Reprodução assistida pode ser definida como o conjunto de técnicas que tem
por finalidade tentar substituir a concepção natural quando há dificuldade ou
impossibilidade de um casal ou de um dos seus membros em conceber um filho.
As técnicas apresentam variantes, sendo chamadas de inseminação artificial
quando a fecundação ocorre dentro do corpo da mulher ou fertilização in vitro,
quando ocorre fora. São chamadas de homólogas, as inseminações que utilizam os
gametas do próprio casal e heterólogas caso os gametas sejam obtidos a partir de
doadores anônimos.
A utilização das técnicas de reprodução assistida ainda não foram objeto de
apreciação do Congresso Nacional, razão pela qual não há lei em sentido estrito
acerca do tema.
14 Em acórdão inédito, STF reconhece direito de adoção e denomina casais homoafetivos como
família. (2015, 19 de março). Revista Lado A. Recuperado a partir de
http://m.revistaladoa.com.br/2015/03/noticias/em-acordao-inedito-stf-reconhece-direito-adocaodenomina-casais-homoafetivos-como
:
17
Diante da ausência de atuação do legislador, e para melhor nortear os
aspectos desta questão, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução
nº1358/9215, que estabelece normas éticas para a utilização de práticas de
reprodução assistida, levando-se em consideração a importância da infertilidade
humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas.
Dispõe tal Resolução que as práticas tem a finalidade de auxiliar na solução
dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando
outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes, ressalvando que é
proibida a fecundação de oócitos humanos, com finalidade diversa desta.
Para o objetivo do estudo ora desenvolvido, o que melhor nos interessa está
disposto no tópico II, que trata dos usuários das técnicas.
1- Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja
indicação não se afaste dos limites desta Resolução, pode ser receptora
das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e
consciente em documento de consentimento informado.
2- Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do
cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de
consentimento informado. (grifo nosso)
Da leitura do excerto acima, depreendemos que a Resolução não faz
restrição quanto ao estado civil ou orientação sexual da mulher, tornando
perfeitamente possível uma mulher casada ou que mantenha união estável com
outra mulher fazer uso destas técnicas, desde que cumpra com alguns requisitos.
O primeiro deles refere-se a capacidade civil, exigindo que para se submeter
as técnicas a mulher seja plenamente capaz, ou seja, tenha completado 18 anos e
goze de boa saúde mental, de modo a ter pleno discernimento. O segundo, que a
utilização das práticas de reprodução assistida não podem ir de encontro ao
estabelecido na Resolução. Por fim, que haja consentimento do parceiro ou
companheiro quando recorrer a esta técnica.
Insta salientar que o consentimento é elemento de extrema importância,
15 Conselho Federal de Medicina. Resolução 1358/92
18
conforme preceitua Ana Amélia Ribeiro Sales (2014), 16 pois determinante para a
filiação.
Este posicionamento é reforçado pelo Código Civil de 2002 quando no seu
artigo 1597, inciso V, diz que os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga,
desde que tenha prévia autorização do marido, presumir-se-á concebidos na
constância do casamento.
Assim, uma vez que consentiu, o companheiro/cônjuge não poderá
posteriormente contestar a paternidade do nascido por meio da reprodução
assistida.
A mencionada autora, entretanto, destaca que a resolução
feria o princípio da igualdade na medida em que buscava efetivar o direito
fundamental de reprodução apenas às mulheres, não garantindo o mesmo
direito aos homens, criando desta forma, uma diferenciação no interior das
uniões homossexuais. Este é um dos motivos que podem ser apontados
como responsáveis pela revogação de Resolução 1358/92 e a edição de
uma nova Resolução pelo CFM, a de 1957/10.
A Resolução nº1.957 de 2010 17 alterou o tópico II que dispunha sobre os
usuários das técnicas de reprodução assistida, passando a estabelecer que
todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja
indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras
das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e
devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de acordo com a legislação
vigente. (grifo nosso)
Com a alteração, não somete mulheres, mas pares homossexuais masculinos
podem se submeter a este método de procriação.
Entretanto, mesmo com a substituição do termo “toda mulher” por “todas as
16 SALES, Ana Amélia Ribeiro. União Homoafetiva feminina e dupla maternidade : a possibilidade
jurídica de duas mães e um filho ante as técnicas de reprodução humana assistida. 1º edição.
Curitiba: Juruá. 2014. p. 50
17 Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1957/10.
19
pessoas capazes”, segundo o Conselho Federal de Medicina 18 os casais formados
por pessoas de mesmo sexo esbarravam em diferentes interpretações, uma vez que
qualquer pessoa poderia se submeter ao procedimento de RA desde que “nos
limites da resolução”.
Considerando, dentre outros fatores, que o avanço do conhecimento científico
permite solucionar vários casos de problemas de reprodução humana e que o pleno
do Supremo Tribunal Federal reconheceu e qualificou como entidade familiar a união
homoafetiva, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 2013/13 19 de
modo a deixar esse direito mais explicito afirmando que “é permitido o uso das
técnicas de RA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o
direito da objeção de consciência do médico”.
De acordo com o presidente do CFM, Roberto d'Avila 20 a nova medida é uma
demanda da sociedade moderna, devendo a medicina respeitar todos de maneira
igual.
4 FILIAÇÃO
Há não muito tempo, o Código Civil de 1916, Lei 3.071/16, dispensava
tratamento diferenciado aos filhos, classificando-os de acordo com a origem, ou
seja, se havidos do casamento ou não, de modo a serem divididos em “legítimos” ou
“ilegítimos”, fazendo reproduzir uma hierarquia entre eles.
No capítulo intitulado “da filiação legítima”, dispunha o artigo 337 que são
legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda que anulado, ou
mesmo nulo, se contraído de boa fé. Preceituava ainda - no art. 338 - quais os filhos
18 Novas regras de reprodução assistida destacam saúde da mulher e direitos reprodutivos para
todos.
(2013,
8
de
maio).
Conselho
Federal
de
Medicina.
Disponível
em:
http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23788%3Aresolucao-dereproducao-assistida-&catid=3%3Aportal&Itemid=1.
19 Conselho Federal de Medicina. Resolução nº2013/13
20 Novas regras de reprodução assistida destacam saúde da mulher e direitos reprodutivos para
todos.
(2013,
8
de
maio).
Conselho
Federal
de
Medicina.
Disponível
em:
http://portal.cfm.org.br/index.php?
20
considerados como havidos da constância do casamento.
Art. 338. Presumem-se concebidos na constância do casamento:
I. Os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de
estabelecida a convivência conjugal (art. 339).
II. Os nascidos dentro nos trezentos dias subsequentes à dissolução da
sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulação.
Art. 339. A legitimidade do filho nascido antes de decorridos os cento e
oitenta dias que trata o n. I do artigo antecedente, não pode, entretanto, ser
contestada:
I. Se o marido, antes de casar, tinha ciência da gravidez da mulher.
II. Se assistiu, pessoalmente, ou por procurador, a lavrar-se o termo de
nascimento do filho, sem contestar a paternidade.21
Os
filhos
ilegítimos
por
sua
vez,
advindos
de
relacionamento
extramatrimonial, eram divididos em naturais e espúrios, e estes, em adulterinos e
incestuosos.
Queiroga 22, quanto ao tema, ensina que
legítimos eram os que nasciam da relação de casamento civil; ilegítimos
eram os nascidos de relação extramatrimonial. Os ilegítimos dividiam-se em
naturais ou espúrios. Filhos ilegítimos naturais eram nascidos de pais que
não estavam impedidos de se casar. Os ilegítimos espúrios eram nascidos
de pais que não podiam se casar, em virtude de impedimento. Os espúrios
classificavam-se em adulterinos e incestuosos. Dava-se o primeiro caso,
quando o impedimento decorria de casamento dos pais. (...) Se o
impedimento para o matrimônio procedia de parentesco entre os pais, o filho
nascido dessa relação era chamado incestuoso
No capítulo “do reconhecimento dos filhos ilegítimos” dispunha o legislador
que os filhos incestuosos e os adulterinos não poderiam ser reconhecidos, ao
contrário dos filhos ilegítimos naturais, que uma vez legitimados por um dos
cônjuges eram comparados aos legítimos, sem, entretanto, poderem residir no lar
conjugal sem o consentimento do outro.
Art. 352. Os filhos legitimados são, em tudo, equiparados aos legítimos
21 Código Civil de 1916
22 QUEIROGA, Antônio Elias. Curso de Direito Civil – Direito de família. Rio de Janeiro: Renovar,
2004 .p. 212
21
Art. 355. O filho ilegítimo pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou
separadamente.
Art. 358. Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos
Art. 359. O filho ilegítimo, reconhecido por um dos conjugues, não poderá
residir no lar conjugal sem o consentimento do outro.
Em 1942 passou a não mais se proibir o reconhecimento dos filhos
adulterinos pelo pai desquitado e em 1949 tornou-se possível que aqueles
impetrassem ação de reconhecimento, desde que seu genitor não fosse mais
casado. Entretanto, até 1977 não tinham os mesmos direitos sucessórios que os
filhos legítimos.
A Lei 7.841 de 17 de outubro de 1989 revogou o art. 358 do Código de 1916 e
com o advento do Código Civil de 2002 afastou-se a ideia segundo a qual a família
formada pelo casamento era a única a merecer tutela estatal, bem como vetou
qualquer tratamento discriminatório com relação aos filhos, não mais se falando em
filhos “legítimos” e “ilegítimos”. Assim, admitiu-se que o homem – mesmo casado –
pudesse reconhecer o filho adulterino ou ser demandado em ação de paternidade.
Hoje, independentemente se havidos fora do casamento ou em sua constância,
todos os descendentes são apenas filhos, com diretos e qualificações iguais, como
bem expressa o art. 1.596 do Código Civil.
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação.
Fábio Ulhoa
espécies,
23
afirma que atualmente se classifica a filiação em quatros
classificação
esta
que
é
apenas
ilustrativa,
uma
vez
que
independentemente do tipo, os filhos gozam dos mesmos direitos e deveres, sendo
absolutamente idênticos.
Segundo o autor, a filiação pode ser dividida em havidas do casamento ou
fora dele e em biológica e não biológica, sendo esta última ramificada em filiação por
23 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, família e sucessões. 5ª edição. São Paulo: Saraiva.
2012. p. 364.
22
substituição, socioafeitva e adotiva.
Apesar da propagada ideia de igualdade entre os filhos, Maria Berenice Dias
(2015)24 afirma que embora proibido o tratamento distinto entre os filhos, “o Código
Civil trata em capítulos diferentes os filhos havidos da relação de casamento e os
havidos fora do casamento”, estes no capítulo “do reconhecimento dos filhos”,
aqueles no capítulo “da filiação”.
4.1 FILIAÇÃO BIOLÓGICA
Na filiação biológica o descendente carrega o material genético das pessoas
identificadas como seus genitores no seu registro civil. Ou seja, os pais, civilmente
falando, são aqueles que forneceram seus gametas para a concepção do indivíduo,
seja de modo natural ou não.
Quando decorrer de concepção não natural, estaremos diante de fertilização
in vitro, aplicando-se técnicas de fecundação assistida homóloga. Nesta técnica,
usa-se gametas do homem e da mulher que desejam ter um filho, mas por algum
motivo não conseguem ou tem dificuldade.
4.2 FILIAÇÃO NÃO BIOLÓGICA
Na filiação não biológica o filho não carrega a herança genética dos seus dois
pais, podendo ser subdividida em filiação adotiva, socioafetiva e por substituição.
A filiação adotiva, como o próprio nome indica, tem como base a adoção, que
é um processo judicial do qual decorre a substituição da filiação de uma pessoa.
Quando se estiver diante de situação que necessite de interferência estatal, a
adoção deve ser medida excepcional e irrevogável, a qual se deve recorrer apenas
24 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10º edição. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2015. p. 386
23
quando já houverem esgotados os recursos para a manutenção da criança na
família natural ou extensa. De acordo com o disposto no Estatuto da Criança e
Adolescente (Lei 8.069/90)25, o adotante deverá ter no máximo 18 anos, salvo se já
estiver na guarda ou tutela dos adotantes. Estes por sua vez, devem ter no minimo
18 anos e deve ser pelo o menos 16 anos mais velho que o adotado. Preceitua
ainda a Lei 8.069 que a adoção rompe com os vínculos (salvo os matrimoniais) do
adotado com seus pais biológicos e parentes, atribuindo condição de filho ao
adotado, tendo este os mesmo direitos e deveres – inclusive sucessórios - dos
filhos biológicos.
A filiação por substituição acontece quando há impossibilidade de uma mulher
e homem poderem conceber seu filho por esforço próprio, resultando assim, em
fecundação homóloga, heteróloga ou em gestação por substituição – a chamada
“barriga de aluguel”.
Quanto a esta última possibilidade, o Conselho Federal de Medicina por meio
da Resolução nº 2013/1326, estabeleceu que a doação temporária do útero não
poderá ter caráter lucrativo ou comercial e as doadoras devem pertencer à família de
um dos parceiros em um\zsaw3 parentesco consanguíneo até o quarto grau e
devem ter até 50 anos de idade.
De qualquer modo, independente da técnica utilizada, os pais serão os
“contratantes” da prestação.
A filiação socioafetiva a seu turno é constituída pelos aspectos das relações
sociais e emocionais, não resultando de laços biológicos tampouco de presunções
legais de paternidade.
5 O RECONHECIMENTO DA DUPLA MATERNIDADE
Como explicitado anteriormente, levando-se em conta o atual estágio e
25 Lei 8.069. Estatuto da Criança e do Adolescente.
26 Conselho Federal de Medicinal. Resolução nº 2013/13
24
avanços na área da medicina é perfeitamente viável a possibilidade de procriação
utilizando-se material genético de doador para a reprodução assistida heteróloga.
Em se tratando de relacionamento entre mulheres, uma delas poderá ser a
doadora do material genético unido com o material genético do doador, podendo ela
mesma gestar ou tal função ficar a cargo da outra parceira.
Mas, independentemente de quem seja a doadora dos óvulos e de quem
desenvolverá a gestação, o cerne da questão passa pela relação de parentesco,
buscando compreender se nestes casos há uma dupla maternidade ou se a mãe é
somente aquela que doou material genético.
O legislador brasileiro ainda não apresentou resposta a este questionamento,
não podendo se falar, portanto, em um ordenamento jurídico compatível com a
complexidade da sociedade, tendo o Poder Judiciário feito suas vezes.
Entretanto, apesar do descompasso entre as alterações sociais e as
respectivas alterações normativas, não há que se empregar o discurso da ausência
de norma reguladora para se perpetuar o comportamento omisso diante da
pluralidade e complexidade dos aspectos que envolvem os relacionamentos
homoafetivos, carecedores de tutela do Estado.
Maria Berenice Dias
27
ressalta, então, que a responsabilidade do Poder
Judiciário aumenta, devendo este assegurar tratamento isonômico e proteção
igualitária a todos quando o legislador se omite. Omissão que dificulta o
reconhecimento dos direitos atinentes às minorias, principalmente quando diante de
situações que se afastam dos padrões convencionais.
Segundo Ana Carla Harmatiuk Matos a resposta a este questionamento não
está consolidada, ainda se encontrando em fase de construção, que possui como
referencial legislativo o Texto Constitucional de 1988, o Estatuto da Criança e
Adolescente e o Código Civil de 2002, bem como a nova lei da adoção, os quais
27 DIAS, Maria Berenice. Uniões Homoafetivas. In: Pereira, Rodrigo da Cunha (Org.). Família e
Responsabilidade: Teoria e prática do direito de família. 1ª. ed. Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2010.
p. 29- 37
pag. 30
25
“apresentam-se como um sistema aberto, de modo a dialogar com as
transformações sociais”. 28
Dias acrescenta que excluir os homossexuais do direito de constituírem uma
família e, consequentemente restringirem a possibilidade de crianças e adolescentes
viverem em lares com pessoas do mesmo sexo é uma postura discriminatória com
caráter punitivo. Ademais, “os vínculos de filiação não podem ser buscados na
realidade biológica, e a definição da paternidade está condicionada à identificação
da posse do estado de filho”.29
O Poder Judiciário pátrio, ao que parece, está pautando suas decisões nos
referenciais acima mencionados.
Em recente sentença, a Juíza Paula Murça Machado Rocha Moura da Vara
de Registro Público da Comarca de Belo Horizonte determinou que no registro do
menor constasse o nome das requerentes como mães. Alegou que não se poderia
cometer injustiças apenas pela inexistência de normas expressas e que uma vez
reconhecida a união formada por pessoas do mesmo sexo como entidade familiar,
não há como impedir que as partes tenham acesso às técnicas e procedimentos
necessários para gerarem seus descendentes. Afirmou ainda que sua decisão não
iria de encontro ao melhor interesse do menor, haja vista existência de estudos que
concluem pelo não prejuízo de qualquer natureza para as crianças criadas por
entidade familiar composta de pessoas do mesmo sexo.
30
Quanto aos estudos mencionados na decisão acima, recorremos ao RESP
nº889.852/RS para melhor entendimento. Na decisão, o ministro Luis Felipe
Salomão31 destaca que os estudos indicam que
28 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. In: Pereira, Rodrigo da Cunha (Org.). Família e Responsabilidade:
Teoria e prática do direito de família. 1ª. ed. Porto Alegre: Magister/IBDFAM. 2010. p. 44
29 DIAS, Maria Berenice. In: Pereira, Rodrigo da Cunha (Org.). Afeto, Ética, Família e o Novo Código
Civil. 1ª ed. Belo Horizonte : Del Rey. 2004. p. 394
30 Minas Gerais. Tribunal de Justiça. Sentença disponível em:
http://www.direitohomoafetivo.com.br/jurisprudencia.php?a=38&s=72#t
31 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 889852/RS.
26
- ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de gerar, quanto na
circunstância de amar e servir;
- nem sempre, na definição dos papéis maternos e paternos, há
coincidência do sexo biológico com o sexo social;
- o papel de pai nem sempre é exercido por um indivíduo do sexo
masculino;
- os comportamentos de crianças criadas em lares homossexuais “não
variam fundamentalmente daqueles da população em geral;
- as crianças que crescem em uma família de lésbicas não apresentam
necessariamente problemas ligados a isso na idade adulta;
- não há dados que permitam afirmar que as lésbicas e os gays não são
pais adequados ou mesmo que o desenvolvimento psicossocial dos filhos
de gays e lésbicas seja comprometido sob qualquer aspecto em relação aos
filhos de pais heterossexuais;
- educar e criar os filhos de forma saudável o realizam semelhantemente
os pais homossexuais e os heterossexuais;
- a criança que cresce com 1 ou 2 pais gays ou lésbicas se desenvolve
tão bem sob os aspectos emocional, cognitivo, social e do funcionamento
sexual quanto à criança cujos pais são heterossexuais.
Estes estudos, portanto, sinalizam para a ausência de prejuízos para a
criança que convive e é educada por um casal homossexual.
No mesmo sentido que a juíza mineira, decidiu o Desembargador Luciano
Silva Barreto do Tribunal do Rio de Janeiro ao afirmar que no caso em análise o
elemento social e afetivo da parentalidade se sobressai , sendo a menor fruto de
reprodução assistida heteróloga, projeto pensado e desejado pelas requerentes.
Ademais, ressalta que o registro deve ser realizado, sendo observado o interesse da
menor, à luz do art. 100, inciso IV da Lei 8.069/90 .
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JURISDIÇÃO
VOLUNTÁRIA. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE DUPLA MATERNIDADE.
PARCEIRAS DO MESMO SEXO QUE OBJETIVAM A DECLARAÇÃO DE
SEREM GENITORAS DE FILHO CONCEBIDO POR MEIO DE
REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA, COM UTILIZAÇÃO DE
GAMETA DE DOADOR ANÔNIMO. AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO LEGAL
EXPRESSA QUE NÃO É OBSTÁCULO AO DIREITO DAS AUTORAS.
DIREITO QUE DECORRE DE INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DE
DISPOSITIVOS E PRINCÍPIOS QUE INFORMAM A CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA NOS SEUS ARTIGOS 1º, INCISO III, 3º, INCISO IV, 5º, 226, §
7º, BEM COMO DECISÕES DO STF E STJ. EVOLUÇÃO DO CONCEITO
DE FAMÍLIA. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA QUE IMPÕE O
REGISTRO PARA CONFERIR-LHE O STATUS DE FILHO DO CASAL. (TJRJ - APL: 00177955220128190209 RJ 0017795-52.2012.8.19.0209, Relator:
27
DES. LUCIANO SILVA BARRETO, Data de Julgamento: 07/08/2013,
VIGÉSIMA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 04/04/2014 16:20) 32
Uma vez que os tribunais brasileiros apontam para a homoparentalidade,
delineando o parentesco entre o casal homoafetivo e os nascidos da relação por
meio de reprodução assistida, é imperioso suscitar que este reconhecimento pode
vir a ser elemento essencial quanto a prestação de alimentos.
6 ALIMENTOS
6.1 CONCEITO
Antes de maiores digressões acerca do tema, se faz necessário apresentar
um conceito, mesmo que sucinto, de alimentos.
De acordo com o artigo 1.694 do Código Civil,
33
os alimentos são prestações
das quais o alimentando necessita para viver de modo compatível com a sua
condição social, incluindo também as necessidades de sua educação.
Yussef Said Cahali 34 nos ensina que a prestação alimentar é uma obrigação
imposta em razão de uma causa jurídica prevista em lei. Acrescenta que a palavra
“alimentos” significa
tudo o que é necessário para satisfazer aos reclamos da vida; são
prestações com as quais podem ser satisfeitas as necessidades vitais de
quem não pode provê-las por si; mais amplamente, é a contribuição
periódica assegurada a alguém, por um título de direito, pare exigi-la de
outrem, como necessária a sua manutenção
32 RIO DE JANEIRO. Tribunal de justiça. Apelação Civil nº 00177955220128190209.
33 Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de
que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às
necessidades de sua educação.
§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos
da pessoa obrigada.
34 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 15
28
Flávio Tarttuce
35
por sua vez, afirma que os alimentos devem assegurar a
dignidade do credor, englobando, assim, as necessidades vitais como alimentação,
saúde, moradia, dentre outras.
No mesmo sentido, Pablo Stolze e Pamplona Filho
36
defendem que a
obrigação alimentar se consubstancia nas prestações necessárias para a vida e
dignidade do alimentando, dignidade que aliás é um dos princípios básicos do
ordenamento pátrio.
Carlos Roberto Gonçalves 37, na lição de Sílvio Rodrigues, esclarece que
a tendência moderna é a de impor ao Estado o dever de socorro dos
necessitados, tarefa que ele se desincumbe, ou deve desincumbir-se, por
meio de sua atividade assistencial. Mas, no intuito de aliviar-se desse
encargo, ou na inviabilidade de cumpri-lo, o Estado o transfere, por
determinação legal, aos parentes, cônjuges ou companheiros do
necessitado, cada vez que aqueles possam atender a tal incumbência
6.2 ESPÉCIES
Os alimentos podem ser divididos em diversas espécies, sendo classificados
pelos doutrinadores sob vários aspectos.
De certo, cada um dos autores apresenta sua própria classificação.
Entretanto, não é pertinente à finalidade do trabalho jugar ou analisar a adequação
de cada uma, tão somente apresentar de modo didático a ideia de alguns autores.
Sendo assim, será utilizada a divisão feita por Cahali (2012), 38 com eventuais
apontamentos de outros autores.
O mencionado autor divide os alimentos quanto à natureza, a causa jurídica,
35 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 4ª ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
p. 894
36 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil. 2ªed. São Paulo:
Saraiva. 2014. p. 765
37 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva. 2012.
38CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.
18
29
ao momento da prestação, à modalidade e de acordo com a finalidade, conforme
será expresso a seguir.
I) Quanto à natureza:
Segundo este critério os alimentos podem ser naturais ou civis. Os primeiros
são aqueles relacionados com o mínimo necessário para a manutenção do
indivíduo, abrangendo a alimentação, vestuário, moradia, dentre outros. Os
segundos são compreendidos para além desse limite, abarcando, por exemplo, as
necessidades intelectuais e morais do alimentado.
II) Quanto à causa jurídica:
Segundo o autor usado com referência, os alimentos são resultado da lei ou
de uma atividade do homem. No primeiro caso, o ordenamento jurídico estabelece
situações das quais nasce a obrigação alimentícia, podendo decorrer da relação de
sangue, parentesco ou natureza familiar e matrimônio.
No segundo caso, podem os alimentos decorrerem da atividade do homem,
seja por sua própria vontade, seja por ter cometido ato ilícito.
Os voluntários são fruto de uma declaração de vontade, inter vivos ou causa
mortis, em razão de um contrato ou disposição de última vontade, como, por
exemplo, a constituição de uma renda vitalícia ou usufruto.
Quanto à obrigação resultante de ato ilícito, esta apresenta-se como uma
indenização, por exemplo, em caso de homicídio do provedor da família, podendo
seus dependentes pleitearem alimentos.
III) Quanto ao momento da prestação:
Nesta categoria, será apresentada a distinção feita por Tartuce
39
, por
considerá-la um pouco mais elucidativa, data máxima vênia.
39 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 4ª ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2014. p. 903.
30
De acordo com o autor, são denominados de pretéritos os alimentos que
ficaram no passado e por via de regra não podem ser mais pleiteados, salvo se já
fixados em sentença ou em acordo e desde que não alcançados pela prescrição,
Os alimentos presentes são os atuais e os futuros são os alimentos ainda
pendentes, que poderão ser pleiteados.
V) Quanto à modalidade:
Esta categoria subdivide a prestação alimentar em própria e imprópria, aquela
se refere ao necessário para a manutenção do indivíduo, enquanto esta representa
os meios idôneos para aquisição de bens fundamentais à subsistência.
V) Quanto à finalidade:
Os alimentos definitivos (regulares) são, via de regra, fixados por meio de
sentença ou decisão judicial, cabendo, ao contrário do que a nomenclatura indica,
revisão quando há alteração no binômio/trinômio necessidade – possibilidade –
proporcionalidade.
Alimentos provisórios são concedidos liminarmente antes da decretação da
sentença, conforme disposição da Lei 5.478/68. Neste caso, há que falar em prova
de parentesco ou de casamento.
Os alimentos provisionais estão disciplinados no art. 1.706 do CC e segundo
Tartuce 40 são
estipulados em outras ações que não seguem o rito especial mencionado,
visando manter a parte que os pleiteia no curso da lide (ad litem). São
fixados por meio de antecipação de tutela ou em liminar concedida em
medida cautelar de separação de corpos em ações em que não há a
mencionada prova pré-constituída, caso da ação de investigação de
paternidade ou da ação de reconhecimento e dissolução da união estável
Por fim, os alimentos transitórios são fixados por período de tempo
determinado. Nesta hipótese, leva-se em consideração, por exemplo, a possibilidade
40TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 4ª ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
p. 904.
31
e capacidade do ex-cônjuge de voltar ao mercado de trabalho, atingindo sua
independência financeira, não necessitando que seja tutelado pelo alimentante.
6.3 PRESSUPOSTOS DE FIXAÇÃO : BINÔMIO NECESSIDADE POSSIBILIDADE
O art. 1.69541 do Código Civil preceitua que os alimentos são devidos àqueles
que não podem prover sua manutenção, pois não possuem bens suficientes para tal
ou não podem prover por meio de seu trabalho. Por outro lado, aquele de quem se
reclama, pode fornecê-los sem que desfalque o necessário ao seu sustento.
Significa dizer, portanto, que por um lado há a necessidade de assegurar a
manutenção digna do indivíduo que não consegue se prover por seu esforço, por
outro, que o obrigado a prestar auxílio deve fazê-lo sem que afete seu próprio
sustento.
Da leitura e interpretação do excerto depreende-se, então, o que a doutrina
comumente denomina de binômio necessidade – possibilidade.
Entretanto, doutrina mais moderna sinaliza para a fixação dos alimentos
baseada em um trinômio, de modo a não se basear tão somente nos elementos da
necessidade e possibilidade, mas também na razoabilidade ou proporcionalidade.
Ou seja, não se leva em conta apenas a necessidade do credor ou a
capacidade financeira do devedor, mas a análise e aplicação conjunta destes dois
parâmetros.
A ideia do trinômio, conforme destaca Tartuce (2014) 42, é defendida por Maria
Helena Diniz e Paulo Lôbo, os quais incorporam como terceiro elemento a
proporcionalidade e razoabilidade, respectivamente.
41 Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem
pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecêlos, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
42TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 4ª ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
p. 895.
32
O autor destaca ainda que a
a razoabilidade ou proporcionalidade deve ser elevada à condição de
requisito fundamental para se pleitear os alimentos. Sendo assim, é possível
rever aquela antiga ideia de que os alimentos visam à manutenção do status
quo da pessoa que os pleiteia. Concretamente, é irrazoável pensar que uma
mulher jovem, que tem plena condição e formação para o trabalho, pode
pleitear alimentos do ex-marido, mantendo-se exclusivamente pela condição
de ex-cônjuge.43
6.4 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
I) Caráter personalíssimo
Por visarem a integridade do alimentado, os alimentos são destinados em
razão da pessoa daquele que necessita, não podendo ser cedidos a outrem ou
pleiteados por uma pessoa em nome de outra (art. 6º CPC).
44
Cabe fazer uma diferenciação entre alimento intuito persoane e intuito
familiae. O primeiro, como já explicado é fixado em razão da pessoa, o segundo não
leva em conta uma única pessoa, mas toda a família. Assim, quando da revisão dos
alimentos instituídos intuito familiae, em virtude de um dos alimentandos não mais
necessitar, o valor a ser reduzido pode não ser aritmético. Ou seja, o montante
reduzido não será necessariamente proporcional ao necessário para a manutenção
dos que ainda necessitam.
II) Reciprocidade
A princípio cabe ressaltar que este elemento não significa que duas pessoas
devam alimentos entre si simultaneamente, mas que entre pais e filhos há direito de
prestação de alimentos, sendo estendido a todos os ascendentes, recaindo a
obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros, conforme nos ensina
43 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 4ª ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método,
2014. p. 895.
44 Art. 6o Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
33
o art. 1.69645 do Código Civil.
Entretanto, importante lembrar que o dever de prestar alimentos cessa
quando do casamento, união estável ou concubinato do credor, bem como se tiver
procedimento indigno em relação ao devedor.
III) Proximidade
O final do art. 1.696 do CC, já mencionado acima, traz o elemento da
proximidade, estabelecendo que a obrigação de prestar alimentos terá como
devedor aquele que for de grau mais próximo. Isso significa que o alimentando
deverá dirigir seu pedido primeiramente ao seus genitores, devendo acionar seus
avós quando aqueles já estiverem falecidos ou não tiverem condições financeiras de
suportar tal ônus.
IV) Irrenunciabilidade
O art. 1.707 do CC afirma não ser possível ao credor renunciar o direito de
alimentos, haja vista que a finalidade destes é proteger a vida daquele que
necessita, sendo, assim, um direito inerente à personalidade, tutelado pelo Estado
com normas de ordem pública, sendo, portanto, irrenunciável.
Yussef Said Cahali
46
afirma, entretanto, que a irrenunciabilidade alcança o
direito e não o seu exercício. Desta forma, o credor não pode renunciar a alimentos
futuros, mas aos alimentos devidos e não prestados.
V) Irrepetibilidade
Não há no ordenamento pátrio disposição expressa referente a este
elemento, resultando, portanto, da prática nos tribunais.
Tal elemento pressupõe que uma vez prestados os alimentos, estes não
podem ser pleiteados de volta, caso haja pagamento a mais ou indevido.
45 Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os
ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
46 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 50.
34
Entretanto, há autores como Leandro de Faria Beraldo
47
e Cahali
48
que
defendem que em se tratando de má-fé, fraude ou dolo, dependendo do caso
concreto, pode haver sim devolução da quantia paga.
VI) Incompensabilidade
Em decorrência da finalidade da prestação alimentícia, a qual pretende
assegurar ao beneficiário meios indispensáveis a sua manutenção, o art. 1.707 do
CC veda expressamente a compensação em seara de alimentos, ou seja, não se
admite que estando o alimentado em débito com o alimentante, este se exima de
sua obrigação, exigindo a compensação das obrigações.
Entretanto,
a
doutrina
defende
algumas
ressalvas
ao
princípio
da
incompensabilidade, de modo a não se haver configurado enriquecimento sem
causa, por exemplo.
VII) Impenhorabilidade
é elemento de decorrência lógica da finalidade dos alimentos. Se estes são
prestados ao alimentado, o qual precisa do recurso para sua manutenção, não é
cabível que se admita que as prestações alimentícias sejam penhoradas. Desta
forma, não pode o credor do beneficiado privá-lo de algo essencial à sua
subsistência.
VIII) Intransmissibilidade
Característica um tanto quanto polêmica, uma vez que não há consenso
quanto a extinção da obrigação alimentar, quando da morte do devedor ou credor.
O entendimento encontrado em Yussef Said Cahali
49
é de que se o credor
47BERALDO, Leonardo de Faria. Alimentos no Código Civil: aspectos atuais e controvertidos com
enfoque na jurisprudência. 1º ed. Belo Horizonte: Fórum. 2012. p. 21.
48 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.. p.107.
49 BERALDO, Leonardo de Faria. Alimentos no Código Civil: aspectos atuais e controvertidos com
enfoque na jurisprudência. 1º ed. Belo Horizonte: Fórum. 2012. p. 51.
35
vier a falecer, seus herdeiros não o sucederiam neste direito.
Este raciocínio também se aplicaria ao devedor com a ressalva que se
houvesse prestações em atraso, estas deveriam ser pagas aos sucessores deste,
uma vez que a prestação não paga se constituiria sob a forma de dívida, devendo,
então, incorporar o passivo do espólio.
IX) Imprescritibilidade
Aquele que tem direito a requerer alimentos pode fazê-lo a qualquer tempo,
uma vez que seu direito não se perde com o decurso do tempo.
Não há que confundir, entretanto, o direito de pleitear alimentos com a sua
cobrança, ocorrendo prescrição apenas na última hipótese.
De acordo com o parágrafo segundo do art. 206 do CC, prescreve em dois
anos a pretensão para haver prestações alimentares, contando a partir da data que
venceram.
Frisa-se que em se tratando de incapaz, a prescrição para ele não corre, de
modo que mesmo que este não tenha cobrado o valor que lhe é devido, o devedor
não poderá se eximir de pagar sob a alegação do decurso do tempo.
X) Anterioridade
De acordo com este elemento, os alimentos são pagos antecipadamente,
devendo ser pagos, de modo geral, no início de cada mês e sendo a este referente.
Isso decorre do fato do alimentado necessitar desta verba para seu sustento e
gastos corriqueiros, devendo ser assistido de forma imediata.
XI) Atualidade
Em razão da inflação o valor pago pelo devedor deve ser corrigido, usando
como parâmetro o IPCA ou o salário mínimo, por exemplo.
XII) Irretroatividade
36
Significa dizer que os alimentos “passados” não podem ser requeridos. Ou
seja, entende-se que se o necessitado não pleiteou seu direito, não precisava da
verba para sua sobrevivência, não podendo posteriormente reivindicar direito não
exercido.
XIII) Divisibilidade
O art. 1.698 estabelece que “se o parente, que deve alimentos em primeiro
lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados
a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar
alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e,
intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a
lide”. 50
Isso significa dizer que os alimentos devem ser prestados pelos obrigados
primários, dentro de suas possibilidades, e, no caso de impossibilidade, buscar-se-á
a satisfação do direito do necessitado nos obrigados secundários.
XIV) Não cedibilidade
Decorre da natureza do alimento, o qual é prestado em razão da pessoa do
necessitado, possuindo caráter estritamente pessoal, de modo a não poder ser
cedido a terceiro.
XV) Alternatividade
O artigo 1.70151 do Código Civil estabelece que os alimentos podem ser
prestados de forma diversa a pecuniária. Isso significa dizer que o devedor pode
tanto pagar a pensão em dinheiro como pode manter o credor em sua própria casa,
50 Código Civil de 2002.
51 Art. 1.701. A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe
hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando
menor.
Parágrafo único. Compete ao juiz, se as circunstâncias o exigirem, fixar a forma do cumprimento da
prestação.
37
ou ainda pode repassar seu vale transporte ou vale alimentação, por exemplo, como
exemplifica Leonardo de Faria Beraldo. 52
XVI) Não transacionável
Ao que parece, parte da doutrina entende que o direito a alimentos não pode
ser passível de transação, em virtude de sua finalidade e caráter pessoal, o que
justificaria determinadas limitações a autonomia da vontade. Caso tal hipótese fosse
permitida, restaria configurada renúncia ao direito a alimentos.
XVII) Periodicidade
Caso a obrigação alimentar não seja prestada por meio da hospedagem,
acolhimento e sustento, se cumprirá por meio da prestação pecuniária.
Quando assim for, se fixará de quanto em quanto tempo deverá a quantia ser
paga, sendo mais comum, o pagamento mensal, de certo que não óbice ao
pagamento semanal ou quinzenal, por exemplo.
XVIII) Preferencialidade e indeclinabilidade
Uma vez que os alimentos são destinados à sobrevivência do alimentado, o
crédito alimentar tem preferência sobre os demais.
Entende-se que a satisfação do crédito não pode esperar, devendo ser
executado tão logo seja possível, não causando danos a integridade do alimentado.
Cabe ressaltar que a lei estabelece meios coativos para facilitar ou promover
o adimplemento da obrigação.
Ademais, há que falar que o devedor não pode declinar de sua obrigação, ou
seja, não pode se esquivar de pagar o devido mesmo que esteja sofrendo
condenação criminal, por exemplo.
52 BERALDO, Leonardo de Faria. Alimentos no Código Civil: aspectos atuais e controvertidos com
enfoque na jurisprudência. 1º ed. Belo Horizonte: Fórum. 2012. p.32.
38
6.5
DEVER DE SUSTENTO
Como mencionado anteriormente, o Estado se desincumbe de sua tarefa de
assistência aos necessitados, transferindo-a, por determinação legal, aos parentes,
cônjuges ou companheiros daquele que necessita.
Em se tratando da relação entre pais e filhos, dispõe o art. 1566, inciso IV do
Código Civil que é dever de ambos os cônjuges o sustento, guarda e educação dos
filhos, de onde depreendemos ser estas obrigações.
Estas obrigações por sua vez tem causa no poder familiar, instituto
apresentado no capítulo V do Código Civil de 2002, que outorga certas prerrogativas
aos pais para que eles possam cumprir com seus deveres.
Conforme nos ensina Cahali 53
para permitir aos pais o desempenho eficaz de suas funções, a lei provê os
genitores de poder familiar, com atribuições que não se justificam senão por
sua finalidade. São direitos a eles atribuídos para lhes permitir o
cumprimento de sua obrigações em relação à prole. Não há poder familiar
senão porque deles se exigem obrigações que assim se expressam:
sustento, guarda e educação dos filhos
Importante ressaltar que enquanto menores os filhos, não há que falar em um
direito autônomo de alimentos, haja vista que há uma obrigação de assistência
paterna, decorrente do dever de sustentar e criar a prole. 54
Não se deve confundir também o dever de sustento com o dever de prestar
alimentos, tendo este base na necessidade do credor e possibilidade do devedor.
Quanto ao pressuposto para a concessão e características da prestação
alimentar, tal temática já fora exposta em momento oportuno, cabendo no momento
explicitar outras nuances.
Quando da obrigação alimentar em seara de filhos menores de idade, tem-se
que a necessidade é presumida, o que significa dizer que os genitores – ou um
53 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.. p. 333
54 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 333
39
deles- será compelido a pagar a “pensão” enquanto seu descendente não completar
18 anos, o que não quer dizer, entretanto, que o valor a ser pago não obedecerá
nenhum parâmetro, devendo se observar a aplicação do binômio necessidade –
possibilidade.
A ideia explicitada acima encontra respaldo em decisão proferida do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, conforme se segue.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS. FILHA MENOR DE
IDADE. BINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADES. NECESSIDADES
PRESUMIDAS. As necessidades dos filhos menores de idade são
presumidas, competindo aos genitores lhes prestar assistência na medida
de suas possibilidades. Entretanto, a fixação dos alimentos exige o
equilíbrio entre a necessidade e a possibilidade, razão pela qual é inviável
deferir os alimentos no valor pugnado. NEGARAM PROVIMENTO AO
RECURSO.
(TJ-RS - AI: 70064597404 RS , Relator: Alzir Felippe Schmitz, Data de
Julgamento: 25/06/2015, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário
da Justiça do dia 30/06/2015)55
Os filhos que completam 18 anos, por sua vez, não gozam mais da presunção
absoluta de necessidade, de modo a terem que comprovar que ainda carecem de
assistência. Este entendimento é defendido no Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
conforme pode-se verificar a seguir.
EMENTA: AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA - FILHO
MAIOR - COMPROVAÇÃO DA REAL NECESSIDADE DOS ALIMENTOS IMPOSSIBILIDADE NÃO VERIFICADA - AUSÊNCIA DE PROVA DO
LABOR
RECURSO
DESPROVIDO.
1. A maioridade extingue a presunção da necessidade dos alimentos,
devendo o beneficiário comprovar, a partir de então, além da
possibilidade do alimentante de suportar a pensão alimentícia, a sua
real necessidade, devendo subsistir o pensionamento se comprovado
que o requerido vive em estado de penúria e que não exerce atividade
laborativa.
2. Recurso desprovido. (grifo nosso)
(TJMG - Apelação Cível 1.0447.13.000887-6/001, Relator(a): Des.(a)
Teresa Cristina da Cunha Peixoto , 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
16/04/0015,
publicação
da
súmula
em
28/04/2015) 56
55 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70064597404 RS
56 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Civil nº 1.0447.13.000887-6/001
40
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS.
FILHA MAIOR. REGIME DE ESTUDOS COMPATÍVEL COM O TRABALHO.
AUSÊNCIA DE PROVA DA NECESSIDADE DO PENSIONAMENTO.
SENTENÇA
MANTIDA.
- Alcançada a maioridade do filho a pensão alimentícia pode subsistir
em razão da relação de parentesco e não mais com base no dever de
sustento.
- Incumbe à filha maior o ônus de comprovar a necessidade dos
alimentos, demonstrando sua incapacidade de prover sua própria
mantença.
- Observadas as condições sociais dos envolvidos, a freqüência a aulas não
implica na necessidade de alimentos se o regime de estudos é compatível
com
o
desempenho
de
atividade
remunerada.
- Recurso não provido. (grifo nosso)
(TJMG- Apelação Cível 1.0512.12.004221-7/003, Relator(a): Des.(a) Heloisa
Combat , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/07/0015, publicação da
súmula em 08/07/2015)57
Ambas as decisões afirmam que com a maioridade cessa o poder familiar, o
que não significa que cesse o dever de prestar alimentos de forma automática. Há
que falar, no entanto, na extinção da presunção da necessidade da prestação
alimentar, de modo a ter o beneficiado de comprovar a sua necessidade e a
possibilidade do alimentante de suportar a obrigação.
O Superior Tribunal de Justiça, conforme Resp. 688.902 de relatoria do Min.
Fernando Gonçalves também assinala para a necessidade de comprovação da real
necessidade do filho que já completou a maioridade.
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA
COM A MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. IMPOSSIBILIDADE.
PRECEDENTES. 1. Com a maioridade cessa o poder familiar, mas não se
extingue, ipso facto, o dever de prestar alimentos, que passam a ser
devidos por força da relação de parentesco. Precedentes. 2. Antes da
extinção do encargo, mister se faz propiciar ao alimentando oportunidade
para comprovar se continua necessitando dos alimentos. 3. Recurso
especial não conhecido.
(STJ , Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento:
16/08/2007, T4 - QUARTA TURMA)58
57 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Civil nº 1.0512.12.004221-7/003
58 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 688.902
41
Indo um pouco além, a Min. Nancy Andrighi no Resp. 1198105 também
ressalta a necessidade de prova quando da requisição de alimentos pelo filho maior
de idade. No entanto, este ônus provatório será afastado no caso do filho que
prossiga nos estudos após a maioridade.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ALIMENTOS.
EXONERAÇÃO.MAIORIDADE. NECESSIDADE. ÔNUS DA PROVA. 1. O
advento da maioridade não extingue, de forma automática, o direito à
percepção de alimentos, mas esses deixam de ser devidos em face do
Poder Familiar e passam a ter fundamento nas relações de parentesco, em
que se exige a prova da necessidade do alimentado. 2. A necessidade do
alimentado, na ação de exoneração de alimentos,é fato impeditivo do direito
do autor, cabendo àquele a comprovação de que permanece tendo
necessidade de receber alimentos. 3. A percepção de que uma determinada
regra de experiência está sujeita a numerosas exceções acaba por impedir
sua aplicação para o convencimento do julgador, salvo se secundada por
outros elementos de prova. 4. Recurso provido.
(STJ
, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento:
01/09/2011, T3 - TERCEIRA TURMA)59
Apesar de desonerar o filho maior de provar a sua necessidade na hipótese
de estar estudando, a Ministra ressalta no Resp. 1.218. 510 que a obrigação
alimentar persistirá tão somente até findar o curso de graduação. Afirma que o
estímulo à qualificação profissional dos descendentes não pode ser imposta ao pais
de forma perene.
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
ALIMENTOS.
CURSOSUPERIOR
CONCLUÍDO.
NECESSIDADE.
REALIZAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO.POSSIBILIDADE. 1 O advento da
maioridade não extingue, de forma automática, o direito à percepção de
alimentos, mas esses deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e
passam a ter fundamento nas relações de parentesco, em que se exige a
prova da necessidade do alimentado. 2. É presumível, no entanto, presunção iuris tantum -, a necessidade dos filhos de continuarem a receber
alimentos após a maioridade, quando frequentam curso universitário ou
técnico, por força do entendimento de que a obrigação parental de cuidar
dos filhos inclui a outorga de adequada formação profissional. 3. Porém, o
estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode ser imposto
aos pais de forma perene, sob pena de subverter o instituto da
obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco,que tem por
59 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1198105
42
objetivo, tão só, preservar as condições mínimas de sobrevida do
alimentado. 4. Em rigor, a formação profissional se completa com a
graduação,que, de regra, permite ao bacharel o exercício da profissão para
a qual se graduou, independentemente de posterior especialização,podendo
assim, em tese, prover o próprio sustento, circunstância que afasta, por si
só, a presunção iuris tantum de necessidade do filho estudante. 5.
Persistem, a partir de então, as relações de parentesco, que ainda
possibilitam a percepção de alimentos, tanto de descendentes quanto de
ascendentes, porém desde que haja prova de efetiva necessidade do
alimentado. 6. Recurso especial provido. (grifo nosso)
(STJ
, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento:
27/09/2011, T3 - TERCEIRA TURMA)60
7 A LEI 11. 804 DE 2008
7.1 O PROJETO DE LEI 7376 DE 2006
O projeto de lei 7376/2006 (PLS 62/04) 61 proposto pelo então senador
Rodolpho Tourinho visava disciplinar o direito a alimentos gravídicos, a forma como
seria exercido e demais providências, garantindo assim, alimentos para a mulher
gestante.
O Senador Marco Maciel, relator da Comissão de Assuntos Sociais, no
parecer nº944/06 afirmou que o projeto de Lei 7376/06 era louvável pois tinha como
objetivo garantir à gestante o direito de receber quantia destinada a custear as
despesas que advém do seu estado, de modo a proporcionar um período mais
tranquilo e saudável.
Ressaltou ainda que o projeto iria alcançar aquelas mulheres grávidas que
não se encontravam na segurança de um relacionamento conjugal estável, ”no qual,
de modo geral, a paternidade responsável se expressa naturalmente” 62
Após parecer da Comissão de Assuntos Sociais, o projeto de lei foi analisado
60 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº
61 BRASIL. Projeto de Lei 7376 de 2006
62 BRASIL. Parecer nº 944 de 2006
1.218. 510
43
pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, tendo como relatora a
senadora Serys Slhessarenko, que afirmou em sua análise que não havia
inconstitucionalidade a se alegar, não havendo também que fazer maiores
apontamentos quanto a juridicidade e regimentalidade.
No tocante ao mérito, ressaltou que
não se pode mais aceitar passivamente a injusta situação da mulher grávida
que, e, muitos casos, assume sozinha todos os encargos financeiros
necessários aos cuidados pré-natais, sem que disponha de meios
coercitivos para fazer o futuro dai ajudá-la nesse sentido, de maneira que se
faz necessária a criação de instrumentos legais para ampará-la em sua
legítima pretensão por alimentos gravídicos 63
A Comissão de Seguridade Social e Família, por sua vez, por meio da
relatoria da deputada Solange Almeida 64 entendeu que o projeto de lei visava a
tornar incontestável algo que já era concedido pela via judicial, bem como sanaria
uma lacuna judicial, pois muitas mulheres engravidam fora de uma relação estável, e
somente contarão com ajuda financeira do genitor após o nascimento da criança,
quando do pagamento da pensão alimentícia.
Desta forma, em havendo prova razoável de que determinado indivíduo seria
pai da criança, nada mais justo que contribuísse mesmo antes do nascimento,
podendo propiciar um bom andamento da gravidez.
A deputada frisou que a proposição dispõe que ocorrendo imputação injusta
ou de má-fé da paternidade não comprovada por meio da perícia, poderia o lesado
ajuizar ação indenizatória por danos materiais e morais.
O deputado Manoel Ferreira 65, relator da Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania, em 2008 posicionou-se de modo favorável ao projeto de lei por entender
que traria inovações benéficas, haja vista que proporcionaria à mulher gestante
assistência necessária e essencial para o desenvolvimento da gestação, restando,
63 BRASIL. Parecer nº 945 de 2005
64 BRASIL. Parecer da Comissão de Seguridade Social e Família
65 BRASIL. Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
44
pois, observados os princípios constitucionais do direito à saúde e à vida.
Após a relatoria do deputado Manoel Ferreira, o também deputado Regis de
Oliveira66 pediu vênia para que pudesse proferir voto em separado, mostrando
posicionamento contrário ao dos demais deputados e senadores mencionados
acima.
O deputado, em seu voto, alegou que o projeto de lei era sem sentido e que
criaria para a mulher gestante alimentos em contrariedade com a tradição jurídica
brasileira, não sendo de bom senso atribuir alimentos sob simples presunção de
paternidade. Afirmou que “a mulher, ainda que gestante, não tem direitos a alimentos
se não manteve com o alimentante prévia relação de casamento ou união estável”.
Por fim, questionou a técnica empregada no art. 6º do projeto, pois ao utilizar
a palavra “gravídicos” estaria criando um neologismo desnecessário.
Em novembro de 2008, ao ser analisado pelo Presidente da República, o
projeto foi vetado em alguns artigos, conforme se verá a seguir.
8 MENSAGEM DE VETO N º85367 E COMENTÁRIOS À LEI 11.804 DE 2008
Art. 1º
“ Art. 1o Esta Lei disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como
será exercido.”
O art. 1º estabelece o objetivo da lei, bem como traz importante inovação
quanto ao sujeito da obrigação, sendo os alimentos destinados a mãe e não
somente a criança.
Sendo assim, a mulher gestante tem legitimidade para figurar no polo ativo
em eventual ação de alimentos, podendo requerer em nome próprio o direito.
66 BRASIL. Voto em separado do deputado Regis de Oliveira
67 BRASIL. Mensagem de veto nº 853
45
Art. 2º
“Art. 2º Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes
para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela
decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial,
assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto,
medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a
juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das
despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição
que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de
ambos”
O art. 2º estabelece as despesas que deverão ser custeadas pelo valor pago
a título de alimentos. Mas, o rol não é taxativo, podendo o juiz considerar outras
despesas pertinentes, além das previstas no mencionado artigo, conforme explicita
Maria Berenice Dias (2015)68.
Art. 3º (VETADO)
“Art. 3º Aplica-se, para a aferição do foro competente para o processamento e
julgamento das ações de que trata esta Lei, o art. 94 da Lei n o 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.”
De acordo com a leitura do art. 94 do CPC tem-se que o art. 3º do projeto de
lei previa que a ação de alimentos fosse ajuizada no foro de domicílio do
demandado. Entretanto, o Presidente da República, na mensagem de veto,
68 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10º edição. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2015. p. 585.
46
entendeu que tal disposição não seria a mais acertada, haja vista que atribuía à
gestante o ônus de impetrar a ação no domicílo do réu, desconsiderando assim seu
estado especial.
Art. 4º (VETADO)
“Art. 4º Na petição inicial, necessariamente instruída com laudo médico que ateste a
gravidez e sua viabilidade, a parte autora indicará as circunstâncias em que a
concepção ocorreu e as provas de que dispõe para provar o alegado, apontando,
ainda, o suposto pai, sua qualificação e quanto ganha aproximadamente ou os
recursos de que dispõe, e exporá suas necessidades.”
Neste artigo, o veto tem como base a alegação de ser desnecessário que a
gestante prove a viabilidade de sua gravidez.
De acordo com as razões
apresentadas, independentemente da gravidez ser viável ou não, a gestante tem
necessidade de cuidados especiais, que acarretam gastos financeiros, os quais já
são reconhecidos no art. 2º.
Art. 5º (VETADO)
“Art. 5º Recebida a petição inicial, o juiz designará audiência de justificação onde
ouvirá a parte autora e apreciará as provas da paternidade em cognição sumária,
podendo tomar depoimento da parte ré e de testemunhas e requisitar documentos.”
Quanto a este artigo, na mensagem nº 853 o Chefe do Executivo afirma que a
designação de audiência não é procedimento obrigatório em nenhuma outra ação de
alimentos, bem como poderia causar retardamento ao processo.
47
Art. 6º
“Art. 6º Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos
gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades
da parte autora e as possibilidades da parte ré.
Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam
convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes
solicite a sua revisão.”
O art. 6º mostra um direcionamento para a conduta do magistrado. Este,
diante do caso concreto e das provas a ele apresentadas, poderá se convencer que
o demandado é o suposto genitor da criança, fixando, assim, os alimentos
gravídicos, os quais subsistirão até o momento do nascimento daquela. Note-se, por
meio da leitura do artigo, que não basta a mera imputação da paternidade pela parte
autora, devendo o juiz reconhecer que há indícios da paternidade para que dê
procedência ao pedido.
Assim, a paternidade não deve ser “aferida” por meio de uma cognição
superficial, fazendo com que o juiz encontre evidências robustas da alegação, o que
para muitos, entretanto, não significa dizer que o pressuposto da paternidade deva
ser examinado com rigor extremo.
De acordo com o magistrado Ricardo Moreira Lins Pasti 69 é difícil que se
verifique o alegado vínculo de parentesco no momento de propositura da ação,
podendo a demora da resposta judicial não atender a finalidade da lei.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS.
POSSIBILIDADE, NO CASO. 1. Em sede de cognição sumária, o
requisito exigido à concessão de alimentos gravídicos ("indícios de
paternidade", nos termos do art. 6º da Lei nº 11.804/08) deve ser
69 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70061965919
48
examinado sem muito rigorismo, tendo em vista a dificuldade na
comprovação do alegado vínculo de parentesco já no momento do
ajuizamento da ação, sob pena de não se atender à finalidade da lei, que é
a de proporcionar ao nascituro seu sadio desenvolvimento. 2. No caso,
comprovando o exame médico a gestação e havendo declarações de três
pessoas acerca da relação amorosa mantida entre a autora e o suposto pai,
em período concomitante à concepção, há plausibilidade na indicação de
paternidade realizada pela agravante, restando autorizado o deferimento
dos alimentos gravídicos, no valor de 30% do salário mínimo. AGRAVO DE
INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (grifo nosso)
(Agravo de Instrumento Nº 70061965919, Oitava Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 20/11/2014)
Ao que tange o quantum a ser pago, o legislador fez presente o binômio
necessidade – possibilidade ao afirmar que deverá ser sopesado a necessidade da
mãe e a possibilidade do suposto pai.
Art. 7º
“Art. 7º O réu será citado para apresentar resposta em 5 (cinco) dias.”
O art. 7º traz o prazo de resposta do réu, o qual deverá se manifestar em 5
dias. Segundo Maria Berenice Dias (2015), “nada impede que o juiz fixe outro prazo,
mas a tendência é a designação de audiência preliminar, a partir da qual começa a
fluir o prazo de resposta”.70
Art. 8º (VETADO)
“Art. 8º Havendo oposição à paternidade, a procedência do pedido do autor
dependerá da realização de exame pericial pertinente.”
70 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10º edição. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2015. p. 585
49
O artigo foi vetado por condicionar a procedência da ação à realização de
exame pericial, o que se entendeu ser destoante da sistemática processual
existente, uma vez que a perícia não é condição para a procedência da demanda,
mas elemento de prova necessário quando ausente outros elementos probatórios.
Art. 9º (VETADO)
“Art. 9o Os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu.”
Entendeu-se que utilizar a citação como marca inicial da obrigação poderia
ser prejudicial para a própria finalidade da lei, haja vista que a realização deste ato
processual poderia ser dificultada muitas vezes por manobras do réu.
Art. 10º (VETADO)
“Art. 10. Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor
responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos próprios autos.”
O artigo foi vetado, pois o simples fato de ingressar com a ação e esta não
ser procedente, poderia criar hipótese de responsabilidade objetiva, o que imporia
ao autor o dever de indenizar independentemente de culpa.
Assim, a norma
atentaria contra o livre exercício do direito de ação, bem como seria intimidadora.
Art. 11
“Art. 11. Aplicam-se supletivamente nos processos regulados por esta Lei as
50
disposições das Leis nºs5.478, de 25 de julho de 1968, e 5.869 de 11 de janeiro de
1973 - Código de Processo Civil.”
O artigo dispõe quais as normas serão utilizadas de modo subsidiário a lei de
alimentos gravídicos.
Art. 12
“Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Segundo este dispositivo, a Lei entrará em vigor a partir de 5 de novembro.
9 A POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS ENTRE
MULHERES
A família tradicional, aquela formada pelo casamento entre um homem e uma
mulher, vem gradativamente sofrendo mudanças. Assim, novos arranjos familiares
vão surgindo. Há família monoparental, recomposta, anaparental, afetiva, paralela e
homoafetiva.
Nesta última percebe-se união entre duas pessoas do mesmo sexo, que por
meio de afeto e carinho mútuo passam a constituir uma família, a qual poderá ser
expandida por meio da adoção ou da reprodução assistida. Ou seja, mesmo que
biologicamente seja impossível a procriação entre pessoas do mesmo sexo, há a
possibilidade de um casal homossexual feminino se tornarem mães.
Uma primeira opção é a adoção, na qual o casal poderá assumir a
maternidade de uma criança ou adolescente com o qual não possui nenhum vínculo
51
biológico.
A possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo é defendida por Cézar
Fiuza e Luciana Costa Poli (2013) em trabalho publicado na Revista Síntese 71 ao
afirmarem que
a adoção não pode estar condicionada à preferência sexual ou à realidade
familiar do adotante, sob pena de infringir-se o princípio do melhor interesse
da criança, o princípio à dignidade humana, que se sintetiza no princípio da
igualdade e na vedação de tratamento discriminatório de qualquer ordem
Outra alternativa, propiciada pelos avanços da medicina, é a reprodução
assistida.
Nesta técnica, para verem realizado seu sonho de maternidade, as futuras
mães recorrerão a um banco de esperma. Assim, uma delas cederá seu ventre para
a gestação e outra – ou a mesma – cederá seu material genético, que será unido ao
material de um doador anônimo para a formação do feto.
È no contexto da gestação desta criança, gerada por meio de inseminação
artificial, com material genético de apenas uma das integrantes da relação, que está
centrada este trabalho. Mais especificamente, o cerne encontra-se no fato da ruptura
deste relacionamento em momento anterior ao nascimento. Indaga-se, portanto, se
seria cabível a concessão de alimentos gravídicos a gestante.
A lei 11.804/08 traz em sua redação, no parágrafo único do art. 2º e no art.
6º , expressões como “futuro pai” e “indícios de paternidade”, o que aparentemente
seria um entrave para a aplicação do dispositivo. Ou seja, como aplicar a
mencionada lei se no cenário em análise não há a figura de um pai, tampouco pode
se falar em indícios de paternidade?
Podemos afastar a aplicação da lei 11.804 à uma gestante, que em virtude do
seu estado requer cuidados especias, sobre o simples argumento de que não está
71 FIUZA, César e POLI, Luciana Costa. A ampla possibilidade de adoção por casais homoafetivos
face às recentes decisões dos tribunais superiores. In: Revista Síntese de direito de família. Nº14.
Volume.76 São Paulo: Grupo IOB. 2013. p. 28.
52
presente a figura de um pai?
A partir do detalhamento feito em capítulo anterior, pode-se inferir que a Lei
11.804/08 ao estabelecer que o “futuro pai” teria obrigação de prestar alimentos, não
quis dizer que poderá ser aplicada somente nas hipótese em que haja esta figura.
O elemento que cria a obrigação estabelecida na lei em comento é a filiação.
Isso significa dizer que o genitor e a criança estão ligados por este vínculo e é ele
que gera a obrigação de sustento, conforme estabelece o art. 1566, IV da Código
Civil.
Mas, como estabelecer o vínculo de filiação entre uma criança e duas
mulheres à luz de uma visão na qual tradicionalmente se tem uma criança, uma
mulher e um homem?
Para tal questão imperioso suscitar o trabalho do professor emérito da
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais João Baptista Villela,
o qual na sua obra “Desbiologização da Paternidade” 72 apresenta a paternidade não
como um fenômeno decorrente estritamente da coabitação sexual.
O professor afirma que procriação e paternidade são categorias distintas, a
primeira resulta de uma relação sexual que dá origem a um novo ser vivo, enquanto
esta deve decorrer de um ato de vontade.
Enfatiza, portanto, a importância do princípio da liberdade nas relações do
direito de família, ressaltando que as prestações familiares somente proporcionam
satisfação plena quando são assumidas e realizadas de modo gratuito.
Desta forma, segundo Vilella, não é a consanguinidade, mas, sim o cuidado e
afeto que fazem com que a criança atribua a um indivíduo a qualidade de “pai”.
Neste sentido, destaca os ensinamentos de Goldstein, Anna Freud e Solnit, os quais
afirmam que
para a criança mesma os fatos físicos da geração e parto não conduzem
diretamente a um vínculo com os pais. Suas relações de sentimento surgem
72 VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Belo Horizonte: Revista da faculdade de
direito da universidade federal de minas gerais.
53
com base na satisfação de suas necessidades por alimento, cuidados,
simpatia e estímulos. Somente quando sã os próprios pais biológicos que
atendem a esses desejos, a relação biológica determina uma psicológica,
na qual a criança passa a se sentir segura, apreciada e desejada
Ainda, para melhor defender a existência do vínculo de filiação na situação
posta em questionamento, recorremos a ideia da dupla maternidade.
Conforme já apresentado anteriormente, não há no ordenamento jurídico lei
que reconheça a dupla maternidade, tampouco regule o uso das técnicas de
reprodução assistida, impedindo que um casal homossexual as utilize para que
possam “ampliar” a família. Razoável pensar que se o legislador possuísse a
intenção de vetar tal possibilidade, editaria lei neste sentido, o que se fizesse, estaria
agindo de encontro a princípios basilares do direito pátrio.
Assim, correndo paralelamente a esta falta de regulação o poder judiciário
vem fazendo as vezes do legislador, reconhecendo a possibilidade de uma criança
poder ter dupla filiação materna. Em algumas decisões, os magistrados autorizaram
que no registro civil da criança conste o nome das duas mães.
Em fevereiro de 2015 a Juíza Regina Lúcia de Souza Ferreira da 2ª Vara de
Família de Vitória/ES73 reconheceu a dupla maternidade para a criança que foi
gerada por meio de reprodução assistida, determinando que qualquer Oficial do
Registro Civil procedesse ao registro, inserindo o nome das duas mulheres como
mães. Tal decisão possibilitou que a criança fosse incluída como dependente de uma
das mães no plano de saúde para que não ficasse desassistida no momento do
parto, haja vista que o plano de saúde da mãe gestora não abrangia esta cobertura.
Por fim, ainda para respaldar a ideia de filiação, recorremos a Resolução
2013 do Conselho Federal de Medicina e ao Código Civil, especialmente no art.
1.597, inciso V do qual pode ser depreendido a ideia de presunção de paternidade
73 Casal homoafetivo consegue dupla maternidade para bebê gerado por inseminação. (2015, 1 de
fevereiro).
Migalhas.
Recuperado
a
partir
de:
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI214683,91041Casal+homoafetivo+consegue+dupla+mater
nidade+para+bebe+gerado+por%200209
54
quando da inseminação artificial heteróloga, desde que marido da mulher que
recorreu ao procedimento tenha dado seu consentimento.
No caso de relacionamento homoafetivo não é diferente. Se duas mulheres
recorrem a técnica de reprodução assistida, há que se esperar que houve
planejamento e diálogo entre elas. Não se pode conceber que neste cenário, assim
como em um relacionamento heterossexual, não houve consentimento. Da mesma
forma, não se pode conceber que a criança fruto da inseminação não seja filha de
ambas as mulheres.
Como visto, a criança gestada neste contexto possui sim duas mães,
mantendo com ambas, por conclusão, vínculo de filiação, sendo perfeitamente
cabível que haja a prestação de alimentos.
Superado o aspecto da filiação passemos, então, para uma abordagem
principiológica, de modo a reforçar a ideia defendida.
Primeiro princípio em comento é o da dignidade da pessoa humana, um dos
fundamentos da República, conforme preceitua o art. 1º da Constituição Federal de
1988.
Walber de Moura Agra, na obra Tratado de Direito Internacional
74
, ao
discorrer acerca dos direitos humanos afirma que o princípio da dignidade humana é
a base nuclear dos demais direitos, tendo estes o dever de desenvolver e assegurar
aquele.
Bernardo Gonçalves Fernandes
75
ao apresentar o princípio da dignidade da
pessoa humana recorre a uma visão histórica do mesmo, abordando alguns autores
como Dworkin e Habermas. De acordo com o professor, o autor americano não
entende o princípio da dignidade humana tão somente como legitimador dos direitos
fundamentais, mas, de todo o ordenamento, de modo a ir além da afirmação de que
o ser humano é um ser único, usando- o como autofundação do direito moderno.
74 AGRA, Walber de Moura. Direitos sociais. In: Mendes, Gilmar Ferreira e outros (Coord.).Tratado
de direito constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2012
75 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 4ª ed. Bahia: Jus Podivm.
2012. p. 299.
55
O autor alemão, ao seu turno, parte da ideia do princípio da dignidade da
pessoa humana como fundamento do direito moderno e tenta buscar explicação
para como se resulta o processo de produção de normas jurídicas legítimas, sendo
cada indivíduo concomitantemente autor e destinatário da norma.
Fernandes parece se identificar mais com o pensamento habermasiano ao
afirmar que este seria mais adequado, uma vez que não
busca apresentar a noção de dignidade humana sob um conjunto de valores
que reflete apenas uma visão particular de mundo, mais exatamente a
judaico- cristã. Ao se abrir a porta para uma fundamentação normativa
própria do direito, participantes de outras concepções podem tomar assento
nessa prática comunicativa, sentindo- se igualmente coautores das normas
a que se submetem
Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino
76
afirmam que a dignidade da pessoa
humana apresenta-se como um direito de proteção individual, não somente frente ao
Estado, mas, perante os demais indivíduos ao mesmo tempo que constitui um dever
de tratamento igualitário.
Pode-se concluir, de acordo com todo o exposto, que o princípio em destaque
não deve ser usado como um “lugar-comum”, como base para toda e qualquer
interpretação de normas, mas, deve ser entendido como elemento fundante do
direito e consequentemente do ordenamento jurídico.
No caso da hipótese discutida neste trabalho, temos que o princípio da
dignidade da pessoa humana assegura que a gestante, parte de um relacionamento
homoafetivo, deve ser assistida durante a gravidez, independentemente de sua
orientação sexual, devendo a ela ser dispensada tratamento semelhante ao
conferido a uma gestante de um casal hétero. Isso significa dizer que para a
obrigação alimentar não importa se há um casal de duas mulheres ou não, o que se
objetiva é garantir a gestante assistência especial em virtude do seu estado, ao
mesmo tempo que se protege a saúde e vida da criança.
76 ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicentino. Direito constitucional. 6ª ed. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método. 2010. p. 90
56
Ato contínuo, há que falar do princípio da igualdade, presente no artigo 5º da
CFR, no qual percebe-se expressa vedação de discriminação de qualquer natureza,
haja vista que todos são iguais perante a lei.
O Ministro Ayres Brito em seu voto na ADI 4277 77 ressalta que é tão proibido
discriminar as pessoas em razão do sexo tanto quanto em razão da respectiva
orientação sexual.
Brito afirma que
“há um direito constitucional líquido e certo à isonomia entre homem e
mulher: a)de não sofrer discriminação pelo fato em si da contraposta
conformação anátomo-fisiológica; b) de fazer ou deixar de fazer uso da
respectiva sexualidade; c) de, nas situações de uso emparceirado da
sexualidade, fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo, ou não; quer
dizer, assim como não assiste ao espécime masculino o direito de não ser
juridicamente equiparado ao espécime feminino − tirante suas diferenças
biológicas −, também não assiste às pessoas heteroafetivas o direito de se
contrapor à sua equivalência jurídica perante sujeitos homoafetivos. O que
existe é precisamente o contrário: o direito da mulher a tratamento
igualitário com os homens, assim como o direito dos homoafetivos a
tratamento isonômico com os heteroafetivos.” (grifo nosso)
Acerca do princípio da igualdade, Alexandre de Moraes
78
afirma que para que
a diferenciação normativa seja considerada não discriminatória, é imperioso que
haja
um
motivo
objetivo
e
razoável,
devendo
existir
uma
relação
de
proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade pretendida, com
observância dos direitos e garantias constitucionais.
No caso de casal de mulheres que decide ter um filho e se planeje para isso,
mas que por alguma razão se separe antes do nascimento da criança, não há
nenhuma justificativa razoável para que não seja dispensada a gestante a mesma
proteção dada a uma gestante de casal hétero.
Discorrendo acerca dos princípios que regem o direito de família, Maria
77 Superior Tribunal de Justiça. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 4277.
78 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30º ed. São Paulo: Atlas. 2014. p. 35
57
Berenice Dias
79
destaca o princípio da liberdade, relacionando-o com o princípio da
igualdade, afirmando que
o papel do direito é coordenar, organizar e limitar as liberdades, justamente
para garantir a liberdade individual. Parece um paradoxo. No entanto, só
existe liberdade se houver, em igual proporção e concomitância, igualdade.
Inexistindo o pressuposto da igualdade, haverá dominação e sujeição, não
liberdade 38 A Constituição, ao instaurar o regime democrático, revelou
enorme preocupação em banir discriminações de qualquer ordem, deferindo
à igualdade e à liberdade especial atenção no âmbito familiar. Todos têm a
liberdade ele escolher o seu par, seja cio sexo que for, bem como o tipo de
entidade que quiser para constituir sua família
Assim, devemos entender que todo indivíduo deve gozar de autonomia tal
que o possibilite se posicionar sexualmente do modo que lhe convir, e não ser
discriminado por isso. Aliás, deve ter direito que as relações que decorreram de sua
orientação sejam respaldadas legalmente.
Ainda, no contexto dos princípios, podemos suscitar o princípio da analogia,
método de interpretação utilizado quando há lacunas na lei, resultando de uma
comparação entre situações distintas, com conflitos semelhantes e com a mesma
solução. Assim, quando o magistrado se deparar com uma situação de omissão
legislativa, poderá utilizar da analogia para chegar a uma decisão, o que quer dizer
que diante da hipótese levantada neste trabalho, poderá o magistrado recorrei a tal
princípio para efetivar a aplicação da lei de alimentos gravídicos.
Cabe ressaltar ainda que ao analisar a Lei 11.804/08 (conforme feito no
capítulo quatro) de modo mais atento e profundo, sem apego aos termos “pai” e
“indício de paternidade”, deixando de lado a ideia do homem como sujeito passivo
da obrigação alimentar, é notável que a real finalidade da lei é a proteção a gestante
durante os 9 meses, de modo a ter condição de custear todas as despesas
estabelecidas no art. 2º da Lei 11.804, sem prejuízo de outros eventuais custos
entendidos como imprescindíveis pelo magistrado.
79DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10º edição. São Paulo: Revista dos
Tribunais.,2015. p.46.
58
Assim, entende-se que o legislador teve a intenção de resguardar a gestante,
garantindo lhe auxílio financeiro, que consequentemente se reverterá em cuidados
médico- alimentares, proporcionando condições de ter uma gravidez tranquila.
Ademais, nos artigos 6º e 201, II da Constituição Federal de 1988, no art. 392
da Consolidação das Leis Trabalhistas, bem como nas convenções da OIT 80
ratificadas pelo Brasil, percebe-se especial atenção a mulher gestante, conferindo a
ela direitos e garantias em virtude do seu estado, sempre empregando medidas
necessárias a proteção de sua saúde e de seu filho.
Assim, à gestante de um relacionamento homoafetivo é assegurada proteção
em virtude do seu estado, não sendo relevante para a sua observância a sua
orientação sexual.
80 Convenções da Organização Internacional do Trabalho.
59
10 CONCLUSÃO
A estrutura da família está sofrendo gradativas transformações, não se
podendo falar que a família tradicional, constituída pela união entre um homem e
mulher, seja exclusiva. Há que se perceber que a ideia de família está sendo
alterada, podendo ser formada tanto por pessoas de sexo diferentes, quando do
mesmo, até por apenas uma pessoa. O que importa é a existência de relação
pautada por afeto, amor e carinho mútuo.
Nada impede que uma família homoafetiva tenha o sonho da “maternidade”,
oferecendo a seus descendentes amparo e cuidados, ao mesmo tempo transmitindo
seus valores e experiências. Este projeto pode ser proporcionado por meio da
inseminação artificial, regulamentada por resoluções do Conselho Federal de
Medicina - e não por leis em sentido estrito - que permitem que a técnica seja usada
por pessoas em relacionamento homoafetivo.
Concomitante com as modificações estruturais da família não se nota que o
ordenamento jurídico pátrio esteja caminhando no mesmo sentido, tampouco com a
mesma velocidade. Isso significa dizer que as novas famílias ganham contornos
fáticos sem que o direito lhes confira atenção, não sendo protegidas pelo Estado, o
que por vezes resulta em situações nas quais o poder judiciário assume o papel do
legislador.
Para além de uma discussão sobre ativismo judiciário, que não é tema deste
trabalho, deve-se ter em mente que a ausência de um ordenamento em harmonia
com a pluralidade da sociedade e de suas formas de relacionamento não pode ser
justificativa para a falta de proteção que carecem, pois estaríamos violando direitos
fundamentais. È justamente nesta falta de norma e na necessidade de tutela que o
judiciário vem atuando.
Como dito em momento oportuno, o Código Civil de 2002 trouxe inegáveis
60
transformações na seara do direito de família, como a equiparação entre os filhos
havidos do casamento e fora dele, bem como o reconhecimento da união estável
como entidade familiar.
Entretanto, apesar dos progressos, as alterações não foram suficientes para
tutelar todas as formas de convívio entre as pessoas, o que resulta em situações
fáticas vulneráveis e deixadas a própria sorte, pois desnudas de amparo legal.
O tema central deste trabalho encontra-se nesta posição, ou seja, é uma
realidade que está posta na sociedade, mas, não possui abrigo no ordenamento
jurídico.
Assim, buscamos responder como conceder alimentos gravídicos em um
contexto de relacionamento homoafetivo se a Lei 11.804/08, a qual disciplina este
tipo de obrigação alimentar apresenta expressões como “futuro pai” e “indícios de
paternidade”.
Ao nosso ver, a aplicação da Lei a hipótese levanta é perfeitamente cabível. A
ausência da figura do pai não é justificativa razoável para que a gestante
homossexual não goze da proteção que seu estado requer, proteção esta que
recairá consequentemente na criança.
O termo “pai” posto na Lei deve ser analisado como elemento a luz da
filiação, pois é ela que dá suporte para se estabelecer a obrigação de alimentar, haja
vista que o genitor tem o dever de sustento.
Em seara de alimentos gravídicos não há que se adotar um conceito de
sustento como nas demais modalidades de alimentos, deve-se entender que
“sustento” significa dizer que á gestante e ao feto, por consequência, deverá ser
conferido cuidados especiais em virtude de seu estado.
Ademais, não parece razoável que após planejamento e consentimento
mútuo para que pudessem ter um filho, a companheira não contribua para o melhor
desenvolvimento da gravidez da gestante somente por não estarem mais em um
relacionamento. O rompimento não afasta o dever de contribuir.
No mesmo sentido, acerca do princípio da dignidade da pessoa humana,
61
pode-se extrair da ADI 4277 81, que todos os “projetos pessoais e coletivos de vida,
quando razoáveis, são merecedores de respeito, consideração e reconhecimento”.
Desta forma, se um casal homoafetivo decide ter um filho, este projeto deve
ter respeito e ser merecedor de proteção, de modo a ter a gestante assistência que
necessita. Ou seja, à mulher grávida não pode ser negado amparo simplesmente
pelo argumento de estar em um relacionamento homoafetivo. Se assim fosse,
estaríamos afrontando outro princípio, o da igualdade.
Não é razoável dispender tratamento desigual entre casais hétero e
homoafetivo, de sorte que devem gozar dos mesmos direitos, respeitando suas
singularidades.
Deve ser ressaltado por fim que a Lei 11.804/08 não tem por objetivo
estabelecer qual o sujeito passivo da obrigação alimentar, mas sim, conferir
assistência e proteção a gestante. Proteção que também é prevista em dispositivos
constitucionais, trabalhista e em convenções da OIT.
Como dito anteriormente, a resposta para a pergunta – problema deste
trabalho não está explícita em nenhum dispositivo constante no ordenamento
jurídico, o que ao nosso ver não é justificativa para a não tutela da gestante de um
casal homoafetivo.
Sendo assim, intentou apresentar uma solução, reconhecendo a possibilidade
de aplicação da Lei 11.804/08 a relacionamentos entre mulheres, após análise da
lei, destacando a ideia da filiação e princípios pertinentes ao tema.
81 Superior Tribunal de Justiça. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 4277.
62
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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