UNIVERSIDADE POTIGUAR – UNP

Transcrição

UNIVERSIDADE POTIGUAR – UNP
UNIVERSIDADE POTIGUAR – UNP
ALQUIMY ART
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ARTETERAPIA
O BISCUIT NAS TRAMAS JUVENIS
A Descoberta do Ser Criativo
Márcia Betânia Alves da Silva
Natal – RN
2006
Márcia Betânia Alves da Silva
O BISCUIT NAS TRAMAS JUVENIS
A Descoberta do Ser Criativo
Monografia apresentada à Universidade
Potiguar, UnP / RN, e ao Alquimy Art, SP,
como parte dos requisitos para obtenção do
título de especialista em Arteterapia.
Orientadora: Profª Esp. Luciane Maria Bezerra
de Medeiros
Natal – RN
2006
Márcia Betânia Alves da Silva
O BISCUIT NAS TRAMAS JUVENIS
A Descoberta do Ser Criativo
Monografia apresentada pela aluna Márcia Betânia Alves da Silva ao curso de pós-graduação
em arteterapia, ____ /____ /____, recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída
pelos professores:
Profª Esp. Luciane Maria Bezerra de Medeiros – Orientadora
Profª Drª Cristina Dias Allessandrini – Coordenadora da Especialização
Profª Esp. Cristiane H. Vital Otutumi – Leitora Crítica
Ao Padre Tiago Theisen, por seu precioso dom
que encanta e transforma a vida das pessoas.
AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte de vida e amor. Por me guiar até aqui e por todo caminho que ainda terei
que percorrer, ansiando os grandes projetos do futuro, integrando-os em um só valor, a fé,
a oração, as oficinas, o conhecimento, a arte, a esperança e a criatividade. Aos meus pais,
por me darem a vida e sempre estarem presentes em minha luta em busca do saber. Aos
meus irmãos, pelo apoio nos momentos de dificuldades. A Telma Romão e a Graziela
Ayres, por me possibilitarem entrar em contato com o meu eu interior e a ver a melhor
forma de participar de meu próprio progresso. A Luciane Medeiros, que me ajudou a
aplainar as dificuldades para a concretização deste trabalho. A Cristina Allessandrini, pelo
brilho de suas idéias e simpatia. Um agradecimento especial a Rosy, Lídia, Luzia,
Nerialba, e Soraya, pela partilha e amizade. Particular agradecimento a cada um dos
clientes em estágio, pela descoberta e experiência vivida. A todos aqueles que entraram em
minha história pessoal, ajudando-me a crescer.
Mãos desejantes, representando que o homem a si próprio
produz.
Quando comovido ante o mundo, o homem se aventura a
Fazer imagens de si mesmo e da vida à sua volta. Faz isso de
mãos dadas com a imaginação criadora, embrenhando-se
nos campos da linguagem da arte.
Realizada a obra, o artista nos toca os sentidos. Nela, ele
nos dá a ver o mundo no “coração do pensamento”.
Gestos de mãos a nos despertar.
M. C. Escher
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo apresentar o biscuit como um recurso expressivo, mediante a
observação de adolescentes com convivência de rua. Jovens com características muito fortes,
que desviaram todas as suas atenções em forma de rebeldia e agressividade, ato o que não
oferecia condições de sair dos seus mundos limitados, não demonstrando interesse por
qualquer proposta de trabalho. Um desafio que foi possível ultrapassar com a prática do
biscuit. O uso deste material despertou aos participantes mudanças comportamentais,
permitindo-os entrar em contato com seu mundo interior, evocar o ser criador dentro de si
através do nível sensório-motor, da percepção e do cognitivo. Além disso, o biscuit, como
uma atividade arteterapêutica, permitiu mudanças significativas, a sensação de estar em
contato com este recurso passa a ser gratificante para o grupo e, de forma inconsciente, ela
começa a agir como elemento transformador. A inserção deste recurso nas oficinas criativas
permitiu aos adolescentes voltar a sonhar, a ter esperança, a ser uma força de transformação,
de renovação. Na medida em que foram se engajando nas oficinas, passaram a aceitar suas
limitações, a insegurança, o medo bem como reconhecer suas potencialidades.
PALAVRAS CHAVES: Arteterapia, Biscuit, Criatividade.
ABSTRACT
This essay aims to present the biscuit as a source of self-expression, what was done through
the observation of adolescents who carried any street familiarity. Young persons with very
strong characteristics who deviate all their concentration into a form of rebelliousness and
aggressiveness, act without any chance of leaving behind their limited world don‟t present
any interest in any proposal of work. This challenge was possible to overcome through the
practice of biscuit. The use of this material arose behavior changes in the participants what
allowed them to get in contact with their inner world and to evoke the Creator through motorsensorial senses, level perception, and cognitive senses. Furthermore, biscuit, as an arttherapy activity, allowed major changes, and the feeling of being in contact with this practice
became gratifying for the group and, in an unconscious way, it began to act as something
remodeling. The use of this practice in creative workshops allowed adolescents to dream
again, to be hopeful, to be a power of change, of renovation. As the participants engaged
themselves in the workshops, they began to accept their limitations, insecurity, fears, as well
as to recognize their own potentialities.
KEY-WORDS: arttherapy, biscuit, creativity.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................09
2 SEMENTES DE ALEGRIA................................................................................................11
3 ARTETERAPIA...................................................................................................................17
3.1 Ação da arteterapia...........................................................................................................18
4 ADOLESCÊNCIA...............................................................................................................21
5 BISCUIT...............................................................................................................................25
6 ESTUDOS DE CASO .........................................................................................................28
6.1 Preparando a massa..........................................................................................................34
6.2 Perfil do cliente................................................................................................................36
6.3 Reconhecendo o material.................................................................................................37
6.4 Tingindo a massa.............................................................................................................38
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................46
REFERÊNCIAS......................................................................................................................47
ANEXOS..................................................................................................................................49
ANEXOS
Massa de Biscuit
Material

2 xícaras (chá) de amido de milho

2 xícaras (chá) de cola (rótulo azul)

2 colheres (sopa) de vaselina líquida

2 colheres (sopa) de suco de limão ou vinagre (age como conservante)

1 colher (sopa) de creme não gorduroso para mãos

Tigela de vidro (para microondas) ou panela com revestimento interno anti-aderente
(para fogão)

colher de pau

papel filme de cozinha
No micro-ondas

Coloque na tigela de vidro a amido de milho, a cola e a vaselina líquida e vá
mexendo. Esprema o limão na colher e adicione à tigela. Misture bem todos os
ingredientes (com exceção do creme para mãos).

Coloque a tigela no micro-ondas e regule-o para 3 minutos, em potência máxima.
Após cada minuto, retire a tigela e misture bem a massa com a colher de pau. Em
seguida, volte à tigela ao forno. Se necessário, deixe-a por mais 1 ou 2 minutos no
forno (sempre verificando e misturando a massa após cada minuto), até que fique
completamente cozida. A consistência da massa cozida é semelhante à da massa de
modelar usada pelas crianças.

Uma vez pronta a massa, espalhe-a sobre uma superfície lisa com 1 colher (sopa) rosa
de creme não gorduroso para mãos (não exceda a quantidade indicada na receita).

Despeje a massa por cima, ainda quente. Sove-a por vários minutos seguidos. Quanto
mais for manuseada, melhor ela ficara para trabalhar.

Quando a massa estiver bem sovada, pressione-a formando um rolo maciço.

Coloque a massa num saco plástico ou envolva-a em papel filme de cozinha (mesmo
ainda morna), para evitar que resseque. Pode ser utilizada quando estiver totalmente
fria.
No fogão

Misture bem todos os ingredientes (exceto o creme para mãos) numa panela antiaderente. Leve ao fogo brando, mexendo sempre com uma colher de pau, até que a
massa forme uma bola e solte do fundo e dos lados da panela. O restante do processo é
o mesmo do cozimento no micro-ondas.

Importante: cuide para que as sobras que muitas vezes se alojam nas bordas da panela
não se incorporem à massa. O restante do processo é o mesmo do cozimento no microondas.
Dicas

Mantenha a massa sempre embalada em filme plástico para que não resseque.

Para tingir a massa use tinta para tecido ou a óleo.

Antes de tingir a massa com a cor desejada, coloque um pouco de tinta branca para
que não fique transparente após a secagem. Depois, acrescente a cor deseja e misture.

Coloque pouca tinta ao tingir a massa, pois ao secar irá escurecer duas vezes mais.
Além disso, o excesso de tinta resseca a massa.

Ao fazer um número grande de peças, tinja a massa de uma só vez, evitando diferença
de tons.

Para unir todas as partes do trabalho, use sempre cola branca.

O tempo de secagem total da peça varia de três a quatro dias, dependendo da
temperatura ambiente. Nunca embale a peça antes de estar completamente seca.

Para retirar a umidade, deixe a peça secar sobre o papelão. Caso precise de uma
secagem rápida, coloque a peça em secadora de roupa por no mínimo duas horas.

Para que a massa não resseque, quando estiver sendo utilizada, mantê-la sempre
protegida no papel filme e sob uma vasilha ou pote plástico.

Depois de seca, a peça diminuirá de tamanho numa proporção de aproximadamente
30%.

Para proteger o trabalho, quando a peça estiver totalmente, aplique uma demão de
verniz.
9
1 INTRODUÇÃO
A arteterapia levou-me a enveredar na construção de um novo olhar quando
ganhou força ocupando os sentidos de forma ampla e complexa. Entender uma metáfora, nos
ensinam os poetas, é sentir por analogia com outros sentidos. E ver produz exatamente isso: a
sensibilidade do olhar para o que antes não visto, olhar para dentro, olhar para fora e
experimentar a estética do visível e do inventado.
Diante de um desafio trabalhar artes com adolescentes institucionalizados, e em
meio a tantas tentativas sem sucesso, busquei ansiosamente respostas para algumas das mais
importantes questões da vida. Que caminhos percorrer para chegar até o adolescente? Quais
os procedimentos? A partir da necessidade de criar um meio que chamasse a atenção dos
adolescentes, propus o biscuit como uma atividade arteterapêutica, a fim de ajudá-los a
construir e resgatar seus potenciais criativos, pois, apesar de trazerem potencialidades, as
mesmas só poderiam se transformar em capacidades criativas à medida que fossem
descobertas e reconhecidas. O trabalho artístico pode possibilitar isso.
Os adolescentes procuram na droga um sentido para sua existência, o que eles não
encontram no funcionamento social. E no momento que vão buscar em um artifício o sentido
para a própria vida, isto se torna um pesadelo. E, para superarem os problemas que se
apresentam, começam a agir com agressividade, com a não aceitação, passando a viver em
seu mundo limitado.
Nesse sentido, este trabalho aborda a relação dos adolescentes com as habilidades
adquiridas através das vivências com o uso da técnica do biscuit, que constitui elemento
significativo e favorece grandes retornos. A identificação, o interesse, o respeito e a
afetividade são decorrentes desta busca, que a cada sessão os envolveu contribuindo para o
crescimento do grupo.
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Durante as vivências, observei que o biscuit não é apenas um recurso artesanal,
mas sim um agente transformador ao ser trabalhado em todas as suas etapas, visto que permite
a busca de significados, desperta o imaginário liberando as sensações e as emoções, estimula
a criatividade, além de colaborar na recuperação da a auto-estima. Dessa forma, o biscuit foi o
portal para penetrar no universo dos adolescentes
Através desta experiência, os adolescentes perderam a resistência frente às
atividades, proporcionando uma sensação de encantamento e entusiasmo. Mostraram a
juventude não como problema, mas como potencialidades.
Para a elaboração deste trabalho, foi buscado respaldo nos seguintes teóricos,
indicados pelo seu sobrenome: Allessandrini, Andrade, Boff, Ciornai, Chiesa, Charbonneau,
Erikson, Fabietti, Gouvêa, Lesourd, Modugno, Ostrower, Philippini, Takeuti, Tiba e
Winnicott.
Este trabalho está estruturado em cinco capítulos: o primeiro descreve sementes de
alegria, onde é trazida a minha trajetória de vida, como a arte foi importante desde a infância
até os dias atuais; o segundo aborda a arteterapia e sua ação; o terceiro descreve a fase da
adolescência, uma fase de buscas e anseios pela construção da identidade; o quarto capítulo
descreve a história do biscuit e o que ele proporciona ao cliente ao manipulá-lo; e o quinto
capítulo descreve todo o processo vivenciado com os adolescentes durante o período de
estágio.
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2 SEMENTES DE ALEGRIA
Saiu o semeador a semear a sua semente. E ao semear, parte da semente caiu à beira
do caminho; foi pisada, e as aves do céu a comeram. Outra caiu no pedregulho; e,
tendo nascido, secou, por falta de umidade. Outra caiu entre espinhos; cresceram
com elas alguns espinhos, e sufocaram-na. Outra porém, caiu em terra boa; tendo
crescido, produziu fruto cem por um. (LUCAS, 1998, p. 1357)
Como na parábola do semeador, a arte em minha vida surgiu como pequenas
sementes que foram semeadas durante meu percurso. Algumas caíram em terreno fértil, outras
no meio a espinhos e outras ainda entre os pedregulhos. A arte de ensinar foi despertada em
mim logo cedo, na infância, nas brincadeiras de bonecas ou com amiguinhas, e eram sempre
voltadas para a escola, antes mesmo de freqüentá-la. Sem intenção alguma as brincadeiras
surgiam de uma forma sutil, mas eu sempre estava lá à frente, sendo a professora.
A idéia me acompanhava e o gosto pela docência crescia. Uma vez que meus pais
viajavam muito - em razão do trabalho - fui para a escola aos nove anos de idade. Quando ia
deixar meu irmão na escola, ficava maravilhada ao observar o modo como as crianças eram
recebidas. Tudo era adornado, por toda parte havia desenhos. O parquinho, as cores, tudo me
encantava, eram lindos! e eu ficava imaginando como seria gostoso estar naquela escola,
nascendo assim o desejo de um dia lá poder lecionar.
E em meu primeiro dia de aula fiquei com medo, visto que era a primeira vez que
ficaria distante de casa por tanto tempo. Quando vi a professora muito atenciosa com os
alunos, fiquei parada, pois era um sonho estar sentada naquela cadeira em volta de
desconhecidos. Tudo aquilo era mágico.
Em uma das aulas foi desencadeado o gosto pela arte de desenhar. A professora
pediu que todos os alunos fizessem um desenho livre. Enquanto desenhávamos, ela também
iniciaria um desenho no quadro. Fiquei extasiada ao vê-la fazer com tanta facilidade aquelas
linhas, curvas e ver que daqueles contornos nascia uma forma belíssima. A partir daí comecei
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o processo de representação através do desenho, eu antes que só fazia garatujas, meus
trabalhos passaram a ser cada vez mais realistas, a mostrar uma criança pensante, e a atividade
começou a ganhar cor, alimentando o desejo de alcançar a perfeição dos desenhos da
professora. Não conseguia por ser criança, mas a busca aumentava a cada dia e cada vez mais
eu desenhava e pintava tudo o que vinha a mente.
Com o passar do tempo, a busca, a livre expressão surgiam de forma inesperada.
Ainda na infância, despertei a curiosidade e comecei a fazer tricô. Como não tinha as agulhas
próprias para tal, eu as substituía por palitos de palha de coqueiros e a lã por tiras feitas de
saco plástico, tudo transformado em tapetes para as brincadeiras de boneca. Em seguida, o
gosto pela música surgiu dentro de mim, geralmente nos fins de tarde eu gostava de balançarme em uma rede cantando: o Hino Nacional, o Hino a Bandeira, cantigas de roda e outras
músicas que eu memorizava com bastante facilidade.
Mais tarde, novas sementes foram semeadas e dessa vez nasceu o gosto pela arte
de dançar. Eu ficava imaginando como seria ficar na ponta dos pés, rodopiar: era tudo tão
delicado, tão leve.
Na pré-adolescência, veio a primeira separação. Meus pais deixaram a capital e
foram morar no interior, e para eu conseguir estudar precisei ficar em Natal, deixando meus
pais e passando a morar com minha avó materna. Com essa mudança, as sementes começaram
a germinar e caíram entre espinhos, sendo sufocadas, impedidas de crescer. Eu ia crescendo e
minha voz permanecia infantilizada e fui criando um bloqueio ao ouvir os adultos dizerem:
“Não vai ajeitar essa voz? Quando vai crescer? Só fala como criancinha”. E o gosto pela
música passou a ser internalizado, pois devagarzinho estavam me podando, me inibindo até
mesmo de falar. Inconscientemente, nos momentos de tristeza e solidão, entrava para o quarto
e me agarrava às artes pegando gravuras e tentando reproduzí-las no papel e ali extravasava os
sentimentos que me angustiavam e, ao mesmo tempo, estimulava a criatividade, dilatando o
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potencial que existia dentro de mim. Nos tempos ociosos, eu sempre pegava algo para poder
criar: fazia crochê, bonecos de gesso, palhaços de sucata, flores de caixas de ovos, flores de
papéis variados, etc. Era meu mundo encantado e assim eram aliviados aqueles sentimentos
de angústia.
Eu vivia muito presa em casa, até que passei a freqüentar a igreja e a fazer parte de
um grupo chamado de “Grupo de Amizade” onde fui fazendo várias descobertas. Ali percebi
que havia vários grupos para crianças e adolescentes, inclusive grupos de dança e passei a
observar mais. Quando via aquelas meninas se preparando para dançar, eu ficava no canto
quieta, apenas admirando, pois eu não levava jeito para dança. Na escola, nas datas
comemorativas, eram escolhidas algumas meninas para apresentar as coreografias durante a
programação das festas, mas eu sempre era excluída das danças por ser muito tímida e
desengonçada na hora de fazer os passos. Não possuía o perfil que o grupo queria. Comecei a
me afastar e acabei perdendo o interesse por aquele tipo de atividade, deixando até de
participar dos eventos da escola. A exclusão me entristecia.
A ligação com a paróquia despertou em mim um outro olhar em relação à solidão,
e à exclusão. Era tempo de acreditar, ter coragem e ousar, então resolvi fazer a minha
inscrição em um grupo de dança ginástica rítmica. Na primeira aula, por força maior, a
professora não pôde comparecer, mandando uma outra profissional para substituí-la. A
substituta tinha um grupo de ballet clássico. Nesse dia, o nervosismo e a ansiedade falaram
mais alto, pois eu tinha medo de ser eliminada mais uma vez da dança. A professora foi muito
exigente e também, muito observadora. Por um momento tremi ao vê-la aproximando-se de
mim. Chegou pertinho e, para a minha surpresa, falou: “você não gostaria de fazer ballet?”.
Fiquei imóvel, olhando-a, e naquele momento marcamos dia e horário para iniciarmos as
aulas. Era uma semente que caíra em terra boa, que cresceu e começava a frutificar e era
chegada a hora da colheita.
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Houve uma nova tortura interior ao chegar a primeira aula de ballet e ver que todas
as alunas já sabiam dançar. Como iria ser? As pernas, braços e o corpo todo pareciam não ter
controle e eu fiquei paralisada ao ver que a professora pedira para todas as alunas se sentarem
e que eu permanecesse no centro da sala. Com muita paciência, a professora dava os
primeiros passos e devido ao meu nervosismo os passos saíam desajeitados, inibidos. Quando
ela me dizia para a direita, eu girava para a esquerda de tão nervosa que estava. As outras
alunas que estavam assistindo sorriam ao ver os meus erros, e assim foi a primeira aula. Senti
vontade de desistir, era muito difícil, eu não iria conseguir. Mais fui persistente, estava ali
para aprender, estava disposta a lutar para chegar lá. Fui para a segunda aula, a terceira, a
quarta e atingi o nível das outras bailarinas e permaneci no grupo por vários anos. Até que
chegou um momento em que não dava para conciliar ballet, trabalho e estudo, mas o sonho
estava realizado, o fruto havia sido colhido.
Como o semeador ao pegar as sementes e sair por seu campo semeando na
esperança de que possam germinar e dali colher bons frutos. Ao concluir o ensino
fundamental, não tive dúvida, era o magistério que eu queria, e aquelas sementes plantadas na
infância brotavam.
Ainda estava no primeiro ano de magistério quando recebi um convite para
lecionar em um jardim de infância e este jardim era uma das unidades da Escola que o meu
irmão havia estudado e que me encantava tanto. Posteriormente, fui lecionar na escola matriz
que eu tanto apreciava na infância, surgindo assim mais frutos daquela semente que caíra em
terra boa.
Neste trajeto, surgiu uma vontade, uma necessidade de conhecer as artes cênicas e
me matriculei em um curso de iniciação ao teatro. Ao chegar senti-me tranqüila, observando
como o professor mediava aquelas aulas. No início me senti muito à vontade, mas no decorrer
das aulas havia muitos exercícios que utilizavam o uso da voz. Quando era para me expressar
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corporalmente, eu não tinha dificuldades, mas quando era preciso utilizar os recursos vocais,
eu ficava “travada”. Era uma semente que caíra no pedregulho, nascera facilmente, mas, por
falta de raízes, secou. Em momento oportuno, conversei com o professor e expliquei a minha
aflição, este, por sua vez, pediu que eu desse mais tempo, permanecesse no curso e, quem
sabe, eu não venceria essa barreira. Mas, eu revolvi desistir naquele momento.
Chegada à hora de prestar vestibular, surgiu uma grande dúvida: Biologia ou
Educação Artística. Algumas vezes eu ficava muita “tentada” pela Biologia. No meio dessa
indecisão, revolvi prestar vestibular para Biologia e, como segunda opção, Educação Artística
e saí para me inscrever. Ao preencher o formulário a arte falou mais alto dentro de mim e, na
graduação, a cada disciplina que se somava à outra, tornava-se uma realidade.
Daí então, surgiu a oportunidade de conhecer o “biscuit”. Eu já tinha assistido em
um programa de TV e havia achado interessante, mas apenas isso. Como a chance estava ali a
minha frente, resolvi agarrá-la, fazendo a inscrição no curso, que logo me deixou encantada
desde a primeira aula por causa de toda a maleabilidade daquele material. Era uma sensação
muito prazerosa sentir aquela massa nas mãos e poder dar asas à imaginação e poder
transformá-la no que desejasse. Era fantástico!
Ao concluir o curso, deixei-o engavetado, parecia algo banal, corriqueiro, que
acabara ali. E, de novo, nasceu mais uma semente: o biscuit passou a ser um estágio das
etapas evolutivas da minha vida, não era algo estático. Precisava realmente de uma ação
questionadora e uma instrumentalizadora, e assim, fluí como em um jogo simbólico para uma
atividade geradora de renda, permitindo-me abrir novos horizontes, quebrando barreiras e
dando um salto, possibilitando a permanência e a conclusão do curso de educação artística.
Quando faltavam poucas disciplinas para concluir a graduação, surgiram as
interrogações. Qual o curso que faria na pós-graduação? Faria especialização ou partiria para
o mestrado? Foi quando ouvi falar da Arteterapia por intermédio de uma amiga, mas suas
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palavras não me convenceram e continuei na dúvida. Qual o curso? Um dia, no laboratório de
informática da universidade, revolvi entrar no site da Universidade Potiguar - UnP para ver
quais os cursos eram oferecidos, nessa busca, abri no curso de arteterapia e li atentamente os
objetivos, a metodologia, etc. Tudo era convidativo, a Arteterapia era exatamente o que eu
estava procurando, e aí acabaram todas as dúvidas. Ao concluir a graduação, logo me inscrevi
no Curso de Especialização em Arteterapia.
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3 ARTETERAPIA
A arteterapia é um processo terapêutico que se dá através de modalidades
expressivas. Como afirma Philippini (2000, p.13): “Arte-terapia, conceituar torna-se uma
árdua tarefa”, uma vez que possui linhas e correntes diversas.
Para Allessandrini (1999, p.24): “Em arteterapia, evocamos o valor e a
abrangência que a arte tem sobre o ser humano: pensante, formador, construtor, sensível,
consciente e intuitivo”.
Neste contexto, a arteterapia é o uso da arte como terapia, uma vez que a arte está
presente no mundo desde o aparecimento do ser humano. Ela surgiu com as primeiras
manifestações de que se tem conhecimento.
Dessa forma, a arte enquanto linguagem, desenho, imagem, interpretação e
representação interna e externa do ser humano é significante, isto é, tem significado, tem
razão de ser para quem a realiza. Como forma privilegiada dos meios de representação
humana, é instrumento essencial para o desenvolvimento da consciência, pois propicia ao ser
humano contato consigo mesmo e com o universo. Além disso, a arte desenvolve o potencial
criador.
Ainda segundo Allessandrini (1999, p. 32): “O ato criador acontece a cada gesto,
pensamento, palavra ou figura, quando algo é evocado à consciência e parte da essência
primordial do ser”. No processo criativo, a energia do inconsciente se liga a um arquétipo e o
expressa numa linguagem simbólica. Assim, a arte é um canal para um nível não verbal de
percepção.
Assim, para Fabietti (2004, p. 18): “É nesse sentido que a arte tem seu valor maior.
É a possibilidade de se contemplar a vida através de uma obra”. Mas, em arteterapia, segundo
Andrade (2000, p. 79) “Não se enfatiza nem se persegue o aprimoramento técnico com o
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objetivo de se obter obras de arte, porém, nada impede que muitas vezes, talentos sejam
revelados como vemos e, em muitos casos de produções artísticas, de pessoas submetidas a
este tipo de tratamento”.
A ARTETERAPIA terá muito a contribuir, uma vez que é um processo terapêutico
que auxilia a resgatar, desbloquear e fortalecer potenciais criativos, através de
formas de expressão diversas. Deste modo, este processo terapêutico facilita a cada
um que se encontre, comunique e expanda o seu próprio caminho criativo singular.
Favorece através do ato criativo a expressão, revelação e reconhecimento do mundo
interno e inconsciente e permite libertar criaturas que nunca vieram à luz presas que
estavam, em modos antigos de funcionar (PHILIPPINI, 2001, p. 77).
A arteterapia favorece a liberação das emoções de conflitos internos, além disso,
permeia processos criativos e transformadores. Em arteterapia, o valor terapêutico da
atividade artística está no processo de criação, permitindo o despertar da consciência, a
estimulação da expressão e o desenvolvimento da criatividade. Assim Ciornai (2004, p. 80)
reforça que “é importante adicionar o potente recurso focalizador que a atividade artística
proporciona. O instante da atividade artística, como um estado alterado de consciência, ajuda
a pessoa a focalizar seu mundo interno, adentrando um canal mais intuitivo e mágico, onde
nos surpreendemos com nossas próprias imagens e com os significados que nelas
encontramos”.
3.1 Ação da arteterapia
Infelizmente muitos dos jovens que se encontram em instituições assistenciais são
negligenciados e prejudicados, consciente ou inconscientemente, por aqueles que deveriam
cuidá-los e protegê-los; o que torna difícil para muitos abrirem seus corações e confiarem em
suas potencialidades, quando sua auto-estima, sua noção de valor como ser humano, foram
egoisticamente violadas. Jovens com muitas cicatrizes emocionais; jovens que são criaturas
maravilhosamente complexas, com muitos desejos e impulsos conflitantes, que desviam as
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energias e potencialidades, bloqueando o caminho mais reto com comportamentos ingênuos.
E frente a este mundo desafiador, é que o uso do biscuit como recurso na arteterapia surge
como ponte para o adolescente descobrir aquele rio de águas da vida que ele tem dentro de si,
e que pode transformá-lo em uma pessoa com grande potencial.
Para alguns o processo foi mais longo que para outros, e as mudanças eram
percebidas aos poucos no decorrer de cada oficina. No entanto, após o encontro que os
adolescentes acompanharam o „passo a passo‟ do fazer a massa, e quando foram estimulados
quanto à percepção do material, através de proposições para sentirem sua temperatura,
empurrarem as mãos, uma de encontro a outra, apertando a massa até formarem uma bola, a
partir deste processo, as mudanças foram claras. Puderam também introduzir os dedos
polegares para furar a massa e sentirem-se dentro dela, fazerem buracos, enfiando os demais
dedos até que se encontrem, alisarem e apertarem o material, sem a preocupação de formar
algo, somente sentindo as sensações.
Dessa forma, passam a se entregar a um esforço consciente, passam aceitar a si
mesmo tal como eles são, porque agora acreditam que são dignos e capazes de fazerem, de
criarem, e mesmo quando se defrontam com as dificuldades, com obstáculos que lhes tentam
a abandonar o seu trabalho, eles não se inibem e fazem novamente, até conseguir atingir seu
objetivo.
Os adolescentes passaram a cuidar de todo o material que estava sendo
manipulado, a se preocuparem com a organização do ambiente, eles reconhecem que os
materiais são para serem usados durante a oficina. Não desperdiçam mais a massa, surgindo
sentimento de valorização. A agressividade toma formas mais sutis, vão surgindo os laços de
afeto e deste modo vão sentindo seu caminho. E já não se sentem um estranho entre estranhos,
mas sim passam a gerar um agradável sentimento de comunhão. Encontram condições para
sair de seu mundo limitado, começam a criar uma motivação para o seu processo de tomada
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de consciência, colocando todas as emoções para fora, manifestando primeiramente a
sensação, e em busca de transformação reconhecendo suas potencialidades e seus limites. Os
adolescentes mudam, e consegue-se penetrar na casca do individualismo que era tão forte e
desperta-se a chama e eles se colocam no comando, de protagonistas do seu próprio processo
de crescimento interior durante o ato criativo.
A modelagem com o biscuit permite aos adolescentes mais soltura, mais
integração, desenvolve o afeto-cognitivo, abrindo-lhes novos caminhos. A partir dessa
experiência, eles passaram a gostar de outras técnicas, que no início do trabalho foram
rejeitadas. Depois de terem passado por todo o processo do biscuit os adolescentes passaram a
fazer colagem, pintura, desenho e outras atividades. As técnicas que eram oferecidas foram
bem recebidas e aceitas por eles.
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4 ADOLESCÊNCIA
A palavra “adolescer” vem do latim e significa crescer, engrossar, torna-se maior,
atingir a maioridade.
O mini-dicionário da língua portuguesa Aurélio (2001) traz a palavra adolescência
como o período da vida humana que começa com puberdade e se caracteriza por mudanças
corporais e psicológicas, estendendo-se, aproximadamente, dos 12 aos 20 anos.
Para Winnicott (1971, p. 202) “a adolescência é mais do que a puberdade física,
embora se baseie, sobretudo nesta. A adolescência implica crescimento, e esse crescimento
leva tempo. E, enquanto o crescimento se encontra em progresso, a responsabilidade tem de
ser assumida pelas figuras parentais. Se essas figuras abdicam, então os adolescentes têm de
passar para uma falsa maturidade e perder sua maior vantagem: a liberdade de ter idéias e de
agir segundo o impulso”.
É nesta fase que o menino e a menina devem se adaptar a uma situação onde sua
condição de ainda não adulto o coloca em um estágio que pode ser considerado como limite.
É justamente nesta dificuldade de saber quem é, própria a um ainda não ser, e não ser mais
como antes, que se configuram suas relações bastante conturbadas, onde se mascara sua
fragilidade. “Toda adolescência é, portanto, conflitante por natureza: ela se opõe ao resto e
aos outros. Eu-o outros constitui o díptico sobre o qual ela inscreve as páginas da sua jovem
existência”(CHARBONNEAU, 1980, p. 42).
Entrar na adolescência é descobrir-se único, é deparar-se com a existência de uma
subjetividade própria, na busca de identidade. A constatação disso é dolorosa, tendo que
enfrentar a solidão inerente à individualidade. Os adolescentes buscam, então fugir através da
paixão, da turma, ídolos e drogas. Tudo isso para aliviar a dor de se saber diferente. Este
22
período se caracteriza por engendrar grandes mudanças na vida do jovem, tanto por
transformações físicas, quanto psicológicas.
Segundo Charbonneau (1980, p. 47) “a fantasia gratuita da infância cede lugar à
realidade, sempre atemorizante da qual ele começa a tomar consciência. Transição
perturbadora, na qual dois mundos se partem e se opõem; descobrir que o onírico está
entrando no real é um passo tão desconcertante quanto necessário. É esta descoberta que o
adolescente faz, que o conduz ao mesmo tempo a desejar entrar ativamente em comunhão de
amizade e de amor com o outro, e a voltar-se para si mesmo, questionando-se sobre o seu
próprio valor, sobre o sentido da sua vida, hesitando sobre as suas possibilidades, procurando
antes encontrar, para em seguida enfrentar a realidade exterior com menos vulnerabilidade”.
Sem um lugar social claro, determinado, ao contrário da criança e do adulto, o
adolescente caracteriza-se pelo meio termo. Na verdade, sabemos bem o que ele não é, mas
como dizer o que ele é?
O adolescente sente necessidade de ficar independente, de criar uma identidade
própria, de certa forma, ir contra os modelos da família. Neste momento, estão decepcionados
com os pais, saudosos dos pais idealizados na infância, quando a mãe era linda e o pai forte.
Por outro lado, os pais também costumam sentir-se ressentidos e poucos reconhecidos.
Sofrem com a perda do filho mais dependente deles. Por conta das grandes mudanças
hormonais (aparecimento de pêlos, cheiros, espinhas, mamas), o adolescente, sentindo
vergonha de lidar com esse novo corpo, se retrai, se afasta também fisicamente dos pais.
Na adolescência, esses ídolos infantis que são os pais voltam a seres normais, o que
muitas vezes faz com que eles sejam sentidos como “zero a esquerda”. Quanto mais
alto elevar-se o modelo, mais dura será a sua queda. Mas viver sem modelo é
impossível, pois então o sujeito fica abandonado em uma solidão insuportável
quanto às suas escolhas, sua responsabilidade e seus engajamentos morais, outros
modelos ideais, outros ídolos providos do poder e do sucesso, para identificar-se
com eles reconstruir o seu ideal, prejudicado pela destruição das imagens parentais
(LESOURD, 2004, p. 80).
23
Assim, diante dos conflitos da adolescência, pode-se dizer que o individuo evolui
da organização da infância para a desorganização da adolescência, desliga-se de muitos
aspectos e interesses de criança, mas surpreende com atitudes infantis. Os laços com os pais
são modificados, e são estabelecidas novas identidades com colegas e professores. Há o
surgimento de novos ídolos.
De acordo com Erikson (1968, p. 133) “os adolescentes não só se ajudam uns aos
outros, temporariamente, no decorrer desse conturbado período, formando turmas e
estereotipando-se a si próprios, aos seus ideais e aos seus inimigos, mas também testam,
insistentemente, as capacidades mútuas para lealdades constantes, no meio de inevitáveis
conflitos de valores”.
Na adolescência a preferência pela amizade é algo de grande valor, nesta etapa da
vida marcada pelos conflitos, pelas relações afetivas, por perdas e buscas e na construção da
identidade, é na amizade que os jovens tentam se descobrir. É no “grupo de iguais” que os
adolescentes encontram a si mesmos. Quando a amizade sofre rupturas, os adolescentes
ficam, então, sem motivação, sentindo-se anulados. É neste ponto de solidão e de abandono
que o jovem é tomado por confusões que podem levá-lo a outros grupos onde o fumar, beber,
usar drogas proporcionam satisfação.
Os jovens que têm características básicas muito fortes, visto que é uma mudança
muito marcante e muito pessoal, onde toda compreensão dos adultos é requerida. Esta fase é
de transição e não de problemas, onde tudo deve acontecer no tempo devido.
É por isso que sua liberdade pode chegar a assustá-lo. Muito vasta, ela ultrapassa,
muito profunda, ela o abala; muito comprometedora, ela o paralisa; muito
implacável para seu futuro, ela esvazia o seu presente. Diante dela, ele pode então
ser tomado por um estremecimento quase telúrico a princípio, e, a seguir,
psicológico e pode chegar a recusá-la, enterrando-se na quietude da indecisão.
Recusa-se a escolher, deixando então que a “vida” decida por ele, o que quer dizer,
para os outros, primeiro para seus pais, o risco da escolha, o ônus da decisão
(CHARBONNEAU, 1980, p. 152).
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Os adolescentes têm medo de não se tornar alguém. Medo de não serem
produtivos como os seus pais, medo de serem incapazes, de não poderem escolher um futuro,
uma profissão. É uma época de lutas contra os próprios impulsos, aceitá-los ou não, amar e
odiar os pais, ter vergonha e, por vezes, parecer sem pudor, imitar os outros, enquanto
procuram a própria identidade, parecendo ao mesmo tempo generosos e egoístas, autoconcentrados e dispersos no mundo. Ao mesmo tempo, se dão conta de que não são autosuficientes, o que gera insegurança, deixando-os vulneráveis e mais sensíveis a qualquer
influência, como usar drogas, transar sem camisinha, correr com o carro. Nada os atingem na
sua onipotência.
É importante que os pais entendam essa fase como a busca de um caminho, de
uma identidade. É difícil, mas é preciso ser tolerante para que este turbilhão se transforme em
crescimento e aprendizagem. Se compreendidos, o desprezo aparente pelos valores familiares
é transitório e os valores dos pais terão peso em sua formação de adulto. Ser aberto ao diálogo
não quer dizer aprovar tudo o que o filho faz. É, sim, poder refletir com ele sobre o que o pai,
a mãe,, como adultos, sentem, permitindo que ele elabore suas opiniões, mesmo em discórdia
com as daqueles. Os pais devem colocar sua opinião, mas de maneira a não cortar o canal de
comunicação.
Provavelmente as manifestações de rebeldia tenham muito mais a ver com a
necessidade do jovem em solidificar sua identidade que com uma dificuldade efetiva em se
comunicar em família. Vale a pena lembrar que a comunicação familiar é peça fundamental
no processo de otimização das relações familiares na adolescência.
25
5 BISCUIT
Segundo pesquisa realizada no site www.arteembiscuit.com.br (2005) e através
de várias edições da revista „Arte em Biscuit‟, de Anna Modugno, a inspiração do biscuit tem
muitas origens, mas uma delas, veio da Itália. Trabalhos com “pasta de sale”, uma mistura de
farinha, água e sal, são uma tradição naquela parte do continente europeu. São trabalhos
delicados que retratam os mais diversos motivos do dia-a-dia e têm por finalidade enfeitar a
mesa.
Em outros países também há trabalhos nesta linha. Nos Estados Unidos, são
famosos os bonecos de “salt dough”, uma tradição muito antiga. São trabalhos bonitos, mas
que guardam a fragilidade dos elementos de que são compostos, ou seja, o artesão está
limitado à baixa resistência e durabilidade das peças.
O biscuit nasceu inspirado nestes trabalhos. Havia que se procurar resistência e
durabilidade ideais para as peças. Então, ao misturar à massa outros elementos, como a cola,
por exemplo, conseguiu-se uma consistência duradoura, o suficiente para a peça receber
pinturas e acabamentos que realçassem o brilho e outros atributos naturais. Surgia assim o
biscuit, conhecido na Europa e na América Latina como porcelana fria.
O termo porcelana fria, em muitas ocasiões, confunde pessoas que não
conhecem a técnica, muitos acham que se trata de um trabalho em porcelana tradicional, pois
realmente algumas peças assumem tal aspecto. Na verdade, a busca pela resistência e
durabilidade acabou por encontrar uma denominação que tinha mais a ver com o efeito final
do trabalho (parecido com porcelana). O termo “fria” é justamente para diferenciar dos
trabalhos em porcelana tradicional, que necessitam de forno para sua confecção.
Apesar da inspiração européia, a arte da porcelana fria ganhou adeptos e grande
desenvolvimento também na América Latina. Nos países europeus, somente na Inglaterra,
26
temos notícias de grupos de artistas que se dedicam a esta técnica, e já se tornaram
tradicionais seus encontros anuais para debates, exposições e premiações.
Do lado das Américas, a porcelana fria chegou através da Argentina, onde se
encontra um grande número de seguidores e artistas que se dedicam a ela em seus mais
diversos aspectos. Da Argentina se expandiu para o Chile, Peru e Bolívia.
A porcelana fria chegou ao Brasil na década de 80, através dos trabalhos de
Anna Modugno, que pesquisa há algum tempo massas alternativas para trabalhos artesanais.
Nessa época, a técnica também passou a ser conhecida como biscuit, um termo do idioma
francês que significa porcelana branca. Aqui, a inspiração do termo tem muito a ver com a
delicadeza e refinamento das peças, características da porcelana branca.
Anna Modugno não só trouxe a técnica do biscuit para o Brasil, como propiciou
uma nova abordagem do tema. Desenvolveu todo um trabalho de aprimoramento e
refinamento da técnica artesanal, criou uma linha de produtos e ferramentas específicos, além
de publicar livros e revistas com seus trabalhos. Quando o assunto é biscuit, Anna Modugno é
referência em todo o Brasil.
O outro lado do biscuit é sua atividade como negócio. Há hoje no Brasil,
milhares de pessoas que se dedicam a esta arte de forma profissional. São pessoas comuns que
desenvolvem nichos de atuação e acabam por criar um mercado próspero e lucrativo.
O biscuit, ao ser usado como uma atividade arteterapêutica, pode ser muito
gratificante, agindo como elemento transformador. É uma massa muito sedutora, que o
cliente, ao entrar em contato, e ao serem vivenciados todos os processos, iniciando pelo fazer
da massa, em seguida o toque, o tingimento, chegando à produção, pode trazer à tona
conflitos e potenciais internos. Por propiciar o desenvolvimento da coordenação dos
movimentos, a maleabilidade, flexibilidade, resistência e textura asseguram oportunidades de
27
vivenciar a tridimensionalidade através da percepção visual da ação motora e de sensações
táteis, integrando o ser com o mundo exterior.
O biscuit constitui meio riquíssimo de desenvolvimento da capacidade de criar,
tendo em vista as experimentações sensoriais e as operações mentais que as atividades de
modelagens propiciam; é uma atividade estruturante que possibilita variações constantes
durante a sua manipulação, apertar, furar, cortar, bater, que são ações praticadas com grande
prazer e satisfação durante a atividade. O manipulador trabalha sentimentos e emoções
primitivas, devendo ser estimulados, sendo preciso que se respeitem às individualidades e não
se interfira no processo. Os trabalhos com biscuit possibilitam ainda a agregação de materiais
diversos e complementação com tintas e vernizes.
28
6 ESTUDO DE CASO
Será que ninguém vê... O caos
em que vivemos?
Os jovens são tão jovens... E fica
tudo por isso mesmo.
A juventude é rica, a juventude é
pobre.
A juventude sofre e ninguém
parece perceber.
Eu tenho um coração. Eu tenho
ideais
Eu gosto de cinema e de coisas
naturais...
... O que eu tenho de melhor:
minha esperança.
Aloha - Renato Russo1.
Cheguei à instituição assistencial com a missão de se desenvolver um estágio
supervisionado com os adolescentes da casa. A instituição é uma casa abrigo para
adolescentes que se encontram em situação de risco social, uma alternativa de moradia
provisória como medida de proteção, favorecendo seu retorno ao convívio familiar, através de
processo de orientação, apoio e acompanhamento.
No início, o desenho, a colagem, a pintura, não despertavam o interesse dos
adolescentes, que, na maioria das vezes, permaneciam com o trabalhos por cerca de 10 à 15
minutos e não tinham paciência para concluí-los, passando a riscar e a colar o do colega,
interrompendo, às vezes de forma agressiva, o trabalho daqueles que estavam criando.
Em meio a tantas tentativas sem o sucesso desejado, era preciso entender a
necessidade daqueles adolescentes, perceber como agiam, o que pensavam sobre si mesmos e
sua própria concentração. Fazia-se necessário criar algo que despertasse o estímulo para
cativá-los e poder obter resultados.
1
Texto retirado da Revista Mundo Jovem, nº 321, p. 23, 2000.
29
“Sem dúvidas, um desafio enorme para pessoas que, como os nossos jovens
submersos no sofrimento e nos conflitos de diversas ordens, têm dificuldades para assimilálos e integrá–los, visto que estariam ditados pela urgência de „sanar‟ os „males‟ que os
„corroem‟” (TAKEUTI, 2002, p. 63).
Os jovens, na maioria das vezes com suas imposições arbitrárias, provocam uma
crise de identidade, gerando uma grande dificuldade de se visualizarem internamente, e aí a
violência tem servido como um modo de rejeição ao sistema, mostrando-o como um
indivíduo diferenciado. Para não ficar à mercê desta situação limítrofe, resolvi aventurar-me
na modelagem, partindo de experiência própria. Em uma oficina foi-lhes apresentado o
biscuit. Após a explicação, receberam a massa para fazerem o reconhecimento, e, entrando em
contado com a massa, puderam senti-la, amassá-la, cheirá-la, deixando vir à tona as
sensações.
Ao ouvirem um pouco sobre esta técnica, foi despertada a curiosidade dos que
estavam ali, porque nem todos os adolescentes queriam participar das oficinas que são
oferecidas pela casa. Eles queriam saber o que era biscuit, como era feito, quais eram as
demais cores... Nesse primeiro contado percebi que esse era o ponto de partida. O biscuit
tornou-se uma espécie de elo para o relacionamento com os adolescentes que, através da
coordenação cognitiva e afetiva das ações, e, provavelmente com extensão do material, eles
pudessem começar a entender sua individualidade.
Apesar de o material ter despertado interesse, os primeiros encontros foram
desastrosos. Ao receberem a massa, alguns adolescentes tentaram comê-la para identificar o
sabor. Queriam ficar com a massa somente para si, era uma confusão para repassar para o
outro, tentavam esconder para levar para casa quando saíssem da sala, sem falar da
quantidade de massa que um adolescente jogava no outro, às vezes até se machucavam.,
tornando tudo um trabalho bastante limitado. Mas, mesmo nos momentos de maior tensão, era
30
preciso manter o foco e o equilíbrio, permitindo que os adolescentes descobrissem espaços
para se encontrarem consigo mesmos, e nesses momentos, independente de qualquer coisa,
tinha-se que manter o cuidado e o respeito pelos adolescentes.
Para Boff (1999, p. 96) “este modo de ser-no-mundo, na forma de cuidado,
permite ao ser humano viver a experiência fundamental do valor, daquilo que tem importância
e definitivamente conta. Não do valor utilitarista, só para o seu uso, mas do valor intrínseco às
coisas, A partir desse valor substantivo emerge a dimensão de alteridade, de respeito, de
sacralidade, de reciprocidade e de complementaridade”.
Durante o período do estágio, todo o trabalho foi estruturado na abordagem
metodológica da autora Cristina Dias Allessandrini. As OFICINAS CRIATIVAS consistem
nos seguintes passos: sensibilização, expressão livre, elaboração da expressão, transposição da
linguagem e avaliação. Ao trabalhar com o biscuit, e diante de toda uma, foi observado que
este recurso já era algo que tinha chamado a atenção dos adolescentes, de uma forma ou de
outra, apenas ao pegarem, sentirem, ou até mesmo na tentativa de degustá-la. O ETC
(Continuum das Terapias Expressivas) que é um exercício de técnica que propõe que se pense
na relação entre os materiais e o que ele evoca nos indivíduos a partir dos diferentes níveis:
cinestésico, sensorial, perceptual, afetivo, cognitivo, simbólico e criativo.
Com a continuidade das oficinas, eram percebidos pequenos esforços por parte de
cada participante: tentavam obter o máximo de informações, queriam saber como era feita a
massa, se iriam aprender a fazê-la, se o custo era alto, etc. Aos poucos, crescia o gosto por
esse recurso, o grupo ficava na expectativa sobre o que iriam fazer na próxima semana.
Alguns pegavam na massa e ficavam com ela na mão por muito tempo,
amassando-a, observando-a e, quando tentavam dar a forma desejada e não conseguiam
(porque a massa rachava), ficavam muito irritados e jogavam a massa fora em uma atitude
agressiva. Nesse momento era preciso muita cautela para se aproximar do adolescente e fazer
31
com que ele se sentisse à vontade para expressar seus sentimentos e até explicar seus gestos
impetuosos. A agressividade exagerada geralmente é sintoma de problemas mais graves.
Os adolescentes apresentavam nas oficinas um temperamento difícil e impulsivo,
ausência de limites, falta de carinho, excesso de energia mal canalizada, e o biscuit passava a
ser o mediador desses sentimentos não verbalizados. Era a forma de experimentar limites e até
reconhecer os próprios controles.
Durante as oficinas, enquanto os adolescentes modelavam, passaram a exprimir
seus sentimentos, a preferência por educadores da casa, o que gostavam de comer, tipo de
música, suas experiências fora da casa, fantasias, desejos. E, assim, com o passar do tempo o
grupo atingiu uma intimidade significativa, a coragem de investir o eu em um relacionamento
que exigia uma entrega cada vez maior. Biscuit, uma palavra que era estranha, tornou-se
comum no diálogo dos adolescentes.
Começava-se um trabalho conjunto, e era interessante observar que iniciava-se de
uma certa forma e, no final, muitos tinham dado uma forma diferente, modelavam a sua
maneira, deixando emergir seu mundo interior. A cada encontro, eles ficavam mais
independentes, fazendo questão de ficar com a produção, de guardá-la. Aos poucos as oficinas
ganhavam mais adeptos a essa prática, pois quando um adolescente saía da sala com uma peça
pronta, despertava curiosidade e interesse no outro, que pedia a peça para si.
Algumas vezes ouvi a resposta de alguns: porque você não vai fazer? A partir daí,
o olhar de arte educadora, que é voltado para a estética e que procura ver nas peças
produzidas a beleza, foi modificando-se, levando a um novo olhar, desvinculando-se da
estética e conduzindo a um novo desafio: sem dúvida o de recomeçar, refazer, renovar e
reconstruir, focado na busca de resultados positivos. A partir daí é percebível a eficácia do
biscuit como recurso expressivo.
Dessa maneira, criar formas de arte pode apontar novos caminhos que aguçam a
percepção para criar vidas mais integradas onde o passado integra-se com o presente
32
com uma visão para o futuro. Com uma noção de todo, é possível reconhecer o
potencial criativo na construção daquilo que cada um é (CHIESA, 2004, P. 35).
A modelagem pode trazer à tona conflitos internos indesejáveis. Por ser moldável,
integra o ser com o mundo exterior, mostrando-se que pode adaptar-se a situações. O uso
deste recurso possibilita a libertação das tensões, fadigas e depressões, é um material de ação
calmante.
Na relação dialética que acontece entre a matéria e o indivíduo, o momento criativo
produzirá algo concreto que testemunhará o novo, o produto, a imagem concreta da
emoção; a arte como testemunha do si-mesmo. É a energia que conserva, ou melhor
insiste em conservar o momento, o insight necessário ao momento criativo. A
reprodução de algo fruto desse momento dialético, conteria a energia suficiente para
desprender-se em nova relação criativa (GOUVÊA, 1990, p.59).
A sensação de estar em contato com o biscuit passou a ser gratificante para esse
grupo, e, de forma inconsciente, começa a agir como elemento transformador. Os
adolescentes aos poucos perderam a resistência e entregaram-se a essa prática. O efeito da
modelagem exige uma canalização da energia por partir do nada para a criação de algo.
A cada encontro eram percebidas mudanças comportamentais nos adolescentes, a
perspectiva de um mundo novo se abria à imaginação criadora de cada um. A partir dessa
observação, foi possível obter-se resultados compensadores, seja montando-se trabalhos pelo
simples acompanhamento das instruções ou até mesmo, reaplicando os princípios e a técnica
aprendida.
Cria é tocar a essência mais profunda do ser humano. É sentir a beleza do sutil, em
um espaço onde antes era nada, e que de repente passa a ser uma forma, um
contorno, emerge um gesto, enfim, a expressão de um sentimento presente dentro de
nós. É redimensionar o que existia em direção a algo que passa a ser, conectado
com valores internos e constituintes no ser (ALLESSANDRINI, 1999, p. 31).
Há que se reconhecer que durante as experimentações, e depois de vivenciados os
processos básicos, os adolescentes passaram naturalmente a desenvolver sua capacidade de
33
criação e a descoberta de suas potencialidades. Passaram a usar a máscara do comportamento
socialmente aceitável, permitindo que todas as coisas se manifestassem, incluindo toda a
consciência negativa que estava contida bloqueando todas suas criações, permitindo-os
abrirem-se inteiramente, até mesmo do medo do fracasso e da crítica, e mais importante, do
medo de seu eu mais profundo, que iria se manifestar durante o ato criativo.
Tendo em vista toda essa transformação, havia a necessidade de fazer o processo
por completo, que era levá-los para fazer a massa. Por diversas vezes hesitou-se em fazê-lo, já
que deveriam ser conduzidos até a cozinha da instituição, uma vez que a massa é feita no
fogo. O acesso à cozinha era restrito aos funcionários, sendo esse proibido aos adolescentes
abrigados da casa, por existir materiais cortantes. Mas, diante das revelações vivenciadas
juntamente com os adolescentes, não havia o que temer, e o próximo passo seria conhecer e
manipular todos os ingredientes para fazer a massa do biscuit.
Os adolescentes tinham muito interesse e curiosidade para aprender a fazer a
massa, e como havia sido combinado que se iria aprender a fazer a massa dessa forma, foram
conduzidos até a cozinha do abrigo para aprender passo a passo. Antes houve uma conversa
sobre as restrições na cozinha.
34
6.1 Preparando a massa
Fig.: 01
Fonte: Adolescentes – manipulação dos
ingredientes
Fig.: 02
Fonte: Adolescentes - mexendo os
ingredientes no fogo.
Na cozinha do abrigo, todos procuraram um lugar acessível em volta da mesa e
foram lhes apresentados todos os ingredientes, um a um, para fazerem a massa do biscuit. A
partir desse reconhecimento, os adolescentes fizeram todo o encaminhamento, seguindo cada
passo minuciosamente. Enquanto manipulavam os ingredientes, todos ficaram em silêncio
absoluto, prestando atenção a cada movimento que era dado por K., já que, era ele quem
estava colocando e mexendo os ingredientes. A mistura foi levada ao fogo, e todos ficaram ao
redor do fogão observando atentamente o processo de transformação dos ingredientes.
Durante esse processo os adolescentes se mantiveram concentrados apenas na observação,
não tiravam os olhos do fogão por nenhum momento.
O fogo, reconhecido pelos antigos como um dos quatros elementos do mundo,
tem um princípio ativo, transmutador e transformador, e era assim que os adolescentes se
encontravam, transformados na ação, por que em qualquer outro momento, a cozinha do
abrigo seria alvo de quererem ver o que há nas gavetas, nos armários, etc., e durante este
momento eles pareciam não perceber o ambiente em que se encontravam, estavam todos
voltados ao processo que lhes trazia conhecimento e aprendizado.
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Tudo era feito com muito cuidado, e após o cozimento da massa, é chegada a hora
de tirá-la do fogo e sová-la ainda quente com as mãos. Por um momento apresentaram-se
como se estivessem com medo de pegar na massa, uma vez que temos que sová-la ainda
quente com as mãos, mas eles não se inibiram, pegaram-na tranqüilamente, e era como se já
estivessem pego anteriormente por várias vezes. A temperatura da massa não os impedia de
manuseá-la.
“Senti uma sensação boa, eu estava aprendendo a fazer a massa. No inicio senti
medo em pegar.”(A.)
“Eu pensei que a massa estava muito quente, mas não tive medo de pegar.”(K.)
Nesse primeiro contato com a massa, ainda quente, os adolescentes puderam
explorar bastante, fazendo suas descobertas. Aos poucos percebiam que quanto mais sovavam
a massa, mais ela ficava macia, mais maleável. Essa sensação tátil do primeiro contato,
permitiu aos clientes uma mudança substancial, uma mudança de atitudes, conformando uma
nova realidade com um esforço persistente forjado com a força do desejo e compromisso, mas
sobretudo com a valentia de fazer frente à própria realidade pessoal.
O fogo tem uma capacidade de purificar e regenerar, e no ETC (KAGIN e
LUSEBRINK, 1978) diz que, no nível cinestésico, esta focalizado primariamente no soltar da
energia e da expressão através da ação e movimento corporal. E assim, o biscuit serviu a este
nível como um facilitador passivo da ação cinética. Portanto, a partir desse momento, é dado
vazão a grande potencial, desperta um dom especial e único nos adolescentes, a partir desse
contato eles passam a ser indivíduos de uma criação notável, e nesse ato é observável o
cuidado que um passa a ter com o outro e o cuidado com o próprio material que estão usando.
36
6.2 Perfil do cliente
O grupo foi formado por adolescentes entre 12 e 17 anos, com convivência de rua,
vítimas de violência doméstica (abusos físicos, psicológicos, sexuais e negligência).
A casa é uma alternativa de moradia em caráter provisório, logo, estimula-se a
manutenção de um clima residencial. Os adolescentes permanecem no abrigo até que seja
possível seu retorno ao convívio familiar. Portanto, o período de permanência é oscilante,
dependendo, então, das particularidades de cada caso. Embora o trabalho tenha como
premissa básica a preservação dos vínculos familiares, existem casos no qual se faz necessário
a interligação com uma família substituta.
Descrever-se-á o processo de A. e K., que foram os adolescentes que
permaneceram na casa por mais tempo durante as oficinas com uso do biscuit.
A., 14 anos, o pai é envolvido com drogas, a mãe é falecida, tem três irmãos, veio para
o abrigo encaminhada pelo Conselho Tutelar.
K., 16 anos, de uma família de pais separados. O pai partiu para o Rio de Janeiro, a
mãe reside em uma cidade vizinha, e o irmão mora com a madrasta. Vivia nas ruas até ser
encaminhado ao abrigo pelo Juizado da Infância e da Juventude.
37
6.3 Reconhecendo o material
Fig.: 03
Fig.: 03
Fonte: Adolescente – operação exploratória da massa
Após a preparação da massa, foram deixadas as dependências da cozinha, e todos
foram encaminhados para a sala de atividades. Ao lá chegarem procuraram um lugar e
sentaram-se confortavelmente. Foi dada continuidade ao processo, no qual cada um pegou a
quantidade desejada de massa, experimentando o material livremente, apertando, batendo,
amassando, furando, alisando e torcendo. Nesse processo, a massa já estava fria e pura, sem
cor, e este segundo momento consistia em operação exploratória de manipulação, seguindo-se
as operações de organização e criação.
„‟ Pensei logo na borboleta, mas, quando estava fazendo, ficou uma formiga, não
“veio” lembranças, fiquei satisfeito com o resultado, senti dificuldade,” mais”
não incomodou. ”(K.)
„‟Senti que essa massa podia transformar a minha vida, que eu poderia ajudar a
minha irmã. Pensei nas coisas que a gente fazia aqui” incomodou” porque eu não
sabia fazer direito, incomodou só um pouco,” mais” foi bom, porque é só a força
de vontade da pessoa. Estou bem.”(A.)
38
Este contato com a massa levou os adolescentes a uma intimidade, a um silêncio
profundo (Gouvêa, 1990), a sentirem-se como uma massa primeira, um Adão em busca de si
mesmo; era a superação, encontram uma sensação de refúgio, como se fosse uma esfera
pessoal da vida. E em meio a esse fluxo de mudança é que pôde surgir o processo de
individuação, envolvendo a realização dos potenciais de cada um dos participantes. A massa
passa a ser ingresso para as situações objetivas ao campo da consciência, a sua própria
percepção tácita do mundo.
6.4 Tingindo a massa
Neste encontro, a intenção era que os adolescentes tingissem a massa, percebendo
as diferenças entre a massa pura, sem cor e a massa colorida. Eles ficaram à vontade para a
escolha da cor, da tinta para tingir a massa. A tinta que os adolescentes podiam usar na massa
é a tinta a óleo e ou tinta para tecidos, mas a tinta a óleo demora para secar, retardando a
secagem da peça, por essa razão foram usadas somente tintas para tecidos durante todas as
oficinas.
Diante de uma variedade de cores, eles escolhiam aquelas que lhes chamavam
mais a atenção. Na busca de reproduzir seu cotidiano durante toda a oficina, os adolescentes
permaneceram sentados em silêncio quebrado apenas por pequenos murmúrios de K., que por
várias vezes mencionara estar suando muito. À medida que eles tingiam a massa, faziam as
suas próprias produções.
Como foi tingir a massa? Qual a sensação?
“Achei legal, eu quero trabalhar e fazer arte. Achei muito legal. Assim que eu
peguei nela, na ... quando estava fazendo, achei meio dura, depois que coloquei a
tinta, ela ficou meio mole e assim ficou uma cor mais bonita. A primeira idéia era
fazer uma borboleta, veio à lembrança de uma pessoa que eu tinha dado uma
borboleta, que eu já tinha feito com aqui.. Eu não ia conseguir fazer sozinho, sem
ajuda, íi desisti, eu tentei ”pra” ver se conseguia... o cavalo marinho veio na
39
cabeça, eu peguei, ia fazer um sol, aí eu, “votz”, vou fazer um cavalo marinho, e
consegui fazer, não senti dificuldade.”(K.)
“Uma sensação, essa sensação foi melhor do que a outra,”vê” mais colorida,
mais bonita, e a outra não, a gente não sabe nem o que fazer..., só branco, só
aquela cor,” mais” também foi boa. Ao colorir, a massa fica mais macia, melhor
de fazer, “ma” , na hora não veio nada na minha cabeça, depois olhei para ali, aí
lembrei, lembrei da minha irmã, da minha família, comecei a fazer a “idade” da
minha irmã, lembrei até do meu irmão mais velho, que eu não gosto dele. Por
causa dos “rachões”, senti dificuldades, fiquei “aperreada” tentando fazer,”
mais” não dava certo, os “rachões” incomodam, são as dificuldades, mas, eu vou
superar. O preto trouxe as tristezas que eu já tive, depois passou. O azul, por que
era a cor preferida da minha mãe..., minha mãe está no céu, eu não gostaria de
falar, porque traz tristeza, tristeza e alegria também.”(A.)
Ao colorir a massa, ambos sentem mais satisfação, percebendo a diferença entre a
massa pura e a massa colorida, deixando-os mais livres para a criação. Através da cor
puderam expressar suas idéias, sentimentos e suas sensações. K. usa cores que lembram o
fogo, o sol, que transmitem o arrojo, a aventura, o estímulo e o calor. Enquanto que A. prefere
usar as cores mais escuras e tristes, ela usa as cores frias, que transmitem a calma, o repouso,
o frio e a sombra. Essa proximidade com a tinta, um material fluído, traz à tona sentimentos
adormecidos, abrindo um canal para verbalização. Apesar de A. ter dito que não queria falar
sobre sua mãe porque trazia tristeza, acabou superando esse sentimento e falou um pouco de
sua trajetória, o que impulsionou os outros também a falarem.
“Eu vim parar no abrigo porque eu ficava só passando dificuldades em casa. Meu
pai bebia, minha mãe tinha morrido, ele ficava explorando a gente “pra” pedir
na rua, para ele usar drogas, comprar drogas “pra” ele. E peguei pensei, né, e o
homem do conselho vinha acompanhando a gente, aí eu disse: porque não posso
tomar providência, se eu já sou grande, já sei muito bem o que eu posso fazer,
peguei e fui. Já no conselho, ele perguntou se eu queria ser abrigada, eu disse que
queria, queria ir pra qualquer lugar, menos”pra” minha casa, porque eu não
queria mais sofrer, já tinha sofrido demais com a morte da minha mãe, aí ele me
trouxe pra cá. Quando minha mãe era viva, a nossa vida era melhor, porque ela
estava sempre perto da gente, a gente não passava fome, ela pedia nas casas, mas,
só que ela deixava de comer “pra” dar “prá” gente, por isso era melhor com ela
viva. Meu pai não vem me visitar, acho que ele pensa que já morri,”mais”
também, eu nem quero saber dele.,Minha irmã mora sozinha com minha sobrinha,
mas ela nem liga pra mim, só quer que eu vá lá, que ligue “prá” ela, nem vem
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aqui me ver, parece que nem gosta de mim, “mais” eu gosto muito dela. Eu
gostaria muito de ajudar, gostaria não, eu vou conseguir ajudar a minha irmã.
Meu irmão de 19 anos é um vagabundo igual ao meu pai, vive na rua igual ao
meu pai, rouba igual ao meu pai, usa droga igual ao meu pai, esta seguindo o
mesmo rumo do pai. Meu irmão mais novo está no outro abrigo, eu me preocupo
muito com ele. Eu estou lutando para melhorar, não vou “pra” rua, só ia pedir
com minha me, “mais” mãe é mãe,” né”? Só pedia, nunca me droguei, nunca
roubei, nunca matei, graças a Deus, graças também a minha mãe que me dava
conselhos.”(A.)
“A minha história é bem complicada. Quando eu vim pra cá, estava na rua ,aí, o
juizado me pegou e me trouxe “pra” cá, eu estava muito doente “de” anemia. Eu
estava muito ruim, muito grave, aí, a enfermeira começou a cuidar de mim, fui
parar no hospital, tomei três bolsas de sangue, consegui fazer meu tratamento no
H. , e, graças a Deus, hoje estou melhor. O suor que eu sinto, acho que é o efeito
da droga que eu tomava e saí no suor por causa dos remédios. Quando eu estava
na rua, eu me drogava, agora não mais. A minha família... meu pai viajou para o
Rio de Janeiro, meu irmão mora na casa da minha madrasta e minha mãe mora
em Parnamirim. Eu não sei se quero voltar “pra” casa, ou se quero ir para um
abrigo permanente. Assim que eu sair daqui, eu quero logo arrumar um trabalho,
alugar um quarto “pra” eu morar e”botar” meu irmão “pra” morar
comigo.”(K.)
A partir deste contato, os adolescentes deixaram de lado as amarras que os
mantinham presos à insegurança, indecisão, começando a se conduzir com mais resolução e
firmeza. Decidiram governar a sua própria nave, e tudo mudou quando eles começaram a
mudar e a agir, quando olharam para dentro de si e entenderam que é assim a complexidade
da vida, tornando-se disponíveis para o novo, ficando flexíveis e abertos e passaram a
descobrir e a fortalecer o seu eu, apesar das tensões emocionais em que vivem, já que ambos
não tiveram uma infância idílica. Para esses adolescentes crescer foi difícil, extremamente
difícil, já que não tiveram uma infância valorizada, que é o alicerce para um “eu”sólido.
E é exatamente quando passam a lidar com a tinta na massa, esse toque da tinta em
suas mãos, penetrando na massa deixa-os mais hábeis, aumentando a atenção e a
concentração, liberando as emoções e incentivando a imaginação. E começam a ter acesso a
uma fonte profunda que existe dentro de cada, passando a lidar com os obstáculos interiores e
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quando eles passam a eliminar os bloqueios, a criatividade flui para o exterior como poço
artesiano.
Fig.: 04
Fonte: K. e A. – Criando a personagem.
Na medida em que as oficinas vão acontecendo, o grupo faz suas revelações do
quanto o biscuit lhes fazem bem, e a cada encontro eles passam a perceber o que a massa
começa a suscitar. (Gouveia, 1990, p. 30) “encontra-se no profundo da pessoa, no mundo de
suas intuições, uma vida interna a querer se expressar. De início, uma lenta e penosa gestação
onde todo um universo de experiências começa a tomar forma. No momento exato, há ruptura
definitiva e o ser se manifesta em forma de imagem. Na imagem que há por trás das emoções
a “voz do ser” se faz ouvir. Dessa forma, suscita os sinais de introversão, e os encontros
passam a correr dentro de um relacionamento seguro e sustentador, as possibilidades de falar
claro sobre pensamentos, sentimentos e experiências importantes passam a ser de maneira
mais eficientes para descreverem as suas emoções ajudando a entendê-los melhor.”
“Eu já tive a idéia da minha irmã. Eu fiz logo a minha irmã, bateu saudade.
Incomodou na hora da roupa, quando a massa ficou pegando nos dedos. Eu tenho
um monte de obstáculos, que eu fico pensando, “mais” quando pego na massa,
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“ele” não “aparece”. É uma menina Juliana – 16 anos, uma mocinha, saudade é
que fez eu fazer Juliana.”( A. )
“Eu fiquei com dificuldade, eu não tive idéia, comecei a fazer. Eu fiz pensando
numa pessoa, “só que”, eu fiz outra. Incomodou na hora do cinto, quando fui
colocar, e na hora de fazer os dedos. Meu personagem é Márcio, o guarda de 23
anos, porque ele é um cara legal, me trata bem, e eu trato ele bem também.”(K.)
No decorrer do processo, as transformações são visíveis, o exercício contínuo com
o biscuit desenvolve cada vez mais a criatividade, os adolescentes sabem explorar melhor o
mundo e seu lado afetivo e cognitivo. Eles passam para a massa muita de suas vivências
interiores, encontrando a possibilidade de falar sobre seus pensamentos, sentimentos e
experiências, aos poucos a vida começa a fazer sentido começam a estabelecer ligações entre
os acontecimentos e os seus sentimentos. É como se acendesse uma luz em um porão escuro
e, gradualmente, se começasse a ver mais claramente o que ali existisse.
Fig.: 05
Fonte: K. – criação da árvore
Fig.: 06
Fonte: A. – criação da árvore
A cada oficina, foram acrescidos outros materiais como: palitos de churrasco e de
dentes, fios de nylon, rabo de rato, miçangas, sementes, rolo para massa, contadores, tesouras,
tintas dimensional, etc. para os adolescentes experimentarem outras aptidões, ampliando a
percepções.
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“Foi bom, consegui fazer, eu já estava pensando fazer uma árvore, agora como
saber, aí quando você falou que era “pra” fazer uma árvore, veio na cabeça a
idéia de fazer uma árvore, tipo aquela ali (mostra uma árvore de um cartaz). Aí
fui fazendo e ficou mais bonita. As flores “fez” lembrar... é passado, mas eu não
quero falar, me traz uma sensação... não sei explicar. Quando a massa fica mole
demais gruda nos dedos,” mais” eu tento de novo até conseguir. Trabalhar com a
massa, estou trabalhando a minha mente.” (K.).
“Eu estava fazendo, aí não me deu mais vontade de fazer, parei. Eu estava com
raiva, por que não conseguia fazer, aí parei”. (A.)
Nessa oficina A. encontrava-se muito triste, porque logo cedo houve uma briga
com os adolescentes, que os levaram a agressões físicas, e em meio a essa confusão, uma das
adolescentes quase caiu sobre A., deixando-a muito chateada. No transcorrer da oficina ela
precisou estar distante, ao contrário de K. que envolveu-se do início ao final, nada tirava-lhe a
atenção. A. sempre demonstra o seu desejo de encontrar um lar, uma família que possa lhe
adotar, pois, depois do falecimento de sua mãe, ela se sente abandonada por todos de sua
família, que é uma família completamente esfacelada.
Uma crise emocional pode trazer muitas emoções e sensações vagas, mal definidas
e perturbadoras. É fácil se sentir confuso e incerto nessas ocasiões. Uma desconcertante
mistura de emoções só pode aumentar a ansiedade, a incerteza e a impotência.
A partir do momento em que A. decidiu se expressar verbalmente, isto a ajudou
abrir portas emocionais, entrar em contato com seus verdadeiros sentimentos, compreender-se
melhor e encarar a realidade com clareza. Suas opções e ações nem sempre terão resultados
perfeitos, mas estarão em maior sincronia com as suas reais necessidades, crenças e valores.
Nas oficinas criativas com linha na psicologia junguiana, permeia todas as
atividades em todos os níveis e visa estimular os clientes a se encontrarem consigo mesmos, a
se libertarem de traumas que os rodeiam e a dizerem o que pensam, sentem e querem de
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forma mais assertiva. Aprender a respeitar as diferenças entre as pessoas, a manter relações
afetivas saudáveis e não agressivas possibilita ao cliente conquistar autonomia para construir
e ampliar seu próprio conhecimento e familiaridade, a desenvolver sua auto-estima garantindo
assim seu bem-estar pessoal e sucesso inter-pessoal diminuindo as chances de envolvimentos
em situações de risco.
Fig. 07
Fonte: A. - Girassol
Fig. 08
Fonte: K. - Borboleta
As figuras 07 e 08 são resultados da última oficina com o uso do biscuit onde os
adolescentes ficaram livres para criar.
Criar significa poder sempre recuperar a tensão, renová-la em níveis que sejam
suficientes para garantir a vitalidade tanto da própria ação, como dos fenômenos
configurados. Embora exista no ato criador uma descarga emocional, ela representa
um momento de libertação de energias necessário, mas de somenos importância do
que certos teóricos talvez o acreditem ser. Mais fundamental e gratificante,
sobretudo para o indivíduo que está criando, é um sentimento concomitante de
reestruturação, de enriquecimento da própria produtividade, de maior amplitude do
ser, que se libera no ato de criar (OSTROWER, 1987, P. 28).
O criar é libertado por meio de um processo de entrega que desobstrui o caminho
e deixa a energia fluir. A liberação desta força criativa permite ao homem resolver os
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problemas com que são deparados, começam a se reestruturar a partir da nova consciência que
agora está em atividade no processo criativo.
Durante o ato criador, A. e K. usaram as cores vivas, cores da energia que estão
associados a sentimentos positivos acerca de si mesmo. K. afirmou desde a primeira oficina
que seu era desejo fazer uma borboleta, mas algo sempre o impedia, e neste último encontro,
em um processo de metamorfose, a borboleta surge e que confirma “não se pode acelerar nem
retardar o tempo em que as coisas acontecem na vida. Ele apenas acompanha o ritmo do
amadurecimento de cada um”.
A., ao se desligar dos resquícios do passado, conquista a liberdade para viver a
plenitude do momento, criando um girassol, uma flor que busca a sobrevivência, uma melhor
qualidade de vida, busca a luz do sol e energia, sendo também símbolo de prosperidade. E
como afirma Allessandrini (1994) “o ato criador pode estar presente nas mais diferentes
situações da vida que norteiam nossas construções”, surgindo a essência interior,
fundamental, a divindade mais profunda que existe dentro de nós, aquilo que realmente
somos. É a partir deste local interior que brota toda nossa energia criativa. Esta é a eterna
fonte que existe dentro de cada um de nós e de onde provém toda a nossa criatividade.
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os jovens não são só conflito e tribulação, mas também vitória, transcendência e
crescimento. Os adolescentes, ao se permitirem durante o período de atendimento, através da
modelagem com o biscuit, foram capazes de experimentar as possibilidades que surgiam em
sua frente, com capacidades, desejos, quietudes e interesses distintos. Concordo com
Allessandrini (1999) quando ela diz: “o jovem quer ser independente e capaz de realizar suas
próprias investidas no mundo. Seus questionamentos apontam para um desejo de ser
reconhecido como alguém que quer ser ouvido e respeitado dentro de seu jeito de viver a
vida” (p. 20).
Para isso, foi preciso durante o processo de modelagem que os adolescentes
tentassem eliminar a expressão “eu não posso” de suas mentes, e todo esforço de busca
entrançada com todos os materiais que eram oferecidos em cada oficina realizada com o
biscuit e a constância mantida ressignificaram a dificuldade de deixar fluir e explorar idéias e
imagens internas, possibilitando ampliar não só as formas de expressão como também o
universo criativo e imaginário dos adolescentes.
O biscuit, ao ser utilizado como um recurso expressivo, permitiu criar uma
motivação para o processo de crescimento interior, levando harmonia aos adolescentes
consigo mesmos e a melhor harmonia com os outros, além de revelar o potencial criativo.
A arteterapia possui uma facilidade de estruturar, transformar e criar. Essa forma
de experimentar o “novo” faz com que se dê um mergulho profundo em seu próprio universo
simbólico, conseguindo extrair prazer e conhecimento de ser-si-mesmo.
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