HRM: um superpoder. Entrevista de Todd Wheatland, vice

Transcrição

HRM: um superpoder. Entrevista de Todd Wheatland, vice
entrevista
HRM: um superpoder
Todd Wheatland, vice-presidente com os pelouros de Liderança e Marketing
da Kelly Services, mostra-nos que o Marketing e os Recursos Humanos têm
mais em comum do que possa parecer e que unidos são poderosos.
À
primeira vista estas
áreas são totalmente distintas. Embora
já tenham surgido
algumas teorias que
defendem que os
Recursos Humanos
estão agora a trilhar
o caminho que o
Marketing traçou
há uns anos.
Todd Wheatland
trouxe a Portugal,
numa apresentação na Expo RH – o maior
salão de Recursos Humanos –, um novo
conceito: “Human Resources + Marketing”.
Para o vice-presidente da Kelly Services o
Marketing e os Recursos Humanos têm
sido tradicionalmente vistos como funções
corporativas “soft”. «A responsabilidade
final da área de RH é o recrutamento, o
desenvolvimento e a retenção de talentos,
aliás muito semelhante à responsabilidade
do Marketing para com o negócio. Ambas
as funções estão no topo das prioridades
estratégicas dos CEO – infelizmente também estão no topo das preocupações. Nos
últimos anos, entretanto o Marketing tem
conseguido tocar em várias tendências
que fizeram com que a sua importância
crescesse significativamente em muitas
organizações - ao aproveitar a tecnologia
e redefinindo o seu papel para além dos
silos tradicionais. Agora os Recursos Hu-
Po r T i t i A n a A m o r i m B a rro s o
manos têm a oportunidade de aplicarem
essas mesmas técnicas e mentalidades de
forma a elevarem a sua própria função
dentro da organização.»
Criou um novo conceito: HRM, ou seja,
Human Resources + Marketing. É como
um superpoder?
É um superpoder, como os super-heróis, sim. A estrutura tradicional das organizações está-se a tornar mais desfocada,
não funciona como antigamente. Mesmo
na área de Recursos Humanos, com o
employer branding, o recrutamento ou
o desenvolvimento, todas estas funções
cruzam-se muito mais do que o habitual.
O mesmo acontece no Marketing, em que
as funções estão muito mais confusas, isto
porque o comportamento dos consumidores tem vindo a mudar nos últimos 10
anos. E foi o online que despoletou estas
alterações. A forma como as pessoas interagem, como pesquisam, como olham
para as oportunidades, como compram
coisas, tudo mudou dramaticamente, e as
empresas tentam compreender como lidar
com tudo isto, tendo ainda uma antiga e
velha estrutura.
Mas o que significa HRM?
Essencialmente é unir estas áreas, retirando ensinamentos de cada e aplicando-os, sendo que, desta forma, estas áreas
ficam enriquecidas.
18 // Human Resources Portugal // Maio 2013
A área de RH é o guardião da procura do talento e do desenvolvimento das
competências, permitindo ainda envolver e fazer com que as pessoas alcancem
o máximo potencial.
O Marketing tem responsabilidades
semelhantes, mas nas vendas, no crescimento do negócio, é como uma tecnologia de influência, de uma forma que os
RH, na maioria das empresas, ainda não
aprenderam a fazê-lo.
É este o superpoder, a forma como
combinamos estas duas forças. Alguns artigos defendem que o recrutamento deve
ser dado ao Marketing, isso é absurdo. O
Marketing é a filosofia de entendimento
do seu potencial mercado, este é o ensinamento que o Marketing pode dar ao RH,
mas nenhum pode tomar a responsabilidade do outro.
O que podem os RH aprender com o Marketing e vice-versa?
Um dos pontos que partilhei na apresentação é sobre os pré-conceitos, quando
se compra ou vende algum produto ou
serviço, primeiro tem que se saber da sua
existência, posteriormente, para se efectivar a compra, tem que possivelmente
preencher algum problema ou desafio do
consumidor. Habitualmente é preciso entender que se tem um problema e que existem potenciais soluções e, por último, há
que saber comunicar esse produto/serviço.
Essencialmente é unir as áreas de recursos humanos
e marketing, retirando ensinamentos de cada e
aplicando-os, sendo que, desta forma, estas áreas ficam
enriquecidas – transformando-as num superpoder
E o Marketing é muito bom nestes
passos todos, convence as pessoas a
comprar. E o que os RH precisam de
fazer é arranjar um processo similar
de orientação para atrair pessoas e
despertar a atenção dos colaboradores. Portanto, o processo que
atravessamos quando compramos
alguma coisa é o mesmo que as pessoas atravessam quando procuram
trabalho. Os RH também têm o que
ensinar ao Marketing na pesquisa,
recrutamento, desenvolvimento das
pessoas, optimizando-as e mantendo-as empenhadas. O Marketing é
bom a gerir clientes, a fazer crescer o negócio… mas os RH já
sabem influenciar e tornar as
pessoas mais apaixonadas.
O Marketing está a ficar
muito bom em angariar
new business e a perceber
os clientes, quanto melhor isto acontecer melhor identifica os seus
desafios e potenciais
soluções. Os clientes
também influenciam
os seus produtos,
educam o mercado
de forma conjunta.
Similarmente os
RH deviam ter uma
base de dados dos colaboradores, para desafiar,
partilhar a rede de contactos, conteúdos, notícias, para fazer chegar
a mensagem da empresa. Há uns
Todd Wheatland, vice-presidente da
Kelly Services - empresa líder em
soluções de Recursos Humanos
e oferece um conjunto integrado
de serviços nas áreas de Trabalho
Temporário, Recrutamento e
Selecção, Outsourcing e Consultoria
10 a 15 anos, quando se publicava
conteúdos em revistas, jornais ou na
internet, os leitores procuravam referências a CEOs e académicos, hoje
as pessoas confiam mais em colaboradores que estão em contacto com
os clientes. Porque as mensagens
dos CEOs são muito mais controladas, mais artificiais. Mesmo quando
se procura alguma coisa online, um
quarto de hotel, confiamos na opinião de estranhos, que utilizaram
aquele serviço. Hoje confiamos mais
em pessoas que não conhecemos do
que na informação oficial de uma
empresa.
Podemos usar a mesma metodologia nos colaboradores, quanto
mais compreendermos os nossos
colaboradores, mais percebemos o
que devemos dizer. Na BBC em Inglaterra existe uma grande divisão
de online para desenvolver software.
Para muitos jovens o sonho é terem
uma oportunidade numa startup,
com um ambiente igualitário, produtivo, de crescimento rápido, cheio
de jovens, este ambiente é o oposto
ao da BBC, que é velho, conservador, as promoções só acontecem
passados anos de casa, a mobilidade
está estagnada. Na BBC não havia
retenção de jovens, hoje a empresa
comunica intencionalmente a realidade do seu ambiente e identifica
que têm coisas positivas, nomeadamente o facto de ser necessário
muito tempo para criar um produto,
este só é lançado assim que estiver
perfeito, mas é visto por milhões
de pessoas. A BBC identificou características que atraem apenas as
pessoas certas, as que se adequam
e permanecem por mais tempo já
que, ao ser honestas, gere melhor
Maio 2013 // Human Resources Portugal // 19
entrevista
o recrutamento, as pessoas ficam
mais tempo porque já perceberam
a realidade antes de entrarem, não
vão ao engano. Quanto mais se comunicar a verdade mais as pessoas
seleccionam.
Tradicionalmente a história do
Marketing de há 50 anos é como se
vende às pessoas que somos fantásticos, ou que as pessoas deviam
comprar os seus produtos. Isto funciona muito bem quando se publicita e se usa o Marketing de massas
para convencer a audiência.
O que funciona neste ambiente
de confiança?
Neste ambiente de confiança,
de recomendação, de redes sociais
e contactos funciona descobrir histórias verdadeiras, genuínas, dar a
conhecer caras, desafios e problemas
e ajudar, em vez de tentar vender, só
falar como pessoas normais. Humanizar. As pessoas não compram de
empresas, querem comprar de pessoas, tem que existir uma ligação
emocional. E aqui os RH têm muito
a ensinar ao Marketing.
Outra questão a referir é que o
Marketing antigamente estava relacionado com press releases, citações
oficiais, hoje a perspectiva de expertise mudou.
As pessoas confiam muito mais
em pessoas que estão no seu nível,
do que acima.
Confia-se menos nos CEO?
Confia-se menos nos CEO do
que num colega ou colaborador
normal. Existem empresas que não
são particularmente boas na transparência, que não são honestas, que
criam mensagens deturpadas para
o mundo exterior, é fundamental
a existência de um employer branding forte e genuíno. Imagine as
empresas dizerem que adoram as
suas pessoas, que as ajudam a desenvolver, que podem trabalhar de
casa e assim que as pessoas entram
apercebem-se que isso é mentira. O
que acontece? Deixam a empresa
muito rápido. Por isso a forma como
mudamos de trabalho e compramos
um produto é muito similar. Como
é que agarramos nestas tendências
da transparência, e aceitando que
não somos perfeitos, chegamos às
pessoas? Estudos, mostram-nos
que não nos conectamos emocionalmente com pessoas que dizem que
são perfeitas, conectamos com experiências pessoais parecidas, com
pessoas “humanas”.
Li num artigo da revista Human
Resources inglesa que o Marketing é para muitos o irmão
dos RH mais sexy, mais famoso,
mais criativo e mais presente.
Concorda?
Acredito que num mundo em
mudança, com a internet, os sites,
redes sociais… tudo isto apareceu porque reagimos ao ambiente.
Quando há mudança as empresas
têm que pensar na forma como
conseguem encontrar coisas novas,
adaptarem-se e ao fim e ao cabo o
Marketing está sempre relacionado
com essas coisas novas. O Marketing é apontado logo à cabeça, porque lida com clientes, promoção e
comunicação. Portanto, associam
logo ao Marketing a responsabilidade de tomar conta e desenvolver
as redes sociais, acredito que o lado
sexy está ligado a isso, ao facto de
se ligar à novidade. Agora o que
deve acontecer é que as redes sociais devem ser
de toda a empresa,
ninguém deve
ter este pe-
20 // Human Resources Portugal // Maio 2013
louro. Até pode ser usado no recrutamento e no serviço ao cliente.
Por outro lado, os RH estão ligados a processos e ao campo tradicional. Agora é tempo dos RH se
instalarem e recuperarem as responsabilidades, o que já deviam ter feito
há mais tempo.
Ainda assim, o Marketing continua a ser visto como um centro
de lucro e os RH como um centro
de custo. Concorda?
Tradicionalmente eram ambos
vistos como um centro de custos.
O que aconteceu é que de há três
anos para cá, o instrumento tecnológico tem permitido ao Marketing
ser melhor no acompanhamento
do negócio e do comportamento de
um comprador online, significa que
o Marketing tem-se tornado muito
mais responsável por todas as jornadas de compra - é uma das disciplinas
que tem educado e criado a relação
com as redes sociais. O Marketing
tem-se tornado num ofício especial
na geração de leads, nas receitas e
aprendeu a comunicar de uma forma
que a empresa percebe e está relacionado com os seus lucros.
O desafio para os RH é como é
que conseguem ter um papel similar
e arranjar formas de o negócio os
entender. Às vezes é só a linguagem
que tem que ser alterada. Tem que
se reposicionar os RH para estarem
ligados ao lucro.
As organizações identificam
com bons olhos os marketeers
como potenciais CEO. O mesmo
não acontece com os RH?
A minha empresa tem um CEO
que veio do Marketing, mas não
estou familiarizado com essa questão. Talvez as pessoas de Marketing
tenham uma visão externa e os RH
interna, mas em último caso é olhar
internamente e apercebermo-nos
do que estamos a requerer o que as
pessoas precisam, como desenvolvêlas para preencher as obrigações externas. Os RH precisam de ter um
olhar mais externo.
O Marketing está a perder terreno para a área de RH?
O Marketing tem estado na
ribalta nos últimos anos. Agora é
tempo de restabelecer a credibilidade nos negócios, as empresas
que se adaptam ao novo paradigma
conseguem mover-se rapidamente
e ter muito sucesso. As empresas
têm abraçado as oportunidades e
as novas formas de comunicação.
O tempo passa e o papel do Marketing passa por ser uma função que
identifica o que há de novo. A nova
forma de pensar a empresa é através do employer branding, como
atrair talento, o que tem crescido
e desembocado no personal brand
dos colaboradores. Como é que os
RH podem ajudar? Os RH estão
focados nos colaboradores, que
devem ter uma grande voz, como
os tornamos motivados, excitados,
que podem usar o network pessoal,
a marca individual é o que torna a
marca grande. A chave para tudo é
como usamos os colaboradores para
contar a verdadeira história, a história credível, não a intencional, como
os envolvemos e não nos sentimos
amedrontados de lhes dar o controlo
Portanto, agora é o tempo dos
Recursos Humanos?
Totalmente. As pessoas da área
de RH também o acham. E incrivelmente o que tenho detectado é que
os RH querem-se mexer, mas não
o conseguem, por vezes dizem: “Eu
queria fazer, mas o Marketing não se
está a mexer tão rapidamente quanto
o esperado.” O Marketing consegue
mas acha que é só responsável pela
marca – é tudo o que importa para
o Marketing.
Por isso falo tanto do Employer
Branding, porque é uma área “desfocada”. Os RH estão perto do recrutamento, portanto apercebemse que esta área é importante. O
Marketing vê nesta área algo sexy e
novo. Quem é responsável por cada
uma? O desafio é fazer o Marketing
perceber que a empresa é um produto, a marca pessoal dos colaboradores. O Marketing tem a técnica
que ajuda, mas não tem o conhecimento suficiente para ajudar no
Employer Brand, o que os RH têm.
Como é que
os RH podem
crescer em
importância
nas
organizações?
Tradicionalmente
têm sido vistos como
uma função “soft”.
Eu vou generalizar
terrivelmente mas os
RH são “amorosos”, o
lado negativo é que
não se sabe muito bem
o que andam a fazer,
são uma espécie de
psicólogos, pessoas
que trabalham
internamente, vestem
casacos e andam
pela empresa. Já o
Marketing, também
vou exagerar pela
negativa, é tudo
acerca de marcas,
só têm festas,
promoção, usam roupa
casual. Em qualquer
generalização há
sempre alguma
verdade. O Marketing
tem mudado a sua
reputação nos
últimos anos porque
tem demonstrado
esta conexão com
o desenvolvimento
do negócio e a parte
financeira da empresa.
E isso é o que os
RH têm em comum.
Embora ainda não
tenham dado o salto.
temos muito conhecimento interno. Parte do meu papel nos RH é
saber quem são os especialistas,
quem faz muito bem o seu papel em
termos de recrutamento, pesquisa
de talento, employer developement,
planos de sucessão, desenvolvimento de liderança, diversidade e inclusão. Também trabalhamos porque
existe um afastamento entre a função de RH e a de Marketing para
definir o employer branding.
P u b l i c o u o s l i v ro s “ T h e
Marketer’s Guide to SlideShare” e o “The New Rules of Recruiting”. Está a preparar algum livro?
Infelizmente estou. Tornei-me
viciado. Estou a escrever sobre
esta relação profunda entre o Marketing e os Recursos Humanos, à
volta de uma marca cultural com
apresentação de case studies de 25
empresas. Como, por exemplo, o
Starbucks, que tem um grande poder de contornar tudo, se algum
cliente não gostar do café eles fazem um novo no ponto de venda e
isto é um empower. Quanto mais
se dá poder aos colaboradores em
virtude dos interesses do cliente,
mais forte e apaixonado este se torna. São empresas que tentam navegar pelo mundo representando as
suas marcas, o employer branding
tem-se tornado na marca primária
destas empresas. O Zappos é outro
O Marketing tem estado na ribalta nos últimos anos.
Mas agora é tempo dos RH se instalarem e recuperarem
as responsabilidades, o que já deviam ter feito
É vice-presidente na área de Liderança e Marketing. Trabalha
em conjunto com a área de RH?
Sim. Temos uma abordagem
única, porque somos uma empresa
que vende soluções de RH, desenvolvemos conteúdos de liderança,
exemplo óbvio, dá poder para concentrar pessoalmente e no interesse do cliente.
Tem que haver uma paixão pelo
serviço ao cliente, dar uma boa experiência e ser um fantástico local
para trabalhar.
Maio 2013 // Human Resources Portugal // 21